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DIREITO PROCESSUAL PENAL

a
CONSTITUCIONA DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS

SUMÁRIO
1. Dos Princípios do Direito Processual Penal .................................................................................... 02
2. Da Persecução. Da Investigação Preliminar..................................................................................... 16
3. Ação Penal ........................................................................................................................................ 33
4. Aspectos Jurisdicionais ..................................................................................................................... 43
5. Prova ................................................................................................................................................ 68
6. Questões e Processos Incidentes ..................................................................................................... 98
7. Sujeitos Processuais ....................................................................................................................... 108
8. Medidas Cautelares ........................................................................................................................ 115
9. Atos, Fatos e Prazos Processuais .................................................................................................... 130
10. Procedimentos Comuns e Especiais ............................................................................................. 141
11. Sentença ....................................................................................................................................... 168
12. Nulidades ...................................................................................................................................... 177
13. Recursos e Ações Autônomas de Impugnação ........................................................................... 182
14. Execução das Penas ...................................................................................................................... 205
15. Relações Jurisdicionais com autoridade estrangeira .................................................................. 227

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DIREITO PROCESSUAL PENAL
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CONSTITUCIONA DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS

DOS PRINCÍPIOS DO DIREITO


PROCESSUAL PENAL
CONCEITO. CARACTERÍSTICAS. A NORMA PROCESSUAL PENAL. SISTEMAS
PROCESSUAIS PENAIS. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PERSECUÇÃO PENAL NO
BRASIL.PRINCÍPIOS PROCESSUAIS PENAIS. NORMAS INTERNACIONAIS DE
PROTEÇÃO AO ACUSADO. FONTES. APLICAÇÃO, INTERPRETAÇÃO E
INTEGRAÇÃO DA LEI PROCESSUAL PENAL. LEI PROCESSUAL PENAL NO
TEMPO E NO ESPAÇO. IMUNIDADES.

1.1 CONCEITO, CARACTERÍSTICAS E A NORMA PROCESSUAL PENAL


Segundo Vicente Greco Filho, define-se o direito processual penal como “o ramo do direito
público que consiste no conjunto sistemático de normas e princípios que regula a atividade da
jurisdição, o exercício da ação e o processo em matéria penal, bem como a tutela da liberdade de
locomoção, quando o direito penal aplicável, positiva ou negativamente, é o direito penal comum”1.
Percebe-se que o conceito inclui a jurisdição, a ação e o processo como institutos
fundamentais do direito processual, os quais são comuns a todos os ramos da referida ciência.
Mas, o que especializa o direito processual penal é o seu conteúdo, porque regula a aplicação
da lei penal, tendo como feixe principal a liberdade de locomoção propriamente dita. É através do
processo que se legitima a atuação estatal, isto é, a resposta penal, diante da prática de uma infração
penal, desincumbindo-se o Estado do ônus assumido com a avocação do monopólio da jurisdição.
Nesse sentido, no que toca às normas de direito processual penal, embora seja possível falar
em normas de caráter exclusivamente penal e normas de caráter exclusivamente processual, a
doutrina reconhece a existência de normas mistas ou normas processuais materiais.
Uma corrente doutrinária restritiva entende que são normas formalmente processuais, mas
substancialmente materiais aquelas que disponham sobre o conteúdo da pretensão punitiva, como
as relativas ao direito de queixa e de representação, à prescrição e à decadência, ao perdão à
perempção, entre outras.
Já uma corrente extensiva ou ampliativa considera como normas mistas aquelas que
estabelecem condições de procedibilidade, constituição e competência dos tribunais, meios de prova
e eficácia probatória, graus de recurso, liberdade condicional, prisão preventiva, fiança e todas as
demais que tenham por conteúdo matéria que seja de direito ou garantia constitucional do cidadão.
Além do CPP, a legislação especial também veicula normas de natureza processual, tais como:
a Lei 4.898/65, que trata dos crimes de abuso de autoridade; o Decreto-Lei 201/67, que dispõe sobre
os crimes praticados por prefeitos; a Lei 7.210/84, Lei de Execução Penal, que tacitamente revogou
as normas contidas no CPP; a Lei 7.960/89, que cuida da prisão temporária; a Lei 9.099/95, que
dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais; a Lei 10.259/01, regulamentadora dos juizados
no âmbito da Justiça Federal; a Lei 9.605/98, conhecida como a Lei dos Crimes Ambientais; e a Lei
11.343/06, a nova Lei de Drogas.
As características do direito processual penal podem ser assim sintetizadas:
a. Público – pertencente ao ramo do direito público, o direito processual penal é
formado por normas cogentes, ou seja, inderrogáveis pela vontade das partes;

1Greco Filho, Vicente. Manual de processo penal. 10 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 87-88.

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b. Instrumental – característica inerente ao processo, por ser verdadeiro instrumento
de aplicação do direito material;
c. Autônomo – Apesar da sua instrumentalidade, tem sido reconhecida a autonomia
científica do direito processual, com tendência a um tratamento mais unificado, pelo
menos quanto aos institutos fundamentais, inerentes a todos os ramos. Ainda assim,
é reconhecida a validade da divisão dogmática da matéria, por haver princípios e
regras próprias do direito processual penal.

1.2 SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS E A EVOLUÇÃO HISTÓRIA DA


PERSECUÇÃO PENAL NO BRASIL
Costuma-se apontar historicamente a existência de três modelos ideais ou abstratos do
processo penal: sistema acusatório, sistema inquisitório e sistema misto.
O processo acusatório, com origens na Roma Antiga e na Inglaterra medieval, é identificado
como um sistema de partes, em que há uma nítida separação de funções atribuídas a pessoas
distintas, em um verdadeiro actum trium personarum. Vige nele o princípio da presunção de
inocência, da oralidade e da publicidade dos atos processuais. O juiz não possui qualquer iniciativa
probatória. Já no processo inquisitório as funções de acusar, defender e julgar encontram-se
enfeixadas em uma única pessoa, o juiz-inquisidor ou juiz-investigador. O réu é encarado como
objeto do processo, que tem como objetivo primordial a busca da Verdade Real. No campo
probatório, há plena intervenção do juiz, e é autorizada a tortura na colheita probatória2. O processo
é, como regra, escrito e secreto.
No ano 1808, com o surgimento do Code d’Instruction Criminelle francês, passa-se a falar em
sistema processual misto, constituído de duas fases. A primeira assemelha-se ao processo
inquisitório e é presidido por um magistrado, enquanto a segunda inicia com a acusação a cargo do
Ministério Público3. É importante observar que tais modelos não subsistem atualmente em suas
formas puras, sendo antes referenciais teóricos para o estudo do processo penal.
O Decreto-Lei 3.689, de 3 de outubro de 1941, instituiu o Código de Processo Penal
atualmente em vigor. Inspirado na legislação processual italiana fascista produzida na década de
1930, constatavam-se no Código de Processo Penal originário algumas relevantes características:
1. O acusado não é tratado sob o manto da presunção de inocência, mas como potencial e
virtual culpado, sobretudo em casos de prisão em flagrante;

2. Prevalece uma preocupação quase exclusiva com a tutela da segurança pública, em


detrimento da tutela da liberdade individual;

3. A busca da verdade real legitimou práticas autoritárias e abusivas dos poderes públicos,
a partir da ampliação da liberdade de iniciativa probatória do juiz;

4. O interrogatório do réu é encarado como meio de prova e realizado sem intervenção das
partes, podendo o juiz valorar negativamente o silêncio4.

Ao longo dos mais de setenta anos de vigência, o CPP sofreu diversas alterações, podendo se
destacar a Lei 6.416/77, que cuidou da reformulação da fiança e da liberdade provisória, seguindo-se
as leis5 promulgadas após a Constituição Federal de 1988, afastando-se gradualmente o fundamento6
que o inspirou, por ser claramente incompatível com o ordenamento em vigor.

2BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Processo Penal. 2ª ed. Rio de Janeiro: Elselvier, 2014, p. 47.
3OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 19ª ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 10
4OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 19ª ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 8
5Podem ser destacadas: Lei 9.271, de 17 de abril de 1996, que reformulou os artigos 366 a 370 do CPP, com destaque para a suspensão do

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Com efeito, a Constituição Federal de 1988 é de inspiração acusatória, instituindo um sistema
amplo de garantias individuais, as quais devem orientar a leitura do CPP reformado. O devido
processo penal constitucional busca realizar uma Justiça Penal submetida à exigência de igualdade
entre os litigantes, atentando para a desigualdade material que normalmente ocorre em toda
persecução penal. Trata-se de um processo a ser realizado sob instrução contraditória, sob os rigores
da lei e do direito, de maneira que a verdade processual seja resultado de atividade probatória
licitamente desenvolvida.

1.3 PRINCÍPIOS DO DIREITO PROCESSUAL PENAL7


O conceito de princípio pode ser extraído da lição de Celso Antônio Bandeira de Mello:
Princípio [...] é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro
alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas
compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e
inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema
normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico 8.
Os principais atributos dos princípios são a generalidade e a abstração, ao contrário das regras.
Dessa maneira, pairam sobre todo o ordenamento, dando a este coerência e coesão.
A Constituição Federal abriga os princípios que regem o direito processual, expressos ou
implícitos, sem prejuízo da possibilidade de a legislação infraconstitucional acrescentar outros
princípios ao ordenamento, desde que compatíveis com os consagrados pela Lei Maior. Situam-se,
principalmente, no art. 5º, que enumera, não taxativamente (§ 2º), os direitos e garantias individuais,
sendo em sua maioria aplicáveis a todos os ramos do direito processual, independentemente do
objeto de cada um deles, podendo haver variação de alcance e intensidade.
Entre os princípios previstos na CF de 1988, destacam-se o da dignidade da pessoa humana
(art. 1º, III) e o do devido processo legal (art. 5º, LIV), considerados como informativos de todo o
direito processual. Na lição de Guilherme Nucci:
Olhares especiais devem voltar-se ao princípio da dignidade da pessoa humana e
ao princípio do devido processo legal. Afinal, respeitada a dignidade da pessoa
humana, seja do ângulo do acusado, seja do prisma da vítima do crime, além de
assegurada a fiel aplicação do devido processo legal, para a consideração de
inocência ou culpa, está-se cumprindo, na parte penal e processual penal, o
objetivo do Estado de Direito e, com ênfase, democrático9.

Princípio da dignidade da pessoa humana


O princípio da dignidade da pessoa humana está presente no Capítulo I do Título I da
Constituição Federal. A sua posição topográfica é sintomática. Cuida-se de alicerce da República, do

processo, prevista no art. 366, em consonância com o Pacto de São José da Costa Rica; Lei 10.792, de 1 de dezembro de 2003, que
contribuiu para concretizar o interrogatório do acusado como meio de defesa; Lei 11.689, de 9 de junho de 2008, que trouxe alterações no
procedimento dos crimes da competência do Tribunal do Júri; Lei 11.690, de 9 de junho de 2008, que tratou de modificações na parte que
trata da prova; Lei 11.719, de 20 de junho de 2008, com alterações relativas à suspensão do processo, emendatio libelli, mutatio libelli e aos
procedimentos; Lei 12.830, de 20 de junho de 2013, que dispõe sobre a investigação criminal conduzida por delegado de polícia; Lei 12.850,
de 2 de agosto de 2013, que define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção de prova, infrações
penais correlatas e o procedimento criminal.
6Recomenda-se a leitura da parte introdutória da exposição de motivos do Código de Processo Penal, a fim de que se possa conhecer e
contextualizar historicamente a sua inspiração antidemocrática.
7A discussão envolvendo os princípios inerentes ao Direito Processual Penal provoca debates na doutrina. Não há sinal de consenso. Há os
que, por exemplo, defendem a existência tão somente do princípio publicístico (DELMANTO JÚNIOR, Roberto. Inatividade no processo penal
brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 36-54). Entretanto, a celeuma teórica foge do objetivo dessa obra.
8MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 11. ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 629-630.
9NUCCI, Guilherme de Souza. Princípios constitucionais penais e processuais penais. 3 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2013, p. 45.

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grande valor que fundamenta a própria existência do Estado, sem o qual este se tornaria um fim em
si mesmo, desprovido de conteúdo.
A dignidade da pessoa humana deve orientar toda a atuação estatal, qualquer que seja o
órgão ou o ato a ser praticado. O direito processual penal, com mais razão, em função da magnitude
do seu objeto, não se afasta dessa regra.
Não se quer dizer que a adoção de tal princípio impeça um provimento estatal que possa
restringir um direito, quando estritamente necessário e adequado à situação. Dessa forma, ao
contrário de ofendê-lo, realiza-o. Portanto, a efetivação de uma prisão, por exemplo, quando justa e
necessária, não constitui violação ao princípio da dignidade da pessoa humana.

Princípio do devido processo legal


O devido processo legal está expressamente previsto no art. 5º, LIV, da CF, ao preconizar que
ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.
Cuida-se de garantia inafastável e irrenunciável, sem a qual se deslegitima a própria função
jurisdicional. Isso porque o Estado, enquanto detentor do monopólio da referida atividade, na
medida em que proíbe a justiça com as próprias mãos, tem o dever criar mecanismos para que a
norma atue concretamente, sem abuso ou tratamento materialmente desigual, buscando-se
incansavelmente o ideal do justo processo.
Tamanha é a importância atribuída pelo legislador constituinte ao devido processo legal, que a
sua inobservância quase que inevitavelmente acarretará a invalidação do ato viciado.
Apesar de a delimitação dos contornos jurídicos do devido processo legal ser uma tarefa das
mais árduas, a Constituição Federal apresenta alguns princípios e garantias intimamente
relacionados ao due process of law, tais como o contraditório, a ampla defesa, o juiz natural, a
igualdade, a presunção de inocência, a publicidade e a motivação das decisões.
A doutrina, já reconhecida pela jurisprudência do STF10, costuma apontar duas dimensões para
o devido processo legal; a primeira, em sentido formal, consiste na estrita observância da lei
processual, devendo o Estado cumprir a ritualística limitadora da sua atuação; a segunda, em sua
concepção substancial (substantive due process of law), vai além, ao determinar que o processo seja
justo, adequado, não sendo suficiente a mera observância da lei, devendo esta ser equilibrada,
vedando-se a arbitrariedade. Relaciona-se com o princípio da razoabilidade (ADI-MC 1.407/DF).
Vejamos os demais princípios que serão revisitados ao longo da obra.

Princípio da legalidade
O princípio da legalidade está previsto no art. 5º, caput e inc. II, da CF/88. Constitui um dos
alicerces do Estado de Direito, ao lado do princípio da segurança jurídica.
O direito processual penal, como já foi dito, é composto de normas de vários níveis, desde a
Constituição Federal, que se encontra no ápice do ordenamento, até os atos infralegais, como, por
exemplo, os regimentos internos dos tribunais. A norma será válida, do ponto de vista formal e
material, quando estiver compatível com a norma superior que lhe dá suporte.

10RECURSO EXTRAORDINÁRIO - MATÉRIA TRIBUTÁRIA - SUBSTITUIÇÃO LEGAL DOS FATORES DE INDEXAÇÃO - ALEGADA OFENSA ÀS
GARANTIAS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO ADQUIRIDO E DA ANTERIORIDADE TRIBUTÁRIA - INOCORRÊNCIA - SIMPLES ATUALIZAÇÃO
MONETÁRIA QUE NÃO SE CONFUNDE COM MAJORAÇÃO DO TRIBUTO - RECURSO IMPROVIDO. [...] - O Estado não pode legislar
abusivamente, eis que todas as normas emanadas do Poder Público - tratando-se, ou não, de matéria tributária - devem ajustar-se à
cláusula que consagra, em sua dimensão material, o princípio do "substantive due process of law" (CF, art. 5º, LIV). O postulado da
proporcionalidade qualifica-se como parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais. Hipótese em que a
legislação tributária reveste-se do necessário coeficiente de razoabilidade. Precedentes. (RE 200844 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO,
Segunda Turma, julgado em 25/06/2002, DJ 16-08-2002 PP-00092 EMENT VOL-02078-02 PP-00234 RTJ VOL-00195-02 PP-00635).

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Princípio da igualdade das partes
A garantia da igualdade processual reflete-se na atuação equilibrada das partes. Esse equilíbrio não
necessariamente estará ligado à atuação simétrica, formalmente paritária. A igualdade a ser buscada é a
substancial. Nesse sentido, pode e deve haver tratamento mais favorável à defesa, quando a situação o
exigir. Exemplos não faltam, como a aplicação do in dubio pro reo, a vedação da revisão pro societate,
sendo permitida apenas a revisão criminal em favor do condenado (art. 621 do CPP).

Princípio do juiz natural


A Constituição Federal, em pelo menos duas oportunidades muito claras, demonstra a sua
inequívoca intenção de instituir a garantia do juiz natural, na medida em que determina que não
haverá juízo ou tribunal de exceção11 e que ninguém será processado nem sentenciado senão pela
autoridade competente12.
Esta garantia assegura que não haja a criação ou a designação casuística de órgãos para o
julgamento de determinado caso. É necessário que se implemente um feixe de regras que definam
previamente como se dará a repartição de competências. A pessoa física do juiz também deve ser
preservada, não apenas o órgão, evitando-se que seja arbitrariamente afastado do caso.
A garantia do juiz natural não se destina apenas à proteção do indivíduo, apesar de esse ser o
seu enfoque principal. Busca também impedir que o interessado possa “escolher” o órgão julgador.

Princípio da inafastabilidade da jurisdição


O acesso à justiça está previsto expressamente no art. 5º, XXXV, em que determina que a lei
não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.
A garantia constitucional obsta a edição de atos normativos que impeçam, de alguma maneira,
o cidadão de buscar uma resposta do Poder Judiciário quando houver lesão ou ameaça de lesão a
bem jurídico tutelado pelo ordenamento.

Princípio do contraditório e ampla defesa


Nos termos do inciso LV do art. 5º, aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos
acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela
inerentes.
O contraditório traduz-se basicamente no binômio ciência/participação efetiva. Deve-se
garantir à parte a possibilidade real de influir na formação do resultado final do processo, que é a
decisão judicial.
Em determinadas situações, entretanto, o contraditório não pode ser exercitado previamente,
em razão do risco de se comprometer o próprio ato. Nesses casos, aplica-se a técnica do
contraditório diferido, amplamente admitida pela jurisprudência, notadamente quando se trata de
tutela de urgência.
A garantia da ampla defesa não se circunscreve à possibilidade de a parte interpor recursos
contra decisões desfavoráveis, de provocar o reexame da matéria apreciada, caso em que se
aproximaria ou se confundiria com a garantia do duplo grau de jurisdição. Compreende o direito de a
parte defender os seus pontos de vista, argumentos, alegações, a fim de demonstrá-los em juízo. No
caso do processo penal, a ampla defesa abrange a defesa técnica e a autodefesa.

11Art. 5º, XXVII.


12Art. 5º, LII.

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A defesa técnica é a realizada por profissional devidamente habilitado, seja ele constituído,
designado (dativo) ou legalmente legitimado (defensor público) para tal tarefa. Não se permite a sua
dispensa (art. 261 do CPP).
Já a autodefesa, em que o réu a exerce pessoalmente, como o próprio nome evidencia, pode
ser compreendida não somente pelo direito de presença, isto é, de comparecimento aos atos
processuais, como também pelo direito de audiência, que se manifesta no interrogatório, quando o
réu tem a oportunidade de expor diretamente as suas alegações ao órgão judicante. Pode até ser
dispensada pela parte como estratégia de defesa, mas a sua não realização, em outras situações,
pode ser causa de nulidade.
A plenitude de defesa, prevista para os casos de crimes dolosos contra a vida, da competência
do Tribunal do Júri, amplia o feixe de opções defensivas, na medida em que se permite validamente a
utilização de argumentos metajurídicos na defesa do réu.

Princípio da inadmissibilidade de provas obtidas por meios ilícitos


O art. 5º, LVI, da CF prevê que são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios
ilícitos.
O Código de Processo Penal, especificamente no art. 157, com a redação dada pela Lei
11.690/08, incluiu em seu corpo a referida garantia, dando-lhe maior concretude.

Princípios da motivação e da publicidade


A Carta da República exige que todas as decisões tomadas pela autoridade judiciária sejam
efetivamente fundamentadas, indicando-se expressamente os motivos que a justifiquem.
O principal objetivo desta garantia, assim como ocorre na publicidade, é justamente o de se
viabilizar o controle da decisão judicial, através de recursos ou outros meios de impugnação
pertinentes.
A própria Constituição, contudo, estabeleceu uma exceção, na medida em que se permitiu, no
Tribunal do Júri, que a decisão dos jurados não seja acompanhada da respectiva fundamentação.
Assim, a fundamentação e a publicidade da decisão permitem um maior controle da atividade
jurisdicional, o que, em contrapartida, contribui para a sua própria legitimação.

Princípios da obrigatoriedade, da oficialidade


e da indisponibilidade
O princípio da obrigatoriedade surge em razão da própria natureza da atividade. Cuida-se da
contrapartida a cargo do Estado, porque chamara para si a responsabilidade decorrente do
monopólio da jurisdição. É princípio ligado à ação penal.
O princípio da oficialidade guarda estreita sintonia com o princípio da obrigatoriedade, pois,
em se tratando de serviço estatal, somente órgãos oficialmente criados ou instituídos estariam
legitimados ao desenvolvimento da atividade persecutória, inclusive a jurisdição propriamente dita.
A indisponibilidade também constitui desdobramento da obrigatoriedade, não podendo o
Ministério Público, por exemplo, dispor da ação penal, porque o seu objeto é indisponível. Pode até
mesmo postular a absolvição do acusado, mas não é permitido abdicar imotivadamente da
persecução. No caso de aplicação de medidas despenalizadoras, tais como a transação penal e a
suspensão condicional do processo, é a própria lei que a viabiliza.

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Princípio da iniciativa das partes
A jurisdição deve ser inerte. O juiz, para não colocar em risco a sua imparcialidade, não deve
substituir ou tutelar as partes, notadamente o autor da ação penal. Essa perspectiva encontra maior
amparo no sistema acusatório, como se verá no capítulo próprio.

Princípio da identidade física do juiz


O princípio da identidade física do juiz, no processo penal, foi expressamente adotado com a
vigência da Lei 11.719/08, que, ao criar o § 2° do art. 399, estabeleceu que o juiz que presidiu a
instrução deverá proferir a sentença.
Diante da insuficiente regulamentação no CPP, tem-se defendido a aplicação das regras
previstas no CPC, por analogia (art. 3º do CPP).

Princípio da presunção de inocência


O princípio da presunção de inocência encontra previsão no art. 5º, LVII, da CF: “Ninguém será
considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
O primeiro aspecto a ser destacado da situação jurídica de inocência refere-se ao ônus da
prova, recaindo este sobre o autor da demanda penal. O réu não precisa provar a sua inocência.
O Supremo Tribunal Federal, revendo a sua jurisprudência, que afirmava que a interposição de
recurso extraordinário não impossibilitava o início imediato da execução da pena, por não ter efeito
suspensivo, passou a exigir, sem exceções, o trânsito em julgado da sentença penal condenatória13.
Porém, em razão de recentíssimo julgamento (HC 126.292 - 17/02/2016), foi restabelecido o
entendimento anterior14.
De qualquer forma, é possível que medidas cautelares, entre elas a prisão, possam ser
implementadas antes do trânsito em julgado, desde que necessárias e adequadas.

Princípio do favor rei ou in dubio pro reo


O princípio do in dubio pro reo guarda estreita relação com o princípio da presunção de
inocência, visto no item anterior. O juiz, ao sentenciar, deverá absolver o acusado, se houver dúvidas
acerca da existência do crime, ou ainda da sua participação.

Princípio do duplo grau de jurisdição


A garantia do duplo grau de jurisdição, conquanto não expressamente prevista na Constituição
da República, encontra aceitação na doutrina e jurisprudência majoritárias15.

1.4 NORMAS INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO AO ACUSADO


Com o fenômeno da globalização, inclusive de infrações penais, em que as fronteiras físicas
vêm sendo paulatinamente vencidas, faz-se necessário que o direito processual acompanhe de perto
tal realidade, como já vem ocorrendo com o direito material.

13HC 84078, Relator(a): Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 05/02/2009, DJe-035 DIVULG 25-02-2010 PUBLIC 26-02-2010 EMENT
VOL-02391-05 PP-01048.
14A notícia será mais bem detalhada no item 6.1.
15 O tema será mais bem debatido no capítulo referente aos recursos.

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Isso porque os mecanismos de repressão aos crimes transnacionais não envolvem apenas a
definição de crimes e penas. É preciso que também se compartilhem ferramentas adequadas à
persecução penal, tendo como principal objetivo a correta e justa aplicação da lei penal. É cada vez
mais frequente, por exemplo, a adoção de medidas assecuratórias que possam incidir sobre bens e
direitos mantidos em território estrangeiro16.
A consequência imediata dessa nova realidade se reflete na difusão de normas oriundas de
tratados e convenções internacionais multilaterais que visam à repressão desses e de outros delitos,
sem prejuízo da adoção de tratados bilaterais, inclusive os que prevejam instrumentos de auxílio
direto.
A Constituição Federal mostrou-se sensível à nova realidade global. Tratou especificamente
dos tratados e convenções internacionais nos §§ 2º e 3º do art. 5º, ao estabelecer que “os direitos e
garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios
por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”
e que “os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em
cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos
membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”17.
Já não é mais novidade a controvérsia envolvendo a posição hierárquica de tratados e
convenções internacionais no plano interno, notadamente os que versam sobre direitos humanos.
Apesar de a doutrina especializada majoritariamente defender a constitucionalização de tais normas,
o Supremo Tribunal Federal mantivera posicionamento considerado conservador18. De qualquer
forma, a questão agora está positivada no sentido do parágrafo terceiro, atribuindo-se estatura
constitucional aos tratados e convenções que versem sobre direitos humanos, desde que observados
os requisitos ali previstos19.
Não é raro que tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos veiculem regras
de direito penal e, por consequência, de direito processual penal. Daí a importância do tema.
Os demais tratados e convenções internacionais situam-se no plano infraconstitucional,
aplicando-se a eles os critérios da especialidade e da cronologia para a solução de antinomias. O
próprio Código de Processo Penal expressamente traz essa possibilidade (art. 1º, I).

1.4.1 PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA


Entres os tratados e convenções internacionais já internalizados que versam sobre processo
penal, merece destaque a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da
Costa Rica), promulgada pelo Decreto 678, de 6 de novembro de 1992, que trouxe importantes
avanços no sentido da concretização do sistema acusatório, contrapondo-se ao vetusto modelo
adotado pelo nosso Código de Processo Penal, que vem constantemente sendo submetido a
alterações legislativas, muitas delas inspiradas naquela convenção.

16A preocupação, entretanto, não repousa apenas sobre a efetividade da aplicação da lei punitiva. Na medida em que se adotam
instrumentos nessa direção, são também aperfeiçoadas normas que buscam a efetivação do justo processo.
17 Redação conforme EC n. 45/2004.
18 Aponta-se o RE 80.004/SE como o leading case: “CONVENÇÃO DE GENEBRA, LEI UNIFORME SOBRE LETRAS DE CÂMBIO E NOTAS
PROMISSÓRIAS - AVAL APOSTO A NOTA PROMISSÓRIA NÃO REGISTRADA NO PRAZO LEGAL - IMPOSSIBILIDADE DE SER O AVALISTA
ACIONADO, MESMO PELAS VIAS ORDINÁRIAS. VALIDADE DO DECRETO-LEI Nº 427, DE 22.01.1969. Embora a Convenção de Genebra que
previu uma lei uniforme sobre letras de câmbio e notas promissórias tenha aplicabilidade no direito interno brasileiro, não se sobrepõe ela
às leis do país, disso decorrendo a constitucionalidade e consequente validade do Dec-Lei nº 427/69, que institui o registro obrigatório da
nota promissória em repartição fazendária, sob pena de nulidade do título. Sendo o aval um instituto do direito cambiário, inexistente será
ele se reconhecida a nulidade do título cambial a que foi aposto. Recurso extraordinário conhecido e provido. (RE 80004, Relator(a): Min.
XAVIER DE ALBUQUERQUE, Tribunal Pleno, julgado em 01/06/1977, DJ 29-12-1977 PP-09433 EMENT VOL-01083-04 PP-00915 RTJ VOL-
00083-03 PP-00809)”.
19Como exemplo, cita-se a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova
Iorque, em 30 de março de 2007. A aludida convenção foi ratificada pelo Congresso Nacional, através do Decreto Legislativo n. 186, de 9 de
julho de 2008. A promulgação veio no ano seguinte, conforme Decreto n. 6.949, de 25 de agosto de 2009.

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CONSTITUCIONA DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
Vale destacar o art. 8º da Convenção:

Artigo 8º - Garantias judiciais

1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo
razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido
anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na
determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer
outra natureza.

2. Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto
não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em
plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:

a) direito do acusado de ser assistido gratuitamente por um tradutor ou intérprete, caso não
compreenda ou não fale a língua do juízo ou tribunal;

b) comunicação prévia e pormenorizada ao acusado, da acusação formulada;

c) concessão ao acusado do tempo e dos meios necessários à preparação de sua defesa;

d) direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de


sua escolha e de comunicar-se, livremente e em particular, com seu defensor;

e) direito irrenunciável de ser assistido por um defensor proporcionado pelo Estado,


remunerado ou não, segundo a legislação interna, se o acusado não se defender ele próprio,
nem nomear defensor dentro do prazo estabelecido pela lei;

f) direito da defesa de inquirir as testemunhas presentes no Tribunal e de obter o


comparecimento, como testemunhas ou peritos, de outras pessoas que possam lançar luz
sobre os fatos;

g) direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada; e

h) direito de recorrer da sentença a juiz ou tribunal superior.

3. A confissão do acusado só é válida se feita sem coação de nenhuma natureza.

4. O acusado absolvido por sentença transitada em julgado não poderá ser submetido a novo
processo pelos mesmos fatos.

5. O processo penal deve ser público, salvo no que for necessário para preservar os
interesses da justiça.

Apesar de as normas estarem em vigor desde 1992, o cotidiano forense indicava o não
cumprimento satisfatório das regras ali contidas, o que revela um costume ainda recorrente de não
se atribuir a relevância jurídica que as normas oriundas de tratados e convenções internacionais
devidamente incorporadas ao ordenamento jurídico merecem20.

1.4.2 PACTO INTERNACIONAL SOBRE DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS DE NOVA


IORQUE

20 Como exemplo de não aplicação do Pacto de São José da Costa Rica, pode-se mencionar a condenação de réu citado por edital, prática
essa que somente veio a ser expurgada do cotidiano forense após o advento da Lei 9.271, de 17 de abril de 1996, que alterou a redação do
art. 366 do CPP, a partir de quando o prosseguimento da ação penal ficou condicionado à efetiva citação do denunciado.

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Os artigos 9, 10, 11 e 14 do Pacto de Direitos Civis e Políticos de Nova Iorque apresentam
extenso e importante rol de garantias processuais às pessoas presas e processadas pelo
cometimento de delitos.
Preste atenção no artigo 9.3, que contém disposição a respeito das audiências de custódia
enfrentada recentemente pelo Supremo Tribunal Federal, merecendo atenção nos próximos
concursos públicos:

ARTIGO 9

3. Qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser


conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a

21 ARTIGO 9
1. Toda pessoa tem direito à liberdade e à segurança pessoais. Ninguém poderá ser preso ou encarcerado arbitrariamente. Ninguém
poderá ser privado de liberdade, salvo pelos motivos previstos em lei e em conformidade com os procedimentos nela estabelecidos.
2. Qualquer pessoa, ao ser presa, deverá ser informada das razões da prisão e notificada, sem demora, das acusações formuladas contra
ela.
3. Qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzi-da, sem demora, à presença do juiz ou de
outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade.
A prisão preventiva de pessoas que aguardam julgamento não deverá constituir a regra geral, mas a soltura poderá estar condicionada a
garantias que assegurem o comparecimento da pessoa em questão à audiência, a todos os atos do processo e, se necessário for, para a
execução da sentença.
4. Qualquer pessoa que seja privada de sua liberdade por prisão ou encarceramento terá o direito de recorrer a um tribunal para que
este decida sobre a legislação de seu encarceramento e ordene sua soltura, caso a prisão tenha sido ilegal.
5. Qualquer pessoa vítima de prisão ou encarceramento ilegais terá direito à repartição.
ARTIGO 10
1. Toda pessoa privada de sua liberdade deverá ser tratada com humanidade e respeito à dignidade inerente à pessoa humana.
2. a) As pessoas processadas deverão ser separadas, salvo em circunstâncias excepcionais, das pessoas condenadas e receber tratamento
distinto, condizente com sua condição de pessoa não-condenada.
b) As pessoas processadas, jovens, deverão ser separadas das adultas e julgadas o mais rápido possível.
3. O regime penitenciário consistirá num tratamento cujo objetivo principal seja a reforma e a reabilitação normal dos prisioneiros. Os
delinqüentes juvenis deverão ser separados dos adultos e receber tratamento condizente com sua idade e condição jurídica.
ARTIGO 11
Ninguém poderá ser preso apenas por não poder cumprir com uma obrigação contratual.
ARTIGO 14
1. Todas as pessoas são iguais perante os tribunais e as cortes de justiça. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida publicamente e com
devidas garantias por um tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido por lei, na apuração de qualquer acusação de
caráter penal formulada contra ela ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil. A imprensa e o público poderão ser
excluídos de parte da totalidade de um julgamento, quer por motivo de moral pública, de ordem pública ou de segurança nacional em uma
sociedade democrática, quer quando o interesse da vida privada das Partes o exija, que na medida em que isso seja estritamente necessário
na opinião da justiça, em circunstâncias específicas, nas quais a publicidade venha a prejudicar os interesses da justiça; entretanto, qualquer
sentença proferida em matéria penal ou civil deverá torna-se pública, a menos que o interesse de menores exija procedimento oposto, ou
processo diga respeito à controvérsia matrimoniais ou à tutela de menores.
2. Toda pessoa acusada de um delito terá direito a que se presuma sua inocência enquanto não for legalmente comprovada sua culpa.
3. Toda pessoa acusada de um delito terá direito, em plena igualmente, a, pelo menos, as seguintes garantias:
a) De ser informado, sem demora, numa língua que compreenda e de forma minuciosa, da natureza e dos motivos da acusão contra ela
formulada;
b) De dispor do tempo e dos meios necessários à preparação de sua defesa e a comunicar-se com defensor de sua escolha;
c) De ser julgado sem dilações indevidas;
d) De estar presente no julgamento e de defender-se pessoalmente ou por intermédio de defensor de sua escolha; de ser informado, caso
não tenha defensor, do direito que lhe assiste de tê-lo e, sempre que o interesse da justiça assim exija, de ter um defensor designado ex-
offício gratuitamente, se não tiver meios para remunerá-lo;
e) De interrogar ou fazer interrogar as testemunhas de acusação e de obter o comparecimento e o interrogatório das testemunhas de
defesa nas mesmas condições de que dispõem as de acusação;
f) De ser assistida gratuitamente por um intérprete, caso não compreenda ou não fale a língua empregada durante o julgamento;
g) De não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada.
4. O processo aplicável a jovens que não sejam maiores nos termos da legislação penal em conta a idade dos menos e a importância de
promover sua reintegração social.
5. Toda pessoa declarada culpada por um delito terá direito de recorrer da sentença condenatória e da pena a uma instância superior,
em conformidade com a lei.
6. Se uma sentença condenatória passada em julgado for posteriormente anulada ou se um indulto for concedido, pela ocorrência ou
descoberta de fatos novos que provem cabalmente a existência de erro judicial, a pessoa que sofreu a pena decorrente desse condenação
deverá ser indenizada, de acordo com a lei, a menos que fique provado que se lhe pode imputar, total ou parcialmente, a não revelação dos
fatos desconhecidos em tempo útil.
7. Ninguém poderá ser processado ou punido por um delito pelo qual já foi absorvido ou condenado por sentença passada em julgado,
em conformidade com a lei e os procedimentos penais de cada país.

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exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em
liberdade. A prisão preventiva de pessoas que aguardam julgamento não deverá constituir a
regra geral, mas a soltura poderá estar condicionada a garantias que assegurem o
comparecimento da pessoa em questão à audiência, a todos os atos do processo e, se
necessário for, para a execução da sentença.

A ADPF 347 MC, julgada em setembro de 2015 pelo Plenário do STF, determinou ser
obrigatória a observância do referido artigo 9.3 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos, assim como do
artigo 7.5 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, considerando obrigatório que juízes e
tribunais realizassem, em até noventa dias, audiências de custódia, viabilizando o comparecimento
do preso perante a autoridade judiciária no prazo máximo de 24 horas, contado do momento da
prisão. Dessa forma, a disposição não se submete ao livre convencimento do magistrado, sob pena
de cerceamento inconvencional, nos termos do voto relator.

1.5 FONTES, INTERPRETAÇÃO E INTEGRAÇÃO DA LEI PROCESSUAL PENAL


As fontes do direito do processual penal dividem-se em materiais e formais.
Em relação à fonte material (de produção), advinda do próprio Estado, compete
privativamente22 à União legislar sobre direito processual (art. 22, I, da CF). Os Estados e o Distrito
Federal também podem legislar, mas de maneira concorrente, ainda assim acerca de matérias
específicas, tais como as que versam sobre direito penitenciário (art. 24, I), custas dos serviços
forenses (art. 24, IV), criação, funcionamento e processo do juizado de pequenas causas (art. 24, X) e
procedimentos em matéria processual (art. 24, XI). Em matéria de organização judiciária, a
Constituição Federal também atribui tal competência aos Estados, no limite de cada um, até mesmo
em respeito à autonomia destes (art. 125), à exceção do Distrito Federal, que recai sobre a União
(art. 22, XVII).
As fontes formais (de cognição) são as que veiculam as normas processuais penais. Dividem-se
em diretas e indiretas.
A fonte formal direta é a lei em sentido amplo23, em razão do sistema jurídico adotado pelo
ordenamento jurídico pátrio, segundo a maioria da doutrina, que é inspirado no modelo europeu-
continental (civil law).
A lei ordinária é o veículo mais utilizado e apropriado, não sendo possível a edição de medida
provisória (art. 62, § 1º, I, b, da CF - EC 32/01) sobre direito processual penal, tampouco a utilização
de lei delegada, vedação esta implicitamente extraída da CF. A lei complementar, apesar de
desnecessária, poderia ser utilizada, a exemplo do que ocorrera com a LC 105/01.
As fontes formais indiretas são a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito.
A analogia consiste na aplicação da norma regulamentadora de um fato previsto a um fato não
previsto, mas que sejam semelhantes entre si. Muito embora não esteja expressamente prevista no
art. 3º do CPP, encontra fundamento normativo no art. 2º, § 1º, da Lei de Introdução às Normas do
Direito Brasileiro – LINDB (anteriormente denominada como Lei de Introdução ao Código Civil –
LICC).O costume, enquanto fonte secundária, também está previsto na LINDB/LICC (art. 2º, § 1º)24.
Define-se pela prática geral e reiterada de determinada conduta (elemento externo), em razão da
consciência de sua obrigatoriedade (elemento interno).Já os princípios gerais de direito encontram
fundamento expresso no art. 3º do CPP: “A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e
aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito”.

22Há a possibilidade excepcional de delegação aos Estados, na forma do parágrafo único do art. 22: “Lei complementar poderá autorizar os
Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo”.
23Inclusive os tratados e convenções internacionais devidamente internalizados.
24É vedado o costume contra legem, ou seja, que vai de encontro a determinada norma em vigor, por não possuir eficácia revogatória.

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Em princípio, a interpretação da lei processual penal segue as mesmas regras de hermenêutica
que disciplinam a interpretação das leis em geral, previstas na LINDB. O legislador preocupou-se
apenas em demarcar a diferença entre o direito penal e o processo penal, prevendo no artigo 3º do
CPP que “a lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o
suplemento dos princípios gerais de direito”. Ao contrário do direito penal, que a restringe à
aplicação quando em favor do autor da infração penal (in bonam partem), não há tal limitação no
direito processual penal, podendo ser regularmente utilizada, desde que, obviamente, a omissão do
legislador não tenha sido voluntária. Não cabe a analogia, por exemplo, quando a lei fixa
taxativamente um determinado rol.
Na interpretação extensiva, conclui-se que a norma tem um conteúdo mais amplo do que
resultaria da simples aplicação do seu texto. A interpretação extensiva é o resultado de precisar
declarativamente a verdadeira vontade da lei, extraída de palavra não felizmente escolhida pelo
legislador25. A analogia é meio de integrar a norma, estendendo sua aplicação para casos
semelhantes não previstos pelo legislador. Difere-se de interpretação analógica, em que o caso em
que a norma será aplicada está previsto no seu âmbito de incidência, embora não de forma explícita.
Entretanto, a doutrina alerta que nem a interpretação extensiva nem a analogia podem ser
utilizadas para restringir a liberdade pessoal do acusado ou qualquer outro meio de defesa. Tais
disposições devem sempre receber interpretação restritiva.
As modalidades de interpretação admitidas pelo CPP situam-se no processo de autointegração
do ordenamento jurídico, por se referirem a soluções previstas no próprio ordenamento.
Contrapõem-se às formas de heterointegração, quando se utilizam elementos externos como outros
ordenamentos e fontes indiretas de Direito, como os costumes.

1.6 APLICAÇÃO DA LEI PROCESSUAL PENAL


A aplicação de determinada norma jurídica está normalmente delimitada pelo espaço e pelo
tempo. A delimitação espacial refere-se à circunscrição territorial por ela abrangida, surgindo daí a
noção de territorialidade; já a limitação temporal está relacionada à duração da norma, isto é, ao seu
tempo de vigência.

1.6.1 LEI PROCESSUAL PENAL NO ESPAÇO26


A aplicação da lei processual penal no espaço está prevista no art. 1º do Código de Processo
Penal, que determina a sua incidência sobre todo o território nacional27. Adotou-se o critério da
territorialidade como regra. As exceções estão previstas nos incisos28 do art. 1º, que tratam
basicamente da aplicação do critério da especialidade.
Assim, o processo penal rege-se pelo Código de Processo Penal, ressalvados (art. 1º):
1. Os tratados, convenções e regras de direito internacional, que serão abordados no
item 1.9;
2. Os casos de atuação da jurisdição política – crimes de responsabilidade (art. 52, I e II,
além do art. 86, todos da Constituição Federal);

25 BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Processo Penal. 2ª ed. Rio de Janeiro: Elselvier, 2014, p. 62.
26As questões envolvendo a aplicação da lei penal no espaço são analisadas na parte geral da respectiva matéria – Direito Penal.
27 A despeito do fundamento antidemocrático que motivou a criação do CPP de 1941, houve um inegável avanço, no sentido de se unificar
o direito processual penal, saindo de cena os códigos de processo penal estaduais, de abrangência regional, conforme exposição de motivos
(itens II e III).
28 O tribunal especial e os processos por crimes de imprensa, previstos respectivamente nos incisos IV e V do art. 1º, não são mais
aplicados nos tempos atuais, tendo em vista a superveniência da Constituição Federal de 1988 e a decisão proferida pelo STF na ADPF
130/DF, que reconheceu a não recepção da Lei 5.250/67 (Lei de Imprensa).

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3. As causas de competência da Justiça Militar, nas quais se aplica o Código de
Processo Penal Militar (Decreto-Lei 1.002/69).
Como já foi dito, é perfeitamente possível que a legislação especial estabeleça regras
diferenciadas, conforme a necessidade, configurando-se mera aplicação do critério da especialidade,
a exemplo do rito previsto na nova lei de drogas, dos casos de ação penal originária da competência
dos tribunais, entre outros.

1.6.2 LEI PROCESSUAL NO TEMPO


Em relação à lei processual penal no tempo, o art. 2º do Código de Processo Penal determina a
sua aplicação imediata aos processos em curso (tempus regit actum), sem prejuízo da validade dos
atos praticados sob a égide da lei revogada (irretroatividade).
Assim, ao contrário do que ocorre com o direito material, em que se aplica o princípio da
retroatividade da lei penal mais benéfica, não se mostra relevante tal juízo de valor, quando se tratar
de norma de natureza processual. A superveniência de determinada lei processual não interfere nos
atos processuais já praticados, não se justificando o retorno da marcha processual (irretroatividade).
Caso se tenha operado a preclusão temporal para a interposição de determinado recurso, por
exemplo, não importa se a lei posterior aumentara ou diminuíra o seu prazo. A lei nova se aplicará ao
restante do processo. Adota-se o sistema de isolamento dos atos processuais29.
Há situações, entretanto, em que o prazo se encontra em curso, quando da sucessão de leis no
tempo. A Lei de Introdução ao Código de Processo Penal – Decreto-Lei 3.931/41 – prevê, no art. 3º,
que o prazo já iniciado, inclusive o estabelecido para a interposição de recurso, será regulado pela lei
anterior, se esta não prescrever prazo menor do que o fixado no Código de Processo Penal. Em tais
casos, aplicar-se-ia o prazo da lei anterior, se maior do que o da lei nova.
O problema de direito intertemporal é complexo. A doutrina observa, por exemplo, que nem
sempre será possível o isolamento absoluto dos atos processuais. Esse poderia mostrar-se
inconveniente quando, intervindo no processo uma lei modificadora, os atos estabelecidos pela lei
posterior não encontrassem preparação nos atos precedentes efetuados sob o regime da lei anterior.
Nesse caso, por exemplo, seria possível a ultra-atividade da norma, até o fim de determinada fase
procedimental.
Do mesmo modo, surge uma dificuldade quando uma decisão é proferida e, antes da
interposição do recurso ou seu processamento, sobrevém uma nova lei. Nesse caso, a doutrina
recomenda que a lei a reger o recurso é a lei do momento em que foi proferida a decisão recorrida.
Assim, o cabimento do recurso, seus pressupostos de admissibilidade seguirão a lei do momento em
que a decisão for proferida, podendo haver a ultra-atividade da lei que previa determinado recurso
que, no novo ordenamento, deixou de existir.
Quando a norma for híbrida, retroagirá, se mais benéfica, a exemplo do disposto no art. 2º da
30
LICPP . A norma híbrida é aquela que veicula regra de direito material e processual, sendo
indecomponível. Do contrário, estaria configurada a combinação de leis, majoritariamente vedada
pela doutrina e pela jurisprudência. Assim, a retroatividade integral deve prevalecer (art. 5º, XL, da
CF)31.

29Para resolver o problema dos processos que estão em curso quando do início de vigência de lei processual nova, cogita-se de três
sistemas: da unidade processual, das fases processuais e do isolamento dos atos processuais. Pelo sistema da unidade processual, uma
única lei deve reger todo o processo, de modo que a lei nova processual tornaria ineficaz todos os atos processuais praticados, pela sua
retroação. De acordo com o sistema das fases processuais, as fases postulatória, ordinatória, instrutória, decisória e recursal devem ser
consideradas autonomamente.
30Art. 2º. À prisão preventiva e à fiança aplicar-se-ão os dispositivos que forem mais favoráveis.
31 Alguns casos serão tratados ao longo da obra, tais como a modificação do art. 366 do CPP, em razão da vigência da Lei 9.271/96.

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Por fim, a vigência de leis processuais penais não discrepa das regras gerais previstas no
Decreto-Lei 4.657/42, atualmente denominada como Lei de Introdução às Normas do Direito
Brasileiro.

1.6.3 LEI PROCESSUAL EM RELAÇÃO ÀS PESSOAS. IMUNIDADES.


Para que os parlamentares possam desempenhar seu papel de representantes da sociedade
bem, isto é, livre de pressões, a Constituição lhes outorga imunidades de natureza material e formal.
Tratam-se de prerrogativas funcionais ou propter officium, e irrenunciáveis, que são adquiridas com a
diplomação e extintas com o fim do mandato.
As imunidades materiais, também denominadas freedom of speech, estão previstas no artigo
53, CF, e implicam a inviolabilidade dos deputados e senadores, civil e penalmente, por quaisquer de
suas opiniões, palavras e votos. Tal inviolabilidade é presumida de forma absoluta dentro do recinto
legislativo32. Fora, há necessidade de se perquirir o nexo entre a palavra proferida e a sua condição
de parlamentar33. Na esfera administrativa, por quebra de decoro parlamentar é possível representar
contra quem abusou de suas prerrogativas, inclusive dentro do recinto legislativo34.
Quanto à extensão da imunidade parlamentar, dispõe a Súmula nº 245 do STF: "A imunidade
parlamentar não se estende ao corréu sem essa prerrogativa". Em que pese tal súmula não tenha
sido formalmente cancelada, a atual posição da jurisprudência é diversa. Prevalece o entendimento
de que as imunidades parlamentares são causas de atipicidade da conduta. Dessa forma, em razão
da adoção da teoria da acessoriedade limitada pelo Código Penal, que estabelece a necessidade de
fato típico e ilícito para a contribuição do partícipe, estende-se ao corréu a imunidade parlamentar.
As imunidades formais são também denominadas freedom from arrest ou incoercibilidade
formal relativa, e distinguem-se em imunidades prisional e processual.
A imunidade prisional encontra-se no artigo 53, § 2º, CF, segundo o qual desde a expedição do
diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime
inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva,
para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão.
Portanto, os parlamentares apenas poderão ser presos em caso de flagrante de crime
inafiançável e de decisões transitadas em julgado35. A imunidade processual (art. 53, §§3º a 5º, CF)
implica suspender o curso de processos criminais contra parlamentares movido. A regra é a
processabilidade dos parlamentares, de modo que no silêncio da Casa é possível o processamento.
Pode, no entanto, suspender o curso da ação por motivos de oportunidade e conveniência, em caso
de crime cometido após a diplomação.
As imunidades parlamentares são propter officium. Assim, o congressista licenciado conserva o
foro por prerrogativa de função, mas não conserva as imunidades propter officium. Por essa razão

32"Para os pronunciamentos feitos no interior das Casas Legislativas não cabe indagar sobre o conteúdo das ofensas ou a conexão com o
mandato, dado que acobertadas com o manto da inviolabilidade. Em tal seara, caberá à própria Casa a que pertencer o parlamentar coibir
eventuais excessos no desempenho dessa prerrogativa. No caso, o discurso se deu no plenário da Assembleia Legislativa, estando, portanto,
abarcado pela inviolabilidade. Por outro lado, as entrevistas concedidas à imprensa pelo acusado restringiram-se a resumir e comentar a
citada manifestação da tribuna, consistindo, por isso, em mera extensão da imunidade material." (Inq 1.958, rel. p/ o ac. min. Ayres Britto,
julgamento em 29-10-2003, Plenário, DJ de 18-2-2005.) No mesmo sentido: Inq 2.295, rel. p/ o ac. min. Menezes Direito, julgamento em 23-
10-2008, Plenário, DJE de 5-6-2009.
33“A palavra 'inviolabilidade' significa intocabilidade, intangibilidade do parlamentar quanto ao cometimento de crime ou contravenção. Tal
inviolabilidade é de natureza material e decorre da função parlamentar, porque em jogo a representatividade do povo. O art. 53 da CF, com
a redação da Emenda 35, não reeditou a ressalva quanto aos crimes contra a honra, prevista no art. 32 da EC 1, de 1969. Assim, é de se
distinguir as situações em que as supostas ofensas são proferidas dentro e fora do Parlamento. Somente nessas últimas ofensas irrogadas
fora do Parlamento é de se perquirir da chamada 'conexão com o exercício do mandato ou com a condição parlamentar” (Inq 390 e 1.710).
34Art. 55º, § 1º, CF - É incompatível com o decoro parlamentar, além dos casos definidos no regimento interno, o abuso das prerrogativas
asseguradas a membro do Congresso Nacional ou a percepção de vantagens indevidas.
35Precedente do Plenario do STF. AP 396 QO/RO, AP 396 ED-ED/RO, rel. Min. Cármen Lúcia, 26/6/2013

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também as imunidades parlamentares não são extensíveis aos suplentes, que não estão no exercício
do cargo.
Finalmente, nos termos do §8º do artigo 53, se houver abuso da imunidade, com conduta
incompatível com o estado de sítio e houver autorização por 2/3, é possível a suspensão das
imunidades. Quanto às imunidades diplomáticas, por exceção, a lei penal não se aplicará ao crime
praticado no Brasil por pessoas que exerçam funções internacionais, isso devido às regras de Direito
Internacional Público.
A imunidade diplomática está prevista na Convenção de Viena, assinada em 18.4.1961,
aprovada no Brasil pelo Decreto Legislativo nº 103, de 1964, e ratificada em 23.12.1965. Funda-se no
respeito ao Estado que o infrator representa e na necessidade de proteger essa pessoa para que bem
exerça a sua missão.
Atinge qualquer delito praticado pelos agentes diplomáticos, aos componentes de suas
famílias, e aos funcionários da organização internacional, quando em serviço. Encampa, também, os
chefes de governo estrangeiro que visitem o país, bem como a sua comitiva. Não alcança os
empregados particulares dos agentes diplomáticos e os cônsules, embora possa haver tratado que
estabeleça a imunidade.Esses últimos possuem apenas imunidade de jurisdição administrativa e
judiciária, quando da realização de atos pertinentes ao exercício de suas funções consulares. Se o
delito ocorrer dentro das sedes diplomáticas, o autor será devidamente processado pela lei brasileira
se não possuir imunidade. Estes locais não são mais considerados extensão do país estrangeiro,
como se verá a seguir, embora possuem inviolabilidade em face do respeito devidos ao Estado.

DA PERSECUÇÃO. DA INVESTIGAÇÃO
PRELIMINAR
PERSECUÇÃO CRIMINAL. INQUÉRITO POLICIAL. NATUREZA. PRESIDÊNCIA.
FINALIDADE. DESTINATÁRIO. CARACTERÍSTICAS. INCOMUNICABILIDADE E
SIGILO. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. PRODUÇÃO DE PROVAS.
ATRIBUIÇÕES DAS POLÍCIAS. INSTAURAÇÃO. IDENTIFICAÇÃO CRIMINAL.
INDICIAMENTO. PRAZOS. CONCLUSÃO. ARQUIVAMENTO. TRANCAMENTO.
PARTICIPAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO E INVESTIGAÇÕES CRIMINAIS
PRESIDIDAS PELO PROMOTOR DE JUSTIÇA. PROCEDIMENTO POLICIAL NOS
JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS. COMISSÕES PARLAMENTARES DE
INQUÉRITO.

Na medida em que o Estado retirou dos indivíduos o exercício da autotutela, assumindo o


monopólio da jurisdição, contraiu, por outro lado, o dever de adequadamente exercê-la.
Nesse sentido, cuida-se a persecução penal do poder-dever estatal de apurar suposto crime
quanto à materialidade e autoria e, uma vez comprovado, ingressar em juízo e viabilizar a
responsabilização criminal. A persecução penal é desenhada de maneira sistemática em dupla fase: a
primeira fase é administrativa e corresponde à investigação preliminar; já a segunda fase é judicial.

2.1 INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR

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O inquérito policial é o instrumento mais utilizado pela polícia judiciária, mas a atuação desta,
ordinariamente pós-fato36, não exclui a de outros órgãos legalmente legitimados (art. 4º, parágrafo
único, do CPP)37. São exemplos:
1. Comissões Parlamentares de Inquérito (art. 58, § 3º, da CF).
2. Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF (arts. 14 e 15 da Lei
9.613/98).
3. Banco Central do Brasil (BACEN) e Comissão de Valores Mobiliários – CVM (art. 7º,
parágrafo único, da Lei Complementar 105/01).
4. Receita Federal (art. 83 da Lei 9.430/96)38.
5. Ministério Público (art. 26 da Lei 8.625/93 e art. 7º da LC 75/93)39.

2.1.1 INQUÉRITO POLICIAL


2.1.1.1 CONCEITO, NATUREZA JURÍDICA, PRESIDÊNCIA, FINALIDADE E
DESTINATÁRIO
Segundo Vicente Greco, o “inquérito policial é uma peça escrita, preparatória da ação penal,
de natureza inquisitiva”40.
Com efeito, trata-se de procedimento administrativo inquisitório e preparatório, presidido por
autoridade policial, visando à colheita de elementos de informação vinculados à materialidade e
autoria delitiva, subsidiando eventual ação penal bem como eventuais pedidos ou representações de
medidas cautelares. Nele não se aplicam as garantias do contraditório e da ampla defesa, conforme
tem entendido a jurisprudência.
A presidência do inquérito policial é atribuída à autoridade policial, estadual ou federal41. De
acordo com a Lei 12.830, de 20 de junho de 2013, ao delegado de polícia, na qualidade de autoridade
policial, cabe a condução da investigação criminal por meio de inquérito policial ou outro
procedimento previsto em lei (art. 2º). Ademais, nos termos do § 4º, “o inquérito policial ou outro
procedimento previsto em lei em curso somente poderá ser avocado ou redistribuído por superior
hierárquico, mediante despacho fundamentado, por motivo de interesse público ou nas hipóteses de

36 A atuação preventiva basicamente é exercida pelas polícias militares, a quem a Constituição outorgou o exercício da polícia ostensiva e
da preservação da ordem pública (art. 144, § 5º).
37 Atenção: o inquérito policial é instrumento privativo da polícia judiciária. Os demais órgãos, no limite das suas atribuições, também
promovem investigações, mas as peças delas decorrentes recebem outra denominação.
38A representação fiscal para fins penais está regulamentada pelo Decreto 2.730/98 e pela Portaria RFB 2.439/2010.
39A controvérsia envolvendo a legitimidade do Ministério Público para promover investigações criminais será comentada no item 2.1.1.4.
40Greco Filho, Vicente. Manual de processo penal. 10 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 99.
41 [Constituição Federal] Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação
da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
I - polícia federal;
[...]
IV - polícias civis;
[...]
§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se
a:(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades
autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija
repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;
II - prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de
outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência;
III - exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.
[...]
§ 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia
judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.

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inobservância dos procedimentos previstos em regulamento da corporação que prejudique a eficácia
da investigação”.
De registrar a rejeição, ainda na Câmara dos Deputados, da PEC 37, restando induvidoso que o
monopólio da autoridade policial é exclusivamente do inquérito policial e não da investigação
criminal. Esta última não é, conforme apontado, exclusividade da autoridade policial.
A finalidade do inquérito policial é a de apurar a ocorrência de determinada infração penal,
bem como a sua autoria. Dessa forma, busca-se evitar o ajuizamento de demandas penais
temerárias, isto é, sem base probatória razoável (justa causa).
Os destinatários do inquérito policial variam conforme a natureza da futura demanda penal.
Quando se tratar de ação penal pública, destina-se privativamente ao Ministério Público42, nos
termos do inciso I do art. 29 da CF. Em caso de ação penal privada, coloca-se à disposição do
ofendido, nos termos do artigo 19 do CPP.
O artigo 10, § 1º, do CPP determina o envio do relatório ao juízo competente. A
constitucionalidade do dispositivo é duvidosa, porquanto sua aplicação direta e literal viola o sistema
acusatório. Não obstante, a questão não foi enfrentada diretamente pela Suprema Corte43,
permanecendo aplicável o referido dispositivo.
Como consequência lógica da ausência de exclusividade do inquérito como meio
investigatório, a denúncia ou queixa pode ser oferecida sem obrigatoriamente ser precedida de
inquérito policial, nos termos do art. 12 do CPP, que exige a sua apresentação apenas quando de fato
for utilizado44.
No que diz respeito às irregularidades ocorrentes no inquérito policial, predomina na doutrina
e na jurisprudência o entendimento segundo o qual tais irregularidades não têm o condão de
contaminar o processo criminal45. Excepcionalmente, todavia, a jurisprudência dos Tribunais
Superiores acolhe a teoria dos frutos da árvore envenenada no caso de a irregularidade se revelar
uma ilicitude grosseira e vincular-se fortemente às provas produzidas no inquérito policial. Nessa

42Pode acidentalmente servir ao ofendido, na hipótese em que for cabível a ação penal privada subsidiária da pública.
43A questão foi objeto de reflexão indireta pelo STF no julgamento da ADI 2886/RJ: “Ação direta de inconstitucionalidade. Incisos IV e V do
art. 35 da Lei Complementar nº 106/2003, do Estado do Rio de Janeiro. Necessidade de adequação da norma impugnada aos limites da
competência legislativa concorrente prevista no art. 24 da Constituição Federal. Ação julgada parcialmente procedente apenas para declarar
a inconstitucionalidade do inciso IV do art. 35 da Lei Complementar Estadual. A legislação que disciplina o inquérito policial não se inclui no
âmbito estrito do processo penal, cuja competência é privativa da União (art. 22, I, CF), pois o inquérito é procedimento subsumido nos
limites da competência legislativa concorrente, a teor do art. 24, XI, da Constituição Federal de 1988, tal como já decidido reiteradamente
pelo Supremo Tribunal Federal. O procedimento do inquérito policial, conforme previsto pelo Código de Processo Penal, torna
desnecessária a intermediação judicial quando ausente a necessidade de adoção de medidas constritivas de direitos dos investigados, razão
por que projetos de reforma do CPP propõem a remessa direta dos autos ao Ministério Público. No entanto, apesar de o disposto no inc. IV
do art. 35 da LC 106/2003 se coadunar com a exigência de maior coerência no ordenamento jurídico, a sua inconstitucionalidade formal não
está afastada, pois insuscetível de superação com base em avaliações pertinentes à preferência do julgador sobre a correção da opção feita
pelo legislador dentro do espaço que lhe é dado para livre conformação. Assim, o art. 35, IV, da Lei Complementar estadual nº 106/2003, é
inconstitucional ante a existência de vício formal, pois extrapolada a competência suplementar delineada no art. 24, §1º, da Constituição
Federal de 1988. Já em relação ao inciso V, do art. 35, da Lei complementar estadual nº 106/2003, inexiste infração à competência para que
o estado-membro legisle, de forma suplementar à União, pois o texto apenas reproduz norma sobre o trâmite do inquérito policial já
extraída da interpretação do art. 16 do Código de Processo Penal. Ademais, não há desrespeito ao art. 128, §5º, da Constituição Federal de
1988, porque, além de o dispositivo impugnado ter sido incluído em lei complementar estadual, o seu conteúdo não destoou do art. 129,
VIII, da Constituição Federal de 1988, e do art. 26, IV, da Lei nº 8.625/93, que já haviam previsto que o Ministério Público pode requisitar
diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial. Ação direta julgada parcialmente procedente para declarar a
inconstitucionalidade somente do inciso IV do art. 35 da Lei Complementar nº 106/2003, do Estado do Rio de Janeiro.” (ADI 2886,
Relator(a): Min. EROS GRAU, Relator(a) p/ Acórdão: Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 03/04/2014, DJe-150 DIVULG 04-
08-2014 PUBLIC 05-08-2014 EMENT VOL-02738-01 PP-00001)
44Art. 39. [...]
§ 5º O órgão do Ministério Público dispensará o inquérito, se com a representação forem oferecidos elementos que o habilitem a promover
a ação penal, e, neste caso, oferecerá a denúncia no prazo de quinze dias.
45Tal entendimento decorre principalmente do fato de o inquérito policial ser dispensável à instrução da ação penal. Por essa razão, pode-
se dizer que o mesmo se aplica aos procedimentos investigatórios criminais conduzidos pelo Ministério Público, conforme previsão da
Resolução nº 13 do CNMP: “Art. 1º. (...) Parágrafo único. O procedimento investigatório criminal não é condição de procedibilidade ou
pressuposto processual para o ajuizamento de ação penal e
não exclui a possibilidade de formalização de investigação por outros órgãos legitimados da Administração Pública.”

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hipótese, como, por exemplo, em confissão obtida mediante tortura, pode o inquérito contaminar o
processo.
Na fase investigativa a atuação do juiz é excepcional, ocorrendo apenas devido à cláusula de
reserva de jurisdição, por força do sistema acusatório determinado pela Constituição Federal.
2.1.1.2 CARACTERÍSTICAS DO INQUÉRITO POLICIAL
De acordo com o que foi exposto, podem ser destacadas as seguintes características do
inquérito policial:
1. Oficialidade – O delegado de polícia, órgão oficial, preside o inquérito policial (art. 4º
do CPP; art. 2º da Lei 12.830/13).
2. Autoritariedade – À exceção das medidas constitucionalmente submetidas à
cláusula de reserva jurisdicional, o delegado de polícia poderá realizar as diligências
necessárias à apuração do fato criminoso (art. 6º do CPP), inclusive mediante
requisição de perícia, informações, documentos e dados pertinentes (art. 2º, § 2º, da
Lei 12.830/13).
3. Obrigatoriedade/oficiosidade/indisponibilidade – Ao tomar conhecimento da
prática de infração penal, o delegado de polícia deverá instaurar inquérito policial,
independentemente de provocação das partes (art. 5º, I, do CPP), à exceção dos
casos de ação penal pública condicionada (§ 4º) ou de ação penal privada (§ 5º), não
podendo ele mesmo determinar o arquivamento de inquérito policial (art. 17 do CPP),
atribuição essa do Ministério Público, fiscalizada pelo juiz (art. 28 do CPP).
4. Formalidade – O inquérito deve ser autuado e devidamente documentado (art. 9º do
CPP).
5. Sigilosidade – O sigilo poderá ser decretado quando imprescindível à investigação,
ou ainda quando o interesse público o exigir (art. 20 do CPP).
6. Prescindibilidade – Apesar de ser o instrumento mais utilizado, não é imprescindível
para o oferecimento da denúncia ou queixa (arts. 12 e 39, § 5º, ambos do CPP).
7. Inquisitoriedade – O inquérito policial, como mero procedimento administrativo
informativo, não é abrangido pelas garantias constitucionais do contraditório e da
ampla defesa.

2.1.1.2.1 O SIGILO NO SISTEMA ATUAL E A INCOMUNICABILIDADE DO


INDICIADO
A regra dos processos administrativos e judiciais é a publicidade, mas em determinadas
situações, desde que devidamente justificadas, o inquérito policial tramitará sob sigilo (art. 20 do
CPP)46, se este for pautado na intimidade ou na preservação de outros valores, ou mesmo no caso de
ele ser necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade.
Quanto ao sigilo externo, portanto, pode a autoridade policial, a seu critério, limitar o acesso
da população aos autos de inquérito, conforme entendimento majoritário.
Já no que toca ao sigilo interno, que afeta os sujeitos do procedimento, importante observar
que o sigilo não pode ser jamais oposto ao juiz ou ao membro do Ministério Público.
Entende-se de forma majoritária que a cláusula do sigilo não é oponível ao investigado ou ao
defensor, nos termos da Súmula Vinculante 14/STF: É direito do defensor, no interesse do
representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento
investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício
do direito de defesa. Nesse sentido, o artigo 5º, LXIII, CF; e art. 7º, XIV, do Estatuto da OAB. Apenas

46 Art. 20. A autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade.

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nos casos em que haja diligência pendente afasta-se a aplicação do enunciado, até que seja
devidamente documentada nos autos47.
O artigo 21 do CPP48, com a redação anterior à Constituição Federal de 1988, estabelece ainda
ser possível a incomunicabilidade do indiciado pelo prazo máximo de três dias. No entanto, o artigo
136, § 3º, inciso IV49 da Carta Constitucional veda a incomunicabilidade durante o estado de defesa.
A doutrina nesse ponto se divide, porém a corrente majoritária entende que o artigo 21 foi superado
pela disposição constitucional, não se admitindo a incomunicabilidade sequer durante o estado de
defesa, tampouco fora de sua vigência.

2.1.1.2.2 O CONTRADITÓRIO E A AMPLA DEFESA NA INVESTIGAÇÃO


CRIMINAL
Apesar da natureza inquisitiva do inquérito policial, no qual não se aplica o contraditório e a
ampla defesa, o investigado é titular de direitos e garantias que devem ser respeitados50.
Em geral, decorrem do direito de petição, podendo o interessado requerer51 diligências,
inclusive a realização da sua oitiva, ficando a apreciação da pertinência a cargo da autoridade policial
(art. 14 do CPP). O acesso aos autos do inquérito, inclusive quando sob sigilo, já foi examinado no
item 2.1.1.
Além disso, tratando-se de procedimento administrativo, os agentes que atuarem no inquérito
deverão observar os princípios que regem a administração pública (art. 37 da CF).
Em razão da não incidência dos princípios do contraditório e da ampla defesa, os elementos de
informação colhidos durante a fase investigatória não possuem o valor de prova. Admite-se
entretanto a produção de prova durante a investigação preliminar, nas modalidades prova cautelar,
prova irrepetível e prova antecipada.
O artigo 155 do CPP estabelece que para fins de condenação criminal os elementos de
informação podem ser utilizados, desde que corroborados por provas em sentido estrito. No mesmo
sentido posiciona-se o STF, o restante da jurisprudência e a doutrina majoritárias.

2.1.1.2.3 PRODUÇÃO DE PROVAS NO INQUÉRITO


Os elementos trazidos pela investigação não constituem, a rigor, provas no sentido técnico-
processual do termo, porque não são produzidos sob o contraditório judicial. Não obstante, admite-

47EMENTA: PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ACESSO DOS ACUSADOS A PROCEDIMENTO
INVESTIGATIVO SIGILOSO. POSSIBILIDADE SOB PENA DE OFENSA AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. PRERROGATIVA
QUE SE RESTRINGE AOS ELEMENTOS JÁ DOCUMENTADOS REFERENTES AOS INVESTIGADOS. I - O direito assegurado ao indiciado (bem como
ao seu defensor) de acesso aos elementos constantes em procedimento investigatório que lhe digam respeito e que já se encontrem
documentados nos autos, não abrange, por óbvio, as informações concernentes à decretação e à realização das diligências investigatórias,
mormente as que digam respeito a terceiros eventualmente envolvidos. II - Enunciado da Súmula Vinculante 14 desta Corte. III - Embargos
de declaração rejeitados, com concessão da ordem de ofício. (HC 94387 ED, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma,
julgado em 06/04/2010, DJe-091 DIVULG 20-05-2010 PUBLIC 21-05-2010 EMENT VOL-02402-03 PP-00679).
48 Art. 21. A incomunicabilidade do indiciado dependerá sempre de despacho nos autos e somente será permitida quando o interesse da
sociedade ou a conveniência da investigação o exigir. Parágrafo único. A incomunicabilidade, que não excederá de três dias, será decretada
por despacho fundamentado do Juiz, a requerimento da autoridade policial, ou do órgão do Ministério Público, respeitado, em qualquer
hipótese, o disposto no artigo 89, inciso III, do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil.
49Art. 136. (...) § 3º - Na vigência do estado de defesa: IV - é vedada a incomunicabilidade do preso.
50 Com a edição da recentíssima Lei 13.245/16, a possibilidade de acompanhamento por advogado foi ampliada: [...] XIV - examinar, em
qualquer instituição responsável por conduzir investigação, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de investigações de qualquer
natureza, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos, em meio físico ou
digital; [...] XXI - assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações, sob pena de nulidade absoluta do respectivo
interrogatório ou depoimento e, subsequentemente, de todos os elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados,
direta ou indiretamente, podendo, inclusive, no curso da respectiva apuração: a) apresentar razões e quesitos b) VETADO.
51 Houve a tentativa de incluir a requisição como instrumento conferido ao advogado (alínea b), mas tal dispositivo foi vetado.

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se a produção de provas no curso do inquérito policial. São os casos de provas cautelares, irrepetíveis
e antecipadas.
A prova cautelar submete-se ao contraditório diferido ou postergado, que faculta à parte o seu
exercício em momento posterior. Para que seja autorizada a sua produção durante as investigações,
a autoridade policial deve requerê-la com base na necessidade e urgência, devendo o requerimento
ser autorizado judicialmente. Tem-se como exemplo o pedido de interceptação telefônica.
A prova irrepetível, por sua vez, prescinde de autorização judicial, e é justificada quando a
fonte de prova tenha prováveis chances de desaparecimento. Vincula-se à ideia de perícia,
submetendo-se também ao contraditório diferido. A autoridade policial pode requerer diretamente a
produção de prova pericial, sem representar antes ao juízo.
Por fim, na prova antecipada é antecipado o momento processual de colheita e produção da
prova. Deve ser autorizado com base na urgência e relevância da medida, em fase investigatória ou
judicial52. É produzida em um momento procedimental distinto, obedecendo ao contraditório
real.Portanto, é imprescindível a presença da defesa. São exemplos de prova antecipada as hipóteses
previstas nos artigos 36653 e 255 do CPP.
Nos termos do artigo 155 do CPP, não se admite a condenação baseada exclusivamente em
elementos colhidos durante a fase inquisitória, ressalvadas as provas cautelares, irrepetíveis e
antecipadas.

2.1.1.3 PROCEDIMENTO
2.1.1.3.1 ATRIBUIÇÕES DAS POLÍCIAS CIVIL, MILITAR, FEDERAL
A atribuição para a condução das investigações relaciona-se com a natureza do crime
investigado.
Dessa forma, temos que crime militar da competência da Justiça Militar da União é investigado
pelas Forças Armadas, presidindo o inquérito policial militar membro denominado “encarregado”.
Por sua vez, para a investigação de crime militar da competência da Justiça Militar Estadual é
indicado membro do Corpo de Bombeiros ou da Polícia Militar.
A atribuição para investigação de crimes eleitorais é da Polícia Federal, uma vez que a Justiça
Eleitoral integra a Justiça da União. Não obstante, o STF entende admissível a investigação pela
Polícia Civil quando não haja órgãos da Polícia Federal instalados no local do crime (HC/SP 43954).
Nos termos do artigo 144, § 1º, I, da CF55, cumpre à Polícia Federal a investigação dos crimes
cuja competência para processamento e julgamento seja da Justiça Federal.
Finalmente, tratando-se de crime comum de competência da Justiça Estadual, a atribuição
para as investigações será, em regra, da Polícia Civil, com exceção constitucional: a investigação será

52No informativo nº 549 do STJ, precedente isolado da 5ª Turma do Tribunal já considerou a situação dos agentes de segurança pública,
submetidos a várias situações iguais, pode vir a justificar a produção antecipada de provas.
53Súmula 455, STJ: “A decisão que determina a produção antecipada de provas com base no artigo 366 do CPP deve ser concretamente
fundamentada, não a justificando unicamente o mero decurso do tempo”.
54 Habeas corpus. Oferecimento. Denúncia. Ausência. Pronunciamento. Autoridade Judiciária. TRE. Crime eleitoral. Possibilidade. Investigá-
lo. Polícia estadual. Ausência. Órgão da Polícia Federal. Art. 290 do Código Eleitoral. Na investigação de crime eleitoral, não há·óbice para a
atuação da polícia estadual quando no local do crime não existir órgão da Polícia Federal. Ausência de constrangimento ilegal do paciente,
em razão de oferecimento da denúncia, quando presentes a tipicidade da conduta e indícios de autoria. O processo de habeas corpus não
admite o exame aprofundado das provas. Nesse entendimento, o Tribunal indeferiu o habeas corpus. Unânime. Habeas Corpus n 439/SP,
rel. Min. Carlos Velloso, em 15.5.2003.
55 Art. 144. (...) § 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em
carreira, destina-se a: I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União
ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou
internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;

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conduzida pela Polícia Federal, ainda que a competência seja da Justiça Estadual, se o caso tiver
repercussão interestadual ou internacional e exigir repressão uniforme, conforme dispõe lei
específica (artigo 144 CF).
Por seu turno, a Lei nº 10.446/02 lista rol exemplificativo de crimes em que essa disposição
tem lugar. Conforme a lei, preenchidos os dois pressupostos constitucionais, replicados em seu artigo
1º, é possível a investigação pela PF em quaisquer outros crimes desde que autorizada pelo
Ministério da Justiça:
Art. 1º Na forma do inciso I do § 1º do art. 144 da Constituição, quando houver repercussão
interestadual ou internacional que exija repressão uniforme, poderá o Departamento de Polícia
Federal do Ministério da Justiça, sem prejuízo da responsabilidade dos órgãos de segurança
pública arrolados no art. 144 da Constituição Federal, em especial das Polícias Militares e Civis
dos Estados, proceder à investigação, dentre outras, das seguintes infrações penais:
I – sequestro, cárcere privado e extorsão mediante sequestro (arts. 148 e 159 do Código Penal),
se o agente foi impelido por motivação política ou quando praticado em razão da função pública
exercida pela vítima;
II – formação de cartel (incisos I, a, II, III e VII do art. 4º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de
1990); e
III – relativas à violação a direitos humanos, que a República Federativa do Brasil se
comprometeu a reprimir em decorrência de tratados internacionais de que seja parte; e
IV – furto, roubo ou receptação de cargas, inclusive bens e valores, transportadas em operação
interestadual ou internacional, quando houver indícios da atuação de quadrilha ou bando em mais
de um Estado da Federação.
V – falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou
medicinais e venda, inclusive pela internet, depósito ou distribuição do produto falsificado,
corrompido, adulterado ou alterado (art. 273 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 -
Código Penal). (Incluído pela Lei nº 12.894, de 2013)
VI – furto, roubo ou dano contra instituições financeiras, incluindo agências bancárias ou caixas
eletrônicos, quando houver indícios da atuação de associação criminosa em mais de um Estado
da Federação. (Incluído pela Lei nº 13.124, de 2015)
Parágrafo único. Atendidos os pressupostos do caput, o Departamento de Polícia Federal
procederá à apuração de outros casos, desde que tal providência seja autorizada ou determinada
pelo Ministro de Estado da Justiça.

2.1.1.3.2 INSTAURAÇÃO
Nos termos do art. 5º do CPP, quando se tratar de crime de ação pública incondicionada, o
inquérito policial será iniciado de ofício (inc. I), mediante requisição da autoridade judiciária56 ou do
Ministério Público (inc. II – primeira parte), ou ainda a requerimento do ofendido ou de quem tiver
qualidade para representá-lo (inc. II – parte final). Nos casos de ação penal pública condicionada,
instaura-se mediante requisição do Ministro da Justiça, ou de representação do ofendido ou de quem
tiver qualidade para representá-lo (§ 4º). Em caso de ação penal privada, como já foi dito, dependerá
de provocação do ofendido ou de quem tenha qualidade para representá-lo (§ 5º).
As peças normalmente encontradas são:
1. Portaria – normalmente utilizada quando a instauração se dá de ofício pelo delegado
de polícia.
2. Ofício requisitório – expediente direcionado ao delegado de polícia, estando este
compelido a proceder à abertura do inquérito. O CPP elenca o juiz, o membro do

56 Muito embora haja previsão expressa no CPP, recomenda-se o encaminhamento de eventual notícia do crime ao Ministério Público, em
razão da superveniência da Constituição Federal.

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Ministério Público e o Ministro da Justiça como autoridades detentoras do referido
poder de requisição.
3. Auto de prisão em flagrante – lavrado pela autoridade policial (arts. 301 a 310 do CPP).
4. Requerimento ou representação do ofendido ou representante – imprescindível
para os casos de ação penal privada (requerimento) ou de ação penal pública
condicionada (representação).
A notícia do crime – notitia criminis – representa a forma com que a autoridade policial
toma conhecimento da infração penal. A doutrina apresenta a seguinte classificação57:
1. Direta ou imediata – a própria autoridade policial espontaneamente toma
conhecimento da infração penal, sem que tenha havido qualquer tipo de provocação.
2. Indireta ou mediata – a autoridade policial é formalmente comunicada ou provocada
(requerimento, representação ou requisição).
3. De condução coercitiva - quando decorrente de prisão em flagrante.
Nos termos do art. 5º, § 2º, do CPP, do despacho que indeferir o requerimento de abertura de
inquérito caberá recurso para o chefe de polícia.

2.1.1.3.3 DESENVOLVIMENTO E ATRIBUIÇÕES DA AUTORIDADE POLICIAL58


O art. 6º do CPP enumera as providências a serem adotadas pela autoridade policial, ao tomar
ciência da ocorrência da infração penal, não sendo o rol taxativo:
1. dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o estado e conservação
das coisas, até a chegada dos peritos criminais;
2. apreender os objetos que tiverem relação com o fato, após liberados pelos peritos
criminais;
3. colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias;
4. ouvir o ofendido e o indiciado59;
5. proceder a reconhecimento de pessoas e coisas e à acareações;
6. determinar, se for o caso, que se proceda a exame de corpo de delito e a quaisquer
outras perícias;
7. ordenar a identificação do indiciado pelo processo datiloscópico e fazer juntar aos
autos sua folha de antecedentes;

57Na primeira edição deste livro, o autor informou não concordar com a referida inclusão da notitia criminis de condução coercitiva na
classificação, porque fugiria do critério adotado (ciência ou não da autoridade policial). Entretanto, há a possibilidade de a apresentação do
autor do fato ser por servidor público ou até mesmo por particular, o que nos permite rever o posicionamento, pelo menos na parte em
que a prisão em flagrante não é efetivada pelo próprio delegado de polícia.
58 Lei 12.830, de 20 de junho de 2013, que dispõe sobre a investigação criminal conduzida pelo delegado de polícia:
[...]
Art. 2º As funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica,
essenciais e exclusivas de Estado.
§ 1º Ao delegado de polícia, na qualidade de autoridade policial, cabe a condução da investigação criminal por meio de inquérito policial ou
outro procedimento previsto em lei, que tem como objetivo a apuração das circunstâncias, da materialidade e da autoria das infrações
penais.
§ 2º Durante a investigação criminal, cabe ao delegado de polícia a requisição de perícia, informações, documentos e dados que
interessem à apuração dos fatos.
§ 3º (VETADO).
§ 4º O inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei em curso somente poderá ser avocado ou redistribuído por superior
hierárquico, mediante despacho fundamentado, por motivo de interesse público ou nas hipóteses de inobservância dos procedimentos
previstos em regulamento da corporação que prejudique a eficácia da investigação.
§ 5º A remoção do delegado de polícia dar-se-á somente por ato fundamentado.
§ 6º O indiciamento, privativo do delegado de polícia, dar-se-á por ato fundamentado, mediante análise técnico-jurídica do fato, que
deverá indicar a autoria, materialidade e suas circunstâncias.
[...]
59O art. 15 do CPP perdeu a sua utilidade após a redução da maioridade civil para 18 anos (art. 5º do CC).

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8. averiguar a vida pregressa do indiciado, sob o ponto de vista individual, familiar e
social, sua condição econômica, sua atitude e estado de ânimo antes e depois do
crime e durante ele, e quaisquer outros elementos que contribuírem para a
apreciação do seu temperamento e caráter.
9. colher informações sobre a existência de filhos, respectivas idades e se possuem
alguma deficiência e o nome e o contato de eventual responsável pelos cuidados dos
filhos, indicado pela pessoa presa.
A Lei 12.830/13, que dispõe sobre a investigação criminal conduzida por delegado de polícia,
explicitou o poder de requisição de perícia, informações, documentos e dados que interessem à
apuração dos fatos (art. 2º, § 2º).
Também é possível a reconstituição simulada dos fatos, desde que não contrarie a ordem
pública e a moralidade (art. 7º do CPP). Apesar de o CPP não mencionar, deve-se observar a garantia
constitucional da não-autoincriminação.
O Ministério Público, como titular da ação penal pública, poderá requisitar diligências que
considere imprescindíveis ao oferecimento da denúncia, competindo à autoridade policial a sua
realização (art. 13, II, do CPP). Já o ofendido e o indiciado, poderão requerer à autoridade policial a
realização de diligências (art. 14).

2.1.1.3.4 IDENTIFICAÇÃO CRIMINAL


Trata-se de mecanismo de identificação de pessoas potencialmente envolvidas em infração
penal. São espécies: a identificação fotográfica, a identificação datiloscópica e a identificação do
perfil genético. Distingue-se da identificação civil que ocorre por meio de documento público que
permita a identificação do acusado. Nessa senda, o artigo 5º, inciso LVIII estabelece que “o civilmente
identificado não será submetido a identificação criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei”60.
A identificação criminal e as hipóteses para sua ocorrência são atualmente reguladas pela Lei
nº 12.037/09, complementada pela Lei nº 12.654/12 que trata da identificação do perfil genético.
Em suma, a Lei nº 12.037/09 estabelece dois grupos de hipóteses para a identificação criminal,
conforme apontado por Gustavo Henrique Badaró61:
(a) necessidade de investigação (art. 3º, IV);
(b) dúvidas quanto à identidade civil do investigado:
b.1. documento com rasura ou indício de falsificação (art. 3º, I);
b.2. documento insuficiente (art. 3º, II e VI);
b.3. documentos distintos, com informações conflitantes entre si (art. 3º, III);
b.4. uso de diferentes nomes (art. 3º, V).
De seu turno, a Lei nº 12.654/12 regula a identificação do perfil genético, que é possível na
hipótese de necessidade da investigação (art. 3º, IV da Lei 12037) e não pode revelar traços
somáticos ou comportamentais das pessoas, permanecendo os dados em banco de dados sigiloso.
Gize-se que, em face do direito a não-autoincriminação, a coleta do material genético apenas é
possível a partir de seu descarte voluntário.

2.1.1.3.5 INDICIAMENTO

60 Atentar para o fato de que a Súmula nº 568 do STF, em que pese não tenha sido formalmente cancelada pelo tribunal, é anterior à
Constituição Federal de 1988:
61BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Processo Penal. 2ª ed. Rio de Janeiro: Elselvier, 2014, p. 80.

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Trata-se de ato privativo e fundamentado da autoridade policial62, que aponta um
determinado investigado como provável autor/partícipe do delito. Pode ser promovido no início ou
no final da investigação, tendo como momento preclusivo o fim das investigações no inquérito. O
desindiciamento, que constitui o cancelamento da percepção de provável autor do delito, não é
exclusividade da autoridade policial.
Membros da magistratura e do Ministério Público não podem ser indiciados pela autoridade
policial, mas apenas pelos presidentes de suas respectivas investigações63. Por sua vez, quando se
tratar de agente público com prerrogativa de função cuja investigação esteja sendo conduzida por
Delegado de Polícia, o indiciamento só pode ocorrer com prévia autorização do órgão competente
para julgamento64.
Importante observar a alteração recente na Lei de Lavagem de Capitais: a nova redação do
artigo 17-D estabelece o afastamento imediato e automático da função pública do servidor indiciado.
A redação é questionável, sendo preferível a representação, pela autoridade policial, para juiz, em
aplicação do artigo 319, VI, do CPP.

2.1.1.3.6 PRAZO
Não há um prazo único para a conclusão do inquérito policial, podendo variar conforme o
crime praticado ou a competência do órgão judicante, ou ainda se se tratar de réu preso ou solto.
Aplica-se o critério da especialidade: não havendo prazo especial, vale o do CPP.

DIPLOMA INDICIADO INDICIADO PRORROGAÇÃO


SOLTO PRESO

CPP (art. 10) 30 dias 10 dias Somente para o indiciado


solto.
Regra geral

Justiça Federal 30 dias 15 dias Para o preso, mediante


requerimento
(art. 66 da Lei 5.010/66) devidamente
fundamentado. Para o
solto, segue a regra geral.

Lei de Drogas 90 dias 30 dias Possibilidade de

62Lei nº 12.830/13. Art. 2º As funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são de
natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado. (...) § 6º O indiciamento, privativo do delegado de polícia, dar-se-á por ato
fundamentado, mediante análise técnico-jurídica do fato, que deverá indicar a autoria, materialidade e suas circunstâncias.
63 Lei nº 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público) Art. 41. Constituem prerrogativas dos membros do Ministério Público, no
exercício de sua função, além de outras previstas na Lei Orgânica: II - não ser indiciado em inquérito policial, observado o disposto no
parágrafo único deste artigo; Parágrafo único. Quando no curso de investigação, houver indício da prática de infração penal por parte de
membro do Ministério Público, a autoridade policial, civil ou militar remeterá, imediatamente, sob pena de responsabilidade, os respectivos
autos ao Procurador-Geral de Justiça, a quem competirá dar prosseguimento à apuração.
Lei nº 35/79 (Lei Orgânica da Magistratura Nacional), art. 33: São prerrogativas do magistrado: Parágrafo único - Quando, no curso de
investigação, houver indício da prática de crime por parte do magistrado, a autoridade policial, civil ou militar, remeterá os respectivos
autos ao Tribunal ou órgão especial competente para o julgamento, a fim de que prossiga na investigação.
64“Questão de Ordem em Inquérito. 1. Trata-se de questão de ordem suscitada pela defesa de Senador da República, em sede de inquérito
originário promovido pelo Ministério Público Federal (MPF), para que o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) defina a legitimidade,
ou não, da instauração do inquérito e do indiciamento realizado diretamente pela Polícia Federal (PF). 2. Apuração do envolvimento do
parlamentar quanto à ocorrência das supostas práticas delituosas sob investigação na denominada "Operação Sanguessuga". 3. Antes da
intimação para prestar depoimento sobre os fatos objeto deste inquérito, o Senador foi previamente indiciado por ato da autoridade
policial encarregada do cumprimento da diligência. (...) 5. A Polícia Federal não está autorizada a abrir de ofício inquérito policial para
apurar a conduta de parlamentares federais ou do próprio Presidente da República (no caso do STF). No exercício de competência penal
originária do STF (CF, art. 102, I, b c/c Lei nº 8.038/1990, art. 2º e RI/STF, arts. 230 a 234), a atividade de supervisão judicial deve ser
constitucionalmente desempenhada durante toda a tramitação das investigações desde a abertura dos procedimentos investigatórios até o
eventual oferecimento, ou não, de denúncia pelo dominus litis. 6. Questão de ordem resolvida no sentido de anular o ato formal de
indiciamento promovido pela autoridade policial em face do parlamentar investigado.” (STF - Inq-QO: 2411 MT, Relator: GILMAR MENDES,
Data de Julgamento: 10/10/2007, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-074 DIVULG 24-04-2008 PUBLIC 25-04-2008)

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duplicação, mediante
(art. 51) requerimento justificado.

Justiça Militar 40 dias 20 dias Somente para o solto, por


mais 20 dias.
(art. 20 do CPPM)

Lei 1.521/51 – Crime contra 10 dias 10 dias Não


a economia popular

Nos casos em que seja permitida a prorrogação, a autoridade policial deve regularmente
solicitá-la, a fim de se possibilitar o controle temporal da investigação.

2.1.1.3.7 CONCLUSÃO. RELATÓRIO.


Concluídas as diligências, a autoridade fará minucioso relatório do que tiver sido apurado e
enviará os autos ao juiz competente (art. 10, § 1º). O delegado não deverá emitir juízo de valor65,
limitando-se a relatar as ocorrências, diligências e evidências levantadas na apuração do caso. Poderá
ainda indicar testemunhas que não tiverem sido inquiridas, mencionando o lugar onde possam ser
encontradas (§ 2º). Os instrumentos do crime, bem como os objetos que interessarem à prova,
acompanharão os autos do inquérito (art. 11).
Recebidos os autos do inquérito policial, o Ministério Público pode adotar uma das
seguintes providências:
1. Oferecimento da denúncia
2. Devolução dos autos à autoridade policial para novas diligências
3. Promover o arquivamento do inquérito policial

Nesta fase, a atuação do Ministério Público deve observar o caráter da indisponibilidade da


ação penal pública, respeitando-se a autonomia funcional de seus agentes.
Na primeira hipótese, caso o membro do Ministério Público entenda que o inquérito já esteja
suficientemente instruído, deverá oferecer a denúncia, não podendo proceder à devolução do
inquérito à autoridade policial (art. 16 do CPP)66.
Entretanto, no segundo caso, quando o Ministério Público considerar imprescindível a
realização de determinada diligência, deverá providenciar a devolução dos autos para que a
autoridade policial possa efetivá-la (art. 16, parte final).
Finalmente, não havendo elementos suficientes para o oferecimento da denúncia, mesmo
após o esgotamento das diligências, o Ministério Público deve promover67 o arquivamento do
inquérito policial.
2.1.1.3.8 ARQUIVAMENTO
A autoridade policial não pode determinar o arquivamento de inquérito policial (art. 17 do
CPP). A justificativa vem do fato de o delegado de polícia não ser o seu destinatário. Tal tarefa
compete ao legitimado para o ajuizamento da futura demanda penal, ou seja, ao Ministério Público,
em se tratando de ação penal pública68. No caso de ação penal privada, basta que o ofendido não

65Exceção importante a essa regra consta da Lei de Drogas, em seu art. 52, I. A autoridade policial, fundamentadamente, classificará a
conduta no artigo 28 ou no artigo 33 da referida lei, em razão da natureza e quantidade de produto apreendido, assim como das
circunstâncias do delito. Não obstante, o Ministério Público não precisa se vincular a tal classificação.
66Nos casos de crimes de menor potencial ofensivo, em que seja possível a transação penal, o Ministério Público não oferece a denúncia
diretamente, mas apenas se frustrada a possibilidade da aplicação da referida medida despenalizadora.
67O Ministério Público não postula o arquivamento do inquérito policial, porque a decisão final é da própria instituição.
68 O assunto será abordado com mais detalhes no item seguinte.

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ofereça a queixa-crime, sendo desnecessária qualquer providência objetivando o arquivamento do
inquérito (art. 19). Eventual requerimento nesse sentido seria interpretado como renúncia ao direito
de queixa.
Nesse caso, os autos serão encaminhados ao juiz competente, que, em caso de discordância,
deverá determinar a remessa do inquérito ao Procurador-Geral de Justiça (art. 28 do CPP)6970. Caso o
chefe da instituição concorde com o magistrado, deverá designar outro agente para oferecer a
denúncia71. Na hipótese inversa, o Procurador-Geral ratifica a promoção de arquivamento, que
vincula a autoridade judiciária72. A sistemática do art. 28 do CPP não se aplica no âmbito da
competência originária do STJ ou do STF73.Não obstante, caso o Procurador-Geral vise à formação de
coisa julgada material no processo – como nos casos de extinção da punibilidade -, deve submeter o
arquivamento ao Poder Judiciário.
Em recente julgamento, o STJ considerou não ter a vítima direito líquido e certo de impedir o
arquivamento do inquérito ou das peças de informação74.
O arquivamento pode ser fundamentado tanto nas hipóteses que ensejam a rejeição da
denúncia como naquelas de absolvição sumária, portanto: (i) na ausência dos pressupostos
processuais ou das condições da ação, incluindo a ausência de justa causa; (ii) na atipicidade formal
ou material da conduta; (iii) em causa excludente de ilicitude, desde que manifesta; (iv) em causa
excludente de culpabilidade, desde que manifesta, exceto na hipótese de inimputabilidade; (v) em
causa extintiva de punibilidade.
O fundamento da promoção de arquivamento determinará a formação de coisa julgada formal
ou material. Vejamos a seguinte tabela:

Fundamento do Arquivamento Coisa Julgada

69 Na Justiça Federal, em caso de discordância, o juiz determina o encaminhamento dos autos para uma das Câmaras de Coordenação e
Revisão do Ministério Público Federal (art. 62, IV, da Lei Complementar 75/93).
70 Na Justiça Eleitoral, em caso de discordância, o juiz remete os autos também às Câmaras de Revisão e Coordenação do MPF, nos termos
do mencionado artigo 62 da Lei Orgânica do Ministério Público. O artigo 357 do Código Eleitoral foi derrogado pela Lei Orgânica do
Ministério Público, conforme o Enunciado nº 29 da Segunda Câmara de Coordenação e Revisão do MPF.
71 Essa solução preserva a independência funcional do agente que anteriormente promoveu o arquivamento; o designado age como longa
manus do procurador-geral, competindo-lhe apenas o ajuizamento da demanda penal, isto é, não se renovam as três opções já
mencionadas no início do tópico.
72O juiz, ao atuar como fiscal do princípio da obrigatoriedade da ação penal pública, exerce função atípica. A solução não é livre de críticas,
principalmente após o advento da Constituição Federal de 1988, que adotou o sistema acusatório. Aqueles que criticam a atuação do juiz
nessa situação defendem a solução já prevista pelo ordenamento para o arquivamento de inquérito civil (Lei 7.347/85 – Art. 9º. Se o órgão
do Ministério Público, esgotadas todas as diligências, se convencer da inexistência de fundamento para a propositura da ação civil,
promoverá o arquivamento dos autos do inquérito civil ou das peças informativas, fazendo-o fundamentadamente. § 1º Os autos do
inquérito civil ou das peças de informação arquivadas serão remetidos, sob pena de se incorrer em falta grave, no prazo de 3 (três) dias, ao
Conselho Superior do Ministério Público. § 2º Até que, em sessão do Conselho Superior do Ministério Público, seja homologada ou rejeitada
a promoção de arquivamento, poderão as associações legitimadas apresentar razões escritas ou documentos, que serão juntados aos autos
do inquérito ou anexados às peças de informação. § 3º A promoção de arquivamento será submetida a exame e deliberação do Conselho
Superior do Ministério Público, conforme dispuser o seu Regimento. § 4º Deixando o Conselho Superior de homologar a promoção de
arquivamento, designará, desde logo, outro órgão do Ministério Público para o ajuizamento da ação). Entretanto, a providência do art. 28
do CPP vem sendo normalmente aplicada.
73 PROCESSUAL PENAL. INQUÉRITO E QUEBRA DE SIGILO FISCAL. CRIME TRIBUTÁRIO MATERIAL. SÚMULA VINCULANTE 24/STF. AUSÊNCIA
DE LANÇAMENTO. ARQUIVAMENTO.[...] 4. A jurisprudência desta Corte é no sentido de que, nesta instância especial, os membros do
Ministério Público Federal atuam por delegação do Procurador-Geral da República, de sorte que não há falar em aplicação do art. 28 do
CPP, por isso que, nos feitos de competência originária, o pedido de arquivamento feito pelo Ministério Público é irrecusável. Precedentes
do STF.Inquérito arquivado. (Inq 967/DF, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, CORTE ESPECIAL, julgado em 18/03/2015, DJe 30/03/2015).
74 CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA ATO JUDICIAL.INEXISTÊNCIA DE ILEGALIDADE, TERATOLOGIA OU ABUSO DE
PODER.DENEGAÇÃO DA ORDEM.1. A vítima de crime de ação penal pública incondicionada não tem direito líquido e certo de impedir o
arquivamento do inquérito ou peças de informação.2. Em regra, não há ilegalidade, teratologia ou abuso de poder, passível de correção via
mandado de segurança, na decisão judicial que, acolhendo promoção do Ministério Público, determina o arquivamento de inquérito
policial.3. A norma inserta no art. 28 do Código de Processo Penal concede ao Juiz a prerrogativa de, considerando os elementos trazidos
nos autos de inquérito ou nas peças de informações, anuir ou discordar do pedido de arquivamento formulado pelo órgão ministerial, não
sendo cabível, em caso de concordância, a prévia submissão do pedido ao Procurador-Geral.4. Segurança denegada.(MS 21.081/DF, Rel.
Ministro RAUL ARAÚJO, CORTE ESPECIAL, julgado em 17/06/2015, DJe 04/08/2015).

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Ausência de pressupostos processuais ou Formal
condições da ação

Ausência de justa causa Formal

Atipicidade Formal e Material

Excludente de ilicitude Formal e Material*

Excludente de culpabilidade Formal e Material

Extinção da punibilidade Formal e Material

A respeito da formação de coisa julgada em arquivamento fundado em excludente de ilicitude,


a doutrina majoritária e a jurisprudência do STJ75 entendem que, desde que o reconhecimento da
excludente adentre o mérito da questão, ocorre a formação de coisa julgada material. O STF, no
entanto, possui dois precedentes em sentido contrário76, que devem ser levados em consideração
em uma prova dissertativa.
O desarquivamento do inquérito policial segue a regra do art. 18 do CPP77, somente sendo
permitido quando o prévio arquivamento ocorrer por falta de elementos probatórios suficientes para
o oferecimento da denúncia, dependendo, nesse caso, da existência de novas provas (Súmula STF
524)78. Quando o arquivamento se der por atipicidade da conduta, pela ocorrência de excludente de
ilicitude ou culpabilidade, ou ainda quando houver operada a extinção da punibilidade, não há mais
possibilidade de desarquivamento79, em razão da formação de coisa julgada material.

75PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. INQUÉRITO POLICIAL ARQUIVADO POR RECONHECIMENTO DA LEGÍTIMA DEFESA.
DESARQUIVAMENTO POR PROVAS NOVAS. IMPOSSIBILIDADE. COISA JULGADA MATERIAL. PRECEDENTES. 1. A permissão legal contida no
art. 18 do CPP, e pertinente Súmula 524/STF, de desarquivamento do inquérito pelo surgimento de provas novas, somente tem incidência
quando o fundamento daquele arquivamento foi a insuficiência probatória – indícios de autoria e prova do crime. 2. A decisão que faz juízo
de mérito do caso penal, reconhecendo atipia, extinção da punibilidade (por morte do agente, prescrição...), ou excludentes da ilicitude,
exige certeza jurídica – sem esta, a prova de crime com autor indicado geraria a continuidade da persecução criminal – que, por tal, possui
efeitos de coisa julgada material, ainda que contida em acolhimento a pleito ministerial de arquivamento das peças investigatórias. 3.
Promovido o arquivamento do inquérito policial pelo reconhecimento de legítima defesa, a coisa julgada material impede rediscussão do
caso penal em qualquer novo feito criminal, descabendo perquirir a existência de novas provas. Precedentes. 4. Recurso especial improvido.
(REsp 791.471/RJ, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 25/11/2014, DJe 16/12/2014).
76 “(...) A decisão que determina o arquivamento de inquérito policial, a pedido do Ministério Público e determinada por juiz competente,
que reconhece que o fato apurado está coberto por excludente de ilicitude, não afasta a ocorrência de crime quando surgirem novas
provas, suficientes para justificar o desarquivamento do inquérito, como autoriza a Súmula 524 deste Supremo Tribunal Federal. 2. Habeas
corpus conhecido e denegado.” (HC 95211, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, julgado em 10/03/2009, DJe-160 DIVULG 19-
08-2011 PUBLIC 22-08-2011 EMENT VOL-02570-01 PP-00169).
“ Habeas corpus. Processual Penal Militar. Tentativa de homicídio qualificado (CP, art. 121, § 2º, inciso IV, c/c o art. 14, inciso II).
Arquivamento de Inquérito Policial Militar, a requerimento do Parquet Militar. Conduta acobertada pelo estrito cumprimento do dever
legal. Excludente de ilicitude (CPM, art. 42, inciso III). Não configuração de coisa julgada material. Entendimento jurisprudencial da Corte.
Surgimento de novos elementos de prova. Reabertura do inquérito na Justiça comum, a qual culmina na condenação do paciente e de
corréu pelo Tribunal do Júri. Possibilidade. Enunciado da Súmula nº 524/STF. Ordem denegada. 1. O arquivamento de inquérito, a pedido do
Ministério Público, em virtude da prática de conduta acobertada pela excludente de ilicitude do estrito cumprimento do dever legal (CPM,
art. 42, inciso III), não obsta seu desarquivamento no surgimento de novas provas (Súmula nº 5241/STF). Precedente. 2. (...) 3. Ordem
denegada.” (HC 125101, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Relator(a) p/ Acórdão: Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em
25/08/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-180 DIVULG 10-09-2015 PUBLIC 11-09-2015).
77Art. 18. Depois de ordenado o arquivamento do inquérito pela autoridade judiciária, por falta de base para a denúncia, a autoridade
policial poderá proceder a novas pesquisas, se de outras provas tiver notícia.
78Arquivado o inquérito policial, por despacho do juiz, a requerimento do promotor de justiça, não pode a ação penal ser iniciada, sem
novas provas.
79 Pode haver exceções, como há hipótese de fraude perpetrada pelo próprio investigado: “EMENTA HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL.
EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE AMPARADA EM CERTIDÃO DE ÓBITO FALSA. DECISÃO QUE RECONHECE A NULIDADE ABSOLUTA DO DECRETO E
DETERMINA O PROSSEGUIMENTO DA AÇÃO PENAL. INOCORRÊNCIA DE REVISÃO PRO SOCIETATE E DE OFENSA À COISA JULGADA.
PRONÚNCIA. ALEGADA INEXISTÊNCIA DE PROVAS OU INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA EM RELAÇÃO A CORRÉU. INVIABILIDADE DE
REEXAME DE FATOS E PROVAS NA VIA ESTREITA DO WRIT CONSTITUCIONAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL INEXISTENTE. ORDEM
DENEGADA. 1. A decisão que, com base em certidão de óbito falsa, julga extinta a punibilidade do réu pode ser revogada, dado que não
gera coisa julgada em sentido estrito. 2. Não é o habeas corpus meio idôneo para o reexame aprofundado dos fatos e da prova, necessário,
no caso, para a verificação da existência ou não de provas ou indícios suficientes à pronúncia do paciente por crimes de homicídios que lhe
são imputados na denúncia. 3. Habeas corpus denegado. (HC 104998, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em

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No caso de arquivamento homologado por juiz incompetente, do mesmo modo forma-se a
coisa julgada material80.
O arquivamento implícito ocorre quando o Ministério Público, no caso de concurso de agentes,
deixa de denunciar alguém (subjetivo), ou, na hipótese de concurso de crimes, silencia sobre
determinada conduta criminosa (objetivo).A jurisprudência do STJ e do STF não admitem o
arquivamento implícito, por duas razões: (i) ausência de previsão legal e (ii) necessidade de
justificação, pelo Ministério Público, da não apresentação da denúncia, em face do princípio da
obrigatoriedade da ação penal pública.
Criado pela jurisprudência, ocorreria o arquivamento indireto quando o Promotor entendesse
pela incompetência do juiz perante o qual oficia para apreciar a peça de acusação, deixando de
apresentar a denúncia. Em face da impossibilidade de o juiz o MP a apresentar denúncia, sob pena
de violação à independência funcional, o STF entende que se deveria virtualizar um pedido indireto
de arquivamento, aplicando o artigo 28 do CPP.
De outra banda, o trancamento do inquérito policial é uma medida de força, determinada pelo
órgão judiciário. Ocorre em razão da apresentação de habeas corpus ou de mandado de segurança,
na hipótese de se tratar de crime punido exclusivamente com multa.

2.1.1.4 PARTICIPAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO CURSO DO INQUÉRITO E


INVESTIGAÇÕES PRESIDIDAS PELO PROMOTOR DE JUSTIÇA
A participação do Ministério Público no inquérito policial, enquanto titular privativo da ação
penal pública, resume-se basicamente ao seu poder de requisição, seja para instauração da própria
investigação, seja para a realização de diligências que considere imprescindíveis ao oferecimento da
denúncia. O fundamento da sua atuação na fase pré-processual se extrai da própria Constituição (art.
129, III), sendo reproduzido no art. 5º, II, e no art. 13, II, ambos do Código de Processo Penal.
A Lei 12.830/13 reforçou o entendimento de que os atos a serem praticados no inquérito
policial são privativos da autoridade policial, não significando, entretanto, que o Ministério Público
não possa realizar investigações no âmbito do próprio órgão, para posterior utilização. Apesar de o
assunto ainda ser polêmico, a jurisprudência vem apontando para a sua admissibilidade, pelo menos
de maneira subsidiária81.

14/12/2010, DJe-085 DIVULG 06-05-2011 PUBLIC 09-05-2011 EMENT VOL-02517-01 PP-00083)”.


80DIREITO PENAL. HABEAS CORPUS. PEDIDO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ARQUIVAMENTO DO FEITO. RECONHECIMENTO DE
ATIPICIDADE DO FATO. DECISÃO PROFERIDA POR JUÍZO ABSOLUTAMENTE INCOMPETENTE. PERSECUÇÃO PENAL NA JUSTIÇA MILITAR POR
FATO ANALISADO NA JUSTIÇA COMUM. IMPOSSIBILIDADE: CONSTRANGIMENTO ILEGAL CARACTERIZADO. INSTAURAÇÃO DE AÇÃO PENAL
PERANTE O JUÍZO COMPETENTE. IMPOSSIBILIDADE. COISA JULGADA. PRECEDENTES. HABEAS CORPUS CONCEDIDO. (...) 2. A decisão de
arquivamento do inquérito policial no âmbito da Justiça Comum, em virtude de promoção ministerial no sentido da atipicidade do fato e da
incidência de causa excludente de ilicitude, impossibilita a instauração de ação penal perante a Justiça Especializada, uma vez que o Estado-
Juiz já se manifestou sobre o fato, dando-o por atípico (precedentes). Ainda que se trate de decisão proferida por juízo absolutamente
incompetente, deve-se reconhecer a prevalência dos princípios do favor rei, favor libertatis e ne bis in idem, de modo a preservar a
segurança jurídica que o ordenamento jurídico demanda. Precedentes. 4. Ordem concedida, acolhido o parecer ministerial, para trancar a
Ação Penal n.º 484-00.2008.921.0004, em trâmite perante a Auditoria Militar de Passo Fundo/RS. (STJ - HC: 173397 RS 2010/0091949-3,
Relator: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de Julgamento: 17/03/2011, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe
11/04/2011)
81HABEAS CORPUS. CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA E FORMAÇÃO DE QUADRILHA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ALEGADA
FALTA DE JUSTA CAUSA PARA PERSECUÇÃO PENAL, AO ARGUMENTO DE ILEGALIDADE DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO
INVESTIGATÓRIO PROCEDIDO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO E DE NÃO-CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. FALTA DE JUSTA
CAUSA NÃO CARACTERIZADA. ORDEM DENEGADA. 1. POSSIBILIDADE DE INVESTIGAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. EXCEPCIONALIDADE DO
CASO. Não há controvérsia na doutrina ou jurisprudência no sentido de que o poder de investigação é inerente ao exercício das funções da
polícia judiciária – Civil e Federal –, nos termos do art. 144, § 1º, IV, e § 4º, da CF. A celeuma sobre a exclusividade do poder de investigação
da polícia judiciária perpassa a dispensabilidade do inquérito policial para ajuizamento da ação penal e o poder de produzir provas
conferido às partes. Não se confundem, ademais, eventuais diligências realizadas pelo Ministério Público em procedimento por ele
instaurado com o inquérito policial. E esta atividade preparatória, consentânea com a responsabilidade do poder acusatório, não interfere
na relação de equilíbrio entre acusação e defesa, na medida em que não está imune ao controle judicial – simultâneo ou posterior. O
próprio Código de Processo Penal, em seu art. 4º, parágrafo único, dispõe que a apuração das infrações penais e da sua autoria não excluirá
a competência de autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função. À guisa de exemplo, são comumente citadas,

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A questão foi resolvida no RE 593.727/MG, representativo de controvérsia, ocasião em que o STF
confirmou o poder de investigação criminal do Ministério Público82. Ficou assentado que “O
Ministério Público dispõe de competência para promover, por autoridade própria, e por prazo
razoável, investigações de natureza penal, desde que respeitados os direitos e garantias que assistem
a qualquer indiciado ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado, observadas, sempre, por seus
agentes, as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição e, também, as prerrogativas
profissionais de que se acham investidos, em nosso País, os Advogados (Lei 8.906/94, artigo 7º,
notadamente os incisos I, II, III, XI, XIII, XIV e XIX), sem prejuízo da possibilidade – sempre presente no
Estado democrático de Direito – do permanente controle jurisdicional dos atos, necessariamente
documentados (Súmula Vinculante 14), praticados pelos membros dessa instituição”.

2.1.1.4.1 RESOLUÇÃO Nº 13 DO CNMP


As investigações preliminares realizadas pelo Ministério Público deverão ter curso em regular
procedimento administrativo, para o que a Resolução nº 13 do Conselho Nacional do Ministério
Público prevê modalidades e regramentos83.

dentre outras, a atuação das comissões parlamentares de inquérito (CF, art. 58, § 3º), as investigações realizadas pelo Conselho de Controle
de Atividades Financeiras – COAF (Lei 9.613/98), pela Receita Federal, pelo Bacen, pela CVM, pelo TCU, pelo INSS e, por que não lembrar,
mutatis mutandis, as sindicâncias e os processos administrativos no âmbito dos poderes do Estado. Convém advertir que o poder de
investigar do Ministério Público não pode ser exercido de forma ampla e irrestrita, sem qualquer controle, sob pena de agredir,
inevitavelmente, direitos fundamentais. A atividade de investigação, seja ela exercida pela Polícia ou pelo Ministério Público, merece, por
sua própria natureza, vigilância e controle. O pleno conhecimento dos atos de investigação, como bem afirmado na Súmula Vinculante 14
desta Corte, exige não apenas que a essas investigações se aplique o princípio do amplo conhecimento de provas e investigações, como
também se formalize o ato investigativo. Não é razoável se dar menos formalismo à investigação do Ministério Público do que aquele
exigido para as investigações policiais. Menos razoável ainda é que se mitigue o princípio da ampla defesa quando for o caso de investigação
conduzida pelo titular da ação penal. Disso tudo resulta que o tema comporta e reclama disciplina legal, para que a ação do Estado não
resulte prejudicada e não prejudique a defesa dos direitos fundamentais. É que esse campo tem-se prestado a abusos. Tudo isso é resultado
de um contexto de falta de lei a regulamentar a atuação do Ministério Público. No modelo atual, não entendo possível aceitar que o
Ministério Público substitua a atividade policial incondicionalmente, devendo a atuação dar-se de forma subsidiária e em hipóteses
específicas, a exemplo do que já enfatizado pelo Min. Celso de Mello quando do julgamento do HC 89.837/DF: “situações de lesão ao
patrimônio público, [...] excessos cometidos pelos próprios agentes e organismos policiais, como tortura, abuso de poder, violências
arbitrárias, concussão ou corrupção, ou, ainda, nos casos em que se verificar uma intencional omissão da Polícia na apuração de
determinados delitos ou se configurar o deliberado intuito da própria corporação policial de frustrar, em função da qualidade da vítima ou
da condição do suspeito, a adequada apuração de determinadas infrações penais”. No caso concreto, constata-se situação,
excepcionalíssima, que justifica a atuação do Ministério Público na coleta das provas que fundamentam a ação penal, tendo em vista a
investigação encetada sobre suposta prática de crimes contra a ordem tributária e formação de quadrilha, cometido por 16 (dezesseis)
pessoas, sendo 11 (onze) delas fiscais da Receita Estadual, outros 2 (dois) policiais militares, 2 (dois) advogados e 1 (um) empresário. 2.
ILEGALIDADE DA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL ANTE A FALTA DE CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. NÃO OCORRÊNCIA NA
ESPÉCIE. De fato, a partir do precedente firmado no HC 81.611/DF, formou-se, nesta Corte, jurisprudência remansosa no sentido de que o
crime de sonegação fiscal (art. 1º, incisos I a IV, da Lei 8.137/1990) somente se consuma com o lançamento definitivo. No entanto, o
presente caso não versa, propriamente, sobre sonegação de tributos, mas, sim, de crimes supostamente praticados por servidores públicos
em detrimento da administração tributária. Anoto que o procedimento investigatório foi instaurado pelo Parquet com o escopo de apurar o
envolvimento de servidores públicos da Receita Estadual na prática de atos criminosos, ora solicitando ou recebendo vantagem indevida
para deixar de lançar tributo, ora alterando ou falsificando nota fiscal, de modo a simular crédito tributário. Daí, plenamente razoável
concluir pela razoabilidade da instauração da persecução penal. Insta lembrar que um dos argumentos que motivaram a mudança de
orientação na jurisprudência desta Corte foi a possibilidade de o contribuinte extinguir a punibilidade pelo pagamento, situação esta que
sequer se aproxima da hipótese dos autos. 3. ORDEM DENEGADA.(HC 84965, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado
em 13/12/2011, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-070 DIVULG 10-04-2012 PUBLIC 11-04-2012).
82 Repercussão geral. Recurso extraordinário representativo da controvérsia. Constitucional. Separação dos poderes. Penal e processual
penal. Poderes de investigação do Ministério Público. [...] Questão constitucional com repercussão geral. Poderes de investigação do
Ministério Público. Os artigos 5º, incisos LIV e LV, 129, incisos III e VIII, e 144, inciso IV, § 4º, da Constituição Federal, não tornam a
investigação criminal exclusividade da polícia, nem afastam os poderes de investigação do Ministério Público. Fixada, em repercussão geral,
tese assim sumulada: “O Ministério Público dispõe de competência para promover, por autoridade própria, e por prazo razoável,
investigações de natureza penal, desde que respeitados os direitos e garantias que assistem a qualquer indiciado ou a qualquer pessoa sob
investigação do Estado, observadas, sempre, por seus agentes, as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição e, também, as
prerrogativas profissionais de que se acham investidos, em nosso País, os Advogados (Lei 8.906/94, artigo 7º, notadamente os incisos I, II, III,
XI, XIII, XIV e XIX), sem prejuízo da possibilidade – sempre presente no Estado democrático de Direito – do permanente controle
jurisdicional dos atos, necessariamente documentados (Súmula Vinculante 14), praticados pelos membros dessa instituição”. Maioria. [...]
(RE 593727, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 14/05/2015,
ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-175 DIVULG 04-09-2015 PUBLIC 08-09-2015).
83 Referida Resolução é objeto de questionamento no STF na ADIn nº 4305, ainda pendente de julgamento.

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Cuida-se o procedimento investigatório criminal de instrumento de natureza administrativa e
inquisitorial, presidido por membro do Ministério Público com a finalidade de apuração de infrações
penais públicas. Poderá ser instaurado de ofício, por membro do Ministério Público, no âmbito de
suas atribuições criminais,ou mediante provocação.
O membro do Ministério Público tem prazo de 30 dias para dar andamento às representações
e peças de informação que lhe forem remetidas, prorrogáveis por 90 dias caso haja necessidade de
maiores investigações preliminares. No caso de o chefe do Ministério Público discordar da promoção
de arquivamento de peças de informação realizada por outro membro84, deverá ser instaurado o
procedimento investigatório criminal.
A portaria que instaura o procedimento deve conter sempre que possível, o nome e a
qualificação do autor da representação e a determinação das diligências iniciais, podendo ser aditada
caso constatada a necessidade de investigação de novos fatos. O chefe do Ministério Público deve
ser notificado da instauração de procedimento.
Quanto ao desenvolvimento do procedimento investigatório criminal, o artigo 6º da Resolução
prevê procedimentos que poderão ser adotados pelo membro do Ministério Público:

1. fazer ou determinar vistorias, inspeções e quaisquer outras diligências;

2. requisitar informações, exames, perícias e documentos de autoridades, órgãos e


entidades da Administração Pública direta e indireta, da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios;

3. requisitar informações e documentos de entidades privadas, inclusive de natureza


cadastral;

4. notificar testemunhas e vítimas e requisitar sua condução coercitiva, nos casos de


ausência injustificada, ressalvadas as prerrogativas legais;

5. acompanhar buscas e apreensões deferidas pela autoridade judiciária;

6. acompanhar cumprimento de mandados de prisão preventiva ou temporária


deferidas pela autoridade judiciária;

7. expedir notificações e intimações necessárias;

8. realizar oitivas para colheita de informações e esclarecimentos;

9. ter acesso incondicional a qualquer banco de dados de caráter público ou relativo a


serviço de relevância pública;

10. requisitar auxílio de força policial.

O referido artigo estabelece que as autoridades públicas não poderão opor ao Ministério
Público a exceção de sigilo e dispõe prazo de 10 dias úteis para resposta às requisições.
O membro do Ministério Público será responsável pelo uso indevido das informações colhidas.
Ademais, exige que as notificações para comparecimento mencionem o fato investigado, salvo na
hipótese de decretação de sigilo, e sejam realizadas com antecedência mínima de 48 horas,
ressalvadas as hipóteses de urgência.

84 Procurador Geral da República, Procurador Geral de Justiça ou Procurador-Geral de Justiça Militar.

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As notificações e requisições do Ministério Público que tenham como destinatário Presidente,
Vice-Presidente, membro do Congresso Nacional, Ministro do STF ou de Tribunal Superior, Ministro
de Estado, Ministro do TCU ou chefe de missão diplomática de caráter permanente serão levadas a
efeito pelo PGR ou órgão delegado do Ministério Público. Quando tiverem como destinatário
Governador de Estado, membros da Assembleia Legislativa ou desembargadores, as notificações
serão encaminhadas pelo PGJ. Tais autoridades poderão fixar data, hora e local para serem ouvidas.
O suposto autor do fato investigado pode prestar as informações que considerar adequadas e
ser acompanhado por advogado.
As diligências deverão ser registradas em auto circunstanciado, ainda que por mídias
audiovisuais. Quando realizadas fora dos limites territoriais da unidade em que se realizar a
investigação, serão deprecadas ao respectivo órgão do Ministério Público local, facultado ao membro
deprecado autorizar a participação do membro deprecante.
O procedimento deve ser concluído no prazo de 90 dias, permitidas prorrogações sucessivas,
por decisão fundamentada do membro do Ministério Público.
Os procedimentos serão, em regra, públicos no tocante (i) à expedição de certidão mediante
requerimento do investigado, da vítima ou de seu representante legal, do Poder Judiciário, do
Ministério Público ou de terceiro diretamente interessado; (ii) ao deferimento de pedidos de vista e
de extração de cópias, desde que fundamentados; (iii) na prestação de informações ao público, a
critério do presidente do procedimento, observados o princípio de presunção de inocência e as
hipóteses legais de sigilo. A sigilosidade pode ser decretada, fundamentadamente, pelo presidente
do procedimento.
No âmbito do procedimento investigatório criminal, a promoção de arquivamento poderá ser
realizada nos termos do artigo 28 do CPP ou ao órgão superior interno responsável por sua
apreciação, nos termos da legislação vigente. Da mesma forma, com a notícia de novas provas o
membro do Ministério Público pode requerer o desarquivamento dos autos, comunicando ao chefe
da instituição.

2.1.1.4.1 TRÁFICO DE PESSOAS


A Lei 13.344/2016 introduziu no Código de Processo Penal os artigos 13-A e 13-B, os quais
possibilitam ao Delegado de Polícia e ao Ministério Público requisitarem informações e dados
telefônicos para subsidiarem investigações de determinados crimes.
A lei visou criar uma sistemática moderna às políticas de combate ao Tráfico de Pessoas,
trazendo ferramentas para o seu enfrentamento sob a ótica da prevenção e da repressão, bem como
a atenção às suas vítimas. Para tanto, instituiu diversos princípios e diretrizes, bem como promoveu
modificações aptas a instrumentalizar seus ditames.
Art. 13-A. Nos crimes previstos nos arts. 148, 149 e 149-A, no § 3º do art. 158 e no art. 159
do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), e no art. 239 da Lei no
8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), o membro do
Ministério Público ou o delegado de polícia poderá requisitar, de quaisquer órgãos do poder
público ou de empresas da iniciativa privada, dados e informações cadastrais da vítima ou de
suspeitos.
Parágrafo único. A requisição, que será atendida no prazo de 24 (vinte e quatro) horas,
conterá:
I - o nome da autoridade requisitante;
II - o número do inquérito policial; e
III - a identificação da unidade de polícia judiciária responsável pela investigação.

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Art. 13-B. Se necessário à prevenção e à repressão dos crimes relacionados ao tráfico de
pessoas, o membro do Ministério Público ou o delegado de polícia poderão requisitar,
mediante autorização judicial, às empresas prestadoras de serviço de telecomunicações
e/ou telemática que disponibilizem imediatamente os meios técnicos adequados – como
sinais, informações e outros – que permitam a localização da vítima ou dos suspeitos do
delito em curso.
§ 1º Para os efeitos deste artigo, sinal significa posicionamento da estação de cobertura,
setorização e intensidade de radiofrequência.
§ 2º Na hipótese de que trata o caput, o sinal:
I - não permitirá acesso ao conteúdo da comunicação de qualquer natureza, que dependerá
de autorização judicial, conforme disposto em lei.
II - deverá ser fornecido pela prestadora de telefonia móvel celular por período não superior a
30 (trinta) dias, renovável por uma única vez, por igual período:
III - para períodos superiores àquele de que trata o inciso II, será necessária a apresentação
de ordem judicial.
§ 3º Na hipótese prevista neste artigo, o inquérito policial deverá ser instaurado no prazo
máximo de 72 (setenta e duas) horas, contado do registro da respectiva ocorrência policial.
§ 4º Não havendo manifestação judicial no prazo de 12 (doze) horas, a autoridade
competente requisitará às empresas prestadoras de serviço de telecomunicações e/ou
telemática que disponibilizem imediatamente os meios técnicos adequados – como sinais,
informações e outros – que permitam a localização da vítima ou dos suspeitos do delito em
curso, com imediata comunicação ao juiz.
O art. 13-A prevê os crimes em que o Delegado de Polícia e o Ministério Público estão
autorizados a requisitar dados e informações cadastrais de vítimas ou de suspeitos aos órgãos
públicos ou empresas da iniciativa privada:
1. Sequestro ou cárcere privado (art. 148 do CP);
2. Redução à condição análoga à de escravo (art. 149 do CP);
3. Tráfico de pessoas (art. 149-A do CP);
4. Extorsão com restrição da liberdade da vítima (art. 158, §3º do CP);
5. Extorsão mediante sequestro (art. 159 do CP);
6. Tráfico internacional de crianças (art. 239 do ECA)
O art. 13-B permite ao Delegado e membro do Ministério Público a requisição, mediante
autorização judicial, de dados que permitam a localização de vítima ou suspeitos de delitos em curso,
relacionados ao tráfico de pessoas.

2.1.1.5 COMISSÕES PARLAMENTARES DE INQUÉRITO


A Constituição Federal de 1988 confere, em seu artigo 58, § 3º, poderes de investigação
criminal próprios das autoridades judiciárias às Comissões Parlamentares de Inquérito. Tais poderes,
no entanto, não se estendem às questões relativas a provas e atividades cobertas sob o manto da
cláusula de jurisdição.Nos termos da Lei nº 10.001/2000, possuem prioridade os procedimentos
criminais instaurados a partir de Relatórios de CPI’s.

2.1.1.6 PROCEDIMENTO POLICIAL NOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS


Tendo ocorrido uma infração penal de menor potencial ofensivo, a primeira providência é a
lavratura do termo circunstanciado pela autoridade policial. No termo, devem constar a qualificação
dos envolvidos e de eventuais testemunhas, bem como um resumo das versões dos envolvidos e das

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testemunhas e relato de investigações e diligências já realizadas. O termo será remetido aos Juizados
independentemente de perícia (art. 69, caput, Lei nº 9099/95). Não se lavra auto de prisão em
flagrante nem se exige fiança se o autor do fato for imediatamente encaminhado ao Juizado, ou, não
sendo possível o encaminhamento imediato, assume o compromisso de comparecer ao Juizado.

AÇÃO PENAL
AÇÃO PENAL.CONCEITO.CARACTERÍSTICAS. PRINCÍPIOS. CONDIÇÕES DA
AÇÃO E PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS. AÇÃO PENAL PÚBLICA.
INSTITUTOS CONDICIONANTES. AÇÃO PENAL PRIVADA. PRAZOS.
ASPECTOS FORMAIS. ADITAMENTO E REJEIÇÃO DA DENÚNCIA.AÇÃO CIVIL
EX DELICTO.

3.1 CONCEITO, FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL E CARACTERÍSTICAS


Segundo Vicente Greco, “o direito de ação é o direito subjetivo público de pleitear ao Poder
Judiciário uma decisão sobre uma pretensão”85.
No plano constitucional, reflete-se no princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário (art. 5º,
XXXV), sendo amplo e genérico, na medida em que se veda que um ato normativo infraconstitucional
possa impedir que determinada lesão ou ameaça de lesão seja apreciada.
São características da ação penal modernamente concebida a autonomia, a abstração e a
instrumentalidade.
A autonomia do direito de ação refere-se à circunstância de seu exercício não estar vinculado à
existência do direito material. Historicamente encontra-se superado o período imanentista, em que
se entendia o direito de ação como a expressão dinâmica do direito material.
Assim também a abstração relaciona-se com a autonomia, uma vez que a procedência ou
improcedência do pedido encontra-se abstraída da questão do direito à ação.
Finalmente, a ação penal é instrumental para o início da fase judicial da persecução penal,
porquanto em virtude do princípio da inércia o processo depende da justa provocação.

3.2 CONDIÇÕES DA AÇÃO


No plano processual, o exercício do direito de ação fica condicionado ao cumprimento de
determinadas condições, a fim de que se possa obter o provimento desejado. A previsão do
cumprimento de determinadas condições está no art. 395 do CPP, que também inclui a justa causa
como elemento condicionante86. Vejamos cada uma delas, com enfoque exclusivo na matéria.
1. Legitimidade – A legitimação para agir abrange as partes que compõem os polos ativo e
passivo da relação processual. A titularidade da ação penal será atribuída ao Ministério
Público ou ao ofendido, caso se trate, respectivamente, de ação penal pública ou privada,

85Greco Filho, Vicente. Manual de processo penal. 10 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 123.
86 Apesar de não haver unanimidade na doutrina, tem sido razoavelmente aceita a justa causa como condição da ação no processo penal,
principalmente após a vigência da Lei 11.719/08.

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ressalvada a hipótese de ação penal privada subsidiária da pública. No caso da está-se
diante de substituição processual ou legitimidade extraordinária, uma vez que a vítima
exerce em nome próprio direito alheio, porquanto a pretensão punitiva continua sendo do
Estado. Já no polo passivo, a autoria é matéria ligada ao próprio mérito da causa87.
2. Interesse de agir – Traduz-se no trinômio88necessidade, utilidade e adequação. O
primeiro elemento é criticado, porque o provimento jurisdicional sempre será
necessário (nulla poena sine judicio). Diz-se que a pretensão é presumivelmente
insatisfeita, independentemente da vontade do réu. A utilidade está ligada à
viabilidade da demanda penal, sendo certo que a jurisprudência não tem aceitado a
tese da prescrição em perspectiva89. Já a adequação tem utilidade reduzida, em
razão dos institutos da emendatio e mutatio libelli. Não obstante, é relevante para a
ação de habeas corpus porque, não havendo risco remoto à liberdade de locomoção,
esta não é adequada90.
3. Possibilidade jurídica do pedido – Também tem aplicação reduzida no processo
penal, porque o princípio da correlação não possui a mesma abrangência do
processo civil. O próprio art. 41 do CPP não traz o pedido como elemento essencial
da denúncia ou queixa91. O juiz não está vinculado ao pedido formulado pelo autor da
demanda penal. A compreensão deste instituto se dá à luz da tipicidade, no sentido
de que se o fato descrito na peça acusatória não encontra qualquer adequação típica,
então a denúncia é inepta.
4. Justa causa – A denúncia ou queixa deve ser instruída com elementos probatórios
razoáveis para que a acusação possa ser sustentada. Sem um lastro mínimo, o
constrangimento ilegal seria evidente, a justificar a sua rejeição (art. 395, III, do CPP).
A Lei de Lavagem de Capitais exige a justa causa duplicada 92, isto é, o crime
antecedente à lavagem deve vir acompanhado de indícios de materialidade.

Ainda, são chamadas de condições específicas da ação ou condições de procedibilidade as


exigências específicas criadas pelo legislador para o início da fase judicial da persecução penal. Nesse
sentido, são condições de procedibilidade: (i) a representação da vítima e (ii) a requisição do Ministro
da Justiça, nos crimes de ação penal pública condicionada; (iii) a apresentação de laudo pericial nos
crimes contra a propriedade imaterial93; (iv) a apresentação de novas provas, no arquivamento do
inquérito policial; (v) nos crimes falimentares (art. 187 da Lei 11.101/05); (vi) o lançamento definitivo
do tributo, nos crimes materiais contra a ordem tributária (Súmula Vinculante 24 do STF).
A expressão “condições de prosseguibilidade” refere-se à ação penal em curso, em que se
passa a exigir a prática de determinado fato para o reinício ou a continuidade da ação penal. É

87Quanto ao tema, importante frisar que ambos STF e STJ entenderam superada a teoria da dupla imputação, de modo que é possível a
responsabilização exclusiva das pessoas jurídicas (art. 225, §3º, da CF; e art. 3º da Lei nº 9.605/98), sem apontar a pessoa física responsável:
“(...) 1. O art. 225, § 3º, da Constituição Federal não condiciona a responsabilização penal da pessoa jurídica por crimes ambientais à
simultânea persecução penal da pessoa física em tese responsável no âmbito da empresa. A norma constitucional não impõe a necessária
dupla imputação. (...) 3. Condicionar a aplicação do art. 225, §3º, da Carta Política a uma concreta imputação também a pessoa física
implica indevida restrição da norma constitucional, expressa a intenção do constituinte originário não apenas de ampliar o alcance das
sanções penais, mas também de evitar a impunidade pelos crimes ambientais frente às imensas dificuldades de individualização dos
responsáveis internamente às corporações, além de reforçar a tutela do bem jurídico ambiental.(...)” (RE 548181, Relator(a): Min. ROSA
WEBER, Primeira Turma, julgado em 06/08/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-213 DIVULG 29-10-2014 PUBLIC 30-10-2014)
88Apesar da controvérsia teórica, opta-se pela corrente mais abrangente.
89Súmula/STJ 438: “É inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena
hipotética,independentemente da existência ou sorte do processo penal”.
90 Súmula 693 do STF – “Não cabe "habeas corpus" contra decisão condenatória a pena de multa, ou relativo a processo em curso por
infração penal a que a pena pecuniária seja a única cominada”.
Súmula 694 do STF – “Não cabe "habeas corpus" contra a imposição da pena de exclusão de militar ou de perda de patente ou de função
pública”.
Súmula 695 do STF – “Não cabe "habeas corpus" quando já extinta a pena privativa de liberdade”.
91 Art. 41. A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou
esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas.
92Art. 2º, § 1º: “A denúncia será instruída com indícios suficientes da existência da infração penal antecedente, sendo puníveis os fatos previstos nesta Lei,
ainda que desconhecido ou isento de pena o autor, ou extinta a punibilidade da infração penal antecedente.” (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)
93 Art. 525 do CPP: “No caso de haver o crime deixado vestígio, a queixa ou a denúncia não será recebida se não for instruída com o exame pericial dos
objetos que constituam o corpo de delito”.

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exemplo de condição de prosseguibilidade a comprovação da recuperação da higidez mental na
suspensão do processo por inimputabilidade superveniente.

3.3 PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS


Assim como nas condições da ação, a ausência de algum dos pressupostos processuais
constitui causa de rejeição liminar da denúncia, nos termos do artigo 395 do CPP, adiante melhor
estudado.
Os pressupostos processuais podem ser divididos em pressupostos de existência e validade. Os
primeiros, como o próprio nome já diz, são essenciais para a própria vida do processo. Sem eles, o
instrumento deixa de existir. Os de validade – o nome também exprime – estão ligados às condições
necessárias para o seu hígido desenvolvimento.

3.3.1 PRESSUPOSTOS DE EXISTÊNCIA


Órgão investido de jurisdição – o juiz é a figura central. Sem ele, não há processo.
Uma sentença subscrita por um promotor de justiça, por exemplo, é um ato
inexistente, porque tal órgão é desprovido de jurisdição. A questão envolvendo a
competência do órgão jurisdicional se desloca para o plano da validade do processo.
Demanda – considerando-se que a jurisdição é inerte, principalmente após a
Constituição de 1988, que não recepcionou o procedimento judicialiforme (art. 26 do
CPP), pode-se concluir que, sem demanda, igualmente não haverá processo.
Partes – exige-se pelo menos a presença da parte demandante. Em caso de rejeição
liminar da denúncia ou queixa (art. 395), por exemplo, o réu sequer terá sido citado.
Ainda assim, não há como negar a existência do processo94.

3.3.2 PRESSUPOSTOS DE VALIDADE


3.3.2.1 SUBJETIVOS
Referem-se ao juiz e às partes. Estão ligados aos integrantes da relação jurídica processual.
Competência do juízo – A competência, como já foi visto, é definida através de
normas constitucionais, legais e infralegais, ligando-se à garantia do juiz natural.
Imparcialidade do juiz – Reputa-se imparcial o juiz que não esteja impedido ou
suspeito para julgar a causa, não havendo, ainda, situação de incompatibilidade.
Capacidade processual – A capacidade para estar em juízo é adquirida aos 18
anos. Antes disso, o indivíduo não poderá ser réu. Já no polo ativo, em caso de ação
penal privada, deverá ser representado (art. 30 do CPP).
Capacidade postulatória – A parte deve ser representada por profissional
regularmente habilitado, inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, ressalvando-se
a atuação em causa própria. Não se exige capacidade postulatória para a impetração
de habeas corpus e para a revisão criminal. A parte também poderá pessoalmente
interpor recursos (art. 577 do CPP).

3.3.2.2 OBJETIVOS
Os requisitos objetivos estão ligados à pretensão, ao próprio objeto da ação penal.
Citação válida – A citação está regulamentada a partir do art. 351 do CPP, e já foi
estudada em capítulo próprio. A sua não observância acarreta a nulidade absoluta do
processo. Entretanto, o comparecimento espontâneo supre eventual vício (art. 570).

94Deve-se atentar para a redação do art. 363 do CPP: “O processo terá completada a sua formação quando realizada a citação do acusado”.

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Regularidade formal do instrumento da demanda – Nos termos do art. 41 do CPP,
a denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas
circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa
identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol de testemunhas.
Inexistência de litispendência ou coisa julgada – São analisados negativamente.

A falta de algum pressuposto processual é motivo suficiente para a rejeição liminar da


denúncia ou queixa (art. 395, II, do CPP). Nada impede, entretanto, que seja aferida posteriormente,
porque matéria de ordem pública.
3.4 AÇÃO PENAL PÚBLICA
O Código de Processo Penal trata da ação penal a partir do artigo 24, classificando-a conforme
a titularidade para o respectivo ajuizamento. Ação penal pública é aquela que deve ser promovida
privativamente pelo Ministério Público, nos termos dos arts. 24 e 257, I, do CPP e art. 129, I da CF.
Os princípios reitores da ação penal pública são classificados em primários (obrigatoriedade,
indisponibilidade, divisibilidade, intranscendência) ou acidentais (autoritariedade, oficialidade,
oficiosidade). Dessa forma:

1. Obrigatoriedade, compulsoriedade ou legalidade processual – O Ministério Público


não pode decidir sobre a apresentação da denúncia por motivações casuísticas,
sociais ou políticas. Apenas a ausência das condições da ação enseja a não
apresentação da denúncia. A ideia de obrigatoriedade mitigada ou
discricionariedade regrada surge da previsão de transação penal (art. 76 da Lei nº
9.099/95 e da Lei de Organizações Criminosas)

2. Indisponibilidade ou indesistibilidade –Expressa a ideia de que o Ministério Público


não pode desistir da denúncia já apresentada, o que não implica porém a
indisponibilidade recursal, pois o Ministério Público está vinculado à ideia de justo
provimento. A indisponibilidade é atenuada pela suspensão condicional do processo
(art. 89 da Lei nº 9.099/95).

3. Divisibilidade –O entendimento dos Tribunais Superiores é de que é possível o


aditamento do pólo passivo da ação penal sempre que surgirem novas provas, razão
pela qual não se aplica na ação penal pública a faceta subjetiva do princípio da
obrigatoriedade.

4. Intranscendência ou Pessoalidade – Ação deve refletir o princípio da


intranscendência da pena.

5. Autoritariedade

6. Oficialidade -A ação penal deve ser manejada por órgão oficial do Estado, isto é,
membro do Ministério Público.

7. Oficiosidade - A ação penal pública, em regra, será manejada de ofício.

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A ação penal pública divide-se em:
1. Incondicionada – Como o próprio nome já evidencia, a atuação do Ministério Público
não está vinculada a qualquer manifestação de vontade prévia, devendo oferecer a
denúncia tão logo reúna as condições necessárias, sendo reflexo do princípio da
obrigatoriedade. É a regra geral.
2. Condicionada – O oferecimento da denúncia depende da prévia provocação do
ofendido ou representante (representação), ou ainda do Ministro da Justiça
(requisição). Cuida-se de autêntica condição de procedibilidade, conforme já
apontado. Vale lembrar que o agente ministerial não fica vinculado, porque possui
independência funcional para oferecer ou não a denúncia. Aqui, como na ação penal
privada, o fundamento é buscar evitar o strepius iudicii causado pelo processo,
buscando-se na ação pública condicionada conjugar os interesses da vítima e do
Estado na ação penal.

O prazo para oferecimento da denúncia, estando o réu preso, é de cinco dias, contado da data
em que o órgão do Ministério Público receber os autos do inquérito policial, e de 15 dias, se o réu
estiver solto ou afiançado (art. 46 do CPP). O exaurimento do prazo, em especial se tratando de réu
solto, configura mera irregularidade que não contamina a futura demanda, dando apenas ensejo ao
ajuizamento de queixa subsidiária, em caso de inércia.
A legislação especial estabelece alguns prazos diferenciados, valendo a mesma regra já
informada no item referente aos prazos do inquérito policial: se a legislação especial não dispuser de
modo diverso, vale o prazo estabelecido no CPP:

DIPLOMA INDICIADO SOLTO INDICIADO PRESO

CPP (art. 46) 15 dias 5 dias

Regra geral

Lei de Drogas 10 dias 10 dias

(art. 54)

Lei 1.521/51 – Crime 2 dias 2 dias


contra a economia
popular (art. 10, §2º)

Lei nº 4.898/65 – 48 horas 48 horas


Crime de abuso de
autoridade

Por fim, cabe ressaltar que as contravenções penais são processadas mediante ação penal pública,
conforme disposição do artigo 17 da Lei nº 3.688/1941.

3.4.1 REPRESENTAÇÃO
Já foi dito, no caso de ação penal pública condicionada à representação, que a denúncia
somente poderá ser oferecida quando houver a prévia provocação do ofendido ou de representante
(art. 24 do CPP). Até mesmo a instauração do inquérito policial dependerá da referida manifestação
(art. 5º, § 4º).

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A lei não traz qualquer exigência formal para a representação, desde que a intenção do
ofendido seja inequivocamente manifestada. Pode ser feita verbalmente ou por escrito. No primeiro
caso, deve ser reduzida a termo (art. 39). Desde que possível, também se recomenda que contenha
todas as informações que possam servir à apuração do fato e da autoria.
Ainda nos termos do art. 39 do CPP, o direito de representação poderá ser exercido,
pessoalmente ou por procurador com poderes especiais, e dirigido ao juiz95, ao órgão do Ministério
Público, ou à autoridade policial.
Em se tratando de vítima incapaz, o direito de representação deverá ser exercido pelo
representante legal. Quando houver conflito de interesses ou ausência de representante, o juiz
nomeará curador especial.A emancipação civil não legitima a vítima para representar, de modo que a
denunciação caluniosa nesse caso ocorreria sem possibilidade de repercussão penal.
No caso de morte do ofendido, ou ainda quando declarado ausente por decisão judicial, o
direito de representação passará ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão (art. 24, § 1º).Trata-
se de hipótese de sucessão processual. Pode também a companheira ocupar o pólo ativo da ação
penal, mediante interpretação analógica autorizada pelo Código de Processo Penal.
No caso de pessoa jurídica, seja para representar em ação pública condicionada, seja para
ajuizar queixa-crime, a legitimidade é da pessoa física indicada no estatuto da pessoa jurídica. Caso
este seja omisso, cabe aos diretores ou sócios administrativos.
Em regra, a representação é retratável até o oferecimento da denúncia (art. 25 do CPP), ampliando-se para o
recebimento, no caso da Lei 11.340/06, que trata da violência doméstica e familiar contra a mulher (art. 16). É
possível a retratação da retratação, porque equivaleria à representação propriamente dita. Contudo, deve-se
observar o prazo decadencial, em que a contagem se dá nos termos do art. 10 do CP, incluindo-se o dia do começo,
não havendo causas suspensivas ou interruptivas.O art. 38 estabelece o prazo de seis meses para o exercício do
direito de representação, a contar do dia em que o ofendido vier a saber quem é o autor do crime.A exceção é o caso
do art. 236 do CP, em que o prazo começa a contar a partir do trânsito em julgado da sentença que julga extinto o
casamento civil.
O Ministério Público não se vincula ao aspecto subjetivo da representação, que possui eficácia
objetiva. Pode investigar os autores descobertos durante a investigação instaurada pela representação,
assim como não é obrigado a apresentar denúncia em razão tão somente da representação.

3.4.2 REQUISIÇÃO DO MINISTRO DA JUSTIÇA


A requisição do Ministro da Justiça é cabível nos casos de crime contra a honra praticado
contra o Presidente da República ou chefe de governo estrangeiro (arts. 141, I,e 145, parágrafo
único, do CP) e de crimes praticados por estrangeiros contra brasileiros fora do Brasil (art. 7º, §§ 2º e
3º, b, do CP).
A requisição é destinada ao chefe do Ministério Público que apresenta a denúncia, seja o
Procurador Geral de Justiça ou Procurador Geral da República.
Não há prazo decadencial definido em lei, cabendo a requisição enquanto não se operar a
extinção da punibilidade. É possível também a retratação da requisição.
Por fim, a requisição, como já foi dito, não vincula o agente ministerial, que possui
independência funcional para analisar o caso concreto. Requisita-se a investigação policial, mas
nunca a ação penal.

3.5 AÇÃO PENAL PRIVADA

95 Em razão da adoção do sistema acusatório pela Constituição Federal, recomenda-se que a representação seja dirigida aos órgãos
responsáveis pela persecução (polícia judiciária ou MP).

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Ação penal privada é aquela em que a legitimidade para a propositura da demanda é conferida
ao ofendido ou querelante, excluindo-se o Ministério Público. Atribui-se como fundamento principal
a cautela contra o strepitus iudicii (escândalo do processo), conferindo ao ofendido a opção de
processar ou não o autor do fato, sopesando as consequências da judicialização da questão96. Trata-
se de exceção dentro da sistemática processual brasileira.
São princípios norteadores da ação penal privada:
1. Oportunidade ou conveniência– Atribui-se ao ofendido a análise da conveniência e
da oportunidade de se deflagrar a persecução penal. É juízo discricionário exclusivo
da vítima, não submetido a qualquer tipo de controle, mas apenas a limitações lógicas
e temporais (prazo decadencial e renúncia).
2. Disponibilidadee iniciativa da parte– O querelante tem o controle da ação penal,
devendo reafirmar seu interesse na persecução, ao contrário da ação penal pública
condicionada à representação, podendo dela desistir, inclusive em grau de recurso.
Implica a possibilidade de perdão e de perempção.
3. Indivisibilidade – Em caso de concurso de agentes, não pode o ofendido escolher
contra quem irá oferecer a queixa-crime. Caso não tenha oferecido contra todos,
podendo fazê-lo, ficará configurada a renúncia tácita, que será estendida aos demais.
O Ministério Público velará pela indivisibilidade (arts. 48 e 49 do CPP).
4. Intranscendência – O processo penal não deve ultrapassar a pessoa do querelado.

A legitimidade é conferida ao ofendido, ou a quem tenha qualidade para representá-lo, se


incapaz. Em caso de colisão de interesses, o direito de queixa poderá ser exercido por curador
especial97, nomeado, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, pelo juiz competente para o
processo penal. No caso de morte ou ausência, o direito de oferecer queixa ou prosseguir na ação
passará sequencialmente ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão. Quando o ofendido não
tiver condições de constituir advogado, caberá ao Estado prestar a assistência jurídica,
ordinariamente exercida pela Defensoria Pública.
O prazo para o oferecimento da queixa é de seis meses, valendo as mesmas observações que
foram feitas para a representação. Contudo, transcorrido o prazo a decadência operada é imprópria,
não trazendo como consequência a extinção da punibilidade, uma vez que o Ministério Público
continua tendo a faculdade de apresentar ação penal pública.
No caso da ação penal privada, o Ministério Público atua como fiscal da lei.
A renúncia e o perdão são institutos aplicáveis à ação penal privada, sendo as semelhanças e
diferenças listadas no quadro a seguir:

RENÚNCIA PERDÃO

Anterior à ação penal Entre o oferecimento da queixa e o


trânsito em julgado da sentença
penal condenatória

Independe de aceitação Depende de aceitação

96 Há doutrina importante criticando o strepitus iudicii como fundamento principal da existência da ação penal privada, porque falho o
argumento. Como se explicar, por exemplo, o perdão do ofendido, quando a questão já se encontra irremediavelmente divulgada? O
“escândalo do processo” já teria ocorrido.
97Lei Complementar 80/94 - Art. 4º. São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras:
[...]
XVI – exercer a curadoria especial nos casos previstos em lei;

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Indivisível Indivisível, salvo em caso de recusa

Expressa ou tácita Expresso ou tácito (perdão e


aceitação)

A desistência, conquanto não expressamente prevista, tem sido admitida. Pode ser requerida
durante a tramitação da demanda penal, inclusive em grau de recurso, não dependendo de aceitação
do querelado.
O art. 60 do CPP apresenta os casos de perempção da ação penal, que enumeram, na essência,
hipóteses de abandono da causa:
1. iniciada, o querelante deixar de promover o andamento do processo durante 30 dias
seguidos;
2. falecendo o querelante, ou sobrevindo sua incapacidade, não comparecer em juízo,
para prosseguir no processo, dentro do prazo de 60 (sessenta) dias, qualquer das
pessoas a quem couber fazê-lo, ressalvado o disposto no art. 36;
3. o querelante deixar de comparecer, sem motivo justificado, a qualquer ato do
processo a que deva estar presente98, ou deixar de formular o pedido de condenação
nas alegações finais;
4. sendo o querelante pessoa jurídica, esta se extinguir sem deixar sucessor.

Além da ação penal exclusivamente privada ou propriamente dita, tem-se ainda a ação penal
privada personalíssima, prevista no art. 236, § 1º, do CP, e a ação penal privada subsidiária da
pública.
Na ação penal privada personalíssima, não se permite a substituição em caso de morte ou
ausência do ofendido, iniciando-se o prazo decadencial de seis meses depois de transitar em julgado
a sentença que, por motivo de erro ou impedimento, anule o casamento.
A ação penal privada subsidiária da pública está expressamente prevista no art. 5º, LIX, da CF;
art. 29 do CPP; art. 100, § 3º, do CP.
A queixa subsidiária somente é cabível no caso de inércia do Ministério Público, isto é, quando
não oferece a denúncia no prazo legal. Não se aplica quando o MP requisita diligência ou promove o
arquivamento do inquérito policial. O prazo, também de seis meses, conta-se a partir do
exaurimento do prazo para o oferecimento da denúncia (art. 38 do CPP).
O Ministério Público atua como interveniente adesivo obrigatório, interveniente obrigatório
subsidiário ou assistente litisconsorcial, sendo-lhe permitido aditar a queixa, repudiá-la pela ausência
de inércia e oferecer denúncia substitutiva, repudiá-la e oferecer parecer opinativo pela
desnecessidade de prosseguimento da ação penal, intervir em todos os termos do processo, fornecer
elementos de prova, interpor recurso e, a todo tempo, no caso de negligência do querelante,
retomar a ação como parte principal (caso de ação penal indireta, art. 29 do CPP).
3.6 ASPECTOS FORMAIS DA INICIAL ACUSATÓRIA
Nos termos do artigo 41 do CPP, a denúncia ou queixa deverá conter:
1. A exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias – não é
possível a denúncia genérica99, devendo a inicial conter informações fáticas

98 Não se aplica quando a audiência for apenas de conciliação, porque, nesse caso, presume-se apenas o desinteresse em conciliar.
99O STJ tem admitido a denúncia geral, em que se imputa a todos os acusados o mesmo fato delituoso, independentemente da função
exercida por cada um: “PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. FRAUDE À LICITAÇÃO. INÉPCIA DA
DENÚNCIA. INOCORRÊNCIA. FATOS ADEQUADAMENTE DESCRITOS. DENÚNCIA GERAL. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE.

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suficientes para que o acusado possa compreender o crime a ele imputado. Do
mesmo modo, a imputação alternativa – seja objetiva ou subjetiva não encontra
ressonância constitucional, porque inviabiliza o direito ao contraditório ou ampla
defesa;

2. A qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa


identificá-lo – no entanto, o STJ considera que há abuso de direito na juntada da
denúncia de foto de agente já identificado civil ou criminalmente;

3. A classificação do crime – que, no entanto, não vincula o acusado, que deve


se defender dos fatos;

4. Quando necessário, o rol de testemunhas.

A queixa poderá ser dada por procurador com poderes especiais, devendo constar do
instrumento do mandato, quando possível, o nome do querelante e a menção do fato criminoso (art.
44). No caso de denúncia não assinada pelo Promotor de Justiça, sendo esta autêntica, constata-se
mera irregularidade.

3.7 ADITAMENTO, NÃO-RECEBIMENTO E REJEIÇÃO DA INICIAL ACUSATÓRIA


Nas ações penais públicas, o aditamento pode ocorrer tanto para inclusão de coautores
quanto para inclusão de fatos novos, enquanto não prescrito o crime. Deve-se observar apenas a
questão da conveniência e oportunidade, uma vez que tal aditamento, em regra, ensejará a
reabertura da fase instrutória.
No que toca à ação penal privada, prevalece em sede doutrinária e jurisprudencial a
impossibilidade de o Ministério Público aditar a queixa para fins de nela incluir coautor ou partícipe
não apontado pelo querelante. Quanto à inclusão de fatos novos, não pode o Ministério Público
aditar a queixa em relação a fatos cuja persecução se dê via ação penal privada, por ausência de
legitimidade ativa.
Tratando-se de ação penal privada subsidiária da pública, o Ministério Público tem ampla
legitimidade para aditamento, desde que se mostre conveniente.
Na ausência de qualquer das causas de rejeição da inicial acusatória, dá-se o recebimento
desta. Nos termos do artigo 395 do CPP, são causas de rejeição da peça acusatória: (i) a inépcia; (ii) a
ausência de pressuposto processual ou condição da ação; (iii) a ausência de justa causa.
A inépcia formal da inicial acusatória ocorre quando a peça não obedece de maneira integral
aos requisitos desenhados no artigo 41 do CPP, examinados no item 3.6. Já a inépcia material
designa a ausência de justa causa, compreendida como o lastro probatório mínimo para o
oferecimento da denúncia ou queixa. Embora elencada em inciso próprio, a justa causa tem natureza
de condição da ação.
Restou superada a controvérsia doutrinária a respeito do não-recebimento e da rejeição da
peça acusatória, devendo ser consideradas sinônimos as expressões dos artigos 396 e 399 do CPP,

PRESENÇA DOS INDÍCIOS DE AUTORIA E DA PROVA DA MATERIALIDADE. AUSÊNCIA DE ELEMENTAR DO TIPO. DESCRIÇÃO ADEQUADA DO
AJUSTE NA DENÚNCIA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. REVOLVIMENTO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA INVIÁVEL NA VIA ELEITA. RECURSO
ORDINÁRIO DESPROVIDO.
I - O recorrente foi denunciado pela suposta prática da conduta tipificada no art. 90, da Lei n. 8.666/93 e pretende o trancamento da ação
penal. II - Contudo, a exordial acusatória cumpriu todos os requisitos previstos no art. 41, do Código de Processo Penal, sem que a peça
incorresse em qualquer violação do que disposto no art. 395, do mesmo diploma legal. III - Ainda, é geral, e não genérica, a denúncia que
atribui a mesma conduta a todos os denunciados, desde que seja impossível a delimitação dos atos praticados pelos envolvidos,
isoladamente, e haja indícios de acordo de vontades para o mesmo fim (STF: Inq n. 2.688, Segunda Turma, Rel. Min. Cármen Lúcia, Rel. p/
Acórdão: Min. Gilmar Mendes, DJe de 12/2/2015; STJ: RHC n. 36.651/RJ, Quinta Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe de 25/11/2013).(...)” (RHC
54.036/CE, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 20/10/2015, DJe 06/11/2015)

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independentemente de a rejeição fundamentar-se em questão formal ou material. Contra a rejeição
da peça acusatória cabe recurso em sentido estrito no prazo de dez dias.
Por outro lado, o recebimento da fase acusatória se dá na fase do artigo 396, CPP, antes da
apresentação de defesa preliminar, razão pela qual não precisa ser fundamentado. Na ausência da
previsão de recurso contra a decisão, cabível a apresentação de habeas corpus.
3.8 AÇÃO CIVIL EX DELICTO
Com fundamento em um mesmo fato, podem ser exercidas duas pretensões distintas: a
pretensão punitiva e a pretensão à reparação do dano que o suposto delito causou a vítima. Sobre o
relacionamento entre a ação civil para reparação do dano e a ação penal para punição do autor do
crime, a Lei nº 11.719/08 aproxima-se do sistema da solidariedade, em que há duas ações distintas,
uma penal e uma civil, exercidas no mesmo processo e perante o juiz criminal. Com o advento da
referida lei, o juiz, ao proferir a sentença condenatória, poderá fixar um valor mínimo para a
reparação de danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido.
A sentença penal irrecorrível produz efeitos principais e efeitos secundários, podendo-se citar
dentre os últimos o dever de reparar o dano causado pelo delito. A lei 11.719/08 estabeleceu que,
transitada em julgado a sentença condenatória, a execução poderá ser efetuada pelo valor mínimo
fixado na sentença, sem prejuízo da liquidação para apuração dano efetivamente sofrido (art. 63,
parágrafo único, CPP).
Assim, a sentença penal condenatória irrecorrível faz coisa julgada no cível para efeito de
reparação dos danos decorrentes da infração, não podendo mais se discutir a respeito do dano, mas
apenas o quantum debeatur, na parte em que for ilíquida.
Já a sentença absolutória penal poderá obstar a ação civil de conhecimento, conforme a
natureza da absolvição.
Se o acusado é absolvido em função do reconhecimento de excludentes de ilicitude,
considera-se que o fato existiu, mas é lícito. Sendo lícito o fato, não há como reconhecer o dever de
indenizar na esfera cível. A exceção a esta regra é o caso de erro de execução, pois a aberratio ictus
autoriza reparação de danos na esfera cível, isto é, não obsta ação civil reparatória.
Da mesma forma, não impedem a ação de conhecimento para fins de reparação na esfera cível
a sentença que reconhece excludente putativa, a que concede perdão judicial e a que declara a
atipicidade do fato.
A sentença que absolve o réu por reconhecer a inexistência do fato delitivo obsta a ação civil
de conhecimento.
A sentença que absolve por insuficiência probatória em razão do in dubio pro reo não obsta a
ação civil. Por sua vez, a prova de que o réu não concorreu para a prática do crime obsta a ação civil
de conhecimento.
O exame da culpabilidade é o último a ser feito. As excludentes de culpabilidade isentam o
sujeito de pena, e a sentença é absolutória e obstará a ação civil de conhecimento.

ASPECTOS JURISDICIONAIS
JURISDIÇÃO.COMPETÊNCIA ABSOLUTA E COMPETÊNCIA RELATIVA.
CRITÉRIOS PARA FIXAÇÃO. JUSTIÇA COMUM E JUSTIÇA ESPECIALIZADA.
PRERROGATIVA DE FUNÇÃO. COMPETÊNCIA EM RAZÃO DO LUGAR.

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COMPETÊNCIA FUNCIONAL. CAUSAS MODIFICADORAS: PRORROGAÇÃO DE
COMPETÊNCIA. CONEXÃO E CONTINÊNCIA. FORO PREVALENTE.
PERPETUATIO JURISDICTIONIS.

4.1 JURISDIÇÃO. PRINCÍPIOS E CARACTERÍSTICAS.


A jurisdição100 é, sem dúvida, uma das bases do direito processual, ao lado da ação e do
processo, independentemente da distribuição científica da matéria – civil, penal, trabalhista, etc.
Cintra, Grinover e Dinamarco definem a jurisdição como sendo "uma das funções do Estado,
mediante a qual este se substitui aos titulares dos interesses em conflito para, imparcialmente,
buscar a pacificação do conflito que os envolve, com justiça"101. Desta definição, percebe-se que a
jurisdição possui algumas características básicas, as quais serão listadas a seguir, com enfoque
especial para a jurisdição criminal.
A substitutividade é um marcante atributo da jurisdição. O juiz, ao decidir, substitui a vontade
das partes, aplicando o direito penal ao caso concreto posto sob sua apreciação.
A inércia da jurisdição também é uma realidade inconteste do processo penal pátrio,
notadamente após a adoção do sistema acusatório pela Constituição Federal de 1988. Não é mais
possível a instauração ex officio da ação penal. O procedimento judicialiforme (art. 26 do CPP102) foi
banido do ordenamento jurídico.
Além da substituição da vontade das partes e da inércia, a jurisdição também possui o
predicado da definitividade.Vale dizer, os atos jurisdicionais têm potencial jurídico para tornarem-se
definitivos, imutáveis. Essa característica é bem acentuada no processo penal. As exceções são raras,
tais como nos casos em que se permite a revisão criminal.
Entre os princípios informadores da jurisdição, destacam-se a indeclinabilidade ou
inafastabilidade (art. 5º, XXXV da CF) e a indelegabilidade, este último intimamente ligado ao
princípio do juiz natural, na medida em que não se permite a delegação da atividade jurisdicional,
salvo raríssimas exceções previstas no ordenamento103.
O juiz natural, aliás, é um dos princípios fundamentais do processo penal. A Constituição
Federal dedicou duas importantíssimas normas sobre o assunto. São elas, “não haverá juízo ou
tribunal de exceção” (art. 5º, XXXVII) e “ninguém será processado nem sentenciado senão pela
autoridade competente” (art. 5º, LIII)104.
O princípio da correlação também possui tratamento diferenciado no processo penal, na
medida em que o réu deve defender-se dos fatos narrados contra si na inicial, independentemente
da classificação jurídica ou do pedido formulado pelo autor da ação penal105.
Como uma das mais puras manifestações da soberania estatal, a jurisdição é una. Qualquer
juiz, independentemente da posição que ocupe no organograma do Poder Judiciário, exerce a função
jurisdicional em toda a sua plenitude. Não existem juízes com mais ou menos “jurisdição”.

100O aprofundamento do estudo acerca da jurisdição fugiria ao propósito deste trabalho. Por conta disso, questões mais ligadas à Teoria
Geral do Processo serão apenas tangenciadas, ainda assim quando estritamente necessário.
101 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini, DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 13ª ed. rev. e
atual. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 129.
102Art. 26. A ação penal, nas contravenções, será iniciada com o auto de prisão em flagrante ou por meio de portaria expedida pela
autoridade judiciária ou policial.
103 Exemplo comumente apontado pela doutrina está no art. 102 da Constituição Federal: “Compete ao Supremo Tribunal Federal,
precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I - processar e julgar, originariamente: [...] m) a execução de sentença nas causas de
sua competência originária, facultada a delegação de atribuições para a prática de atos processuais”. As cartas precatórias e rogatórias
seriam exemplos de delegação? O assunto é controvertido. Cintra, Grinover e Dinamarco sustentam que não, já que o juiz não pode delegar
aquilo que não possui. Tratar-se-ia, na realidade, de cooperação entre os órgãos judiciários, cada qual no limite de sua competência.
104 O princípio do juiz natural já foi abordado no item Capítulo 1, para o qual remetemos o leitor, a fim de evitar repetições inúteis.
105 Esse princípio será mais bem abordado quando do capítulo da sentença, nas hipóteses de emendatio e mutatio libelli.

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4.2 COMPETÊNCIA. COMPETÊNCIA ABSOLUTA E COMPETÊNCIA RELATIVA


Apesar de ser una, a distribuição da jurisdição entre vários órgãos tem por objetivo precípuo a
racionalização da função jurisdicional, já que seria inviável e inconveniente a concentração em
apenas um único órgão. Nas palavras de Eugênio Pacelli: “No exercício dessa complexa atividade e
sobretudo em atenção aos critérios constitucionais de distribuição do poder político adotados na
Constituição de 1988, também o poder jurisdicional foi objetivo de repartição de competências, com o
objetivo de bem e melhor operacionalizar a administração da Justiça”106. Surge, portanto, a noção de
competência.
Tradicionalmente se diz que competência é medida de jurisdição.
A competência é primordialmente fixada na Constituição Federal. No plano infraconstitucional,
especificamente em relação ao direito processual penal, objeto do nosso trabalho, segue-se com o
estabelecimento de critérios no próprio código. Além disso, há previsão nas constituições estaduais e
nas leis de organização judiciária.
A competência absoluta diferencia-se da competência relativa por ser estabelecida mediante
normas constitucionais e representar prioritariamente o interesse público, sendo improrrogável
(exceto quando há coisa julgada em favor do réu). Não obstante, o artigo 567 do CPP estabelece que
ambas a incompetência absoluta como a relativa geram a nulidade dos atos decisórios107. Ademais,
qualquer modalidade de incompetência pode ser reconhecida de ofício108, podendo ser arguidas
tanto por meio da exceção prevista no artigo 95 do CPP como em resposta à acusação.
Cintra, Grinover e Dinamarco109 estabelecem um iter a ser seguido para a definição em
concreto do juízo competente:
a) competência de “jurisdição” (Qual a Justiça competente em razão da matéria?);
b) competência originária (Competente o órgão superior ou inferior? Qual a
competência rationae personae?);
c) competência de foro (Qual a comarca, ou seção judiciária, competente em
razão do lugar?);
d) competência de juízo (Qual a vara competente?);
e) competência interna (Qual o juiz competente?);
f) competência recursal (Competente o mesmo órgão ou um superior?).
Primeiramente, cumpre estudar a competência em razão da matéria, que distingue a Justiça
Comum da Especializada.

4.2.1 COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESPECIALIZADA


São consideradas integrantes da justiça especializada a Justiça Militar, a Justiça Eleitoral e a
Justiça do Trabalho, embora apenas as duas primeira possuam competência criminal.
Importante observar, nos termos do artigo 78 do CPP, que a justiça especializada exerce força
atrativa sobre os crimes conexos de competência da justiça comum. Para tal fim, no entanto, deve-se

106OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 16. ed. atual. São Paulo: Atlas, 2012, p. 194.
107 Alguns julgados do STF sinalizam que a depender do caso concreto, não obstante a incompetência absoluta seria possível o
aproveitamento de atos decisórios, como a ratificação do recebimento da denúncia de juiz incompetente.
108 A Súmula 33 do STJ não se aplica ao processo penal, tendo se baseado exclusivamente em precedentes do processo civil.
109 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini, DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 13ª ed. rev. e
atual. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 232-233.

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excluir a Justiça Militar, uma vez que no caso de conexão entre crime comum e de competência da
Justiça Militar a separação é de rigor.
Outrossim, segundo recente entendimento do Supremo Tribunal Federal, a Justiça Federal
possui primazia decorrente de sua previsão constitucional, sendo também de rigor a separação para
processo e julgamento de crimes conexos.

4.2.2 COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL


A Justiça Federal, ramo da justiça comum, ao lado da Justiça Estadual, é a constitucionalmente
competente para o julgamento dos chamados crimes federais, que são basicamente os delitos que
afetam, diretamente ou indiretamente, interesses federais ou nacionais.
Como já foi dito, a competência da Justiça Federal é expressa e está disciplinada
precipuamente no art. 109 da Constituição Federal. Já a da Justiça Estadual é residual. Assim, se não
houver enquadramento nas hipóteses previstas pela CF para a competência especializada ou federal,
a persecução deverá se dar perante a justiça dos Estados.
A seguir, serão analisadas as hipóteses de competência criminal da Justiça Federal, previstas
no art. 109 da Constituição Federal de 1988.

4.2.2.1 OS CRIMES POLÍTICOS E AS INFRAÇÕES PENAIS PRATICADAS EM


DETRIMENTO DE BENS, SERVIÇOS OU INTERESSE DA UNIÃO OU DE SUAS
ENTIDADES AUTÁRQUICAS OU EMPRESAS PÚBLICAS, EXCLUÍDAS AS
CONTRAVENÇÕES E RESSALVADA A COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR E
DA JUSTIÇA ELEITORAL (ART. 109, IV)
Tem-se aqui o maior feixe de competências da Justiça Penal Federal.
A primeira parte do inciso refere-se aos crimes políticos110, que devem ser compreendidos
como as condutas praticadas com motivação política, desde que previstas na Lei de Segurança
Nacional – Lei nº 7.170/83. O recurso é apreciado pela Suprema Corte111.
Seguindo-se o critério da predominância do interesse, a Constituição Federal determina que a
Justiça Federal será competente para o julgamento de infrações penais praticadas em detrimento de
bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas,

110 Também foge ao propósito deste trabalho a controvérsia envolvendo a existência ou não do crime político puro, diante da nova ordem
constitucional.
111EMENTA: CRIME POLÍTICO. COMPETÊNCIA. INTRODUÇÃO, NO TERRITÓRIO NACIONAL, DE MUNIÇÃO PRIVATIVA DAS FORÇAS ARMADAS,
PRATICADO POR MILITAR DA RESERVA (ARTIGO 12 DA LSN). INEXISTÊNCIA DE MOTIVAÇÃO POLÍTICA: CRIME COMUM. PRELIMINARES DE
COMPETÊNCIA: 1ª) Os juízes federais são competentes para processar e julgar os crimes políticos e o Supremo Tribunal Federal para julgar
os mesmos crimes em segundo grau de jurisdição (CF, artigos 109, IV, e 102, II, b), a despeito do que dispõem os artigos 23, IV, e 6º, III, c, do
Regimento Interno, cujas disposições não mais estão previstas na Constituição. 2ª) Incompetência da Justiça Militar: a Carta de 1969 dava
competência à Justiça Militar para julgar os crimes contra a segurança nacional (artigo 129 e seu § 1º); entretanto, a Constituição de 1988,
substituindo tal denominação pela de crime político, retirou-lhe esta competência (artigo 124 e seu par. único), outorgando-a à Justiça
Federal (artigo 109, IV). 3ª) Se o paciente foi julgado por crime político em primeira instância, esta Corte é competente para o exame da
apelação, ainda que reconheça inaplicável a Lei de Segurança Nacional. MÉRITO: 1. Como a Constituição não define crime político, cabe ao
intérprete fazê-lo diante do caso concreto e da lei vigente. 2. Só há crime político quando presentes os pressupostos do artigo 2º da Lei de
Segurança Nacional (Lei nº 7.170/82), ao qual se integram os do artigo 1º: a materialidade da conduta deve lesar real ou potencialmente ou
expor a perigo de lesão a soberania nacional, de forma que, ainda que a conduta esteja tipificada no artigo 12 da LSN, é preciso que se lhe
agregue a motivação política. Precedentes. 3. Recurso conhecido e provido, em parte, por seis votos contra cinco, para, assentada a
natureza comum do crime, anular a sentença e determinar que outra seja prolatada, observado o Código Penal. (RC 1468 segundo,
Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. MAURÍCIO CORRÊA, Tribunal Pleno, julgado em 23/03/2000, DJ 16-08-2000 PP-
00088 EMENT VOL-02078-01 PP-00041).

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excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral. Vê-se
que o foco é a Administração Pública Federal.
Antes de se delinear a noção de bens, serviços e interesses, é preciso esclarecer que a
competência surge quando o crime se dirige contra a União, suas entidades autárquicas ou empresas
públicas federais. Ficam de fora as sociedades de economia mista (Enunciado 42 da Súmula de
Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça), como é o caso, por exemplo, do Banco do Brasil112 e
da Petrobrás113. Da mesma forma, não se enquadram no conceito as agências de Correios exploradas
por particulares114 e as casas lotéricas, permissionárias de serviço público federal115.
No caso de fundações, ao contrário, quando possuírem natureza de pessoa jurídica de direito
público, equiparáveis às autarquias, a competência fica reservada à Justiça Federal116. Sobre o tema,
restou superado o entendimento segundo o qual a OAB possui natureza jurídica de autarquia pública
federal, sendo considerada serviço público independente, de categoria jurídica ímpar. Portanto,
desde o julgamento da ADI 3026, a OAB possui as prerrogativas das autarquias federais, e os crimes
praticados em seu detrimento serão processados e julgados pela Justiça Federal.
Em relação aos bens, não há grandes dificuldades, conforme ensina Pacelli: “Todas as infrações
penais, à exceção das contravenções, que atingirem o patrimônio da União, suas autarquias (inclusive
as chamadas autarquias especiais) e empresas públicas serão da competência federal. Dizemos que a

112PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. EMISSÃO DE DUPLICATAS SIMULADAS. CONDUTA PRATICADA EM DETRIMENTO DE SOCIEDADE DE
ECONOMIA MISTA. SÚMULA 42/STJ. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. 1. O art. 6º da Lei n. 7.492/1986 tutela, especificamente, a
inviolabilidade e a credibilidade do mercado de capitais, protegendo o Sistema Financeiro Nacional da disseminação de informações
fraudulentas, potencialmente lesivas a sua estabilidade. 2. Na espécie, a eventual conduta do empresário que emite e desconta títulos
fraudulentos não o qualifica como sujeito ativo do tipo, já que se trata de crime próprio, que só poderia ser cometido, via de regra, por
aqueles que, detendo informação relevante, administram ou controlam instituição financeira. 3. Excluída a hipótese de crime contra o
sistema financeiro, afasta-se a competência da Justiça Federal, sobretudo porque a suposta fraude foi praticada em detrimento do Banco do
Brasil (sociedade de economia mista), sem que ocorresse lesão a bens, serviços ou interesses da União. Inteligência da Súmula 42/STJ. 4.
Conflito conhecido para declarar a competência da Justiça estadual. (CC 111.961/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, TERCEIRA
SEÇÃO, julgado em 26/10/2011, DJe 09/11/2011).
113CONSTITUCIONAL. PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CRIME DE PERIGO PARA A VIDA OU SAÚDE DE OUTREM. TRABALHADORES DA
PETROBRÁS. INAPLICABILIDADE DO ART. 109, IV, DA CF. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM ESTADUAL. SÚMULA Nº 42/STJ. - Não incide a
regra de competência disposta no art. 109, IV, da Carta Magna, na hipótese em que a prática delituosa envolve bens e serviços da
Petrobrás. - "Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar as causas cíveis em que é parte sociedade de economia mista e os
crimes praticados em seu detrimento". (Súmula nº 42/STJ). - Conflito conhecido. Competência da Justiça Estadual. (CC 34.575/SP, Rel.
Ministro VICENTE LEAL, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 14/08/2002, DJ 09/09/2002, p. 159).
114No caso da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT, a competência será da Justiça Estadual, caso o serviço seja prestado por
particular, mediante contrato de franquia. Por sua vez, será de competência da Justiça Federal quando se trate de agência comunitária,
constituída mediante convênio: “PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO PENAL. CRIME DE ROUBO PERPETRADO CONTRA AGÊNCIA
COMUNITÁRIA DOS CORREIOS, CONSTITUÍDA MEDIANTE CONVÊNIO ENTRE A ECT E O MUNICÍPIO DE SÃO JOÃO BATISTA/SC. INTERESSE
RECÍPROCO NO SERVIÇO PRESTADO, INCLUSIVE DA EMPRESA PÚBLICA FEDERAL. DANO DE PEQUENO VALOR. IRRELEVÂNCIA. PERDA
MATERIAL E PREJUÍZO AO SERVIÇO POSTAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. 1. Nos crimes praticados em detrimento das agências da
Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT, esta Corte Superior já firmou o entendimento de que a fixação da competência depende
da natureza econômica do serviço prestado. Se explorado diretamente pela empresa pública – na forma de agência própria –, o crime é de
competência da Justiça Federal. De outro vértice, se a exploração se dá por particular, mediante contrato de franquia, a competência para o
julgamento da infração é da Justiça estadual. 2. A espécie, contudo, guarda peculiaridade, pois a agência alvo do roubo é tida como
"comunitária". Constituída sob a forma de convênio entre a ECT e a prefeitura municipal, ostenta interesse recíproco dos entes
contratantes, inclusive da empresa pública federal. 3. Embora noticiado que o ilícito importou em pequeno prejuízo à empresa pública, o
fato é que houve perda material e prejuízo ao serviço postal; logo é o caso de firmar a competência da Justiça Federal para conhecer do
feito, nos termos do art. 109, IV, da Constituição Federal. 4. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo Federal e Juizado
Especial de Brusque - SJ/SC, o suscitante.” (CC 122.596/SC, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 08/08/2012,
DJe 22/08/2012).
115 “AGRAVO REGIMENTAL NO CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. PENAL. CRIME DE ROUBO EM ESTABELECIMENTO CREDENCIADO
COMO CORRESPONDENTE BANCÁRIO. EMPRESA PRIVADA. INEXISTÊNCIA DE OFENSA A BENS, SERVIÇOS OU INTERESSES DA UNIÃO, DE
SUAS AUTARQUIAS OU EMPRESAS PÚBLICAS. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. No caso, trata-se de roubo praticado contra empresa
privada permissionária de serviços bancários da Caixa Econômica Federal. Em se tratando de empresa privada permissionária de serviços
bancários da CEF, como é o exemplo de casas lotéricas, juridicamente análogo à presente hipótese, é assente o entendimento de que a
simples existência de contrato de permissão dos serviços não pressupõe a lesão a bens, serviços ou interesses da empresa pública, diante
de roubo perpetrado contra o particular contratante (CC 120.634/PB, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (Desembargador convocado do
TJ/RS, DJe 21/03/2012). Agravo regimental desprovido.” (AgRg no CC 137.550/SP, Rel. Ministro ERICSON MARANHO (DESEMBARGADOR
CONVOCADO DO TJ/SP), TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 08/04/2015, DJe 15/04/2015).
116 Cita-se o Enunciado 324 da Súmula do STJ como exemplo: “Compete à Justiça Federal processar e julgar ações de que participa a
Fundação Habitacional do Exército, equiparada à entidade autárquica federal, supervisionada pelo Ministério do Exército”. Apesar de o
enunciado espelhar decisões cíveis, os fundamentos são semelhantes.

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questão não oferece maiores dificuldades pelo fato de ser extremamente simples a identificação do
patrimônio de tais entes públicos, necessariamente objeto de registro e cadastramento
particularizado junto à respectiva Administração”117.
Nessa senda, serão de competência da Justiça Federal os delitos cometidos em detrimento de
bens tombados por autarquia federal, como o IPHAN. Por sua vez, restaram para a Justiça Estadual o
processamento e julgamento dos crimes contra bens tombados por outros órgãos não pertencentes
à Administração Pública Federal.
Cabe salientar que os delitos cometidos em detrimento do meio ambiente apenas serão de
alçada da Justiça Federal quando cometidos em local pertencente à União118, ou de qualquer outra
forma direta e concreta atinjam bem da União. De observar o cancelamento da Súmula nº 91 do STJ,
que atribuía à Justiça Federal a competência para julgamento de crimes contra a fauna. Da mesma
forma, os biomas que compõem patrimônio nacional – Mata Atlântica, Floresta Amazônica – são de
interesse da nação como um todo, e não especialmente da União.
Os serviços também estão ligados à Administração Pública Federal. Em regra, quando o crime
for cometido contra funcionário público federal, no exercício de suas funções ou em razão delas, a
competência será da Justiça Federal, ainda que a vida ou a integridade física do agente público
também seja atingida119. Ainda, nos termos do artigo 327, §1º do CPP, o empregado terceirizado
pode ser equiparado a funcionário público quando exerça atividade típica da Administração.
A cautela que se deve ter ao interpretar tal norma, nesse caso, é a de que nem sempre o
serviço será efetivamente violado, mas apenas aparentemente, tal como em alguns casos previstos
no Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/03), que permanecem sendo da competência da Justiça
Estadual, não obstante o registro seja submetido a controle de órgão federal. Uma dica importante é
observar a objetividade jurídica do crime120.
Na terceira hipótese, é bem provável que o legislador constituinte tenha recorrido à técnica da
criação de norma de extensão, ao se referir especificamente a interesses dos entes federais descritos
no inciso IV do art. 109. Isso porque, em caso de ofensa a bens ou serviços, o interesse é patente.
Busca-se abranger, portanto, as hipóteses que não se enquadrariam nas duas primeiras situações,
mas que ainda assim configurariam violação a interesse da União ou dos demais entes federais.
É recomendável verificar se a lei traz alguma norma sobre o assunto, como acontece, por
exemplo, no crime de moeda falsa e nos delitos contra o Sistema Financeiro Nacional. Não havendo

117 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 16. ed. atual. São Paulo: Atlas, 2012, p. 229.
118Caso da pesca ilegal do camarão em mar territorial e da extração ilegal de recursos minerais perpetrados em propriedade particular:
“Art. 20. São bens da União: (...) VI - o mar territorial; (...) IX - os recursos minerais, inclusive os do subsolo”.
119 Súmula 147 do STJ: “Compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes praticados contra funcionário público federal, quando
relacionados com o exercício da função”.
120A decisão a seguir reflete a necessidade de se ter cautela no momento da análise da competência: "Competência: Justiça Estadual:
processo por crime contra a ordem econômica previsto no art. 1º da Lei 8.176/1991 (venda de combustível adulterado); inexistência de
lesão à atividade de fiscalização atribuída à Agência Nacional do Petróleo – ANP e, portanto, ausente interesse direto e específico da União:
não incidência do art. 109, IV, da CF. Regra geral, os crimes contra a ordem econômica são da competência da Justiça comum, e, no caso,
como a Lei 8.176/1991 não especifica a competência para o processo e julgamento do fato que o recorrido supostamente teria praticado,
não há se cogitar de incidência do art. 109, VI, da CF. De outro lado, os crimes contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira
devem ser julgados pela Justiça Federal – ainda que ausente na legislação infraconstitucional nesse sentido –, quando se enquadrem os
fatos em alguma das hipóteses previstas no artigo 109, IV, da Constituição. É da jurisprudência do Tribunal, firmada em casos semelhantes –
relativos a crimes ambientais, que ‘o interesse da União para que ocorra a competência da Justiça Federal prevista no art. 109, IV, da Carta
Magna, tem de ser direto e específico’, não sendo suficiente o ‘interesse genérico da coletividade, embora aí também incluído
genericamente o interesse da União’. (REE 166.943, Primeira Turma, 3-3-1995, Moreira; 300.244, Primeira Turma, 20-11-2001, Moreira;
404.610, 16-9-2003, Pertence; 336.251, 9-6-2003, Pertence; HC 81.916, Segunda Turma, Gilmar, RTJ 183/3). No caso, não há falar em lesão
aos serviços da entidade autárquica responsável pela fiscalização: não se pode confundir o fato objeto da fiscalização – a adulteração do
combustível – com o exercício das atividades fiscalizatórias da ANP, cujo embaraço ou impedimento, estes sim, poderiam, em tese,
configurar crimes da competência da Justiça Federal, porque lesivos a serviços prestados por entidade autárquica federal. (CF, art. 109, IV)."
(RE 502.915, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 13-2-2007, Primeira Turma, DJ de 27-4-2007.) No mesmo sentido: RE 454.737,
Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 18-9-2008, Plenário, DJE de 21-11-2008.

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previsão expressa na lei, recorre-se à jurisprudência sobre a matéria, que deve ser sempre
atualizada, em razão da possibilidade de haver decisões conflitantes no tempo.
A casuística é bastante variada, cabendo comentar alguns casos já apreciados pela
jurisprudência. O cuidado principal a se ter em vista é no sentido de que a conduta afronte de forma
imediata, concreta e específica interesse da União121122.
Em relação aos crimes contra a fé pública, é importante distinguir três situações distintas: (i)
falsificação de documento público; (ii) uso de documento falso; (iii) uso de documento falso como
crime-meio. A falsificação de documento público será processada e julgada conforme a natureza da
entidade responsável pela sua fabricação123. De outra banda, quanto ao uso de documento falso, o
STJ recentemente editou enunciado sobre a questão, ao definir que a competência para processar e
julgar o crime de uso de documento falso é firmada em razão da entidade ou órgão ao qual foi
apresentado o documento público, não importando a qualificação do órgão expedidor. (Súmula 546,
TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 14/10/2015, DJe 19/10/2015). Finalmente, quando o crime de falso for
considerado meio para a prática de outro delito, sendo absorvido pelo princípio da consunção, será
definida a competência pelo crime-fim124.
O crime de falso testemunho praticado na Justiça Trabalhista será processado e julgado pela
Justiça Federal conforme a Súmula nº 165 do STJ: “Compete à Justiça Federal processar e julgar crime
de falso testemunho cometido no processo trabalhista.”
Quanto ao desvio de verbas federais, as Súmulas nº 208 e 209 do STJ dispõem que a
competência para processamento e julgamento de tais delitos será determinada de acordo com a

121Dessa forma, conforme assentado no julgamento do CC 107.584/PR, julgado em 24/03/2010, e no AgRg no CC 133.092/RS, julgado em
23/04/2014, não serão julgados pela Justiça Federal os crimes praticados em detrimento de Consulado estrangeiro, que se trata de mera
representação administrativa do Estado estrangeiro em território nacional. “AGRAVO REGIMENTAL NO CONFLITO NEGATIVO DE
COMPETÊNCIA. INQUÉRITO POLICIAL. INVASÃO DA EMBAIXADA AMERICANA. APURAÇÃO DOS DELITOS QUE TERIAM SIDO PRATICADOS.
HIPÓTESES PREVISTAS NO ART. 109, IV E V, DA CF. NÃO OCORRÊNCIA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL.
1. De acordo com o disposto no art. 109, incisos IV e V, da Carta Magna, a competência penal da Justiça Federal impõe que haja ofensa a
bens, serviços ou interesses da União, ou que o crime praticado esteja previsto em tratados ou convenções internacionais, comprovada a
internacionalidade do fato.
2. No caso, não se verifica nenhuma daquelas hipóteses, uma vez que os crimes imputados estão previstos no Código Penal, não havendo
qualquer indício de internacionalidade do fato. De igual modo, as condutas ilícitas não ofenderam diretamente os bens, serviços ou
interesses da União, entidades autárquicas ou empresas públicas federais.
3. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no CC 133.092/RS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 23/04/2014, DJe 28/04/2014)”
122"Competência. Homicídio qualificado. Formação de quadrilha. Crime praticado para evitar que a vítima prestasse depoimento no
Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana. Órgão vinculado ao Ministério da Justiça. Interesse da União comprovado.
Competência da Justiça Federal. A jurisprudência deste STF é firme no sentido de que a competência da Justiça Federal, em matéria penal,
só ocorre quando a infração penal é praticada em detrimento de bens, serviços ou interesse da União, mormente quando os crimes teriam
sido praticados com o objetivo de evitar que a vítima prestasse declarações ao Conselho de Defesa dos Direitos Humanos". (HC 107.156, rel.
min. Cármen Lúcia, julgamento em 8-5-2012, Primeira Turma, DJE de 1º-8-2012).
123STJ Súmula nº 62 – “Compete à Justiça Estadual processar e julgar o crime de falsa anotação na Carteira de Trabalho e Previdência
Social, atribuído à empresa privada.” Deve-se, no entanto, atentar para o §4º do artigo 297, que estabelece hipótese de competência da
Justiça Federal: “PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. INQUÉRITO POLICIAL. ART. 297, § 3º, II, E § 4º, DO CP. OMISSÃO DE ANOTAÇÃO DE
VÍNCULO EMPREGATÍCIO EM CTPS. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL (ART. 109, IV, DA CF). PRECEDENTE RECENTE DA TERCEIRA SEÇÃO
(CC N. 127.706/RS). 1. No julgamento do CC n. 127.706/RS (em 9/4/2014), da relatoria do Ministro Rogerio Schietti Cruz, a Terceira Seção
desta Corte, por maioria, firmou o entendimento de que, no delito tipificado no art. 297, § 4º, do Código Penal, o sujeito passivo é o Estado
e, eventualmente, de forma secundária, o particular, terceiro prejudicado com a omissão das informações, circunstância que atrai a
competência da Justiça Federal, conforme o disposto no art. 109, IV, da Constituição Federal. 2. Conflito conhecido para declarar a
competência do Juízo Federal da 1ª Vara de Itapeva - SJ/SP, o suscitante. (CC 135.200/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, Rel. p/ Acórdão
Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 22/10/2014, DJe 02/02/2015).”
124 Deve-se atentar para eventual absorção do crime-meio, a afastar a competência da Justiça Militar: “EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL.
MILITAR. FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO MILITAR E USO COM O FIM DE OBTER VANTAGEM DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. CRIMES MEIOS
DO DELITO FIM DE ESTELIONATO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR. 1. Pelos elementos dos
autos, a falsificação de documento militar e o seu uso pelo Paciente teriam sido praticados com a finalidade de obter vantagem indevida de
instituição financeira, configurando a prática de estelionato. 2. Dessa forma, pelo princípio da consunção, os delitos de falsidade de
documento militar e uso desse documento, que isoladamente são crimes militares, são absorvidos pelo delito de estelionato contra
instituição financeira, pois são crimes meio deste. Competência da Justiça Comum definida pela vítima do crime fim de estelionato, a
instituição financeira. 3. Ordem concedida para reconhecer a incompetência da Justiça Militar e determinar a remessa dos autos do
inquérito policial militar para a Justiça Comum competente. (HC 113261, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, julgado em
18/09/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-193 DIVULG 01-10-2012 PUBLIC 02-10-2012).

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sujeição para prestação de contas de tais verbas: “STJ Súmula nº 208 - Compete à Justiça Federal
processar e julgar prefeito municipal por desvio de verba sujeita a prestação de contas perante órgão
federal”; “STJ Súmula nº 209 -Compete à Justiça Estadual processar e julgar prefeito por desvio de
verba transferida e incorporada ao patrimônio municipal”.
Por fim, a própria Constituição Federal retira da Justiça Federal a competência para
julgamento de contravenções penais.

4.2.2.2 OS CRIMES PREVISTOS EM TRATADO OU CONVENÇÃO


INTERNACIONAL, QUANDO, INICIADA A EXECUÇÃO NO PAÍS, O RESULTADO
TENHA OU DEVESSE TER OCORRIDO NO ESTRANGEIRO, OU
RECIPROCAMENTE (ART. 109, V);
A Constituição Federal, na hipótese do inciso V do art. 109, exige que a infração penal tenha
previsão em tratado ou convenção internacional. Além disso, para se fixar a competência da Justiça
Federal, faz-se necessário que pelo menos parte do iter criminis tenha ocorrido em território
estrangeiro. É o que se convencionou denominar como delito transnacional.
A transnacionalidade do delito, ao lado da previsão em texto convencional, é de suma
importância para a configuração da competência da Justiça Federal.
Nesse aspecto, importante frisar que a Lei nº 11.343/06 materializa obrigação assumida na
Convenção de Viena, razão pela qual o tráfico de drogas praticado com internacionalidade é julgado
perante a Justiça Federal125.
Nos casos de crimes praticados pela internet, não é raro assentar-se a competência da Justiça
Federal, porque normalmente são encontradas as características acima descritas.
Considera-se que o compromisso de proteção à criança e ao adolescente assumido
internacionalmente pelo Brasil é suficiente para o enquadramento da prática de pedofilia na internet
nos termos do inciso V, sendo que a divulgação de imagens em site internacional de livre acesso
caracterizaria a repercussão internacional da conduta. Não obstante, a jurisprudência do STJ vinha
considerando que o e-mail com tal material, se enviado por e para pessoa dentro do território
nacional, não justificaria a atração pela Justiça Federal.
Em acórdão com repercussão geral julgado ao final de 2015, o STF consolidou a tese segundo a
qual é de competência da Justiça Federal o julgamento da prática de pedofilia praticada por meio da
rede mundial de computadores:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. PENAL.


PROCESSO PENAL. CRIME PREVISTO NO ARTIGO 241-A DA LEI 8.069/90 (ESTATUTO
DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE). COMPETÊNCIA. DIVULGAÇÃO E PUBLICAÇÃO DE
IMAGENS COM CONTEÚDO PORNOGRÁFICO ENVOLVENDO CRIANÇA OU
ADOLESCENTE. CONVENÇÃO SOBRE DIREITOS DA CRIANÇA. DELITO COMETIDO
POR MEIO DA REDE MUNDIAL DE COMPUTADORES (INTERNET).

125CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. PENAL. TRÁFICO E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS. EXISTÊNCIA DE
INDICATIVOS CONCRETOS DA TRANSNACIONALIDADE DO DELITO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. PRECEDENTES. 1. Na fase em que se
encontra a persecução criminal – não houve ainda sequer o recebimento da denúncia – existem fortes elementos que apontam para a
transnacionalidade do tráfico – tais como a existência de mensagens, no celular de um dos acusados, em língua espanhola, dois dias antes
da apreensão da droga; a quantidade da substância apreendida (quase duas toneladas de "maconha"); bem como a inscrição "Industria
Paraguaya" em embalagem utilizada no transporte da droga – razão por que o feito deve ser processado perante a Justiça Federal. 2. Se,
exaurida a fase instrutória, e o Juízo Federal constatar a ausência de provas da internacionalidade do crime, deve reconhecer-se
incompetente, remetendo os autos para a Justiça Comum Estadual. 3. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo Federal da
1.ª Vara de Divinópolis - SJ/MG. (CC 115595/MG, Rel. Ministra LAURITA VAZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/09/2011, DJe 10/10/2011).

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INTERNACIONALIDADE. ARTIGO 109, V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. COMPETÊNCIA
DA JUSTIÇA FEDERAL RECONHECIDA. RECURSO DESPROVIDO.

1. À luz do preconizado no art. 109, V, da CF, a competência para processamento e


julgamento de crime será da Justiça Federal quando preenchidos 03 (três) requisitos
essenciais e cumulativos, quais sejam, que: a) o fato esteja previsto como crime no Brasil e
no estrangeiro; b) o Brasil seja signatário de convenção ou tratado internacional por meio do
qual assume o compromisso de reprimir criminalmente aquela espécie delitiva; e c) a
conduta tenha ao menos se iniciado no Brasil e o resultado tenha ocorrido, ou devesse ter
ocorrido no exterior, ou reciprocamente.

2. O Brasil pune a prática de divulgação e publicação de conteúdo pedófilo-pornográfico,


conforme art. 241-A do Estatuto da Criança e do Adolescente.

3. Além de signatário da Convenção sobre Direitos da Criança, o Estado Brasileiro ratificou o


respectivo Protocolo Facultativo. Em tais acordos internacionais se assentou a proteção à
infância e se estabeleceu o compromisso de tipificação penal das condutas relacionadas à
pornografia infantil.

4. Para fins de preenchimento do terceiro requisito, é necessário que, do exame entre a


conduta praticada e o resultado produzido, ou que deveria ser produzido, se extraia o atributo
de internacionalidade dessa relação.

5. Quando a publicação de material contendo pornografia infanto-juvenil ocorre na ambiência


virtual de sítios de amplo e fácil acesso a qualquer sujeito, em qualquer parte do planeta, que
esteja conectado à internet, a constatação da internacionalidade se infere não apenas do
fato de que a postagem se opera em cenário propício ao livre acesso, como também que, ao
fazê-lo, o agente comete o delito justamente com o objetivo de atingir o maior número
possível de pessoas, inclusive assumindo o risco de que indivíduos localizados no
estrangeiro sejam, igualmente, destinatários do material. A potencialidade do dano não se
extrai somente do resultado efetivamente produzido, mas também daquele que poderia
ocorrer, conforme própria previsão constitucional.

6. Basta à configuração da competência da Justiça Federal que o material pornográfico


envolvendo crianças ou adolescentes tenha estado acessível por alguém no estrangeiro,
ainda que não haja evidências de que esse acesso realmente ocorreu.

7. A extração da potencial internacionalidade do resultado advém do nível de abrangência


próprio de sítios virtuais de amplo acesso, bem como da reconhecida dispersão mundial
preconizada no art. 2º, I, da Lei 12.965/14, que instituiu o Marco Civil da Internet no Brasil.

8. Não se constata o caráter de internacionalidade, ainda que potencial, quando o panorama fático
envolve apenas a comunicação eletrônica havida entre particulares em canal de comunicação
fechado, tal como ocorre na troca de e-mails ou conversas privadas entre pessoas situadas no
Brasil. Evidenciado que o conteúdo permaneceu enclausurado entre os participantes da conversa
virtual, bem como que os envolvidos se conectaram por meio de computadores instalados em
território nacional, não há que se cogitar na internacionalidade do resultado.

9. Tese fixada: “Compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes consistentes em


disponibilizar ou adquirir material pornográfico envolvendo criança ou adolescente (arts. 241,
241-A e 241-B da Lei nº 8.069/1990) quando praticados por meio da rede mundial de
computadores”.

10. Recurso extraordinário desprovido.

(RE 628624, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. EDSON
FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 29/10/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO
REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-062 DIVULG 05-04-2016 PUBLIC 06-04-2016)

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4.2.2.3 AS CAUSAS RELATIVAS A DIREITOS HUMANOS A QUE SE REFERE O § 5º
DO ART. 109 DA CF (ART. 109, V-A E §5º)
A Emenda Constitucional 45/04 criou uma nova hipótese de competência da Justiça Federal,
ao instituir o denominando incidente de deslocamento de competência (art. 109, V-A, da CF).
Segundo dispõe o § 5º do art. 109, nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o
Procurador-Geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações
decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá
suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente
de deslocamento de competência para a Justiça Federal.
Eugênio Pacelli defende que não seria propriamente um deslocamento de competência, mas o
reconhecimento da competência originária da Justiça Federal, diferenciando-se da hipótese do inciso
V, por não exigir a internacionalidade da conduta: “a nosso aviso, quando se tratar de graves
violações a direitos humanos, e quando se revelar necessária a intervenção de instituições federais
para cumprir suas obrigações firmadas com Estados e organizações internacionais, a competência
será, originariamente, da Justiça Federal. É dizer: será da Justiça Federal em razão da matéria, do
mesmo modo que ocorre em relação aos tratados e convenções internacionais, com a diferença de
que, quanto aos demais (tratados), exige-se a internacionalização da conduta; em relação aos crimes
contra os direitos humanos, assim tipificados em tratados internacionais (ver, por exemplo, o
Tribunal Penal Internacional, ratificado e promulgado no Brasil por meio do Decreto Legislativo n.
112, de 6.6.2002, e Decreto n. 4.388, de 25.9.2002), não se exigirá a citada internacionalização da
conduta”126.
O primeiro caso de IDC que se tem notícia refere-se ao assassinato da missionária norte-
americana Dorothy Stang, tendo o Superior Tribunal de Justiça indeferido o pedido, sob o argumento
de que as autoridades estaduais estavam empenhadas na apuração dos fatos, não havendo
justificativa para remessa dos autos à Justiça Federal127. Mais recentemente, foi deferido o
deslocamento no caso envolvendo o assassinato de Manoel Bezerra de Mattos Neto128.

126 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 16. ed. atual. São Paulo: Atlas, 2012, p. 243.
127 CONSTITUCIONAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. HOMICÍDIO DOLOSO QUALIFICADO. (VÍTIMA IRMÃ DOROTHY STANG). CRIME
PRATICADO COM GRAVE VIOLAÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS. INCIDENTE DE DESLOCAMENTO DE COMPETÊNCIA – IDC. INÉPCIA DA PEÇA
INAUGURAL. NORMA CONSTITUCIONAL DE EFICÁCIA CONTIDA. PRELIMINARES REJEITADAS. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL E À
AUTONOMIA DA UNIDADE DA FEDERAÇÃO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. RISCO DE DESCUMPRIMENTO DE
TRATADO INTERNACIONAL FIRMADO PELO BRASIL SOBRE A MATÉRIA NÃO CONFIGURADO NA HIPÓTESE. INDEFERIMENTO DO PEDIDO. 1.
Todo homicídio doloso, independentemente da condição pessoal da vítima e/ou da repercussão do fato no cenário nacional ou
internacional, representa grave violação ao maior e mais importante de todos os direitos do ser humano, que é o direito à vida, previsto no
art. 4º, nº 1, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário por força do Decreto nº 678, de 6/11/1992,
razão por que não há falar em inépcia da peça inaugural. 2. Dada a amplitude e a magnitude da expressão “direitos humanos”, é verossímil
que o constituinte derivado tenha optado por não definir o rol dos crimes que passariam para a competência da Justiça Federal, sob pena
de restringir os casos de incidência do dispositivo (CF, art. 109, § 5º), afastando-o de sua finalidade precípua, que é assegurar o
cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais firmados pelo Brasil sobre a matéria, examinando-se cada situação de
fato, suas circunstâncias e peculiaridades detidamente, motivo pelo qual não há falar em norma de eficácia limitada. Ademais, não é
próprio de texto constitucional tais definições. 3. Aparente incompatibilidade do IDC, criado pela Emenda Constitucional nº 45/2004, com
qualquer outro princípio constitucional ou com a sistemática processual em vigor deve ser resolvida aplicando-se os princípios da
proporcionalidade e da razoabilidade. 4. Na espécie, as autoridades estaduais encontram-se empenhadas na apuração dos fatos que
resultaram na morte da missionária norte-americana Dorothy Stang, com o objetivo de punir os responsáveis, refletindo a intenção de o
Estado do Pará dar resposta eficiente à violação do maior e mais importante dos direitos humanos, o que afasta a necessidade de
deslocamento da competência originária para a Justiça Federal, de forma subsidiária, sob pena, inclusive, de dificultar o andamento do
processo criminal e atrasar o seu desfecho, utilizando-se o instrumento criado pela aludida norma em desfavor de seu fim, que é combater
a impunidade dos crimes praticados com grave violação de direitos humanos. 5. O deslocamento de competência – em que a existência de
crime praticado com grave violação aos direitos humanos é pressuposto de admissibilidade do pedido – deve atender ao princípio da
proporcionalidade (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito), compreendido na demonstração concreta de risco de
descumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais firmados pelo Brasil, resultante da inércia, negligência, falta de
vontade política ou de condições reais do Estado-membro, por suas instituições, em proceder à devida persecução penal. No caso, não há a
cumulatividade de tais requisitos, a justificar que se acolha o incidente. 6. Pedido indeferido, sem prejuízo do disposto no art. 1º, inc. III, da
Lei nº 10.446, de 8/5/2002. (IDC1/PA, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 08/06/2005, DJ 10/10/2005, p.
217).
128INCIDENTE DE DESLOCAMENTO DE COMPETÊNCIA. JUSTIÇAS ESTADUAIS DOS ESTADOS DA PARAÍBA E DE PERNAMBUCO. HOMICÍDIO
DE VEREADOR, NOTÓRIO DEFENSOR DOS DIREITOS HUMANOS, AUTOR DE DIVERSAS DENÚNCIAS CONTRA A ATUAÇÃO DE GRUPOS DE

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4.2.2.4 OS CRIMES CONTRA A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO E, NOS CASOS
DETERMINADOS POR LEI, CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO E A ORDEM
ECONÔMICO-FINANCEIRA (ART. 109, VI)
Em relação aos crimes contra a organização do trabalho, a primeira observação que se faz é a
de que a mera posição topográfica do tipo penal dentro do Título IV do Código Penal não acarreta
necessariamente a competência da Justiça Federal. É preciso analisar criteriosamente a objetividade
jurídica e o caso concreto129. A recíproca também é verdadeira, sendo possível haver casos em que a
competência seja fixada, mesmo que o tipo penal não se localize dentro do mencionado título130.
A jurisprudência tem apresentado oscilações. Apesar disso, tem-se convergentemente definido
que a Justiça Federal será competente para o julgamento de tais infrações penais, quando tenham
sido afetadas as instituições do trabalho ou os direitos dos trabalhadores coletivamente
considerados131. Tem sido utilizado o acórdão proferido nos autos do RE 398.041/PA132 como
paradigma, que tratava de infração penal tipificada no art. 149 do CP.

EXTERMÍNIO NA FRONTEIRA DOS DOIS ESTADOS. AMEAÇAS, ATENTADOS E ASSASSINATOS CONTRA TESTEMUNHAS E
DENUNCIANTES.ATENDIDOS OS PRESSUPOSTOS CONSTITUCIONAIS PARA A EXCEPCIONAL MEDIDA. 1. A teor do § 5.º do art. 109 da
Constituição Federal, introduzido pela Emenda Constitucional nº 45/2004, o incidente de deslocamento de competência para a Justiça
Federal fundamenta-se, essencialmente, em três pressupostos: a existência de grave violação a direitos humanos; o risco de
responsabilização internacional decorrente do descumprimento de obrigações jurídicas assumidas em tratados internacionais; e a
incapacidade das instâncias e autoridades locais em oferecer respostas efetivas. 2. Fatos que motivaram o pedido de deslocamento
deduzido pelo Procurador-Geral da República: o advogado e vereador pernambucano MANOEL BEZERRA DE MATTOS NETO foi assassinado
em 24/01/2009, no Município de Pitimbu/PB, depois de sofrer diversas ameaças e vários atentados, em decorrência, ao que tudo leva a crer,
de sua persistente e conhecida atuação contra grupos de extermínio que agem impunes há mais de uma década na divisa dos Estados da
Paraíba e de Pernambuco, entre os Municípios de Pedras de Fogo e Itambé. 3. A existência de grave violação a direitos humanos, primeiro
pressuposto, está sobejamente demonstrado: esse tipo de assassinato, pelas circunstâncias e motivação até aqui reveladas, sem dúvida,
expõe uma lesão que extrapola os limites de um crime de homicídio ordinário, na medida em que fere, além do precioso bem da vida, a
própria base do Estado, que é desafiado por grupos de criminosos que chamam para si as prerrogativas exclusivas dos órgãos e entes
públicos, abalando sobremaneira a ordem social. 4. O risco de responsabilização internacional pelo descumprimento de obrigações
derivadas de tratados internacionais aos quais o Brasil anuiu (dentre eles, vale destacar, a Convenção Americana de Direitos Humanos, mais
conhecido como "Pacto de San Jose da Costa Rica") é bastante considerável, mormente pelo fato de já ter havido pronunciamentos da
Comissão Interamericana de Direitos Humanos, com expressa recomendação ao Brasil para adoção de medidas cautelares de proteção a
pessoas ameaçadas pelo tão propalado grupo de extermínio atuante na divisa dos Estados da Paraíba e Pernambuco, as quais, no entanto,
ou deixaram de ser cumpridas ou não foram efetivas. Além do homicídio de MANOEL MATTOS, outras três testemunhas da CPI da Câmara
dos Deputados foram mortos, dentre eles LUIZ TOMÉ DA SILVA FILHO, ex-pistoleiro, que decidiu denunciar e testemunhar contra os outros
delinquentes. Também FLÁVIO MANOEL DA SILVA, testemunha da CPI da Pistolagem e do Narcotráfico da Assembleia Legislativa do Estado
da Paraíba, foi assassinado a tiros em Pedra de Fogo, Paraíba, quatro dias após ter prestado depoimento à Relatora Especial da ONU sobre
Execuções Sumárias, Arbitrárias ou Extrajudiciais. E, mais recentemente, uma das testemunhas do caso Manoel Mattos, Maximiano
Rodrigues Alves, sofreu um atentado a bala no município de Itambé, Pernambuco, e escapou por pouco. Há conhecidas ameaças de morte
contra Promotores e Juízes do Estado da Paraíba, que exercem suas funções no local do crime, bem assim contra a família da vítima Manoel
Mattos e contra dois Deputados Federais. 5. É notória a incapacidade das instâncias e autoridades locais em oferecer respostas efetivas,
reconhecida a limitação e precariedade dos meios por elas próprias. Há quase um pronunciamento uníssono em favor do deslocamento da
competência para a Justiça Federal, dentre eles, com especial relevo: o Ministro da Justiça; o Governador do Estado da Paraíba; o
Governador de Pernambuco; a Secretaria Executiva de Justiça de Direitos Humanos; a Ordem dos Advogados do Brasil; a Procuradoria-Geral
de Justiça do Ministério Público do Estado da Paraíba. 6. As circunstâncias apontam para a necessidade de ações estatais firmes e eficientes,
as quais, por muito tempo, as autoridades locais não foram capazes de adotar, até porque a zona limítrofe potencializa as dificuldades de
coordenação entre os órgãos dos dois Estados. Mostra-se, portanto, oportuno e conveniente a imediata entrega das investigações e do
processamento da ação penal em tela aos órgãos federais. 7. Pedido ministerial parcialmente acolhido para deferir o deslocamento de
competência para a Justiça Federal no Estado da Paraíba da ação penal n.º 022.2009.000.127-8, a ser distribuída para o Juízo Federal
Criminal com jurisdição no local do fato principal; bem como da investigação de fatos diretamente relacionados ao crime em tela. Outras
medidas determinadas, nos termos do voto da Relatora. (IDC. 2/DF, Rel. Ministra LAURITA VAZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 27/10/2010, DJe
22/11/2010).
129 RE 449848 AgR, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 30/10/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-232 DIVULG 26-11-2012
PUBLIC 27-11-2012.
130 É o caso, por exemplo, do crime de redução à condição análoga à de escravo (art. 149 do CP).
131DIREITO PROCESSUAL PENAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CRIME DE LESÕES CORPORAIS DECORRENTE DE ACIDENTE DO TRABALHO.
AUSÊNCIA DE INTERESSE DIRETO E ESPECÍFICO DA UNIÃO. INEXISTÊNCIA DE CRIME CONTRA A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO.
COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. RECURSO IMPROVIDO. 1. A questão de direito tratada nestes autos diz respeito à alegada violação do
art. 109, IV e VI, da Constituição Federal. Cuida-se de possível malferimento da regra constitucional referente à competência da justiça
federal. 2. Da leitura da peça acusatória, verifica-se que não há interesse direto e específico da União capaz de atrair a competência do
julgamento da ação penal para a Justiça Federal. 3. O fato, por si só, da lesão corporal descrita na denúncia ser decorrente de acidente de
trabalho não é suficiente para transferir para a Justiça Federal o processamento e julgamento da ação penal. 4. Não se pode considerar o
delito descrito na denúncia como sendo crime contra a organização do trabalho, visto que esta espécie delitiva somente se configura
quando há ofensa ao sistema de órgãos e instituições destinados a preservar coletivamente o trabalho. 5. Ante o exposto, nego provimento

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Quanto aos crimes contra a ordem econômica e o sistema financeiro nacional, o constituinte
delegou à legislação ordinária a definição dos crimes de competência federal.
Nesse sentido, os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional estão definidos na Lei 7.492/86,
havendo previsão expressa no sentido de que a competência será da Justiça Federal (art. 26).
Os crimes contra a Economia Popular, definidos na Lei nº 1521/51, são julgados pela Justiça
Estadual, nos termos da Súmula º 498 do STF.
Os crimes contra a ordem econômica, definidos na Lei 8.176/91, não são em regra da
competência da Justiça Federal, salvo se, no caso concreto, se verificar a ocorrência de infração penal
praticada em detrimento de bens, serviços ou interesses da União ou de suas entidades autárquicas
ou empresas públicas, ocasião em que a competência se fixaria em razão do enquadramento das
hipóteses previstas no inciso IV do art. 109 da CF133. Do mesmo modo, em razão da magnitude da
abrangência de cartel é possível visualizar a necessidade de interferência da União e, assim, a
competência da Justiça Federal134. Os crimes contra a ordem econômico-financeira ainda estão
pendentes de regulamentação.

ao recurso extraordinário. (RE 588332, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 31/03/2009, DJe-075 DIVULG 23-04-2009
PUBLIC 24-04-2009 EMENT VOL-02357-07 PP-01417 RTJ VOL-00210-03 PP-01217 RT v. 98, n. 886, 2009, p. 525-530).
132DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. ART. 149 DO CÓDIGO PENAL. REDUÇÃO À CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. TRABALHO
ESCRAVO. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. DIREITOS FUNDAMENTAIS. CRIME CONTRA A COLETIVIDADE DOS TRABALHADORES. ART. 109,
VI DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. COMPETÊNCIA. JUSTIÇA FEDERAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO. A Constituição de 1988 traz um
robusto conjunto normativo que visa à proteção e efetivação dos direitos fundamentais do ser humano. A existência de trabalhadores a
laborar sob escolta, alguns acorrentados, em situação de total violação da liberdade e da autodeterminação de cada um, configura crime
contra a organização do trabalho. Quaisquer condutas que possam ser tidas como violadoras não somente do sistema de órgãos e
instituições com atribuições para proteger os direitos e deveres dos trabalhadores, mas também dos próprios trabalhadores, atingindo-os
em esferas que lhes são mais caras, em que a Constituição lhes confere proteção máxima, são enquadráveis na categoria dos crimes contra
a organização do trabalho, se praticadas no contexto das relações de trabalho. Nesses casos, a prática do crime prevista no art. 149 do
Código Penal (Redução à condição análoga a de escravo) se caracteriza como crime contra a organização do trabalho, de modo a atrair a
competência da Justiça Federal (art. 109, VI da Constituição) para processá-lo e julgá-lo. Recurso extraordinário conhecido e provido. (RE
398041, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 30/11/2006, DJe-241 DIVULG 18-12-2008 PUBLIC 19-12-2008
EMENT VOL-02346-09 PP-02007 RTJ VOL-00209-02 PP-00869).
133 Competência: Justiça Estadual: processo por crime contra a ordem econômica, previsto no art. 1º da Lei 8.176/1991 (venda de
combustível adulterado); inexistência de lesão à atividade de fiscalização atribuída à Agência Nacional do Petróleo – ANP e, portanto,
ausente interesse direto e específico da União: não incidência do art. 109, IV, da CF. Regra geral, os crimes contra a ordem econômica são da
competência da Justiça comum, e, no caso, como a Lei 8.176/1991 não especifica a competência para o processo e julgamento do fato que o
recorrido supostamente teria praticado, não há se cogitar de incidência do art. 109, VI, da CF. De outro lado, os crimes contra o sistema
financeiro e a ordem econômico-financeira devem ser julgados pela Justiça Federal – ainda que ausente na legislação infraconstitucional
nesse sentido –, quando se enquadrem os fatos em alguma das hipóteses previstas no artigo 109, IV, da Constituição. É da jurisprudência do
Tribunal, firmada em casos semelhantes – relativos a crimes ambientais–, que ‘o interesse da União para que ocorra a competência da
Justiça Federal prevista no art. 109, IV, da Carta Magna, tem de ser direto e específico’, não sendo suficiente o ‘interesse genérico da
coletividade, embora aí também incluído genericamente o interesse da União’. (REE 166.943, Primeira Turma, 3-3-1995, Moreira; 300.244,
Primeira Turma, 20-11-2001, Moreira; 404.610, 16-9-2003, Pertence; 336.251, 9-6-2003, Pertence; HC 81.916, Segunda Turma, Gilmar, RTJ
183/3). No caso, não há falar em lesão aos serviços da entidade autárquica responsável pela fiscalização: não se pode confundir o fato
objeto da fiscalização – a adulteração do combustível – com o exercício das atividades fiscalizatórias da ANP, cujo embaraço ou
impedimento, estes sim, poderiam, em tese, configurar crimes da competência da Justiça Federal, porque lesivos a serviços prestados por
entidade autárquica federal (CF, art. 109, IV)". (RE 502.915, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 13-2-2007, Primeira Turma, DJ de
27-4-2007). No mesmo sentido: RE 454.737, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 18-9-2008, Plenário, DJE de 21-11-2008.
134HABEAS CORPUS PREVENTIVO. CRIME CONTRA A ORDEM ECONÔMICA. FORMAÇÃO DE CARTEL. COMPETÊNCIA. EMPRESAS DO RAMO
DE GÁS INDUSTRIAL. CONTROLE DO MERCADO NACIONAL. INTERESSE SUPRA-REGIONAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.
PRECEDENTE DO STJ. INTELIGÊNCIA DA SÚMULA 150/STJ.(...) 1. A Lei 8.137/90, relativa aos crimes contra a ordem econômica, não contém
dispositivo expresso fixando a competência da Justiça Federal, competindo, em regra, à Justiça Estadual o julgamento dessa espécie de
delito; todavia, isso não afasta, de plano, a competência da Justiça Federal, desde que se verifique hipótese de ofensa a bens, serviços ou
interesses da União, suas autarquias ou empresas públicas, nos exatos termos do art. 109, inciso IV, da Carta Constitucional, ou que, pela
magnitude da atuação do grupo econômico ou pelo tipo de atividade desenvolvida, o ilícito tenha a propensão de abranger vários Estados
da Federação, prejudicar setor econômico estratégico para a economia nacional ou o fornecimento de serviços essenciais. 2. A diretriz para
a fixação dessa competência é dada pela denúncia; e, na hipótese em discussão, a inicial acusatória aponta para a existência de formação
de cartel por empresas do ramo de produção e comercialização de gás industrial, com atuação em todo o território brasileiro, visando ao
controle do mercado nacional, sugerindo, inclusive, que teria havido fraude à licitações de empresas públicas e privadas sediadas em
diferentes Estados. 3. A persecução criminal se iniciou por provocação da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça, que
vinha investigando inúmeras denúncias contra os acusados e forneceu os dados iniciais necessários para o início da Ação Penal, também
aludindo ao âmbito nacional da infração. 4. Já decidiu esta Corte que, quando a propensão ofensiva à ordem econômica se faz sentir em
localidades diversas e em territórios distintos, evidenciado o interesse supra-regional, exsurgem a necessidade de interferência da União e a
competência da Justiça Federal (HC 32.292/RS, Rel. Min. JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, DJU 03.05.04).

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Os crimes de lavagem capitais, conforme previsão da Lei nº 9.613/98, serão de competência da
Justiça Federal quando praticados contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira, ou
em detrimento de bens, serviços ou interesses da União, ou de suas entidades autárquicas ou
empresas públicas, bem como quando a infração penal antecedente for de competência da Justiça
Federal.

4.2.2.5 CRIMES COMETIDOS A BORDO DE NAVIOS E AERONAVES (ART. 109,


IX, CF)
Compete aos juízes federais processar e julgar os crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves,
ressalvada a competência da Justiça Militar. A Constituição Federal, ao fazer referência expressa a
navio, afasta de imediato a competência da Justiça Federal nos casos de infrações penais praticadas a
bordo de pequenas embarcações. Vale dizer, somente embarcações de grande porte, aptas a realizar
viagens internacionais, podem se enquadrar na definição de navio135.

A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça reexaminou a matéria, ocasião em que


assentou que não seria mais suficiente o simples fato de se tratar de embarcação de grande porte,
devendo ainda se encontrar pelo menos em situação de potencial deslocamento internacional. O
navio estava ancorado e em situação de carregamento, sendo o delito perpetrado contra
estivadores, pessoas estranhas à embarcação136. O entendimento foi recentemente reafirmado137.
No caso de aeronaves, a jurisprudência tem considerado suficiente o fato de o crime ter sido
cometido a bordo, sendo indiferente se a aeronave se encontrava em solo ou no ar, também não
importando o sujeito passivo138. Entretanto, as contravenções são da competência da Justiça

5. Ressalte-se, ademais, que, nos termos do enunciado 150 da Súmula desta Corte, compete a Justiça Federal decidir sobre a existência de
interesse jurídico que justifique a presença, no processo, da união, suas autarquias ou empresas publicas.(...) (HC 117.169/SP, Rel. Ministro
NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 19/02/2009, DJe 16/03/2009)
135CONFLITO DE COMPETENCIA. HOMICÍDIO PRATICADO A BORDO DE NAVIO. INCIDÊNCIA DO ART. 109, IX, DA CF/88. COMPETÊNCIA DA
JUSTIÇA FEDERAL. Compete à Justiça Federal de primeiro grau processar e julgar os crimes comuns praticados, em tese, no interior de navio
de grande cabotagem, autorizado e apto a realizar viagens internacionais, ex vi do inciso IX, art. 109, da CF. - Conflito conhecido.
Competência do Juízo Federal, o suscitante. (CC 14.488/PA, Rel. Ministro Vicente Leal, Terceira Seção, julgado em 19/10/1995, DJ 11/12/1995,
p. 43174).
136 CRIMINAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. HOMICÍDIO E LESÃO CORPORAL CULPOSOS OCORRIDOS DURANTE OPERAÇÃO DE
CARREGAMENTO DE NAVIO.COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. I. Não basta, à determinação da competência da Justiça Federal, apenas
o fato de que o eventual delito tenha sido cometido no interior de embarcação de grande porte. Faz-se necessário que este se encontre em
situação de deslocamento internacional ou ao menos em situação de potencial deslocamento. II. Hipótese na qual a embarcação
encontrava-se ancorada, para fins de carregamento, o qual, inclusive, estava sendo feito por pessoas – no caso as vítimas – estranhas à
embarcação, visto que eram estivadores e não passageiros ou funcionários desta. III. Conflito conhecido para declarar a competência do
Juízo da 3.ª Vara Criminal de Guarujá/SP, o suscitado. (CC 116.011/SP, Rel. Ministro GILSON DIPP, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 23/11/2011,
DJe 01/12/2011).
137CONFLITO DE COMPETÊNCIA. DESENVOLVIMENTO CLANDESTINO DE ATIVIDADES DE TELECOMUNICAÇÃO. CRIME COMETIDO A BORDO
DE NAVIO ANCORADO NO PORTO DE PARANAGUÁ. SITUAÇÃO DE POTENCIAL DESLOCAMENTO.COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. 1. A
Constituição Federal, em seu art. 109, IX, expressamente aponta a competência da Justiça Federal para processar e julgar "os crimes
cometidos a bordo de navios ou aeronaves, ressalvada a competência da Justiça Militar". 2. Em razão da imprecisão do termo "navio"
utilizado no referido dispositivo constitucional, a doutrina e a jurisprudência construíram o entendimento de que "navio" seria embarcação
de grande porte o que, evidentemente, excluiria a competência para processar e julgar crimes cometidos a bordo de outros tipos de
embarcações, isto é, aqueles que não tivessem tamanho e autonomia consideráveis que pudessem ser deslocados para águas
internacionais. 3. Restringindo-se ainda mais o alcance do termo "navio", previsto no art. 109, IX, da Constituição, a interpretação que se dá
ao referido dispositivo deve agregar outro aspecto, a saber, que ela se encontre em situação de deslocamento internacional ou em situação
de potencial deslocamento. 4. Os tripulantes do navio que se beneficiavam da utilização de centrais telefônicas clandestinas, para realizar
chamadas internacionais, pertenciam a embarcação que estava em trânsito no Porto de Paranaguá, o que caracteriza, sem dúvida, situação
de potencial deslocamento. Assim, a competência, vista sob esse viés, é da Justiça Federal. 5. Conflito conhecido para declarar competente
o Juízo Federal e Juizado Especial de Paranaguá – SJ/PR. (CC 118.503/PR, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado
em 22/04/2015, DJe 28/04/2015).
138 EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. COMPETÊNCIA JURISDICIONAL. CRIMES
DE ROUBO QUALIFICADO E FORMAÇÃO DE QUADRILHA PRATICADOS A BORDO DE AERONAVE. ART. 109, INC. IX, DA CONSTITUIÇÃO DA
REPÚBLICA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. PRECEDENTES. RECURSO DESPROVIDO. 1. É da Justiça Federal a competência para
processar e julgar crime praticado a bordo de aeronave (art. 109, inc. IX, da Constituição da República), pouco importando se esta encontra-
se em ar ou em terra e, ainda, quem seja o sujeito passivo do delito. Precedentes. 2. Onde a Constituição não distingue, não compete ao
intérprete distinguir. 3. Recurso desprovido. (RHC 86998, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. CÁRMEN LÚCIA,
Primeira Turma, julgado em 13/02/2007, DJe-004 DIVULG 26-04-2007 PUBLIC 27-04-2007 DJ 27-04-2007 PP-00070 EMENT VOL-02273-02 PP-
00223 RT v. 96, n. 863, 2007, p. 501-506).

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Estadual, conforme já sedimentou o Superior Tribunal de Justiça , porque a Constituição Federal faz
referência apenas a crimes no inciso IX, estando tal entendimento em sintonia com a exceção
existente no inciso IV, ambos do art. 109.
Eugênio Pacelli tem posição mais restritiva, sustentando que a interpretação mais adequada à
matéria é no sentido de limitar a competência federal apenas em relação aos delitos praticados no
interior de aeronaves que estejam realizando transporte aéreo entre aeroportos efetivamente
fiscalizados pela Administração Pública Federal140.
Resta ainda fazer referência ao julgamento do RE 463.500/DF, em que o Supremo Tribunal
Federal entendeu que “o fato de a droga haver sido transportada por via aérea não ocasiona, por si
só, a competência da Justiça Federal. Prevalece, sob tal ângulo, o local em que apreendida”. A droga
foi apreendida nas dependências do terminal de passageiros, após o desembarque da aeronave.
Levou-se em consideração que a imputação narrada na denúncia versava sobre transporte e posse, e
que, por se tratar de crime permanente, o fato de ter-se operado parte do iter criminis a bordo de
aeronave não justificaria a competência da Justiça Federal, já que a sua consumação também se
prolongou em solo, após o desembarque141.

4.2.2.6 OS CRIMES DE INGRESSO OU PERMANÊNCIA IRREGULAR DE


ESTRANGEIRO
Os crimes de ingresso ou permanência irregular de estrangeiro são basicamente os previstos
nos incisos XI a XIII do art. 125 do Estatuto do Estrangeiro (Lei 6.815/80)142.

4.2.2.7 DISPUTAS SOBRE DIREITOS INDÍGENAS


No caso de crimes envolvendo indígenas, na condição de autores ou vítimas, a competência da
Justiça Federal somente será estabelecida se algum aspecto da infração penal, a exemplo de
motivação ou finalidade, evidenciar disputas sobre direitos indígenas, tais como questões
diretamente ligadas à cultura indígena e ao direito sobre suas terras143. Do contrário, a competência
será da Justiça Estadual144.

139CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. CONTRAVENÇÃO PENAL PRATICADA A BORDO DE AERONAVE. ARTIGO 109, INCISOS IV E IX, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. SÚMULA Nº 38/STJ. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. 1. A Justiça Federal não tem competência
para julgar contravenção penal, ainda que praticada em detrimento de bens, serviços ou interesses da União, nos termos da Súmula nº 38
desta Corte. 2. O artigo 109, inciso IX, da Constituição Federal de 1988, utilizado pelo Juízo suscitado para embasar o declínio da
competência para o Juízo Federal, refere-se tão somente aos crimes cometidos a bordo de navios e aeronaves, excluídas, portanto, as
contravenções penais. 3. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo de Direito do Segundo Juizado Especial Criminal de
Itapuã/BA, o suscitado. (CC 117.220/BA, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 26/10/2011, DJe 07/12/2011).
140 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 16. ed. atual. São Paulo: Atlas, 2012,p. 248.
141 Esse acórdão confirmou a seguinte decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região: “PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO
DOMÉSTICO DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE. COMPETÊNCIA. TRANSPORTE AÉREO. PRISÃO NAS DEPENDÊNCIAS DO AEROPORTO. 1.
Inexistência de prova a determinar o tráfico internacional de drogas. O apelante foi preso no Aeroporto Internacional de Brasília, vindo da
cidade de Cuiabá com destino a São Paulo. 2. É da Justiça Estadual a competência para processar e julgar o tráfico doméstico de substância
entorpecente. 3. Recurso em sentido estrito não provido”. (RCCR 0028669-44.2004.4.01.3400 / DF, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL
TOURINHO NETO, TERCEIRA TURMA, DJ p.21 de 18/03/2005).
142Art. 125. Constitui infração, sujeitando o infrator às penas aqui cominadas: [...] XI - infringir o disposto no artigo 106 ou 107: Pena:
detenção de 1 (um) a 3 (três) anos e expulsão. XII - introduzir estrangeiro clandestinamente ou ocultar clandestino ou irregular: Pena:
detenção de 1 (um) a 3 (três) anos e, se o infrator for estrangeiro, expulsão. XIII - fazer declaração falsa em processo de transformação de
visto, de registro, de alteração de assentamentos, de naturalização, ou para a obtenção de passaporte para estrangeiro, laissez-passer, ou,
quando exigido, visto de saída: Pena: reclusão de 1 (um) a 5 (cinco) anos e, se o infrator for estrangeiro, expulsão.
143EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. DISPUTA DE TERRAS INDÍGENAS. CRIME PATRIMONIAL. JULGAMENTO. JUSTIÇA
ESTADUAL. COMPETÊNCIA. PRISÃO PREVENTIVA. REQUISITOS DO ARTIGO 312 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. INOBSERVÂNCIA.
REVOGAÇÃO. RECURSO PROVIDO. 1. O deslocamento da competência para a Justiça Federal somente ocorre quando o processo versar
sobre questões diretamente ligadas à cultura indígena e ao direito sobre suas terras, ou quando envolvidos interesses da União. [...] (RHC
85737, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 12/12/2006, DJe-152 DIVULG 29-11-2007 PUBLIC 30-11-2007 DJ
30-11-2007 PP-00129 EMENT VOL-02301-02 PP-00333).
144 EMENTA: COMPETÊNCIA CRIMINAL. Conflito. Crime praticado por silvícolas, contra outro índio, no interior de reserva indígena. Disputa
sobre direitos indígenas como motivação do delito. Inexistência. Feito da competência da Justiça Comum. Recurso improvido. Votos

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4.2.2.8 COMPETÊNCIA DELEGADA
A parte final do § 3° do art. 109 permite que a lei estabeleça casos de competência delegada,
sempre que a localidade não for sede de vara da Justiça Federal. Adotou-se tradicionalmente tal
solução para o crime de tráfico internacional de entorpecentes, de acordo com o disposto no art. 27
da Lei 6.368/76, ficando a persecução penal a cargo de autoridades estaduais, com recurso para o
respectivo tribunal federal.
Entretanto, com o advento da nova Lei de Drogas, houve não apenas a revogação expressa da
Lei 6.368/76, como também nova disciplina sobre a matéria, afirmando-se no parágrafo único do art.
70 que os crimes [de caráter transnacional] praticados nos Municípios que não sejam sede de vara
federal serão processados e julgados na vara federal da circunscrição respectiva.

4.2.3 COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA PRERROGATIVA DE FUNÇÃO


A Constituição Federal de 1988 estabeleceu um feixe de competências, que foi distribuído
entre os vários tribunais posicionados verticalmente no organograma do Poder Judiciário. Essa
repartição de competências, como se sabe, não pode ser modificada pela legislação ordinária145. Vale

vencidos. Precedentes. Exame. Inteligência do art. 109, incs. IV e XI, da CF. A competência penal da Justiça Federal, objeto do alcance do
disposto no art. 109, XI, da Constituição da República, só se desata quando a acusação seja de genocídio, ou quando, na ocasião ou
motivação de outro delito de que seja índio o agente ou a vítima, tenha havido disputa sobre direitos indígenas, não bastando seja aquele
imputado a silvícola, nem que este lhe seja vítima e, tampouco, que haja sido praticado dentro de reserva indígena. (RE 419528, Relator(a):
Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 03/08/2006, DJ 09-03-2007 PP-00026 EMENT
VOL-02267-03 PP-00478). Nesse mesmo sentido, Enunciado n. 140 do Superior Tribunal de Justiça: “Compete à Justiça Comum Estadual
processar e julgar crime em que o indígena figure como autor ou vítima”.
145EMENTA: I. ADIn: [...] III. Foro especial por prerrogativa de função: extensão, no tempo, ao momento posterior à cessação da investidura
na função dele determinante. Súmula 394/STF (cancelamento pelo Supremo Tribunal Federal). Lei 10.628/2002, que acrescentou os §§ 1º e
2º ao artigo 84 do C. Processo Penal: pretensão inadmissível de interpretação autêntica da Constituição por lei ordinária e usurpação da
competência do Supremo Tribunal para interpretar a Constituição: inconstitucionalidade declarada. 1. O novo § 1º do art. 84 CPP constitui
evidente reação legislativa ao cancelamento da Súmula 394 por decisão tomada pelo Supremo Tribunal no Inq 687-QO, 25.8.97, rel. o em.
Ministro Sydney Sanches (RTJ 179/912), cujos fundamentos a lei nova contraria inequivocamente. 2. Tanto a Súmula 394, como a decisão do
Supremo Tribunal, que a cancelou, derivaram de interpretação direta e exclusiva da Constituição Federal. 3. Não pode a lei ordinária
pretender impor, como seu objeto imediato, uma interpretação da Constituição: a questão é de inconstitucionalidade formal, ínsita a toda
norma de gradação inferior que se proponha a ditar interpretação da norma de hierarquia superior. 4. Quando, ao vício de
inconstitucionalidade formal, a lei interpretativa da Constituição acresça o de opor-se ao entendimento da jurisprudência constitucional do
Supremo Tribunal – guarda da Constituição –, às razões dogmáticas acentuadas se impõem ao Tribunal razões de alta política institucional
para repelir a usurpação pelo legislador de sua missão de intérprete final da Lei Fundamental: admitir pudesse a lei ordinária inverter a
leitura pelo Supremo Tribunal da Constituição seria dizer que a interpretação constitucional da Corte estaria sujeita ao referendo do
legislador, ou seja, que a Constituição – como entendida pelo órgão que ela própria erigiu em guarda da sua supremacia –, só constituiria o
correto tido aos seus ditames. 5. Inconstitucionalidade do § 1º do art. 84, CPP, acrescido pela lei questionada e, por arrastamento, da regra
final do § 2º do mesmo artigo, que manda estender a regra à ação de improbidade administrativa. IV. Ação de improbidade administrativa:
extensão da competência especial por prerrogativa de função estabelecida para o processo penal condenatório contra o mesmo dignitário
(§ 2º do art. 84 do CPP introduzido pela L. 10.628/2002): declaração, por lei, de competência originária não prevista na Constituição:
inconstitucionalidade. 1. No plano federal, as hipóteses de competência cível ou criminal dos tribunais da União são as previstas na
Constituição da República ou dela implicitamente decorrentes, salvo quando esta mesma remeta à lei a sua fixação. 2. Essa exclusividade
constitucional da fonte das competências dos tribunais federais resulta, de logo, de ser a Justiça da União especial em relação às dos
Estados, detentores de toda a jurisdição residual. 3. Acresce que a competência originária dos Tribunais é, por definição, derrogação da
competência ordinária dos juízos de primeiro grau, do que decorre que, demarcada a última pela Constituição, só a própria Constituição a
pode excetuar. 4. Como mera explicitação de competências originárias implícitas na Lei Fundamental, à disposição legal em causa seriam
oponíveis as razões já aventadas contra a pretensão de imposição por lei ordinária de uma dada interpretação constitucional. 5. De outro
lado, pretende a lei questionada equiparar a ação de improbidade administrativa, de natureza civil (CF, art. 37, § 4º), à ação penal contra os
mais altos dignitários da República, para o fim de estabelecer competência originária do Supremo Tribunal, em relação à qual a
jurisprudência do Tribunal sempre estabeleceu nítida distinção entre as duas espécies. 6. Quanto aos Tribunais locais, a Constituição Federal
– salvo as hipóteses dos seus arts. 29, X e 96, III –, reservou explicitamente às Constituições dos Estados-membros a definição da
competência dos seus tribunais, o que afasta a possibilidade de ser ela alterada por lei federal ordinária. V. Ação de improbidade
administrativa e competência constitucional para o julgamento dos crimes de responsabilidade. 1. O eventual acolhimento da tese de que a
competência constitucional para julgar os crimes de responsabilidade haveria de estender-se ao processo e julgamento da ação de
improbidade, agitada na Rcl 2138, ora pendente de julgamento no Supremo Tribunal, não prejudica nem é prejudicada pela
inconstitucionalidade do novo § 2º do art. 84 do CPP. 2. A competência originária dos tribunais para julgar crimes de responsabilidade é
bem mais restrita que a de julgar autoridades por crimes comuns: afora o caso dos chefes do Poder Executivo – cujo impeachment é da
competência dos órgãos políticos – a cogitada competência dos tribunais não alcançaria, sequer por integração analógica, os membros do
Congresso Nacional e das outras casas legislativas, aos quais, segundo a Constituição, não se pode atribuir a prática de crimes de
responsabilidade. 3. Por outro lado, ao contrário do que sucede com os crimes comuns, a regra é que cessa a imputabilidade por crimes de
responsabilidade com o termo da investidura do dignitário acusado. (ADI 2797, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno,

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o que está expressamente definido no texto maior, salvo quando a própria Constituição permitir o
regramento legal.
A fim de manter a coerência do sistema, buscou-se o critério da simetria na distribuição da
competência por prerrogativa de função (ratione personae). As diversas autoridades foram
escalonadas conforme a posição que ocupam na esfera estatal. Assim, quanto mais relevante a
função pública desempenhada, mais alto será o posicionamento do órgão judicial responsável pelo
julgamento das infrações penais praticadas pelo ocupante do cargo, emprego ou função.
O Enunciado 394 do STF foi cancelado146. A competência por prerrogativa de função persiste
apenas enquanto o suposto autor do fato esteja ocupando o cargo, emprego ou função que lhe
garanta a aludida prerrogativa.
Nas hipóteses de designação ou de convocação de juiz para o exercício da função de
Desembargador, os Tribunais Superiores já entenderam não haver motivo para o deslocamento da
competência147.
Ainda, deve-se considerar a hipótese de oposição de exceção da verdade nos processos de
crime contra a honra, quando forem querelantes pessoas sujeitas à jurisdição por prerrogativa de
função, caberá ao tribunal de prerrogativa o julgamento daquela, quando admitida, nos termos do
artigo 85 do Código de Processo Penal.
Por fim, no que diz respeito à conexão ou continência entre réus com e sem prerrogativa de
função, o atual entendimento do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que a regra é a
separação dos processos, uma vez que a lei infraconstitucional (que determina conexão e
continência) não deveria alterar a regra constitucional que fixa a competência dos Tribunais para a
prerrogativa de função148. Não obstante, é possível a reunião dos processos de maneira excepcional
e casuística, quando a separação dos processos puder prejudicar a credibilidade para julgamento e
apuração149.

4.2.3.1COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS DE JUSTIÇA E TRIBUNAIS REGIONAIS


FEDERAIS
Observando-se o critério da simetria, é de competência originária dos Tribunais de Justiça o
julgamento de prefeitos (art. 29, X, CF), juízes estaduais e membros do Ministério Público estadual

julgado em 15/09/2005, DJ 19-12-2006 PP-00037 EMENT VOL-02261-02 PP-00250).


146A Súmula 394 foi cancelada nos seguintes julgamentos: Inq 687 QO (DJ de 9/11/2001), AP 315 QO (DJ de 31/10/2001), AP 319 QO (DJ de
31/10/2001), Inq 656 QO (DJ de 31/10/2001), Inq 881 QO(DJ de 31/10/2001), AP 313 QO (DJ de 12/11/1999).
Posteriormente, no julgamento da ADI 2797, o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional com efeitos ex nunca Lei nº 10.628/02,
que fixava a prerrogativa de função para as infrações contemporâneas ao exercício do mandato quando cometidas com vínculo funcional, e
também aquelas relacionadas à improbidade administrativa. Dessa forma, a regra vigente é da atualidade do exercício do cargo para o foro
por prerrogativa de função.
147 Ementa: HABEAS CORPUS. INQUÉRITO DE NATUREZA PENAL EM TRÂMITE NO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO. ATO DE
PROCURADOR REGIONAL DA REPÚBLICA, POR DESIGNAÇÃO DO PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA. COMPETÊNCIA DO SUPERIOR
TRIBUNAL DE JUSTIÇA PARA O EXAME DA AÇÃO CONSTITUCIONAL. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. 1. A designação subscrita pelo
Procurador-Geral da República, nos termos da Portaria PGR nº 96, de 19 de março de 2010, não desloca a competência da causa para o
Supremo Tribunal Federal. Não ocorrência de ato concreto praticado pelo Procurador-Geral da República a justificar a regra do art. 102 da
Constituição Federal de 1988. 2. É pacífica a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de que os membros do Ministério
Público da União que oficiem em Tribunais estão sujeitos à jurisdição penal do Superior Tribunal de Justiça (parte final da alínea “a” do
inciso I do art. 105 da CF/88). Tribunal a quem compete processá-los e julgá-los nos ilícitos penais comuns (RE 418.852, da minha relatoria).
3. Habeas Corpus parcialmente concedido tão somente para determinar ao Superior Tribunal de Justiça que conheça e julgue, como
entender de direito, o HC 185.495/DF. (HC 107327, Relator(a): Min. AYRES BRITTO, Segunda Turma, julgado em 24/05/2011, PROCESSO
ELETRÔNICO DJe-210 DIVULG 03-11-2011 PUBLIC 04-11-2011).
148RECURSO – PRAZO – TERMO INICIAL – MINISTÉRIO PÚBLICO. A contagem do prazo para o Ministério Público começa a fluir no dia
seguinte ao do recebimento do processo no Órgão. COMPETÊNCIA – PRERROGATIVA DE FORO – NATUREZA DA DISCIPLINA. A competência
por prerrogativa de foro é de Direito estrito, não se podendo, considerada conexão ou continência, estendê-la a ponto de alcançar inquérito
ou ação penal relativos a cidadão comum.(Inq 3515 AgR, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 13/02/2014,
ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-050 DIVULG 13-03-2014 PUBLIC 14-03-2014)
149 Entendimento adotado no julgamento da AP 470/MG.

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(art. 96), ressalvada a competência da Justiça Eleitoral. No que toca à prerrogativa de função de
deputados estaduais para o Tribunal de Justiça, a jurisprudência majoritária dos Tribunais Superiores
entende que é extraída do artigo 27, §1º da Constituição Federal, tratando-se de previsão implícita
do texto constitucional.
Não há previsão para processo e julgamento de membros do Ministério Público dos Estados
que oficiem perante Tribunais de Justiça. Logo, os procuradores de justiça são processados e julgados
pelos tribunais locais, assim como ocorre com os membros que atuem na primeira instância,
configurando-se descompasso no critério da simetria.
Ademais, a Constituição Federal excepciona para juízes e membros do Ministério Público
apenas o caso da infração eleitoral, de modo que no caso de crime federal a competência para
julgamento permanece sendo dos tribunais de justiça, conforme entendimento prevalente na
jurisprudência. Já no caso de crime federal cometido por prefeito ou deputado estadual, o
julgamento caberá ao Tribunal Regional Federal.
A competência criminal dos Tribunais Regionais Federais está prevista no art. 108 da
Constituição Federal, podendo ser dividida em recursal e originária.
A competência recursal (inciso II), abrangendo as causas decididas pelos juízes federais e pelos
juízes estaduais no exercício da competência federal da área de sua jurisdição150, conforme disciplina
o art. 109 da CF, à exceção dos crimes políticos, cuja competência recursal foi constitucionalmente
atribuída ao Supremo Tribunal Federal (art. 102, II, b).
Nos casos de competência originária, como já foi dito, tem-se a adoção do critério da
competência ratione personae, já que ficou a cargo dos Tribunais Regionais Federais o julgamento
dos juízes federais da área de sua jurisdição, incluídos os da Justiça Militar e da Justiça do Trabalho,
nos crimes comuns e de responsabilidade, e os membros do Ministério Público da União, ressalvada a
competência da Justiça Eleitoral (art. 108, I, a).
Ficou expressamente ressalvada a competência da Justiça Eleitoral. Compete ao Tribunal
Regional Eleitoral da respectiva lotação do magistrado federal ou do membro do Ministério Público
da União o processo e julgamento das referidas autoridades, no caso de cometimento de crime
eleitoral. Caso o juiz federal esteja compondo o Tribunal Regional Eleitoral (art. 120, 1º, II, da CF)151,
da mesma forma ocorrendo com o procurador da república que atue perante a corte, a competência
passa a ser do Superior Tribunal de Justiça, desta vez sem a ressalva quanto aos crimes eleitorais (art.
105, I, a).
A Constituição Federal incluiu na competência dos Tribunais Regionais Federais não somente
os crimes comuns – todas as infrações de natureza penal –, mas também os de responsabilidade,
sendo estes de natureza eminentemente política.
Não houve ressalva quanto aos crimes militares. Por outro lado, a Constituição não atribuiu
essa competência aos órgãos da Justiça Militar da União. Dessa forma, pode-se concluir que compete
ao respectivo Tribunal Regional Federal o processo e o julgamento das referidas autoridades, na
hipótese de crime militar.
A jurisprudência assentou que o julgamento de habeas corpus contra ato imputado a membro
do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios compete ao Tribunal Regional Federal da 1ª
Região, a evidenciar que a competência criminal, em tais casos, também configura afastamento do
critério da simetria, em razão do princípio da especialidade152, porque a Constituição Federal

150 A parte recursal será abordada no capítulo referente aos recursos.


151Nota-se aqui um leve descompasso no critério da simetria, na medida em que a vaga destinada ao magistrado federal, no Tribunal
Regional Eleitoral da localidade onde houver sede de Tribunal Regional Federal, será necessariamente ocupada por juiz deste tribunal.
152PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. ART. 1º, INCISOS II E V, DA LEI Nº 8.137/90.
TRANCAMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL. COMPETÊNCIA DO E. TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO PARA APRECIAR E JULGAR
HABEAS CORPUS IMPETRADO CONTRA ATO ATRIBUÍDO A MEMBRO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS.

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expressamente fez referência a membros do Ministério Público da União, do qual fazem parte os
promotores e procuradores de justiça do Distrito Federal (art. 128, I, d). Portanto, não estão sujeitos
à competência do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios.

4.2.3.2 COMPETÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA


O Superior Tribunal de Justiça também detém competência criminal recursal e originária,
assim como ocorre nos Tribunais Regionais Federais. Porém, a novidade é que a recursal se subdivide
em ordinária e extraordinária, esta última ausente nos regionais. Em relação à competência
originária, prosseguindo-se com o critério da simetria, verifica-se que as autoridades submetidas à
competência do Superior Tribunal de Justiça desempenham funções públicas mais relevantes em
relação àquelas que são julgadas pelos Tribunais Regionais Federais. Compete ao Superior Tribunal
de Justiça processar e julgar, originariamente, nos crimes comuns, os Governadores dos Estados e do
Distrito Federal, e, nestes e nos de responsabilidade, os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos
Estados e do Distrito Federal, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal,
os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os membros dos
Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem
perante tribunais. (art. 105, I, a, da Constituição Federal).
Os governadores dos Estados e do Distrito Federal somente respondem perante o Superior
Tribunal de Justiça, nos casos de infração penal comum. Os crimes de responsabilidade estão sujeitos
a processo perante a Assembleia Legislativa ou Distrital, ficando o julgamento a cargo de um órgão
colegiado de composição mista153, tal como previsto na Lei 1.079/50, lembrando que a competência
para legislar sobre a matéria é privativa da União154.
As demais autoridades respondem perante o Superior Tribunal de Justiça nas duas hipóteses –
crimes comuns e de responsabilidade.

CONFLITO APARENTE DE NORMAS QUE SE RESOLVE PELA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. A DISCUSSÃO NA ESFERA CÍVEL DO
CRÉDITO TRIBUTÁRIO, PER SE, NÃO SERVE PARA ELIDIR A CARACTERIZAÇÃO DO CRIME DE SONEGAÇÃO FISCAL MORMENTE QUANDO SE
TEM NA FIGURA TÍPICA A DESCRIÇÃO DE FRAUDE. I - O aparente conflito de normas estabelecido entre o art. 96, III, e o art. 108, I, a, c/c art.
128, I, d, todos da CF, que se coloca quando se discute a quem compete apreciar e julgar habeas corpus impetrado contra ato atribuído à
membro do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, se resolve pela aplicação do princípio da especialidade. II - Não cabe ao e.
Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, mas, sim, ao e. Tribunal Regional Federal da 1ª Região, conhecer de habeas corpus onde
se aponta como autoridade coatora membro do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. (Precedentes do Pretório Excelso e
desta Corte). [...] (HC 67.416/DF, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 26/06/2007, DJ 10/09/2007, p. 259).
153 EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. IMPUGNAÇÃO DA EXPRESSÃO "E JULGAR" [ART. 40, XX]; DO TRECHO "POR OITO
ANOS" [ART. 40, PARÁGRAFO ÚNICO]; DO ART. 73, § 1º, II, E §§ 3º E 4º, TODOS DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SANTA CATARINA.
IMPUGNAÇÃO DE EXPRESSÃO CONTIDA NO § 4º DO ARTIGO 232 DO REGIMENTO INTERNO DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA. PRECEITOS
RELATIVOS AO PROCESSO DE IMPEACHMENT DO GOVERNADOR. LEI FEDERAL Nº 1.079/50. CRIMES DE RESPONSABILIDADE. RECEBIMENTO
DO ARTIGO 78 PELA ORDEM CONSTITUCIONAL VIGENTE. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 22, I, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. A expressão "e
julgar", que consta do inciso XX do artigo 40, e o inciso II do § 1º do artigo 73 da Constituição catarinense consubstanciam normas
processuais a serem observadas no julgamento da prática de crimes de responsabilidade. Matéria cuja competência legislativa é da União.
Precedentes. 2. Lei Federal nº 1.079/50, que disciplina o processamento dos crimes de responsabilidade. Recebimento, pela Constituição
vigente, do disposto no artigo 78, que atribui a um Tribunal Especial a competência para julgar o Governador. Precedentes. 3.
Inconstitucionalidade formal dos preceitos que dispõem sobre processo e julgamento dos crimes de responsabilidade, matéria de
competência legislativa da União. 4. A CB/88 elevou o prazo de inabilitação de 5 (cinco) para 8 (oito) anos em relação às autoridades
apontadas. Artigo 2º da Lei nº 1.079 revogado, no que contraria a Constituição do Brasil. 5. A Constituição não cuidou da matéria no que
respeita às autoridades estaduais. O disposto no artigo 78 da Lei n. 1.079 permanece hígido – o prazo de inabilitação das autoridades
estaduais não foi alterado. O Estado-membro carece de competência legislativa para majorar o prazo de cinco anos – artigos 22, inciso I, e
parágrafo único do artigo 85, da CB/88, que tratam de matéria cuja competência para legislar é da União. 6. O Regimento da Assembleia
Legislativa catarinense foi integralmente revogado. Prejuízo da ação no que se refere à impugnação do trecho "do qual fará chegar uma via
ao substituto constitucional do Governador para que assuma o poder, no dia em que entre em vigor a decisão da Assembleia", constante do
§ 4º do artigo 232. 7. Pedido julgado parcialmente procedente, para declarar inconstitucionais: i) as expressões "e julgar", constante do
inciso XX do artigo 40, e ii) "por oito anos", constante do parágrafo único desse mesmo artigo, e o inciso II do § 1º do artigo 73 da
Constituição daquele Estado-membro. Pedido prejudicado em relação à expressão "do qual fará chegar uma via ao substituto constitucional
do Governador para que assuma o poder, no dia em que entre em vigor a decisão da Assembleia", contida no § 4º do artigo 232 do
Regimento Interno da Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina. (ADI 1628, Relator(a): Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado
em 10/08/2006, DJ 24-11-2006 PP-00060 EMENT VOL-02257-02 PP-00311).
154 Enunciado 46 da Súmula Vinculante do STF: “A definição dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento das respectivas normas
de processo e julgamento são da competência legislativa privativa da União”.

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4.2.3.3 COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Segundo a Constituição Federal, compete ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar,
originariamente, nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros
do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República; nas infrações penais
comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do
Exército e da Aeronáutica, ressalvado o disposto no art. 52, I, os membros dos Tribunais Superiores, os do
Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente. Percebe-se que as
mais altas autoridades da República somente nos casos de infração penal comum estão submetidas à
jurisdição do Supremo Tribunal Federal. Em se tratando de crime de responsabilidade, observada a
simetria, vale o que já foi dito em relação ao primeiro escalão dos estados, aplicando-se a Lei 1.079/50. A
competência para processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República, bem como os
Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos crimes de
responsabilidade conexos com os dos dirigentes do Poder Executivo, além dos Ministros do Supremo
Tribunal Federal, dos membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério
Público, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União é do Senado Federal (art. 52, I e II,
da CF). Nas demais situações descritas no parágrafo anterior, a competência do Supremo Tribunal Federal
engloba as duas modalidades de infrações.

4.2.3.4 QUADRO-RESUMO
Para facilitar a compreensão e a memorização da competência dos tribunais nas ações penais
originárias, eis o quadro-resumo155 que reflete a opção do constituinte:

JURISDIÇÃO EXECUTIVO JUDICIÁRIO LEGISLATIVO OUTROS


COMPETENTE
STF Presidente, Membros dos Membros do Procurador-
Vice- Tribunais Congresso Geral da
Presidente, Superiores, Nacional República,
Ministros e incluindo o STF Comandante
Advogado- das Forças
Geral da União Armadas,
Membros do
Tribunal de
Contas da
União e Chefes
de missão
diplomática
STJ Governadores Membros dos -- Membros dos
TRF, dos TRE, Tribunais de
dos TJ e dos Contas dos
TRT Estados,
Distrito Federal
e Municípios e
Membros do
Ministério
Público da
União que
atuam perante
Tribunais
TRF, TJ e TRE Prefeitos Juízes de Deputados Membros do
(somente para Direito, Juízes estaduais Ministério
crimes Federais,Juízes Público da
eleitorais) do Trabalho, União (MPF,
Juízes Militares MPT, MPM,
da União MP do DF) e
do Ministério
Público
Estadual

155OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 16. ed. atual. São Paulo: Atlas, 2012,p. 208.

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Por fim, a respeito do foro por prerrogativa de função, o STF editou o Enunciado 45 da Súmula
Vinculante, segundo a qual a competência constitucional do Tribunal do Júri prevalece sobre o foro
por prerrogativa de função estabelecido exclusivamente pela constituição estadual.
Definidos os critérios de fixação da competência em razão da matéria e em razão da
pessoa,resta o estudo da competência de foro, juízo e interna, à luz do CPP e demais normas
pertinentes, e, após, o estudo das causas modificadoras de competência.

4.2.4 COMPETÊNCIA EM RAZÃO DO LUGAR E DO OBJETO DO JUÍZO


A competência é tratada no Título V do Código de Processo Penal. Segundo dispõe o art. 69, a
competência será determinada de acordo com:

I - o lugar da infração;

II - o domicílio ou residência do réu;

III - a natureza da infração;

IV - a distribuição;

V - a conexão ou continência;

VI - a prevenção;

VII - a prerrogativa de função.

Na verdade, o Código de Processo Penal é atécnico ao colocar como ordem para a fixação de
competência em primeiro lugar o lugar da infração, e apenas ao final a prerrogativa de função. Como
já apontado, no estudo da competência deve-se partir da competência em razão da matéria e em
seguida verificar a competência em razão da pessoa ou por prerrogativa de função, ambas fixadas
pela Constituição Federal. Após, passa-se ao estudo das regras infraconstitucionais de fixação de
competência, nas quais se incluem a competência em razão do lugar e por objeto do juízo.
Finalmente, deve-se observar que a conexão e continência não são causas de fixação, mas
antes modificadoras de competência ou hipóteses de prorrogação de competência.

4.2.4.1 COMPETÊNCIA PELO LUGAR DA INFRAÇÃO E PELO


DOMICÍLIO OU RESIDÊNCIA DO RÉU
As duas primeiras situações previstas no art. 69 – lugar da infração e domicílio ou residência do
réu – referem-se à competência territorial (ratione loci)156, e têm como finalidade precípua a
definição da comarca ou, no caso da Justiça Federal, da seção ou subseção judiciária competente. É
conhecida como competência de foro. Contudo, a escolha de tais critérios não se dá aleatoriamente.
O CPP estabeleceu uma ordem de preferência.
Segundo o art. 70, a competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar
a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução.
Adotou-se a teoria do resultado.

156 A competência territorial, como se sabe, é de natureza relativa, cabendo à parte interessada a sua arguição no momento oportuno. Do
contrário, haverá a prorrogação de competência.

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Excepcionalmente, a jurisprudência tem permitido a fixação da competência no lugar em que
praticados os atos executórios, quando diverso do local da consumação, sempre que se demonstrar
concretamente haver mais facilidade na produção das provas pelas partes, tornando-se mais efetiva
a persecução penal. Relembre-se que a repartição de competências tem como um de seus principais
objetivos a racionalização da prestação jurisdicional. No caso de crime doloso contra a vida, há
também o argumento de que o Tribunal do Júri deva ser composto por pessoas da localidade onde se
deu a repercussão do crime.
Nos casos em que o iter criminis percorre o território de dois ou mais países, o CPP também
previu a solução. De acordo com os parágrafos do art. 70, se, iniciada a execução no território
nacional, a infração se consumar fora dele, a competência será determinada pelo lugar em que tiver
sido praticado, no Brasil, o último ato de execução. Na situação invertida, quando o último ato de
execução for praticado fora do território nacional, será competente o juiz do lugar em que o crime,
embora parcialmente, tenha produzido ou devia produzir seu resultado.
Já a definição da competência pelo domicílio ou residência do réu ocorre apenas
subsidiariamente, ou seja, quando não foi possível conhecer o lugar da infração (art. 72). O CPP traz
uma exceção a essa regra, que ocorre nos casos de ação penal privada, permitindo-se que o
querelante, mesmo quando conhecido o lugar da infração, opte pelo foro do domicílio ou da
residência do réu (art. 73). Essa regra não se aplica quando a ação penal privada for subsidiária da
pública.
Se o réu não tiver residência certa, ou for ignorado o seu paradeiro, será competente o juiz
que primeiro tomar conhecimento do fato.
Por fim, o STJ editou o Enunciado 528, segundo o qual compete ao juiz federal do local da
apreensão da droga remetida do exterior pela via postal processar e julgar o crime de tráfico
internacional. (Súmula 528, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 13/05/2015, DJe 18/05/2015).

4.2.4.2 COMPETÊNCIA PELA NATUREZA DA INFRAÇÃO


Após a definição da competência da Justiça Federal (qual a Justiça competente?), assim como
da seção ou subseção judiciária competente (qual o foro competente?), prossegue-se com a análise
do juízo competente em razão da natureza da infração.
O Código de Processo Penal determina que a competência pela natureza da infração deve ser
regulada pelas leis de organização judiciária, salvo a competência privativa do Tribunal do Júri157.
As normas de organização judiciária podem delimitar a competência de determinadas varas
para o processo e julgamento exclusivamente de feitos criminais (varas criminais gerais), havendo
ainda a possibilidade de subdivisão conforme a natureza da infração (matéria penal), tais como varas
de tóxicos, delitos de trânsito, entre outras (varas criminais especializadas). Há, ainda, as infrações
penais de menor potencial ofensivo, da competência dos Juizados Especiais Criminais – JECr. Essa
especialização permite imprimir maior celeridade e eficiência aos processos em tramitação.
O Supremo Tribunal Federal já considerou constitucional a definição da competência de juízo por
resolução158, da mesma forma ocorrendo com a especialização de vara federal por resolução159.

157 Não se tem notícia da existência de varas com competência exclusiva para processar e julgar crimes dolosos contra a vida na Justiça
Federal, muito provavelmente por conta do reduzido número de infrações penas dessa natureza, que seriam da sua competência. Assim, a
formação do Tribunal do Júri Federal é esporádica.
158 “Ao aplicar o precedente firmado no julgamento do HC 88660/CE (j. em 15.5.2008), no sentido de que o Poder Judiciário tem
competência para dispor sobre especialização de varas, porque é matéria que se insere no âmbito da organização judiciária dos tribunais,
cujo tema não se encontra restrito ao campo de incidência exclusiva da lei, já que depende da integração dos critérios estabelecidos na
Constituição, nas leis e nos regimentos internos dos tribunais, a Turma indeferiu habeas corpus em que alegada ofensa ao princípio do juiz
natural ante a edição de resolução por tribunal de justiça. No caso, o Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte sustentava que a
Lei de Organização e Divisão Judiciárias daquela unidade da federação não previa a fixação, por resolução do tribunal, de competência de

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A perpetuatio jurisdictionis será examinada em item próprio.

4.2.4.3 COMPETÊNCIA PELA DISTRIBUIÇÃO


Havendo mais de um juízo igualmente competente, a precedência da distribuição fixará a
competência.

4.2.4.4 COMPETÊNCIA POR PREVENÇÃO


Segundo o Código de Processo Penal, verificar-se-á a competência por prevenção toda vez
que, concorrendo dois ou mais juízes igualmente competentes ou com jurisdição cumulativa, um
deles tiver antecedido aos outros na prática de algum ato do processo ou de medida a este relativa,
ainda que anterior ao oferecimento da denúncia ou da queixa (art. 83).
A competência pela prevenção afasta a regra da distribuição. Além disso, o código traz alguns
casos de definição de competência por prevenção.
No primeiro deles, que trata da competência pelo lugar da infração, o CPP determina que
quando incerto o limite territorial entre duas ou mais comarcas, seções ou subseções, ou quando
incerta a definição, por ter sido a infração consumada ou tentada nas respectivas divisas, a
competência firmar-se-á pela prevenção. Essa mesma solução se aplica nos casos de infração
continuada ou permanente, praticada em território de duas ou mais comarcas, seções ou subseções
judiciárias.
A prevenção também se aplica quando o acusado tiver mais de uma residência160.
O código define que a distribuição realizada para fins de concessão de fiança ou da decretação
de prisão preventiva ou de qualquer diligência anterior à denúncia ou queixa, prevenirá juízo para o
caso de futura ação penal.
A jurisprudência tem considerado necessário que o ato judicial tenha certa carga decisória, ou
seja, que o magistrado, em razão dele, tenha tomado conhecimento do fato incriminado. Exemplos
de atos que caracterizam prevenção: decretação de prisão preventiva ou temporária; pedido de
explicações em juízo nos crimes contra a honra; busca e apreensão; outras medidas cautelares
diversas da prisão (art. 319). O mero recebimento de comunicação de prisão em flagrante não teria
carga suficiente para gerar prevenção161.

varas judiciais. Assim, inconstitucional e ilegal a Resolução 19/2005, do Tribunal de Justiça do referido Estado-membro, que determinara a
distribuição de ações penais envolvendo a prática de crimes sexuais contra crianças, adolescentes e idosos à determinada vara. De início,
ressaltou-se a legitimidade do Ministério Público para impetrar habeas corpus com fundamento na incumbência da defesa da ordem
jurídica e dos interesses individuais indisponíveis, bem como quando envolvido o princípio do juiz natural. No mérito, considerou-se que a
resolução impugnada estaria em consonância com o entendimento desta Corte. Asseverou-se que a regra prevista no art. 73, da
Constituição estadual, reproduziria o disposto no art. 96, II, d, da CF, ao prever que lei complementar, de iniciativa do tribunal de justiça,
dispusesse sobre a organização e divisão judiciárias do Estado. Ademais, enfatizou que a leitura interpretativa do artigo 96, I, a e d, e II, d,
da CF, admite que haja alteração da competência dos órgãos do Poder Judiciário por deliberação do tribunal de justiça, desde que sem
impacto orçamentário, eis que houve simples alteração promovida administrativamente, constitucionalmente admitida, visando a uma
melhor prestação da tutela jurisdicional, de natureza especializada. Outros precedentes citados: HC 84056/DF (DJU de 4.2.2005); HC
84103/DF (DJU de 6.8.2004). HC 91024/RN, rel. Min. Ellen Gracie, 5.8.2008. (HC-91024)”. (Informativo/STF 514).
159 EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL, PROCESSUAL PENAL E CONSTITUCIONAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS E LAVAGEM DE
DINHEIRO PROVENIENTE DO TRÁFICO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. ESPECIALIZAÇÃO DE VARA POR RESOLUÇÃO.
CONSTITUCIONALIDADE: AUSÊNCIA DE OFENSA AO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS: CONTROVÉRSIA.
EXCESSO DE PRAZO DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. MATÉRIAS NÃO SUSCITADAS NAS INSTÂNCIAS PRECEDENTES. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. [...]
2. Especialização de Vara Federal por Resolução emanada do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Constitucionalidade afirmada pelo
Pleno desta Corte. Ausência de ofensa ao princípio do juiz natural. [...] (HC 94188, Relator(a): Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em
26/08/2008, DJe-197 DIVULG 16-10-2008 PUBLIC 17-10-2008 EMENT VOL-02337-03 PP-00540 RTJ VOL-00207-03 PP-01187 RT v. 98, n. 880,
2009, p. 468-472).
160A prevenção como critério de fixação de competência, quando o réu não tiver residência certa, ou seu paradeiro for ignorado, já foi
tratada no item relacionado à competência pelo domicílio ou residência do réu.
161RT 423/436

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O entendimento da jurisprudência é no sentido de que os atos praticados durante o plantão
não induzem a competência por prevenção.
Por fim, nos termos do Enunciado 706 da Súmula do STF, “é relativa a nulidade decorrente da
inobservância da competência penal por prevenção”.

4.3 CRITÉRIOS MODIFICADORES. PRORROGAÇÃO DE COMPETÊNCIA


A prorrogação é produto de modificação de uma competência de natureza relativa, podendo ocorrer no caso de
preclusão para arguição da incompetência relativa e nos casos de conexão e continência, adiante estudados.

4.3.1 CONEXÃO
A conexão pressupõe um vínculo entre duas ou mais infrações penais. O fenômeno não ocorre
quando se tratar apenas de um único crime ou contravenção, que poderá ensejar a continência
subjetiva, como será visto no item a seguir.
O Código de Processo Penal enumera os casos de conexão no art. 76, dividindo-os em três
grupos: a) subjetiva; b) objetiva; e c) instrumental ou probatória.
A conexão subjetiva enfoca os autores das infrações penais, sendo eles o elo (art. 76, I). Dá-se
a conexão subjetiva por uma das formas a seguir:
a) Simultaneidade ou ocasional – duas ou mais infrações penais são
praticadas por várias pessoas reunidas, no mesmo contexto fático, sem
que tenha havido qualquer acerto prévio.
b) Concurso – mesmo que diversos o tempo e o lugar, duas ou mais
infrações penais são praticadas por várias pessoas em concurso. O
diferencial dessa modalidade é justamente o liame subjetivo que une os
agentes, configurando-se o concurso de pessoas.
c) Reciprocidade – como o próprio nome já diz, duas ou mais pessoas
praticam crimes ou contravenções, umas contra as outras.
A conexão objetiva leva em consideração a própria motivação ou finalidade das infrações
penais, ligando-as entre si (art. 76, II). Pode ser:
a) Teleológica – A primeira infração penal é praticada com o objetivo de
garantir a execução da segunda.
b) Consequencial – A hipótese aqui é invertida: a segunda infração é
cometida para assegurar a ocultação, a impunidade ou a vantagem do
crime antecedente.
Há ainda a conexão probatória ou instrumental, que se verifica quando a prova de uma
infração ou de qualquer de suas circunstâncias elementares puder influir na prova de outra infração
(art. 76, III).

4.3.2 CONTINÊNCIA
A continência pode existir nas duas situações enumeradas no art. 77 do Código de Processo Penal:
a) Cumulação subjetiva – ocorre sempre que duas ou mais pessoas
cometerem a mesma infração penal, vale dizer, um único crime ou
contravenção (art. 77, I). Do contrário, será caso de conexão.
b) Cumulação objetiva – existirá a continência quando se verificar a
ocorrência de concurso formal de crimes, inclusive nas hipóteses de erro
na execução (aberratio ictus) e de resultado diverso do pretendido
(aberratio criminis), quando houver duplo resultado (art. 77, II).

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4.3.3 DISPOSIÇÕES COMUNS RELATIVAS À CONEXÃO E CONTINÊNCIA


É possível que um determinado juízo não seja competente para apreciar as ações penais
ligadas pela conexão ou continência. Quando isso ocorre, deve-se buscar uma das soluções previstas
no art. 78 do Código de Processo Penal:
a) No concurso entre a competência do júri e a de outro órgão da jurisdição
comum, prevalecerá a competência do júri – caso o concurso ocorra
entre a competência do júri e a de outro órgão da justiça especial, o mais
correto é a separação de processos.
b) No concurso de jurisdições da mesma categoria:
• preponderará a do lugar da infração, à qual for cominada a
pena mais grave;
• prevalecerá a do lugar em que houver ocorrido o maior número
de infrações, se as respectivas penas forem de igual gravidade;
• firmar-se-á a competência pela prevenção, nos outros casos.
c) No concurso de jurisdições de diversas categorias, predominará a de
maior graduação – Essa regra se aplica quando pelo menos um dos
agentes estiver sujeito à competência de foro por prerrogativa de função.
Vale lembrar que, como já foi dito anteriormente, a regra é a separação
de processos, podendo ser determinada a unidade do julgamento
casuisticamente.
d) No concurso entre a jurisdição comum e a especial, prevalecerá esta –
Aqui, o legislador quis se referir à Justiça Eleitoral, já que, na Militar,
ocorrerá necessariamente a separação de processos (art. 79, I).

Na hipótese de conexão entre crimes da competência da Justiça Federal e da Justiça Estadual,


prevalecerá a primeira, em razão da expressa previsão constitucional, não podendo ser modificada
pela legislação infraconstitucional. Tal entendimento ocasionou a edição do Enunciado 122 da
Súmula de Jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça: “compete à Justiça Federal o
processo e julgamento unificado dos crimes conexos de competência federal e estadual, não se
aplicando a regra do art. 78, II, a, do Código de Processo Penal”.
Há casos, entretanto, que a separação de processos é obrigatória. Segundo dispõe o art. 79 do
CPP, a conexão e a continência importarão unidade de processo e julgamento, salvo, no concurso
entre a jurisdição comum e a militar e entre a jurisdição comum e a do juízo da infância e da
adolescência. Nessas situações, a demanda já será distinta desde o início.
O código também traz casos de desmembramento ao longo do processo, tais como a
superveniência de doença mental (art. 152), o não comparecimento de acusado citado por edital
(art. 366), a falta de jurados para compor o Conselho de Sentença (art. 469, §§ 1º e 2º) e o
deferimento de sursis processual (art. 89 da Lei 9.099/95).
As situações que permitem a separação facultativa estão no art. 80 do CPP, quando as
infrações tiverem sido praticadas em circunstâncias de tempo ou lugar diferentes, ou quando pelo
excessivo número de acusados, e para não lhes prolongar a prisão provisória, ou por outro motivo
relevante, o juiz reputar conveniente a separação.

4.4 PERPETUATIO JURISDICIONIS

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A perpetuatio jurisdicionis tem como principais objetivos o máximo aproveitamento dos atos
processuais já praticados e a preservação do princípio do juiz natural. A medida busca evitar a prática
de atos protelatórios ou inúteis que possam afetar a efetiva persecução penal. Contrapõe-se à noção
de modificação de competência, ou seja, uma impede o surgimento da outra.
Eugênio Pacelli afirma que a "perpetuatio jurisdicionis seria como uma companheira
inseparável do princípio da identidade física do juiz, uma vez que ambos destinam-se a preservar o
conhecimento judicial da causa já realizado pelo juiz a quem ela foi distribuída e que já realizou a
instrução probatória"162.
Também entendemos que há um liame que os liga, porque toda e qualquer medida que venha
a retirar a causa da apreciação de determinado juízo previamente definido como competente pode
configurar, em última análise, uma ofensa ao princípio do juiz natural, do qual a perpetuatio
jurisdicionis e o princípio da identidade física do juiz são protetores.
Entretanto, a questão não é de simples solução. Há situações que justificam a modificação de
competência, afastando-se excepcionalmente a perpetuatio jurisdicionis. O importante é que a
impessoalidade e a imparcialidade sejam preservadas, afastando-se qualquer possibilidade de
criação de juízo ou tribunal de exceção.
O art. 81 do CPP traz uma hipótese de perpetuação de jurisdição, quando determina que,
verificada a reunião dos processos por conexão ou continência, ainda que no processo da sua
competência própria, venha o juiz ou tribunal a proferir sentença absolutória ou que desclassifique a
infração para outra que não se inclua na sua competência, continuará competente em relação aos
demais processos.
Há, ainda, a possibilidade de aplicação dos parágrafos do art. 492 do CPP163, com incidência
específica sobre os crimes da competência do Tribunal do Júri.
O Supremo Tribunal Federal tem entendido ser possível aplicar por analogia o disposto no art.
87 do CPC, naquilo em que não conflitar com as normas definidas pela legislação processual penal164.
O julgamento do RHC 83.181 tratou justamente do desdobramento da competência territorial em
razão da criação de nova comarca. Eis a ementa:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. INSTALAÇÃO DE


NOVA VARA POSTERIORMENTE AO INÍCIO DA AÇÃO PENAL. APLICAÇÃO
SUBSIDIÁRIA DO ART. 87 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. ORDEM DENEGADA. 1. A
criação de novas varas, em virtude de modificação da Lei de Organização Judicial local, não
implica incompetência superveniente do juízo em que se iniciou a ação penal. 2. O art. 87 do
Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente ao processo penal, leva à perpetuação
do foro, em respeito ao princípio do juiz natural. 3. Ordem denegada. (RHC 83181,
Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. JOAQUIM BARBOSA,
Tribunal Pleno, julgado em 06/08/2003, DJ 22-10-2004 PP-00005 EMENT VOL-02169-02
PP-00336 LEXSTF v. 27, n. 313, 2005, p. 406-415).
Na hipótese de criação (transformação) de (em) vara criminal dentro da mesma sede, aplica-se
a redistribuição de processos, porque estaria dentro das exceções previstas no art. 87 do CPC.

162 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 16. ed. atual. São Paulo: Atlas, 2012,p. 265.
163Art. 492 [...] §1º Se houver desclassificação da infração para outra, de competência do juiz singular, ao presidente do Tribunal do Júri
caberá proferir sentença em seguida, aplicando-se, quando o delito resultante da nova tipificação for considerado pela lei como infração
penal de menor potencial ofensivo, o disposto nos arts. 69 e seguintes da Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995. §2º Em caso de
desclassificação, o crime conexo que não seja doloso contra a vida será julgado pelo juiz presidente do Tribunal do Júri, aplicando-se, no que
couber, o disposto no § 1º deste artigo.
164EMENTA: I. Júri: competência territorial: princípio da perpetuatio jurisditionis: incidência na fase anterior ao julgamento pelo Júri. 1.
Regra geral, aplica-se ao processo penal, por analogia, o princípio da perpetuatio jurisditionis estatuído no art. 87 do C. Pr. Civil (cf., RHC
83.181, Pleno, 6.8.03, red. p/acórdão Joaquim Barbosa, DJ 22.10.04). [...] (HC 89849, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira
Turma, julgado em 18/12/2006, DJ 16-02-2007 PP-00049 EMENT VOL-02264-03 PP-00478 RTJ VOL-00203-01 PP-00265).

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4.5 JULGAMENTO POR COLEGIADO DE JUÍZES (LEI 12.694/2012):
COMPETÊNCIA E ESTRUTURA DE FUNCIONAMENTO
A Lei 12.694, de 24 de julho de 2012, trouxe uma importante inovação, consistente na
possibilidade de julgamento de infrações penais, quando praticadas por organizações criminosas, por
um órgão colegiado formado por juízes de primeira instância.
O principal objetivo do legislador, ao prever a possibilidade de formação de um órgão
colegiado, nas situações em que normalmente a competência estaria concentrada na pessoa de um
único magistrado, foi o de trazer mais segurança para tais autoridades, em razão da própria
exposição a que se submetem, quando isoladamente responsáveis pela condução e julgamento de
infrações penais praticadas por organizações criminosas. Não são raros os casos de ameaças e até
mesmo de atentados contra a integridade física de tais juízes.
O legislador optou por uma solução considerada intermediária. Não foi adotado o modelo do
“juiz sem rosto”, muito criticado e taxado de ofensivo às garantias constitucionais dos acusados.
Como o próprio nome já evidencia, o juiz não tem a sua identidade revelada, seu rosto não é
conhecido, sua formação técnica também é ignorada pelo acusado e, o que é pior, não se sabe como
foi escolhido ou designado para aquele específico caso. Nada disso foi adotado pela Lei 12.694/12.
Ainda assim, a lei não está imune a críticas165.
Segundo dispõe o art. 1º, em processos ou procedimentos que tenham por objeto crimes
praticados por organizações criminosas, o juiz poderá decidir pela formação de colegiado para a
prática de qualquer ato processual, especialmente:

I - decretação de prisão ou de medidas assecuratórias;

II - concessão de liberdade provisória ou revogação de prisão;

III - sentença;

IV - progressão ou regressão de regime de cumprimento de pena;

V - concessão de liberdade condicional;

VI - transferência de preso para estabelecimento prisional de segurança máxima; e

VII - inclusão do preso no regime disciplinar diferenciado.


O rol previsto no art. 1º é meramente exemplificativo, porque a lei expressamente define que
a formação do colegiado é possível para a prática de qualquer ato processual.
Para evitar abusos, a lei determina que o juiz deve indicar os motivos e as circunstâncias que
acarretam risco à sua integridade física, em decisão fundamentada, da qual será dado conhecimento
ao órgão correcional.
De acordo com o § 2° do art. 1º, o colegiado será formado pelo juiz do processo e por dois
outros juízes escolhidos por sorteio eletrônico dentre aqueles de competência criminal em exercício
no primeiro grau de jurisdição, permitindo-se a realização de reuniões à distância, por meio
eletrônico.
Também ficou definido que a competência do colegiado limita-se ao ato para o qual foi
convocado.

165 Têm sido criticadas, principalmente, as normas que preveem a não divulgação de voto divergente [art. 1º, § 6º - As decisões do
colegiado, devidamente fundamentadas e firmadas, sem exceção, por todos os seus integrantes, serão publicadas sem qualquer referência a
voto divergente de qualquer membro] e a formação do colegiado apenas para a prática de atos decisórios, dispensando-se o
acompanhamento dos demais juízes na fase instrutória. Apesar de o autor não concordar com as críticas, fez-se referência a elas, para fins
de registro e reflexão.

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Atendendo, ainda, à finalidade principal da lei, torna-se possível a realização de reuniões
sigilosas, sempre que houver risco de que a publicidade resulte em prejuízo à eficácia da decisão
judicial. Não há qualquer inconstitucionalidade nesse procedimento. A tarefa de decidir pode ser
reservada, desde que os fundamentos da decisão sejam posteriormente divulgados. O controle da
legitimidade da decisão se dá através da análise dos seus fundamentos.
Nesse mesmo sentido de conferir proteção à pessoa física do juiz, a lei determina que as
decisões do colegiado, devidamente fundamentadas e firmadas, sem exceção, por todos os seus
integrantes, serão publicadas sem qualquer referência a voto divergente de qualquer membro.
Por fim, a formação do colegiado e a definição dos procedimentos a serem adotados
dependem da regulamentação pelos tribunais (§ 7º do art. 1º). No caso da Justiça Federal, o
Provimento CJF 11, de 15 de março de 2013, regulamentou o procedimento, outorgando-se aos
Tribunais Regionais Federais a realização de regulamentação pormenorizada sobre o assunto,
conforme as peculiaridades regionais.

PROVA
PROVAS. CONCEITO. OBJETO. CLASSIFICAÇÃO. PRINCÍPIO DA NÃO
AUTOINCRIMINAÇÃO. SISTEMAS DE APRECIAÇÃO DA PROVA. ÔNUS.
INICIATIVA PROBATÓRIA DO JUIZ. FASES DE PRODUÇÃO PROBATÓRIA.
PROVA EMPRESTADA. PROVAS ILÍCITAS. MEIOS DE PROVA EM ESPÉCIE.
MEIOS DE OBTENÇÃO DE PROVA.

5.1 CONCEITO, FONTES, OBJETO, CLASSIFICAÇÃO


A prova, principalmente nas últimas décadas, tem exigido muita atenção dos especialistas.
Cuida-se de capítulo sensível do direito processual penal, já que um dos grandes desafios
encontrados na atualidade resulta justamente na necessidade de se promover uma efetiva
reconstrução dos fatos ocorridos, da realidade histórica propriamente dita, sem deixar de lado, por
óbvio, direitos e garantias outorgados constitucionalmente às partes, notadamente ao autor da
infração penal.
O vocábulo prova possui distintas acepções, dentre as quais se costuma mencionar três
principais significados: atividade probatória, meio de prova e resultado probatório.
Enquanto atividade probatória, prova designa o conjunto de atos praticados para a verificação
de um fato. É a atividade desenvolvida pelas partes, e, subsidiariamente, pelo juiz, na reconstrução
histórica dos fatos. De outro turno, prova como meio de prova é o instrumento por meio do qual se
introduzem no processo os elementos probatórios: o depoimento testemunhal, a prova pericial, etc..
Finalmente, a prova pode ser identificada como o resultado probatório, nesse sentido significando o
convencimento que os meios de prova geram no juiz e nas partes, isto é, a conclusão do juiz sobre a
credibilidade e a atendibilidade do elemento obtido.
É importante conceituar também fonte de prova. Esta refere-se a tudo o que é idôneo a
fornecer resultado apreciável para a decisão do juiz, por exemplo, uma pessoa, um documento ou
uma coisa; é, portanto, anterior ao processo.

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São objeto das provas as alegações de fato relevantes à compreensão da questão submetida a
solução no processo. Nessa senda, é objeto de prova a imputação deduzida na inicial acusatória, e
também: os costumes; o direito estrangeiro, estadual ou municipal; regulamentos e portarias, exceto
quando as últimas servirem de complemento à norma penal em branco; os fatos não contestados ou
incontroversos. Sinala-se aqui importante distinção entre o processo penal e o civil, haja vista que no
último dispensa-se a comprovação dos fatos incontroversos.
Não são objeto de prova os fatos notórios, axiomáticos e os presumidos legalmente. Da
mesma, serão inadmitidas as provas manifestamente irrelevantes ou impertinentes.
No que diz respeito à classificação, distingue-se a prova típica da atípica; a nominada da
inominada; trata-se ainda da prova anômala e da prova irritual.
A prova típica opõe-se à atípica por ter prevista na legislação um procedimento de extração e
produção de típico para determinado meio de prova. A segunda classificação diz respeito apenas à
nominação de prova, de modo que a prova será nominada quando o CPP faça referência nominal a
determinado meio probatório sem lhe prever um procedimento, o que ocorre na reprodução
simulada dos fatos. Ainda, a prova irritual é aquela produzida sem a observância de seu
procedimento probatório, o que ocorre, por exemplo, na oitiva de uma testemunha em que o juiz
não proporciona oportunidade de reperguntas das partes. Finalmente, prova anômala é uma prova
típica, utilizada para fins diversos daqueles que lhe são próprios, ou para fins característicos de
outras provas típicas.

5.2 PRINCÍPIOS DA OBTENÇÃO E PRODUÇÃO PROBATÓRIA


Faz-se necessária uma breve incursão sobre os princípios que se aplicam ao tema.
De plano, deve-se apontar a superação, pela doutrina, da dicotomia entre verdade formal e
verdade material. A verdade atingida no processo corresponde a um elevado grau de probabilidade
de que os fatos passados tenham ocorrido como as provas demonstram, e não pode ser considerada
como absoluta. A verdade absoluta ou ontológica é inatingível, como o são os fatos históricos. Nesse
sentido, não apenas não se pode advogar a existência de uma “verdade real” ou “verdade material”,
como não se admite que tal verdade seja o fim último do processo penal, a justificar quaisquer meios
na produção probatória.
A superação do dogma da verdade material dá lugar à noção de busca pela verdade ou de
verdade possível. Há limites legais que devem ser impostos quanto à investigação das fontes de
provas, quanto à admissão e produção, e, em alguns casos, quanto à própria valoração da prova. Por
exemplo, não se justifica a produção probatória por parte do juiz, uma vez que esta compromete
diretamente o sistema acusatório posto pela Constituição Federal.
Dessa forma, em se considerando a busca pela verdade como um dos princípios ou finalidades
do processo penal, não se pode perder de vista as limitações legais como a própria absolvição por
insuficiência de provas e a vedação de revisão criminal pro societate.
A Lei 11.719/08, que promoveu profundas alterações no Código de Processo Penal, finalmente
proclamou a existência do princípio da identidade física do juiz, já presente no direito processual civil,
mas, paradoxalmente, com aplicação até então não reconhecida no processo penal. A celeuma não
mais existe. O § 2º do art. 399 do CPP determina que “o juiz que presidiu a instrução deverá proferir a
sentença”. Apesar de a regulamentação ter sido simples, é possível a aplicação das exceções
previstas no CPC (art. 132), por força do art. 3º do CPP.
Como já ressaltado, não se pode desrespeitar os direitos e as garantias constitucionais
assegurados aos acusados em geral, com maior razão no processo penal. Os fins – reconstrução da
realidade histórica – não justificam os meios – atropelamento dos direitos e garantias individuais.

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Nesse sentido, os princípios do contraditório e da ampla defesa têm especial importância
nessa área, porque é preciso permitir que as partes efetivamente possam influir na decisão do juiz.
Tal participação, não apenas formal, passa necessariamente pela possibilidade de se demonstrar em
juízo as suas alegações, sem prejuízo da correta distribuição do ônus da prova ao final do processo,
esta compreendida como mera técnica de julgamento, sob o influxo do princípio da presunção de
inocência.
Assim, o legislador, ao editar a norma, e o juiz, ao aplicá-la, devem se preocupar, repita-se,
com a efetiva participação das partes, principalmente do réu. Somente assim, a ampla defesa, que
abrange a defesa técnica e a autodefesa, e o contraditório estarão sendo corretamente observados.
Essas novas luzes que pairam sobre o processo penal, com vistas à adoção ou concretização do
sistema acusatório, provocaram modificações no código, com destaque para o art. 155, com a
redação dada pela Lei 11.690/08, ao prever que “o juiz formará sua convicção pela livre apreciação
da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente
nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis
e antecipadas”.
Portanto, a lei opera clara distinção entre os chamados elementos de informação e a prova,
marcando-se a última fundamentalmente pela incidência do contraditório e da ampla defesa na sua
produção.
Assinala-se ainda um importante princípio regente da produção probatória no processo penal.
Trata-se do nemo tenetur se detegere ou princípio da não autoincriminação, encartado na
Constituição Federal e no Pacto de São José da Costa Rica166.
Tal princípio implica na impossibilidade de o acusado realizar condutas ativas
autoincriminadoras167, bem como na impossibilidade de provas invasivas. Atualmente, a redação do
artigo 306168 do Código de Trânsito Brasileiro tipifica conduta de perigo abstrato que pode ser
comprovada mediante exame de corpo de delito direto ou indireto. Dessa forma, restou superada a
discussão existente à época da redação da Lei nº 11.705/08, em que se fazia imprescindível o exame
do bafômetro169.

166 Art. 8º, §2º, g) direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada.
Art. 5º, LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família
e de advogado;
167 O comportamento passivo do acusado não é abrangido pela não autoincriminação, sendo possível o reconhecimento de pessoas.
168Art. 306. Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância
psicoativa que determine dependência:
Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo
automotor.
§ 1º. As condutas previstas no caput serão constatadas por:
I - concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar
alveolar; ou
II - sinais que indiquem, na forma disciplinada pelo Contran, alteração da capacidade psicomotora.
§ 2º. A verificação do disposto neste artigo poderá ser obtida mediante teste de alcoolemia ou toxicológico, exame clínico, perícia, vídeo,
prova testemunhal ou outros meios de prova em direito admitidos, observado o direito à contraprova.
§ 3º. O Contran disporá sobre a equivalência entre os distintos testes de alcoolemia ou toxicológicos para efeito de caracterização do crime
tipificado neste artigo. (Redação dada pela Lei nº 12.971, de 2014)
169HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. AUSÊNCIA DE EXAME DE ALCOOLEMIA. AFERIÇÃO DA
DOSAGEM QUE DEVE SER SUPERIOR A 6 (SEIS) DECIGRAMAS. NECESSIDADE. ELEMENTAR DO TIPO. 1. Antes da edição da Lei nº 11.705/08
bastava, para a configuração do delito de embriaguez ao volante, que o agente, sob a influência de álcool, expusesse a dano potencial a
incolumidade de outrem. 2. Entretanto, com o advento da referida Lei, inseriu-se a quantidade mínima exigível e excluiu-se a necessidade
de exposição de dano potencial, delimitando-se o meio de prova admissível, ou seja, a figura típica só se perfaz com a quantificação
objetiva da concentração de álcool no sangue o que não se pode presumir. A dosagem etílica, portanto, passou a integrar o tipo penal que
exige seja comprovadamente superior a 6 (seis) decigramas. 3. Essa comprovação, conforme o Decreto nº 6.488 de 19.6.08 pode ser feita
por duas maneiras: exame de sangue ou teste em aparelho de ar alveolar pulmonar (etilômetro), este último também conhecido como
bafômetro. 4. Cometeu-se um equívoco na edição da Lei. Isso não pode, por certo, ensejar do magistrado a correção das falhas estruturais
com o objetivo de conferir-lhe efetividade. O Direito Penal rege-se, antes de tudo, pela estrita legalidade e tipicidade. 5. Assim, para
comprovar a embriaguez, objetivamente delimitada pelo art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro, é indispensável a prova técnica
consubstanciada no teste do bafômetro ou no exame de sangue. 6. Ordem concedida. (HC 166.377/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA

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Do princípio da não autoincriminação decorre o direito à advertência, também chamado
Miranda warning. O STF já entendeu que a inobservância do direito à advertênciaimplica prova
ilícita, que contamina todo o processo170, apenas não se aplicando a necessidade de advertência
entre particulares.
Deriva também da não autoincriminação o direito ao silêncio, plasmado no parágrafo único do
artigo 186 (“o silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da
defesa”). Referido dispositivo revogou o artigo 198171 do mesmo diploma legal, que perdera a
validade desde o advento da Constituição Federal/1988. Também a reforma legal em 2008
preocupou-se em inserir dispositivo atinente ao procedimento do júri, restando claro que “Art. 478.
Durante os debates as partes não poderão, sob pena de nulidade, fazer referências: II – ao silêncio do
acusado ou à ausência de interrogatório por falta de requerimento, em seu prejuízo”.
O direito à não autoincriminação não engloba a falsa identidade, conforme jurisprudência já
consolidada do STF172 e do STJ, recentemente sumulada173.
A testemunha compromissada, embora não possa mentir sob pena de incorrer em falso
testemunho, pode fazer uso do silêncio na medida em que também tem direito à não
autoincriminação.

5.3 SISTEMAS DE VALORAÇÃO DA PROVA


Em relação ao sistema de apreciação de provas, a doutrina geralmente aponta a existência de
três modelos: (a) convicção íntima – o julgador não precisa expor os fundamentos que o levaram a
tomar determinada decisão. Cuida-se de modelo em desuso, notadamente nos estados
democráticos. Aponta-se, entretanto, um resquício desse modelo, que seria a decisão tomada pelo
Tribunal do Júri; (b) prova legal ou tarifada – Ao contrário do anterior, buscou-se retirar a
subjetividade do julgamento, sendo a própria lei a responsável pela valoração da prova, em escala,
conforme a sua relevância; (c) livre convencimento motivado ou persuasão racional – restabelece-se
a possibilidade de o juiz livremente valorar a prova produzida. Contudo, a contrapartida exigida é a
efetiva fundamentação da decisão, através da qual se promove o devido controle.

TURMA, julgado em 10/06/2010, DJe 01/07/2010)


170I. Habeas corpus: cabimento: prova ilícita. 1. Admissibilidade, em tese, do habeas corpus para impugnar a inserção de provas ilícitas em
procedimento penal e postular o seu desentranhamento: sempre que, da imputação, possa advir condenação a pena privativa de liberdade:
precedentes do Supremo Tribunal. II. Provas ilícitas: sua inadmissibilidade no processo (CF, art. 5º, LVI): considerações gerais. 2. Da explícita
proscrição da prova ilícita, sem distinções quanto ao crime objeto do processo (CF, art. 5º, LVI), resulta a prevalência da garantia nela
estabelecida sobre o interesse na busca, a qualquer custo, da verdade real no processo: conseqüente impertinência de apelar-se ao
princípio da proporcionalidade - à luz de teorias estrangeiras inadequadas à ordem constitucional brasileira - para sobrepor, à vedação
constitucional da admissão da prova ilícita, considerações sobre a gravidade da infração penal objeto da investigação ou da imputação. III.
Gravação clandestina de "conversa informal" do indiciado com policiais. 3. Ilicitude decorrente - quando não da evidência de estar o
suspeito, na ocasião, ilegalmente preso ou da falta de prova idônea do seu assentimento à gravação ambiental - de constituir, dita "conversa
informal", modalidade de "interrogatório" sub- reptício, o qual - além de realizar-se sem as formalidades legais do interrogatório no
inquérito policial (C.Pr.Pen., art. 6º, V) -, se faz sem que o indiciado seja advertido do seu direito ao silêncio. 4. O privilégio contra a auto-
incriminação - nemo tenetur se detegere -, erigido em garantia fundamental pela Constituição - além da inconstitucionalidade
superveniente da parte final do art. 186 C.Pr.Pen. - importou compelir o inquiridor, na polícia ou em juízo, ao dever de advertir o
interrogado do seu direito ao silêncio: a falta da advertência - e da sua documentação formal - faz ilícita a prova que, contra si mesmo,
forneça o indiciado ou acusado no interrogatório formal e, com mais razão, em "conversa informal" gravada, clandestinamente ou não. (...)
(HC 80949, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 30/10/2001, DJ 14-12-2001 PP-00026 EMENT VOL-02053-06
PP-01145 RTJ VOL-00180-03 PP-01001)
171Art. 198. O silêncio do acusado não importará confissão, mas poderá constituir elemento para a formação do convencimento do juiz.
172 “ (...) O princípio constitucional da autodefesa (art. 5º, inciso LXIII, da CF/88) não alcança aquele que atribui falsa identidade perante
autoridade policial com o intento de ocultar maus antecedentes, sendo, portanto, típica a conduta praticada pelo agente (art. 307 do CP). O
tema possui densidade constitucional e extrapola os limites subjetivos das partes.” (RE 640139 RG, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, julgado
em 22/09/2011, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-198 DIVULG 13-10-2011 PUBLIC 14-10-2011 EMENT VOL-02607-05 PP-00885 RT v. 101,
n. 916, 2012, p. 668-674 )
173 Súmula nº 522 do STJ: “A conduta de atribuir-se falsa identidade perante autoridade policial é típica, ainda que em situação de alegada
autodefesa.”

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A mencionada redação do artigo 155 do CPP procurou explicitar a opção do legislador pelo
livre convencimento motivado174como o sistema de apreciação de provas, ainda quea legislação faça
pequenas concessões à prova tarifada – nos artigos 158, 62 e no Parágrafo Único do artigo 155,
quando faz referência à prova do estado de pessoas. A opção por referido sistema é exigência desde
a Constituição Federal, conforme art. 93, IX.

5.4 PROVAS ILEGAIS


O principal limite imposto pela Constituição Federal aos órgãos estatais consiste na proibição
do uso de provas ilícitas (art. 5º, LVI). Trata-se claramente de direito individual instituído em face do
Estado.
O art. 157 do CPP inovou, ao definir o que se entende por prova ilícita, ou seja, aquela prova
obtida mediante violação a normas constitucionais ou legais. A lei, portanto, preocupou-se apenas
em especificar a posição hierárquica da norma, nada mencionando sobre o seu conteúdo, apesar da
existência de divisão doutrinária que distingue as provas ilícitas das ilegítimas, respectivamente
violadoras de direito material e processual. De qualquer forma, diante do silêncio da lei, e
considerando tratar-se de norma consagradora de direito individual, pode-se concluir que ambas as
modalidades de violação acarretam a invalidade da prova, não havendo utilidade na distinção, pelo
menos sob esse aspecto.
A seguir, especificamente no § 1°, primeira parte, foi expressamente adotada a teoria dos
frutos da árvore envenenada (fruits of the poisonous tree)175, ressalvando-se a óbvia hipótese da
inexistência de nexo causal, como também a teoria da fonte independente (parte final)176. Esta, por
sua vez, foi definida como sendo a que “por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da
investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova” (§ 2º),
confundindo-se o legislador com a teoria da descoberta inevitável177.
Embora os Tribunais Superiores não tenham se manifestado sobre o tema, a doutrina
majoritária entende que do § 1º do artigo 157 seria possível extrair a aplicação também da teoria do
nexo atenuado ou da conexão atenuada, teoria da tinta diluída ou da mancha purgada, segundo a

174 Em relação ao sistema de apreciação de provas, a doutrina geralmente aponta a existência de três modelos: a) convicção íntima – o
julgador não precisa expor os fundamentos que o levaram a tomar determinada decisão. Cuida-se de modelo em desuso, notadamente nos
estados democráticos. Aponta-se, entretanto, um resquício desse modelo, que seria a decisão tomada pelo Tribunal do Júri; b) prova legal
ou tarifada – Ao contrário do anterior, buscou-se retirar a subjetividade do julgamento, sendo a própria lei a responsável pela valoração da
prova, em escala, conforme a sua relevância; c) livre convencimento motivado ou persuasão racional – restabelece-se a possibilidade de o
juiz livremente valorar a prova produzida. Contudo, a contrapartida exigida é a efetiva fundamentação da decisão, através da qual se
promove o devido controle. Trata-se do modelo genericamente adotado pelo ordenamento (art. 93, IX da CF).
175Já admitida pelo STF desde o julgamento do HC 73.351: “HABEAS CORPUS. ACUSAÇÃO VAZADA EM FLAGRANTE DE DELITO VIABILIZADO
EXCLUSIVAMENTE POR MEIO DE OPERAÇÃO DE ESCUTA TELEFÔNICA, MEDIANTE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. PROVA ILÍCITA. AUSÊNCIA DE
LEGISLAÇÃO REGULAMENTADORA. ART. 5º, XII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. FRUITS OF THE POISONOUS TREE. O Supremo Tribunal Federal,
por maioria de votos, assentou entendimento no sentido de que sem a edição de lei definidora das hipóteses e da forma indicada no art. 5º,
inc. XII, da Constituição não pode o Juiz autorizar a interceptação de comunicação telefônica para fins de investigação criminal. Assentou,
ainda, que a ilicitude da interceptação telefônica -- à falta da lei que, nos termos do referido dispositivo, venha a discipliná-la e viabilizá-la --
contamina outros elementos probatórios eventualmente coligidos, oriundos, direta ou indiretamente, das informações obtidas na escuta.
Habeas corpus concedido. (HC 73351, Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO, Tribunal Pleno, julgado em 09/05/1996, DJ 19-03-1999 PP-00009
EMENT VOL-01943-01 PP-00007).”
176Também admitida pelo STF: “HABEAS CORPUS. DENÚNCIA. RECEBIMENTO. BUSCA E APREENSÃO REALIZADA EM DESACORDO COM A
DETERMINAÇÃO JUDICIAL. EXISTÊNCIA DE PROVA AUTÔNOMA. Evidenciada a existência de prova autônoma, descabe a pretensão de
anular a decisão de recebimento da denúncia, sob a alegação ter sido o mandado de busca e apreensão cumprido em desacordo com a
determinação judicial de que os policiais se fizessem acompanhar de duas testemunhas. Ordem concedida. (HC 84679, Relator (a): Min.
MARCO AURÉLIO, Relator (a) p/ Acórdão: Min. EROS GRAU, Primeira Turma, julgado em 09/11/2004, DJ 12-08-2005 PP-00011 EMENT VOL-
02200-01 PP-00106)”
177 Segundo Paccelli: “A nosso aviso, essa é a definição de outra hipótese de aproveitamento da prova, qual seja, a teoria da descoberta
inevitável, muito utilizada no direito estadunidense. Na descoberta inevitável admite-se a prova, ainda que presente eventual relação de
causalidade ou de dependência entre as provas (a ilícita e a descoberta), exatamente em razão de se tratar de meios de prova
rotineiramente adotados em determinadas investigações. Com isso, evita-se a contaminação da totalidade das provas que sejam
subsequentes à ilícita”. (OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 16. ed. atual. São Paulo: Atlas, 2012,p. 354-355).

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qual as circunstâncias do caso concreto podem revelar que o nexo entre a prova ilícita e a dela
decorrente tornou-se muito frágil, sendo possível a utilização da prova derivada.
A lei não previu o chamado encontro fortuito de provas, que ocorre quando, a partir de busca
autorizada para a apuração de determinada infração penal, encontram-se provas da existência de
outro crime (fenômeno da serendipidade178). Para os adeptos dessa teoria, as provas desta última
infração penal não seriam consideradas válidas, porque a autorização não as abrangia. O Supremo
Tribunal Federal, entretanto, em situação semelhante, já admitiu a licitude da prova, desde que
houvesse alguma relação de pertinência com a infração penal que justificou a medida179.
Reconhecida a ilicitude da prova, deve-se proceder ao desentranhamento. O código inclusive
determina a sua inutilização, que pode ser acompanhada pelas partes, uma vez preclusa a decisão
que a invalidou (§ 3º). O Poder Executivo vetou o §4º do projeto de redação do artigo 157, que
determinava que o juiz que tivesse contato com a prova ilícita não pudesse proferir a sentença ou
acórdão.
Há situações em que a prova deixa de ser ilícita. Pode-se tomar de empréstimo, na essência, a
dogmática sobre as causas excludentes de ilicitude previstas no Código Penal, tais como a legítima
defesa, normalmente utilizada como exemplo. O Supremo Tribunal Federal, nesse sentido, já
reconheceu a possibilidade de gravação de conversa telefônica, ainda que não houvesse o
conhecimento do autor do crime180.
Também é possível validar a prova colhida durante a ocorrência do crime (flagrante), pois
nessa circunstância o agente não pode invocar, em seu favor, a proteção conferida pelo
ordenamento, já que ele mesmo está vulnerando-o181.
A proporcionalidade eventualmente tem sido utilizada para justificar a validade de
determinada prova produzida em detrimento de direito individual pertencente ao agente que
praticou a infração penal182. Entretanto, a sua aplicação ainda é controvertida183.

178 Informativo 539: "DIREITO PROCESSUAL PENAL. DESCOBERTA FORTUITA DE DELITOS QUE NÃO SÃO OBJETO DE INVESTIGAÇÃO. O fato
de elementos indiciários acerca da prática de crime surgirem no decorrer da execução de medida de quebra de sigilo bancário e fiscal
determinada para apuração de outros crimes não impede, por si só, que os dados colhidos sejam utilizados para a averiguação da suposta
prática daquele delito. Com efeito, pode ocorrer o que se chama de fenômeno da serendipidade, que consiste na descoberta fortuita de
delitos que não são objeto da investigação. Precedentes citados: HC 187.189-SP, Sexta Turma, DJe 23/8/2013; e RHC 28.794-RJ, Quinta
Turma, DJe 13/12/2012. HC 282.096-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 24/4/2014".
179HABEAS CORPUS. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. PRAZO DE VALIDADE. ALEGAÇÃO DE EXISTÊNCIA DE OUTRO MEIO DE INVESTIGAÇÃO.
FALTA DE TRANSCRIÇÃO DE CONVERSAS INTERCEPTADAS NOS RELATÓRIOS APRESENTADOS AO JUIZ. AUSÊNCIA DE CIÊNCIA DO MINISTÉRIO
PÚBLICO ACERCA DOS PEDIDOS DE PRORROGAÇÃO. APURAÇÃO DE CRIME PUNIDO COM PENA DE DETENÇÃO. [...] 5. Uma vez realizada a
interceptação telefônica de forma fundamentada, legal e legítima, as informações e provas coletas dessa diligência podem subsidiar
denúncia com base em crimes puníveis com pena de detenção, desde que conexos aos primeiros tipos penais que justificaram a
interceptação. Do contrário, a interpretação do art. 2º, III, da L. 9.296/96 levaria ao absurdo de concluir pela impossibilidade de
interceptação para investigar crimes apenados com reclusão quando forem estes conexos com crimes punidos com detenção. Habeas
corpus indeferido. (HC 83515, Relator(a): Min. NELSON JOBIM, Tribunal Pleno, julgado em 16/09/2004, DJ 04-03-2005 PP-00011 EMENT
VOL-02182-03 PP-00401 RTJ VOL-00193-02 PP-00609).
180"Habeas corpus". Utilização de gravação de conversa telefônica feita por terceiro com a autorização de um dos interlocutores sem o
conhecimento do outro quando há, para essa utilização, excludente da antijuridicidade. - Afastada a ilicitude de tal conduta – a de, por
legítima defesa, fazer gravar e divulgar conversa telefônica ainda que não haja o conhecimento do terceiro que está praticando crime –, é
ela, por via de consequência, lícita e, também consequentemente, essa gravação não pode ser tida como prova ilícita, para invocar-se o
artigo 5º, LVI, da Constituição com fundamento em que houve violação da intimidade (art. 5º, X, da Carta Magna). "Habeas corpus"
indeferido. (HC 74678, Relator(a): Min. MOREIRA ALVES, Primeira Turma, julgado em 10/06/1997, DJ 15-08-1997 PP-37036 EMENT VOL-
01878-02 PP-00232).
181Excetuam-se as hipóteses de flagrante preparado, tido como sinônimo de crime impossível.
182PENAL – HABEAS CORPUS – PROVA ILÍCITA – PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE DOS VALORES CONTRASTANTES I - Apreensão de
documentos que se deu durante fiscalização levada a efeito por fiscais da Receita Federal, acompanhados por Policiais Federais; II –
Inexistência de prova de que houve invasão ou coação por parte dos agentes federais; III - Ainda que admitida a ilicitude do meio de
obtenção da prova, deve o magistrado, utilizando seu alto poder de discricionariedade, avaliar os valores contrastantes envolvidos,
considerando que “nenhuma garantia constitucional tem valor supremo e absoluto, de modo a aniquilar outra de equivalente grau de
importância”; IV - Ordem denegada. (HC 200602010088219, Desembargador Federal MESSOD AZULAY NETO, TRF2 - SEGUNDA TURMA
ESPECIALIZADA, DJU - Data:29/11/2006 - Página:98).
183No caso a seguir, a ordem foi indeferida basicamente por não estar demonstrada a oposição necessária à configuração da invasão de
domicílio. Entretanto, a proporcionalidade não foi admitida pelo relator: “EMENTA: Prova: alegação de ilicitude da obtida mediante

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5.5 ÔNUS DA PROVA NO PROCESSO PENAL
Segundo dispõe o art. 5º, LVII, da CF, ninguém será considerado culpado até o trânsito em
julgado da sentença penal condenatória. Esse status de inocente acompanha o réu desde o início da
persecução penal, por força da citada norma constitucional. É mais um instrumento de proteção do
indivíduo contra injunções abusivas do Poder Público.
A situação jurídica de inocência atua em duas frentes distintas, seja como proteção do autor
contra medidas invasivas, seja no campo probatório.
Especificamente na segunda hipótese, que é a que nos interessa neste momento, compete ao
autor da ação penal comprovar a existência do crime, bem como a autoria imputada ao acusado.
Incumbe-lhe, portanto, a prova do fato constitutivo do jus puniendi. O réu, ao contrário, não precisa
demonstrar a sua inocência.
Nesse sentido, não se exige uma atuação proativa do acusado. Mesmo que este permaneça
completamente inerte, do ponto de vista probatório, nada acontecerá, se o demandante não
comprovar a participação do acusado na infração penal.
Determinadas consequências processuais existentes no processo civil não têm aplicação no
processo penal, a exemplo do ônus da impugnação especificada e do efeito material da revelia, que
não atingem os acusados. O ônus da prova, como já foi dito anteriormente, não passa de mera
técnica de julgamento. Em outras palavras, em razão da não comprovação de determinado fato, o
juiz, ao sentenciar, atribuirá a responsabilidade pelo fracasso probatório à determinada parte que,
por lei, tinha o ônus demonstrá-lo.
Finda a instrução, se remanescerem dúvidas sobre a existência do crime, ou ainda acerca da
participação do acusado, o juiz deve absolvê-lo, por força do princípio do favor rei, já que, nessas
hipóteses, não haverá prova suficiente para condenação (art. 386, II, V e VII, do CPP).
Há casos excepcionais em que o ônus pode pesar sobre o réu, tal como nas hipóteses em que
se alegar a ocorrência de causa excludente de ilicitude, desde que provado o fato constitutivo do
direito do autor da ação penal. Mesmo assim, como será visto no capítulo referente à sentença
absolutória, há a possibilidade de aplicação do princípio do in dubio pro reo.

apreensão de documentos por agentes fiscais, em escritórios de empresa – compreendidos no alcance da garantia constitucional da
inviolabilidade do domicílio – e de contaminação das provas daquela derivadas: tese substancialmente correta, prejudicada no caso,
entretanto, pela ausência de qualquer prova de resistência dos acusados ou de seus prepostos ao ingresso dos fiscais nas dependências da
empresa ou sequer de protesto imediato contra a diligência. 1. Conforme o art. 5º, XI, da Constituição – afora as exceções nele
taxativamente previstas ("em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro") – só a "determinação judicial" autoriza, e
durante o dia, a entrada de alguém – autoridade ou não – no domicílio de outrem, sem o consentimento do morador. 1.1. Em
consequência, o poder fiscalizador da administração tributária perdeu, em favor do reforço da garantia constitucional do domicílio, a
prerrogativa da auto-executoriedade. 1.2. Daí não se extrai, de logo, a inconstitucionalidade superveniente ou a revogação dos preceitos
infraconstitucionais de regimes precedentes que autorizam a agentes fiscais de tributos a proceder à busca domiciliar e à apreensão de
papéis; essa legislação, contudo, que, sob a Carta precedente, continha em si a autorização à entrada forçada no domicílio do contribuinte,
reduz-se, sob a Constituição vigente, a uma simples norma de competência para, uma vez no interior da dependência domiciliar, efetivar as
diligências legalmente permitidas: o ingresso, porém, sempre que necessário vencer a oposição do morador, passou a depender de
autorização judicial prévia. 1.3. Mas, é um dado elementar da incidência da garantia constitucional do domicílio o não consentimento do
morador ao questionado ingresso de terceiro: malgrado a ausência da autorização judicial, só a entrada invito domino a ofende, seja o
dissenso presumido, tácito ou expresso, seja a penetração ou a indevida permanência, clandestina, astuciosa ou franca. 1.4. Não supre
ausência de prova da falta de autorização ao ingresso dos fiscais nas dependências da empresa o apelo à presunção de a tolerância à
entrada ou à permanência dos agentes do Fisco ser fruto do metus publicae potestatis, ao menos nas circunstâncias do caso, em que não se
trata das famigeradas "batidas" policiais no domicílio de indefesos favelados, nem sequer se demonstra a existência de protesto imediato.
2. Objeção de princípio – em relação à qual houve reserva de Ministros do Tribunal – à tese aventada de que à garantia constitucional da
inadmissibilidade da prova ilícita se possa opor, com o fim de dar-lhe prevalência em nome do princípio da proporcionalidade, o interesse
público na eficácia da repressão penal em geral ou, em particular, na de determinados crimes: é que, aí, foi a Constituição mesma que
ponderou os valores contrapostos e optou – em prejuízo, se necessário da eficácia da persecução criminal – pelos valores fundamentais, da
dignidade humana, aos quais serve de salvaguarda a proscrição da prova ilícita: de qualquer sorte – salvo em casos extremos de
necessidade inadiável e incontornável – a ponderação de quaisquer interesses constitucionais oponíveis à inviolabilidade do domicílio não
compete a posteriori ao juiz do processo em que se pretenda introduzir ou valorizar a prova obtida na invasão ilícita, mas sim àquele a
quem incumbe autorizar previamente a diligência. (HC 79512, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em
16/12/1999, DJ 16-05-2003 PP-00092 EMENT VOL-02110-02 PP-00308)”.

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5.6 INICIATIVA PROBATÓRIA DO JUIZ
Outra modificação introduzida no Código de Processo Penal, também pela Lei 11.690/08, foi a
contextualização da iniciativa probatória do juiz, em face desse novo ponto de vista, a partir do
sistema acusatório.
É certo que a redação do art. 156 não foi das mais felizes184 ao proporcionar ao julgador duas
oportunidades de iniciativa probatória. Aliás, doutrina e jurisprudência do STF tem entendido pela
inconstitucionalidade da iniciativa probatória durante o inquérito policial, em face do sistema
acusatório adotado pela Constituição Federal185.
Em todo caso, percebe-se que a intenção do legislador foi a de deixar o juiz mais “distante” da
colheita da prova, procedendo-a apenas em situações excepcionais. Não se deve admitir juiz tutor de
investigação. A parte, principalmente o autor, deve assumir as suas responsabilidades e, nesse
sentido, as consequências em razão da sua inércia ou ineficiência.
Gustavo Henrique Badaró186, ao distinguir entre fontes de prova e meios de prova, alerta que a
investigação de fontes de prova deve ser rigidamente fechada para o juiz, uma vez que tal atividade
de busca compromete psicologicamente o juiz, colocando em risco a sua imparcialidade.

5.7 PROVA EMPRESTADA


Prova emprestada é a prova produzida em um determinado processo e que depois é
trasladada, na forma documental e com o valor probante originário, para outro processo. São
requisitos para o aproveitamento da prova emprestada: (i) a prova do primeiro processo deve ter
sido produzida perante o juiz natural; (ii) a prova produzida no primeiro processo deve ter
possibilitado o exercício do contraditório perante a parte do segundo processo; (iii) que o objeto da
prova seja o mesmo nos dois processos; (iv) que o âmbito de cognição seja o mesmo nos dois
processos187.
No atual Código de Processo Civil, a prova emprestada é prevista no artigo 372, segundo o
quala o juiz poderá admitir a utilização de prova produzida em outro processo, atribuindo-lhe o valor
que considerar adequado, observado o contraditório.
No que diz respeito à prova emprestada e julgamento pelo tribunal do júri, a doutrina
majoritária entende que a validação deve se dar pelo próprio Tribunal do Júri188.

184 Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício: I – ordenar, mesmo antes de iniciada
a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e
proporcionalidade da medida; II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir
dúvida sobre ponto relevante.
185AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 9034/95. LEI COMPLEMENTAR 105/01. SUPERVENIENTE. HIERARQUIA SUPERIOR.
REVOGAÇÃO IMPLÍCITA. AÇÃO PREJUDICADA, EM PARTE. "JUIZ DE INSTRUÇÃO". REALIZAÇÃO DE DILIGÊNCIAS PESSOALMENTE.
COMPETÊNCIA PARA INVESTIGAR. INOBSERVÂNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. IMPARCIALIDADE DO MAGISTRADO. OFENSA. FUNÇÕES
DE INVESTIGAR E INQUIRIR. MITIGAÇÃO DAS ATRIBUIÇÕES DO MINISTÉRIO PÚBLICO E DAS POLÍCIAS FEDERAL E CIVIL. 1. Lei 9034/95.
Superveniência da Lei Complementar 105/01. Revogação da disciplina contida na legislação antecedente em relação aos sigilos bancário e
financeiro na apuração das ações praticadas por organizações criminosas. Ação prejudicada, quanto aos procedimentos que incidem sobre
o acesso a dados, documentos e informações bancárias e financeiras. 2. Busca e apreensão de documentos relacionados ao pedido de
quebra de sigilo realizadas pessoalmente pelo magistrado. Comprometimento do princípio da imparcialidade e conseqüente violação ao
devido processo legal. 3. Funções de investigador e inquisidor. Atribuições conferidas ao Ministério Público e às Polícias Federal e Civil (CF,
artigo 129, I e VIII e § 2o; e 144, § 1o, I e IV, e § 4o). A realização de inquérito é função que a Constituição reserva à polícia. Precedentes.
Ação julgada procedente, em parte. (STF - ADI: 1570 DF, Relator: MAURÍCIO CORRÊA, Data de Julgamento: 12/02/2004, Tribunal Pleno, Data
de Publicação: DJ 22-10-2004)
186BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Processo Penal. 2ª ed. Rio de Janeiro: Elselvier, 2014, p. 266
187BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo Penal. 2ª Ed. Rio de Janeiro: El Selvier, 2014, p. 270.
188RECURSO EM HABEAS CORPUS. DIREITO PROCESSUAL PENAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. CITAÇÃO POR EDITAL. IMPRENSA OFICIAL.
AFIXAÇÃO DO EDITAL PELO ESCRIVÃO. MERA IRREGULARIDADE. DEFICIÊNCIA DA DEFESA TÉCNICA. PRONÚNCIA. FUNDAMENTAÇÃO. PROVA
EMPRESTADA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. INOCORRÊNCIA.
1. Sendo o Fórum no qual o paciente responde ao processo regional da Comarca da Capital, é no seu órgão da imprensa oficial que deve ser
publicada a peça editalícia, não havendo falar em necessidade de publicação em periódico de circulação local.

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5.8 PROCEDIMENTO PROBATÓRIO


A prova, para cumprir a sua finalidade, deve percorrer um iter, comumente dividido em três ou
quatro fases:
• Proposição – em regra, a prova deve ser requerida pelas partes, a fim de
não se comprometer a imparcialidade do órgão judicante. Admite-se
excepcionalmente a iniciativa probatória do juiz.
• Autorização – o juiz, considerando a pertinência e a relevância da prova
proposta pela parte, autoriza a sua produção.
• Produção – momento em que a prova efetivamente é produzida e
incorporada ao processo.
• Valoração – análise judicial da prova.

5.9 MEIOS DE PROVA EM ESPÉCIE


São os instrumentos ou atividades por meio dos quais os dados probatórios são introduzidos no processo. Esses
meios de provas referem-se a uma atividade endoprocessual, que se desenvolve perante o juiz com a participação das
partes. São produzidos sob o crivo do contraditório real e perante juiz competente, que deverá também julgar o feito
(artigo 399, parágrafo 2º do CPP).

5.9.1 INTERROGATÓRIO
Anteriormente concebido principalmente como meio de prova – o acusado era simplesmente
considerado um objeto –, o interrogatório ganhou novos contornos após o advento da Lei 11.719, de
20 de junho de 2008.
A grande modificação ficou por conta do momento da sua ocorrência, postergada para o final
da produção da prova oral (art. 400), tendência iniciada na Lei 9.099/95, que cuida dos crimes de
menor potencial ofensivo. O legislador ordinário deu ênfase ao interrogatório como meio de defesa,
na medida em que, ao ser realizado no final da audiência de instrução, permite que o acusado
dimensione eficazmente a conveniência e a oportunidade em participar do ato.
Essa mudança de perspectiva já havia iniciado com as alterações promovidas pela Lei
10.792/03, que passou, por exemplo, a permitir que as partes formulassem perguntas após o juiz
(art. 188). O direito ao silêncio e à entrevista pessoal e reservada com o defensor técnico também
evidenciam a modificação de paradigma acerca da finalidade precípua do interrogatório.
Em relação ao procedimento propriamente dito, depois de devidamente qualificado e
cientificado do inteiro teor da acusação, bem como facultada a possibilidade da entrevista pessoal e
reservada com o seu defensor, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório,
do seu direito de permanecer calado e de não responder às perguntas que lhe forem formuladas,

2. A afixação da peça editalícia pelo Escrivão e, não, pelo Oficial de Justiça no átrio do Fórum constitui-se mera irregularidade, eis que a
intenção do legislador é apenas o de assegurar que o Edital seja "afixado à porta do edifício onde funcionar o juízo" (artigo 365, parágrafo
único, do Código de Processo Penal).
3. Em tema de nulidades processuais, o nosso Código de Processo Penal acolheu o princípio pas de nullité sans grief, do qual se dessume
que somente há de se declarar a nulidade do feito, quando, além de alegada opportuno tempore, reste comprovado o efetivo prejuízo dela
decorrente.
4. A validade de prova produzida em outro processo deve ser decidida pelos jurados, na sessão plenária do Tribunal do Júri, mormente se se
mostra idônea a certificar a autoria do crime.
5. Recurso improvido.
(RHC 13.664/RJ, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, SEXTA TURMA, julgado em 24/02/2005, DJ 09/05/2005, p. 475)

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ficando expressamente visível o direito ao silêncio, revogando-se a vetusta regra até então prevista
no art. 186, ainda que em desuso após a Constituição Federal de 1988.
Nos termos do art. 187, o interrogatório é constituído de duas partes, sendo a primeira
também chamada de interrogatório de identificação, na qual o réu é inquirido sobre aspectos
pessoais (§ 1º), enquanto que na segunda, conhecida como interrogatório de mérito, o denunciado é
perguntado sobre os fatos narrados na denúncia (§ 2º).
Como já foi dito, é permitida a formulação de perguntas pelas partes, ainda vigorando, nesse
específico ponto, o sistema presidencialista189. Segundo entendemos, contudo, nada impede que o
juiz permita que as partes façam as perguntas diretamente ao acusado, na linha, aliás, do modelo
preconizado pela mais recente reforma do procedimento do Tribunal do Júri (art. 474, §1º).
Havendo mais de um acusado, os interrogatórios devem ser realizados separadamente. Deve-
se, contudo, permitir a participação dos defensores técnicos dos corréus, conforme precedentes da
Primeira190 e Segunda191 Turmas do Supremo Tribunal Federal.
Os artigos 192, 193 e 195 preveem a adoção de formalidades instrumentais, conforme as
necessidades de comunicação do acusado, que abrangem desde a forma como se procede ao
interrogatório de surdo, mudo ou surdo-mudo, até a intermediação de intérprete para os réus que
não compreendam o idioma pátrio. O art. 194 foi revogado, pois não há mais utilidade, diante da
redução da maioridade civil.
O art. 196 permite a qualquer tempo que o juiz proceda a novo interrogatório de ofício ou a
pedido fundamentado de qualquer das partes, caso entenda necessário.
A tendência jurisprudencial aponta para a ocorrência de nulidade absoluta, quando ao réu não
é oportunizado o interrogatório, pois, agora com mais razão, também considerado como meio de
defesa192, ainda que não se dispense a efetiva ocorrência de prejuízo (HC 81.510, Rel. Min. Sepúlveda

189 AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSO PENAL. INTERROGATÓRIO. INDEFERIMENTO DAS PERGUNTAS DA
DEFESA. NULIDADE RELATIVA. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DO PREJUÍZO. RECURSO DESPROVIDO. 1. O art. 188 do Código de Processo
Penal não faculta à defesa técnica direcionar perguntas diretamente à Ré. Com efeito, concluído o interrogatório, o Juiz indagará das partes
se algum fato deixou de ser esclarecido, formulando o próprio magistrado as perguntas correspondentes, se o entender pertinente e
relevante. 2. A não formulação de determinadas perguntas, pelo Advogado da Ré, na audiência de interrogatório, ao contrário do que se
alega, não demonstra, por si só, a vicissitude do ato processual, pois não se pode presumir eventual prejuízo à Defesa, mormente se a lei
assegura ao interrogado o direito de permanecer perante o juízo em silêncio – princípio do nemo tenetur se detegere. 3. Inexistindo
qualquer argumento apto a afastar as razões consideradas no julgado ora agravado, deve ser a decisão mantida por seus próprios
fundamentos. 4. Agravo regimental desprovido. (AgRg no Ag 1018918/RJ, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em
20/08/2009, DJe 14/09/2009).
190EMENTA: HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE DROGAS. INDEFERIMENTO DE
REPERGUNTAS DE ADVOGADO DE UM DOS CORRÉUS AO OUTRO CORRÉU DURANTE O INTERROGATÓRIO. DECISÃO QUE VIOLA PRINCÍPIOS
CONSTITUCIONAIS. NULIDADE ABSOLUTA. PRECEDENTES. DEMONSTRAÇÃO DO PREJUÍZO SOMENTE QUANTO AO CRIME DE ASSOCIAÇÃO
PARA O TRÁFICO. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA PARA ANULAR A INSTRUÇÃO A PARTIR DO INTERROGATÓRIO. 1. A decisão que
impede que o defensor de um dos réus repergunte ao outro acusado ofende os princípios constitucionais da ampla defesa, do contraditório
e da isonomia, gerando nulidade absoluta. 2. O princípio do pas de nullité sans grief exige, sempre que possível, a demonstração de prejuízo
concreto à parte que suscita o vício, ainda que a sanção prevista seja a de nulidade absoluta do ato. Precedentes. 3. Prejuízo devidamente
demonstrado pela defesa quanto à imputação pelo crime de associação para o tráfico. Ausência de prejuízo com relação ao crime de tráfico
de drogas. 4. Ordem parcialmente concedida para anular a instrução a partir do interrogatório quanto ao crime de associação para o tráfico
de drogas. (HC 101648, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, julgado em 11/05/2010, DJe-026 DIVULG 08-02-2011 PUBLIC 09-
02-2011 EMENT VOL-02460-02 PP-00264 RT v. 100, n. 908, 2011, p. 460-469 LEXSTF v. 33, n. 387, 2011, p. 370-381).
191 EMENTA: HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. INTERROGATÓRIO DE LITISCONSORTE PASSIVO. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DA DEFESA.
CONSTRANGIMENTO ILEGAL. 1. A certificação de que uma das defensoras da paciente teria manuseado os autos em data anterior à da
realização do interrogatório do corréu não supre a falta de intimação para o ato. 2. A ausência de intimação da defesa para o interrogatório
de litisconsorte passivo traduz constrangimento ilegal sanável em habeas corpus por violar o direito da defesa de formular reperguntas aos
corréus. Precedentes. Ordem concedida a fim de anular o interrogatório do corréu Luis Carlos Szymonowicz e determinar que outro se
realize com observância da prévia intimação da defesa da paciente. Ordem estendida, de ofício, aos demais corréus. (HC 93607, Relator(a):
Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 04/05/2010, DJe-105 DIVULG 10-06-2010 PUBLIC 11-06-2010 EMENT VOL-02405-02 PP-
00448).
192DIREITO PROCESSUAL PENAL. CITAÇÃO EDITALÍCIA. IRREGULARIDADE. COMPARECIMENTO ESPONTÂNEO DO RÉU. VÍCIO SANADO.
AUSÊNCIA DE INTERROGATÓRIO. INVALIDADE DO PROCESSO. APROVEITAMENTO DOS ATOS INSTRUTÓRIOS. POSSIBILIDADE. I - Eventual
irregularidade na citação editalícia é sanada pelo comparecimento espontâneo do réu ao processo, incidindo o princípio "pas de nullité sans
grief", consagrado pelo art. 563, do Código de Processo Penal. II - Em que pese ao Enunciado nº 523 da Súmula do Supremo Tribunal
Federal, que estabelece que “No processo penal, a falta de defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver

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Pertence, 1ª Turma, unânime, DJ de 12/4/2002). Não ocorre, porém, se o réu opta por não participar
do ato, da mesma forma quando se opera a preclusão quanto à oportunidade de alegação da
nulidade193.
O advento da Lei 11.719/08 não acarretou a realização de novos interrogatórios, ao final da
audiência de instrução, em todos os processos em curso. Tratando-se de norma processual, a sua
aplicação deve considerar o estado em que a marcha procedimental se encontra, não havendo
direito subjetivo à repetição de ato regularmente realizado na vigência da lei anterior (art. 2º)194.
A Lei 11.900/09, que acrescentou parágrafos ao art. 185, possibilitou excepcionalmente a
realização de interrogatório por videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de
sons e imagens em tempo real, desde que a medida seja necessária para atender a uma das
seguintes finalidades:

I - prevenir risco à segurança pública, quando exista fundada suspeita de que o preso integre
organização criminosa ou de que, por outra razão, possa fugir durante o deslocamento;

II - viabilizar a participação do réu no referido ato processual, quando haja relevante


dificuldade para seu comparecimento em juízo, por enfermidade ou outra circunstância
pessoal;

III - impedir a influência do réu no ânimo de testemunha ou da vítima, desde que não seja
possível colher o depoimento destas por videoconferência, nos termos do art. 217 deste
Código;

IV - responder à gravíssima questão de ordem pública.

O Supremo Tribunal Federal já se pronunciou sobre a nulidade decorrente de realização de


interrogatório realizado por videoconferência, com base em lei estadual paulista, por ofensa ao art.
22, I da CF195.

prova de prejuízo para o réu”, entendimento esse corroborado, inclusive, pelo Superior Tribunal de Justiça, a ausência do interrogatório
acarreta indiscutível prejuízo ao exercício de defesa do réu, dado o seu caráter indispensável, sendo certo que a não realização do referido
ato importa violação direta à garantia constitucional da ampla defesa, consectária do princípio maior do devido processo legal, além de
configurar verdadeiro cerceamento de defesa, impondo-se a invalidação do processo, sem, contudo, fulminar a instrução já realizada. III -
Recurso provido, para anular a sentença, devendo os autos retornar à vara de origem para realização do ato de interrogatório, sem prejuízo
dos demais atos instrutórios, que deverão permanecer incólumes, cabendo, se for o caso, a abertura de novo prazo para alegações finais às
partes. (ACR 199451010391297, Desembargador Federal ANDRÉ FONTES, TRF2 - SEGUNDA TURMA ESPECIALIZADA, DJU - Data:18/11/2008 -
Página:85.).
193 EMENTA HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA. INOBSERVÂNCIA DE PRAZO RAZOÁVEL
ENTRE A CITAÇÃO E O INTERROGATÓRIO DO RÉU. NULIDADE INEXISTENTE. ORDEM DENEGADA. 1 – Não existe violação ao princípio da
ampla defesa em razão da realização de interrogatório do réu antes do prazo de 48 horas, contado da citação, que o Tribunal a quo reputou
necessário à elaboração de estratégia de defesa pelo réu. Precedente. (HC nº 69.350/SP, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 26/3/93). 2 –
Assegurado ao paciente o direito à entrevista prévia e reservada com seu advogado (CPP, art. 185, § 2º) e não tendo havido qualquer
manifestação de inconformismo visando à redesignação do ato pela defesa, consumou-se preclusão sobre o tema (CPP, art. 571, inciso II).
Precedente. 3 – Ausência, ademais, de demonstração de prejuízo à defesa decorrente da realização do interrogatório, no qual o réu negou a
autoria do fato, o que enseja o não reconhecimento da invocada nulidade (CPP, art. 563). 4 – Ordem denegada. (HC 101455, Relator(a):
Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 31/08/2010, DJe-224 DIVULG 22-11-2010 PUBLIC 23-11-2010 EMENT VOL-02436-01 PP-
00036 RTJ VOL-00219- PP-00480).
194 EMENTA: PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. LEI 11.719/2008 QUE DEU NOVA REDAÇÃO AO ART. 400 DO CÓDIGO DE PROCESSO
PENAL. NOVO INTERROGATÓRIO. REALIZAÇÃO. PRETENSÃO. DESCABIMENTO. NULIDADE. ALEGAÇÃO. PREJUÍZO. INEXISTÊNCIA. ORDEM
DENEGADA. I - O interrogatório do paciente ocorreu em data anterior à publicação da Lei 11.719/2008, o que, pela aplicação do princípio do
tempus regit actum, exclui a obrigatoriedade de renovação do ato validamente praticado sob a vigência de lei anterior. II - Esta Corte já
firmou entendimento no sentido de que não se declara a nulidade de ato processual se a alegação não vier acompanhada da prova do
efetivo prejuízo sofrido pelo réu. Precedentes. III - Ordem denegada. (HC 104555, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira
Turma, julgado em 28/09/2010, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-194 DIVULG 14-10-2010 PUBLIC 15-10-2010).
195 EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. MATÉRIA CRIMINAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO.
INTEMPESTIVIDADE. INTERROGATÓRIO REALIZADO POR VÍDEOCONFERÊNCIA. LEI PAULISTA 11.819/2005. INCONSTITUCIONALIDADE
FORMAL JÁ RECONHECIDA POR ESTA CORTE. HABEAS CORPUS CONCEDIDO DE OFÍCIO. PRECEDENTES. [...] No julgamento do HC 90.900, rel.
para o acórdão min. Menezes Direito, o Plenário do Supremo Tribunal Federal assentou, por maioria, a inconstitucionalidade formal da Lei
11.819/2005, do Estado de São Paulo, por entender que tal diploma legal ofende o art. 22, I, da Constituição Federal, na medida em que

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5.9.2 CONFISSÃO
Ocorre a confissão quando o acusado reconhece a veracidade do fato contra si narrado, não
abrangendo necessariamente a repercussão jurídica ou o pedido formulado pelo autor da ação
penal, tal como o reconhecimento jurídico do pedido, figura existente no processo civil.
Como meio de prova, a confissão é um importante instrumento, mas não o único. Não basta
em si. Segundo dispõe o art. 197, o valor da confissão se aferirá pelos critérios adotados para os
outros elementos de prova, e para a sua apreciação o juiz deverá confrontá-la com as demais provas
do processo, verificando se entre ela e estas existe compatibilidade ou concordância. A cautela é
importante, a fim de evitar, por exemplo, a autoacusação falsa, que não é rara em infrações penais
praticadas por organizações criminosas.
Conforme entendia a jurisprudência, a confissão do indiciado na fase pré-processual não era
suficiente para, por si só, sustentar um decreto condenatório, porque não há contraditório no
inquérito policial. Esse entendimento levou o legislador a exigir a ratificação em juízo para que a
confissão seja válida como prova (art. 155).
A confissão pode ser efetivada até mesmo em outro momento que não o do interrogatório,
bastando que tal ato seja materializado por termo nos autos (art. 199).
Segundo dispõe o art. 200, a confissão será divisível e retratável, sem prejuízo do livre
convencimento do juiz, fundado no exame das provas em conjunto.
Por fim, o art. 198 não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988.

5.9.3 PERGUNTAS AO OFENDIDO


O Código de Processo Penal, no Capítulo V, tratou separadamente das perguntas ao ofendido
(art. 201). O tratamento dispensado se justifica, principalmente porque a vítima não presta
compromisso, não podendo ser considerada como testemunha.
A Lei 11.690/08 inovou inteiramente o capítulo, prevendo novas medidas a serem tomadas em
favor do ofendido, em sintonia, aliás, com a moderna tendência do direito processual penal, que é a
de conferir mais atenção à vítima da infração penal.
O caput e o § 1° do art. 201 não sofreram modificações em relação à redação original.
Estatuem que, sempre que possível, o ofendido será qualificado e perguntado sobre as circunstâncias
da infração, quem seja ou presuma ser o seu autor, as provas que possa indicar, tomando-se por
termo as suas declarações e que, se, intimado para esse fim, deixar de comparecer sem motivo justo,
o ofendido poderá ser conduzido à presença da autoridade.
A possibilidade de condução coercitiva permanece e decorre basicamente do dever de prestar
esclarecimentos, não incidindo em favor da vítima o direito ao silêncio, exceto se, sob determinado
aspecto do caso concreto, houver risco de ofensa ao princípio da não autoincriminação.
Na realidade, a vítima tem direito a um tratamento diferenciado em relação às testemunhas,
em razão dos constrangimentos que pode sofrer. Tanto é assim que o legislador foi sensível ao
determinar que o juiz tomará as providências necessárias à preservação da intimidade, vida privada,
honra e imagem do ofendido, podendo, inclusive, determinar o segredo de justiça em relação aos
dados, depoimentos e outras informações constantes dos autos a seu respeito para evitar sua
exposição aos meios de comunicação (§ 6º). Também estabeleceu que o ofendido poderá ser

disciplina matéria eminentemente processual. Ordem concedida, de ofício, para decretar a nulidade do interrogatório realizado por meio de
sistema de videoconferência, com base na Lei paulista 11.819/2005, e dos atos a ele subsequentes, à exceção das oitivas das testemunhas.
Agravo regimental a que se nega provimento. Concessão de habeas corpus de ofício. (AI 820070 AgR, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA,
Segunda Turma, julgado em 07/12/2010, DJe-020 DIVULG 31-01-2011 PUBLIC 01-02-2011 EMENT VOL-02454-15 PP-03846 LEXSTF v. 33, n.
386, 2011, p. 211-217).

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comunicado de determinados atos processuais (§2º), inclusive por meio eletrônico (§3º), além do
direito ao encaminhamento para atendimento multidisciplinar (§5º).
5.9.4 PROVA TESTEMUNHAL
A prova testemunhal é o meio de prova mais usado no cotidiano forense. A sua utilização em
larga escala decorre, entre outros motivos, da ineficiência do Estado em produzir provas técnicas
consistentes196.
O legislador não exige qualquer requisito subjetivo para que uma pessoa possa ser
testemunha. Menores, incapazes e até mesmo crianças têm aptidão para serem ouvidos em juízo,
não sendo necessária a capacidade civil para a prática do ato (art. 202). Caberá ao juiz valorar a
idoneidade da prova. Essa ausência de restrição decorre justamente do interesse público envolvido
nas demandas penais, não sendo conveniente que a lei delimite a priori o rol de pessoas que possam
colaborar com a reconstrução histórica do fato.
A partir do momento em que toda a pessoa possa servir como testemunha, surge então o
dever geral de prestar depoimento. Cuida-se de regra contida na primeira parte do art. 206.
Excepcionam-se somente as hipóteses em que a própria lei dispensa, ou até mesmo proíbe o
testemunho, que serão vistas a seguir.
O ascendente ou descendente, o afim em linha reta, o cônjuge, ainda que separado ou
divorciado, o irmão e o pai, a mãe, ou o filho adotivo do acusado estão dispensados do dever de
depor. A regra é motivada pelo intenso envolvimento emocional que essas pessoas mantêm com o
denunciado, não se podendo delas exigir outra postura. Somente quando não for possível obter a
prova do fato e de suas circunstâncias, é que o dever de depor permanece íntegro (art. 206, parte
final).
Além dos casos de dispensa, o art. 207 proíbe as pessoas que, em razão de função, ministério,
ofício ou profissão, devam guardar segredo, salvo se, desobrigadas pela parte interessada, quiserem
dar o seu testemunho. O impedimento para depor não decorre do afeto, como nos casos de
dispensa, mas sim em razão do dever de segredo. Este, por sua vez, normalmente decorre de lei ou
de contrato. Entre os exemplos mais comuns de dever de sigilo, citamos a relação advogado/cliente e
o liame médico/paciente.
O dever de depor é acompanhado de perto pelo dever de dizer a verdade. O compromisso está
previsto no art. 203, determinando a lei que a testemunha fará, sob palavra de honra, a promessa de
dizer a verdade do que souber e lhe for perguntado [...]. As pessoas com doença ou deficiência
mental estão dispensadas do compromisso, assim como as pessoas a que se refere o art. 206, nos
termos do art. 208.
A testemunha que não cumpre o dever de dizer a verdade comete o crime de falso
testemunho, previsto no art. 342 do Código Penal. Mesmo que o juiz tenha esquecido, no caso
concreto, de colher o compromisso da testemunha, o dever de dizer a verdade permanece incólume,
porque decorre da lei197.
O art. 209 trata das testemunhas do juízo (caput) e das testemunhas referidas (§ 1º).

196 Essa ineficiência tem relação direta com a impunidade, já que o testemunho, como resultado de percepções humanas armazenadas no
cérebro, está sujeito a falhas, que são potencializadas pelo decurso do tempo. Como bem lembrado por Pacelli, “a verdade da razão é
apenas a representação que o homem tem e faz da realidade que apreende diuturnamente”. (OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de
Processo Penal. 16. ed. atual. São Paulo: Atlas, 2012,p. 404).
197PENAL. PROCESSUAL. FALSO TESTEMUNHO. IRRELEVÂNCIA QUANTO AO RESULTADO DO PROCESSO PRINCIPAL E DA FORMALIDADE DO
COMPROMISSO. DELITO NÃO CARACTERIZADO POR OUTRO FUNDAMENTO. 1. A caracterização do crime de falso não está condicionada à
decisão judicial condenatória no processo principal em que se verificou. Precedentes do STJ. 2. É irrelevante a formalidade do compromisso
para a caracterização do crime de falso testemunho. Precedentes do STF. 3. Nos termos de recente precedente do STF, o crime de falso
testemunho não se configura quando com a declaração da verdade o depoente assume o risco de ser incriminado. (HC n.º 73.035/DF, in DJ
de 19.12.96, p. 51.766). 4. Habeas corpus concedido para trancar a ação penal. (HC 20.924/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA,
julgado em 11/03/2003, DJ 07/04/2003, p. 302).

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Em relação ao procedimento propriamente dito, o código exige que, antes do início da
audiência, devam ser adotadas as providências necessárias para a garantia da incomunicabilidade
das testemunhas, mantendo-as em locais ou compartimentos distintos (art. 210, parágrafo único, do
CPP).
Antes ainda de iniciado o depoimento, surge a oportunidade para que a testemunha seja
contraditada, expondo as partes os argumentos que a tornem suspeita de parcialidade ou indigna de
fé. Não havendo procedimento específico no CPP para a solução do incidente, aplica-se
subsidiariamente o Código de Processo Civil.
Colhido ou não compromisso, o depoimento será prestado oralmente, não sendo permitido à
testemunha trazê-lo por escrito, sendo aceita apenas breve consulta a apontamentos. Os
depoimentos são colhidos separadamente, observando-se a regra da incomunicabilidade (art. 210).
A Lei 11.690/08 trouxe modificação substancial no procedimento de inquirição das
testemunhas, abandonando-se o sistema presidencialista e, com isso, aproximando-se do sistema
acusatório, na medida em que o juiz se mantém mais “afastado” da iniciativa probatória.
Segundo dispõe o art. 212, as perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à
testemunha, cabendo ao juiz a fiscalização do ato, a fim de que sejam evitadas as perguntas que
possam induzir a resposta, as que não tiverem relação com a causa ou as que importarem na
repetição de outra já respondida. Quanto aos pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a
inquirição198.
A não observância da regra prevista no art. 212 não tem ocasionado por si só a nulidade do
ato. O Supremo Tribunal Federal tem exigido a ocorrência de prejuízo199. Em acórdão mais recente, a
Suprema Corte afirmou tratar-se de mera irregularidade, não cabendo igualmente a alegação de
nulidade200. Há ainda o registro de decisão no sentido de que ao juiz não foi retirada a possibilidade
de fazer perguntas às partes em primeiro lugar201.
Com a gradativa adoção do sistema audiovisual de gravação de audiências (art. 405 do CPP), as
regras contidas nos artigos 215 e 216 estão caindo em desuso. Isso se explica não somente pela

198 No procedimento do júri, entretanto, manteve-se o sistema presidencialista (art. 473).


199 EMENTA: HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. INVERSÃO NA ORDEM DE PERGUNTAS ÀS TESTEMUNHAS.
PERGUNTAS FEITAS PRIMEIRAMENTE PELA MAGISTRADA, QUE, SOMENTE DEPOIS, PERMITIU QUE AS PARTES INQUIRISSEM AS TESTEMUNHAS. NULIDADE
RELATIVA. NÃO ARGUIÇÃO NO MOMENTO OPORTUNO. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. ORDEM DENEGADA. 1. A magistrada que não observa o
procedimento legal referente à oitiva das testemunhas durante a audiência de instrução e julgamento, fazendo suas perguntas em primeiro lugar para,
somente depois, permitir que as partes inquiram as testemunhas, incorre em vício sujeito à sanção de nulidade relativa, que deve ser arguido
oportunamente, ou seja, na fase das alegações finais, o que não ocorreu. 2. O princípio do pas de nullité sans grief exige, sempre que possível, a
demonstração de prejuízo concreto pela parte que suscita o vício. Precedentes. Prejuízo não demonstrado pela defesa. 3. Ordem denegada. (HC 103525,
Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, julgado em 03/08/2010, DJe-159 DIVULG 26-08-2010 PUBLIC 27-08-2010 EMENT VOL-02412-03 PP-
00625).
200EMENTA HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHA. ART. 212 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL COM AS
ALTERAÇÕES DA LEI 11.690/2008. ADOÇÃO DO SISTEMA PRESIDENCIALISTA. PERGUNTAS INICIADAS E INTERMEDIADAS PELO JUIZ.
IRREGULARIDADE. PREJUÍZO NÃO COMPROVADO. ORDEM DENEGADA. O art. 212 do Código de Processo Penal, com a redação dada pela
Lei nº 11.690/2008, inaugurou nova sistemática para o exame das testemunhas, sendo a inquirição inaugurada pelas partes e
complementada pelo juiz, franqueando-se ainda às partes a realização de perguntas diretamente. Do fato de o juiz ter perguntado primeiro
e não ao final não decorre prejuízo às partes, ao contrário, da irregularidade, provém vantagem processual para a parte que pergunta por
último, o que, em tese, lhe é mais favorável. Do fato de o juiz ter intermediado as perguntas das partes, decorre mero prejuízo à dinâmica
da audiência. O prejuízo à celeridade não é suficiente para justificar a pronúncia de nulidade. O princípio maior que rege a matéria é de que
não se decreta nulidade sem prejuízo, conforme o art. 563 do Código de Processo Penal. Não se prestigia a forma pela forma, com o que se,
da irregularidade formal, não deflui prejuízo, o ato deve ser preservado. Habeas corpus denegado. (HC 112446, Relator(a): Min. ROSA
WEBER, Primeira Turma, julgado em 08/05/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-107 DIVULG 31-05-2012 PUBLIC 01-06-2012 RT v. 101, n. 926,
2012, p. 772-777).
201 JUÍZO – PARCIALIDADE – DECISÕES CONTRÁRIAS AOS INTERESSES DA PARTE – NEUTRALIDADE. A parcialidade do Juízo há de ser demonstrada, sendo
elemento neutro o fato de haver implementado decisões contrárias à parte. TESTEMUNHAS – AUDIÇÃO – PERGUNTAS – ORDEM. O disposto no artigo 212
do Código de Processo Penal não obstaculiza a possibilidade de, antes da formalização das perguntas pelas partes, dirigir-se o juiz às testemunhas, fazendo
indagações. SENTENÇA DE PRONÚNCIA – NATUREZA – TERMOS. A pronúncia faz-se mediante decisão interlocutória, cabendo ao Juízo fundamentar a
submissão do acusado ao Tribunal do Júri. (HC 105538, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 10/04/2012, PROCESSO
ELETRÔNICO DJe-083 DIVULG 27-04-2012 PUBLIC 30-04-2012).

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fidelidade que a captação digital proporciona, mas também pelo ganho em celeridade, já que a
duração da audiência é sensivelmente reduzida.
O juiz, autoridade que preside o processo, tem o poder jurídico de determinar a condução
coercitiva de testemunha faltosa (art. 218); a retirada do réu da sala de audiências, quando a sua
presença puder causar humilhação, temor, ou sério constrangimento à testemunha ou ao ofendido,
desde que não seja possível a utilização do recurso da videoconferência (art. 217); o
encaminhamento dos autos à autoridade policial, para fins de instauração de inquérito policial (art.
211 do CPP), regra semelhante à prevista no art. 40 do CPP, em caso de falso testemunho.
Em regra, a colheita da prova testemunhal dá-se na sala de audiências, em uma única
oportunidade. Porém, as pessoas impossibilitadas, por enfermidade ou por velhice, de comparecer
para depor, serão inquiridas onde estiverem (art. 220).
Determinadas autoridades possuem a prerrogativa de serem ouvidas em local, dia e hora
previamente ajustados entre elas e o juiz (art. 221), a fim de que não haja prejuízo para o exercício
de suas funções, sendo ainda possível, no caso do Presidente e do Vice-Presidente da República, dos
presidentes do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e do Supremo Tribunal Federal, a
prestação de depoimento por escrito.
Os militares devem ser requisitados à autoridade superior (§ 2º do art. 221), enquanto que os
funcionários públicos são intimados normalmente por mandado, mas com comunicação à chefia
imediata, com informação sobre o dia e hora marcados (§ 3º).
O art. 222 cuida das cartas precatórias, para fins de inquirição de testemunhas que não
residam na circunscrição territorial abrangida pela competência do juízo. Não há suspensão da
instrução criminal, devendo a carta ser juntada no estado em que se encontrar o procedimento,
inclusive em grau de recurso, se for o caso. A única cautela que se exige do juiz é a fixação de prazo
razoável para cumprimento da carta, procedendo-se ao julgamento somente após o exaurimento do
lapso.
A Lei 11.900/09 incluiu o art. 222-A, que trata especificamente das cartas rogatórias, exigindo-
se da parte requerente a demonstração prévia da sua imprescindibilidade, bem como o pagamento
das despesas de envio, salvo se não puder arcar com os custos da diligência, caso em que o juiz
dispensará o pagamento.
Por fim, o art. 225 permite cautelarmente a produção antecipada da prova testemunhal.

5.9.5 RECONHECIMENTO DE PESSOAS


O reconhecimento de pessoas e coisas está previsto a partir do art. 226 do CPP, tratando-se de
mero procedimento destinado a individualizá-las, podendo ser sigiloso na hipótese do inciso III, ou
seja, quando houver razão para recear que a pessoa chamada para o reconhecimento, por efeito de
intimidação ou outra influência, não diga a verdade em face da pessoa que deva ser reconhecida.
Nesse caso, deve-se realizar perante a autoridade policial, devendo esta adotar as providências
necessárias para que a pessoa a ser reconhecida não tenha contato visual com a pessoa que irá
reconhecê-la.
O reconhecimento fotográfico deve ser admitido com cautela, excepcionalmente, mesmo
assim quando em sintonia com outras provas. Normalmente, ocorre o reconhecimento por fotografia
no inquérito policial, sendo posteriormente corroborado em juízo202.

202HABEAS CORPUS. PACIENTE CONDENADO POR ROUBO CIRCUNSTANCIADO (USO DE ARMA E CONCURSO DE PESSOAS). PENA: 5 ANOS E
4 MESES DE RECLUSÃO, EM REGIME INICIAL SEMI-ABERTO. RECONHECIMENTO DO ACUSADO FEITO NA FASE INQUISITORIAL POR MEIO DE
FOTOGRAFIA. CONFIRMAÇÃO EM JUÍZO. OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DAS FORMALIDADES LEGAIS. INEXISTÊNCIA DE

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5.9.6 ACAREAÇÃO
A acareação tem por finalidade o esclarecimento de contradições surgidas a partir de
depoimentos prestados por testemunhas entre si, ou também relação às respostas prestadas pelo
ofendido, e até mesmo entre vítimas. Em suma, serve para eliminar incoerências encontradas na
prova oral. A prática forense, entretanto, tem demonstrado que a utilidade desse procedimento é
reduzida.
Apesar de a lei em tese possibilitar a acareação com o próprio acusado, ou entre réus, trata-se
de evidente equívoco, porque o denunciado não tem compromisso com a verdade, sendo-lhe
resguardado o direito constitucional ao silêncio. Qualquer procedimento nesse sentido, então, não
passaria de mero constrangimento ou intimidação.

5.9.7 DOCUMENTOS
O código, seguindo a mesma linha de permitir, ao máximo, a efetiva reconstrução histórica dos
fatos, autoriza a apresentação de documentos em qualquer fase do processo, salvo quando houver
vedação expressa (art. 231 do CPP), como ocorre no procedimento do Tribunal do Júri, que exige a
apresentação do documento com antecedência mínima de três dias antes da sessão de julgamento
(art. 479 do CPP). O parágrafo único deste mesmo artigo também proíbe expressamente a leitura de
jornais ou qualquer outro escrito, bem como a exibição de vídeos, gravações, fotografias, laudos,
quadros, croqui ou qualquer outro meio assemelhado, cujo conteúdo versar sobre a matéria de fato
submetida à apreciação e julgamento dos jurados.
O art. 232 do CPP traz definição ampla de documento, ou seja, considera-se qualquer escrito,
instrumento ou papel, público ou particular, sendo admissível a apresentação de cópias autenticadas
de documentos originais, preservando-se a sua eficácia probatória.
As declarações escritas provam apenas e tão somente a declaração, ainda que feitas perante
oficial com fé pública, mas não o fato declarado (art. 368 do CPC, analogicamente). Não se considera
como prova oral, por não terem sido produzidas em ambiente dialético.
Essas declarações, todavia, têm sido admitidas em juízo nas hipóteses em que se destinam a
atestar os bons antecedentes do acusado. Mais do que a eficácia probatória de tais documentos, na
realidade os magistrados as tem aceitado como medida de economia processual, a fim de se evitar
testemunho apenas para essa finalidade.
A medida, de certa forma, seria até desnecessária, pois o ônus pesa sobre a acusação. O réu
não precisa provar que tem bons antecedentes, ou, ainda, conduta social adequada. Cabe ao autor
da ação penal demonstrar o contrário.

CONSTRANGIMENTO ILEGAL. NULIDADE RELATIVA. PREJUÍZO NÃO CONFIGURADO. ORDEM DENEGADA. 1. A inobservância ao art. 226 do
CPP constitui nulidade relativa, sendo necessária, portanto, a efetiva demonstração de prejuízo, o que não aconteceu no caso sub judice. 2.
O reconhecimento fotográfico, se acompanhado de outras provas, justifica o regular processamento da ação penal e pode servir de
elemento de convicção do Juiz. Precedentes. 3. Eventual irregularidade cometida na fase inquisitorial restou sanada em juízo, porquanto o
Magistrado realizou novamente o reconhecimento pessoal do acusado sob o crivo do contraditório e das demais formalidades legais.
Precedentes do STF e do STJ. 4. Ademais, as provas de autoria e materialidade da infração advieram não apenas do reconhecimento
fotográfico do paciente, mas também de vasto conjunto probatório que serviu como elemento de convicção para o Magistrado a fim de
concluir pela condenação. 5. O MPF manifesta-se pelo não conhecimento do writ. 6. Ordem denegada. (HC 103.239/DF, Rel. Ministro
NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 26/06/2008, DJe 04/08/2008).

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Quando o documento não estiver escrito em idioma nacional, deve-se providenciar a tradução,
nos termos do art. 236 do CPP, salvo se no caso concreto se verificar que não haverá prejuízo para o
acusado, quando, por exemplo, este domine a língua estrangeira203.
Permite-se que o juiz determine a juntada de determinado documento aos autos, se
considerado importante para o julgamento da causa. Essa iniciativa probatória, no entanto, deve ser
utilizada com cautela, em razão do sistema acusatório, exigindo-se uma adequada releitura do art.
234 do CPP.

5.9.8 PROVA PERICIAL


Considerando que o ordenamento contempla o sistema do livre convencimento motivado, não
parece correto sustentar que a prova pericial seja superior aos demais meios de prova. Na realidade,
a prova técnica é relevante para elucidar questões para as quais se exija conhecimento técnico
especializado. Se o que se pretende provar puder ser demonstrado por outro meio, não haverá
hierarquia ou prevalência da prova pericial. Pode-se aplicar a regra do art. 182 do CPP, semelhante à
norma contida no art. 436 do CPC.
O Código de Processo Penal, porém, estabeleceu algumas situações em que a prova técnica
mostra-se imprescindível, a exemplo do art. 158 do CPP, o qual determina que, quando a infração
deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo
supri-lo a confissão do acusado, sob pena de nulidade (art. 564, III, b, do CPP). Caso os vestígios
tenham desaparecido, é possível a prova testemunhal, que não se confunde com o exame de corpo
de delito indireto (art. 167 do CPP).
A propósito do exame de corpo de delito e de outras perícias, a redação original do art. 159 do
CPP previa a elaboração do laudo por peritos oficiais, tendo o STJ, porém, permitido à época a
subscrição do documento por apenas um profissional oficial204, a despeito do Enunciado 361 da
Súmula de Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal205. Após o advento da Lei 8.862/94, ficou
mais clara a exigência de dois peritos em qualquer caso, e não apenas na ausência de perito oficial. A
nulidade, entretanto, era relativa206.

203PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSOS ESPECIAIS. CORRUPÇÃO ATIVA E PASSIVA. PECULATO-DESVIO. ESTELIONATO CONTRA ENTE
PÚBLICO. FALSIDADE IDEOLÓGICA. USO DE DOCUMENTO FALSO. FORMAÇÃO DE QUADRILHA. VIOLAÇÃO DO ART. 619 DO CPP. NÃO
OCORRÊNCIA. PROVA PERICIAL. INDEFERIMENTO. POSSIBILIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA QUE NÃO SE VERIFICA NA HIPÓTESE. QUEBRA
DE SIGILO BANCÁRIO. AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. LEGALIDADE. IMPEDIMENTO DA TURMA JULGADORA A QUO POR PRÉ-JULGAMENTO DA
DEMANDA. NÃO OCORRÊNCIA. SUSPENSÃO DO FEITO. DESNECESSIDADE. CONEXÃO E CONTINÊNCIA. NÃO CONFIGURAÇÃO. AUSÊNCIA DE
OBRIGATORIEDADE DE TRADUÇÃO OFICIAL DE TODOS OS DOCUMENTOS ACOSTADOS AOS AUTOS. PREJUÍZO À DEFESA NÃO
DEMONSTRADO. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 236 DO CPP. TIPIFICAÇÃO DAS CONDUTAS IMPUTADAS AOS RÉUS. REEXAME DO ACERVO
PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 07/STJ. DOSIMETRIA DA PENA. ART. 59 DO CP. OBSERVÂNCIA. REEXAME DA QUESTÃO.
IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 07/STJ. RECURSOS DESPROVIDOS. [...] XII. A norma inserta no art. 236 do CPP não impõe que sejam
necessariamente traduzidos os documentos em língua estrangeira, autorizando a juntada dos mesmos, mesmo sem tradução, se a crivo do
julgador esta se revele desnecessária, ressalvando-se, obviamente, que tal medida não pode cercear a defesa dos acusados. [...] (REsp
1183134/SP, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), Rel. p/ Acórdão Ministro GILSON DIPP,
SEXTA TURMA, julgado em 21/06/2012, DJe 29/06/2012).
204 RECURSO DE "HABEAS CORPUS". EXAME APROFUNDADO DE PROVAS. LAUDO PERICIAL SUBSCRITO POR UM SÓ "EXPERT". SÚMULA Nº
361-STF. I - A análise de prova, no âmbito do "habeas corpus", só e possível quando absolutamente extreme de dúvidas e inteiramente
inequívoca. Se a matéria for de prova duvidosa ou controvertida, inviável o remédio heroico. II - Não é nulo o laudo pericial realizado por
um só perito oficial, sendo inaplicável a Súmula n.º 361 - STF. III - Recurso improvido. (RHC 2189/SC, Rel. Ministro Pedro Acioli, Sexta Turma,
julgado em 13/10/1992, DJ 21/06/1993, p. 12379).
205 “No processo penal, é nulo o exame realizado por um só perito, considerando-se impedido o que tiver funcionado, anteriormente, na
diligência de apreensão”.
206PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO DE HABEAS CORPUS. ESTUPRO. EXAME PERICIAL. PERITO NÃO OFICIAL. LAUDO ASSINADO
POR UM MÉDICO. NULIDADE RELATIVA. MATÉRIA NÃO APRECIADA NO TRIBUNAL DE ORIGEM. I – O fato do exame de corpo de delito ser
subscrito por apenas um perito oficial, conquanto caracterize nulidade, à luz do disposto no art. 159, § 1º, do CPP, é vício de natureza
relativa, que pressupõe a alegação no momento oportuno, bem como a verificação de prejuízo para a parte, sendo que este não houve no
caso. II – Impossibilidade de se apreciar o recurso no ponto em que se afirma que ainda não houve contra-razões à apelação da defesa,
porquanto esse tópico não fazia parte do pedido inicial, sendo introduzido apenas nas razões do apelo. Recurso conhecido em parte e,
nessa parte, desprovido. (RHC 11.278/MG, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 19/06/2001, DJ 20/08/2001, p. 494).

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A redação atual, conferida pela Lei 11.690/08, reduziu para um perito oficial, portador de
diploma superior. Na falta de perito oficial, o exame deve ser realizado por duas pessoas idôneas,
portadoras de diploma de curso superior preferencialmente na área específica, dentre as que
tiverem habilitação técnica relacionada com a natureza do exame. Quando a perícia for mais
complexa, que abranja mais de uma área de conhecimento, pode-se determinar a sua realização por
mais de um perito (§ 7º do art. 159 do CPP).
A maior alteração ficou por conta do procedimento envolvendo a produção da prova pericial
em juízo, aproximando-se da prevista no CPC, implantando-se o contraditório na fase judicial,
inclusive com a possibilidade de participação de assistentes técnicos indicados pelas partes.
O contraditório diferido nem sempre será eficaz, pois, em muitos casos, a prova não poderá
ser repetida, em virtude do perecimento do objeto ou pela alteração do estado das coisas. Do
contrário, deve-se permitir a repetição da prova pericial, sob o manto do contraditório (art. 155 do
CPP).
Com relação às demais perícias, o CPP prevê a realização de autópsia (art. 162), inclusive
quando antecedida de exumação (art. 163); de local de crime (art. 169); perícias de laboratório (art.
170); para a análise de rompimento de obstáculo à subtração de coisa, ou por meio de escalada (art.
171); para aferir a gravidade de lesões através de laudo complementar, a ser realizada no prazo de
trinta dias a contar do fato (§ 2º do art. 168); para os casos de incêndio (art. 173); para os casos de
reconhecimento de escritos (art. 174); dos instrumentos do crime (art. 175).

5.9.9 INDÍCIOS E PRESUNÇÕES


O Código de Processo Penal dedica um único dispositivo ao indício. Segundo o art. 239,
considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize,
por indução, concluir-se pela existência de outra ou outras circunstâncias. A definição encontra
crítica de parte da doutrina, porque a operação ali definida não seria propriamente de indução, mas
de dedução, isto é, decorrente de um processo lógico-dedutivo207.
Abstraindo-se a discussão conceitual, não há dúvidas de que o fato indiciante deva ser
devidamente comprovado. A partir dele, através do processo crítico, chega-se à conclusão da
existência do fato indiciado.
Talvez a grande controvérsia envolva a eficácia dos indícios como meio de prova. A
jurisprudência, em algumas situações, tem considerado ser possível que os indícios possam sustentar
uma condenação, afastando-se o princípio do in dubio pro reo208.

207“Na verdade, o indício mencionado no art. 239 do CPP não chega a ser propriamente um meio de prova. Trata-se, antes disso, da
utilização de um raciocínio dedutivo, para, a partir da valoração da prova de um fato ou de uma circunstância, chegar-se à conclusão da
existência de um outro ou de uma outra”. (OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 16. ed. atual. São Paulo: Atlas, 2012,p.
430).
208 Ementa: HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. PRESUNÇÃO HOMINIS. POSSIBILIDADE. INDÍCIOS. APTIDÃO PARA LASTREAR DECRETO
CONDENATÓRIO. SISTEMA DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO. REAPRECIAÇÃO DE PROVAS. DESCABIMENTO NA VIA ELEITA. ELEVADA
QUANTIDADE DE DROGA APREENDIDA. CIRCUNSTÂNCIA APTA A AFASTAR A MINORANTE PREVISTA NO ART. 33, § 4º, DA LEI Nº 11.343/06,
ANTE A DEDICAÇÃO DO AGENTE A ATIVIDADES CRIMINOSAS. ORDEM DENEGADA. 1. O princípio processual penal do favor rei não ilide a
possibilidade de utilização de presunções hominis ou facti, pelo juiz, para decidir sobre a procedência do ius puniendi, máxime porque o
Código de Processo Penal prevê expressamente a prova indiciária, definindo-a no art. 239 como “a circunstância conhecida e provada, que,
tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias”. Doutrina (LEONE, Giovanni.
Trattato di Diritto Processuale Penale. v. II. Napoli: Casa Editrice Dott. Eugenio Jovene, 1961. p. 161-162). Precedente (HC 96062, Relator(a):
Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 06/10/2009, DJe-213 DIVULG 12-11-2009 PUBLIC 13-11-2009 EMENT VOL-02382-02 PP-
00336). 2. O julgador pode, através de um fato devidamente provado que não constitui elemento do tipo penal, mediante raciocínio
engendrado com supedâneo nas suas experiências empíricas, concluir pela ocorrência de circunstância relevante para a qualificação penal
da conduta. [...] 6. O juízo de origem procedeu a atividade intelectiva irrepreensível, porquanto a apreensão de grande quantidade de droga
é fato que permite concluir, mediante raciocínio dedutivo, pela dedicação do agente a atividades delitivas, sendo certo que, além disso,
outras circunstâncias motivaram o afastamento da minorante. 7. Ordem denegada. (HC 101519, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma,
julgado em 20/03/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-081 DIVULG 25-04-2012 PUBLIC 26-04-2012).

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Porém, não há um critério ou marco seguro para se afirmar quando um conjunto de indícios
poderá permitir uma condenação. Vai depender das circunstâncias do caso concreto. O certo é que,
quanto mais corriqueiro e verossímil o nexo de causalidade entre o fato indiciante e o indiciado,
conforme as regras de experiência, maior a possibilidade de sua utilização.
As presunções podem ser legais ou comuns. Nas primeiras, a própria lei determina a
consequência, uma vez provado o fato conhecido. As presunções legais dividem-se em absolutas –
juris et de jure – ou relativas – juris tantum –, conforme respectivamente proíbam ou admitam prova
em contrário.
Já a presunção comum, também chamada de presunção hominis, decorre daquilo que
normalmente acontece, da ordem natural das coisas, sendo tal inferência realizada pelo juiz, não
pela lei.
O direito processual penal não é afeto ao uso de presunções legais. Por outro lado, não é rara
a utilização de presunção hominis, até mesmo porque o Código de Processo Penal, como já foi dito,
traz um capítulo sobre os indícios. Podemos citar dois exemplos específicos de presunções, que
ocorrem no quase flagrante e no flagrante presumido (art. 302, III e IV, do CPP).

5.10 INSTRUMENTOS LEGAIS DE OBTENÇÃO DE PROVA: DELAÇÃO


PREMIADA, INFILTRAÇÃO DE AGENTE POLICIAL EM ORGANIZAÇÕES
CRIMINOSAS, AÇÃO CONTROLADA
Os meios de obtenção de prova são, em regra, executados na fase preliminar de investigação,
apesar da possibilidade de sua realização durante o curso do processo. Visa a descobrir fontes de
prova e conferir elementos para a formação da opinio delicti. São atividades extraprocessuais
executadas por sujeitos distintos do juiz. São praticadas utilizando-se do elemento “surpresa”, não
havendo um contraditório real.

5.10.1 BUSCA E APREENSÃO


Embora arrolada como meio de prova no CPP, a busca e apreensão é instrumento para
obtenção de prova. A busca pode ser domiciliar ou pessoal. É medida de natureza cautelar, destinada
precipuamente à coleta de material probatório para viabilizar a futura ação penal.
Segundo dispõe o art. 240, § 1º, do CPP, a busca domiciliar pode ser determinada para: a)
prender criminosos; b) apreender coisas achadas ou obtidas por meios criminosos; c) apreender
instrumentos de falsificação ou de contrafação e objetos falsificados ou contrafeitos; d) apreender
armas e munições, instrumentos utilizados na prática de crime ou destinados a fim delituoso; e)
descobrir objetos necessários à prova de infração ou à defesa do réu; f) apreender cartas, abertas ou
não, destinadas ao acusado ou em seu poder, quando haja suspeita de que o conhecimento do seu
conteúdo possa ser útil à elucidação do fato; g) apreender pessoas vítimas de crimes; ou h) colher
qualquer elemento de convicção.
Para que a busca domiciliar seja efetivada, é necessária a prévia autorização judicial, não
sendo possível a determinação diretamente pela autoridade policial, nem mesmo por Comissão
Parlamentar de Inquérito – cláusula de reserva jurisdicional (art. 5º, XI, da CF)209.

209 COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO - PODERES DE INVESTIGAÇÃO (CF, ART. 58, §3º) - LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS - LEGITIMIDADE DO
CONTROLE JURISDICIONAL - POSSIBILIDADE DE A CPI ORDENAR, POR AUTORIDADE PRÓPRIA, A QUEBRA DOS SIGILOS BANCÁRIO, FISCAL E TELEFÔNICO -
NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO DO ATO DELIBERATIVO - DELIBERAÇÃO DA CPI QUE, SEM FUNDAMENTAÇÃO, ORDENOU MEDIDAS DE RESTRIÇÃO A
DIREITOS - MANDADO DE SEGURANÇA DEFERIDO. COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO - COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL. [...] A Constituição da República, ao outorgar às Comissões Parlamentares de Inquérito "poderes de investigação próprios das autoridades

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A noção de domicílio está definida no art. 246 do CPP, compreendendo qualquer
compartimento habitado ou aposento ocupado de habitação coletiva ou compartimento não aberto
ao público, onde alguém exercer profissão ou atividade.
O § 2° do art. 243 proíbe a apreensão de documento em poder do defensor do acusado, salvo
quando constituir elemento do corpo de delito.
Em se tratando de diligência a ser realizada em escritório de advocacia, a Lei 8.906/94 prevê
que, presentes indícios de autoria e materialidade da prática de crime por parte de advogado, a
autoridade judiciária competente poderá decretar a quebra da inviolabilidade, em decisão motivada,
expedindo mandado de busca e apreensão, específico e pormenorizado, a ser cumprido na presença
de representante da OAB, sendo, em qualquer hipótese, vedada a utilização dos documentos, das
mídias e dos objetos pertencentes a clientes do advogado averiguado, bem como dos demais
instrumentos de trabalho que contenham informações sobre clientes, salvo quando estes estejam
sendo formalmente investigados como partícipes ou coautores do advogado pela prática do mesmo
crime que deu causa à quebra da inviolabilidade (art. 7º, §§ 6º e 7º, da Lei 8.906/94).
A busca pessoal prescinde de autorização judicial, nos termos do art. 244 do CPP. A
jurisprudência reconhece a validade da norma210. Não é permitido, porém, que a fundada suspeita
esteja baseada em parâmetros inteiramente subjetivos211.
Em se tratando de veículos, o STJ entende que somente se mostra necessária a autorização
judicial quando for destinado à moradia212.

judiciais" (art. 58, § 3º), claramente delimitou a natureza de suas atribuições institucionais, restringindo-as, unicamente, ao campo da indagação
probatória, com absoluta exclusão de quaisquer outras prerrogativas que se incluem,
ordinariamente, na esfera de competência dos magistrados e Tribunais, inclusive aquelas que decorrem do poder geral de cautela
conferido aos juízes, como o poder de decretar a indisponibilidade dos bens pertencentes a pessoas sujeitas à investigação parlamentar. A
circunstância de os poderes investigatórios de uma CPI serem essencialmente limitados levou a jurisprudência constitucional do Supremo
Tribunal Federal a advertir que as Comissões Parlamentares de Inquérito não podem formular acusações e nem punir delitos (RDA 199/205,
Rel. Min. PAULO BROSSARD), nem desrespeitar o privilégio contra a auto-incriminação que assiste a qualquer indiciado ou testemunha (RDA
196/197, Rel. Min. CELSO DE MELLO - HC 79.244-DF, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE), nem decretar a prisão de qualquer pessoa, exceto nas
hipóteses de flagrância (RDA 196/195, Rel. Min. CELSO DE MELLO - RDA 199/205, Rel. Min. PAULO BROSSARD). [...] O postulado da reserva
constitucional de jurisdição importa em submeter, à esfera única de decisão dos magistrados, a prática de determinados atos cuja
realização, por efeito de explícita determinação constante do próprio texto da Carta Política, somente pode emanar do juiz, e não de
terceiros, inclusive daqueles a quem se haja eventualmente atribuído o exercício de "poderes de investigação próprios das autoridades
judiciais". A cláusula constitucional da reserva de jurisdição – que incide sobre determinadas matérias, como a busca domiciliar (CF, art. 5º,
XI), a interceptação telefônica (CF, art. 5º, XII) e a decretação da prisão de qualquer pessoa, ressalvada a hipótese de flagrância (CF, art. 5º,
LXI) - traduz a noção de que, nesses temas específicos, assiste ao Poder Judiciário, não apenas o direito de proferir a última palavra, mas,
sobretudo, a prerrogativa de dizer, desde logo, a primeira palavra, excluindo-se, desse modo, por força e autoridade do que dispõe a própria
Constituição, a possibilidade do exercício de iguais atribuições, por parte de quaisquer outros órgãos ou autoridades do Estado. Doutrina. -
O princípio constitucional da reserva de jurisdição, embora reconhecido por cinco (5) Juízes do Supremo Tribunal Federal - Min. CELSO DE
MELLO (Relator), Min. MARCO AURÉLIO, Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Min. NÉRI DA SILVEIRA e Min. CARLOS VELLOSO (Presidente) - não foi
objeto de consideração por parte dos demais eminentes Ministros do Supremo Tribunal Federal, que entenderam suficiente, para efeito de
concessão do writ mandamental, a falta de motivação do ato impugnado. (MS 23452, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno,
julgado em 16/09/1999, DJ 12-05-2000 PP-00020 EMENT VOL-01990-01 PP-00086).
210PENAL. MOEDA FALSA. ART. 289, § 1º, DO CÓDIGO PENAL. PROVA OBTIDA POR BUSCA PESSOAL. ADMISSIBILIDADE. APELAÇÃO
DESPROVIDA. 1. Materialidade comprovada pelo laudo de exame em moeda. 2. Autoria comprovada pela prova testemunhal. 3. Admite-se
a busca pessoal independentemente de mandado quando houver fundada suspeita de que o agente possua objetos que possam constituir
corpo de delito, nos termos do art. 244 do Código de Processo Penal. 4. Apelação desprovida. (ACR 200661810009101, JUIZ ANDRÉ
NEKATSCHALOW, TRF3 - QUINTA TURMA, DJF3 CJ1 DATA:17/08/2010 PÁGINA: 134).
211 EMENTA: HABEAS CORPUS. TERMO CIRCUNSTANCIADO DE OCORRÊNCIA LAVRADO CONTRA O PACIENTE. RECUSA A SER SUBMETIDO A
BUSCA PESSOAL. JUSTA CAUSA PARA A AÇÃO PENAL RECONHECIDA POR TURMA RECURSAL DE JUIZADO ESPECIAL. Competência do STF para
o feito já reconhecida por esta Turma no HC n.º 78.317. Termo que, sob pena de excesso de formalismo, não se pode ter por nulo por não
registrar as declarações do paciente, nem conter sua assinatura, requisitos não exigidos em lei. A "fundada suspeita", prevista no art. 244
do CPP, não pode fundar-se em parâmetros unicamente subjetivos, exigindo elementos concretos que indiquem a necessidade da revista,
em face do constrangimento que causa. Ausência, no caso, de elementos dessa natureza, que não se pode ter por configurados na alegação
de que trajava, o paciente, um "blusão" suscetível de esconder uma arma, sob risco de referendo a condutas arbitrárias ofensivas a direitos
e garantias individuais e caracterizadoras de abuso de poder. Habeas corpus deferido para determinar-se o arquivamento do Termo. (HC
81305, Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO, Primeira Turma, julgado em 13/11/2001, DJ 22-02-2002 PP-00035 EMENT VOL-02058-02 PP-00306
RTJ VOL-00182-01 PP-00284).
212 Informativo 505/STJ: “Prescinde de mandado judicial a busca por objetos em interior de veículo de propriedade do investigado fundada
no receio de que a pessoa esteja na posse de material que possa constituir corpo de delito, salvo nos casos em que o veículo é utilizado
para moradia, como é o caso de cabines de caminhão, barcos, trailers. Isso porque, nos termos do art. 244 do CPP, a busca nessa situação
equipara-se à busca pessoal. HC 216.437-DF, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 20/9/2012”.

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5.10.2 DELAÇÃO PREMIADA


A delação premiada é uma realidade relativamente recente no ordenamento jurídico pátrio.
Aponta-se como origem remota a Lei dos Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional (§2º do art.
25 da Lei 7.492/86)213. Sucederam-se diversas disposições semelhantes, não somente no Código
Penal214, como também na legislação especial, tais como a Lei de Crimes Hediondos (Lei 8.072/90) 215,
Lei de Crimes Contra a Ordem Tributária, Econômica e Relações de Consumo (Lei 8.137/90)216 e Lei
do Crime Organizado (Lei 9.034/95)217, culminando com o disposto na Lei 9.807/99, que dispõe sobre
o sistema de proteção às testemunhas, vítimas e réus colaboradores. Mais recentemente, há
disposição na nova Lei de Drogas (Lei 11.343/06)218, na lei que dispõe sobre o Sistema Brasileiro de
Defesa da Concorrência (Lei 12.529/11)219 e na nova lei sobre o crime organizado (Lei 12.850/13)220.
Apesar de a sua aplicação já estar consolidada no cotidiano forense, a delação premiada ainda
é alvo de severas críticas, notadamente por conta do desvalor ético da conduta daquele criminoso
que aponta os demais participantes em troca de benefícios pessoais. Afirma-se também que seria o
reconhecimento legal da ineficiência do sistema estatal de persecução penal, incapaz de elucidar
infrações penais mais complexas, oferecendo, desse modo, uma espécie de recompensa para o
delinquente que contribui decisivamente para o esclarecimento da infração penal e de sua autoria.
Para Nucci, “é o ‘dedurismo’ oficializado, que, apesar de moralmente criticável, deve ser
incentivado em face do aumento contínuo do crime organizado. É um mal necessário, pois trata-se da
forma mais eficaz de se quebrar a espinha dorsal das quadrilhas, permitindo que um de seus
membros possa se arrepender, entregando a atividade dos demais e proporcionando ao Estado
resultados positivos no combate à criminalidade”221. Pode-se dizer que o conceito de delação
premiada é eminentemente legal, pois o próprio legislador é o responsável pelo estabelecimento dos
requisitos de validade do ato, além das consequências dele decorrentes. Ao juiz cabe apenas a tarefa
de aplicação, com base no caso concreto. Apesar disso, é possível defini-la de maneira mais
abrangente como sendo o ato pelo qual o agente, seja suspeito, indiciado ou acusado, presta

213Art. 25. [...] § 2º Nos crimes previstos nesta Lei, cometidos em quadrilha ou coautoria, o coautor ou partícipe que através de confissão
espontânea revelar à autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa terá a sua pena reduzida de um a dois terços. (Incluído pela Lei
nº 9.080, de 19.7.1995)
214Art. 159. [...] § 4º Se o crime é cometido em concurso, o concorrente que o denunciar à autoridade, facilitando a libertação do
sequestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços. (Redação dada pela Lei nº 9.269, de 1996)
215Art. 8º. [...] Parágrafo único. O participante e o associado que denunciar à autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando seu
desmantelamento, terá a pena reduzida de um a dois terços.
216 Art. 16. [...] Parágrafo único. Nos crimes previstos nesta Lei, cometidos em quadrilha ou coautoria, o coautor ou partícipe que através
de confissão espontânea revelar à autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa terá a sua pena reduzida de um a dois terços.
(Parágrafo incluído pela Lei nº 9.080, de 19.7.1995)
217 Art. 6º. Nos crimes praticados em organização criminosa, a pena será reduzida de um a dois terços, quando a colaboração espontânea
do agente levar ao esclarecimento de infrações penais e sua autoria.
218Art. 41. O indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos
demais coautores ou partícipes do crime e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida
de um terço a dois terços.
219 Art. 87. Nos crimes contra a ordem econômica, tipificados na Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos demais crimes
diretamente relacionados à prática de cartel, tais como os tipificados na Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, e os tipificados no art. 288
do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, a celebração de acordo de leniência, nos termos desta Lei, determina a
suspensão do curso do prazo prescricional e impede o oferecimento da denúncia com relação ao agente beneficiário da leniência. Parágrafo
único. Cumprido o acordo de leniência pelo agente, extingue-se automaticamente a punibilidade dos crimes a que se refere o caput deste
artigo.
220Art. 4º. O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de
liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o
processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados:
I - a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas;
II - a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa;
III - a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa;
IV - a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa;
V - a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.
221 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: parte geral: parte especial. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 716.

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esclarecimentos à autoridade que possibilitem a identificação dos demais participantes ou a
elucidação da própria infração penal, podendo ainda ser exigida a recuperação total ou parcial do
produto do crime, tudo em troca de benefícios pessoais.
A natureza jurídica da delação premiada varia conforme a norma que a regula. Em regra, trata-
se de causa de diminuição de pena, de um a dois terços, aplicável na terceira fase da dosimetria.
Pode eventualmente até ser causa de extinção da punibilidade, conforme será visto adiante. Da
análise do direito posto, percebe-se que há várias normas regulando a delação premiada. Não
obstante, a convivência normativa é relativamente pacífica, porque incide, em princípio, o critério da
especialidade, afastando-se normalmente o cronológico. Cada regra ou o conjunto delas aplica-se às
infrações penais correlatas.

5.10.3 DELAÇÃO PREMIADA NA LEI Nº 9.807/99


A exceção à regra mencionada no parágrafo anterior fica por conta da delação premiada
regulada pela Lei 9.807/99, que também dispõe sobre a proteção de acusados ou condenados que
tenham voluntariamente prestado efetiva colaboração à investigação policial e ao processo criminal,
porque não ficou legalmente circunscrito o seu âmbito de aplicação. Por consequência, não caberia
ao intérprete ou aplicador do direito restringi-lo, principalmente por se tratar de norma mais
benéfica para o investigado ou acusado em variadas situações222.
A conclusão mais adequada é a de que a delação premiada prevista na Lei 9.807/99 poderia
aplicar-se a qualquer infração penal, seja ela crime ou contravenção, salvo se houver regra mais
benéfica na legislação específica223.
Definido o âmbito de aplicação da delação premiada prevista na Lei 9.807/99, resta analisar as
regras nela contidas, sendo necessária a respectiva transcrição, o que contribuirá para a fixação dos
seus requisitos e efeitos.
A delação premiada está regulada nos artigos 13 e 14 da Lei 9.807/99:

Art. 13. Poderá o juiz, de ofício ou a requerimento das partes, conceder o perdão judicial e a
consequente extinção da punibilidade ao acusado que, sendo primário, tenha colaborado
efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal, desde que dessa
colaboração tenha resultado:

I - a identificação dos demais coautores ou partícipes da ação criminosa;

II - a localização da vítima com a sua integridade física preservada;

222PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO ESPECIAL DO PRIMEIRO RECORRENTE (ÂNGELO). DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. DOSIMETRIA
DA PENA. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. ROUBO MAJORADO. EMPREGO DE ARMA DE FOGO.
APREENSÃO E PERÍCIA. DESNECESSIDADE. UTILIZAÇÃO DE OUTROS MEIOS DE PROVA. ERESP 961.863/RS. RECURSO ESPECIAL NÃO
CONHECIDO. [...] RECURSO ESPECIAL DO SEGUNDO RECORRENTE (CRISTIANO). CÂMARA FORMADA MAJORITARIAMENTE POR JUÍZES DE
PRIMEIRO GRAU CONVOCADOS. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL. INOCORRÊNCIA. REPERCUSSÃO GERAL. RE Nº 597.133/RS.
DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. VIOLAÇÃO AOS ARTS. 13 E 14 DA LEI 9.807/99. OCORRÊNCIA. BENEFÍCIOS DA DELAÇÃO PREMIADA. AUSÊNCIA
DE RESTRIÇÃO PELO TIPO DE DELITO. RECURSO ESPECIAL A QUE SE DÁ PARCIAL PROVIMENTO. [...] 2. A Lei 9.807/99 (Lei de Proteção a
Vítimas e Testemunhas), que trata da delação premiada, não traz qualquer restrição relativa à sua aplicação apenas a determinados delitos.
3. Recurso especial a que se dá parcial provimento, para determinar o retorno dos autos à origem, para que seja analisado o preenchimento
dos requisitos legais para aplicação dos benefícios da delação premiada. (REsp 1109485/DF, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA,
SEXTA TURMA, julgado em 12/04/2012, DJe 25/04/2012)".
223 Posição pessoal do autor. Há decisão do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que a Lei 9.807/99 não se aplicaria indistintamente a
qualquer infração penal, devendo ser aplicadas somente as normas específicas previstas na legislação especial, considerando-se o critério
da especialidade, ou seja, somente se aplicaria a delação premiada da Lei 9.807/99 se não houvesse norma específica para o delito em
questão: "O artigo tido por violado, previsto na Lei de Proteção à Vítima e às Testemunhas, não se aplica ao caso, tendo em vista a aplicação
da Lei de Drogas, pelos critérios hermenêuticos da especialidade, que prevê, no art. 41, o instituto da delação premiada. Dispõe essa norma,
in verbis: "O indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos
demais coautores ou partícipes do crime e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida
de um terço a dois terços." (REsp 1102736/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 04/03/2010, DJe 29/03/2010).

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III - a recuperação total ou parcial do produto do crime.

Parágrafo único. A concessão do perdão judicial levará em conta a personalidade do


beneficiado e a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato criminoso.

Art. 14. O indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e
o processo criminal na identificação dos demais coautores ou partícipes do crime, na
localização da vítima com vida e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no
caso de condenação, terá pena reduzida de um a dois terços.

Da leitura dos dispositivos acima transcritos, nota-se que a lei prevê duas hipóteses distintas
de delação premiada. A primeira delas traz uma possibilidade até então inédita no ordenamento,
que é o perdão judicial (art. 13). Já a segunda situação autoriza a aplicação de uma causa de
diminuição de pena, que varia de um terço a dois terços (art. 14).

O perdão judicial torna-se possível quando o investigado ou acusado colabora relevantemente,


a ponto de permitir a:

1. identificação dos demais coautores ou partícipes da ação criminosa;


2. localização da vítima com a sua integridade física preservada;
3. recuperação total ou parcial do produto do crime.

Há divergência acerca da exigência do preenchimento dos requisitos legais, ou seja, se seriam


cumulativos ou alternativos. Percebe-se que o legislador, ao estabelecê-los, inspirou-se no crime de
extorsão mediante sequestro, que seria a situação fática que abrangeria as três hipóteses. É razoável
exigir o cumprimento de tantos requisitos quantos forem os verificáveis no caso concreto224. Logo,
permitir-se-ia o afastamento de um deles se de fato inexistente.

A colaboração pode ocorrer tanto na fase investigativa, quanto na processual, desde que seja
efetiva. Caso o agente não traga qualquer informação relevante, que permita atingir os expressivos
resultados exigidos pela lei, a delação premiada não será aplicada225.

A lei também exige que o réu seja primário, podendo ser suficiente a primariedade técnica.

Também se exige que a colaboração seja voluntária, o que não se confunde com
espontaneidade. Vale dizer, não precisa ser da iniciativa do investigado, indiciado ou acusado,
bastando que voluntariamente colabore com a investigação.

224AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PERDÃO JUDICIAL.ART. 13 DA LEI 9.807/99. REQUISITOS NÃO CUMULATIVOS.
ROUBO CIRCUNSTANCIADO. APLICABILIDADE. – O artigo 13 da Lei 9.807/99, tratando da proteção aos réus colaboradores, elencou
requisitos para a concessão do perdão judicial. Entretanto, considerar indispensável a presença de todos os requisitos indistintamente
significa restringir a aplicação do benefício ao tipo penal extorsão mediante sequestro, quando tal restrição não encontra respaldo na citada
lei. Nessa linha de entendimento, não há óbice à concessão de perdão na hipótese em apreço – roubo circunstanciado, quando preenchidos
os requisitos compatíveis com o citado tipo penal.Agravo regimental não provido.(AgRg no AREsp 157.685/GO, Rel. Ministro LEOPOLDO DE
ARRUDA RAPOSO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/PE), QUINTA TURMA, julgado em 05/05/2015, DJe 13/05/2015).
225 "HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. FIXAÇÃO DA PENA-BASE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. INCIDÊNCIA DA ATENUANTE. CAUSA DE
DIMINUIÇÃO DE PENA PREVISTA NO ART. 33, § 4º, DA LEI Nº 11.343/2006. REITERAÇÃO DE PEDIDO. DELAÇÃO PREMIADA. AUSÊNCIA DE
CARACTERIZAÇÃO DO BENEFÍCIO. REVOLVIMENTO DA PROVA. VIA INADEQUADA. IMPOSSIBILIDADE. ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA E
DENEGADA. [...] 2. O instituto da delação premiada consiste em ato do acusado que, admitindo a participação no delito, fornece às
autoridades informações eficazes, capazes de contribuir para a resolução do crime. Todavia, apesar de o paciente haver confessado sua
participação no crime, contando em detalhes toda a atividade criminosa e incriminando seus comparsas não há nenhuma informação nos
autos que ateste o uso de tais informações para fundamentar a condenação dos outros envolvidos, pois a materialidade, as autorias e o
desmantelamento do grupo criminoso se deram, principalmente pelas interceptações telefônicas legalmente autorizadas e pelos
depoimentos das testemunhas e dos policiais federais. [...] (HC 90.962/SP, Rel. Ministro HAROLDO RODRIGUES (DESEMBARGADOR
CONVOCADO DO TJ/CE), SEXTA TURMA, julgado em 19/05/2011, DJe 22/06/2011)".

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O parágrafo único também determina que o juiz leve em conta a personalidade do beneficiado
e a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso, para fins de
aplicação do perdão judicial.

A delação como causa de diminuição de pena tem requisitos mais brandos. Basta que o
indiciado ou acusado colabore voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na
identificação dos demais coautores ou partícipes do crime, na localização da vítima com vida e na
recuperação total ou parcial do produto do crime.

A delação premiada é um direito subjetivo do réu. O juiz deverá primeiramente verificar se é


possível a concessão do perdão judicial. Do contrário, parte-se para a análise do cabimento da causa
de diminuição de pena, que variará conforme o grau de relevância da colaboração. Quanto mais
efetiva for, maior será a diminuição da pena.

Relembrando que a delação premiada prevista na Lei 9.807/99 se aplica, em tese, a qualquer
infração penal, cabendo ao juiz a verificação de qual das modalidades será a mais benéfica para o
acusado, inclusive a eventualmente prevista na legislação especial, podendo até mesmo ser aplicada
retroativamente, se mais favorável.

5.10.4 INFILTRAÇÃO DE AGENTE POLICIAL EM ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS


A figura do agente infiltrado também é novidade recente do nosso ordenamento226. A sua
origem se encontra na primeira Lei do Crime Organizado (art. 2º, V, da Lei 9.034/95).
Mais recentemente, a nova Lei de Drogas também disciplinou o assunto227.
Atualmente, em razão da revogação da Lei 9.034/95 pela Lei 12.850, de 2 de agosto de 2013, a
infiltração de agentes passou a ser regulamentada nos arts. 10 a 14:

Art. 10. A infiltração de agentes de polícia em tarefas de investigação, representada pelo


delegado de polícia ou requerida pelo Ministério Público, após manifestação técnica do
delegado de polícia quando solicitada no curso de inquérito policial, será precedida de
circunstanciada, motivada e sigilosa autorização judicial, que estabelecerá seus limites.

§ 1º Na hipótese de representação do delegado de polícia, o juiz competente, antes de


decidir, ouvirá o Ministério Público.

§ 2º Será admitida a infiltração se houver indícios de infração penal de que trata o art. 1º e se
a prova não puder ser produzida por outros meios disponíveis.

§ 3º A infiltração será autorizada pelo prazo de até 6 (seis) meses, sem prejuízo de eventuais
renovações, desde que comprovada sua necessidade.

§ 4º Findo o prazo previsto no § 3º, o relatório circunstanciado será apresentado ao juiz


competente, que imediatamente cientificará o Ministério Público.

§ 5º No curso do inquérito policial, o delegado de polícia poderá determinar aos seus


agentes, e o Ministério Público poderá requisitar, a qualquer tempo, relatório da atividade de
infiltração.

226 Igualmente recebeu críticas expressivas da doutrina especializada. Recomenda-se a leitura do artigo do professor Diogo Malan, Agente
infiltrado no processo penal, disponível em Processo Penal, Constituição e Crítica – Estudos em Homenagem ao Dr. Jacinto Nelson de
Miranda, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 205-223, no qual o ilustre jurista faz uma análise crítica acerca do novel instrumento de
investigação.
227 Art. 53. Em qualquer fase da persecução criminal relativa aos crimes previstos nesta Lei, são permitidos, além dos previstos em lei,
mediante autorização judicial e ouvido o Ministério Público, os seguintes procedimentos investigatórios: I - a infiltração por agentes de
polícia, em tarefas de investigação, constituída pelos órgãos especializados pertinentes; [...]

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Art. 11. O requerimento do Ministério Público ou a representação do delegado de polícia
para a infiltração de agentes conterão a demonstração da necessidade da medida, o alcance
das tarefas dos agentes e, quando possível, os nomes ou apelidos das pessoas investigadas
e o local da infiltração.

Art. 12. O pedido de infiltração será sigilosamente distribuído, de forma a não conter informações
que possam indicar a operação a ser efetivada ou identificar o agente que será infiltrado.

§ 1º As informações quanto à necessidade da operação de infiltração serão dirigidas


diretamente ao juiz competente, que decidirá no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, após
manifestação do Ministério Público na hipótese de representação do delegado de polícia,
devendo-se adotar as medidas necessárias para o êxito das investigações e a segurança do
agente infiltrado.

§ 2º Os autos contendo as informações da operação de infiltração acompanharão a denúncia


do Ministério Público, quando serão disponibilizados à defesa, assegurando-se a
preservação da identidade do agente.

§ 3º Havendo indícios seguros de que o agente infiltrado sofre risco iminente, a operação
será sustada mediante requisição do Ministério Público ou pelo delegado de polícia, dando-
se imediata ciência ao Ministério Público e à autoridade judicial.

Art. 13. O agente que não guardar, em sua atuação, a devida proporcionalidade com a
finalidade da investigação, responderá pelos excessos praticados.

Parágrafo único. Não é punível, no âmbito da infiltração, a prática de crime pelo agente
infiltrado no curso da investigação, quando inexigível conduta diversa.

Art. 14. São direitos do agente:

I - recusar ou fazer cessar a atuação infiltrada;

II - ter sua identidade alterada, aplicando-se, no que couber, o disposto no art. 9º da Lei no
9.807, de 13 de julho de 1999, bem como usufruir das medidas de proteção a testemunhas;

III - ter seu nome, sua qualificação, sua imagem, sua voz e demais informações pessoais
preservadas durante a investigação e o processo criminal, salvo se houver decisão judicial
em contrário;

IV - não ter sua identidade revelada, nem ser fotografado ou filmado pelos meios de
comunicação, sem sua prévia autorização por escrito.

Diogo Malan define agente infiltrado como sendo o servidor da polícia judiciária que, ocultando
a sua verdadeira identidade e ocupação, ingressa em organização criminosa conquistando a
confiança dos demais membros, passando a acompanhar suas atividades, sem induzi-los a praticar
crimes, tudo com os objetivos de identificar fontes de prova e obter elementos informativos úteis para a
persecução penal228.
Distingue-se o agente infiltrado da figura do agente encoberto e do agente provocador. O
encoberto não se integra na organização criminosa, sendo a sua atuação mais passiva,
contemplativa, enquanto que o provocador busca induzir, convencer o indivíduo a praticar a infração
penal, o que não ocorre com o agente infiltrado.

228MALAN, Diogo. Agente infiltrado no processo penal, disponível em Processo Penal, Constituição e Crítica – Estudos em Homenagem ao
Dr. Jacinto Nelson de Miranda. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 205-223.

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Estabelecidos os contornos jurídicos do tema, a primeira observação que se faz envolve o
sujeito que efetua a infiltração. A lei permite que seja realizada por agentes de polícia, não mais
prevendo a participação de agentes de inteligência229.
O legislador optou por exigir prévia autorização judicial para a realização da operação de
infiltração, estabelecendo autêntica cláusula de reserva jurisdicional. Trata-se de escolha acertada,
pois a infiltração de agente em organização criminosa constitui verdadeira medida invasiva da esfera
jurídica do investigado, devendo, portanto, passar pelo crivo do juiz.
A diligência deve ser processada e realizada sigilosamente, sob pena de se colocar em risco a
integridade do próprio agente infiltrado.
Buscando evitar o erro cometido na lei anterior, a atual Lei do Crime Organizado trouxe uma
regulamentação mais detalhada, fixando prazo, hipóteses de prorrogação, limites de atuação do
agente infiltrado, eventual punibilidade em razão da prática de infrações penais, entre outros.
Por fim, parece não haver mais dúvidas sobre a possibilidade de se utilizar o agente infiltrado
como meio de prova, nos termos do art. 10, § 2º, e art. 12, § 2º, ambos da LCO.

5.10.5 AÇÃO CONTROLADA


Assim como a figura do agente infiltrado, a ação controlada também surgiu com a Lei
9.034/95, atualmente revogada pela Lei 12.850/13. A mais recente Lei de Drogas também traz
normas sobre o assunto230. Atualmente, os contornos jurídicos da ação controlada estão definidos
nos arts. 8º e 9º da nova LCO:

Art. 8º. Consiste a ação controlada em retardar a intervenção policial ou administrativa


relativa à ação praticada por organização criminosa ou a ela vinculada, desde que mantida
sob observação e acompanhamento para que a medida legal se concretize no momento
mais eficaz à formação de provas e obtenção de informações.

229 A validade da utilização de agentes de inteligência na investigação de infrações penais comuns é tema extremamente controvertido, e a
sua análise foge do propósito deste trabalho. A título de aprofundamento, vale conferir o inteiro teor do acórdão proferido pelo Superior
Tribunal de Justiça, nos autos do HC 149.250/SP. Eis a ementa parcial: “PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. OPERAÇÃO
SATIAGRAHA. PARTICIPAÇÃO IRREGULAR, INDUVIDOSAMENTE COMPROVADA, DE DEZENAS DE FUNCIONÁRIOS DA AGÊNCIA BRASILEIRA DE
INFORMAÇÃO (ABIN) E DE EX-SERVIDOR DO SNI, EM INVESTIGAÇÃO CONDUZIDA PELA POLÍCIA FEDERAL. MANIFESTO ABUSO DE PODER.
IMPOSSIBILIDADE DE CONSIDERAR-SE A ATUAÇÃO EFETIVADA COMO HIPÓTESE EXCEPCIONALÍSSIMA, CAPAZ DE PERMITIR
COMPARTILHAMENTO DE DADOS ENTRE ÓRGÃOS INTEGRANTES DO SISTEMA BRASILEIRO DE INTELIGÊNCIA. INEXISTÊNCIA DE PRECEITO
LEGAL AUTORIZANDO-A. PATENTE A OCORRÊNCIA DE INTROMISSÃO ESTATAL, ABUSIVA E ILEGAL NA ESFERA DA VIDA PRIVADA, NO CASO
CONCRETO. VIOLAÇÕES DA HONRA, DA IMAGEM E DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. INDEVIDA OBTENÇÃO DE PROVA ILÍCITA,
PORQUANTO COLHIDA EM DESCONFORMIDADE COM PRECEITO LEGAL. AUSÊNCIA DE RAZOABILIDADE. AS NULIDADES VERIFICADAS NA
FASE PRÉ-PROCESSUAL, E DEMONSTRADAS À EXAUSTÃO, CONTAMINAM FUTURA AÇÃO PENAL. INFRINGÊNCIA A DIVERSOS DISPOSITIVOS
DE LEI. CONTRARIEDADE AOS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE, DA IMPARCIALIDADE E DO DEVIDO PROCESSO LEGAL INQUESTIONAVELMENTE
CARACTERIZADA. A AUTORIDADE DO JUIZ ESTÁ DIRETAMENTE LIGADA À SUA INDEPENDÊNCIA AO JULGAR E À IMPARCIALIDADE. UMA
DECISÃO JUDICIAL NÃO PODE SER DITADA POR CRITÉRIOS SUBJETIVOS, NORTEADA PELO ABUSO DE PODER OU DISTANCIADA DOS
PARÂMETROS LEGAIS. ESSAS EXIGÊNCIAS DECORREM DOS PRINCÍPIOS DEMOCRÁTICOS E DOS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS
INSCRITOS NA CONSTITUIÇÃO. NULIDADE DOS PROCEDIMENTOS QUE SE IMPÕE, ANULANDO-SE, DESDE O INÍCIO, A AÇÃO PENAL. 1.Uma
análise detida dos 11 (onze) volumes que compõem o HC demonstra que existe uma grande quantidade de provas aptas a confirmar,
cabalmente, a participação indevida, flagrantemente ilegal e abusiva, da ABIN e do investigador particular contratado pelo Delegado
responsável pela chefia da Operação Satiagraha. 2. Não há se falar em compartilhamento de dados entre a ABIN e a Polícia Federal, haja
vista que a hipótese dos autos não se enquadra nas exceções previstas na Lei nº 9.883/99. [...]”. (HC 149250/SP, Rel. Ministro ADILSON
VIEIRA MACABU (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RJ), QUINTA TURMA, julgado em 07/06/2011, DJe 05/09/2011).
230Art. 53. Em qualquer fase da persecução criminal relativa aos crimes previstos nesta Lei, são permitidos, além dos previstos em lei,
mediante autorização judicial e ouvido o Ministério Público, os seguintes procedimentos investigatórios: [...] II - a não-atuação policial sobre
os portadores de drogas, seus precursores químicos ou outros produtos utilizados em sua produção, que se encontrem no território
brasileiro, com a finalidade de identificar e responsabilizar maior número de integrantes de operações de tráfico e distribuição, sem
prejuízo da ação penal cabível. Parágrafo único. Na hipótese do inciso II deste artigo, a autorização será concedida desde que sejam
conhecidos o itinerário provável e a identificação dos agentes do delito ou de colaboradores.

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§ 1º O retardamento da intervenção policial ou administrativa será previamente comunicado
ao juiz competente que, se for o caso, estabelecerá os seus limites e comunicará ao
Ministério Público.

§ 2º A comunicação será sigilosamente distribuída de forma a não conter informações que


possam indicar a operação a ser efetuada.

§ 3º Até o encerramento da diligência, o acesso aos autos será restrito ao juiz, ao Ministério
Público e ao delegado de polícia, como forma de garantir o êxito das investigações.

§ 4º Ao término da diligência, elaborar-se-á auto circunstanciado acerca da ação controlada.

...
Art. 9º. Se a ação controlada envolver transposição de fronteiras, o retardamento da
intervenção policial ou administrativa somente poderá ocorrer com a cooperação das
autoridades dos países que figurem como provável itinerário ou destino do investigado, de
modo a reduzir os riscos de fuga e extravio do produto, objeto, instrumento ou proveito do
crime.
Trata-se de importante instrumento de investigação, através do qual a polícia pode retardar a
interrupção de determinada ação criminosa, desde que devidamente acompanhada, em busca do
melhor momento para a obtenção de provas ou fornecimento de informações, quando se tratar de
ação praticada por organizações criminosas ou por alguém a elas vinculado.
A higidez normativa da ação controlada já foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, nos
autos do HC 102.819/DF231.
A ação controlada caracteriza-se como uma espécie de autorização legal para que o servidor
da polícia judiciária deixe de cumprir o disposto no art. 301 do Código de Processo Penal, sempre
com o objetivo maior de obter informações ou provas mais relevantes para que se possa
desconstituir a organização criminosa sob investigação.
As formas mais comuns de acompanhamento da ação controlada são a captação e a
interceptação ambiental de sinais eletromagnéticos, óticos ou acústicos.

5.10.6 QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO


O sigilo bancário estava regulamentado no art. 38 da Lei 4.595/64, recepcionada com o status
de lei complementar pela Constituição Federal de 1988. Atualmente, o aludido dispositivo encontra-
se expressamente revogado pela Lei Complementar 105/2001, que dispõe sobre o sigilo das
operações de instituições financeiras e dá outras providências.
Especificamente para fins penais, deve-se atentar para o disposto no art. 1º, § 3º, IV, que
afirma não constituir violação do dever de sigilo, entre outras hipóteses, a comunicação, às
autoridades competentes, da prática de ilícitos penais ou administrativos, abrangendo o
fornecimento de informações sobre operações que envolvam recursos provenientes de qualquer
prática criminosa. Cuida-se de dever legal imposto às instituições financeiras ou entes a elas
equiparados, tais como as empresas de fomento comercial ou factoring (§§ 1º e 2º do art. 1º).
No parágrafo seguinte (§ 4º), a LC 105/2001 deixa claro que a quebra de sigilo poderá ser decretada,
quando necessária para apuração de ocorrência de qualquer ilícito, em qualquer fase do inquérito ou do

231 AÇÃO CONTROLADA – AMBIVALÊNCIA – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. A denominada ação controlada surge ambivalente, não devendo ser glosada em
se tratando do dia a dia da Administração Pública, em que os desvios de conduta são escamoteados. INQUÉRITO – PUBLICIDADE. Norteia a Administração
Pública – gênero – o princípio da publicidade no que deságua na busca da eficiência, ante o acompanhamento pela sociedade. Estando em jogo valores, há
de ser observado o coletivo em detrimento, até mesmo, do individual.

(HC 102819, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 05/04/2011, DJe-102 DIVULG 27-05-2011 PUBLIC 30-05-2011 EMENT VOL-
02532-01 PP-00141 RTJ VOL-00219- PP-00490) .

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DIREITO PROCESSUAL PENAL
a
CONSTITUCIONA DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
processo judicial, e especialmente nos seguintes crimes: I – de terrorismo; II – de tráfico ilícito de substâncias
entorpecentes ou drogas afins; III – de contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado a
sua produção; IV – de extorsão mediante sequestro; V – contra o sistema financeiro nacional; VI – contra a
Administração Pública; VII – contra a ordem tributária e a previdência social; VIII – lavagem de dinheiro ou
ocultação de bens, direitos e valores; IX – praticado por organização criminosa. O rol é exemplificativo.
Provavelmente, a regra mais polêmica esteja assentada no art. 6º, que afirma que as
autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras,
inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo
administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados
indispensáveis pela autoridade administrativa competente232. Assim, estaria dispensada a prévia
autorização judicial, desde que:
• haja a prévia instauração de processo administrativo ou procedimento
fiscal em curso;
• o exame das informações protegidas pelo sigilo seja considerado
indispensável pela autoridade administrativa competente.

O Supremo Tribunal Federal, conquanto ainda não tenha se pronunciado expressa e


definitivamente sobre a validade da regra, tem alguns acórdãos nos quais o tema tem sido
tangenciado, sem que tenha havido o devido afastamento da norma233. Logo depois, no julgamento
do RE 389.808, assentou não haver compatibilidade entre o art. 6º da LC 105/01 e a CF234. Diante da
controvérsia, o tema está com repercussão geral reconhecida, pendente de julgamento235, tendo o
julgamento sido recentemente iniciado, com concretas possibilidades de se confirmar a
constitucionalidade da regra236.

232O art. 38 da Lei 4.595/64 tinha regra semelhante: “Art. 38. As instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e
passivas e serviços prestados. [...] § 5º Os agentes fiscais tributários do Ministério da Fazenda e dos Estados somente poderão proceder a
exames de documentos, livros e registros de contas de depósitos, quando houver processo instaurado e os mesmos forem considerados
indispensáveis pela autoridade competente. § 6º O disposto no parágrafo anterior se aplica igualmente à prestação de esclarecimentos e
informes pelas instituições financeiras às autoridades fiscais, devendo sempre estas e os exames serem conservados em sigilo, não podendo
ser utilizados senão reservadamente”. A matéria encontra-se atualmente regulamentada pelo Decreto 3.724/2001, relativamente à
requisição, acesso e uso, pela Secretaria da Receita Federal, de informações referentes a operações e serviços das instituições financeiras e
das entidades a elas equiparadas.
233 EMENTA: PENAL E PROCESSUAL PENAL. INQUÉRITO. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO. COMPARTILHAMENTO DAS INFORMAÇÕES COM A
RECEITA FEDERAL. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO IMPROVIDO. I - Não é cabível, em sede de inquérito, encaminhar à Receita Federal
informações bancárias obtidas por meio de requisição judicial quando o delito investigado for de natureza diversa daquele apurado pelo
fisco. II - Ademais, a autoridade fiscal, em sede de procedimento administrativo, pode utilizar-se da faculdade insculpida no art. 6º da LC
105/2001, do que resulta desnecessário o compartilhamento in casu. III - Agravo regimental desprovido. (Inq 2593 AgR, Relator(a): Min.
RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 09/12/2010, DJe-030 DIVULG 14-02-2011 PUBLIC 15-02-2011 EMENT VOL-02464-01
PP-00040). Outro precedente: “EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TUTELA DE URGÊNCIA (PODER GERAL DE CAUTELA). REQUISITOS.
AUSÊNCIA. PROCESSUAL CIVIL. REFERENDO DE DECISÃO MONOCRÁTICA (ART. 21, V DO RISTF). CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. DADOS
BANCÁRIOS PROTEGIDOS POR SIGILO. TRANSFERÊNCIA DE INFORMAÇÕES SIGILOSAS DA ENTIDADE BANCÁRIA AO ÓRGÃO DE FISCALIZAÇÃO
TRIBUTÁRIA FEDERAL SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. LEI COMPLEMENTAR 105/2001. LEI 10.174/2001. DECRETO 3.724/2001. A
concessão de tutela de urgência ao recurso extraordinário pressupõe a verossimilhança da alegação e o risco do transcurso do tempo
normalmente necessário ao processamento do recurso e ao julgamento dos pedidos. Isoladamente considerado, o ajuizamento de ação
direta de inconstitucionalidade sobre o tema é insuficiente para justificar a concessão de tutela de urgência a todo e qualquer caso.
Ausência do risco da demora, devido ao considerável prazo transcorrido entre a sentença que denegou a ordem e o ajuizamento da ação
cautelar, sem a indicação da existência de qualquer efeito lesivo concreto decorrente do ato tido por coator (21.09.2001 – 30.06.2003).
Medida liminar não referendada. Decisão por maioria. (AC 33 MC, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. JOAQUIM
BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 24/11/2010, DJe-027 DIVULG 09-02-2011 PUBLIC 10-02-2011 EMENT VOL-02461-01 PP-00001)”.
234SIGILO DE DADOS – AFASTAMENTO. Conforme disposto no inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal, a regra é a privacidade quanto
à correspondência, às comunicações telegráficas, aos dados e às comunicações, ficando a exceção – a quebra do sigilo – submetida ao crivo
de órgão equidistante – o Judiciário – e, mesmo assim, para efeito de investigação criminal ou instrução processual penal. SIGILO DE DADOS
BANCÁRIOS – RECEITA FEDERAL. Conflita com a Carta da República norma legal atribuindo à Receita Federal – parte na relação jurídico-
tributária – o afastamento do sigilo de dados relativos ao contribuinte.(RE 389808, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno,
julgado em 15/12/2010, DJe-086 DIVULG 09-05-2011 PUBLIC 10-05-2011 EMENT VOL-02518-01 PP-00218 RTJ VOL-00220- PP-00540).
235 EMENTA: CONSTITUCIONAL. SIGILO BANCÁRIO. FORNECIMENTO DE INFORMAÇÕES SOBRE MOVIMENTAÇÃO BANCÁRIA DE
CONTRIBUINTES, PELAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS, DIRETAMENTE AO FISCO, SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO JUDICIAL (LEI COMPLEMENTAR
105/2001). POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA LEI 10.174/2001 PARA APURAÇÃO DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS REFERENTES A EXERCÍCIOS
ANTERIORES AO DE SUA VIGÊNCIA. RELEVÂNCIA JURÍDICA DA QUESTÃO CONSTITUCIONAL. EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL. (RE
601314 RG, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, julgado em 22/10/2009, DJe-218 DIVULG 19-11-2009 PUBLIC 20-11-2009 EMENT
VOL-02383-07 PP-01422)
236Até o fechamento desta edição, imediatamente após a suspensão do julgamento do RE 601.314, na Sessão de 17/02/2016, já existiam
seis votos favoráveis à constitucionalidade da norma, configurando-se a maioria absoluta. Nesse sentido, caso não haja alteração de votos
até a conclusão do julgamento, estará sacramentada a validade da regra. Conforme notícia extraída do sítio do STF na internet: “O Plenário
do Supremo Tribunal Federal (STF) deu prosseguimento na sessão desta quinta-feira (17) ao julgamento conjunto de cinco processos que
questionam dispositivos da Lei Complementar (LC) 105/2001, que permitem aos bancos fornecer dados bancários de contribuintes à Receita
Federal, sem prévia autorização judicial. Até o momento, já foram proferidos seis votos pela constitucionalidade da norma e um em sentido

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As Comissões Parlamentares de Inquérito, inclusive as estaduais237, têm permissão
constitucional para determinar o afastamento de sigilo, em caso de investigações em andamento,
desde que devidamente aprovada pela respectiva comissão (art. 4º).

5.10.7QUEBRA DE SIGILO FISCAL


O sigilo fiscal está regulamentado no art. 198 do CTN, com a redação dada pela Lei
Complementar 104/2001, havendo semelhanças com a disciplina envolvendo o sigilo bancário, entre
as quais se destacam a prestação de informações:
• à autoridade judiciária, em razão de requisição no interesse da justiça
(art. 198, § 1º, I);
• à autoridade administrativa, em razão de solicitação, no interesse da
Administração Pública, desde que seja comprovada a instauração
regular de processo administrativo, no órgão ou na entidade
respectiva, com o objetivo de investigar o sujeito passivo a que se
refere a informação, por prática de infração administrativa (art. 198, §
1º, II);
• ao Ministério Público, no caso de representações fiscais para fins
penais (art. 198, § 3º, I). Neste caso, o fato de não haver solicitação
não impede o fornecimento de tais informações, tratando-se, na
realidade, de dever da autoridade fiscal.

Também cabem as mesmas observações já feitas no item anterior sobre a possibilidade de a


CPI determinar o afastamento de sigilo, assim como a controvérsia envolvendo a necessidade ou não
de autorização judicial prévia.

5.10.8 INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS


As interceptações das comunicações telefônicas e do fluxo de comunicações em sistemas de
informática e telemática estão disciplinadas pela Lei 9.296/96.
Nos termos do art. 2º, interpretado em sentido contrário, a medida somente será cabível
quando houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal, a prova não puder
ser feita por outros meios disponíveis e o fato investigado constituir infração penal punida com pena
de reclusão.
Parece não haver qualquer dúvida acerca de se tratar de cláusula de reserva jurisdicional. Vale
dizer, nem mesmo a CPI pode determinar tal providência238. Somente a autoridade judiciária tem
autorização constitucional para deferir a medida.

contrário, prevalecendo o entendimento de que a lei não promove a quebra de sigilo bancário, mas somente a transferência de
informações das instituições financeiras ao Fisco. A análise do tema será concluída na sessão plenária da próxima quarta-feira (24), com os
votos dos ministros Luiz Fux, Gilmar Mendes, Celso de Mello e do presidente, ministro Ricardo Lewandowski.
[...]” (http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=310242> Acesso em 19/02/2016).
237 EMENTA: AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA. MANDADO DE SEGURANÇA. QUEBRA DE SIGILO DE DADOS BANCÁRIOS DETERMINADA POR
COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO DE ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA. RECUSA DE SEU CUMPRIMENTO PELO BANCO CENTRAL DO BRASIL.
LEI COMPLEMENTAR 105/2001. Potencial conflito federativo (cf. ACO 730-QO). Federação. Inteligência. Observância obrigatória, pelos
estados-membros, de aspectos fundamentais decorrentes do princípio da separação de poderes previsto na Constituição federal de 1988.
Função fiscalizadora exercida pelo Poder Legislativo. Mecanismo essencial do sistema de checks-and-counterchecks adotado pela
Constituição Federal de 1988. Vedação da utilização desse mecanismo de controle pelos órgãos legislativos dos estados-membros.
Impossibilidade. Violação do equilíbrio federativo e da separação de Poderes. Poderes de CPI estadual: ainda que seja omissa a Lei
Complementar 105/2001, podem essas comissões estaduais requerer quebra de sigilo de dados bancários, com base no art. 58, § 3º, da
Constituição. Mandado de segurança conhecido e parcialmente provido. (ACO 730, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno,
julgado em 22/09/2004, DJ 11-11-2005 PP-00005 EMENT VOL-02213-01 PP-00020).
238 EMENTA: COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO - QUEBRA DE SIGILO ADEQUADAMENTE FUNDAMENTADA - ATO PRATICADO EM
SUBSTITUIÇÃO A ANTERIOR QUEBRA DE SIGILO QUE HAVIA SIDO DECRETADA SEM QUALQUER FUNDAMENTAÇÃO - POSSIBILIDADE -

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O pedido de interceptação de comunicação telefônica poderá ser efetuado pela autoridade
policial, em caso de inquérito policial, e pelo Ministério Público, em qualquer fase (pré-processual e
judicial). Caso o requerimento tenha sido formulado pela autoridade policial, apesar de a lei não
exigir, recomenda-se, se for possível, ouvir previamente o Ministério Público, que é o titular da ação
penal pública.
Quanto ao procedimento, o pedido conterá a demonstração de que a sua realização é
necessária à apuração de infração penal, com indicação dos meios a serem empregados.
Excepcionalmente, o juiz poderá admitir seja o pedido formulado verbalmente, desde que estejam
presentes os pressupostos que autorizem a interceptação, caso em que a concessão será
condicionada à sua redução a termo.
O juiz deve proferir decisão, no prazo máximo de vinte e quatro horas, ocasião em que, além
da fundamentação pertinente, deverá ser fixada a forma de execução da diligência.
Deferido o pedido, faculta-se ao Ministério Público o acompanhamento da interceptação a ser
realizada pela polícia judiciária (art. 6º). O Superior Tribunal de Justiça já reconheceu a validade da
diligência realizada pelo Ministério Público, que, no caso, tinha estrutura própria239.

EXISTÊNCIA SIMULTÂNEA DE PROCEDIMENTOS PENAIS EM CURSO, INSTAURADOS CONTRA O IMPETRANTE - CIRCUNSTÂNCIA QUE NÃO
IMPEDE A INSTAURAÇÃO DA PERTINENTE INVESTIGAÇÃO PARLAMENTAR SOBRE FATOS CONEXOS AOS EVENTOS DELITUOSOS - REFERÊNCIA
À SUPOSTA ATUAÇÃO DE ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO ESTADO DO ACRE, QUE SERIAM RESPONSÁVEIS PELA PRÁTICA DE ATOS
CARACTERIZADORES DE UMA TEMÍVEL MACRODELINQÜÊNCIA (TRÁFICO DE ENTORPECENTES, LAVAGEM DE DINHEIRO, FRAUDE,
CORRUPÇÃO, ELIMINAÇÃO FÍSICA DE PESSOAS, ROUBO DE AUTOMÓVEIS, CAMINHÕES E CARGAS) - ALEGAÇÃO DO IMPETRANTE DE QUE
INEXISTIRIA CONEXÃO ENTRE OS ILÍCITOS PENAIS E O OBJETO PRINCIPAL DA INVESTIGAÇÃO PARLAMENTAR - AFIRMAÇÃO DESPROVIDA DE
LIQUIDEZ - MANDADO DE SEGURANÇA INDEFERIDO. A QUEBRA FUNDAMENTADA DO SIGILO INCLUI-SE NA ESFERA DE COMPETÊNCIA
INVESTIGATÓRIA DAS COMISSÕES PARLAMENTARES DE INQUÉRITO. - A quebra do sigilo fiscal, bancário e telefônico de qualquer pessoa
sujeita a investigação legislativa pode ser legitimamente decretada pela Comissão Parlamentar de Inquérito, desde que esse órgão estatal o
faça mediante deliberação adequadamente fundamentada e na qual indique, com apoio em base empírica idônea, a necessidade objetiva
da adoção dessa medida extraordinária. Precedente: MS 23.452-RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO (Pleno). PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA
RESERVA DE JURISDIÇÃO E QUEBRA DE SIGILO POR DETERMINAÇÃO DA CPI. - O princípio constitucional da reserva de jurisdição - que incide
sobre as hipóteses de busca domiciliar (CF, art. 5º, XI), de interceptação telefônica (CF, art. 5º, XII) e de decretação da prisão, ressalvada a
situação de flagrância penal (CF, art. 5º, LXI) - não se estende ao tema da quebra de sigilo, pois, em tal matéria, e por efeito de expressa
autorização dada pela própria Constituição da República (CF, art. 58, § 3º), assiste competência à Comissão Parlamentar de Inquérito, para
decretar, sempre em ato necessariamente motivado, a excepcional ruptura dessa esfera de privacidade das pessoas. AUTONOMIA DA
INVESTIGAÇÃO PARLAMENTAR. - O inquérito parlamentar, realizado por qualquer CPI, qualifica-se como. procedimento jurídico-
constitucional revestido de autonomia e dotado de finalidade própria, circunstância esta que permite à Comissão legislativa - sempre
respeitados os limites inerentes à competência material do Poder Legislativo e observados os fatos determinados que ditaram a sua
constituição - promover a pertinente investigação, ainda que os atos investigatórios possam incidir, eventualmente, sobre aspectos
referentes a acontecimentos sujeitos a inquéritos policiais ou a processos judiciais que guardem conexão com o evento principal objeto da
apuração congressual. Doutrina. Precedente: MS 23.639-DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO (Pleno). O PROCESSO MANDAMENTAL NÃO
COMPORTA DILAÇÃO PROBATÓRIA. - O processo de mandado de segurança qualifica-se como processo documental, em cujo âmbito não se
admite dilação probatória, pois a liquidez dos fatos, para evidenciar-se de maneira incontestável, exige prova pré-constituída, circunstância
essa que afasta a discussão de matéria fática fundada em simples conjecturas ou em meras suposições ou inferências. (MS 23652,
Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 22/11/2000, DJ 16-02-2001 PP-00092 EMENT VOL-02019-01 PP-00106).
239HABEAS CORPUS IMPETRADO EM SUBSTITUIÇÃO AO RECURSO PREVISTO NO ORDENAMENTO JURÍDICO. 1. NÃO CABIMENTO.
MODIFICAÇÃO DE ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL. RESTRIÇÃO DO REMÉDIO CONSTITUCIONAL. MEDIDA IMPRESCINDÍVEL À SUA
OTIMIZAÇÃO. EFETIVA PROTEÇÃO AO DIREITO DE IR, VIR E FICAR. 2. ALTERAÇÃO JURISPRUDENCIAL POSTERIOR À IMPETRAÇÃO DO
PRESENTE WRIT. EXAME QUE VISA PRIVILEGIAR A AMPLA DEFESA E O DEVIDO PROCESSO LEGAL. 3. CORRUPÇÃO PASSIVA E
FAVORECIMENTO REAL. INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS. CONDUÇÃO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. POSSIBILIDADE. ALEGAÇÃO DE QUE AS
ESCUTAS E AS TRANSCRIÇÕES FORAM EFETUADAS POR SERVIDORES DO MINISTÉRIO PÚBLICO. DILIGÊNCIA QUE SE MANTEVE SOB A
RESPONSABILIDADE DO PARQUET. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO. ILEGALIDADE MANIFESTA INEXISTENTE. 4. PRISÃO
PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. GRAVIDADE CONCRETA DA CONDUTA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. CONSTRANGIMENTO
ILEGAL EVIDENTE NÃO CARACTERIZADO. ORDEM NÃO CONHECIDA. [...] 3. É lícito ao Parquet promover, por autoridade própria, atos de
investigação penal, pois esses compõem o complexo de funções institucionais do Ministério Público e visam instrumentalizar e tornar
efetivo o exercício das competências que lhe foram expressamente outorgadas pelo próprio texto constitucional - poderes implícitos -,
respeitadas - não obstante a unilateralidade do procedimento investigatório - todas as limitações que incidem sobre o Estado em tema de
persecução penal. 4. Na espécie, além da possibilidade, em abstrato, da colheita da prova pelo Ministério Público, a medida foi justificada
nas peculiaridades da hipótese, acentuando o Tribunal Estadual que por tratar-se "de crime organizado, envolvendo servidores públicos que
sucumbem a pedidos de presos para introdução de celulares nas unidades penitenciárias para dar continuidade ao cometimento de crimes,
em troca de dinheiro, muito mais coerente que a atividade investigatória seja realizada pelo Ministério Público, por meio de um grupo de
Promotores especializados no combate a esse tipo de criminalidade (GAECO)". Frise-se que o Superior Tribunal de Justiça já decidiu acerca
da impossibilidade de se interpretar restritivamente o art. 6º da Lei 9.296/1996 - que cuida da condução das escutas pela autoridade policial
-, sob pena de se inviabilizar a efetivação das interceptações telefônicas, até mesmo porque o legislador não teria como efetuar a distinção
necessária entre as variadas condições de estrutura e aparelhamento das unidades da Federação no que concerne à investigação penal,
especialmente em época de criminalidade organizada, não raras vezes chefiada por agentes estatais, como é o caso dos autos. 5.
Entretanto, para que a possibilidade de colheita da prova diretamente pelo Ministério Público - em razão da necessidade de adequação dos
instrumentos de investigação penal à atual realidade criminal do país - seja não só legal, como também legítima no caso concreto, o
exercício da discricionariedade motivada no momento da valoração da prova não basta, pois se fará imprescindível que a atividade
jurisdicional adeque-se frente a esse moderno modelo de investigação, exercendo a fiscalização da prova com maior profundidade - isto é:
quando do deferimento, da colheita e da apreciação da prova -, a fim de impedir distorções e desigualdades em sua aquisição, ferindo de
morte o princípio da paridade de armas, que garante um processo penal justo e equilibrado. Para tanto, repita-se: exigir-se-á do hodierno
julgador - inclusive em maior grau e amplitude do que se exigia antes - elevado controle e rigor na admissão, produção (e introdução no
processo) e valoração da prova requerida e realizada pelo Parquet. 6. A eventual escuta e posterior transcrição das interceptações pelos
servidores do Ministério Público não têm o condão de macular a mencionada prova, pois não passa de mera divisão de tarefas dentro do
próprio órgão que, por assim dizer, apenas se refere à organização administrativa da instituição, divisão de tarefas essa que não retirou dos
promotores de justiça a responsabilidade pela condução das diligências, tanto que consta expressamente do acórdão atacado - e dos

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O prazo de duração da medida não poderá ser superior a quinze dias, renovável por igual
tempo, uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova.
As interceptações podem ser renovadas por quantas vezes forem necessárias à investigação,
não havendo quantidade predeterminada240. O que poderá ocorrer, em cada caso, é a análise acerca
da validade ou não de sucessivas renovações.
Para preservar o sigilo e a eficácia da medida, o procedimento deve tramitar em autos
apartados, sendo o apensamento realizado imediatamente antes do relatório da autoridade, quando
se tratar de inquérito policial, ou na conclusão do processo ao juiz.
Por fim, a lei criou um tipo especial de delito para quem realizar interceptação de
comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou violar sigilo, sem autorização judicial ou
com objetivos não autorizados em lei, com pena de reclusão, que varia de dois a quatro anos, e
multa (art. 10).

QUESTÕES E PROCESSOS
INCIDENTES
QUESTÕES PREJUDICIAIS. EXCEÇÕES. CONFLITO DE JURISDIÇÃO. MEDIDAS
ASSECURATÓRIAS: SEQUESTRO, HIPOTECA LEGAL E ARRESTO.
RESTITUIÇÃO DAS COISAS APREENDIDAS. INCIDENTES DE FALSIDADE E
DE INSANIDADE MENTAL DO ACUSADO.

6.1 QUESTÕES PREJUDICIAIS


Ocorre a questão prejudicial quando, para a solução da demanda penal – principal –, for
necessária a definição de outra controvérsia que a subordine. Há uma relação de dependência lógica
entre ambas, e que poderia ser objeto de demanda autônoma.
As questões prejudiciais podem ser:
a) Homogênea, comum ou imperfeita – referem-se ao mesmo ramo do direito. Ex: a
questão prejudicial e a prejudicada versam sobre matéria penal.

demais documentos juntados aos autos - que as interceptações ficaram sob a responsabilidade de dois promotores de justiça
especialmente designados. [...] (HC 244.554/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, julgado em 09/10/2012, DJe
17/10/2012).
240Ementa: HABEAS CORPUS. PENAL. PROCESSUAL PENAL. PROVA. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. VIOLAÇÃO DE SIGILO DA COMUNICAÇÃO
ENTRE O PACIENTE E O ADVOGADO. CONHECIMENTO DA PRÁTICA DE NOVOS DELITOS. ILICITUDE DA PROVA. TRANCAMENTO DA AÇÃO
PENAL. ALEGAÇÃO INSUBSISTENTE. ORDEM DENEGADA. 1. É lícita a escuta telefônica autorizada por decisão judicial, quando necessária,
como único meio de prova para chegar-se a apuração de fato criminoso, sendo certo que, se no curso da produção da prova advier o
conhecimento da prática de outros delitos, os mesmos podem ser sindicados a partir desse início de prova. Precedentes: HC nº 105.527/DF,
relatora Ministra Ellen Gracie, DJe de 12/05/2011; HC nº 84.301/SP, relator Ministro Joaquim Barbosa, Segunda Turma, DJ de 24/03/2006; RHC
nº 88.371/SP, relator Ministro Gilmar Mendes, DJ de 02.02.2007; HC nº 83.515/RS, relator Ministro Nélson Jobim, Pleno, DJ de 04.03.2005.
2. A renovação da medida ou a prorrogação do prazo das interceptações telefônicas pressupõem a complexidade dos fatos sob investigação
e o número de pessoas envolvidas, por isso que nesses casos maior é a necessidade da quebra do sigilo telefônico, com vista à apuração da
verdade que interessa ao processo penal, sendo, a fortiori, “lícita a prorrogação do prazo legal de autorização para interceptação telefônica,
ainda que de modo sucessivo, quando o fato seja complexo e exija investigação diferenciada e contínua” (Inq. Nº 2424/RJ, relator Ministro
Cezar Peluso, Dje de 25.03.2010). 3. A comunicação entre o paciente e o advogado, alcançada pela escuta telefônica devidamente
autorizada e motivada pela autoridade judicial competente, não implica nulidade da colheita da prova indiciária de outros crimes e serve
para a instauração de outro procedimento apuratório, haja vista a garantia do sigilo não conferir imunidade para a prática de crimes no
exercício profissional. 4. O artigo 40 do Código de Processo Penal, como regra de sobredireito, dispõe que os juízes ou tribunais, quando em
autos ou papéis de que conhecerem verificarem a existência de crime de ação pública, remeterão ao Ministério Público as cópias e os
documentos necessários ao oferecimento da denúncia. Desse modo, se a escuta telefônica trouxe novos elementos probatórios de outros
crimes que não foram aqueles que serviram como causa de pedir a quebra do sigiloso das comunicações, a prova assim produzida deve ser
levada em consideração e o Estado não deve quedar-se inerte ante o conhecimento da prática de outros delitos no curso de interceptação
telefônica legalmente autorizada. 5. Habeas corpus indeferido. (HC 106225, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min.
LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 07/02/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-059 DIVULG 21-03-2012 PUBLIC 22-03-2012).

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b) Heterogênea, jurisdicional ou perfeita – a questão prejudicial envolve ramo do direito
diverso do da questão principal. Há duas possibilidades:
a. Devolutiva absoluta ou obrigatória – o próprio nome já exprime a sua principal
característica, que é a de determinar a suspensão da ação penal enquanto não
solucionada a questão prejudicial. Segundo o art. 92 do CPP, se a decisão sobre
a existência da infração depender da solução de controvérsia, que o juiz repute
séria e fundada, sobre o estado civil das pessoas, o curso da ação penal ficará
suspenso até que no juízo cível seja a controvérsia dirimida por sentença
passada em julgado, sem prejuízo, entretanto, da inquirição das testemunhas e
de outras provas de natureza urgente. Se for o crime de ação pública, o
Ministério Público, quando necessário, promoverá a ação civil ou prosseguirá na
que tiver sido iniciada, com a citação dos interessados.
b. Devolutiva relativa ou facultativa – ocorre quando o reconhecimento da existência
da infração penal depender de decisão sobre questão que não envolva o estado
civil das pessoas, mas que também seja da competência do juízo cível, e se
neste houver sido proposta ação para resolvê-la. Nesse caso, o juiz criminal
poderá, desde que essa questão seja de difícil solução e não verse sobre direito
cuja prova a lei civil limite, suspender o curso do processo, após a inquirição das
testemunhas e realização das outras provas de natureza urgente. Note-se que a
produção antecipada de provas aqui é regra. A suspensão, nesse caso, será por
prazo certo, sujeito à prorrogação, desde que a demora não seja imputável à
parte. Expirado o prazo, sem que o juiz cível tenha proferido decisão, o juiz
criminal fará prosseguir o processo, retomando sua competência para resolver,
de fato e de direito, toda a matéria da acusação ou da defesa. Tratando-se de
crime de ação pública, o Ministério Público pode e deve intervir imediatamente na
causa cível, para o fim de promover-lhe o rápido andamento.

O art. 94 do CPP autoriza que a decisão de suspensão seja tomada de ofício pelo juízo, ou
ainda por provocação das partes, ficando suspenso o prazo prescricional (art. 116, I, do CP).
Não há recurso cabível contra a decisão que indeferir a suspensão, devendo a questão ser
discutida em grau de apelação. No caso de deferimento, é possível a interposição de recurso em
sentido estrito (art. 581, XVI).

6.2 EXCEÇÕES
As exceções estão previstas a partir do Capítulo II. Nada mais são do que procedimentos
incidentais, os quais poderão retardar ou até mesmo impedir o prosseguimento da ação penal, por
isso são divididas respectivamente em dilatórias e peremptórias.

6.2.1 EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO


A exceção de suspeição, disciplinada nos artigos 96 a 107 do CPP, visa retirar do processo o juiz
parcial. As hipóteses de suspeição, por sua vez, estão previstas no art. 254 do mesmo código241.
Cuida-se de medida salutar, pois a imparcialidade do órgão julgador é requisito de validade do
processo, valendo lembrar que a suspeição recai sobre a pessoa do magistrado, não guardando
qualquer relação com o juízo.

241 Art. 254. O juiz dar-se-á por suspeito, e, se não o fizer, poderá ser recusado por qualquer das partes: I - se for amigo íntimo ou inimigo
capital de qualquer deles; II - se ele, seu cônjuge, ascendente ou descendente, estiver respondendo a processo por fato análogo, sobre cujo
caráter criminoso haja controvérsia; III - se ele, seu cônjuge, ou parente, consanguíneo, ou afim, até o terceiro grau, inclusive, sustentar
demanda ou responder a processo que tenha de ser julgado por qualquer das partes; IV - se tiver aconselhado qualquer das partes; V - se
for credor ou devedor, tutor ou curador, de qualquer das partes; VI - se for sócio, acionista ou administrador de sociedade interessada no
processo.

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Por outro lado, a fim de evitar a recusa imotivada de juízes, a lei sabiamente oferece um
contraponto, que é a inexistência de suspeição quando a parte injuriar o juiz ou de propósito der
motivo para criá-la.
A análise da ocorrência ou não da suspeição precede às demais questões ou incidentes, o que
é correto, por se tratar de pressuposto processual subjetivo, exceto se for superveniente. De
qualquer forma, deve ser provocada na primeira oportunidade, sob pena de preclusão.
A suspeição pode ser reconhecida espontaneamente pelo juiz, caso em que remeterá o
processo ao substituto legal, ou mediante requerimento de pelo menos uma das partes.
Quando se der a arguição da suspeição, o requerimento deverá ser formalizado em petição
assinada pela própria parte (excipiente) ou por procurador com poderes especiais, aduzindo as suas
razões acompanhadas de prova documental ou do rol de testemunhas. Acatando-a, o juiz (excepto)
remeterá o processo ao substituto.
Em caso de recusa, o juiz mandará autuar em apartado a petição, dará sua resposta dentro de
três dias, podendo instruí-la e oferecer testemunhas, e, em seguida, determinará sejam os autos da
exceção remetidos, em vinte e quatro horas, ao tribunal a quem competir o julgamento (art. 100),
ocasião em que poderá ser liminarmente rejeitada pelo relator.
Não havendo rejeição liminar, o relator determinará a citação das partes, marcará dia e hora
para a inquirição das testemunhas, e prosseguirá com o julgamento da exceção.
Apesar de não estar expressamente determinada, é recomendável a suspensão do processo,
em sendo relevante a arguição, a fim de se evitar a prática de atos que posteriormente possam ser
declarados nulos (art. 101). Caso a parte contrária reconheça a exceção, também poderá formular
requerimento de suspensão do processo principal (art. 102).
O artigo 103 trata da exceção de juiz que compõe órgão colegiado, sem prejuízo da devida
complementação da regulamentação, conforme dispuser o regimento interno do respectivo tribunal.
É possível a arguição de exceção de membro do Ministério Público (art. 104), que se processa
perante o juízo condutor do feito242. Entretanto, a participação de membro do Ministério Público na
fase investigatória criminal não acarreta o seu impedimento ou suspeição para o oferecimento da
denúncia (Enunciado 234 da Súmula do STJ).
As partes também poderão arguir a suspeição dos peritos, dos intérpretes e dos serventuários
ou funcionários de justiça, devendo o juiz decidir a questão, contra a qual não cabe recurso. No caso
de jurados, deverá ser suscitada oralmente, decidindo de plano do presidente do Tribunal do Júri,
que a rejeitará se, negada pelo recusado, não for imediatamente comprovada.Nesse sentido,
consoante preceitua o art. 571, inciso VIII, do CPP, asnulidades ocorridas em plenário de
julgamento devem ser arguidas logo depois de ocorrerem, de modo que preclui a exceção de
suspeição após o plenário do tribunal do júri. Ademais, por não ter conteúdo decisório, da decisão
que acolhe exceção de suspeição não cabe recurso, sendo certo que apenas na hipótese de rejeição
da exceção que o juiz deverá remeter o feito ao Tribunal.

242 RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE HOMICÍDIO QUALIFICADO. PROCEDIMENTO
INVESTIGATÓRIO. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE. ARGUIÇÃO DE SUSPEIÇÃO DE MEMBRO DO MINISTÉRIO PUBLICO DE PRIMEIRO
GRAU. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DO FEITO PARA A APRECIAÇÃO E JULGAMENTO. 1. A legitimidade do Ministério Público para conduzir
diligências investigatórias decorre de expressa previsão constitucional, oportunamente regulamentada pela Lei Complementar nº 75/93. É
consectário lógico da própria função do órgão ministerial – titular exclusivo da ação penal pública –, proceder a coleta de elementos de
convicção, a fim de elucidar a materialidade do crime e os indícios de autoria. 2. A competência da polícia judiciária não exclui a de outras
autoridades administrativas. Inteligência do art. 4º, parágrafo único, do Código de Processo Penal. Precedentes do STJ. 3. A arguição de
suspeição de membro do Ministério Público de primeiro grau deve ser processada e julgada em Primeira Instância, pelo Juízo do feito, não
cabendo recurso contra a decisão proferida, conforme dispõe o art. 104 do Código de Processo Penal. Precedentes desta Corte. 4. Recurso
desprovido. (RHC 15.351/RS, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 28/09/2004, DJ 18/10/2004, p. 297).

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Não cabe oposição de suspeição às autoridades policiais nos atos do inquérito, havendo
apenas recurso ao chefe de polícia, na hipótese de não haver reconhecimento espontâneo da suspeição
(art. 107).

6.2.2 EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA


A exceção de incompetência relativa deve ser provocada pelo acusado, no prazo de defesa,
sob pena de preclusão, caso em que ocorrerá o fenômeno da prorrogação. A incompetência de
natureza absoluta pode ser arguida a qualquer tempo.
Autuada em apartado, sem necessariamente suspender o processo principal243, e após a oitiva
do Ministério Público, o juiz decidirá a questão, remetendo o processo ao juízo competente, em caso
de acolhimento, hipótese essa que autoriza a interposição de recurso em sentido estrito (art. 581, II).
Se for recusada, a matéria será apreciável em eventual apelação, ou até mesmo em habeas corpus.
Mesmo que não haja a exceção no momento oportuno, nada impede que o próprio juízo
reconheça de ofício a sua incompetência (art. 109), o que de certa forma torna um tanto quanto
inócua a preclusão.
6.2.2.1 CONFLITO DE JURISDIÇÃO
Nos termos do artigo 113 do CPP, as questões atinentes à competência resolver-se-ão pela
exceção própria e pelo conflito de jurisdição.
Ocorre o conflito quando dois juízos se consideram competentes (positivo) ou incompetentes
(negativo) para julgar determinada causa, conforme regras estabelecidas pelo ordenamento
jurídico244.
Para que o conflito apareça, há outro requisito, que parece evidente, mas não menos
importante: a ausência de hierarquia ou verticalidade entre os órgãos. Vale dizer, o conflito surge
quando um órgão, seja ele singular ou colegiado, não pode impor a sua decisão ao outro que se
encontra em posição de divergência. Assim, o responsável para dirimi-lo será sempre o órgão, em
regra colegiado, situado no plano superior, desde que tenha atuação jurisdicional sobre os
envolvidos no conflito.
Por fim, compete ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar, originariamente, os conflitos
de competência entre o Superior Tribunal de Justiça e quaisquer tribunais, entre Tribunais
Superiores, ou entre estes e qualquer outro tribunal (art. 102, I, o).
Em relação ao procedimento, o Código de Processo Penal regula o conflito de competência nos
artigos 113 a 117245.
Segundo o art. 114, haverá conflito de competência, quando duas ou mais autoridades
judiciárias se considerarem competentes ou incompetentes para conhecer do mesmo fato criminoso,
ou quando entre elas surgir controvérsia sobre unidade de juízo, união ou separação de processos. Já
foi mencionado tratar-se das hipóteses de conflito positivo ou negativo de competência.
O conflito pode ser provocado não somente pela parte interessada, inclusive o Ministério
Público, sempre na forma de requerimento, como também pelo próprio magistrado ligado à causa,
nesta última hipótese, na forma de representação.

243 Entretanto, nada impede que o juiz determine a suspensão do feito, até para evitar a prática de atos inúteis.
244 No cotidiano do magistrado, tem-se constatado ser mais comum a ocorrência de conflito negativo de competência, que normalmente
ocorre quando um juízo, ao se considerar incompetente para processar e julgar determinada demanda, remete-a para o órgão que entenda
competente. Este, por sua vez, discordando da decisão anterior, acaba suscitando o conflito, que será necessariamente endereçado ao
órgão competente para solucioná-lo.
245 Também está previsto no Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça – RISTJ (arts. 193 a 198) e no Regimento Interno do
Supremo Tribunal Federal – RISTF (arts. 163 a 168).

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A natureza do conflito definirá a forma de encaminhamento do incidente. Caso seja negativo,
poderá ser suscitado nos próprios autos do processo. Na hipótese contrária, seria incongruente a
remessa dos autos, pois, considerando-se competente, não faria sentido o juiz remetê-los ao órgão
responsável pela solução do conflito. De qualquer forma, o relator poderá determinar a suspensão
do feito, em sendo positivo o conflito, bem como designar um dos órgãos envolvidos para a prática
de atos urgentes, em ambos os casos, isso enquanto não resolvida a controvérsia.
Colhidas as informações do juízo suscitado ou transcorrido o prazo sem manifestação, os autos
serão encaminhados ao Ministério Público que oficie perante o tribunal. Após, o julgamento do
conflito se dará na sessão imediatamente posterior, salvo se houver necessidade de se realizar
alguma diligência.
A decisão pode ser comunicada antes mesmo da lavratura do acórdão, a fim de não prejudicar
o andamento do processo original.

6.2.3 EXCEÇÃO DE ILEGITIMIDADE DE PARTE, LITISPENDÊNCIA E COISA


JULGADA
As últimas três modalidades de exceção previstas no CPP serão tratadas em bloco, em razão de
o art. 110 determinar o mesmo procedimento para a apuração de cada uma delas.
A exceção de ilegitimidade de parte tem como objetivo principal a correção do polo ativo,
sendo, portanto, matéria essencialmente de defesa.
Cuida-se de exceção de pouca utilização no cotidiano forense, porque de difícil verificação.
Ocorre, por exemplo, quando o Ministério Público oferece uma queixa ou, na hipótese invertida,
quando o particular apresenta denúncia em crime de ação penal pública, sem que seja o caso de
ação penal privada subsidiária. Há ainda a possibilidade de conflito entre órgãos de MP distintos.
Logo, não se trata de erro recorrente.
Apesar de ser especificamente criada para tratar de ilegitimidade ad causam, também se tem
permitido o uso da exceção nas situações em que se verifica a ilegitimidade ad processum, que
aponta para a ausência de capacidade para integrar qualquer relação processual. A doutrina costuma
apontar como exemplo o caso em que o denunciado ainda não possui dezoito anos.
A litispendência envolve a repetição de demanda em andamento, entre as quais se verifique a
coincidência de partes e de fato delituoso.
Não se exige a tríplice identidade, tal como no processo civil, porque o princípio da correlação
tem aplicação diferenciada no processo penal. Como já foi dito, o réu defende-se dos fatos contra si
narrados, independentemente da capitulação jurídica e do pedido formulado pelo autor da ação.
Eugênio Pacelli, com muita propriedade, defende que se deve entender como fato delituoso a
própria realidade histórica, mesmo que não haja perfeita coincidência entre ela e a narrativa
reproduzida na peça acusatória246.
No caso da coisa julgada, reproduz-se demanda já definitivamente apreciada pelo Poder Judiciário.
A coisa julgada tem tratamento diferenciado no processo penal, tendo em vista a magnitude
do bem jurídico tutelado pela norma penal. A res judicata apenas bloqueia a reprodução de nova
persecução penal, mas não impede que o fato seja reapreciado em favor do condenado, o que se dá
por intermédio da revisão criminal (art. 621 do CPP). Todas essas exceções não estão sujeitas à
preclusão, podendo ser apreciadas a qualquer tempo.

246OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 16. ed. atual. São Paulo: Atlas, 2012, p. 296.

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6.3 MEDIDAS ASSECURATÓRIAS
As medidas assecuratórias estão disciplinadas a partir do art. 125 do Código de Processo Penal.
Como o próprio nome indica, são medidas de natureza cautelar, de conteúdo patrimonial, que visam
primordialmente garantir a futura reparação do dano causado à vítima da infração penal.
Eventualmente podem assegurar perdimento de bens em favor da União (art. 91, II, b, do CP).
Há uma estreita sintonia entre as medidas assecuratórias e a ação civil ex delito, cujas
modalidades estão previstas nos artigos 63 e 64 do CPP, tal como se verifica entre a cautelar e o
processo principal.
O código prevê três medidas específicas, ou seja, o sequestro, a especialização de hipoteca e o
arresto.
6.3.1 SEQUESTRO
O sequestro pode recair sobre os bens imóveis adquiridos pelo autor do fato com os proventos
da infração penal, mesmo que já tenham sido transferidos a terceiro. Este poderá interpor embargos,
se, de boa-fé, tiver adquirido o bem a título oneroso (art. 130, II).
É possível que o sequestro também incida sobre bens móveis, desde que não seja cabível a
busca e apreensão, esta específica para as situações em que o próprio bem é o produto da infração
penal.
Para tanto, como toda medida de natureza cautelar, bastará a existência de indícios
veementes da proveniência ilícita dos bens, em decorrência da infração penal, além do próprio risco
de ineficácia do provimento final (perigo da demora), este último inerente à medida acautelatória
em si.
A medida pode ser ordenada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou do
ofendido, ou mediante representação da autoridade policial, qualquer que seja a fase da persecução
penal, mesmo antes da denúncia ou queixa.
Quanto ao procedimento, o sequestro é autuado em separado, devendo o juiz decidir a
respeito.
Realizado o sequestro de bens imóveis, o juiz deverá determinar a devida averbação no
cartório competente, a fim de prevalecer contra terceiros. Em se tratando de bens móveis sujeitos a
qualquer tipo de controle ou registro, é recomendável que o magistrado proceda da mesma maneira,
muito embora a lei silencie a respeito.
É possível a interposição de embargos, tanto pelo acusado, quanto pelo terceiro
interessado247, sendo a cognição extremamente limitada. Compete ao autor do fato demonstrar que
os bens não foram adquiridos com os proventos da infração, enquanto que ao terceiro, como já
adiantado no início deste tópico, a comprovação de que os adquiriu a título oneroso, além de ter
atuado de boa-fé.
Apesar de o código afirmar que a decisão a respeito dos embargos deverá aguardar o trânsito
em julgado da sentença penal condenatória, há casos em que se deve permitir que a decisão seja
abreviada, principalmente quando for evidente o fato a ser provado, sob pena de causar prejuízos
para o interessado, pois é notório que as demandas penais, em sua grande maioria, possuem longo
tempo de tramitação. Contra a decisão que apreciar os embargos é cabível apelação.
De qualquer forma, o CPP traz algumas hipóteses em que se deve levantar o sequestro. São
elas:

247A mulher casada pode apresentar embargos de terceiro, a fim de defender a sua meação.

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• Se a ação penal não for intentada no prazo de sessenta dias, contado da
data em que ficar concluída a diligência. Trata-se de regra já presente no
processo civil, muito embora o prazo seja diverso. Obviamente, trata-se
de medida anterior à deflagração da ação penal (cautelar preparatória). É
uma forma de impedir o abuso de direito, a fim de que o bem fique
indefinidamente indisponível.
• Se o terceiro, a quem tiverem sido transferidos os bens, prestar caução
que assegure a aplicação do disposto no art. 74, II, b, segunda parte, do
Código Penal. A caução, como medida de contracautela, também é
prevista no processo civil. Dada a natureza acautelatória da medida, é
possível o levantamento do sequestro se o terceiro presta caução idônea,
hipótese em que não se mostra necessária a manutenção da medida. O
CPP faz remissão à revogada parte geral do CP, por sua vez equivalente
ao art. 91, II, b, do código atual.
• Se for julgada extinta a punibilidade ou absolvido o réu, por sentença
transitada em julgado. Basta que o encerramento da persecução penal
se dê de forma não prejudicial ao acusado. Vale dizer, mesmo que não
seja o caso de absolvição, mas tão somente de extinção da punibilidade,
qualquer que seja a razão desta, o sequestro também deverá ser
levantado. Um dos requisitos da cautelar terá desaparecido.
Transitada em julgado a sentença condenatória, o juiz, de ofício ou a requerimento do
interessado, determinará a avaliação e a venda dos bens em leilão público, tendo preferência a
vítima da infração penal ou o terceiro de boa-fé. Subsidiariamente, reverte-se em favor da União.

6.3.2 HIPOTECA LEGAL


A especialização da hipoteca está regulamentada nos artigos 134 e 135 do Código de Processo
Penal, sendo a sua aplicação relativamente reduzida no cotidiano forense.
Pode ser requerida pelo ofendido em qualquer fase do processo, desde que haja certeza da
infração e indícios suficientes de autoria. Pela similitude de pressupostos, será cabível sempre que no
caso concreto houver a decretação de prisão preventiva (art. 312).
O procedimento de especialização está definido no art. 135, competindo à parte interessada a
estimativa inicial da responsabilidade civil, bem como a indicação de bens imóveis que possam
atingir o valor estimado.
O juiz mandará proceder ao arbitramento do valor da responsabilidade e à avaliação dos
imóveis, através de prova pericial, se for o caso, sendo cabível a correção dos valores, se excessivos
ou deficientes, readequando-se a abrangência patrimonial da medida, que deve ser proporcional ao
valor da estimativa da responsabilidade civil.
É possível a oferta de caução idônea, em dinheiro ou em títulos de dívida pública, para fins de
levantamento da hipoteca, tal como ocorre no sequestro.
Em caso de condenação, procede-se à liquidação do valor arbitrado, sendo ainda possível a
readequação da medida.

6.3.3 ARRESTO
Finalmente, com o advento da Lei 11.435, de 28 de dezembro de 2006, corrigiu-se o nome da
medida prevista no artigo 136 e seguintes do Código de Processo Penal, antes impropriamente
chamada de sequestro.

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Cuida-se efetivamente de arresto, porque a medida não recai sobre a coisa litigiosa, mas
indistintamente sobre o patrimônio do autor do fato, para fins de garantir a futura reparação do
dano causado pela infração penal. Vale dizer, não incide sobre objeto, produto ou proveito do crime
ou da contravenção de que trata a persecução penal.
No caso de coisas fungíveis e facilmente deterioráveis, é possível a venda antecipada dos bens,
depositando-se o valor arrecadado ou entregando-o ao terceiro que as detinha, se for pessoa idônea,
mediante assinatura de termo de responsabilidade.
Havendo o arresto prévio de imóvel (art. 136), deve-se proceder à inscrição da hipoteca legal,
no prazo de 15 (quinze) dias, sob pena de revogação.
É possível que o juiz determine a destinação de recursos provenientes das rendas dos bens
móveis para a manutenção do indiciado e de sua família.
Da mesma forma que o CPP disciplinou a respeito do sequestro, o arresto será levantado ou
será cancelada a hipoteca, se, por sentença irrecorrível, o réu for absolvido ou julgada extinta a
punibilidade.
Além do próprio interessado, caberá ao Ministério Público requerer as medidas assecuratórias
de arresto e hipoteca legal contra o autor do fato ou o responsável civil. Entretanto, a legitimidade
do Ministério Público somente surgirá se houver interesse da Fazenda Pública, ou ainda se o
ofendido for pobre e o requerer248.
O processo de especialização da hipoteca e o do arresto correrá em autos apartados. Passando
em julgado a sentença condenatória, serão os autos de hipoteca ou arresto remetidos ao juiz do cível
(art. 63).
As garantias do ressarcimento do dano alcançarão também as despesas processuais e as penas
pecuniárias, tendo preferência sobre estas a reparação do dano ao ofendido.

6.3.4 AS MEDIDAS ASSECURATÓRIAS E A LEI Nº 12.694/12


Além da já comentada possibilidade de alienação antecipada de bens (art. 120, § 5º, e art. 137,
ambos do CPP), a Lei 12.694, de 24 de julho de 2012, que dispôs sobre o processo e o julgamento
colegiado em primeiro grau de jurisdição de crimes praticados por organizações criminosas, trouxe
um novo regramento para a alienação antecipada, especificamente no art. 144-A do Código de
Processo Penal, afastando-se as normas correlatas do Código de Processo Civil.
Dispõe o art. 144-A que o juiz determinará a alienação antecipada para preservação do valor
dos bens, sempre que estiverem sujeitos a qualquer grau de deterioração ou depreciação, ou quando
houver dificuldade para sua manutenção. A lei, portanto, criou novas possibilidades, além da própria
deterioração.
Atenta às facilidades oriundas da informática, a lei optou preferencialmente pela realização de
leilão por meio eletrônico. Caso não haja lance em valor igual ou superior ao fixado na avaliação
judicial, será realizado novo leilão, em até 10 (dez) dias contados da realização do primeiro,
respeitando-se o valor não inferior a 80% (oitenta por cento) do estipulado na avaliação judicial.
Em caso de arrematação, o produto da alienação ficará depositado em conta vinculada ao
juízo até a decisão final do processo, procedendo-se à conversão em renda, em favor da União,
Estado ou Distrito Federal, no caso de condenação, ou, no caso de absolvição, à devolução ao

248Neste último caso, entendo aplicar-se o que o Supremo Tribunal Federal já denominou como inconstitucionalidade progressiva, na
medida em que, em sendo a vítima ou interessado economicamente necessitado, a atribuição constitucional para a defesa de seus
interesses foi outorgada à Defensoria Pública, e não ao Ministério Público. De qualquer forma, a instituição deve estar em efetivo
funcionamento.

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acusado. Essa última hipótese – conversão em renda – deve ser considerada subsidiária, pois o
Código de Processo Penal dá preferência ao lesado ou terceiro de boa-fé.
Dispõe o 4° que, quando a indisponibilidade recair sobre dinheiro, inclusive moeda
estrangeira, títulos, valores mobiliários249 ou cheques emitidos como ordem de pagamento, o juiz
deverá determinar a conversão do numerário apreendido em moeda nacional corrente, procedendo-
se ao depósito das correspondentes quantias em conta judicial.
Quando forem leiloados bens móveis sujeitos a registro ou controle, como veículos,
embarcações ou aeronaves, o arrematante ficará dispensado do pagamento de multas, encargos e
tributos anteriores, devendo a Fazenda Pública direcionar a cobrança contra o antigo proprietário.

6.3.5 AS MEDIDAS ASSECURATÓRIAS E A LEGISLAÇÃO ESPECIAL


A legislação especial também prevê a adoção de medidas assecuratórias assemelhadas às
previstas no Código de Processo Penal, com algumas modificações tópicas, aplicáveis em razão do
critério da especialidade.
A Lei 9.613/98, que trata dos crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores,
cuidou do sequestro e da apreensão de tais coisas, desde que relacionadas aos crimes previstos na
citada lei. Estão disciplinadas a partir do art. 4º, sendo relevante citar que o prazo para o
oferecimento da denúncia foi ampliado para cento e vinte dias, além da possibilidade de
administração judicial dos bens custodiados (arts. 5º e 6º).
A Lei de Drogas atual também contempla regras sobre o assunto, que estão agrupadas no
Capítulo IV, especificamente a partir do artigo 60. Exige-se, da mesma forma, que haja uma relação
de pertinência entre os bens e a prática da infração penal, podendo sobre eles recair a medida
assecuratória, havendo remissão expressa ao procedimento previsto nos arts. 125 a 144 do CPP.
Destacam-se a possibilidade de suspensão da execução da medida, na hipótese em que houver risco
para o êxito das investigações, e o comparecimento do acusado como condição para o conhecimento
do pedido de restituição de coisa apreendida.

6.4 RESTITUIÇÃO DE COISAS APREENDIDAS


Nos termos do art. 6º, II, do CPP, a autoridade policial, tão logo tome conhecimento da prática
de infração penal, deverá apreender os objetos que tiverem relação com o fato, assim que liberados
pelos peritos criminais. Lavra-se então o auto ou termo de apreensão, em razão do qual tais objetos
permanecem sob a custódia do poder público enquanto interessarem ao processo (art. 118).
Superada a vinculação instrumental entre o objeto e o processo, é cabível o incidente de
restituição de coisas apreendidas, antes mesmo de transitada em julgado a sentença penal.
O código, entretanto, traz uma exceção, ao vedar a restituição nas hipóteses previstas no art.
91 do CP, ou seja, quando for cabível a perda, em favor da União, dos instrumentos do crime, desde
que consistam em coisas cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitua fato ilícito, ou
ainda do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente
com a prática do fato criminoso. Ressalva-se apenas o direito do lesado ou do terceiro de boa-fé.
O procedimento de restituição varia conforme a complexidade da situação.
Não havendo qualquer dúvida quanto ao direito do interessado, a devolução pode ser
autorizada pela própria autoridade policial, mediante termo a ser anexado aos autos do inquérito.

249O valor dos títulos da dívida pública, das ações das sociedades e dos títulos de crédito negociáveis em bolsa será o da cotação oficial do
dia, provada por certidão ou publicação no órgão oficial (§ 6º).

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Em sendo duvidoso, somente o juiz criminal poderá resolver o incidente, caso em que deverá
ser autuado em separado, abrindo-se o prazo de cinco dias para que o interessado produza a sua
prova. Se as coisas forem apreendidas em poder de terceiro de boa-fé, este será intimado para
alegar e provar o fato constitutivo do seu direito, em prazo igual e sucessivamente ao do reclamante,
que é de dois dias para cada interessado.
Contudo, se houver dúvida relevante quanto ao verdadeiro proprietário, mesmo depois da
breve instrução, o juiz deve remeter as partes ao juízo cível, sendo possível o depósito das coisas em
mãos de depositário ou do próprio terceiro que as detinha, se for pessoa idônea. Há também a
possibilidade de alienação antecipada dos bens de fácil deterioração, depositando-se o dinheiro
apurado, ou ainda o entregando a terceira pessoa idônea que as detinha, mediante assinatura de
termo de responsabilidade.
O Ministério Público manifesta-se antes da decisão judicial. Contra esta é cabível o recurso de
apelação.
Já no caso de apreensão de coisa adquirida com os proventos da infração, procede-se ao
sequestro, tal como já mencionado no item anterior. Decorrido o prazo de 90 dias, após transitar em
julgado a sentença condenatória, o juiz decretará, se for caso, a perda, em favor da União, das coisas
apreendidas e ordenará que sejam vendidas em leilão público. Do dinheiro apurado, será recolhido
ao Tesouro Nacional o que não couber ao lesado ou a terceiro de boa-fé.
Não sendo caso de perdimento, se dentro no prazo de 90 dias, a contar da data em que transitar
em julgado a sentença final, condenatória ou absolutória, os objetos apreendidos não forem
reclamados ou não pertencerem ao réu, serão vendidos em leilão, depositando-se o saldo à disposição
do juízo de ausentes.
Em relação aos instrumentos do crime, cuja perda em favor da União for decretada, serão
inutilizados ou recolhidos a museu criminal, se houver interesse na sua conservação250.

6.5 INCIDENTE DE FALSIDADE


Instaura-se o incidente de falsidade quando é contestada a idoneidade de documento
constante dos autos (art. 145).
A arguição de falsidade pode ser de iniciativa das partes. Quando feita por procurador, são
exigidos poderes especiais (art. 44). O juiz também pode determinar de ofício a instauração do
incidente de verificação (art. 147).
Autuada em separado, o juiz mandará ouvir a parte contrária, que terá o prazo de quarenta e
oito horas para oferecer resposta. Após, abre-se o prazo sucessivo de três dias para que cada parte
possa produzir prova de suas alegações. É possível que o juiz, antes de decidir, ordene a realização de
diligências consideradas necessárias.
Reconhecida a falsidade, o juiz determinará o desentranhamento do documento e o remeterá
ao Ministério Público, juntamente com os autos do incidente de falsidade. Trata-se de medida
análoga à prevista no art. 40, não fazendo a decisão coisa julgada. Serve apenas para o processo em
que utilizado o documento.

6.6 INCIDENTE DE INSANIDADE MENTAL DO ACUSADO


Em razão da adoção do sistema biopsicológico para a definição da inimputabilidade do autor
de infração penal (art. 26 do CP), o código prevê a instauração de incidente específico para a
verificação da sua condição subjetiva.

250No caso de arma de fogo, aplica-se o art. 25 do Estatuto do Desarmamento.

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Regulamentado a partir do art. 149 do CPP, o incidente de insanidade mental do acusado ou
indiciado inicia-se por determinação do juiz, de ofício, ou ainda mediante requerimento do
Ministério Público, do defensor, do curador, do ascendente, descendente, irmão ou cônjuge do
acusado251. Quando ainda estiver na fase pré-processual, a instauração do incidente também pode
ser requerida pela autoridade policial.
O único requisito que a lei exige para a deflagração do incidente é a existência de fundada
dúvida sobre a integridade mental do acusado ou indiciado, o que nos parece correto, pelo fato de
haver interesse público na definição dessa condição pessoal do autor do fato, que é de relevante
importância para a eventual resposta penal (pena ou medida de segurança).
A decisão que determinar a instauração do incidente também será o marco inicial para a
suspensão da tramitação da ação penal, se já iniciada, ocasião em que será nomeado curador para o
acusado. O incidente é autuado em separado, podendo haver a liberação dos autos aos peritos, para
fins de realização do exame e confecção do respectivo laudo.
Uma vez realizado o exame médico-legal, que deve ser concluído no prazo de quarenta e cinco
dias, ampliável, caso seja estritamente necessário, se for constatado que o indiciado ou denunciado
era inimputável, ao tempo da ação ou omissão, a persecução penal prosseguirá, mantendo-se o
curador especial. Caso seja demonstrado, porém, que a doença é superveniente, a ação penal deverá
permanecer suspensa até a recuperação do denunciado, sem prejuízo da produção antecipada de
provas consideradas urgentes.
Não há previsão de recurso cabível contra a decisão que defere ou indefere a instauração do
incidente, admitindo-se, se for o caso, a impetração de habeas corpus ou a correição parcial.
Por fim, caso a doença ocorra na fase de execução da pena, a Lei de Execução Penal traz
regramento específico a partir do art. 183.

SUJEITOS PROCESSUAIS
SUJEITOS DO PROCESSO. JUIZ. MINISTÉRIO PÚBLICO. CONFLITO DE
ATRIBUIÇÕES. ACUSADO E SEU DEFENSOR. CURADOR DO RÉU MENOR.
ASSISTENTE. AUXILIARES DA JUSTIÇA. PERITOS E INTÉRPRETES.
IMPEDIMENTOS E SUSPEIÇÕES.

Ao tratar da relação jurídica processual penal, é importante recordar alguns ensinamentos


relativos à teoria geral do processo e aos conceitos de lide e de parte. Como visto, inadequado tratar-
se no processo penal da existência de uma lide, a qualificar duas partes pela oposição de interesses.
O Ministério Público atua com imparcialidade, não exercendo na ação penal o direito de punir mas
unicamente o dever da ação penal. Não obstante, a partir do momento em que se estabelece uma
relação jurídica processual completa, com o recebimento da denúncia, passa o Ministério Público a
ser parte na ação penal252. É sob essa perspectiva que deve ser tratado, no âmbito do processo penal.
O Título VIII do Livro I do CPP trata da atuação do juiz, do Ministério Público, do acusado e
defensor, dos assistentes e auxiliares da justiça. Todas essas pessoas ou órgãos praticam atos ao

251Em face da proteção constitucional conferida à união estável, como entidade familiar, é recomendável incluir o companheiro ou
companheira no rol dos legitimados.
252OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 19ª ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 447

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longo do procedimento até o seu desfecho, variando a atuação conforme os papéis assumidos. São
comumente chamados de sujeitos do processo.
Vicente Greco253 divide os sujeitos do processo em três categorias: o juiz, as partes e os
auxiliares da justiça. Há ainda a classificação que leva em consideração o grau de importância ou de
relevância dos sujeitos, dividindo-se em principais e acessórios. Os primeiros (essenciais) são os que
compõem a relação jurídica processual, ou seja, o juiz (imparcial) e as partes254. Os últimos
(secundários) não compõem a relação, mas praticam atos indispensáveis no processo, como os
assistentes e auxiliares da justiça.

7.1 JUIZ
A imparcialidade do juiz, já foi dito, é uma garantia fundamental para o ideal do justo
processo. Não se pode conceber um instrumento que tenha, como figura central, um órgão de
qualquer forma comprometido com o resultado da demanda.
Nesse sentido, para que o juiz possa atuar de maneira independente e imparcial, livre de
pressões ou de ingerências indevidas, o ordenamento lhe assegura uma série de prerrogativas. As
mais relevantes estão na Constituição Federal (art. 95255). Da mesma forma, a Constituição Federal
estabelece uma série de vedações que se aplicam ao magistrado (art. 95, parágrafo único).
No plano infraconstitucional, especificamente no CPP, que é o que nos interessa, também são
listadas situações que possam indicar um comprometimento da imparcialidade do juiz. São os
impedimentos, a incompatibilidade e a suspeição.
Os impedimentos obstruem a participação do juiz no processo. São situações objetivamente
consideradas, independentemente do ânimo do magistrado. Portanto, o juiz estará
irremediavelmente impedido de atuar no processo em que (art. 252 do CPP):
1. tiver funcionado seu cônjuge ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou
colateral até o terceiro grau, inclusive, como defensor ou advogado, órgão do
Ministério Público, autoridade policial, auxiliar da justiça ou perito;
2. ele próprio houver desempenhado qualquer dessas funções ou servido como
testemunha;
3. tiver funcionado como juiz de outra instância, pronunciando-se, de fato ou de direito,
sobre a questão;
4. ele próprio ou seu cônjuge ou parente, consanguíneo ou afim em linha reta ou
colateral até o terceiro grau, inclusive, for parte ou diretamente interessado no feito.

A incompatibilidade, que também é objetivamente analisada, ocorre quando, nos órgãos


colegiados, atuarem no mesmo processo os juízes que forem entre si parentes, consanguíneos ou

253Greco Filho, Vicente. Manual de processo penal. 10 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 279.
254Há doutrina defendendo que o Ministério Público seria uma parte sui generis, porque atuaria com imparcialidade.
255Art. 95. Os juízes gozam das seguintes garantias:
I - vitaliciedade, que, no primeiro grau, só será adquirida após dois anos de exercício, dependendo a perda do cargo, nesse período, de
deliberação do tribunal a que o juiz estiver vinculado, e, nos demais casos, de sentença judicial transitada em julgado;
II - inamovibilidade, salvo por motivo de interesse público, na forma do art. 93, VIII;
III - irredutibilidade de subsídio, ressalvado o disposto nos arts. 37, X e XI, 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I. (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 19, de 1998)
Parágrafo único. Aos juízes é vedado:
I - exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de magistério;
II - receber, a qualquer título ou pretexto, custas ou participação em processo;
III - dedicar-se à atividade político-partidária.
IV receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as
exceções previstas em lei; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
V exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou, antes de decorridos três anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou
exoneração. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

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afins, em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive (art. 253). Os jurados, no Tribunal do
Júri, também estão submetidos a regime semelhante (art. 448)256.
A suspeição, ao contrário das situações anteriores, não é aferida objetivamente. É preciso que
se demonstre concretamente que o ânimo do órgão julgador está comprometido, caso o juiz não a
reconheça espontaneamente (art. 254). Assim, o juiz indicará a sua suspeição, mas, se não o fizer,
poderá ser recusado por qualquer das partes, se:
1. for amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer deles;
2. ele, seu cônjuge, ascendente ou descendente, estiver respondendo a processo por
fato análogo, sobre cujo caráter criminoso haja controvérsia;
3. ele, seu cônjuge, ou parente, consanguíneo, ou afim, até o terceiro grau, inclusive,
sustentar demanda ou responder a processo que tenha de ser julgado por qualquer
das partes;
4. tiver aconselhado qualquer das partes;
5. for credor ou devedor, tutor ou curador, de qualquer das partes;
6. for sócio, acionista ou administrador de sociedade interessada no processo.

Apesar da taxatividade da lista, o juiz pode declarar-se suspeito, por motivo de foro íntimo,
não sendo necessário, nessa hipótese, decliná-lo nos autos257.
Nos termos do art. 255, o impedimento ou suspeição decorrente de parentesco por afinidade
cessará pela dissolução do casamento que lhe tiver dado causa, salvo sobrevindo descendentes; mas,
ainda que dissolvido o casamento sem descendentes, não funcionará como juiz o sogro, o padrasto,
o cunhado, o genro ou enteado de quem for parte no processo.
Não será possível, de qualquer forma, afastar um juiz por suspeição, quando a parte o injuriar
ou de propósito der motivo para criá-la (art. 256), sob pena de se beneficiar o interessado pela
própria torpeza e, em última análise, permitir que escolha o magistrado que irá julgá-lo.

Quanto aos poderes (deveres) do juiz, Vicente Greco258 elaborou a seguinte classificação:
a. Poderes instrutórios, como o de presidir a prova, determinar diligências, ouvir
testemunhas não numerárias e intervir nos exames periciais, instituídos, entre
outros, nos arts. 156, 209, 168 e 176;
b. Poderes de disciplina processual, como o de indeferir perguntas impertinentes às
testemunhas, o de formar a lista de jurados, o de determinar o saneamento de
irregularidades, nos arts. 212, 423 etc.;
c. Poderes de coerção, como o de determinar a condução de testemunhas, ofendido e
acusado, por exemplo nos arts. 201, 218 e 260, ou determinar a utilização de força;
d. Poder de velar pela defesa técnica e representação processual das partes, nomeando
advogado ao querelante (art. 32), ao acusado (arts. 149, 263, 266 e 396-A) e ao
ofendido (art. 33). O juiz, também, no júri pode declarar o réu indefeso, anulando o
julgamento (art. 497, V);

256Art. 448. São impedidos de servir no mesmo Conselho:


I – marido e mulher;
II – ascendente e descendente;
III – sogro e genro ou nora;
IV – irmãos e cunhados, durante o cunhadio;
V – tio e sobrinho;
VI – padrasto, madrasta ou enteado.
§ 1º O mesmo impedimento ocorrerá em relação às pessoas que mantenham união estável reconhecida como entidade familiar.
§ 2º Aplicar-se-á aos jurados o disposto sobre os impedimentos, a suspeição e as incompatibilidades dos juízes togados.
257 O CNJ reeditou a Resolução 82/09, na qual determina o envio de comunicação reservada à corregedoria, em tais hipóteses. No MS
28.215/DF, a referida determinação foi impugnada, tendo sido obtida liminar para suspender os efeitos do ato, mas, posteriormente, o
processo foi extinto, por violar a Súmula STF 266. A matéria encontra-se atualmente em tramitação na ADI 4.260.
258Greco Filho, Vicente. Manual de processo penal. 10 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 282-283.

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e. Poderes decisórios, proferindo despachos, decisões e sentenças;
f. Poderes anômalos, de concessão de habeas corpus de ofício, de recorrer de ofício e
de requisitar inquérito.

O poder de polícia está expressamente previsto nos arts. 792, § 1º, e 794, ambos do CPP.

7.2 MINISTÉRIO PÚBLICO


O Ministério Público é o titular privativo da ação penal pública. Em razão da importância das
suas funções, a instituição tem como princípios a unidade, sendo sua divisão interna meramente
funcional, a indivisibilidade, de modo que os membros podem substituir uns aos outros, e a
independência funcional, que garante a autonomia de convicção de seus membros, os quais
subordinam-se apenas exclusivamente ao Chefe da Instituição.
No exercício das suas atribuições, o membro do Ministério Público goza das mesmas
prerrogativas e submete-se a vedações semelhantes às dos juízes:

Art. 128. O Ministério Público abrange:

[...]

§ 5º Leis complementares da União e dos Estados, cuja iniciativa é facultada aos respectivos
Procuradores-Gerais, estabelecerão a organização, as atribuições e o estatuto de cada
Ministério Público, observadas, relativamente a seus membros:

I - as seguintes garantias:

a) vitaliciedade, após dois anos de exercício, não podendo perder o cargo senão por
sentença judicial transitada em julgado;

b) inamovibilidade, salvo por motivo de interesse público, mediante decisão do órgão


colegiado competente do Ministério Público, pelo voto da maioria absoluta de seus membros,
assegurada ampla defesa; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

c) irredutibilidade de subsídio, fixado na forma do art. 39, § 4º, e ressalvado o disposto nos
arts. 37, X e XI, 150, II, 153, III, 153, § 2º, I; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº
19, de 1998)

II - as seguintes vedações:

a) receber, a qualquer título e sob qualquer pretexto, honorários, percentagens ou custas


processuais;

b) exercer a advocacia;

c) participar de sociedade comercial, na forma da lei;

d) exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública, salvo uma de
magistério;

e) exercer atividade político-partidária; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de


2004)

f) receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas,


entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei. (Incluída pela
Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

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§ 6º Aplica-se aos membros do Ministério Público o disposto no art. 95, parágrafo único, V.
(Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

Nos termos do art. 257, compete ao Ministério Público promover, privativamente, a ação
penal pública, além de fiscalizar a execução da lei, não somente quando atuar como parte, como
também quando intervier como fiscal da lei.
Ademais, conforme estabelece a Constituição Federal, cabe também ao Ministério Público
exercer o controle externo da atividade policial; requisitar diligências investigatórias e instauração de
inquérito, fundamentadamente; exercer o controle externo das atividades nos estabelecimentos
prisionais; assistir e defender os interesses das famílias atingidas pelo crime; exercer outras funções
que lhe forem conferidas, compatíveis com a sua finalidade.
Em relação aos impedimentos e à suspeição, os órgãos do Ministério Público não funcionarão
nos processos em que o juiz ou qualquer das partes for seu cônjuge, ou parente, consanguíneo ou
afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive, e a eles se estendem, no que lhes for
aplicável, as prescrições relativas à suspeição e aos impedimentos dos juízes (art. 258).

7.2.1 CONFLITO DE ATRIBUIÇÕES


No âmbito da Justiça Federal, funciona o Ministério Público Federal, órgão integrante do
Ministério Público da União, a quem compete a persecução penal dos chamados crimes federais. É
formado basicamente por procuradores, em diversos níveis de atuação, sendo a organização
disciplinada na Lei Complementar 75/93.
Poderão surgir entre os órgãos do Ministério Público, antes mesmo do oferecimento de
denúncia, divergências a respeito de sua atribuição para atuar em determinado feito. Tais
divergências, denominadas conflitos de atribuições, serão resolvidas conforme a natureza dos
Ministérios Públicos envolvidos.
Sendo assim, em caso de conflito entre Promotores de Justiça de Comarcas distintas, resolverá
a controvérsia o Procurador Geral de Justiça (art. 10, X, Lei nº 8625/93). Já no caso de conflito entre
Procuradores da República do MPF, resolve o conflito a Câmara de Coordenação e Revisão do MPF,
segundo a Lei Orgânica do MPF (art. 62, VII, LC 75/93).
No que toca ao MPDFT e o MPF, observa-se que ambos compõem o Ministério Público da
União, que se subdivide em Ministério Público Federal, Ministério Público Militar, Ministério Público
do Trabalho e Ministério Público do Distrito Federal. Se entre qualquer dos integrantes do MPU
houver conflito, não se resolve o conflito pela Câmara de Coordenação e Revisão – que resolve
apenas os conflitos dentro do Ministério Público Federal. A solução nesse caso é dada pelo
Procurador Geral da República (art. 26, VII, LC 75/93).
Finalmente, no caso de conflito entre MPE’s ou entre MPE e MPF, não haverá um único chefe
da instituição a que se possa recorrer. Nesse caso, a doutrina e a jurisprudência dividem-se, e até o
momento o STF vinha adotando o entendimento de que o conflito de autoridade entre autoridades
de dois estados deveria ser lido como conflito federativo entre Estados, a ser resolvido nos termos
do art. 102, f, CF259.

2591. COMPETÊNCIA. Atribuições do Ministério Público. Conflito negativo entre MP federal e estadual. Feito da competência do Supremo
Tribunal Federal. Conflito conhecido. Precedentes. Aplicação do art. 102, I, “f”, da CF. Compete ao Supremo Tribunal Federal dirimir conflito
negativo de atribuição entre o Ministério Público federal e o Ministério Público estadual. 2. COMPETÊNCIA CRIMINAL. Atribuições do
Ministério Público. Ação penal. Formação de opinio delicti e apresentação de eventual denúncia. Fatos investigados atribuídos a ex-
Governador de Estado. Incompetência do Superior Tribunal de Justiça. Matéria de atribuição do Ministério Público estadual.
Inconstitucionalidade dos §§ do art. 84 do CPP, introduzidos pela Lei n° 10.628/2002. Conflito negativo de atribuição conhecido. É da
atribuição do Ministério Público estadual analisar procedimento de investigação de atos supostamente delituosos atribuídos a ex-
Governador e emitir a respeito opinio delicti, promovendo, ou não, ação penal. (ACO 853, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno,

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No entanto, a partir do julgamento de ACO 924/MG, o Supremo Tribunal Federal, modificando
seu anterior entendimento, consolidou a entendimento de que os conflitos de atribuição entre MPF
e MPE´s deverão ser resolvidos pelo Procurador Geral da República.
Apesar de o PGR não ser chefe institucional dos demais MPE´s, mas apenas do MPU, tais
conflitos de atribuição seriam interna corporis e, portanto, deveria ser resolvidos à luz do postulado
da unidade e indivisibilidade. Ademais, conforme destacou o Ministro Relator, não há que se cogitar
dessa conclusão qualquer superioridade hierárquica do MPU em detrimentos aos MPE´s. Para
justificar seu raciocínio, o ministro se valeu analogicamente da Súmula 150 do STJ pela qual se extrai
que compete ao juiz federal dizer se há interesse ou não da União em determinado processo judicial.
Assim, a partir desse julgamento o conflito entre MPF e MPE, assim como o conflito entre
MPE’s de diferentes unidades da federação deverá ser resolvido pelo Procurador Geral da República.

7.3 ACUSADO E DEFENSOR


O acusado ocupa o polo passivo da relação processual. É aquele contra quem a ação penal é
proposta, podendo ser pessoa física ou jurídica, neste caso, nas hipóteses previstas nos art. 173, § 5º,
e no art. 225, § 3º, ambos da CF260, estando regulamentados apenas os casos de infração penal
contra o meio ambiente (Lei 9.605/98). Os menores de 18 anos não podem ser denunciados, porque
sujeitos à legislação especial (Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8.069/90).
Em razão da redução da maioridade civil para 18 anos, nos termos do art. 5º do CC,
desapareceu a figura do curador especial para o réu com idade entre 18 e 21 anos, ficando
derrogado, dessa forma, o art. 262 do CPP.
Defensor é o profissional da advocacia regularmente inscrito perante a Ordem dos Advogados
do Brasil. A habilitação legal é necessária para a promoção da defesa dos interesses do acusado.
Cuida-se da defesa técnica.
Atualmente, há três modalidades de defensor técnico:

1. Constituído – é o defensor contratado pelo acusado, devendo ser constituído por


mandato ou por termo nos autos (apud acta), nos termos do art. 266 do CPP.
2. Dativo – é o defensor técnico nomeado261 pelo juiz, caso o denunciado não tenha
constituído defensor de sua preferência, não havendo defensor público disponível.
Trata-se de encargo público desempenhado pelo advogado, não podendo recusá-lo,
salvo motivo justificado, sob pena de cometer infração disciplinar (art. 34, XII, da Lei
8.906/94 e arts. 264 e 265 do CPP). Tem a prerrogativa de ser pessoalmente
intimado sobre todos os atos do processo. A qualquer momento, o acusado poderá
constituir defensor, provocando a retirada do defensor dativo.
3. Defensor público – Nas localidades onde a Defensoria Pública se encontra
devidamente instalada e em funcionamento, o defensor público passa a ter a
atribuição de defender os interesses do acusado que não constituir defensor técnico.
Trata-se de profissional oriundo de carreira de estado, com prerrogativas próprias, na

julgado em 08/03/2007, DJe-004 DIVULG 26-04-2007 PUBLIC 27-04-2007 DJ 27-04-2007 PP-00056 EMENT VOL-02273-01 PP-00025 RTJ VOL-
00202-01 PP-00032 RT v. 96, n. 863, 2007, p. 485-488 RMP n. 33, 2009, p. 185-189).
260Art. 173. [...]
§ 5º A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a
às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.
Art. 225. [...]
§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e
administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
261 O defensor dativo não poderá ser parente do juiz, nos termos do art. 252.

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forma da LC 80/94, que regulamentou o art. 134 da CF. Tal como o defensor dativo,
possui a prerrogativa de ser pessoalmente intimado, com vista dos autos (art. 4º, V,
da LC 80/94), podendo também ser afastado da defesa em caso de contratação de
advogado pelo acusado.

Em razão de a pretensão ser presumivelmente insatisfeita, nenhum acusado, ainda que


ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor (art. 262). A falta de defesa constitui
nulidade absoluta, enquanto que a defesa deficiente configura nulidade relativa, a depender da
efetiva ocorrência de prejuízo (SúmulaSTF 523).
O defensor não poderá abandonar o processo, senão por motivo imperioso, comunicado
previamente o juiz, sob pena de multa de 10 (dez) a 100 (cem) salários mínimos, sem prejuízo das
demais sanções cabíveis (art. 265 do CPP).
A audiência poderá ser adiada se, por motivo justificado, o defensor não puder comparecer,
devendo o impedimento ser provado até a sua abertura. Do contrário, será nomeado defensor para
o ato (art. 265, §§ 1º e 2º).

7.4 ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO


A partir do art. 268, o CPP cuida da atuação do assistente de acusação, ou seja, do ofendido 262,
que poderá intervir nas ações penais públicas ao lado do Ministério Público263. O corréu não pode
atuar como assistente (art. 270).
A assistência se dá entre o recebimento da denúncia e o trânsito em julgado da sentença
penal, recebendo o assistente a causa no estado em que se encontrar (art. 269). Não há assistência
na fase pré-processual e na execução penal.
O assistente poderá propor a produção de provas, formular perguntas às testemunhas,
participar do debate oral, arrazoar recursos interpostos pelo Ministério Público e apresentá-los
isoladamente, nos casos dos art. 584, § 1º264, e art. 598265, ambos do CPP.
Dá-se a admissão ou não do assistente por ato irrecorrível do juiz (decisão), ouvido
previamente o Ministério Público (art. 272 e 273 do CPP). Tem-se entendido ser possível a
impetração de mandado de segurança266.

262 O representante não atua em nome próprio, mas em nome do ofendido, estando o CPP equivocado nesse ponto. No caso de morte ou
ausência do ofendido, abre-se a possibilidade sequencial de atuação do cônjuge, ascendente, descendente ou irmão (art. 31 do CPP).
263 A assistência pode ser deferida excepcionalmente em ação privada, na hipótese do art. 530-H do CPP (As associações de titulares de
direitos de autor e os que lhes são conexos poderão, em seu próprio nome, funcionar como assistente da acusação nos crimes previstos no
art. 184 do Código Penal, quando praticado em detrimento de qualquer de seus associados). A Lei 9.099/95, que trata do rito sumaríssimo,
prevê a hipótese de assistência em favor do réu, a ser exercida pelo responsável civil.
264O recurso é de apelação.
265 RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE LESÃO CORPORAL (ART. 129, § 2º, INCISOS III E IV, DO
CÓDIGO PENAL). CONDENAÇÃO. RECURSO DE APELAÇÃO AGITADO PELO ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO. LEGITIMIDADE. ENUNCIADO DA
SÚMULA Nº 210 DESTA CORTE. PRECEDENTES. 1. O julgado impugnado está em perfeita harmonia com a jurisprudência desta Suprema
Corte, que assentou a legitimidade do assistente de acusação para recorrer da sentença caso o Ministério Público se quede inerte (HC nº
100.243/BA, Primeira Turma, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJe de 25/10/10). 2. Recurso não provido. (RHC 107714, Relator(a):
Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 10/05/2011, DJe-146 DIVULG 29-07-2011 PUBLIC 01-08-2011 EMENT VOL-02556-02 PP-
00328).
Súmula/STF 210 - O assistente do Ministério Público pode recorrer, inclusiveextraordinariamente, na ação penal, nos casos dos arts. 584, §
1º, e598 do Código de Processo Penal.
266 RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIMES CONTRA A HONRA. ADMISSÃO DA VÍTIMA COMO ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO. NÃO
CONHECIMENTO DO WRIT IMPETRADO NA ORIGEM. MATÉRIA NÃO APRECIADA PELA CORTE ESTADUAL. IMPOSSIBILIDADE DE EXAME DO
TEMA DIRETAMENTE POR ESTE SODALÍCIO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO À LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO DOS
RECORRENTES. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CARACTERIZADO. DESPROVIMENTO DO RECURSO. 1. O mérito da impetração, qual seja, a
ilegalidade ou não da decisão que admitiu a vítima como assistente de acusação, não foi apreciado pela autoridade apontada como coatora,
que não conheceu do writ ali impetrado, circunstância que impede qualquer manifestação deste Sodalício sobre o tema, sob pena de atuar
em indevida supressão de instância. 2. O habeas corpus não constitui meio idôneo para se pleitear a anulação da decisão que admitiu a
vítima como assistente de acusação, uma vez que ausente qualquer violação ou ameaça à garantia do direito à liberdade de locomoção. 3.
Ademais, o artigo 273 do Código de Processo Penal disciplina, de forma expressa, o não cabimento de qualquer recurso contra a decisão

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7.5 AUXILIARES DA JUSTIÇA


São pessoas vinculadas de maneira eventual ou permanente ao juízo criminal, e que, como o
próprio o nome já evidencia, estão encarregadas de prestar auxílio à atividade jurisdicional. Escrivão,
oficial de justiça, distribuidor e demais servidores são exemplos de auxiliares da justiça, assim como
os peritos e intérpretes, muito embora a atuação destes seja, na maioria das vezes, marcada pela
eventualidade.
As hipóteses de impedimento e de suspeição previstas para os juízes são aplicáveis aos
auxiliares da justiça, naquilo em que forem cabíveis (arts. 274 e 280).
Nos termos do art. 275 do CPP, o perito, ainda quando não oficial, estará sujeito à disciplina
judiciária. Deverá, nesse sentido, cumprir fielmente o encargo assumido, atendendo às
determinações ou ao chamamento do juiz, sob pena de, neste último caso, ser coercitivamente
conduzido (art. 278).
A atuação do perito é eminentemente técnica, por oferecer ao juiz subsídios para o
julgamento da causa, em área de conhecimento não dominada pelo magistrado. A relevância da
atividade reflete-se até mesmo na previsão de responsabilização criminal, no caso de falsa perícia
(art. 342 do CP).
Os intérpretes são, para todos os efeitos, equiparados aos peritos (art. 281).

MEDIDAS CAUTELARES
MEDIDAS CAUTELARES PESSOAIS. PRISÃO PROVISÓRIA: PRISÃO EM
FLAGRANTE, PRISÃO PREVENTIVA, PRISÃO TEMPORÁRIA, PRISÃO
DECORRENTE DA PRONÚNCIA E DA SENTENÇA CONDENATÓRIA
RECORRÍVEL. PRISÃO ESPECIAL. O OFENDIDO. LIBERDADE PROVISÓRIA.
FIANÇA.

8.1 MEDIDAS CAUTELARES PESSOAIS


Encarada como antecipação de pena no regime anterior, notadamente na época em que o
Código de Processo Penal foi concebido267, a prisão sofreu grandes alterações a partir da Constituição

que admite ou não o assistente de acusação, sendo certo que, caso evidenciada flagrante ilegalidade no referido ato, lhe restaria a via do
mandado de segurança. Doutrina. 4. Recurso improvido. (RHC 31.667/ES, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em
28/05/2013, DJe 11/06/2013).
267 A Lei n. 5.349, de 03 de novembro de 1967, acabou com a prisão preventiva compulsória, modificando o art. 312 do CPP, que previa a
segregação obrigatória nas hipóteses em que a lei fixasse pena máxima igual ou superior a dez anos, o que foi criticado à época pela
doutrina: “A prisão preventiva compulsória é um dos exemplos dêsse autoritarismo processual que devemos à política direitista do Estado
Novo. Transladada do processo penal italiano da era de Mussolini, essa medida de coação é de profunda iniqüidade e pode dar margem à
prática de irreparáveis injustiças. [o autor referiu-se às hipóteses em que aplicáveis as dirimentes penais] [...] A única solução plausível, a
nosso ver, é de ordem legislativa. Que se revogue êsse malsinado art. 312, nódoa totalitária que ainda persiste na legislação que regula as
instituições da nossa justiça penal.” (MARQUES, José Frederico. op. cit. p. 227-8). “Fez bem o legislador em aboli-la. Primeiramente,
registre-se que o critério da lei fundava-se na quantidade da pena, o que era insubsistente. Basta dizer que suprimia a faculdade de que o
Juiz – que é quem orienta o processo e aplicará a pena afinal – deve gozar de apreciar a conveniência ou não da medida. [...] Compreende-
se, então, o dano irreparável que o ab-rogado art. 312 causava ao indivíduo: absolvido afinal, mas prêso durante meses, freqüentemente,
por mandamento do aludido artigo. Louvores merece, pois, a Lei n. 5.349 por haver dado nova redação ao art. 312”.(NORONHA, Edgard
Magalhães. Curso de Direito Processual Penal. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 1969, p. 182).

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Federal de 1988. Não obstante, a legislação ordinária (leia-se: CPP) ainda mantinha regras oriundas
daquela primeira época, gerando um descompasso visível entre as normas situadas em planos
hierárquicos distintos.
Finalmente, foi aprovada a Lei 12.403/11, que entrou em vigor sessenta dias depois,
especificamente em 04 de julho268.
A nova sistemática em vigor incorporou as modificações já presentes no plano constitucional.
Como destaque, pode-se dizer que a principal mudança foi justamente de perspectiva: a prisão,
qualquer que seja a sua modalidade, antes de transitada em julgado a sentença penal condenatória,
ostenta natureza nitidamente cautelar, devendo, portanto, ser indispensável, imprescindível para a
tutela do processo, ademais de ser precedida de ordem escrita e fundamentada da autoridade
judiciária competente, salvo a hipótese transitória da prisão em flagrante.
Essa mudança de paradigma decorre basicamente do estado de inocência (art. 5º, LVII, da CF),
conforme já comentado no item referente ao ônus da prova no processo penal.
Outra mudança digna de nota foi a colocação da prisão cautelar, especialmente a preventiva,
como último recurso à disposição do juiz criminal. Vale dizer, a lei criou diversas medidas cautelares
alternativas à restrição da liberdade de locomoção, o que, aliás, não constitui propriamente uma
novidade no cotidiano forense. Juízes, antes mesmo da modificação legislativa, já determinavam, por
exemplo, a retenção de passaportes de acusados269 ou afastamentos de servidores públicos de suas
funções270, em vez de enviá-los ao cárcere. Apesar disso, a alteração normativa foi importante,
porque tais medidas eram adotadas principalmente em razão da criatividade dos magistrados, mas
não propriamente em decorrência de norma específica.
O que vai orientar o juiz, na adoção de uma ou outra medida, é o princípio da
proporcionalidade, nos termos do art. 282, I e II, do CPP, que determina seja observada a
necessidade da medida para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos
casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais; e a sua adequação à
gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado.
As medidas cautelares podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente pelo juiz, de ofício ou
a requerimento das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da
autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público. Note-se que não mais existe a
previsão legal de decretação de prisão cautelar de ofício pelo juízo na fase pré-processual, sendo esta
também uma importante modificação legislativa271.

268A referida lei também é fruto do pacote de projetos enviados pelo Poder Executivo no início deste século (PL 4.208/2001), na tentativa
de atualizar o CPP vigente, septuagenário, que há muito não consegue esconder um sem-número de normas ultrapassadas.
269HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL E DIREITO PROCESSUAL PENAL. CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL, SONEGAÇÃO
FISCAL E LAVAGEM DE DINHEIRO. PRISÃO PREVENTIVA. REVOGAÇÃO. IMPOSIÇÃO DE RETENÇÃO DE PASSAPORTE E IMPEDIMENTO JUDICIAL
PARA VIAJAR AO EXTERIOR. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. ILEGALIDADE. 1. A retenção do passaporte, quando admitida
como cautelar mínima, requisita, para a sua legalidade, demonstração efetiva de sua necessidade e suficiência, à luz dos motivos da prisão
preventiva. 2. Ordem concedida. (HC 43.492/SP, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, SEXTA TURMA, julgado em 03/10/2006, DJ
05/02/2007, p. 387).
270DIREITO ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. DENÚNCIA POR CRIME FUNCIONAL. AFASTAMENTO DAS FUNÇÕES. LEGALIDADE.
SUSPENSÃO DE VENCIMENTOS. OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA IRREDUTIBILIDADE DE VENCIMENTOS E DO DEVIDO PROCESSO LEGAL.
PRECEDENTE. 1 - Em razão de denúncia por suposta prática de crime, a ora Apelada sofreu afastamento do cargo e cancelamento de sua
senha de acesso ao sistema, em decorrência da decisão judicial proferida no bojo de ação penal, cujo fundamento principal foi o de serem
afastadas “todas as possibilidades de continuação das práticas delitivas descritas na denúncia”. 2 - Uma vez que o afastamento determinado
pelo Juízo objetivava retirar a Apelada e demais funcionários do seu local de trabalho, para evitar óbices à apuração do possível delito,
afigura-se descabida a suspensão de seus vencimentos pelo INSS, pois viola o princípio da irredutibilidade dos vencimentos, bem assim a
garantia da presunção de inocência, além do princípio do devido processo legal, consistindo numa penalidade antecipada de eventual
decisão judicial, que não ocorreu. 3 - É pacífica a orientação jurisprudencial no sentido de que o servidor público denunciado pela prática
de crime funcional, embora afastado de suas funções, faz jus à percepção de sua remuneração, ressalvada a supressão de parcelas
remuneratórias vinculadas ao efetivo exercício do cargo ou função. (STJ, ROMS n. 1.803, Rel. Min. Hélio Mosimann, DJ 29/11/93). 4 -
Apelação e Remessa Necessária, tida por interposta, conhecidas e improvidas. (AMS 200551040000110, Desembargador Federal
GUILHERME CALMON/no afast. Relator, TRF2 - OITAVA TURMA ESPECIALIZADA, DJU - Data:16/05/2006 - Página:168).
271Este assunto será abordado com mais detalhes no tópico referente à prisão preventiva.

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O Código de Processo Penal determinou a observância do contraditório prévio, salvo nos casos
de urgência ou de risco de ineficácia da medida. Não sendo o caso, o juiz, ao receber o pedido de
medida cautelar, determinará a intimação da parte contrária, acompanhada de cópia do
requerimento e das peças necessárias, permanecendo os autos em juízo.
É possível a substituição das medidas aplicadas, ou até mesmo nova acumulação, na hipótese
de descumprimento de qualquer das obrigações impostas, inclusive a decretação da prisão
preventiva, esta, entretanto, como o último instrumento (§ 6º do art. 282 do CPP).
Da mesma forma que já previa o art. 316 do CPP em relação à prisão preventiva, o juiz poderá
revogar a medida cautelar ou substituí-la quando verificar a falta de motivo para que subsista, bem
como voltar a decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.
A possibilidade de execução provisória da sentença penal condenatória, que era permitida
pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, quando cabíveis apenas os recursos de natureza
extraordinária, para os quais não se previa em regra o efeito suspensivo, foi excluída pelo art. 283 do
CPP, com a redação dada pela Lei 12.403/11, que acompanhou a mudança superveniente de
orientação jurisprudencial da Corte Suprema272. Assim, de acordo com a nova redação, ninguém
poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade
judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso
da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva. Porém, em
julgamento (HC 126.292 - 17/02/2016), o STF, retornando ao entendimento anterior ao julgamento
do HC 84.078 (2009), voltou a permitir o início da execução da pena após a confirmação da sentença
em segunda instância273.

272EMENTA: HABEAS CORPUS. INCONSTITUCIONALIDADE DA CHAMADA "EXECUÇÃO ANTECIPADA DA PENA". ART. 5º, LVII, DA
CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. ART. 1º, III, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. O art. 637 do CPP estabelece
que "[o] recurso extraordinário não tem efeito suspensivo, e uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, os originais baixarão à
primeira instância para a execução da sentença". A Lei de Execução Penal condicionou a execução da pena privativa de liberdade ao trânsito
em julgado da sentença condenatória. A Constituição do Brasil de 1988 definiu, em seu art. 5º, inciso LVII, que "ninguém será considerado
culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória". 2. Daí que os preceitos veiculados pela Lei n. 7.210/84, além de
adequados à ordem constitucional vigente, sobrepõem-se, temporal e materialmente, ao disposto no art. 637 do CPP. 3. A prisão antes do
trânsito em julgado da condenação somente pode ser decretada a título cautelar. 4. A ampla defesa, não se a pode visualizar de modo
restrito. Engloba todas as fases processuais, inclusive as recursais de natureza extraordinária. Por isso a execução da sentença após o
julgamento do recurso de apelação significa, também, restrição do direito de defesa, caracterizando desequilíbrio entre a pretensão estatal
de aplicar a pena e o direito, do acusado, de elidir essa pretensão. 5. Prisão temporária, restrição dos efeitos da interposição de recursos em
matéria penal e punição exemplar, sem qualquer contemplação, nos "crimes hediondos" exprimem muito bem o sentimento que EVANDRO
LINS sintetizou na seguinte assertiva: "Na realidade, quem está desejando punir demais, no fundo, no fundo, está querendo fazer o mal, se
equipara um pouco ao próprio delinquente". 6. A antecipação da execução penal, ademais de incompatível com o texto da Constituição,
apenas poderia ser justificada em nome da conveniência dos magistrados – não do processo penal. A prestigiar-se o princípio
constitucional, dizem, os tribunais [leia-se STJ e STF] serão inundados por recursos especiais e extraordinários e subsequentes agravos e
embargos, além do que "ninguém mais será preso". Eis o que poderia ser apontado como incitação à "jurisprudência defensiva", que, no
extremo, reduz a amplitude ou mesmo amputa garantias constitucionais. A comodidade, a melhor operacionalidade de funcionamento do
STF não pode ser lograda a esse preço. 7. No RE 482.006, relator o Ministro Lewandowski, quando foi debatida a constitucionalidade de
preceito de lei estadual mineira que impõe a redução de vencimentos de servidores públicos afastados de suas funções por responderem a
processo penal em razão da suposta prática de crime funcional [art. 2º da Lei n. 2.364/61, que deu nova redação à Lei n. 869/52], o STF
afirmou, por unanimidade, que o preceito implica flagrante violação do disposto no inciso LVII do art. 5º da Constituição do Brasil. Isso
porque – disse o relator – "a se admitir a redução da remuneração dos servidores em tais hipóteses, estar-se-ia validando verdadeira
antecipação de pena, sem que esta tenha sido precedida do devido processo legal, e antes mesmo de qualquer condenação, nada
importando que haja previsão de devolução das diferenças, em caso de absolvição". Daí porque a Corte decidiu, por unanimidade,
sonoramente, no sentido do não recebimento do preceito da lei estadual pela Constituição de 1.988, afirmando de modo unânime a
impossibilidade de antecipação de qualquer efeito afeto à propriedade anteriormente ao seu trânsito em julgado. A Corte que
vigorosamente prestigia o disposto no preceito constitucional em nome da garantia da propriedade não a deve negar quando se trate da
garantia da liberdade, mesmo porque a propriedade tem mais a ver com as elites; a ameaça às liberdades alcança de modo efetivo as
classes subalternas. 8. Nas democracias mesmo os criminosos são sujeitos de direitos. Não perdem essa qualidade, para se transformarem
em objetos processuais. São pessoas, inseridas entre aquelas beneficiadas pela afirmação constitucional da sua dignidade (art. 1º, III, da
Constituição do Brasil). É inadmissível a sua exclusão social, sem que sejam consideradas, em quaisquer circunstâncias, as singularidades de
cada infração penal, o que somente se pode apurar plenamente quando transitada em julgado a condenação de cada qual Ordem
concedida. (HC 84078, Relator(a): Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 05/02/2009, DJe-035 DIVULG 25-02-2010 PUBLIC 26-02-2010
EMENT VOL-02391-05 PP-01048).
273O acórdão encontra-se pendente de publicação. Segundo notícia extraída do sítio do STF na internet: “Ao negar o Habeas Corpus (HC)
126292 na sessão desta quarta-feira (17), por maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que a possibilidade
de início da execução da pena condenatória após a confirmação da sentença em segundo grau não ofende o princípio constitucional da

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A lei impôs um limite objetivo para a adoção das medidas cautelares, especialmente as
diversas da prisão, ao afirmar que elas não poderão ser aplicadas à infração penal a que não for
isolada, cumulativa ou alternativamente cominada, pena privativa de liberdade. Em se tratando de
prisão preventiva, o limite é mais rígido e será visto adiante.

8.1.1 PRISÃO
O Código de Processo Penal, a partir do art. 283, dedica-se especialmente à diligência de
prisão, estabelecendo procedimentos, limites e providências a serem adotadas pelas autoridades
envolvidas, tais como o dever de observância da inviolabilidade de domicílio, salvo nas exceções
constitucionalmente previstas, além da necessidade do imediato registro do mandado de prisão em
banco de dados mantido pelo Conselho Nacional de Justiça para essa finalidade, o que permitirá que
qualquer agente policial efetue a prisão determinada no respectivo mandado, ainda que fora da
competência territorial do juiz que o expediu.
Passa-se ao estudo individualizado das modalidades de encarceramento cautelar, a exemplo
da prisão em flagrante, temporária, preventiva e por pronúncia274.

8.1.1.1 PRISÃO EM FLAGRANTE


A prisão em flagrante poderá ser efetuada por qualquer pessoa. Trata-se, entretanto, de
faculdade, não de dever legal. Ao contrário, as autoridades policiais e seus agentes devem prender
quem quer que seja encontrado em flagrante delito.
Em razão da taxativa275 previsão legal das hipóteses nas quais a pessoa é encontrada em
situação de flagrante (art. 302 do CPP), a doutrina classificou-as da seguinte forma:
a) Flagrante próprio – ocorre quando o sujeito está cometendo a infração penal
ou acaba de cometê-la (incisos I e II).

presunção da inocência. Para o relator do caso, ministro Teori Zavascki, a manutenção da sentença penal pela segunda instância encerra a
análise de fatos e provas que assentaram a culpa do condenado, o que autoriza o início da execução da pena. [...] A decisão indica mudança
no entendimento da Corte, que desde 2009, no julgamento da HC 84078, condicionava a execução da pena ao trânsito em julgado da
condenação, mas ressalvava a possibilidade de prisão preventiva. Até 2009, o STF entendia que a presunção da inocência não impedia a
execução de pena confirmada em segunda instância. [...] O relator do caso, ministro Teori Zavascki, ressaltou em seu voto que, até que seja
prolatada a sentença penal, confirmada em segundo grau, deve-se presumir a inocência do réu. Mas, após esse momento, exaure-se o
princípio da não culpabilidade, até porque os recursos cabíveis da decisão de segundo grau, ao STJ ou STF, não se prestam a discutir fatos e
provas, mas apenas matéria de direito. “Ressalvada a estreita via da revisão criminal, é no âmbito das instâncias ordinárias que se exaure a
possibilidade de exame dos fatos e das provas, e, sob esse aspecto, a própria fixação da responsabilidade criminal do acusado”, afirmou. [...]
Como exemplo, o ministro lembrou que a Lei Complementar 135/2010, conhecida como Lei da Ficha Limpa, expressamente consagra como
causa de inelegibilidade a existência de sentença condenatória proferida por órgão colegiado. ‘A presunção da inocência não impede que,
mesmo antes do trânsito em julgado, o acórdão condenatório produza efeitos contra o acusado’. [...] No tocante ao direito internacional, o
ministro citou manifestação da ministra Ellen Gracie (aposentada) no julgamento do HC 85886, quando salientou que ‘em país nenhum do
mundo, depois de observado o duplo grau de jurisdição, a execução de uma condenação fica suspensa aguardando referendo da Suprema
Corte’. [...] Sobre a possiblidade de se cometerem equívocos, o ministro lembrou que existem instrumentos possíveis, como medidas
cautelares e mesmo o habeas corpus. Além disso, depois da entrada em vigor da Emenda Constitucional 45/2004, os recursos
extraordinários só podem ser conhecidos e julgados pelo STF se, além de tratarem de matéria eminentemente constitucional, apresentarem
repercussão geral, extrapolando os interesses das partes. [...] O relator votou pelo indeferimento do pleito, acompanhado pelos ministros
Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes [...]”.
(http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=310153> Acesso em 19/02/2016)
274Outras modalidades de prisão já foram previstas na legislação revogada. Pela validade histórica, transcrevo a seguinte passagem da
doutrina: “(...) a grande divisão da prisão é aquela em prisão processual e prisão administrativa: a primeira é decretada numa relação
processual, e a segunda no exercício de atividade administrativa. A prisão processual pode ser penal ou civil, conforme emane do juízo
penal ou do juízo civil. A prisão processual penal, por outra parte, pode ser prisão penal em sentido estrito, prisão cautelar ou prisão
compulsória. Prisão civil em sentido estrito será, finalmente, a prisão processual decretada na jurisdição civil, ou como providência
coercitiva, ou como providência disciplinar (é o caso do art. 35 da Lei de Falências)”. (MARQUES, José Frederico. Estudos de Direito
Processual Penal. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1960, p. 222).
275Não se admite analogia ou interpretação extensiva (RJDTACrimSP, 9/197).

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b) Flagrante impróprio (quase flagrante) – ocorre quando o sujeito é
perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer
pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração (inciso III).
c) Flagrante presumido – ocorre quando o sujeito é encontrado, logo depois,
com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele
autor da infração (inciso IV).

Há também o caso de flagrante esperado, admitido majoritariamente pela doutrina e pela


jurisprudência, que consiste no ato de aguardar a ocorrência do crime, do qual se teve prévia
informação, a fim de impedir a sua consumação ou exaurimento.
Por outro lado, não se tem admitido o flagrante preparado, considerado sinônimo de crime
impossível (art. 17 do CP)276, e que se diferenciaria do flagrante esperado justamente pela atuação do
agente provocador277.
A ação controlada, prevista na Lei do Crime Organizado, deu origem a uma modalidade de
flagrante denominada pela doutrina como flagrante diferido, que consiste no retardo ou na
postergação do momento da prisão, a fim de se colherem maiores evidências sobre a infração penal.
Por fim, tem-se o flagrante forjado, completamente ilegal, que não passa de uma criação
artificial de infração penal, através da utilização de provas forjadas, com a finalidade de incriminar
determinada pessoa, que, pelo menos naquele momento, encontrava-se inocente.
A prisão em flagrante prescinde de qualquer ordem escrita e fundamentada da autoridade
judiciária competente, podendo, inclusive, ser realizada no próprio domicílio do autor da infração
penal (art. 5º, XI e LXI, da CF).
Uma vez efetivada a prisão, incumbe à autoridade policial a comunicação imediata ao juiz
competente, ao Ministério Público e à família do preso ou à pessoa por ele indicada (art. 306 do
CPP). O auto de prisão em flagrante deve ser encaminhado em até vinte e quatro horas ao juiz
competente e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, cópia integral para a
Defensoria Pública, para adoção das providências cabíveis (§ 1º).
O escopo primordial do flagrante é a interrupção da prática criminosa, tanto é que a prisão
pode ser efetuada por qualquer pessoa. Nem sempre, entretanto, essa finalidade se mostra
presente, pois, devido ao alargamento legal do que se entende por flagrante, a infração penal já
haverá sido consumada ou exaurida nas hipóteses de flagrante impróprio e flagrante presumido.
A prisão em flagrante igualmente possui a importante função de arrecadar provas sobre a
infração penal, justamente porque o crime ainda se encontrara em andamento, ou acabara de ser
praticado. A prova testemunhal, materializada naquele momento, será em tese de melhor qualidade,
porque livre dos efeitos deletérios do tempo.
A prisão em flagrante tem uma existência bastante curta, efêmera, mais breve do que as
demais prisões cautelares, em especial a preventiva, porque os seus objetivos são atingidos em breve
espaço de tempo. Não foi por outra razão que a Lei 12.403/11 modificou substancialmente o art. 310
do Código de Processo Penal, ao determinar que o juiz, ao receber o auto de prisão em flagrante,
deverá fundamentadamente: a) relaxar a prisão ilegal; ou b) converter a prisão em flagrante em
preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 do CPP, e se revelarem
inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou c) conceder liberdade

276 Enunciado 145 da Súmula de Jurisprudência do STF: “não há crime, quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a
sua consumação”.
277A alegação de crime impossível, por flagrante preparado, tem sido reiteradamente repetida em habeas corpus perante o Superior
Tribunal de Justiça, nos casos envolvendo tráfico ilícito de entorpecentes, que a tem afastado não somente pela impossibilidade de incursão
sobre a matéria fática na via estreita do writ, como também pelo fato de se tratar de crime de ação múltipla, ou seja, de conteúdo variado.

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provisória, com ou sem fiança. Não há mais a possibilidade de o juiz simplesmente homologar o
flagrante, indeferir o pedido de liberdade provisória e, por consequência, manter o autor do fato
preso em flagrante durante toda a tramitação da ação penal. O fundamento jurídico do
encarceramento provisório deve ser alterado para prisão preventiva, se for o caso, expedindo-se o
respectivo mandado.
Determinadas autoridades, em razão do cargo ocupado ou da função pública exercida, não
estão sujeitas à prisão em flagrante, pelo menos em algumas situações. O presidente da República
não está sujeito à prisão, salvo se, em se tratando de infração penal comum, sobrevier sentença
penal condenatória. Logo, não pode ser preso em flagrante (art. 86, § 3º, da CF).
Os membros do Congresso Nacional têm prerrogativa de menor alcance, pois contra eles será
cabível a prisão em flagrante por crime inafiançável, devendo ser apresentados imediatamente à
respectiva casa, que deliberará a respeito (art. 53, § 2º, da CF).
Os juízes (art. 33, II, da LOMAN) e os membros do Ministério Público da União (art. 18, II, da LC
75/93) e dos Estados (art. 40, III, da Lei 8.625/93) têm regras semelhantes às previstas aos membros
do Congresso Nacional, não cabendo contra eles prisão em flagrante delito, salvo se por crime
inafiançável, ocasião em que deverão ser apresentados à chefia da instituição.
A lei enumera outras hipóteses nas quais não se imporá a prisão em flagrante, mas que não
estão diretamente ligadas ao cargo ou função pública desempenhada pelo agente, a exemplo do art.
69, parágrafo único, da Lei 9.099/95, que trata dos crimes de menor potencial ofensivo, e que
determina que, ao autor do fato que, após a lavratura do termo, for imediatamente encaminhado ao
juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, não imporá a prisão em flagrante. O art.
301 do Código de Trânsito brasileiro também traz regra semelhante, ao determinar que ao condutor
de veículo, nos casos de acidentes de trânsito de que resulte vítima, não se imporá a prisão em
flagrante, nem se exigirá fiança, se prestar pronto e integral socorro àquela.

8.1.1.2 PRISÃO TEMPORÁRIA


A prisão temporária, modalidade de prisão cautelar até então inexistente no nosso
ordenamento jurídico, foi instituída pela Lei 7.960, de 21 de dezembro de 1989, em vigor até a
presente data278. A principal finalidade da prisão temporária é a tutela do inquérito policial, ou seja,
visa resguardar as investigações policiais. Por esse motivo, somente é cabível durante a fase pré-
processual, não sendo possível a sua decretação se já houver ação penal em curso. Os requisitos para
a prisão temporária estão previstos no art. 1º, incisos I a III:
I - quando imprescindível para as investigações do inquérito policial;
II - quando o indiciado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos
necessários ao esclarecimento de sua identidade;
III - quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova
admitida na legislação penal, de autoria ou participação do indiciado nos
seguintes crimes:
a) homicídio doloso (art. 121, caput, e seu § 2°);
b) sequestro ou cárcere privado (art. 148, caput, e seus §§ 1° e
2°);
c) roubo (art. 157, caput, e seus §§ 1°, 2° e 3°);
d) extorsão (art. 158, caput, e seus §§ 1° e 2°);

278A Lei 7.960 é decorrente da conversão da MP 111, de 24 de novembro de 1989. Naquela época, ainda era possível a edição de medida
provisória versando sobre esse tipo de matéria, tendo a proibição surgido com a EC 32/2001 (art. 62, § 1º, b).

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e) extorsão mediante sequestro (art. 159, caput, e seus §§ 1°, 2°
e 3°);
f) estupro (art. 213, caput, e sua combinação com o art. 223,
caput, e parágrafo único);
g) atentado violento ao pudor (art. 214, caput, e sua combinação
com o art. 223, caput, e parágrafo único);
h) rapto violento (art. 219, e sua combinação com o art. 223
caput, e parágrafo único);
i) epidemia com resultado de morte (art. 267, § 1°);
j) envenenamento de água potável ou substância alimentícia ou
medicinal qualificado pela morte (art. 270, caput, combinado
com art. 285);
l) quadrilha ou bando (art. 288), todos do Código Penal;
m) genocídio (arts. 1°, 2° e 3° da Lei n° 2.889, de 1° de outubro
de 1956), em qualquer de suas formas típicas;
n) tráfico de drogas (art. 12 da Lei n° 6.368, de 21 de outubro de
1976);
o) crimes contra o sistema financeiro (Lei n° 7.492, de 16 de junho
de 1986).
Discute-se se tais requisitos seriam cumulativos ou não, já que a lei nada dispôs nesse sentido.
Tem prevalecido a opinião de que o terceiro requisito deve estar presente em todos os casos,
não somente pela enumeração de infrações penais mais graves, a indicar que o legislador pretendeu
uma atuação seletiva da medida, como também por exigir um idôneo lastro probatório para a sua
decretação (fumus comissi delicti). Não faria sentido, por exemplo, a prisão cautelar em investigação
de infração penal a que a lei comine tão somente pena de multa. Igualmente seria desproporcional a
restrição à liberdade sem qualquer evidência de autoria ou participação do indiciado, ou até mesmo
da própria infração penal.
Além do requisito contido no inciso III, é adequado exigir a presença cumulada de pelo menos
um dos requisitos contidos nos incisos anteriores, que basicamente se resumem ao primeiro, ou seja,
quando a medida for imprescindível para as investigações do inquérito policial, porque esta hipótese
engloba a segunda (periculum libertatis). Do contrário, bastaria o indiciamento para que fosse
possível a prisão temporária, mesmo que completamente desnecessária para as investigações.
Faltaria a finalidade acautelatória, transformando-se a prisão em um fim em si mesma.
O procedimento é bastante simples, podendo a medida ser postulada pela autoridade policial,
por meio da representação, e pelo Ministério Público. Não é cabível a decretação de ofício pelo juiz.
Em caso de representação, colhe-se previamente a manifestação do Ministério Público, que é o
destinatário inicial da prova, além de deter a titularidade da ação penal pública.
A decisão deve ser proferida em até vinte e quatro horas, contadas a partir do recebimento da
representação ou do requerimento. Trata-se de prazo impróprio, porque a lei não prevê qualquer
sanção pelo seu descumprimento, muito embora exija a implantação de sistema de plantão
ininterrupto para esse fim (art. 5º da Lei 7.960/89).
A prisão temporária tem prazo certo. Em regra, terá a duração de cinco dias, podendo ser
prorrogada por uma única vez, em caso de extrema e comprovada necessidade (art. 2º da Lei
7.960/89). Em se tratando de crime hediondo, o prazo é aumentado para trinta dias, também
renovável da mesma forma e sob as mesmas condições (art. 2º, § 4º, da Lei 8.072/90).
Findo o prazo, o preso deverá ser posto imediatamente em liberdade, independentemente de
qualquer autorização judicial nesse sentido, exceto se contra si sobrevier a decretação da prisão

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preventiva (art. 2º, § 7º, da Lei 7.960/89). Isso se explica pelo fato de a prisão possuir termo certo,
prescindindo, portanto, de ato judicial posterior.

8.1.1.3 PRISÃO PREVENTIVA


A prisão preventiva, muito provavelmente, é a modalidade de prisão cautelar mais utilizada
pela justiça criminal.
A Lei 12.403/11 trouxe profundas alterações na sua regulamentação. A primeira delas, como já
foi dito no início deste capítulo, é a subsidiariedade da prisão cautelar, cabível apenas quando
concretamente inviável a adoção de outras medidas cautelares diversas da prisão.
Também a partir da referida lei, que igualmente alterou o art. 311, foi extinta a possibilidade
de o juiz decretar a prisão preventiva de ofício na fase investigativa, o que não guardava sintonia com
o sistema adotado pela Constituição Federal de 1988.
Os fundamentos da preventiva continuam os mesmos, podendo ser decretada como garantia
da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a
aplicação da lei penal (art. 312).
A garantia da ordem pública talvez ainda seja a que mais desperta controvérsia, pelo fato de
não haver balizas seguras para defini-la. O que se tem verificado, entretanto, é que ela vem
normalmente ligada ao risco efetivo de prática de novas infrações penais279, além da periculosidade
do agente, em razão da gravidade em concreto da infração penal280. Trata-se de fundamento que, na
realidade, não tutela o processo em si, mas a própria coletividade.
A garantia da ordem econômica como fundamento da preventiva também é objeto de críticas,
mas tem sido admitida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal281, valendo a mesma
ressalva feita no parágrafo anterior, no sentido de que não se tutela o processo propriamente dito.
A conveniência da instrução criminal é um fundamento nitidamente cautelar, porque visa
impedir que o autor do fato venha a tumultuar ou dificultar o andamento das investigações ou da
ação penal, seja destruindo provas282, seja intimidando ou ameaçando testemunhas283, vítimas284,
entre outros comportamentos inadequados.

279EMENTA HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. PRISÃO PREVENTIVA. SÚMULA 691. [...] A
participação ou o envolvimento do paciente em grupo criminoso organizado dedicado à prática de crimes graves, entre eles tráfico de
drogas, é suficiente para indicar a periculosidade e o risco de reiteração delitiva, colocando em risco a ordem pública. Habeas corpus não
conhecido. (HC 113909, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 30/10/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-241 DIVULG
07-12-2012 PUBLIC 10-12-2012).
280 EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL. PROCESSUAL PENAL. QUESTÕES NÃO EXAMINADAS PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA ESTADUAL NEM
PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DUPLA SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. LEGITIMIDADE DOS FUNDAMENTOS DA PRISÃO PREVENTIVA.
GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. EXCESSO DE PRAZO NÃO CONFIGURADO. IMPOSSIBILIDADE
DA CONCESSÃO DA ORDEM DE OFÍCIO. IMPETRAÇÃO NÃO CONHECIDA. [...] II – Por outro lado, a prisão cautelar, a princípio, se mostra
suficientemente motivada para a garantia da instrução criminal e preservação da ordem pública, ante a periculosidade do paciente,
verificada pela gravidade in concreto do crime, bem como pelo modus operandi mediante o qual foram praticados os delitos, além das
ameaças e intimidações feitas às testemunhas. [...] (HC 106991, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em
26/04/2011, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-092 DIVULG 16-05-2011 PUBLIC 17-05-2011).
281EMENTA: HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. DECRETO MULTIPLAMENTE FUNDAMENTADO: GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA;
CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL; NECESSIDADE DE ASSEGURAR A APLICAÇÃO DA LEI PENAL; GARANTIA DA ORDEM ECONÔMICA.
IDONEIDADE DOS FUNDAMENTOS. LASTRO FACTUAL IDÔNEO A JUSTIFICAR A CONSTRIÇÃO CAUTELAR DO PACIENTE. ORDEM DENEGADA.
1. A prisão preventiva pode ser decretada para evitar que o acusado pratique novos delitos. O decreto preventivo contém dados concretos
quanto à periculosidade do paciente e da quadrilha de cujo comando faz parte. Ordem pública a se traduzir na tutela dos superiores bens
jurídicos da incolumidade das pessoas e do patrimônio, constituindo-se explícito "dever do Estado, direito e responsabilidade de todos"
(art. 144 da CF/88). Precedentes: HC 82.149, Ministra Ellen Gracie; HC 82.684, Ministro Maurício Corrêa; e HC 83.157, Ministro Marco
Aurélio. [...] 3. A garantia da ordem econômica autoriza a custódia cautelar, se as atividades ilícitas do grupo criminoso a que,
supostamente, pertence o paciente repercutem negativamente no comércio lícito e, portanto, alcançam um indeterminando contingente
de trabalhadores e comerciantes honestos. Vulneração do princípio constitucional da livre concorrência. [...] (HC 91285, Relator(a): Min.
CARLOS BRITTO, Primeira Turma, julgado em 13/11/2007, DJe-074 DIVULG 24-04-2008 PUBLIC 25-04-2008 EMENT VOL-02316-04 PP-00816).
282HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRISÃO PREVENTIVA. REQUISITOS. PREENCHIMENTO. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA.
GRAVIDADE CONCRETA DO DELITO. MODUS OPERANDI. PERICULOSIDADE DA AGENTE. CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL.

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O último fundamento presente no caput do art. 312 do CPP também busca garantir a
efetividade do próprio processo, vale dizer da aplicação da lei penal. Cabível quando houver, no
mínimo, efetivo e concreto risco de fuga do indiciado ou acusado285.
O parágrafo único inovou, ao afirmar ser a preventiva cabível em caso de descumprimento de
qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (art. 282, § 4º).
Além dos fundamentos da prisão preventiva, ligados às circunstâncias de fato que envolvem o
caso, colocando em risco a persecução penal, o art. 312 também exige a prova da existência do crime
e indícios suficientes de autoria, que seria a fumaça do bom direito, ou, com mais precisão, o fumus
comissi delicti.
Mas não basta a presença dos fundamentos e requisitos previstos no art. 312. O art. 313 do
CPP traz uma limitação objetiva para a utilização da prisão preventiva. Da análise do inciso I, em
sentido contrário, pode-se concluir que não é cabível a segregação cautelar nos crimes culposos e
nas contravenções penais. Também não se aplica aos crimes dolosos com pena privativa de liberdade
de até quatro anos, não por coincidência o limite para a substituição de pena privativa de liberdade
(art. 44, I, do CP). A explicação repousa justamente na proporcionalidade. Em sendo em tese possível
a substituição de pena em caso de condenação por sentença transitada em julgado, seria
desproporcional permitir a prisão preventiva ao longo da tramitação da ação penal.
Caso o limite seja ultrapassado pela incidência de causa de aumento de pena, inclusive nas
hipóteses de concurso formal ou de crime continuado (arts. 70 e 71 do CP), ou ainda em razão de
concurso material de crimes (art. 69 do CP), torna-se possível a decretação da prisão preventiva do
autor do fato286.
Nos incisos seguintes do art. 313 do CPP, a lei estabelece exceções para autorizar a prisão
preventiva, mesmo quando a pena for inferior ao referido limite, especificamente quando houver
reincidência (inciso II), ou se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança,
adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas

APONTADA DESTRUIÇÃO DE PROVAS. AMEAÇA ÀS TESTEMUNHAS. SEGREGAÇÃO JUSTIFICADA E NECESSÁRIA. CONDIÇÕES PESSOAIS
FAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. ORDEM DENEGADA. [...] 2. Demonstrada está a
imprescindibilidade da custódia preventiva para a conveniência da instrução criminal, quando presentes elementos que revelam a
destruição de provas e a ameaça às testemunhas pela paciente. [...] (HC 240.781/MT, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado
em 28/08/2012, DJe 11/09/2012)
283 Ementa: Processual penal. Habeas corpus. Tráfico de entorpecentes e associação para tráfico de entorpecentes (Arts. 33 e 35). Prisão
em flagrante. Relaxamento. Prisão temporária. Convolação em Prisão preventiva: garantia da ordem pública e conveniência da instrução
criminal. Organização criminosa vinculada ao “PCC”. Periculosidade concreta. Ameaça a testemunhas. Fundamentação idônea. [...] 2. A
ameaça a testemunhas constitui base fática que se ajusta à necessidade da prisão cautelar por conveniência da instrução criminal.
Precedentes: HC 105614/RJ, rel. Min. Ayres Britto, 2ª Turma, DJ de 10/6/2011; HC 106236-AgR/RJ, rel. Min. Ayres Britto, 2ª Turma, DJ de
6/4/2011; HC 101934/RS, rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ de 14/9/2010; e HC 101309/PE, Rel. Min. Ayres Britto, 1ª Turma, DJ de 7/5/2010. [...] 4.
Ordem denegada. (HC 108201, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 08/05/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-105 DIVULG
29-05-2012 PUBLIC 30-05-2012).
284 Ementa: PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR E CORRUPÇÃO DE MENORES. PRISÃO PREVENTIVA
PARA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. PERICULOSIDADE EVIDENCIADA PELO MODUS OPERANDI. AMEAÇA ÀS VÍTIMAS. FUNDAMENTOS
IDÔNEOS. GRAVIDADE CONCRETA. SENTENÇA CONDENATÓRIA. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. PRECEDENTES. ORDEM DENEGADA. [...] 2. In
casu, o paciente foi preso preventivamente para garantia da ordem pública, diante das ameaças às vítimas e da periculosidade evidenciada
pelo modus operandi, porquanto, por mais de três anos, praticou atos libidinosos com crianças e adolescentes, em troca de dinheiro, doces,
passeios e outros presentes. [...] (HC 104522, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. LUIZ FUX, Primeira Turma,
julgado em 16/08/2011, DJe-178 DIVULG 15-09-2011 PUBLIC 16-09-2011 EMENT VOL-02588-01 PP-00127).
285EMENTA: HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME DE TRÁFICO INTERESTADUAL DE DROGAS E
FINANCIAMENTO AO TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO PREVENTIVA. PEDIDO DE LIBERDADE PROVISÓRIA. SUPERVENIÊNCIA DE SENTENÇA
PENAL CONDENATÓRIA MANTENDO A SEGREGAÇÃO CAUTELAR. GARANTIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. ENCERRAMENTO DA FASE
PROBATÓRIA. GARANTIA DA APLICAÇÃO DA LEI PENAL. REAL POSSIBILIDADE DE FUGA. PRESERVAÇÃO DA ORDEM PÚBLICA. FUNÇÃO DE
CHEFIA EM ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA E QUANTIDADE DE DROGAS: CIRCUNSTÂNCIAS SUFICIENTES PARA A MANUTENÇÃO DA CUSTÓDIA
CAUTELAR. ORDEM DENEGADA. [...] 2. Existência de outro fundamento idôneo e suficiente para a manutenção da prisão preventiva,
consistente na aplicação da lei penal, evidenciada pelo risco de fuga do distrito da culpa. [...] (HC 104608, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA,
Primeira Turma, julgado em 24/05/2011, DJe-168 DIVULG 31-08-2011 PUBLIC 01-09-2011 EMENT VOL-02578-01 PP-00086).
286Os Enunciados 81 e 723, respectivamente das Súmulas de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal,
podem ser adotados como fundamento, porque se cuida de argumento semelhante.

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protetivas de urgência (inciso III). Esta última hipótese pressupõe a aplicação anterior de medidas
protetivas, que se mostraram insuficientes287.
O parágrafo único do art. 313 também permite a prisão preventiva, quando houver dúvida
sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-
la, caso em que o preso deve ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se
outra hipótese recomendar a manutenção da medida.
Outra vedação imposta pelo Código de Processo Penal à prisão preventiva está prevista no art.
314, isto é, quando o fato típico vier acompanhado de causa excludente de ilicitude (art. 23 do CP).
Entretanto, pode acontecer que, no caso concreto, somente se tenha configurada a excludente após
regular instrução probatória, valendo, portanto, a prisão anterior. Em suma, se houver elementos
seguros sobre a existência da excludente desde o início, o juiz não poderá decretar a prisão. Caso
elas somente apareçam posteriormente, caberá ao juiz revogá-la (art. 316 do CPP).
À vista do mandado judicial, a captura poderá ser requisitada por qualquer meio de
comunicação, tomadas pela autoridade, a quem se fizer a requisição, as precauções necessárias para
averiguar a autenticidade desta.

8.1.1.4 PRISÃO DECORRENTE DE PRONÚNCIA


A prisão decorrente de pronúncia está prevista no art. 413, § 3º, do CPP, com a redação dada
pela Lei 11.689/08, que determina que o juiz deve decidir, motivadamente, no caso de manutenção,
revogação ou substituição da prisão ou medida restritiva de liberdade anteriormente decretada e,
tratando-se de acusado solto, sobre a necessidade da decretação da prisão ou imposição de
quaisquer das medidas previstas a partir do art. 282 do CPP.
Vale fazer remissão ao que foi dito quando do estudo da prisão preventiva, porque a
dogmática é semelhante, sendo certo que o legislador exigiu que o magistrado, ao pronunciar o
acusado, delibere fundamentadamente sobre o seu status libertatis, porque, a partir de tal ponto,
altera-se o título jurídico da prisão288.

8.1.1.5 PRISÃO DECORRENTE DE SENTENÇA


A prisão decorrente de sentença condenatória recorrível também trilha o mesmo caminho da
prisão preventiva. Segundo dispõe o art. 387, § 1º, do CPP, o juiz, ao sentenciar, decidirá,
fundamentadamente, sobre a manutenção ou, se for o caso, a imposição de prisão preventiva ou de
outra medida cautelar, sem prejuízo do conhecimento de apelação que vier a ser interposta 289.

287 Há o entendimento de que a decretação autônoma da prisão preventiva ainda seria possível, por força do art. 20 da Lei 11.340/2006,
que permanece em vigor, pelo princípio da especialidade.
288EMENTA HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRONÚNCIA E CONDENAÇÃO SUPERVENIENTE. PERDA DE
OBJETO. PRESSUPOSTOS E FUNDAMENTOS DA PRISÃO PREVENTIVA. RISCO À APLICAÇÃO DA LEI PENAL. 1. A superveniência de sentença de
pronúncia ou condenatória na qual é mantida a prisão cautelar, anteriormente decretada, implica a mudança do título da prisão e prejudica
o conhecimento de habeas corpus impetrado contra a prisão antes do julgamento. 2. Havendo risco à aplicação da lei penal, está justificada
a decretação ou a manutenção da prisão cautelar, desde que igualmente presentes boas provas da materialidade e da autoria como na
hipótese. 3. Habeas corpus prejudicado. (HC 104859, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 30/10/2012, ACÓRDÃO
ELETRÔNICO DJe-241 DIVULG 07-12-2012 PUBLIC 10-12-2012).
289EMENTA: HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. EXTORSÃO MEDIANTE SEQUESTRO. ELEMENTOS CONCRETOS PARA
CUSTÓDIA CAUTELAR. SENTENÇA CONDENATÓRIA. DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE. MANUTENÇÃO DA PRISÃO. FUNDAMENTOS
IDÔNEOS. PRECEDENTES. ORDEM DENEGADA. 1. A periculosidade do agente, delineada pela gravidade in concreto do crime, pelo modus
operandi e por sua personalidade, respalda a prisão preventiva para garantia da ordem pública. Precedentes. 2. A prisão decorrente de
sentença condenatória recorrível não afronta o princípio constitucional da não culpabilidade, desde que estejam ainda presentes os
requisitos necessários à custódia cautelar. Precedentes. 3. É firme a jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal no sentido de que as
condições subjetivas favoráveis do Paciente, tais como emprego lícito, residência fixa e família constituída, não obstam a segregação
cautelar. Precedentes. 4. Ordem denegada. (HC 111046, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, julgado em 11/12/2012,
PROCESSO ELETRÔNICO DJe-022 DIVULG 31-01-2013 PUBLIC 01-02-2013).

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Assim, quanto aos fundamentos da prisão preventiva, o juiz deve reportar-se ao art. 312 do
CPP, adotando ainda as cautelas necessárias para verificar se, no caso concreto, não há norma
vedando a decretação da prisão.
Aqui também há mudança de título jurídico, mesmo na hipótese de manutenção da prisão.
Isso porque, em relação aos pressupostos, já haverá juízo definitivo sobre autoria e materialidade do
crime, o qual se encontra fundado em cognição exauriente, decorrente da sentença prolatada após o
término da fase instrutória.

8.1.1.6 PRISÃO ESPECIAL


A prisão especial não é uma modalidade específica de encarceramento cautelar. O juiz não
decreta a “prisão especial” de determinada pessoa. Trata-se do modo pelo qual se cumpre a medida
cautelar de restrição da liberdade. Contrapõe-se à prisão comum.
O art. 295 do CPP enumera as pessoas que têm direito à prisão especial ou em quartéis,
quando a ela sujeitos antes da condenação definitiva. Para tanto, o legislador estabeleceu alguns
critérios, tais como a relevância do cargo ou da função pública desempenhada, o risco da atividade
exercida ou o grau de instrução do preso.
Além do Código de Processo Penal, outras leis também trazem semelhante prerrogativa para
ocupantes de determinados cargos públicos, como os membros do Ministério Público da União (art.
18, II, e, da LC 75/93) e dos Estados (art. 40, V, da Lei 8.625/93), da Defensoria Pública (art. 44, III, da
LC 80/94). Os advogados também possuem semelhante prerrogativa (art. 7º, V, da Lei 8.906/94).
A prisão especial consiste exclusivamente no recolhimento em local distinto da prisão comum,
ou, não havendo estabelecimento específico, em cela distinta.

8.1.1.7 PRISÃO DOMICILIAR


A prisão domiciliar era tradicionalmente direcionada à fase de execução, isto é, após o trânsito
em julgado da sentença penal condenatória, na forma do art. 117 da LEP290. Não obstante, a
jurisprudência já permitiu a sua aplicação em substituição à prisão preventiva, até mesmo por força
do disposto no parágrafo único do art. 2º da citada lei. Tal posição não é unânime, contudo. Com o
advento da Lei 12.403/11, que deu nova redação ao Capítulo IV do Título IX do CPP, positivou-se a
possibilidade da prisão domiciliar como alternativa à prisão preventiva.
Segundo o art. 317 do CPP, a prisão domiciliar consiste no recolhimento do indiciado ou
acusado em sua residência, só podendo dela ausentar-se com autorização judicial. Apesar de a
recente alteração legislativa possibilitar a prisão domiciliar antes da fase de execução da pena, o
legislador estabeleceu requisitos mais rigorosos para o cabimento da referida medida. É possível
quando o indiciado ou acusado:
• for maior de 80 (oitenta) anos;
• estiver extremamente debilitado por motivo de doença grave;
• for imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis)
anos de idade ou com deficiência;
• gestante.
• mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos

290Art. 117. Somente se admitirá o recolhimento do beneficiário de regime aberto em residência particular quando se tratar de: I -
condenado maior de 70 (setenta) anos; II - condenado acometido de doença grave; III - condenada com filho menor ou deficiente físico ou
mental; IV - condenada gestante.

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• homem, caso seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12
(doze) anos de idade incompletos

8.2 LIBERDADE PROVISÓRIA E FIANÇA


O capítulo referente à liberdade provisória também foi reformulado pela Lei 12.403/11.
Nos termos do art. 321 do CPP, ausentes os requisitos que autorizam a decretação da prisão
preventiva, o juiz deve conceder liberdade provisória, impondo, se for o caso, outras medidas cautelares
previstas no art. 319, observando-se os requisitos da necessidade e da adequação (art. 282 do CPP).
A liberdade provisória, pelo menos em nosso passado mais recente, vinha sendo utilizada
como alternativa à manutenção da prisão em flagrante, sempre que não houvesse necessidade de
manter a pessoa encarcerada. Tudo indica que essa sistemática foi mantida.
O art. 310 do CPP dispõe que o juiz, ao receber o auto de prisão em flagrante, deverá adotar
uma das quatro alternativas ali listadas. São elas:
• relaxar a prisão ilegal;
• converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os
requisitos constantes do art. 312, e se revelarem inadequadas ou
insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão;
• conceder liberdade provisória, com ou sem fiança;
• conceder liberdade provisória, mediante termo de comparecimento a
todos os atos processuais, sob pena de revogação, no caso de o
agente ter atuado acobertado por alguma das excludentes de ilicitude
previstas no art. 23 do CP.
As duas últimas hipóteses são as que se relacionam diretamente com os institutos da liberdade
provisória e da fiança.
Começando pela última situação, que é a mais simples, vê-se que o legislador apenas exigiu a
assinatura do termo de compromisso, caso esteja evidenciado que o agente praticara a conduta em
legítima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento do dever legal ou exercício regular de
um direito. Em princípio, nada mais pode dele ser exigido para fins de concessão da liberdade
vinculada. Não caberia, assim, a imposição de qualquer medida cautelar diversa da prisão.
Em relação à liberdade provisória, com ou sem fiança, o ordenamento passou a apresentar
algumas incongruências que precisam ser afastadas.
Um dos objetivos da Lei 12.403/11 foi a restauração da fiança, praticamente em desuso desde
o advento da Lei 6.416/77, que havia mudado a redação do então art. 310, parágrafo único, do CPP.
Até a recente reforma, ou a prisão preventiva era decretada, ou então a liberdade provisória sem
fiança deveria ser concedida.
A sistemática anterior não gerava maiores consequências do ponto de vista prático, se
consideradas as normas que impedem o arbitramento de fiança para as infrações penais mais graves,
tal como atualmente previsto no art. 323 do CPP291 e na legislação especial. Em outras palavras, os
crimes inafiançáveis acabavam recebendo o mesmo tratamento dos afiançáveis, na medida em que
em nenhum deles seria imposto o pagamento de fiança, na hipótese de não se justificar a prisão
preventiva, porque a manutenção automática de qualquer prisão provisória vem sendo rechaçada
pela jurisprudência.

291 A base é constitucional: “art. 5º [...] XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão,
nos termos da lei; XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura , o tráfico ilícito de
entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os
que, podendo evitá-los, se omitirem; XLIV - constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra
a ordem constitucional e o Estado Democrático”.

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Porém, com a restauração da fiança, é possível que a interpretação literal das regras conduza o
intérprete a resultados incoerentes. Por exemplo, caso seja isoladamente aplicada a norma que
impede o arbitramento de fiança para os crimes inafiançáveis, a liberdade deverá ser concedida sem
a referida medida acautelatória. Já para os afiançáveis, o juiz poderá conceder a liberdade provisória
com fiança, ou seja, um tratamento mais rigoroso para quem cometera infração penal menos grave.
E, não raramente, aqueles que compõem as chamadas organizações criminosas, e que praticam
crimes inafiançáveis, são justamente os que possuem maior capacidade econômico-financeira para
suportar a fiança. A jurisprudência deverá equacionar o problema. Uma sugestão seria impor um
maior número de medidas cautelares nos casos de cometimento de crimes inafiançáveis.
Foram ampliadas as hipóteses nas quais a fiança poderá ser diretamente fixada pela
autoridade policial, vale dizer, nos casos de infração cuja pena privativa de liberdade máxima não
seja superior a quatro anos (art. 322 do CPP). De qualquer forma, o interessado poderá peticionar ao
juiz, notadamente nas hipóteses de recusa ou demora (art. 335 do CPP), porque o controle judicial
permanece. Nas infrações com pena superior a quatro anos, a atribuição da autoridade judiciária é
exclusiva, que disporá do prazo de até quarenta e oito horas para decidir.
A fiança destina-se ao pagamento das custas, de indenização pelo dano, da prestação
pecuniária e da multa, em caso de condenação do acusado (art. 336 do CPP), e pode ser fixada até o
trânsito em julgado da sentença penal condenatória (art. 334 do CPP).
Além das vedações previstas no art. 323 do CPP, que basicamente espelham o que determina
a Constituição Federal, o art. 324 acrescenta as hipóteses de proibição de fiança: a) aos que, no
mesmo processo, tiverem quebrado fiança anteriormente concedida ou infringido, sem motivo justo,
qualquer das obrigações a que se referem os arts. 327 e 328 do CPP; b) em caso de prisão civil ou
militar; e c) quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva (art. 312),
sendo esta última decorrente da própria incongruência lógica que derivaria da tentativa de aplicação
simultânea dos institutos.
Os limites – mínimo e máximo – estão definidos no art. 325, devendo ser observadas, para o
seu arbitramento, a natureza da infração, as condições pessoais de fortuna e vida pregressa do
acusado, as circunstâncias indicativas de sua periculosidade, bem como a importância provável das
custas do processo, até o julgamento (art. 326 do CPP). O CPP autoriza a dispensa, a redução em até
2/3 e o aumento em até 1.000 (mil) vezes da fiança em vista da situação econômica do preso.
Fixado o valor, o art. 330 do CPP permite que o pagamento se dê através de depósito de
dinheiro, pedras, objetos ou metais preciosos, títulos da dívida pública, federal, estadual ou
municipal, ou em hipoteca inscrita em primeiro lugar. Se necessário, avalia-se o bem.
O Código de Processo Penal estabelece os casos de quebra, cassação e perdimento da fiança.
A quebra ocorrerá quando o beneficiário (arts. 327, 328 e 341 do CPP):
• não comparecer injustificadamente perante a autoridade, seja na fase
pré-processual ou judicial, sempre que exigida a sua presença;
• mudar-se ou afastar-se da residência, neste último caso por mais oito
dias, sem permissão ou comunicação à autoridade competente;
• deliberadamente praticar ato de obstrução ao andamento do processo;
• descumprir medida cautelar imposta cumulativamente com a fiança;
• resistir injustificadamente à ordem judicial;
• praticar nova infração penal dolosa.

O principal efeito da quebra é a perda de metade do valor afiançado, autorizando-se que o juiz
decida sobre a imposição de outras medidas cautelares, inclusive a prisão preventiva, se for o caso

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(art. 343 do CPP). O valor referente à quebra, após a dedução das custas e demais encargos a que o
acusado estiver obrigado, será recolhido ao fundo penitenciário. No caso de o tribunal dar
provimento ao recurso em sentido estrito contra a decisão que decretou a quebra da fiança, esta
será restaurada (art. 342 do CPP).
Dá-se a cassação quando:
• se reconheça não ser a fiança cabível no caso concreto, podendo
ocorrer em qualquer fase do processo (art. 338);
• reconhecida a existência de delito inafiançável, no caso de inovação na
classificação do delito (art. 339).

O principal efeito da cassação é a restituição da fiança prestada. Isso porque, partindo-se do


pressuposto de que a medida não era cabível, deve-se retornar ao estado anterior, isto é, como se
nunca houvesse arbitrado a fiança. Do contrário, constituiria enriquecimento sem causa em
detrimento do interessado.
A perda ocorre na hipótese em que o acusado não se apresenta para o início do cumprimento
da pena definitivamente imposta (art. 344). Nesse caso, todo o valor, deduzidas as custas e demais
encargos a que o acusado estiver obrigado, será recolhido ao fundo penitenciário.
Pode ainda o valor ser integralmente restituído, se o acusado é absolvido ou se a demanda é
extinta, por qualquer motivo, sem que haja condenação definitiva. Porém, se a extinção ocorrer em
virtude do reconhecimento da prescrição da pretensão executória, não caberá a restituição (art.
337).
É possível a dispensa da fiança se o interessado não possuir condições econômicas para
suportar o encargo (art. 350).

8.3 MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO


Não é mais novidade que a prisão administrativa não foi recepcionada pela Constituição
Federal de 1988. O Capítulo V do Título IX do Código de Processo Penal, que regulamentava o
assunto, passou a ser letra morta.
A Lei 12.403/2011 deu nova vida ao mencionado capítulo, para tratar das medidas cautelares
diversas da prisão, lembrando que essas medidas devem ser adotadas preferencialmente à custódia
cautelar, observando-se, em todos os casos, a necessidade e a adequação da medida, evitando-se a
imposição de restrição de maior gravidade, se outra mais branda puder afastar o risco de ineficácia
do provimento final. É no caso concreto que o juiz examinará e aplicará a medida ou as medidas mais
apropriadas.
O art. 319 do CPP enumera as medidas cautelares diversas da prisão, deixando a entender que
se trata de rol taxativo. Contudo, entendemos que qualquer outra medida, mesmo que não prevista
no código, possa ser aplicada, se, em razão dela, puder se evitar a prisão cautelar, desde que não
haja vedação do ordenamento.
As medidas são as seguintes:
• comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas
pelo juiz, para informar e justificar atividades;
• proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por
circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado
permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações;

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• proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por
circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela
permanecer distante;
• proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja
conveniente ou necessária para a investigação ou instrução;
• recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando
o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos;
• suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza
econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização
para a prática de infrações penais;
• internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados
com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser
inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco
de reiteração;
• fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento
a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso
de resistência injustificada à ordem judicial;
• monitoração eletrônica.

Muitas dessas medidas não são inovadoras. Três delas já estavam previstas no art. 89 da Lei
9.099/95, que trata da suspensão condicional do processo. A fiança, já no item anterior, também é
tradicional no nosso ordenamento. A Lei 11.340/06 também já previa a vedação de contato pessoal
com determinada pessoa (art. 22, III, a e b).
No entanto, sem prejuízo do princípio da especialidade, a utilidade da alteração legislativa
reside justamente no fato de estar posicionada no Código de Processo Penal, ampliando-se o seu
alcance para contemplar outras infrações penais que não eram atingidas pelas medidas contidas nas
leis especiais.
O recolhimento domiciliar noturno e nos dias de folga é uma novidade. Contudo, sabendo-se
previamente que se trata de medida de difícil fiscalização no cotidiano, somente o futuro poderá
confirmar ou não a sua utilização eficaz. O mais adequado seria a sua implementação em conjunto
com o monitoramento eletrônico.
De qualquer forma, o fato de o indiciado ou acusado possuir residência e trabalho fixos não
garante necessariamente a utilização da medida como alternativa à prisão. Não há direito subjetivo.
O caso concreto poderá justificar a prisão cautelar, na linha do que já vem sendo acolhido pela
jurisprudência292.
Por ser uma medida de restrição mais drástica do que as demais comentadas até este
momento, e que não se confunde com a prisão domiciliar (arts. 317 e 318 do CPP), o recolhimento
domiciliar deve ser usado com cautela. Pode-se dizer que, em uma escala de
necessidade/adequação, seria a medida imediatamente anterior à prisão preventiva.
A suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou
financeira já vinha sendo utilizada pelos juízes em determinadas situações. É necessário que haja
uma relação de pertinência entre o exercício da função ou atividade e a infração penal imputada ao
indiciado ou acusado.

292 EMENTA: Habeas Corpus. 2. Prisão cautelar. Sentença de pronúncia. 3. Alegação de inexistência dos requisitos autorizadores para a
decretação da prisão preventiva. 4. Primariedade e bons antecedentes. Elementos que, por si sós, não autorizam a revogação da medida
constritiva de liberdade. Precedentes. 5. Decisão que não se fundamentou em dados concretos. 6. Habeas corpus deferido (HC 83148,
Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 16/08/2005, DJ 02-09-2005 PP-00047 EMENT VOL-02203-01 PP-00150 RTJ
VOL-00195-03 PP-00960 LEXSTF v. 27, n. 323, 2005, p. 365-374).

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Muito embora a lei reduza as hipóteses de aplicação do afastamento cautelar, equiparando a
medida, de certa forma, à garantia da ordem pública, não se pode impedir o seu cabimento, quando
puder se evitar a prisão cautelar, como já foi dito anteriormente.
Tema recorrente nas hipóteses de afastamento de agentes públicos é a suspensão ou não do
pagamento das remunerações. O Supremo Tribunal Federal já afirmou que qualquer medida nesse
sentido seria incompatível com o princípio da presunção de inocência, mesmo que se cuidasse
apenas de redução293.
A internação provisória é novidade, pelo menos como medida acautelatória. Exige-se que o
crime tenha sido praticado com violência ou grave ameaça contra a pessoa, que haja efetivo risco de
reiteração, além de exame pericial que ateste a semi-imputabilidade ou inimputabilidade do acusado
(art. 149 do CPP). Esses requisitos são cumulativos.
Quanto ao semi-imputável, desde a reforma da parte geral do Código Penal, em 1984, que o
ordenamento jurídico abandonara o sistema duplo-binário, não sendo mais possível a aplicação
acumulada de pena e medida de segurança. Nesse sentido, incide apenas a causa de diminuição de
pena prevista no parágrafo único do art. 26 do CP. A medida de segurança, excepcionalmente e em
substituição à pena privativa de liberdade, será aplicada somente para a finalidade prevista no art. 98
do CP, isto é, quando o agente necessitar de especial tratamento curativo.
Portanto, deve-se ter cautela para não haver a decretação da internação provisória do semi-
imputável, caso não seja factível a futura substituição da pena privativa de liberdade por medida de
segurança. Em outras palavras, o juiz não deverá lançar mão da internação provisória, se não
vislumbrar a aplicação futura do art. 98 do CP.
As consequências da internação provisória são muito graves, por restringir a liberdade de
locomoção do acusado, equiparando-se, sob esse ponto de vista, à prisão preventiva, exigindo
bastante cautela na sua utilização.
Assim como a internação provisória, a monitoração eletrônica cautelar também é novidade,
pois, desde o advento da Lei 12.258/10, que alterou a Lei de Execução Penal – LEP, o monitoramento
se mostrava possível na fase de execução da pena (Título V, Capítulo I, Seção VI).
O Decreto 7.627/2011 regulamentou o uso da monitoração eletrônica, definindo-a como a
vigilância telemática posicional à distância de pessoas presas sob medida cautelar ou condenadas por
sentença transitada em julgado, executada por meios técnicos que permitam indicar a sua
localização (art. 2º).
A medida já vem sendo utilizada em outros países, sendo bastante útil para a fiscalização do
condenado ou acusado. Por esse motivo, é recomendável que seja aplicada em conjunto com outra
medida acautelatória, conforme Eugênio Pacelli: “Pensamos que o monitoramento eletrônico não
deverá ser aplicado isoladamente, mas como garantia de cumprimento de outras cautelares que,
pela natureza, demandem um grau mais sofisticado de fiscalização. É o caso do recolhimento
domiciliar (art. 319, V) e da proibição de acesso a determinados lugares (art. 319, II)”294.
Atenta ao princípio da dignidade da pessoa humana, a norma prevista no art. 5º do Decreto
7.627 determina que o equipamento de monitoração eletrônica deve ser utilizado de modo a

293EMENTA: ART. 2º DA LEI ESTADUAL 2.364/61 DO ESTADO DE MINAS GERAIS, QUE DEU NOVA REDAÇÃO À LEI ESTADUAL 869/52,
AUTORIZANDO A REDUÇÃO DE VENCIMENTOS DE SERVIDORES PÚBLICOS PROCESSADOS CRIMINALMENTE. DISPOSITIVO NÃO-
RECEPCIONADO PELA CONSTITUIÇÃO DE 1988. AFRONTA AOS PRINCÍPIOS DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E DA IRREDUTIBILIDADE DE
VENCIMENTOS. RECURSO IMPROVIDO. I - A redução de vencimentos de servidores públicos processados criminalmente colide com o
disposto nos arts. 5º, LVII, e 37, XV, da Constituição, que abrigam, respectivamente, os princípios da presunção de inocência e da
irredutibilidade de vencimentos. II - Norma estadual não recepcionada pela atual Carta Magna, sendo irrelevante a previsão que nela se
contém de devolução dos valores descontados em caso de absolvição. [...] (RE 482006, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal
Pleno, julgado em 07/11/2007, DJe-162 DIVULG 13-12-2007 PUBLIC 14-12-2007 DJ 14-12-2007 PP-00050 EMENT VOL-02303-03 PP-00473 RTJ
VOL-00204-01 PP-00402).
294OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 16. ed. atual. São Paulo: Atlas, 2012, p. 511.

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respeitar a integridade física, moral e social da pessoa monitorada. É proibido o uso de
equipamentos que possam causar constrangimento ao usuário.
Por fim, os dados, incluindo as informações sobre a pessoa monitorada, são sigilosos (art. 6º),
tendo a eles acesso somente servidores expressamente autorizados, e que tenham necessidade de
conhecê-los em virtude de suas atribuições (art. 7º).

ATOS, FATOS E PRAZOS


PROCESSUAIS
ATOS PROCESSUAIS: FORMA. LUGAR. TEMPO. PRAZO. COMUNICAÇÕES.
CITAÇÕES E INTIMAÇÕES. DESPACHOS. DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS.

É sabido que o procedimento se desenrola através da prática de atos processuais dos mais
diversos. Em regra, dividem-se em:
• Postulatórios – como o próprio nome já revela, são os atos praticados
pelas partes, que se destinam ao órgão julgador, contendo algum
requerimento.
• Instrutórios – em regra, são praticados pelas partes, notadamente pelo
autor da ação penal, em razão do estado constitucional de inocência do
acusado que, a rigor, nada precisará provar, se o titular da ação não se
desincumbir de seu ônus. O juiz, excepcionalmente, adotará alguma
iniciativa probatória, como já foi debatido no capítulo pertinente.
• Decisórios – são atos privativos do juiz. Dividem-se em decisões e
sentenças, já que os despachos não possuem o atributo de serem
decisórios.
Os atos processuais estão espalhados pelo Código de Processo Penal. Veremos as questões
envolvendo a forma, o tempo e o lugar dos atos processuais, além das comunicações, especialmente
as citações e intimações, e, por fim, os atos judiciais propriamente ditos – despachos, decisões e
sentenças.

9.1 FORMA, TEMPO E LUGAR DOS ATOS PROCESSUAIS


O processo é um instrumento essencialmente formal, não obstante a tendência de
desburocratização que vem sendo paulatinamente implementada, com destaque para os princípios
norteadores dos juizados especiais (art. 2º da Lei 9.099/95).
A formalidade é importante, mas ela não se confunde com o formalismo exacerbado,
caracterizado pela busca incessante da forma, como se esta fosse a finalidade última da sua
existência.

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Não é isso que se busca atualmente.
A forma tem um propósito específico, que é o de dar segurança jurídica aos interessados,
garantir-lhes a fruição do direito ao contraditório e à ampla defesa, ou seja, que os atos praticados
sejam considerados idôneos, que cumpram a sua finalidade.
O processo penal também é regido pelo princípio da instrumentalidade das formas, cujo traço
característico pode ser encontrado no art. 572, II, do CPP, devendo o ato ser preservado sempre que
tenha atingido a sua finalidade, ainda que defeituoso na forma295.
Os atos processuais também devem ser públicos, sendo o sigilo a exceção, tal como previsto
no art. 792 do CPP, que determina que as audiências, sessões e os atos processuais serão, em regra,
públicos e se realizarão nas sedes dos juízos e tribunais, com assistência dos escrivães, do secretário,
do oficial de justiça que servir de porteiro, em dia e hora certos, ou previamente designados. Apenas
se da publicidade puder resultar escândalo, inconveniente grave ou perigo de perturbação da ordem,
o juiz, ou o tribunal, câmara, ou turma, poderá, de ofício ou a requerimento da parte ou do
Ministério Público, determinar que o ato seja realizado a portas fechadas, limitando o número de
pessoas que possam estar presentes (§ 1º).
Segundo dispõe o art. 797 do Código de Processo Penal, as sessões de julgamento não serão
marcadas para domingo ou feriado. Todavia, os julgamentos iniciados em dia útil não se
interromperão pela superveniência de feriado ou domingo. Os demais atos do processo poderão ser
praticados nestes dias e também em período de férias.
Como não poderia deixar de ser, a polícia das audiências e das sessões compete aos
respectivos juízes ou ao presidente do tribunal, câmara, ou turma, que poderão determinar o que for
conveniente à manutenção da ordem. Para tal fim, requisitarão força pública, que ficará
exclusivamente à sua disposição (art. 794).

9.2 PRAZOS PROCESSUAIS


O prazo pode ser definido como o interstício de tempo fixado pela lei ou pelo juiz para a
prática de determinado ato. Abrange o termo inicial (a quo) e o termo final (ad quem).
A forma de se contar determinado prazo varia conforme a determinação legal. Os prazos
penais, por exemplo, incluem o dia do começo e consideram o calendário comum (art. 10 do CP).
No caso dos prazos processuais, aplicam-se as regras contidas no art. 798 do Código de
Processo Penal, assim sintetizadas:

295PROCESSO PENAL. ESTUPRO E ATENTADO AO PUDOR PRATICADOS CONTRA VULNERÁVEL (ART. 214, C/C ART. 224, “A”, POR DUAS VEZES,
E ART. 213, § 1º, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI N. 12.015/2009, C/C ART. 71, TODOS DO CÓDIGO PENAL). PENA DE 12 ANOS DE
RECLUSÃO, SEM DIREITO AO APELO EM LIBERDADE, POR PERSISTIREM OS FUNDAMENTOS DA PRISÃO CAUTELAR. TRÂNSITO EM JULGADO.
NULIDADE POR DEFICIÊNCIA DA DEFESA TÉCNICA. ALEGAÇÃO IMPROCEDENTE. NULIDADE QUE, SE EXISTENTE, SERIA RELATIVA.
NECESSIDADE DA DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO À DEFESA. SENTENÇA TRANSITADA EM JULGADO. IMPOSSIBILIDADE DE CONVOLAÇÃO DO
HABEAS CORPUS EM AÇÃO RESCISÓRIA. [...] 3. Ainda que se admitisse a deficiência da defesa, tratar-se-ia de nulidade relativa e, por
conseguinte, seria necessária a demonstração de prejuízo, in casu, inocorrente, por isso impor-se-ia atentar que a nulidade depende de
revelação de prejuízo, o que inocorre quando há ampla atuação do advogado em todas as fases processuais, revelando integral
cumprimento das garantias constitucionais processuais. É que o processo penal rege-se pelo princípio da instrumentalidade das formas, do
qual se extrai que as formas, ritos e procedimentos não existem como fins em si mesmos, mas como meios de se garantir um processo
justo, equânime, que confira efetividade aos postulados constitucionais da ampla defesa, do contraditório, e do devido processo legal. 4.
Deveras, é cediço na Corte que: a) no processo penal vigora o princípio geral de que somente se proclama a nulidade de um ato processual
quando há a efetiva demonstração de prejuízo, nos termos do que dispõe o art. 563 do CPP, verbis: Nenhum ato será declarado nulo, se da
nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa; b) nesse mesmo sentido é o conteúdo do Enunciado da Súmula nº 523 do
Supremo Tribunal Federal: No processo penal, a falta de defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver
prova de prejuízo para o réu; c) precedentes: HC 93.868/PE, Rel. Ministra Cármen Lúcia, Primeira Turma, Julgamento em 28/10/2008; HC
98.403/AC, Rel. Ministro Ayres Britto, Segunda Turma, Julgamento em 24/8/2010, HC 94.817, Rel. Ministro Gilmar Mendes, Segunda Turma,
Julgamento em 3/8/2010. 5. In casu, merece ainda considerar que a sentença penal transitou em julgado, a implicar indevida convolação do
habeas corpus em ação rescisória. 6. Ordem denegada. (HC 111582, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 17/04/2012,
PROCESSO ELETRÔNICO DJe-086 DIVULG 03-05-2012 PUBLIC 04-05-2012).

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DIREITO PROCESSUAL PENAL
a
CONSTITUCIONA DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E296
REGISTRAIS DO RS
a) Todos os prazos correrão em cartório e serão contínuos e peremptórios, não se
interrompendo por férias297, domingo298 ou feriado299300. Porém, se terminarem em tais
dias, os prazos ficam prorrogados até o dia útil imediato.
b) Excepcionalmente, não correrão os prazos, se houver impedimento do juiz, força maior,
ou obstáculo judicial oposto pela parte contrária.
c) Não se computará no prazo o dia do começo, incluindo-se, porém, o do vencimento.
d) Salvo os casos expressos, os prazos correrão: a) da intimação301; b) da audiência ou
sessão em que for proferida a decisão, se a ela estiver presente a parte; c) do dia em que
a parte manifestar nos autos ciência inequívoca da sentença ou despacho.
Assim como nos prazos penais, os processuais também são contados considerando-se o
calendário comum.

9.3 COMUNICAÇÕES PROCESSUAIS


As comunicações processuais têm objetivos específicos e relevantes, em relação às partes e
aos eventuais interessados, entre eles os que visam mantê-los informados sobre a existência e a
tramitação da demanda penal, além dos que buscam instá-los à prática de determinados atos.
As citações e intimações302, espécies de comunicações processuais, estão regulamentadas no
Título X do Livro I do Código de Processo Penal, especificamente nos arts. 351 a 372.

9.4 CITAÇÕES
A citação é o mais importante ato de comunicação do processo. É através dela que o réu toma
conhecimento de que contra ele tramita uma demanda penal. Adotando-se por empréstimo a
definição prevista no art. 213 do CPC, com a devida adaptação, é o ato pelo qual se chama a juízo o
réu a fim de se defender.
Nos termos do art. 363 do CPP, o processo, isto é, a relação processual, terá completada a sua
formação quando realizada a citação do acusado.

296Entendemos que a regra do prazo correndo em cartório tem duvidosa constitucionalidade, porque pode gerar demasiado desequilíbrio
material entre as partes, na medida em que, como já foi visto, o Ministério Público tem a prerrogativa de intimação pessoal, normalmente
com vista dos autos. Recomenda-se, portanto, que, para os atos mais importantes, sejam concedidos prazos individualizados quando
houver pluralidade de réus, permitindo-se a retirada dos autos do cartório pelo defensor técnico, inclusive se constituído (art. 7º, XV, da Lei
8.906/94). Com a ampliação do processo eletrônico, tal problema deixa de existir, porque todos têm acesso simultâneo garantido pelo
sistema.
297Atentar para o fato de não haver mais férias coletivas para os juízes, mantidas apenas para os tribunais superiores (art. 93, XII, da CF,
com a redação dada pela EC 45/04).
298 Pode-se incluir o sábado na lista, porque não se tem notícia de expediente forense em tais dias, exceto na hipótese excepcional de
continuação de ato iniciado em dia de regular funcionamento. A propósito, conferir o Enunciado 310 da Súmula de Jurisprudência do STF:
“Quando a intimação tiver lugar na sexta-feira, ou a publicação com efeito de intimação for feita nesse dia, o prazo judicial terá início na
segunda-feira imediata, salvo se não houver expediente, caso em que começará no primeiro dia útil que se seguir”.
299No caso da Justiça Federal, o recesso de fim de ano, no período compreendido entre 20/12 e 06/01, é considerado feriado (art. 62, I, da
Lei 5.010/66) e, por conta disso, suspende-se a contagem dos prazos processuais.
300Em face do art. 219 do NCPC, que determina a contagem de prazos apenas em dias úteis, a corrente doutrinária majoritária tem, até o
momento, se inclinado a dizer que o dispositivo não se aplica ao processo penal.
301Não se considera a data da juntada do mandado, tal como ocorre no CPC. Nesse sentido, confira-se o Enunciado 710 da Súmula de
Jurisprudência do STF: “No processo penal, contam-se os prazos da data da intimação, e não da juntada aos autos do mandado ou da
carta precatória ou de ordem”. Para o Ministério Público, conta-se a partir da data de entrega ou de retirada dos autos, não sendo
descontado o período em que o órgão eventualmente consumira para a distribuição interna dos autos: “EMENTA: HABEAS CORPUS.
PROCESSO PENAL. INTIMAÇÃO PESSOAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO. MOMENTO DE OCORRÊNCIA. ORDEM CONCEDIDA. 1. Na linha do
julgamento do HC 83.255 (rel. min. Marco Aurélio), a intimação pessoal do Ministério Público se dá com a carga dos autos na secretaria do
Parquet. 2. Se houver divergência entre a data de entrada dos autos no Ministério Público e a do "ciente" aposto nos autos, prevalece, para
fins de recurso, aquela primeira. 3. Ordem concedida, para cassar o acórdão atacado. (HC 83821, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA,
Primeira Turma, julgado em 01/06/2004, DJ 06-08-2004 PP-00041 EMENT VOL-02158-03 PP-00441 RF v. 101, n. 378, 2005, p. 345-346
RMDPPP v. 1, n. 2, 2004, p. 88-90)”.
302A lei não diferencia intimação de notificação, não havendo relevância prática na distinção doutrinária que se faz entre as duas formas de
comunicação. Caberia a intimação quando fosse para dar conhecimento ao interessado sobre ato já praticado, enquanto que a notificação
seria para as hipóteses de ato a praticar.

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Em razão da importância do ato de citação, o Código de Processo Penal impõe determinadas
formalidades, conforme o modelo adotado, a fim de assegurar a eficácia do ato.

9.4.1 CITAÇÃO POR MANDADO


A citação far-se-á por mandado, quando o réu estiver no território sujeito à jurisdição do juiz
que a houver ordenado (art. 351).
A regra é a citação pessoal, por mandado a ser entregue por oficial de justiça, que certificará o
ocorrido durante a diligência.
Cuida-se de modalidade de citação real, porque se tem a certeza de que o destinatário da
citação tenha dela tomado conhecimento.
Os requisitos intrínsecos do mandado estão contidos no art. 352, que são: a) os nomes do juiz,
do querelante, nas ações iniciadas por queixa, e do réu, ou, se for desconhecido, os seus sinais
característicos; b) a residência do réu, se conhecida; c) a finalidade da citação; d) o juízo e o lugar, o
dia e a hora em que o réu deverá comparecer, se for o caso303; e) a subscrição do escrivão e a rubrica
do juiz.
Os extrínsecos se encontram no art. 357, ou seja, a leitura do mandado ao citando pelo oficial
e a entrega da contrafé, na qual se mencionarão o dia e a hora da citação, além da declaração do
oficial, na certidão, da entrega da contrafé, e sua aceitação ou recusa.

9.4.2 CITAÇÃO POR PRECATÓRIA


A citação por precatória também se dá por mandado, a ser entregue por oficial de justiça, tal
como no item anterior. Valem, portanto, as mesmas observações, entre elas a pessoalidade da
diligência, tratando-se igualmente de citação real.
O que diferencia as duas modalidades de citação é a localidade da residência do réu, neste
caso fora do território em que o juiz competente exerce a sua atividade jurisdicional (art. 353), mas
ainda assim dentro do território nacional304.
Através da carta precatória, o juízo deprecante solicita ao juízo deprecado o cumprimento do
referido ato citatório.
Os requisitos da carta estão previstos no art. 354.
O procedimento é simples, devendo a precatória ser devolvida ao juiz deprecante,
independentemente de traslado, depois de lançado o "cumpra-se" e de feita a citação por mandado
do juiz deprecado (art. 355).
A carta precatória possui a característica de ser itinerante. Verificado que o réu se encontra
em território sujeito à atuação de outro juízo, a este o juiz deprecado remeterá os autos para
efetivação da diligência, desde que haja tempo para fazer-se a citação (art. 355, § 1º).
Em caso de frustração da diligência, pela não localização do réu, a carta precatória deverá ser
devolvida ao juízo deprecante, que deliberará a respeito, inclusive, se for o caso, determinar a citação por
edital.

303Em razão da redefinição do procedimento comum, este requisito está praticamente em desuso, porque o réu não é mais citado para
comparecer à audiência de qualificação e interrogatório.
304 Estando o acusado no estrangeiro, em lugar sabido, será citado mediante carta rogatória, suspendendo-se o curso do prazo de
prescrição até o seu cumprimento (art. 368). As citações que houverem de ser feitas em legações estrangeiras serão efetuadas mediante
carta rogatória (art. 369).

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Caso o denunciado se oculte para não ser encontrado, conforme certidão do oficial de justiça,
não mais se aplica a citação por edital (art. 355, § 2º), tratando-se de caso evidente de citação por
hora certa, instituída a partir da reforma implementada pela Lei 11.719/2008, que será vista a seguir.

9.4.3 CITAÇÃO POR HORA CERTA


O Código de Processo Penal, como já foi dito, adotou a citação por hora certa por ocasião da
reforma de 2008. Porém, não estabeleceu o procedimento, dedicando apenas um artigo ao tema
(art. 362), no qual faz remissão expressa ao CPC.
A matéria era tratada pelos artigos 227 a 229 do CPC/1973, atuais artigos 252 e 254 do atual
código, com as modificações adiante destacadas:
Art. 252. Quando, por 2 (duas) vezes, o oficial de justiça houver procurado
o citando em seu domicílio ou residência sem o encontrar, deverá, havendo
suspeita de ocultação, intimar qualquer pessoa da família ou, em sua falta,
qualquer vizinho de que, no dia útil imediato, voltará a fim de efetuar a
citação, na hora que designar.
Parágrafo único. Nos condomínios edilícios ou nos loteamentos com
controle de acesso, será válida a intimação a que se refere o caput
feita a funcionário da portaria responsável pelo recebimento de
correspondência.
Art. 253. No dia e na hora designados, o oficial de justiça,
independentemente de novo despacho, comparecerá ao domicílio ou à
residência do citando a fim de realizar a diligência.
§ 1º Se o citando não estiver presente, o oficial de justiça procurará
informar-se das razões da ausência, dando por feita a citação, ainda que o
citando se tenha ocultado em outra comarca, seção ou subseção
judiciárias.
§ 2º A citação com hora certa será efetivada mesmo que a pessoa da
família ou o vizinho que houver sido intimado esteja ausente, ou se, embora
presente, a pessoa da família ou o vizinho se recusar a receber o mandado.
§ 3º Da certidão da ocorrência, o oficial de justiça deixará contrafé com
qualquer pessoa da família ou vizinho, conforme o caso, declarando-lhe o
nome.
§ 4º O oficial de justiça fará constar do mandado a advertência de que será
nomeado curador especial se houver revelia.
Art. 254. Feita a citação com hora certa, o escrivão ou chefe de secretaria
enviará ao réu, executado ou interessado, no prazo de 10 (dez) dias,
contado da data da juntada do mandado aos autos, carta, telegrama ou
correspondência eletrônica, dando-lhe de tudo ciência.
O parágrafo único do art. 362 determina que completada a citação com hora certa, se o
acusado não comparecer ou permanecer inerte, ser-lhe-á nomeado defensor dativo.
Vale ressaltar que a higidez constitucional da citação por hora certa no processo penal está em
discussão no Supremo Tribunal Federal, tendo havido o reconhecimento da repercussão geral305. Há
decisões do STJ306 e de tribunais regionais confirmando a sua validade.

305 CITAÇÃO POR HORA CERTA – ARTIGO 362 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL – CONSTITUCIONALIDADE DECLARADA NA ORIGEM –
RECURSO EXTRAORDINÁRIO – REPERCUSSÃO GERAL CONFIGURADA. Possui repercussão geral a controvérsia acerca da constitucionalidade,
ou não, da citação por hora certa, prevista no artigo 362 do Código de Processo Penal. (RE 635145 RG, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO,
julgado em 08/11/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-038 DIVULG 26-02-2013 PUBLIC 27-02-2013).
306 RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CITAÇÃO POR HORA CERTA. VALIDADE. ESGOTAMENTO DOS MEIOS.
ALEGADA AUSÊNCIA DOS REQUISITOS LEGAIS. VIA IMPRÓPRIA. INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZO.CONSTRANGIMENTO LEGAL NÃO EVIDENCIADO.

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9.4.4 CITAÇÃO POR EDITAL
A citação por edital não é modalidade de citação real. É ficta. Por isso mesmo, muito
provavelmente a menos eficaz, já que, de um modo geral, não há o hábito generalizado de se ler as
publicações oficiais do Poder Judiciário.
Em razão dessa ineficácia, constatável empiricamente no cotidiano forense, deve-se utilizar a
citação por edital somente como a última hipótese, ou seja, quando esgotadas as possibilidades de
localização do acusado. Isso porque, como se verá adiante, a consequência do não comparecimento
é a suspensão do processo e do prazo prescricional (art. 366), além de uma possível declaração de
nulidade307.
Uma boa alternativa é a pesquisa em bancos de dados administrados pelo Poder Público,
quando frustrada a localização do acusado no endereço contido nos autos308.
O prazo foi unificado pela Lei 11.719/2008, ficando estabelecido o interstício de 15 (quinze)
dias (art. 361).
Nos termos do § 3º do art. 364, comparecendo o acusado citado por edital, em qualquer
momento, será observado o disposto nos arts. 394 e seguintes do CPP, recomendando-se, caso ainda
seja possível, a reabertura do prazo para defesa preliminar.
Os requisitos intrínsecos do edital estão descritos no art. 365, quais sejam: a) os nomes do juiz
e do réu, ou, se este não for conhecido, os seus sinais característicos; b) residência e profissão do
réu, se constarem do processo; c) a finalidade da citação; d) o juízo e o dia, a hora e o lugar em que o
réu deverá comparecer309; e) o prazo, que será contado do dia da publicação do edital na imprensa,
se houver, ou da sua afixação.

9.5 SUSPENSÃO DO PROCESSO E REVELIA


A redação original do art. 366 do CPP previa que o processo seguiria à revelia do acusado que,
citado inicialmente ou intimado para qualquer ato do processo, deixasse de comparecer sem motivo
justificado. Não se fazia distinção entre as hipóteses de citação real ou ficta.

1. Tem-se por válida a citação por hora certa realizada nos autos, diante da informação de que foram empreendidas as diligências
necessárias à localização do denunciado, bem assim de que havia indícios da sua ocultação para não ser citado. Precedentes. [...] (RHC
31.421/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 08/05/2012, DJe 21/05/2012).
307HABEAS CORPUS. CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO E LAVAGEM DE DINHEIRO. CITAÇÃO POR EDITAL. NÃO ESGOTAMENTO DE
TODOS OS MEIOS PARA A LOCALIZAÇÃO DO ACUSADO. NULIDADE. ORDEM CONCEDIDA. 1. Pacífico o entendimento do Superior Tribunal de
Justiça de que devem ser esgotadas todas as diligências possíveis para a localização do réu antes de se determinar a citação por edital, sob
pena de nulidade. 2. No caso, apesar de declinada nos autos da ação penal de que se cuida a alteração de endereço do paciente, esta não
foi observada, o que ensejou a sua não localização e a citação por edital, restando evidenciado, assim, o alegado constrangimento ilegal. 3.
Ordem concedida para anular o processo a partir da citação do paciente, inclusive, determinando-se a expedição de carta rogatória para
citação e interrogatório, com posterior prosseguimento dos demais atos do processo. (HC 55.059/PR, Rel. Ministro HAROLDO RODRIGUES
(DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/CE), SEXTA TURMA, julgado em 16/08/2011, DJe 26/10/2011).
308HABEAS CORPUS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO (ART. 157, § 2º, I, II, E III, DO CP). CITAÇÃO POR EDITAL. ALEGADO NÃO ESGOTAMENTO
DOS RECURSOS DISPONÍVEIS PARA LOCALIZAR O PACIENTE. ACUSADO DEFENDIDO POR ADVOGADO DATIVO. POSTERIOR PRISÃO E
COMPARECIMENTO DO PACIENTE NO CARTÓRIO DO JUÍZO. NULIDADE NÃO CARACTERIZADA. ORDEM DENEGADA. 1. É por meio do ato
citatório que o acusado é chamado a integrar a relação processual, no seio da qual poderá usufruir de todas as garantias previstas na
Constituição Federal para exercer o seu direito de defesa. Restando infrutífera a tentativa de sua localização nos endereços conhecidos, o
legislador ordinário previu a utilização da chamada citação por edital, também conhecida por citação ficta, a fim de que o processo não
fique eternamente paralisado à espera da voluntariedade do acusado em submeter-se à persecução penal. 2. Estando o acusado em local
incerto e não sabido desde a fase investigatória, conforme relatório policial e denúncia, após resultar infrutífera a pesquisa na Rede
INFOSEG, ligada à Secretaria Nacional de Segurança Pública, a citação por edital do paciente, no caso concreto, não constitui qualquer
cerceamento à sua defesa. 3. A citação editalícia do paciente com a nomeação de um defensor dativo não impede de ser o réu
representado, posteriormente, por advogado de sua escolha. 4. Não há qualquer vício apto a inquinar de nulidade o processo penal,
tampouco prejuízo ao exercício da ampla defesa, quando o advogado regularmente constituído pelo acusado comparece em cartório e é
intimado para o oferecimento da defesa prévia. 5. Ordem denegada. (HC 200902351982, JORGE MUSSI, STJ - QUINTA TURMA, DJE
DATA:01/08/2011).
309Em razão da redefinição do procedimento comum, este requisito está praticamente em desuso, porque o réu não é mais citado para
comparecer à audiência de qualificação e interrogatório.

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310
Com a internalização do Pacto de São José da Costa Rica , intensificaram-se as críticas à
aplicação da revelia nos casos em que o réu, citado por edital, não comparecesse, tampouco
constituísse defensor técnico.
A situação somente foi parcialmente resolvida com a alteração do art. 366 do CPP, em função
da nova redação atribuída pela Lei 9.271/96. Assim, quando o acusado, citado por edital, não
comparecer, nem constituir advogado, deverão ficar suspensos o processo e o curso do prazo
prescricional, podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e,
se for o caso, decretar prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312.
A intenção do legislador foi boa, mas não resolveu a questão completamente.
Se, por um lado, a norma era mais benéfica ao acusado, que não mais seria julgado à revelia,
de outro, teve a sua situação piorada, na parte em que passou a ter contra si uma suspensão
indefinida do prazo prescricional.
A norma é ao mesmo tempo favorável e prejudicial ao réu, tendo sido cogitado o recurso da
combinação de leis311, o que não foi, contudo, acolhido pela jurisprudência312.
A única solução viável para compatibilizar a norma com a Constituição Federal, porque apenas
esta pode estabelecer os casos de imprescritibilidade, foi considerar que a suspensão do prazo
prescricional perduraria durante o lapso previsto em lei para a prescrição pela pena máxima em
abstrato cominada à infração penal (art. 109 do CP). Após, sem prejuízo da continuidade da
suspensão do processo, o prazo prescricional voltaria a correr. A jurisprudência acabou acolhendo a
tese313.
Tentou-se, através do Projeto de Lei 4.207/2001, que deu origem à Lei 11.719/2008, incluir o
limite de suspensão do prazo prescricional, regulado pela pena máxima em abstrato, que seria o
inciso I do § 2º do art. 363.
Entretanto, o dispositivo acabou sendo vetado, em razão de não trazer a necessária suspensão
concomitante do processo, o que constituiria um inegável retrocesso, permanecendo a redação dada
pela Lei 9.271/96314.

310Decreto n. 678, de 6 de novembro de 1992, art. 8º, item 2, b.


311Matéria afeta à sucessão de leis no tempo, ocorre quando se aplica os preceitos mais benéficos da lei nova, juntamente com os mais
favoráveis da lei anterior, criando-se, dessa mescla, uma terceira lei.
312HABEAS CORPUS. ARTS. 168 E 171 DO CPB. PENA: 3 ANOS E 6 MESES DE RECLUSÃO, SUBSTITUÍDA POR RESTRITIVA DE DIREITOS. FATO
OCORRIDO EM 10.03.1996. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO RETROATIVA DO ART. 366 DO CPP, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI 9.271, DE
17.04.1996. PARECER DO MPF PELA DENEGAÇÃO DO WRIT. ORDEM DENEGADA. 1. O paciente foi citado por edital e condenado à revelia.
Sustenta-se que lhe é mais favorável a aplicação retroativa do art. 366 do CPP, com a redação dada pela Lei 9.271, de 17.04.1996, o qual
determina a suspensão do processo. O fato ocorreu em 10.03.1996. 2. É impossível a combinação de leis sucessivas, resultando na criação
de lex tertia não prevista pelo legislador, devendo ser analisada as condições específicas de cada norma, permitindo-se ao réu beneficiar-se
daquela disposição que mais lhe favoreça, seja a novel legislação seja aquela já revogada. 3. O art. 366 do CPP, com a redação dada pela Lei
9.271/96, contém regra de direito processual (suspensão do processo) e de direito material (suspensão da prescrição), sendo esta última
prejudicial ao paciente. Portanto, não há falar em retroatividade desse dispositivo. 4. Ordem denegada, em consonância com o parecer do
MPF. (HC 124.782/ES, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 17/05/2011, DJe 16/06/2011).
313HABEAS CORPUS. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. SUSPENSÃO DO PROCESSO E DO PRAZO PRESCRICIONAL. TRANSCURSO DE PRAZO
SUPERIOR A QUATRO ANOS. PRESCRIÇÃO QUE SE VERIFICA A PARTIR DA PENA MÁXIMA ABSTRATAMENTE COMINADA À CONDUTA
EQUIVALENTE AO DELITO PRATICADO NO PERÍODO DE DURAÇÃO DA SUSPENSÃO. 1. Este Superior Tribunal de Justiça já pacificou o
entendimento segundo o qual a regra prevista no art. 366 do Código de Processo Penal regula-se pelo art. 109 do Código Penal. O art. 366
do Código de Processo Penal não faz menção a lapso temporal, todavia, a suspensão do prazo de prescrição não pode ser indeterminada,
porquanto a própria Constituição Federal delimitou os crimes imprescritíveis (art. 5.º, incisos XLII e XLIV). 2. A utilização do disposto no art.
109 do Código Penal, como parâmetro para o período de suspensão da fluência do prazo prescricional, considerando-se a pena máxima em
abstrato, se adequa à intenção do legislador, sem importar em colisão com a Carta Constitucional. [...] (HC 133.744/PE, Rel. Ministra
LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 24/05/2011, DJe 07/06/2011).
314 Eis as razões do veto: “A despeito de todo o caráter benéfico das inovações promovidas pelo Projeto de Lei, se revela imperiosa a
indicação do veto do § 2º do art. 363, eis que em seu inciso I há a previsão de suspensão do prazo prescricional quando o acusado citado
não comparecer, nem constituir defensor. Entretanto, não há, concomitantemente, a previsão de suspensão do curso do processo, que existe
na atual redação do art. 366 do Código de Processo Penal. Permitir a situação na qual ocorra a suspensão do prazo prescricional, mas não a
suspensão do andamento do processo, levaria à tramitação do processo à revelia do acusado, contrariando os ensinamentos da melhor
doutrina e jurisprudência processual penal brasileira e atacando frontalmente os princípios constitucionais da proporcionalidade, da ampla

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A produção antecipada de provas, regulada no art. 366, não pode ser usada indistintamente,
devendo o juiz fundamentar concretamente a sua necessidade, não podendo justificá-la apenas em
razão do decurso do tempo315. Exige-se cautela, porque o réu não estaria participando da instrução,
sendo a sua defesa a cargo do defensor público ou dativo, os quais, por mais competentes que
sejam, não teriam contato prévio com a parte, o que poderia prejudicar a sua defesa. É por isso que
se recomenda bom senso na adoção da medida.
Em relação à prisão preventiva, deve-se ter o mesmo cuidado, não se podendo concluir, pelo
simples fato de o acusado não ter sido localizado, que a garantia de aplicação da lei estará
comprometida. Vale dizer, a decretação da prisão não pode ser automática316.
É importante esclarecer que a sistemática implementada pelo art. 366 não pôs fim à revelia,
que continua existindo. Apenas foi suprimida na hipótese de réu citado por edital que não
comparece e nem apresenta defensor técnico. O art. 367 do CPP é claro, ao afirmar que o processo
seguirá sem a presença do acusado que, citado ou intimado pessoalmente para qualquer ato, deixar
de comparecer sem motivo justificado, ou, no caso de mudança de residência, não comunicar o novo
endereço ao juízo.
Por fim, é sabido que o efeito material da revelia – presunção de veracidade dos fatos
narrados na inicial – não tem aplicação no processo penal.

9.6 CITAÇÃO DO MILITAR, DO FUNCIONÁRIO PÚBLICO E DO RÉU PRESO


O Código de Processo Penal estabelece regras específicas para a citação do militar, do
funcionário público e do réu preso, tendo em vista a situação peculiar em que se encontram.
Para os militares, determina-se que a citação seja feita por intermédio do chefe do respectivo
serviço (art. 358).

defesa e do contraditório. [...] Em virtude da redação do § 3º do referido dispositivo remeter ao texto do § 2º há também que se indicar o
veto daquele. [...] Cumpre observar, outrossim, que se impõe ainda, por interesse público, o veto à redação pretendida para o art. 366, a fim
de se assegurar vigência ao comando legal atual, qual seja, a suspensão do processo e do prazo prescricional na hipótese do réu citado por
edital que não comparecer e tampouco indicar defensor. Ademais, a nova redação do art. 366 não inovaria substancialmente no
ordenamento jurídico pátrio, pois a proposta de citação por edital, quando inacessível, por motivo de força maior, o lugar em que estiver o
réu, reproduz o procedimento já previsto no Código de Processo Civil e já extensamente aplicado, por analogia, no Processo Penal pelas
cortes nacionais”. (Mensagem n. 421, de 20 de junho de 2008).
315 Enunciado 455 da Súmula de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: “A decisão que determina a produção antecipada de
provas com base no art. 366 do CPP deve ser concretamente fundamentada, não a justificando unicamente o mero decurso do tempo”.
316EMENTA: PROCESSO PENAL. CRIMES DE FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO E USO DE DOCUMENTO FALSO (ARTS. 297 E 304 DO
CÓDIGO PENAL). PACIENTE NÃO LOCALIZADO NO ENDEREÇO CONSTANTE DOS AUTOS. CITAÇÃO POR EDITAL. RÉU QUE NÃO COMPARECEU
AO RESPECTIVO INTERROGATÓRIO E DEIXOU DE NOMEAR DEFENSOR PARA A CAUSA. SUSPENSÃO DO PROCESSO E DO CURSO DO LAPSO
PRESCRICIONAL. ART. 366 DO CPP. PRISÃO PREVENTIVA DECRETADA. ART. 312 DO CPP. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. ORDEM CONCEDIDA.
1. O art. 366 do Código de Processo Penal estabelece que, "se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado,
ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas
urgentes e, se for o caso, decretar a prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312". 2. Na concreta situação dos autos, o paciente
não foi localizado no endereço constante dos autos. Citado por edital, não compareceu a Juízo nem constituiu advogado para o patrocínio
da causa. Pelo que o magistrado processante decretou a suspensão tanto do processo quanto do respectivo lapso prescricional. Magistrado
que entendeu desnecessária a prisão cautelar. 3. Isso não obstante, o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais decretou a prisão
preventiva do paciente, ao acolher recurso em sentido estrito, manejado pelo Ministério Público. Prisão preventiva que se acha embasada
exclusivamente na citação editalícia do acusado, como fator de risco para a própria aplicação da lei penal e por conveniência da instrução
criminal. O que, segundo reiterada jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, não é o suficiente para atingir a finalidade do art. 312 do
Código de Processo Penal. Precedentes: HC 79.392, da relatoria do ministro Sepúlveda Pertence; HC 86.140, da relatoria do ministro Cezar
Peluso; e HC 86.599, da relatoria do ministro Marco Aurélio. É dizer: a prisão decretada pelo Tribunal mineiro não atende ao dever
jurisdicional de fundamentação real das decisões. Decisão que se embasou exclusivamente na suspensão do processo-crime e respectivo
lapso prescricional. Necessidade de uma concreta demonstração da imperiosidade da segregação processual, a partir de dados empíricos
convincentes. Quadro que não se extrai dos autos. 4. Em matéria de prisão preventiva, a garantia da fundamentação das decisões judiciais
implica a assunção do dever da demonstração de que o aprisionamento satisfaz pelo menos a um dos requisitos do art. 312 do Código de
Processo Penal. Sem o que se dá a inversão da lógica elementar da Constituição, segundo a qual a presunção de não culpabilidade
prevalece até o momento do trânsito em julgado da sentença penal condenatória. 5. Ordem concedida. (HC 100184, Relator(a): Min. AYRES
BRITTO, Primeira Turma, julgado em 10/08/2010, DJe-185 DIVULG 30-09-2010 PUBLIC 01-10-2010 EMENT VOL-02417-02 PP-00323).

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Já para o funcionário público, dispõe o art. 359 que, no dia designado para comparecer em
juízo, como acusado, será notificado assim a ele como à chefia.
A regra citada no parágrafo anterior deveria sofrer uma releitura, conforme o procedimento
atual, pois o réu não é mais citado para comparecer à audiência de qualificação e interrogatório.
Nesse sentido, entendemos que a referida comunicação não seria mais imprescindível, na hipótese
de o funcionário ser citado para a apresentação de defesa escrita, mas apenas quando a sua
presença perante o juízo for necessária, o que fatalmente acarretaria a sua ausência ao trabalho.
No caso de réu preso, o Enunciado 351 da Súmula de Jurisprudência do STF expressa que: “É
nula a citação por edital de réu preso na mesma unidade da federação em que o juiz exerce a sua
jurisdição”.
Entretanto, tratando-se de enunciado aprovado há mais de cinquenta anos (13/12/63), e
considerando-se o incremento das ferramentas de controle e de comunicação, inclusive após a
criação e a efetivação do BNMP317, não faria mais sentido a interpretação do enunciado em sentido
contrário, permitindo-se a conclusão de que seria possível a citação por edital, caso a prisão
ocorresse em outra unidade da federação. Pode-se vislumbrar uma mudança de entendimento da
Suprema Corte no futuro318.

9.7 INTIMAÇÕES
A regulamentação das intimações se encontra essencialmente nos arts. 370 a 372 do CPP, sem
prejuízo da aplicação de outras normas específicas, tais como as contidas nos arts. 391 e 392 do
código319.
Nas intimações dos acusados, das testemunhas e demais pessoas que devam tomar
conhecimento de qualquer ato, deve-se observar o disposto a respeito das citações, no que for
aplicável (art. 370).
Quando a intimação for destinada ao defensor constituído, ao advogado do querelante ou ao
assistente, a regra é a publicação no respectivo diário, veículo de publicação oficial dos atos judiciais,
salvo se não houver tal modalidade de publicação, caso em que será feita diretamente pelo escrivão,
por mandado, ou via postal com comprovante de recebimento, ou por qualquer outro meio idôneo.
A intimação dos membros do Ministério Público da União (art. 18, II, h, da LC 75/93), dos
Estados (art. 41, IV, da Lei 8.625/93), da Defensoria Pública da União (art. 44, I, da LC 80/94), dos
Estados (art. 89, I, da LC 80/94) e do defensor dativo (art. 370, § 4º, do CPP) deverá ser pessoal, em
alguns casos com vista dos autos320.

317O Banco Nacional de Mandados de Prisão – BNMP, criado pela Resolução/CNJ 137/2011, tem justamente a finalidade de auxiliar os juízes
criminais no exercício da jurisdição, ao disponibilizar a consulta e a recepção dos mandados de prisão emitidos pelas autoridades judiciárias
de todo o país.
318Conferir voto do ministro Ricardo Lewandowski no seguinte precedente: “PRISÃO PREVENTIVA - INSUBSISTÊNCIA - CHAMAMENTO
JUDICIAL - ACUSADO PRESO. Incumbe ao Estado aparelhar-se visando ao controle rígido de réus presos, não subsistindo ordem de prisão
preventiva formalizada em virtude de o custodiado não ter atendido chamamento judicial. (HC 97399, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA,
Relator(a) p/ Acórdão: Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 02/02/2010, DJe-050 DIVULG 18-03-2010 PUBLIC 19-03-2010
EMENT VOL-02394-02 PP-00274)”.
319As regras dos arts. 392 e 393 do CPP serão comentadas no item referente à sentença penal.
320O Supremo Tribunal Federal já admitiu a intimação do Ministério Público por mandado, conforme precedente a seguir: “EMENTA:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIVERSAS FORMAS DE INTIMAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO: CONSIDERA-SE A QUE
PRIMEIRO OCORREU. INTEMPESTIVIDADE: AGRAVO REGIMENTAL DO QUAL NÃO SE CONHECE. 1. A intimação pessoal do Ministério Público
pode ocorrer por mandado ou pela entrega dos autos devidamente formalizada no setor administrativo do Ministério Público, sendo que,
para efeitos de comprovação da tempestividade do recurso, admite-se, excepcionalmente, a "aposição do ciente". 2. Ocorrendo a intimação
pessoal por diversas formas, há de ser considerada, para a contagem dos prazos recursais, a que ocorrer primeiro. Precedente. 3. No caso, o
Ministério Público foi intimado por mandado (Súmula n. 710 do Supremo Tribunal Federal) e interpôs o agravo fora do quinquídio legal. 4.
Agravo regimental intempestivo. Recurso do qual não se conhece. (AI 707988 AgR, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma,
julgado em 12/08/2008, DJe-177 DIVULG 18-09-2008 PUBLIC 19-09-2008 EMENT VOL-02333-12 PP-02441)”. O Superior Tribunal de Justiça
preconiza majoritariamente a prerrogativa do Ministério Público de ser intimado mediante remessa dos autos, não obstante o recente

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9.8 ATOS JUDICIAIS


Os atos judiciais são comumente classificados como despachos, decisões e sentenças. Ao
contrário do processo civil, em que há definição legal de cada espécie de ato judicial321, não há
semelhante previsão no Código de Processo Penal322.

9.9 DESPACHOS
Os despachos não possuem carga decisória importante, pois o juiz, ao praticá-los,
simplesmente determina o prosseguimento do feito, sem que decida qualquer ponto controvertido
relevante posto sob sua apreciação. Por conta disso, não há previsão de recursos contra despachos.
Pode-se apenas utilizar a correição parcial, que visa corrigir erro de procedimento que possa
tumultuar a tramitação do feito.
Por outro lado, as decisões interlocutórias e as sentenças possuem carga decisória mais
proeminente, motivo pelo qual serão analisadas mais detalhadamente.

9.9.1 DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS SIMPLES E MISTAS


As decisões interlocutórias resolvem alguma questão relevante posta no processo, mas não
apreciam o próprio mérito da demanda penal, que ficará a cargo da sentença que absolve ou
condena o acusado.
O Código de Processo Penal, ao estabelecer prazos diferenciados para a prática de decisões
interlocutórias simples (art. 800, II) e mistas (art. 800, I), acaba por estabelecer uma distinção.
Porém, é casuística, porque o conteúdo é semelhante, ou pelo menos de difícil diferenciação.
As diferenças situam-se mais acentuadamente no plano das consequências jurídicas do ato
praticado. As decisões interlocutórias mistas encerram uma fase bem delineada do procedimento,
como no caso da pronúncia, ou finalizam à própria relação processual, sem que, obviamente,
apreciem o mérito, enquanto que as interlocutórias simples solucionam questões processuais, mas
sem aquelas consequências já encontradas nas mistas.
Em regra, as decisões interlocutórias simples são irrecorríveis323. Há determinadas situações,
entretanto, em que o Código de Processo Penal possibilita a interposição de recurso em sentido
estrito, como no caso da decisão que concluir pela incompetência do juízo (art. 581, II), porque não

precedente a seguir, no qual confirmou a validade da intimação por qualquer outro meio, não sendo necessário que o ato de intimação e a
remessa dos autos ocorram concomitantemente: PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO,
ESPECIAL OU DE REVISÃO CRIMINAL. ART. 157, § 3º, CP.INÍCIO DO PRAZO RECURSAL PARA O MINISTÉRIO PÚBLICO. INTIMAÇÃO PESSOAL DO
PARQUET REALIZADA ANTES DA REMESSA DOS AUTOS AO ÓRGÃO MINISTERIAL. INÍCIO DO PRAZO RECURSAL CONTADO A PARTIR DA
PRIMEIRA INTIMAÇÃO. [...] 2. Nesse contexto, a contagem do prazo recursal ao Ministério Público inicia-se com a sua intimação pessoal,
nos termos do art.800, § 2º c/c art. 370, § 4º, ambos do CPP ante a ciência inequívoca da decisão, permitindo isonomia entre acusação e
defesa.3. No âmbito penal, o Ministério Público não possui a prerrogativa do prazo em dobro para recorrer, assegurada somente à
Defensoria Pública.4. Habeas corpus não conhecido, mas concedida a ordem, de ofício, para cassar o acórdão impugnado, restabelecendo a
sentença absolutória em razão da intempestividade do recurso de apelação interposto pelo Ministério Público.(HC 213.297/SP, Rel. Ministro
NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 04/08/2015, DJe 03/09/2015).
321Art. 162. Os atos do juiz consistirão em sentenças, decisões interlocutórias e despachos. § 1º Sentença é o ato do juiz que implica
alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei. § 2º Decisão interlocutória é o ato pelo qual o juiz, no curso do processo,
resolve questão incidente. § 3º São despachos todos os demais atos do juiz praticados no processo, de ofício ou a requerimento da parte, a
cujo respeito a lei não estabelece outra forma. § 4º Os atos meramente ordinatórios, como a juntada e a vista obrigatória, independem de
despacho, devendo ser praticados de ofício pelo servidor e revistos pelo juiz quando necessários.
322 O art. 800 do CPP até apresenta algumas espécies de atos, mas não os define. Nesse sentido, a dificuldade de se classificar os atos
decisórios no processo penal é patente, porque nenhum dos critérios adotados estaria livre de críticas. O sistema recursal no processo
penal, por exemplo, por apresentar excessivo casuísmo, contribui para a dificuldade da sistematização da matéria.
323Por ser irrecorrível, a questão não se submete à preclusão, podendo ser deduzida em apelação ou em ação autônoma de impugnação.

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haveria extinção do processo ou de fase marcante do procedimento, mas apenas a remessa dos
autos ao juízo competente.
Já as interlocutórias mistas são comumente impugnáveis mediante recurso em sentido estrito,
como a decisão que não recebe a denúncia ou queixa (art. 581, I); a que acolhe as exceções, exceto a
de suspeição (art. 581, III); a que pronuncia o réu (art. 581, IV), entre outras.

9.9.2 DECISÕES COM FORÇA DE DEFINITIVAS


O Código de Processo Penal faz ainda referência às decisões com força de definitivas (art. 593,
II), contra as quais se interpõe recurso de apelação324.
Nesses casos, há apreciação de mérito, o que as diferencia das decisões interlocutórias mistas,
mas não a ponto de se tratar efetivamente de sentença, porque ainda não envolve a absolvição ou a
condenação do acusado. As decisões que solucionam as medidas assecuratórias podem ser
consideradas como exemplos de decisões com força de definitivas, pois julgam o mérito do
incidente, mas não o da ação penal.

PROCEDIMENTOS
COMUNS E ESPECIAIS
FINALIDADE. SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS. SISTEMAS.
PROCEDIMENTOS: COMUM E ESPECIAIS; JÚRI; CRIMES DE ABUSO
DE AUTORIDADE; CRIMES
DE RESPONSABILIDADE DOS FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS; CRIMES
CONTRA O MEIO AMBIENTE; ENTORPECENTES; CRIMES CONTRA A
ECONOMIA POPULAR; CRIMES DE IMPRENSA; CRIMES CONTRA O
SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL; CRIMES CONTRA A HONRA;
CRIMES FALIMENTARES; CRIMES DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA.OS
JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS NA JUSTIÇA FEDERAL. CRIMES EM
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. APURAÇÃO DE ATOS INFRACIONAIS.

10.1 PROCESSO: FINALIDADE E SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS


O processo é o instrumento pelo qual se possibilita a atuação da jurisdição. Possui uma parte
visível, que é o procedimento, definido como uma sequência encadeada de atos que levam à decisão
final, além da parte invisível ou interna, consistente na relação jurídica processual, que é
estabelecida pelas partes e o juiz, distinta da relação de direito material.

324 Tanto é que o próprio CPP estabelece a regra de exclusão: “Art. 593. Caberá apelação no prazo de 5 (cinco) dias: [...] II - das decisões
definitivas, ou com força de definitivas, proferidas por juiz singular nos casos não previstos no Capítulo anterior”.

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Enquanto instrumento, costuma-se dizer que a principal finalidade do processo é permitir a
aplicação do direito material, no caso, do direito penal. Mas essa aplicação envolve não somente a
condenação do culpado, como também a absolvição do inocente. Não deixa de ser, portanto, uma
garantia passiva do indivíduo em face do Estado, porquanto imprescindível para a escorreita
aplicação da lei penal. Para tanto, é essencial que o processo reflita os valores eleitos pela
Constituição Federal como fundamentais para o império do Estado Democrático de Direito. Na lição
de Vicente Greco, “o processo constitucionalmente estruturado, portanto, atua como indispensável
garantia passiva contra o arbítrio do que eventualmente representa o Estado, cabendo ao Poder
Judiciário a efetivação dessa garantia”325.
Segundo a doutrina, existem basicamente três sistemas processuais, em se tratando de
processo penal: a) inquisitório; b) acusatório; c) misto.
A principal característica que diferencia os modelos inquisitório e acusatório é a separação ou
não das funções de acusação e julgamento. No acusatório, tais tarefas são conferidas a órgãos
efetivamente distintos, enquanto que no inquisitório há concentração de funções. O sistema misto
tem traços dos dois modelos. A questão central gira basicamente em torno da imparcialidade do juiz.
Quanto maior a sua iniciativa, inclusive probatória, maior seria o seu comprometimento. Ao
contrário, quanto mais distante, menor a vinculação com o resultado326.
O nosso Código de Processo Penal adotava, sem dúvida, o sistema inquisitório, tanto é que
ainda prevê, pelo menos formalmente, o chamado procedimento judicialiforme, no qual a ação penal
poderia ser deflagrada mediante portaria da autoridade judiciária (art. 26).
Com o advento da Constituição Federal de 1988, a mudança no plano normativo veio de cima
para baixo, porque a Carta da República foi muito clara e enfática ao estabelecer que a titularidade
privativa da ação penal pública estaria, a partir de então, sob a responsabilidade de um órgão
autônomo e independente, não integrante das estruturas dos demais poderes estatais: o Ministério
Público. Resta, entretanto, a modificação da legislação infraconstitucional, o que vem
paulatinamente ocorrendo, muito embora haja um caminho importante a percorrer327.
Não há consenso quanto ao modelo adotado pelo Brasil, havendo corrente sustentando a
adoção do sistema misto, em razão de a fase pré-processual ser essencialmente inquisitorial, como
também entendimento no sentido da adoção do sistema acusatório, justamente porque a fase
investigativa é prévia à própria instauração do processo328.

10.2 PROCEDIMENTOS
Os procedimentos sofreram grandes modificações, após a reforma efetivada na década
passada. As alterações foram implementadas para que se pudesse potencializar o sistema acusatório,
aproximando-se a legislação infraconstitucional das diretrizes impostas pela Constituição Federal de
1988.
A Lei 11.689/08 modificou todo o Capítulo II, que trata do procedimento relativo aos processos
da competência do Tribunal do Júri (arts. 406 a 497).

325Greco Filho, Vicente. Manual de processo penal. 10 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 62.
326O modelo acusatório guarda estreita sintonia com os regimes democráticos, não se podendo falar o mesmo do modelo inquisitório, que
mantém maior proximidade dos regimes antidemocráticos.
327 O projeto de um novo Código de Processo Penal, que se encontra em tramitação no Congresso Nacional, se justificaria pelo fato de o
atual CPP estar defasado, sendo impossível o seu aproveitamento, em razão de estar estruturalmente vinculado ao modelo anterior. Apesar
disso, sofrera importantes alterações ao longo dos seus mais de setenta anos de vigência.
328 Na opinião deste autor, a discussão a respeito de qual seria o sistema adotado pelo ordenamento jurídico pátrio, ou seja, se acusatório
puro ou misto, ou ainda se inquisitivo garantista, com o devido respeito aos que entendem de forma diferenciada, pode ser considerada
uma controvérsia muito mais terminológica, sem profundidade ou substância a justificá-la. Importa, sobretudo, os parâmetros definidos
pela Constituição Federal para a existência de um processo justo, de partes, em que ambas atuem efetiva e equilibradamente para a
construção do resultado final, que é a decisão judicial.

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Posteriormente, com o advento da Lei 11.719/08, houve alterações no procedimento comum,
que também cuida do rito ordinário (arts. 396 a 405 do CPP) e do rito sumário (arts. 531 a 538 do
CPP). O rito sumaríssimo permanece regulamentado pela Lei 9.099/95, que versa sobre as infrações
de menor potencial ofensivo.
A adoção de determinado rito ou procedimento não mais observa a modalidade da pena
privativa de liberdade cominada (reclusão ou detenção), ou, ainda, a natureza da infração penal
(crime ou contravenção). De acordo com o art. 394 do CPP, adotar-se-á o rito ordinário, quando tiver
por objeto crime cuja sanção máxima cominada for igual ou superior a quatro anos de pena privativa
de liberdade, enquanto que o rito sumário será o efetivamente aplicado, quando a sanção for
inferior a quatro anos, desde que, obviamente, não seja o caso de aplicação do rito sumaríssimo,
inclusive nas hipóteses de declínio de competência (art. 538 do CPP).
Em resumo, o procedimento será comum ou especial. O primeiro subdivide-se em rito
ordinário, sumário e sumaríssimo, de acordo com a pena máxima cominada. O procedimento
especial engloba todos os demais, desde o previsto para os crimes dolosos contra a vida, da
competência do Tribunal do Júri, passando pelos crimes contra a honra, contra a propriedade
imaterial, os cometidos por funcionários públicos, entre outros previstos na legislação especial.
O § 2º do art. 394 diz o óbvio: que o procedimento comum será aplicado sempre que a lei não
dispuser de modo diverso, caso em que se observará o critério da especialidade. Nessa mesma linha,
tem-se a previsão do § 3°, relativa aos crimes da competência do Tribunal do Júri.
A norma contida no § 4º traz uma novidade, que é a adoção da prévia resposta escrita para
todos os procedimentos penais de primeiro grau, mesmo que não previstos no Código de Processo
Penal. Faz-se uma ressalva acerca da desnecessidade da sua aplicação, quando o procedimento
especial já possuir fase própria nesse mesmo sentido, a fim de se evitar repetições inúteis. As
disposições do rito ordinário são aplicáveis subsidiariamente, conforme dispõe o § 5º do art. 394 do
CPP.
Ainda, importante observar que os processos que apurem a prática de crime hediondo terão
prioridade de tramitação em todas as instâncias (art. 394-A do CPP).

10.3 PROCEDIMENTO COMUM


10.3.1 RITO ORDINÁRIO
Segundo dispõe o art. 395 do CPP, oferecida a denúncia ou queixa, o juiz deverá rejeitá-la
liminarmente quando: a) for manifestamente inepta; b) faltar pressuposto processual ou condição
para o exercício da ação penal; ou c) faltar justa causa para o exercício da ação penal. Tais questões
estão intimamente ligadas aos pressupostos processuais e às condições da ação, podendo ser
reanalisadas a qualquer tempo, mesmo após o ato formal de recebimento.
Não sendo o caso de rejeição liminar, o juiz receberá a denúncia ou queixa e ordenará a
citação do acusado para responder à acusação, por escrito, no prazo de dez dias. No caso de citação
por edital, o prazo para a defesa começará a fluir a partir do comparecimento pessoal do acusado ou
do defensor constituído. Caso contrário, aplicar-se-á a sistemática prevista no art. 366 do CPP, que
permanece incólume, diante do veto presidencial329.
A controvérsia envolvendo o suposto duplo recebimento de denúncia ou queixa já foi definida
pela jurisprudência330. Afastou-se o risco de prescrição, caso o recebimento fosse permitido apenas
após a apresentação da defesa escrita331.

329 Há uma exceção, nos crimes de lavagem de dinheiro, por força do art. 2º, § 2º da Lei 9.613/98, com a nova redação dada pela Lei
12.683/2012.
330 PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 396-A DO CPP. LEI nº 11.719/2008. DENÚNCIA. RECEBIMENTO. MOMENTO PROCESSUAL.

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Em relação à questão envolvendo o direito intertemporal, não se mostra necessária nova
citação do réu para oferecimento da resposta à acusação, prevista no art. 396 do Código de Processo
Penal, caso tal fase já tenha sido superada na vigência da sistemática anterior, em observância à
regra do tempus regit actum332.
Na defesa escrita, o acusado arguirá preliminares e alegará tudo o que interesse à defesa, além
de oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas,
qualificando-as e requerendo sua intimação, quando necessário (art. 396-A do CPP). Nota-se uma
nítida diferença em relação à antiga defesa prévia. Essa substanciosa alteração justificou, inclusive, a
mudança de postura da jurisprudência333. Portanto, trata-se de defesa necessária, não mais optativa,
sujeita, inclusive, a preclusões em determinados casos.
As exceções continuam a ser processadas na forma própria (art. 396, § 1º, do CPP), mas nada
impede que as referidas questões sejam ventiladas na própria peça defensiva, pois, o que importa,
na realidade, é a tramitação em separado.
O Código de Processo Penal também determina que, não apresentada a resposta no prazo
legal, ou se o acusado, citado, não constituir defensor, o juiz nomeará defensor para oferecê-la,
concedendo-lhe vista dos autos por dez dias (art. 396, § 2º, do CPP). Essa mudança acompanha a
tendência no sentido da imprescindibilidade da defesa escrita.
O CPP não prevê, no procedimento ordinário, a oitiva do Ministério Público após a
apresentação de resposta à acusação. Não obstante, STF e STJ entendem que é possível a aplicação
análogica do artigo 409, que determina tal oitiva no procedimento do júri, podendo o juiz abrir vista
dos autos ao MP após a resposta à acusação.
Oferecida a resposta escrita, o juiz deverá absolver sumariamente o acusado quando verificar:
a) a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato; b) a existência manifesta de causa
excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade; c) que o fato narrado evidentemente
não constitui crime; ou d) quando extinta a punibilidade do agente. Apesar da sequência legal, nada

ART. 396 DO CPP. RESPOSTA DO ACUSADO. PRELIMINARES. MOTIVAÇÃO. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. I - A par da divergência
doutrinária instaurada, na linha do entendimento majoritário (Andrey Borges de Mendonça; Leandro Galluzzi dos Santos; Walter Nunes da
Silva Junior; Luiz Flávio Gomes; Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto), é de se entender que o recebimento da denúncia se opera
na fase do art. 396 do Código de Processo Penal. II - Apresentada resposta pelo réu nos termos do art. 396-A do mesmo diploma legal, não
verificando o julgador ser o caso de absolvição sumária, dará prosseguimento ao feito, designando data para a audiência a ser realizada. III -
A fundamentação referente à rejeição das teses defensivas, nesta fase, deve limitar-se à demonstração da admissibilidade da demanda
instaurada, sob pena, inclusive, de indevido prejulgamento no caso de ser admitido o prosseguimento do processo-crime. IV - No caso
concreto a decisão combatida está fundamentada, ainda que de forma sucinta. Ordem denegada. (HC 138089/SC, Rel. Ministro FELIX
FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 02/03/2010, DJe 22/03/2010).
331A falta de técnica ou de cuidado permitiu o surgimento da controvérsia, em razão do disposto no art. 399 do CPP, que igualmente fala
em recebimento da denúncia ou queixa. Bastaria que a lei determinasse que o recebimento da acusação, como marco interruptivo, pudesse
retroagir à data da propositura da demanda, tal como ocorre, em situação semelhante, no processo civil (art. 219, §1º, do CPC).
332HABEAS CORPUS. LESÃO CORPORAL DE NATUREZA GRAVE. RESPOSTA ESCRITA À ACUSAÇÃO. DENÚNCIA RECEBIDA ANTES DA ENTRADA
EM VIGOR DA LEI Nº 11.719/08, QUE ALTEROU O ART. 396 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. PRINCÍPIO TEMPUS REGIT ACTUM. PREJUÍZO
NÃO DEMONSTRADO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL INEXISTENTE. ORDEM DENEGADA. 1. As normas exclusivamente processuais se
submetem ao princípio tempus regit actum, devendo a lei processual penal ser aplicada a partir de sua vigência, conforme preconizado no
art. 2º do Código de Processo Penal. 2. Já tendo o réu sido citado, interrogado e oferecido defesa prévia, antes da vigência da Lei n.º
11.719/08, que alterou o procedimento penal ordinário, não se há de falar em nova citação do réu para oferecimento da resposta à
acusação prevista no art. 396 do Código de Processo Penal. 3. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. 4. Ordem denegada. (HC
168.052/RJ, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 10/04/2012, DJe 16/04/2012).
333 HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. TESE DE NULIDADE. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA SEM FUNDAMENTAÇÃO. VALIDADE. ATO
ANTERIOR À LEI N.º 11.719/2008. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO DEMONSTRADO. ORDEM DE HABEAS CORPUS DENEGADA. 1. Nos
termos da jurisprudência desta Corte Superior, oferecida a denúncia antes da edição da Lei n.º 11.719/2008, é perfeitamente admissível e
válido o recebimento da denúncia sem fundamentação. O ato do juízo processante que designa data para o interrogatório do réu e/ou
determina a oitiva de testemunhas equivale, tacitamente, ao recebimento da exordial acusatória. Precedentes. 2. O "ato judicial que
formaliza o recebimento da denúncia oferecida pelo Ministério Público não se qualifica e nem se equipara, para os fins a que se refere o art.
93, IX, da Constituição de 1988, a ato de caráter decisório. O juízo positivo de admissibilidade da acusação penal não reclama, em
consequência, qualquer fundamentação." (STF - HC 70.763/DF, 1.ª Turma, Rel Min. CELSO DE MELLO, DJ 23/09/1994). 3. Com o advento da
Lei n.º 11.719/2008, que instituiu a defesa escrita obrigatória no procedimento comum, passou-se a exigir fundamentação sucinta pelo
magistrado, após o mencionado ato processual defensivo, o que não se confunde com a hipótese dos autos. 4. Ordem de habeas corpus
denegada. (HC 166.337/SC, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 12/06/2012, DJe 26/06/2012).

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impede que o juiz, antes mesmo da resposta preliminar, absolva sumariamente o acusado ou
querelado, caso constate uma das hipóteses acima elencadas, que reproduzem o disposto no art.
397 do CPP.
A absolvição sumária serve como óbice ao processamento de lides temerárias, abreviando-se o
constrangimento decorrente de tais situações. Entretanto, tal ferramenta somente poderá ser
utilizada nas situações em que não houver dúvidas acerca da ocorrência de uma das hipóteses
elencadas na lei. Permite-se a aplicação do in dubio pro societate.
Não sendo o caso de absolvição sumária, tampouco de rejeição da denúncia, o juiz designará,
no prazo máximo de sessenta dias, dia e hora para a audiência de instrução e julgamento, ordenando
a intimação do acusado, de seu defensor, do Ministério Público e, se for o caso, do querelante e do
assistente. Na hipótese de réu preso, sua presença será requisitada pelo juiz.
Na referida audiência, em razão do princípio da concentração dos atos processuais, as provas
serão produzidas numa única oportunidade, devendo o juiz indeferir as consideradas irrelevantes,
impertinentes ou protelatórias (art. 400, § 1º, do CPP). Logo, a sequência dos atos se dará da
seguinte forma: a) tomada de declarações do ofendido; b) inquirição das testemunhas arroladas pela
acusação; c) inquirição das testemunhas arroladas pela defesa; d) esclarecimentos dos peritos, desde
que haja prévio requerimento da parte; e) acareações; f) reconhecimento de pessoas e coisas; e f)
interrogatório do acusado.
A ordem de inquirição das testemunhas, em primeiro lugar as apresentadas pela acusação,
deve-se ao princípio do contraditório. Apesar de haver ressalva expressa ao disposto no art. 222 do
CPP, que trata da expedição de carta precatória, recomenda-se cautela para que, na medida do
possível, seja observada a aludida sequência. Tal problema poderá ser evitado, se implementada a
oitiva da testemunha por videoconferência no momento da audiência de instrução e julgamento (art.
222, § 3º, do CPP).
O limite legal é de oito testemunhas arroladas por cada parte – acusação e defesa (art. 401 do
CPP). Segundo o § 1°, nesse número não se compreendem as que não prestem compromisso e as
referidas. No parágrafo seguinte, permite-se que a parte desista da inquirição de qualquer das
testemunhas arroladas, ressalvado o disposto no art. 209. Há entendimento no sentido de que a
desistência independe da concordância da parte contrária334.
Em relação ao interrogatório do acusado, trata-se de ato postergado pelo código para o final
da instrução, ressaltando-se a sua proeminente natureza defensiva. Nesse sentido, a sua presença é
importante.
O Código de Processo Penal prevê apenas a realização do interrogatório de réus presos através
de videoconferência, ainda assim em determinadas hipóteses (art. 185 do CPP). Contudo, para o
acusado que responde ao processo em liberdade, se assim o requerer, não haveria maiores
problemas para a realização do ato à distância, já que ele mesmo poderia solicitar o não
comparecimento à audiência. Não haveria, pois, que se falar em nulidade.

334CRIMINAL. HC. HOMICÍDIO QUALIFICADO. ESTELIONATO. OCULTAÇÃO DE CADÁVER. DOCUMENTO FALSO. QUADRILHA. PREJUÍZO À
DEFESA PELA IMPOSSIBILIDADE DE NOMEAÇÃO DE DEFENSOR PARA ACOMPANHAR OITIVA DE TESTEMUNHAS DE ACUSAÇÃO. CRIME DE
DOCUMENTO FALSO QUE DEVERIA SER ABSORVIDO PELO DE ESTELIONATO. INÉPCIA DA DENÚNCIA. OFENSA AO CONTRADITÓRIO.
SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. NÃO-CONHECIMENTO. NULIDADES. CITAÇÃO POR EDITAL. PACIENTE PRESO E CITADO PESSOALMENTE.
DISPENSA DE TESTEMUNHAS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. FACULDADE DA PARTE. POSSIBILIDADE DE ARROLAMENTO NA CONTRARIEDADE
AO LIBELO. FALTA DE EXAME DE CORPO DE DELITO NA VÍTIMA. TROCA DE DADOS PESSOAIS. INEXISTÊNCIA DE LAUDO COMPROBATÓRIO DE
DOCUMENTO FALSO E DA PRÁTICA DE CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO. IRRELEVÂNCIA. OUTRAS PROVAS QUE EVIDENCIAM A PRÁTICA
DELITUOSA. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA DE PRONÚNCIA. MERO JUÍZO DE SUSPEITA. LEGALIDADE DO DECISUM.
ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA E DENEGADA. [...] A desistência da oitiva das testemunhas anteriormente arroladas pelo Ministério
Público não depende da concordância do réu, pois constitui faculdade da parte. Ausência de constrangimento ilegal na dispensa de
testemunhas do Parquet, pois a defesa poderá arrolá-las quando do oferecimento da contrariedade ao libelo. [...] (HC 24.480/MT, Rel.
Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 25/03/2003, DJ 28/04/2003, p. 220).

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Concluída a instrução, ao final da audiência, o Ministério Público, o querelante e o assistente e,
a seguir, o acusado poderão requerer diligências cuja necessidade se origine de circunstâncias ou
fatos apurados na instrução (art. 402 do CPP). O requerimento de diligências somente será acolhido
se se verificar, por exemplo, que a necessidade surgira durante a realização da instrução, devendo o
juiz indeferir as diligências protelatórias, irrelevantes e impertinentes, principalmente se pudesse ter
sido providenciada anteriormente pela parte.
Em sendo deferida a diligência, a prática tem demonstrado que a audiência acaba sendo
finalizada, atraindo-se a solução prevista no art. 404 do CPP, salvo se a diligência puder ser
imediatamente cumprida.
Não havendo requerimento de diligências, ou em caso de indeferimento do pedido, serão
oferecidas alegações finais orais por vinte minutos, respectivamente, pela acusação e pela defesa,
prorrogáveis por mais dez minutos, proferindo o juiz, a seguir, a sentença. Conforme dispõe o § 1°,
havendo mais de um acusado, o tempo previsto para a defesa de cada um será individual. O
assistente do Ministério Público disporá do prazo de dez minutos, após a manifestação ministerial,
prorrogando-se automaticamente o tempo da defesa pelo mesmo período, a fim de se preservar a
paridade de armas (art. 403, § 2º, do CPP).
Considerando-se a complexidade do caso ou o número de acusados, o juiz poderá conceder às
partes o prazo sucessivo de cinco dias para a apresentação de alegações finais em forma de
memoriais, caso em que disporá do prazo de dez dias para proferir a sentença.
Todos os atos e fatos ocorridos durante a audiência devem ser devidamente documentados,
lavrando-se o respectivo termo (art. 405 do CPP).
A novidade fica por conta da possibilidade do registro dos depoimentos do investigado,
indiciado, ofendido e testemunhas pelos meios ou recursos de gravação magnética, estenotipia,
digital ou técnica similar, inclusive audiovisual (art. 405, § 1º, do CPP). Com isso, obtém-se maior
fidelidade das informações, valendo ressaltar que, no caso de registro por meio audiovisual, não há
necessidade de transcrição, competindo ao juízo apenas o fornecimento às partes de cópia do
registro original (§ 2º), conforme jurisprudência335. A desnecessidade, do ponto de vista disciplinar,
também pode ser oposta pelo juiz ao órgão recursal336.

10.3.2 RITO SUMÁRIO


Como já foi visto no início deste capítulo, aplica-se o rito sumário às infrações cuja pena
máxima cominada seja inferior a quatro anos, ressalvados os procedimentos especiais e a utilização
do próprio rito sumaríssimo.
Não há grandes diferenças entre o rito sumário e o rito ordinário, destacando-se as seguintes:

335RECURSO EM HABEAS CORPUS. AÇÃO PENAL INSTAURADA PARA APURAÇÃO DA PRÁTICA DO CRIME DE TRÁFICO DE ENTORPECENTES E
ASSOCIAÇÃO AO TRÁFICO. PEDIDO DE DEGRAVAÇÃO DA PROVA ORAL COLHIDA POR MEIO AUDIOVISUAL. ALEGAÇÃO DE CERCEAMENTO DE
DEFESA. INEXISTÊNCIA. RECURSO DESPROVIDO. I - O artigo 405 do Código de Processo Penal afasta expressamente a exigência de
transcrição do registro da audiência por meio audiovisual. II - O pedido de degravação das audiências é incompatível com o objetivo da
norma, que é viabilizar mais agilidade e fidelidade na colheita da prova, sem ferir direitos e garantias individuais. Precedentes. III - Recurso
desprovido. (RHC 30.611/SP, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 18/08/2011, DJe 31/08/2011).
336PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS. DEPOIMENTOS COLHIDOS EM AUDIÊNCIAS CRIMINAIS
REGISTRADAS POR MEIO AUDIOVISUAL. DETERMINAÇÃO DE DEGRAVAÇÃO À JUIZ DE PRIMEIRO GRAU EM PROCESSO ORIGINÁRIO DO
TRIBUNAL. ILEGALIDADE. ART. 405 DO CPP. RESOLUÇÃO Nº 105 CNJ. 1. Caracteriza ofensa à independência funcional do juiz de primeiro
grau a determinação, por magistrado de segundo grau, da transcrição de depoimentos tomados pelo sistema audiovisual, seja em
processos em grau de recurso, seja em processos de competência originária do Tribunal. 2. A transcrição da gravação da audiência configura
faculdade, e não dever do magistrado. Se o desembargador defere o pedido de transcrição requerido pelo MP, deve disponibilizar sua
própria equipe técnica para o desempenho da tarefa, e não obrigar o magistrado de 1º grau a fazê-lo. Pedido que se conhece e julga
procedente. (CNJ - PP - Pedido de Providências - Conselheiro - 0001602-36.2012.2.00.0000 - Rel. NEY JOSÉ DE FREITAS - 149ª Sessão - j.
19/06/2012).

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• O prazo máximo para a realização da audiência de instrução em
julgamento foi reduzido para 30 (trinta) dias.
• Não se aplica o disposto nos arts. 402 a 404 do CPP, havendo efetiva
concentração de todos os atos em audiência.
• Houve a redução do número máximo de testemunhas a serem
arroladas pelas partes para 5 (cinco).
As regras do art. 534 do CPP assemelham-se às contidas no art. 403, à exceção da contida no §
3° deste último, que prevê a apresentação das alegações finais em forma de memoriais.
De qualquer forma, caso o juiz entenda excepcionalmente pela imprescindibilidade do
fracionamento das fases instrutória e decisória, poderá aplicar subsidiariamente o rito ordinário,
diante do permissivo contido no art. 394, § 5º, do CPP. Não haveria qualquer nulidade, até porque
teria sido adotado rito mais extenso do que o legalmente previsto, afastando-se eventual
cerceamento de defesa.

O princípio da concentração está refletido nos arts. 535 e 536 do CPP, no sentido de que
nenhum ato será adiado, salvo quando a prova faltante for imprescindível, caso em que o juiz
determinará a condução coercitiva de quem deva comparecer, além de que, em relação à
testemunha conduzida, esta será inquirida, independentemente da suspensão da audiência,
observada em qualquer caso a ordem estabelecida no art. 531 do CPP.
O art. 538 do CPP determina a aplicação do rito sumário quando, nas infrações penais de
menor potencial ofensivo, houver declínio de competência do juizado especial criminal em favor do
juízo comum, a exemplo das hipóteses previstas no art. 66, parágrafo único, e art. 77, § 2º, ambos da
Lei 9.099/95.

10.3.3 RITO SUMARÍSSIMO


Apesar de haver opiniões no sentido de que o rito sumaríssimo, relativo às causas de menor
potencial ofensivo da competência do Juizado Especial Criminal – JECr, não seria considerado espécie
do procedimento comum337, o legislador expressamente adotou essa classificação (art. 394 do CPP).
Correta ou não, o fato é que pelo menos se mantivera certa coerência, tendo em vista a adoção de
critério único para a definição dos ritos que compõem o procedimento comum, baseado apenas na
quantidade da pena máxima cominada à infração penal. São consideradas infrações de menor
potencial ofensivo as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior
a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa.

10.3.3.1 PROCESSO PENAL CONSENSUAL


A Lei nº 9.099/95 trouxe quatro institutos despenalizadores: (i) transação penal, (ii) suspensão
condicional do processo, (iii) reparação do dano implicando renúncia ao direito de queixa ou
representação, (iv) necessidade de representação nos crimes de lesões corporais culposas e dolosas
leves.

337“Nesse ponto, a Lei n° 11.719/08 comete uma imprecisão. Trata o rito sumaríssimo, aplicável apenas às infrações de menor potencial
ofensivo, como se fosse procedimento comum. É dizer: pela nova legislação, o procedimento será comum ou especial, sendo que o
primeiro, o comum, se subdividiria em ordinário, sumário e sumaríssimo, enquanto o segundo, o especial, seria o do Tribunal do Júri (arts.
406 a 497, CPP), bem como aqueles previstos, ou no próprio Código de Processo Penal ou em leis especiais (art. 394, § 2º). [...] Então, a
menos que, no futuro, os Juizados especiais Criminais sejam extintos, o rito sumaríssimo seguirá sendo reservado apenas àquela espécie de
jurisdição, com o que parece equivocado dar tratamento conceitual unitário a procedimentos tão distintos, sendo que um deles (o
sumaríssimo) mereceu até a instituição de um Juizado específico”. (OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 16. ed. atual. São
Paulo: Atlas, 2012,p. 692).

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Nas ações penais de iniciativa privada e nas ações penais públicas sujeitas à representação do
ofendido, a composição civil dos danos implicará renúncia ao direito de queixa e de representação. A
composição deverá ser conduzida pelo juiz ou por conciliadores sob sua orientação e ser a mais
ampla possível, envolvendo todo o dano moral e material. Não sendo realizada a composição civil,
abre-se a oportunidade para que o ofendido ofereça representação.
Quanto à suspensão condicional do processo, a lei a admite em relação aos crimes, previstos
ou não na lei, em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano338, devendo o
Ministério Público propor a suspensão por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo
processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que
autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal).

No caso de divergência entre o Ministério Público e o juiz acerca da possibilidade de


oferecimento da proposta, aplica-se analogicamente o artigo 28 do CPP (Súmula nº 696 do
STF).Compatibiliza-se assim as noções, a princípio contraditórias, de que se trata de direito subjetivo
do réu e de ato consensual a ser realizado exclusivamente pelo Ministério Público.
Aceita a suspensão condicional do processo, durante o período de prova o acusado estará
submetido a condições obrigatórias, tais como reparação do dano, proibição de frequentar
determinados lugares, proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do
Juiz;comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas
atividades. Pode o juiz especificar outras condições para o período de prova.
A revogação é obrigatória se, no curso do prazo, o beneficiário vier a ser processado por outro
crime ou não efetuar, sem motivo justificado, a reparação do dano. A revogação é facultativa se o
acusado vier a ser processado, no curso do prazo, por contravenção, ou descumprir qualquer outra
condição imposta.
Passado o período de prova sem revogação, o Juiz declarará extinta a punibilidade. Não corre a
prescrição durante o prazo de suspensão do processo.

10.3.3.2 PROCEDIMENTO
O rito sumaríssimo está regulamentado pela Lei 9.099/95, e possui uma fase preliminar, nos
arts. 69 a 76, que compreende o momento em que se tenta a composição civil dos danos, quando
cabível, ou a transação penal, no caso de frustração da primeira medida.
Para tanto, a autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo
circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao juizado, com o suposto autor do fato e a vítima,
providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários. Nessa situação, não se imporá
prisão em flagrante ao autor do fato, nem se exigirá fiança, inclusive quando for o caso de assinatura
de termo de compromisso de comparecimento ao JECr339.
Apesar de a lei buscar a realização imediata da audiência preliminar, caso isso não seja
possível, deve-se agendar data próxima.
Na audiência preliminar, presente o Ministério Público, o suposto autor do fato e a vítima e, se
possível, o responsável civil, acompanhados por seus advogados ou defensores públicos, se for o

338Súmula nº 243 do STJ: “o benefício da suspensão condicional do processo não é aplicável em relação às infrações penais cometidas em
concurso material, formal ou continuidade delitiva, quando a pena mínima cominada, seja pela incidência da majorante, seja no somatório,
ultrapassar o limite de um ano”.
339A hipótese da violência doméstica foge da competência da Justiça Federal.

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caso, o juiz esclarecerá sobre a possibilidade da composição dos danos e da aceitação da proposta
de transação penal.
Em caso de composição dos danos civis, esta será reduzida a escrito e homologada pelo juiz
mediante sentença irrecorrível, valendo como título executivo judicial (art. 74 da Lei 9.099/95). A
novidade é que, tratando-se de ação penal de iniciativa privada ou de ação penal pública
condicionada à representação, o acordo homologado acarreta a renúncia ao direito de queixa ou
representação (parágrafo único).
Frustrada a tentativa de composição dos danos civis, o ofendido poderá oferecer a devida
representação, caso ainda não a tenha feito, devendo observar-se, em qualquer caso, o prazo
decadencial.
Em seguida, tratando-se de ação penal pública, não sendo caso de arquivamento, o Ministério
Público poderá propor a transação penal, que consiste na aplicação imediata de pena restritiva de
direitos ou multa, a ser especificada na proposta (art. 76).
Aceita a proposta pelo autor da infração e seu defensor, será submetida à apreciação do juiz,
que, acolhendo-a, aplicará a pena restritiva de direitos ou multa. Neste último caso (multa), o juiz
poderá reduzi-la até a metade (art. 76, § 1º, da Lei 9.099/95).
Apesar de a lei falar expressamente em pena, não se trata de sanção penal propriamente dita,
na medida em que a aceitação da proposta pelo suposto autor do fato não importará em
reincidência, sendo registrada apenas para impedir novamente o mesmo benefício no prazo de cinco
anos. Também não constará de certidão de antecedentes criminais e não terá efeitos civis, cabendo
aos interessados propor a demanda cabível no juízo competente. A maior prova disso é que o
descumprimento da transação não poderá ocasionar a imposição de pena privativa de liberdade341,
cabendo tão somente a restauração da persecução penal342.
De acordo com o § 2°, não se admitirá a proposta se ficar comprovado: a) ter sido o suposto
autor da infração condenado, pela prática de crime, à pena privativa de liberdade, por sentença
definitiva; b) ter sido o agente beneficiado anteriormente pela transação, no prazo de cinco anos; ou
c) não indicarem os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os
motivos e as circunstâncias, ser necessária e suficiente a adoção da medida.
O recurso contra a decisão que aprecia a transação penal é a apelação (art. 82 da Lei
9.099/95).
Não sendo o caso de transação penal, passa-se à segunda fase do procedimento, que cuida do
contencioso propriamente dito.
Segundo dispõe o art. 77 da Lei 9.099/95, quando não for possível a transação penal, o
Ministério Público oferecerá, de imediato, denúncia oral, se não houver necessidade de diligências
imprescindíveis. Para tanto, dispensa-se o inquérito policial, sendo suficiente o termo de ocorrência,
da mesma forma ocorrendo com o exame de corpo de delito, que será dispensável quando a
materialidade do crime estiver aferida por boletim médico ou prova equivalente.

340É possível a utilização de conciliadores para esse fim (art. 73 da Lei 9.099/95). O assunto será mais bem examinado em item próprio.
341 EMENTA: CRIMINAL. CONDENAÇÃO À PENA RESTRITIVA DE DIREITO COMO RESULTADO DA TRANSAÇÃO PREVISTA NO ART. 76 DA LEI Nº
9.099/95. CONVERSÃO EM PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. DESCABIMENTO. A conversão da pena restritiva de direito (art. 43 do Código
Penal) em privativa de liberdade, sem o devido processo legal e sem defesa, caracteriza situação não permitida em nosso ordenamento
constitucional, que assegura a qualquer cidadão a defesa em juízo, ou de não ser privado da vida, liberdade ou propriedade, sem a garantia
da tramitação de um processo, segundo a forma estabelecida em lei. Recurso não conhecido. (RE 268319, Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO,
Primeira Turma, julgado em 13/06/2000, DJ 27-10-2000 PP-00087 EMENT VOL-02010-04 PP-00775).
342Enunciado 35 da Súmula Vinculante do STF: “A homologação da transação penal prevista no artigo 76 da Lei 9.099/1995 não faz coisa
julgada material e, descumpridas suas cláusulas, retoma-se a situação anterior, possibilitando-se ao Ministério Público a continuidade da
persecução penal mediante oferecimento de denúncia ou requisição de inquérito policial”.

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Na hipótese de a complexidade ou circunstâncias do caso não permitirem a formulação da
denúncia, o Ministério Público poderá requerer ao juiz o encaminhamento das peças existentes ao
juízo comum, na forma do parágrafo único do art. 66 da Lei 9.099/95. O juiz procederá da mesma
forma quando se tratar de ação penal privada. No juízo comum, como visto anteriormente, adotar-
se-á o rito sumário.
Oferecida a denúncia ou queixa, será reduzida a termo, na própria audiência preliminar,
entregando-se cópia ao acusado, que com ela ficará citado e imediatamente cientificado da
designação de dia e hora para a audiência de instrução e julgamento, da qual também tomarão
ciência todos os presentes, entre eles o Ministério Público, o ofendido, o responsável civil e
respectivos advogados. Caso o acusado não esteja presente, será citado por mandado e, na mesma
diligência, cientificado da data da audiência de instrução e julgamento.
Em regra, as testemunhas deverão ser apresentadas independentemente de intimação,
havendo a possibilidade, porém, de se apresentar requerimento nesse sentido, no mínimo cinco dias
antes da realização da audiência, caso em que serão intimadas na forma do art. 67 da Lei 9.099/95,
ou seja, por carta, mandado, se necessário, ou qualquer outro meio idôneo. Comunicação
semelhante será feita ao ofendido e ao responsável civil, se for o caso, quando não se fizerem
presentes à audiência preliminar.
Na audiência de instrução e julgamento, poderá ser renovada a tentativa de aplicação das
medidas despenalizadoras já vistas anteriormente, porque esse é o objetivo maior da existência dos
juizados: a aplicação de um novo modelo de justiça penal consensual.
Frustrada a nova tentativa, será dada a palavra ao defensor para responder à acusação, após o
que o juiz receberá, ou não, a denúncia ou queixa.
Em sendo recebida a denúncia ou queixa, a instrução será desenvolvida na seguinte ordem: a)
oitiva da vítima; b) inquirição das testemunhas de acusação; c) inquirição das testemunhas de
defesa; e d) interrogatório do acusado. Portanto, muito antes da reforma dos procedimentos do
Código de Processo Penal, a Lei 9.099/95 já enfatizava o interrogatório como meio precípuo de
defesa do réu.
De acordo com o princípio da concentração dos atos processuais, todas as provas serão
produzidas na audiência de instrução e julgamento, inclusive com possibilidade de condução
coercitiva, evitando-se, quando possível, o adiamento do ato, havendo ainda a possibilidade de o juiz
limitar ou excluir as provas que considerar excessivas, impertinentes ou protelatórias.
Na sequência, passa-se imediatamente aos debates orais e à prolação da sentença. Este ato
judicial prescinde de maiores formalidades, dispensando-se a feitura de relatório. O importante é
que o juiz mencione concretamente os elementos de convicção que o levaram a decidir naquele
sentido.
De todo o ocorrido na audiência será lavrado o respectivo termo, que conterá breve resumo
dos fatos relevantes ocorridos, além da própria sentença.

10.4 PROCEDIMENTOS ESPECIAIS


Concluído o estudo do procedimento comum, passa-se à análise dos procedimentos especiais,
os quais variam de acordo com o critério utilizado pelo legislador, tais como a natureza do bem
jurídico tutelado, a situação do agente, a gravidade da infração penal, etc.
O fim visado pelo legislador, ao adotá-los, é a racionalidade e a eficiência da prestação
jurisdicional, levando-se em consideração a infração penal objeto da persecução, tudo isso sem
deixar de lado o devido processo legal. Vale dizer: o procedimento não pode ser tão abreviado, a

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ponto de se fulminar os direitos do acusado, nem tão extenso, porque comprometeria a eficiência da
atividade jurisdicional, igualmente alçada a princípio constitucional expresso (art. 5º, LXXVIII).
Comparada ao procedimento comum, a especialização pode-se dar parcialmente, quando são
normalmente aproveitadas etapas do rito ordinário, conjuntamente com normas específicas que
compõem o procedimento especial; ou em sua totalidade, quando não há qualquer identidade entre
os ritos.
Estabelecidas tais premissas, far-se-á o estudo individualizado dos procedimentos previstos no
Código de Processo Penal e na legislação especial.

10.4.1 RITO DO TRIBUNAL DO JÚRI


A Lei 11.689/08 reformulou o Tribunal do Júri. Todo o Capítulo II foi revogado, tendo o
legislador conferido nova redação aos artigos 406 a 497 do Código de Processo Penal.
O rito do Tribunal do Júri é bifásico, porque subdivido em duas etapas bem delineadas,
conhecidas como judicium accusationis e judicium causae.

10.4.1.1 DA ACUSAÇÃO E DA INSTRUÇÃO PRELIMINAR


A primeira, judicium accusationis, é atualmente denominada pelo Código de Processo Penal
como acusação e instrução preliminar, e compreende toda a sequência de atos que se desenvolvem
perante o juiz singular, culminando com a decisão de pronúncia, impronúncia, absolvição sumária ou
desclassificação. Logo, em termos gerais, a função precípua desta primeira etapa é justamente a de
definir se, para determinado caso concreto, o Tribunal do Júri é ou não competente.
O rito é semelhante ao ordinário.
O juiz, ao receber a denúncia ou a queixa, ordenará a citação do acusado para responder a
acusação, por escrito, no prazo de dez dias (art. 406)343. Trata-se de peça obrigatória, em que o
acusado deverá arguir questões de mérito e preliminares, desde que não sejam arguíveis por meio
de exceção. Nesse caso, serão alegadas em peça própria e processadas em apartado.
Não apresentada a resposta no prazo legal, o juiz nomeará defensor para oferecê-la em até
dez dias, concedendo-lhe vista dos autos (art. 408). Se a ausência de resposta ocorrer devido a não
localização do réu, nem mesmo após o prazo do edital, aplica-se o art. 366.Apresentada a defesa, o
juiz ouvirá o Ministério Público ou o querelante sobre preliminares e documentos, em cinco dias (art.
409).
Designada a audiência de instrução, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, se
possível, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, bem
como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas,
interrogando-se, em seguida, o acusado (art. 411). No tocante à prova pericial, o laudo deverá estar
concluído antes da audiência, e as partes poderão requerer previamente que os peritos prestem
esclarecimentos em audiência, nos termos do artigo 401, §2º, CPP. Aplica-se o Código de Processo
Civil no tocante à apresentação de quesitos e indicação de assistente técnico, havendo prazo de
cinco dias desde a nomeação do perito, ainda que fosse possível tal indicação até o início da
diligência.344.

343O prazo será contado a partir do efetivo cumprimento do mandado ou do comparecimento, em juízo, do acusado ou de defensor
constituído, no caso de citação inválida ou por edital.
344O novo Código de Processo Civil modifica o prazo de cinco dias para quinze: “Art. 465. O juiz nomeará perito especializado no objeto da
perícia e fixará de imediato o prazo para a entrega do laudo. § 1o Incumbe às partes, dentro de 15 (quinze) dias contados da intimação do
despacho de nomeação do perito: I - arguir o impedimento ou a suspeição do perito, se for o caso; II - indicar assistente técnico; III -

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Concluída a instrução preliminar, serão oferecidas alegações finais orais por vinte minutos,
respectivamente, pela acusação e pela defesa, prorrogáveis por mais dez minutos (art. 411, § 4º).
Havendo mais de um acusado, o tempo previsto para a defesa de cada um será individual (art. 411, §
5º). O assistente do Ministério Público disporá do prazo de dez minutos, após a manifestação
ministerial, prorrogando-se automaticamente o tempo da defesa pelo mesmo período (art. 411, §
6º).
Encerrados os debates, o juiz proferirá a sua decisão, ou o fará em dez dias, ordenando que os
autos para isso lhe sejam conclusos (art. 411, § 9º).
Encerrada a instrução, inclusive após eventual mutatio libelli (art. 411, § 3º), o magistrado
deverá proferir decisão, adotando-se uma das alternativas previstas na Seção II:
a) Pronúncia (art. 413) – dá-se a pronúncia quando o juiz se convencer da materialidade do
fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação do acusado.
Nessa fase, deve-se ter cautela na fundamentação, porque a atuação do juiz sumariante
não poderá induzir o futuro Conselho de Sentença. Evita-se, portanto, excesso de
linguagem345, pré-julgamentos346, entre outros vícios. A própria lei determina que a
fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e da
existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, devendo o juiz declarar o
dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias
qualificadoras e as causas de aumento de pena (§ 1º). Em razão de não haver mais libelo
e a respectiva contrariedade, a decisão de pronúncia servirá como limite para os debates
em plenário.Da decisão de pronúncia cabe recurso em sentido estrito, conforme previsão
expressa do artigo 581, IV, CPP.
b) Impronúncia (art. 414) – quando o juiz sumariante não se convencer da materialidade do
fato ou da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, deverá
impronunciar o acusado. Neste caso, verificou-se não haver lastro probatório suficiente
para submeter o caso a julgamento perante o Tribunal do Júri. Não havendo coisa
julgada material, enquanto não ocorrer a extinção da punibilidade, poderá ser formulada
nova denúncia ou queixa se houver prova nova. Na hipótese de a instância superior
impronunciar o acusado, em grau de recurso contra a decisão de pronúncia, ocorre a
chamada despronúncia.

apresentar quesitos.”
345HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO SIMPLES. TRIBUNAL DO JÚRI. PRONÚNCIA. EXCESSO DE LINGUAGEM. JUÍZO DE VALOR ACERCA DO
CONJUNTO PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. EXCESSO DE LINGUAGEM. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. ORDEM CONCEDIDA. 1.
Embora uma das alterações significantes no procedimento do julgamento dos crimes dolosos contra a vida, com o advento da Lei n.
11.689/2008, tenha sido a proibição das partes se referirem em Plenário à decisão de pronúncia (art. 478, I, do CPP), é certo que os jurados,
caso solicitem, terão acesso aos autos e, consequentemente, à provisional objurgada (art. 480, § 3º, do CPP), razão pela qual vislumbra-se o
risco de influência no ânimo do Tribunal Popular. 2. Para a pronúncia, que encerra simples juízo de admissibilidade da acusação, exige o
ordenamento jurídico somente o exame da ocorrência do crime e de indícios de sua autoria, não se demandando aqueles requisitos de
certeza necessários à prolação de um édito condenatório, sendo que as dúvidas, nessa fase processual, resolvem-se contra o réu, ou pela
sociedade. É o mandamento do antigo art. 408 e atual art. 413 do Código Processual Penal. 3. Na hipótese, o juízo singular teceu
manifestações diretas acerca do mérito da acusação – que deveriam ser submetidas a julgamento pelo Tribunal do Júri –, ao expressar
claramente que seria impossível o acolhimento das teses defensivas de legítima defesa e de inexigibilidade da conduta diversa,
considerações estas capazes de exercer influência no ânimo dos integrantes do Conselho de Sentença, principalmente em razão da falta de
cuidado no emprego dos termos, sendo constatado, assim, o alegado excesso de linguagem na decisão de pronúncia, caracterizando o
aventado constrangimento ilegal. 4. Ordem concedida para anular a decisão de pronúncia, devendo outra ser proferida com observância
dos limites legais. (HC 142803/SC, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 17/06/2010, DJe 09/08/2010).
346HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. TRIBUNAL DO JÚRI. 1. PEDIDO DE REALIZAÇÃO DE DILIGÊNCIAS. ENFRENTAMENTO DA
MATÉRIA NO HC Nº 75.792/GO. IMPOSSIBILIDADE DE REAPRECIAÇÃO DO PLEITO. 2. OITIVA DO ACUSADO EM SEDE POLICIAL. AUSÊNCIA DO
DELEGADO DE POLÍCIA. NULIDADE. NÃO CONFIGURAÇÃO. 3. SENTENÇA DE PRONÚNCIA. JUÍZO DE VALOR ACERCA DA AUTORIA DO FATO.
EXCESSO DE LINGUAGEM. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. 4. ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA E, NESSA EXTENSÃO,
PARCIALMENTE CONCEDIDA. [...] 3. Na sentença de pronúncia, deve o magistrado conciliar a impossibilidade de imersão no mérito da
causa, vedada a incursão em pré-julgamento da acusação, sob pena de invasão da competência constitucional do Tribunal do Júri – juiz
natural da causa –, com a necessidade de indicação de elementos seguros onde se encontrem a prova da materialidade e os indícios de
autoria, não dando ensejo à nulidade da decisão por ausência de fundamentação. 4. No caso, o magistrado exarou convicção no sentido de
ser o paciente o autor do fato em questão, inclusive rebatendo a tese defensiva relativa à participação de terceiros, considerações essas que
exprimem juízo de valor capaz de influenciar a competente e soberana Corte popular, configurando-se o excesso de linguagem. [...] (HC
117.652/GO, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, julgado em 22/11/2011, DJe 01/02/2012).

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c) Absolvição sumária (art. 411) – ocorre quando estiver provada a inexistência do fato, a
não participação do acusado (autoria e participação), a atipicidade da conduta ou a
existência de causa de isenção de pena ou de exclusão do crime. Houve uma ampliação
das situações que autorizam a absolvição sumária, porque a legislação revogada previa
apenas para as situações atualmente descritas no atual inciso IV do art. 411. O parágrafo
único busca evitar a imposição imediata de medida de segurança, já que o inimputável
poderia ser absolvido na sessão de julgamento.
d) Desclassificação (art. 419) – adota-se quando o juiz se convencer, em discordância com
a acusação, da existência de crime que não seja doloso contra a vida – desclassificação
própria –, ocasião em que, não sendo competente para o julgamento, remeterá os autos
ao juiz que o seja. Este, se discordar, poderá suscitar o conflito negativo de competência.
Caso aceite, o magistrado poderá determinar a repetição da instrução, por força do
princípio da identidade física do juiz347.

A primeira fase do procedimento deve ser concluída em até noventa dias (art. 412 do CPP).

10.4.1.2 DA FASE DE JULGAMENTO


Preclusa a decisão de pronúncia, os autos serão encaminhados ao juiz presidente do Tribunal
do Júri (art. 421 do CPP). A partir de então, ou seja, com o recebimento dos autos, inicia-se a segunda
fase do rito escalonado do Tribunal do Júri (judicium causae).
Nos termos do art. 422 do CPP, o presidente do Tribunal do Júri determinará a intimação do
órgão do Ministério Público ou do querelante, no caso de queixa, e do defensor, para, no prazo de
cinco dias, apresentarem rol de testemunhas que irão depor em plenário, até o máximo de cinco,
oportunidade em que poderão juntar documentos e requerer diligências. Foi suprimida a fase de
oferecimento de libelo crime acusatório e da respectiva peça defensiva (contrariedade ao libelo).
Em seguida, o juiz saneará o processo, findando com um relatório conciso, a fim de colocá-lo
em pauta (art. 423 do CPP).
Sobre a preparação do julgamento, destaca-se a norma já citada anteriormente, que
determina que, onde houver mais de um juízo federal competente, a lista dos jurados será
organizada anualmente por um dos juízes, mediante rodízio, observada sua ordem numérica (art. 4º,
parágrafo único, do DL 253/67).
Permite-se excepcionalmente o desaforamento, que, nos termos do art. 427, ocorre quando o
interesse da ordem pública o reclamar ou houver dúvida sobre a imparcialidade do júri ou a
segurança pessoal do acusado. O desaforamento também poderá ser determinado, em razão do
comprovado excesso de serviço, ouvidos o juiz presidente e a parte contrária, se o julgamento não
puder ser realizado no prazo de seis meses, contado do trânsito em julgado da decisão de pronúncia
(art. 428 do CPP).
O Tribunal do Júri é composto por um juiz togado, que será o presidente, e por vinte e cinco
jurados que serão sorteados dentre os alistados, sete dos quais constituirão o Conselho de Sentença
em cada sessão de julgamento.
Sobre a formação da lista geral, anualmente o juiz-presidente elabora uma lista de jurados
conforme o número de habitantes na comarca (art. 425, caput). Para a elaboração da lista, o juiz-
presidente requisitará às autoridades locais, associações de classe e de bairro, entidades associativas
e culturais, instituições de ensino em geral, universidades, sindicatos, repartições públicas e outros
núcleos comunitários de jurados. A lista provisória é publicada até o dia 10 de outubro de cada ano, e

347 No caso de desclassificação própria pelo conselho de sentença, o juiz presidente será o competente para julgar a demanda, inclusive na
hipótese de crimes conexos com o então tido como doloso contra vida, tendo em vista a necessidade de se promover a racionalidade da
prestação jurisdicional, já que haverá sido observado o princípio da identidade física do juiz.

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pode ser modificada de ofício ou em virtude de reclamação de qualquer do povo. Após, até o dia 10
de novembro, é publicada a lista definitiva.
Conforme o artigo 426, o jurado que tiver integrado o conselho de sentença nos doze meses
que antecedem à publicação da lista geral fica dela excluído. Da decisão cabe recurso em sentido
estrito (art. 581, XIV) no prazo de vinte dias, contados da data da publicação definitiva de jurados
(art. 586, parágrafo único).
Quanto ao julgamento propriamente dito, aberta a sessão, quando o juiz já haverá decidido os
casos de isenção e dispensa de jurados, além de rejeitado eventual pedido de adiamento, e estando
presentes as partes, devidamente representadas, testemunhas348 e jurados, estes em número
mínimo de quinze, serão iniciados os trabalhos, a fim de se constituir o Conselho de Sentença.
A constituição do colegiado dá-se através de sorteio, cujas regras estão definidas a partir do
art. 463 do CPP. Antes do sorteio do Conselho de Sentença, no entanto, o juiz advertirá os jurados
dos impedimentos, suspeições e incompatibilidades. Os impedimentos, a suspeição e as
incompatibilidades dos jurados, próprias do tribunal do júri, estão previstas nos arts. 448 e 449.
Além dos impedimentos, suspeições e incompatibilidades, antes mesmo de proceder ao
sorteio, o juiz também advertirá os jurados de que, uma vez sorteados, não poderão se comunicar
entre si e com terceiros, nem manifestar sua opinião sobre o processo, sob pena de exclusão e
dissolução do conselho de sentença e pagamento de multa. A finalidade é garantir a ausência de
interferência de um jurado ou de terceiros na formação da convicção de (outro) jurado349350. A lei não
veda a comunicação entre jurados, desde que sob a fiscalização do juiz e sobre assuntos alheios ao
julgamento. Relativamente a terceiros, a incomunicabilidade é absoluta, isto é, sobre qualquer
assunto.
Formado o Conselho de Sentença, e prestado o compromisso pelos jurados, será iniciada a
instrução plenária, ocasião em que o juiz presidente, o Ministério Público, o assistente, o querelante
e o defensor do acusado (1) tomarão, sucessiva e diretamente, as declarações do ofendido, se

348 As situações e providências envolvendo a ausência de partes, advogados ou testemunhas estão regulamentadas nos arts. 455 a 461 do
CPP.
349“RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL PENAL. HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO. TRIBUNAL DO JÚRI. NULIDADE.
INCOMUNICABILIDADE DOS JURADOS. COMENTÁRIO QUE NÃO INFLUENCIOU NO MÉRITO DA CAUSA. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO AFIRMADA
PELA CORTE DE ORIGEM. DOSIMETRIA. BIS IN IDEM.INOCORRÊNCIA. MAJORAÇÃO DA PENA-BASE FUNDAMENTADA NAS CIRCUNSTÂNCIAS
DO CASO CONCRETO NÃO INERENTES AO TIPO PENAL. SÚM. 7/STJ.DESPROVIMENTO DO RECURSO.1. Em observância ao princípio pas de
nullité sans grief, a jurisprudência do STJ e STF firmou-se no sentido de ser necessária a demonstração de prejuízo concreto à parte que
suscita o vício, independentemente de ser a nulidade absoluta ou relativa.2. Inexiste quebra de incomunicabilidade quando o jurado
eventualmente se comunica com outro membro do Conselho de Sentença, sem exteriorizar opinião acerca da causa, provas ou o mérito
da imputação.3. Concluindo o Tribunal a quo que não houve quebra de incomunicabilidade a comprometer a imparcialidade dos
jurados, tampouco prejuízo à defesa, inviável desconstituir tal conclusão sem o exame aprofundado de provas, vedado a teor da Súm. n.
7/STJ.4. Reconhecidas pelo Corpo de Jurados a existência duas qualificadoras, inexiste bis in idem, em face da utilização de uma
delas para qualificar o delito e da outra para majorar a pena-base.5. Na hipótese, o motivo torpe foi considerado, apenas, para
qualificar o delito. Não foi reconhecida a existência de circunstância agravante e a pena-base foi fixada acima do mínimo legal,
após a análise de dados concretos que circunscreveram à violenta ação criminosa a evidenciar a anormalidade do modus operandi,
sem correspondência com os elementos inerentes ao tipo penal, em estrita observância aos princípios da proporcionalidade e da
razoabilidade.6. O recorrente valendo-se de um cabo coaxial de TV, de madrugada, ceifou a vida de sua ex-esposa, no imóvel onde
estava presente a filha do casal, à época com 5 (cinco) anos de idade, suspendendo-a pelo pescoço no cano do chuveiro, forjando a
prática de suicídio. O delito resultou grave sequelas à criança.
7. Recurso especial a que se nega provimento.”(REsp 1222356/PR, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado
em 10/05/2016, DJe 16/05/2016)
350“PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. TRIBUNAL DO JÚRI. QUEBRA DE
INCOMUNICABILIDADE ENTRE OS JURADOS. NÃO OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE OPINIÃO POR PARTE DO JURADO.RITO DO ART. 212 DO CPP.
AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO.NULIDADE RELATIVA. SÚMULA 83/STJ. CONSELHO DE SENTENÇA. JULGAMENTO CONTRÁRIO À
PROVA DOS AUTOS. SOBERANIA. ACOLHIMENTO DE UMA DAS TESES. CONJUNTO PROBATÓRIO. SÚMULA 7/STJ. OMISSÃO. VIOLAÇÃO DO
ART.619 DO CPP. NÃO OCORRÊNCIA. FUNDAMENTAÇÃO ADEQUADA. 1. Nos limites estabelecidos pelo art. 619 do Código de Processo Penal,
os embargos de declaração destinam-se a suprir omissão, obscuridade ou contradição ou ambiguidade eventualmente existentes no
julgado, o que não ocorreu na presente hipótese. 2. Se a decisão do Júri se encontra amparada em uma das versões constantes nos autos,
deve ser respeitada, consagrando-se o princípio da soberania dos veredictos do Tribunal do Júri (art. 50, XXXVIII, CF). 3. Não houve
exteriorização alguma de opinião por parte do jurado, que apenas indagou o recorrente a respeito de um fato. O jurado não emitiu a sua
opinião e também não se dirigiu a nenhum outro jurado. Não há, assim, ilegalidade no presente caso. 4. Agravo regimental improvido.”
(AgRg no AREsp 403.800/MG, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 16/04/2015, DJe 29/04/2015)

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possível, e (2) inquirirão as testemunhas arroladas pela acusação. Em seguida, o juiz presidente, o
defensor do acusado, o Ministério Público, o assistente e o querelante (3) inquirirão as testemunhas
arroladas pela defesa. Após, o Ministério Público, o assistente, o querelante e o defensor, nessa
ordem, (4) interrogarão o acusado, através da formulação direta de perguntas351. Os jurados poderão
formular perguntas ao ofendido, às testemunhas e ao acusado, por intermédio do juiz presidente.
No curso da instrução, não é possível a utilização das provas colhidas no inquérito policial ou
mesmo no iudicium accusationis, com exceção das colhidas em carta precatória, bem como das
provas cautelares, antecipadas ou irrepetíveis.
Encerrada a instrução, os debates observarão a seguinte ordem:

ATO RESPONSÁVEL TEMPO352 TEMPO (mais de um réu)

Acusação Ministério Público/Assistente353 1h30min 2h30min

Defesa Defensor técnico 1h30min 2h30min

Réplica Ministério Público/Assistente 1h 2h

Tréplica Defensor técnico 1h 2h

Algumas observações importantes devem ser feitas.


A acusação será formulada nos limites da pronúncia ou das decisões posteriores que a
julgaram admissível, sendo possível a sustentação, se for o caso, de circunstância agravante. Nada
impede também que, nessa ocasião, defenda-se a absolvição do acusado.
As partes não poderão, sob pena de nulidade, fazer referências: a) à decisão de pronúncia, às
decisões posteriores que julgaram admissível a acusação ou à determinação do uso de algemas como
argumento de autoridade que beneficiem ou prejudiquem o acusado354; b) ao silêncio do acusado ou
à ausência de interrogatório por falta de requerimento, em seu prejuízo.
Não será permitida a leitura de documento ou a exibição de objeto que não tiver sido juntado
aos autos com a antecedência mínima de três dias úteis, dando-se ciência à outra parte.
A acusação, a defesa e os jurados poderão, a qualquer momento e por intermédio do juiz
presidente, pedir ao orador que indique a folha dos autos onde se encontra a peça por ele lida ou
citada, facultando-se, ainda, aos jurados solicitar-lhe, pelo mesmo meio, o esclarecimento de fato
por ele alegado.
Encerrados os debates, passa-se à fase da votação, pelos jurados, dos quesitos formulados
pelo juiz presidente, os quais deverão guardar sintonia com a pronúncia ou decisão congênere, o
interrogatório e as teses defendidas em plenário.
Uma das novidades da reforma foi a interrupção da apuração, quando se obtiver a maioria dos
votos em determinado sentido, a fim de se preservar o sigilo das votações.

351 Apesar de não haver menção ao juiz presidente, nada impede que ele formule perguntas, em razão da remissão ao Capítulo III do Título
VII do Livro I do CPP, que trata do interrogatório.
352 Art. 477. [...] § 1º Havendo mais de um acusador ou mais de um defensor, combinarão entre si a distribuição do tempo, que, na falta de
acordo, será dividido pelo juiz presidente, de forma a não exceder o determinado neste artigo.
353 Tratando-se de ação penal privada subsidiária da pública, é possível que o querelante faça a acusação antes do Ministério Público, caso
este não tenha retomado a sua titularidade.
354 Recurso ordinário em habeas corpus. 2. Tribunal do júri. Art. 478, I, do CPP. Vedação de referências “à decisão de pronúncia, às decisões
posteriores que julgaram admissível a acusação ou à determinação do uso de algemas como argumento de autoridade que beneficiem ou
prejudiquem o acusado”. Interpretação do dispositivo. A lei não veda toda e qualquer referência às peças. Apenas sua utilização como
argumento de autoridade é vedada. No caso da pronúncia, é vedada sua utilização como forma de persuadir o júri a concluir que, se o juiz
pronunciou o réu, logo este é culpado. 3. Negado provimento ao recurso ordinário. (RHC 120598, Relator(a): Min. GILMAR MENDES,
Segunda Turma, julgado em 24/03/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-151 DIVULG 31-07-2015 PUBLIC 03-08-2015)

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A sentença, que respeitará a soberania dos vereditos, observará o disposto no art. 492 do CPP.
O Código de Processo Penal veda o uso de algemas durante o período em que o acusado
permanecer no plenário do júri, salvo se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à
segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes (art. 474, § 3º)355.
O sistema audiovisual, adotado como regra no rito ordinário, e que dispensa a respectiva
transcrição, não está expressamente previsto no art. 475. Este dispositivo enumera outros meios de
gravação, inclusive que a transcrição do registro, depois de feita a degravação, deverá constar dos
autos356.
10.4.2 ABUSO DE AUTORIDADE
Apesar de a Lei 4.898/65 trazer procedimento próprio para os crimes de abuso de autoridade,
especificamente a partir do art. 12, tem-se entendido que o rito a ser adotado deverá ser o
sumaríssimo, a partir da vigência da Lei 10.259/2001, que ampliou o conceito de crimes de menor
potencial ofensivo, afastando-se a norma que determinava a não aplicação da Lei 9.099/95 aos
crimes que estivessem vinculados a procedimento especial (art. 61)357. Essa antinomia somente foi
solucionada, no plano do direito positivo, com a vigência da Lei 11.313/2006, que alterou a redação
do art. 61, colocando-a em sintonia com o art. 2º, parágrafo único, da Lei 10.259/2001.

10.4.3 CRIMES DE RESPONSABILIDADE DOS FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS


O procedimento que rege o processo e o julgamento dos crimes de responsabilidade
praticados por funcionários públicos está positivado nos arts. 513 a 518 do Código de Processo
Penal358.

355 A propósito do tema, consultar o Enunciado 11 da Súmula Vinculante do STF.


356 O Superior Tribunal de Justiça vem dando sinais de que a necessidade da transcrição, no caso da sessão de julgamento perante o
Tribunal do Júri, não foi dispensada pela lei. Contudo, deve-se demonstrar o efetivo prejuízo. Precedentes: “PROCESSO PENAL. RECURSO
ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DEPOIMENTOS TESTEMUNHAIS COLHIDOS EM ÁUDIO. TRANSCRIÇÃO INTEGRAL.
DESNECESSIDADE. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. A mens legis do artigo 405 do
Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei nº 11.719/08, consiste em impor como regra o registro dos depoimentos por meios
ou recursos de gravação, dentre os quais se declina o audiovisual, afastando-se a necessidade de sua transcrição. 2. Ao entender o
legislador por tratar de forma diversa da regra insculpida, o fez expressamente, como no artigo 475, alterado pela Lei nº 11.689/08, do
Estatuto Processual Repressivo, ao determinar a transcrição no procedimento do júri. 3. In casu, não se demonstrou a imprescindibilidade
da transcrição dos depoimentos, sendo que foram devidamente colhidos sob o crivo do contraditório, respeitando-se a ampla defesa. [...]
(RMS 32.846/MT, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 19/02/2013, DJe 27/02/2013)” e “HABEAS
CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. ARGUIÇÃO DE CERCEAMENTO DE DEFESA. NULIDADE PELA AUSÊNCIA DE TRANSCRIÇÃO DOS
DEPOIMENTOS E DEBATES ORAIS DO JULGAMENTO. GRAVAÇÕES DISPONIBILIZADAS ÀS PARTES. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. NULIDADE
RELATIVA. NULIDADE NO JULGAMENTO. MENÇÃO EXPRESSA À PRONÚNCIA COMO ARGUMENTO DE AUTORIDADE. OFENSA AO ART. 478,
INCISO I, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL CONFIGURADA. ORDEM PREJUDICADA QUANTO AO PEDIDO DE REDUÇÃO DA PENA, DENEGADA
QUANTO AO PEDIDO DE NULIDADE POR AUSÊNCIA DE TRANSCRIÇÃO DE DEPOIMENTOS E DEBATES ORAIS, PORÉM CONCEDIDA QUANTO
AO PEDIDO DE REALIZAÇÃO DE NOVO JULGAMENTO PELO TRIBUNAL DO JÚRI. 1. Consoante os termos do acórdão recorrido, a gravação
contendo os depoimentos das testemunhas e os debates orais ocorridos no julgamento estavam à disposição da defesa que contou ainda
com a presença, nos autos, de ata de julgamento contendo os detalhes principais ocorridos em plenário. 2. Ademais, o entendimento
consagrado desta Corte é no sentido de que a nulidade do art. 475 do Código de Processo Penal, para ser declarada, deve haver
demonstração inequívoca do prejuízo sofrido pelo Acusado, sob pena de se convalidar. Precedentes. [...] (HC 148.499/DF, Rel. Ministra
LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 06/12/2011, DJe 19/12/2011)”.
357PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. ART. 3º, ALÍNEA "I", DA LEI Nº 4.898/65. AMPLIAÇÃO DO ROL DOS DELITOS DE MENOR
POTENCIAL OFENSIVO. ART. 61 DA LEI Nº 9.099/95 DERROGADO PELO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 2º DA LEI Nº 10.259/2001. I - Com o
advento da Lei nº 10.259/2001, que instituiu os Juizados Especiais Criminais na Justiça Federal, por meio de seu art. 2º, parágrafo único,
ampliou-se o rol dos delitos de menor potencial ofensivo, por via da elevação da pena máxima abstratamente cominada ao delito, nada se
falando a respeito das exceções previstas no art. 61 da Lei nº 9.099/95. II - Desse modo, devem ser considerados delitos de menor potencial
ofensivo, para efeito do art. 61 da Lei nº 9.099/95, aqueles a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, ou multa, sem
exceção. III - Assim, ao contrário do que ocorre com a Lei nº 9.099/95, a Lei nº 10.259/2001 não excluiu da competência do Juizado Especial
Criminal os crimes que possuam rito especial, alcançando, por consequência, os delitos de abuso de autoridade. Recurso desprovido. (REsp
610.211/RJ, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 15/04/2004, DJ 07/06/2004, p. 277).
358 Apesar de haver quem defenda a revogação de todo o Capítulo II, em face do disposto no art. 394, § 4º do CPP, optou-se por manter os
comentários às referidas normas, até mesmo em razão da finalidade desta obra. Entretanto, fica a advertência acerca da posição
substanciosa, por exemplo, de Eugênio Pacelli (OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 16. ed. atual. São Paulo: Atlas,
2012,p. 782-785). Damásio entende que não houve revogação: “Entendemos que a resposta preliminar a que alude a disposição continua
em vigor, mesmo após a modificação dos procedimentos comum e especial introduzida pela Lei nº 11.719/08. Assim, quando cabível a

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A primeira advertência que se faz é a de que tal rito apenas se aplica aos chamados delitos
funcionais típicos, ou seja, aqueles tipificados nos arts. 312 a 326 do Código Penal359.
O traço diferenciador desse procedimento é a fase da notificação prévia, aplicável aos crimes
afiançáveis, em que o acusado será notificado, para responder por escrito, dentro do prazo de quinze
dias.
O objetivo da norma é o de evitar lides temerárias, protegendo-se o agente público contra
acusações totalmente infundadas, fruto não raras vezes de divergências políticas. Salvaguarda-se,
indiretamente, a atividade administrativa. O próprio código exige que a queixa ou a denúncia seja
instruída com documentos ou justificação que façam presumir a existência do delito ou com
declaração fundamentada da impossibilidade de apresentação de qualquer dessas provas (art. 513
do CPP).
A jurisprudência do STJ tem entendido que, quando a petição inicial vier acompanhada de
inquérito policial, não haverá nulidade no caso de supressão dessa fase preliminar360. Contudo,
atenção para a decisão do STF, nos autos do HC 89.686/SP361, a indicar uma possível mudança de
entendimento. Há acórdão da Primeira Turma, em que não se dispensou a defesa preliminar362.
Não se aplica o procedimento especial, se houver conexão com crimes de natureza diversa363.

resposta preliminar [...], o juiz notificará o acusado para apresentá-la e, caso receba a denúncia ou queixa, deverá adotar o disposto nos
arts. 395 a 399 deste Código (vide art. 394, § 4º). Em seguida, deverá o magistrado aplicar o procedimento comum ordinário ou sumário,
conforme a pena máxima cominada ao delito (JESUS, Damásio E. de. Código de processo penal anotado. 23 ed. rev., atual. e ampl. de acordo
com a reforma do CPP – São Paulo: Saraiva, 2009, p. 423).
359 RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA PRATICADO POR FUNCIONÁRIO PÚBLICO (ARTIGO
1º, INCISO II, COMBINADO COM OS ARTIGOS 11 E 12 DA LEI 8.137/1990, NA FORMA DO ARTIGO 71 DO CÓDIGO PENAL). ALEGAÇÃO DE
VIOLAÇÃO AO ARTIGO 514 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA SEM NOTIFICAÇÃO PARA APRESENTAÇÃO DE
DEFESA PRELIMINAR. DELITO QUE NÃO SE QUALIFICA COMO FUNCIONAL. DESNECESSIDADE. RECURSO IMPROVIDO. 1. O procedimento
especial previsto nos artigos 513 a 518 do Código de Processo Penal só se aplica aos delitos funcionais típicos, descritos nos artigos 312 a
326 do Código Penal. Precedentes. 2. No caso dos autos, o recorrente, na qualidade de funcionário público, teria concorrido para a prática
de crime fiscal, consistente em fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza,
em documento ou livro exigido pela lei fiscal. 3. Hipótese que não se enquadra no conceito de "crimes de responsabilidade dos funcionários
públicos", para fins de notificação para apresentação de resposta preliminar, nos termos do artigo 514 da Lei Processual Penal. 4. Recurso
improvido. (RHC 22.118/MT, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 01/06/2010, DJe 09/08/2010).
360Enunciado 330 da Súmula do STJ: “É desnecessária a resposta preliminar de que trata o artigo 514 do Código de Processo Penal, na ação
penal instruída por inquérito policial”.
361 EMENTA: [...] IV. Nulidade processual: inobservância do rito processual específico no caso de crimes inafiançáveis imputados a
funcionários públicos. Necessidade de notificação prévia (CPP, art. 514). 1. É da jurisprudência do Supremo Tribunal (v.g. HC 73.099, 1ª T.,
3.10.95, Moreira, DJ 17.5.96) que o procedimento previsto nos arts. 513 e seguintes do CPP se reserva aos casos em que a denúncia veicula
tão somente crimes funcionais típicos (C.Penal, arts. 312 a 326). 2. No caso, à luz dos fatos descritos na denúncia, o paciente responde pelo
delito de concussão, que configura delito funcional típico e o corréu, pelo de favorecimento real (C. Penal, art. 349). 3. Ao julgar o HC
85.779, Gilmar, Inf.STF 457, o plenário do Supremo Tribunal, abandonando entendimento anterior da jurisprudência, assentou, como obter
dictum, que o fato de a denúncia se ter respaldado em elementos de informação colhidos no inquérito policial, não dispensa a
obrigatoriedade da notificação prévia (CPP, art. 514) do acusado. 4. Habeas corpus deferido, em parte, para, tão somente quanto ao
paciente, anular o processo a partir da decisão que recebeu a denúncia, inclusive, a fim de que se obedeça ao procedimento previsto nos
arts. 514 e ss. do CPP e, em caso de novo recebimento da denúncia, que o seja apenas pelo delito de concussão. (HC 89686, Relator(a):
Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 12/06/2007, DJe-082 DIVULG 16-08-2007 PUBLIC 17-08-2007 DJ 17-08-2007 PP-
00058 EMENT VOL-02285-04 PP-00638).
362EMENTA: HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. NECESSIDADE DE DEFESA PRÉVIA. ART. 514 DO CPP. DENÚNCIA QUE IMPUTA AO
PACIENTE, ALÉM DE CRIMES FUNCIONAIS, CRIMES DE QUADRILHA E DE USURPAÇÃO DE FUNÇÃO PÚBLICA. PROCEDIMENTO RESTRITO AOS
CRIMES FUNCIONAIS TÍPICOS. ORDEM DENEGADA. I - A partir do julgamento do HC 85.779/RJ, passou-se a entender, nesta Corte, que é
indispensável a defesa preliminar nas hipóteses do art. 514 do Código de Processo Penal, mesmo quando a denúncia é lastreada em
inquérito policial (Informativo 457/STF). II - O procedimento previsto no referido dispositivo da lei adjetiva penal cinge-se às hipóteses em
que a denúncia veicula crimes funcionais típicos, o que não ocorre na espécie. Precedentes. III - Habeas corpus denegado.(HC 95969,
Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 12/05/2009, DJe-108 DIVULG 10-06-2009 PUBLIC 12-06-2009 EMENT
VOL-02364-01 PP-00143 RTJ VOL-00222-01 PP-00334).
363HABEAS CORPUS. CONCUSSÃO E FORMAÇÃO DE QUADRILHA. NOTIFICAÇÃO PARA DEFESA PRÉVIA DO ACUSADO. ART. 514 DO CPP. NÃO
APLICAÇÃO. DENÚNCIA INSTRUÍDA POR INQUÉRITO POLICIAL E PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO CRIMINAL. SÚMULA 330/STJ.
IMPUTAÇÃO DE CRIMES FUNCIONAL E NÃO FUNCIONAL. AFASTAMENTO DO RITO DO ART. 514 DO CPP. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO
CONFIGURADO. ORDEM DENEGADA. 1. Na hipótese em que a ação penal é precedida de inquérito policial, incide o entendimento
consagrado na Súmula 330 deste Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual "é desnecessária a resposta preliminar de que trata o artigo
514 do Código de Processo Penal, na ação penal instruída por inquérito policial." 2. No caso em apreço, da leitura da exordial acusatória,
denota-se que a persecução penal teve por embasamento Inquérito Policial e procedimento administrativo criminal, a implicar, portanto, a
incidência da Súmula 330/STJ. 3. Ademais, o paciente foi denunciado por crimes funcional (art. 316 do CP) e não funcional (art. 288 do CP),

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Em suma, sem prejuízo do entendimento de que o procedimento comum deveria ser
integralmente aplicado, afastando-se o especial, o fato é que, após o recebimento da denúncia, a
persecução penal deverá prosseguir pelo rito ordinário ou sumário, conforme a pena máxima
cominada à infração penal.
10.4.4 CRIMES CONTRA O MEIO AMBIENTE
No caso de crimes praticados contra o meio ambiente, a Lei 9.605/98 não estabelece qualquer
procedimento especial. Segue-se a regra geral, conforme a pena máxima cominada à infração penal.
Na realidade, a lei se limita a adicionar outros requisitos para a transação penal e para a
suspensão condicional do processo.
Segundo o art. 27, nos crimes ambientais de menor potencial ofensivo, a proposta de
transação penal somente poderá ser formulada desde que tenha havido a prévia composição do
dano ambiental, de que trata o art. 74 da Lei 9.099/95, salvo em caso de comprovada
impossibilidade.
Para os demais crimes, o art. 28 determina que a suspensão condicional do processo (art. 89
da Lei 9.099/95) seja aplicada com as seguintes alterações:
• A declaração de extinção de punibilidade, após o período de prova,
dependerá de laudo de constatação de reparação do dano ambiental,
salvo comprovada impossibilidade do agente.
• Na hipótese de o laudo de constatação comprovar não ter sido
completa a reparação, o prazo de suspensão do processo será
prorrogado, até o período máximo previsto (quatro anos), acrescido de
mais um ano, com suspensão do prazo da prescrição.
• No período de prorrogação, não se aplicarão as condições dos incisos
II, III e IV do § 1° do art. 89 da Lei 9.099/95.
• Findo o prazo de prorrogação, proceder-se-á à lavratura de novo laudo
de constatação de reparação do dano ambiental, podendo, conforme
seu resultado, ser novamente prorrogado o período de suspensão, até
cinco anos, observada mesma regra que suspende o cumprimento das
demais condições dos incisos II, III e IV do § 1° do art. 89 da Lei
9.099/95.
• Esgotado o prazo máximo de prorrogação, a declaração de extinção de
punibilidade dependerá de laudo de constatação que comprove ter o
acusado tomado as providências necessárias à reparação integral do
dano.

10.4.5 ENTORPECENTES
A atual Lei de Drogas – Lei 11.343/06 – traz um procedimento especial para apuração dos
crimes nela contidos (Capítulo III), determinando-se a aplicação subsidiária do Código de Processo
Penal e da Lei de Execução Penal (art. 48).
A questão envolvendo a aplicação ou não do procedimento comum, em face da norma
prevista no art. 394, § 4º, do CPP, neste caso também ganha relevo, especialmente porque o
Superior Tribunal de Justiça tem entendimentos nos dois sentidos, seja para acatar364 ou recusar365 o
critério da especialidade.

de forma "que não se aplica o rito previsto para o processamento dos crimes de responsabilidade do funcionário público, o que afasta a
determinação do art. 514 do Código de Processo Penal" (REsp 670.739/RJ). 4. Ordem denegada. (HC 160.332/SP, Rel. Ministro JORGE
MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 13/03/2012, DJe 30/03/2012).
364 HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. LEI 11.719/08. ART. 400 DO CPP. APLICAÇÃO AO RITO ESPECIAL DA LEI DE

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O nosso entendimento é o de que deve prevalecer a norma especial, pois, conforme
mencionado quando do estudo do rito ordinário, a intenção do legislador parece ter sido a de
estabelecer uma fase preliminar de defesa efetiva para o acusado, o que não ocorria em diversos
ritos, inclusive na legislação especial. Porém, essa defesa efetiva já se encontra devidamente
preservada na atual Lei de Drogas, inclusive com maior alcance, segundo pensamos, porque a
notificação e a apresentação da defesa preliminar ocorrem antes do recebimento da denúncia.
Por outro lado, a aplicação mesclada dos dois procedimentos importaria em inútil
redundância, na medida em que o acusado seria citado para o oferecimento de defesa preliminar
(art. 396), não obstante já o tenha feito anteriormente (art. 55 da Lei 11.343/06).
De qualquer forma, exposto o problema, analisar-se-á o procedimento regulamentado pela lei.
A fase pré-processual está prevista nos arts. 50 a 53, com destaque para o prazo para a
conclusão do inquérito policial, que será de trinta ou noventa dias, conforme se trate de indiciado
preso ou solto, respectivamente, podendo o prazo ser duplicado, quando devidamente justificado.
Além disso, a lei contempla a possibilidade de adoção de técnicas mais modernas de investigação.
O Ministério Público, ao receber o inquérito ou peças de informação, terá o prazo de dez dias
para: a) requerer o arquivamento; b) requisitar as diligências que entender necessárias; ou (c)
oferecer denúncia, arrolar até cinco testemunhas e requerer as demais provas que entender
pertinentes (art. 54).
Oferecida a denúncia, o juiz ordenará a notificação do acusado para oferecer defesa prévia,
por escrito, no prazo de dez dias, ocasião em que todas as razões de defesa deverão ser expostas, de
mérito ou não, sem prejuízo da apresentação e da especificação das provas que o acusado pretenda
produzir. No caso de prova testemunhal, a lei impõe o limite de cinco testemunhas.
Seguindo a determinação legal que assenta a imprescindibilidade da defesa técnica, caso o
acusado permaneça inerte, será nomeado ao denunciado defensor público ou dativo, este na falta do
primeiro, que então disporá do prazo de dez dias, mediante vista dos autos.
O juiz, caso receba a denúncia, designará dia e hora para a audiência de instrução e
julgamento366, devendo ordenar a citação pessoal do acusado, a intimação do Ministério Público, do

DROGAS. INAPLICABILIDADE. AUSÊNCIA DE NULIDADE. PROCEDIMENTO ESPECIAL. PREVALÊNCIA AO RITO COMUM DO CPP.
CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CONFIGURADO. 1. O artigo 394 da Lei Processual Penal dispõe que "o procedimento será comum ou
especial", o que significa dizer que o procedimento comum é o utilizado, como regra, para a maioria das infrações penais, salvo quando
existir, seja em lei especial, seja no próprio Código, procedimento específico, que é o caso em apreço, porquanto o paciente responde pelo
delito de tráfico de entorpecentes, cujo rito processual é atualmente disciplinado na Lei nº 11.343/06. 2. Em estrita observância ao princípio
da especialidade, existindo procedimento próprio para a apuração do delito cometido pelo paciente – tráfico de substância entorpecente –,
afastam-se as regras do procedimento comum ordinário previstas no Código de Processo Penal, cuja aplicação pressupõe, por certo, a
ausência de regramento específico para a hipótese. 3. Não há que se falar no presente caso em aplicação das alterações promovidas pela
Lei nº 11.719/08 a ensejar eventual nulidade do processo por inversão no rito processual. [...] (HC 201000759868, JORGE MUSSI, STJ -
QUINTA TURMA, DJE DATA:29/08/2011).
365HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. NULIDADES NÃO-APRECIADAS PELA CORTE DE ORIGEM. SUPRESSÃO DE
INSTÂNCIA. RITO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE DEFESA PRÉVIA ANTES DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. PREJUÍZO NÃO-DEMONSTRADO.
ADOÇÃO DO RITO ORDINÁRIO PREVISTO NA LEI Nº 11.719/2008. MAIOR DENSIDADE AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DO DEVIDO
PROCESSO LEGAL. NULIDADE NÃO-RECONHECIDA. DIREITO DE APELAR EM LIBERDADE. VEDAÇÃO LEGAL. INCONSTITUCIONALIDADE. RISCO
À ORDEM PÚBLICA. GRANDE QUANTIDADE DE DROGA. RÉU PERTENCENTE A QUADRILHA FORTEMENTE ARMADA E ESTRUTURADA.
REVELIA MANIFESTADA DURANTE A PERSECUÇÃO PENAL. ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA E NESTA EXTENSÃO DENEGADA. [...] 2.
Tráfico ilícito de entorpecentes. Rito ordinário. Inviável acolher-se a pretensão de anulação do feito devido ao descumprimento do rito
previsto na Lei nº 11.343/06, que prescreve a notificação para a apresentação de defesa prévia antes do recebimento da denúncia pelo
magistrado, se no curso do processo for garantido ao réu oportunidade de ampla defesa, em respeito ao princípio constitucional do devido
processo legal, e não restou demonstrado o prejuízo. 3. A roupagem do rito ordinário adotado na persecução penal, em análise, é a prevista
na Lei nº 11.719/2008, que concedeu maior densidade aos princípios do contraditório e do devido processo legal, especialmente, por
prever o oferecimento de resposta prévia antes do recebimento da denúncia, bem como por projetar o interrogatório à condição de último
ato de instrução processual. 4. O art. 394, § 4°, do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei nº 11.719/2008, preceitua que
"as disposições dos arts. 395 a 398 deste Código aplicam-se a todos os procedimentos penais de primeiro grau, ainda que não regulados
neste Código", razão pela qual a adoção do rito ordinário, na espécie, não pode ensejar nulidade, haja vista que o procedimento do Código
de Processo Penal aplica-se, inclusive, pelo menos neste aspecto, aos ritos das Leis Especiais. [...] (HC 201101363062, VASCO DELLA
GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), STJ - SEXTA TURMA, DJE DATA:17/11/2011).
366A audiência deverá ser realizada em até trinta dias, salvo se determinada a realização de avaliação para atestar dependência de drogas,

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assistente, se for o caso, além de requisitar os laudos periciais pertinentes (art. 56). Essa iniciativa
probatória do magistrado deve ser adotada com parcimônia.
A instrução deve seguir a seguinte ordem: a) interrogatório do acusado; b) inquirição das
testemunhas de acusação; c) inquirição das testemunhas de defesa.
A lei, nesse particular, afastou-se da tendência de se considerar o interrogatório como meio
eminentemente de defesa, colocando-o em primeiro lugar. Apesar disso, a jurisprudência tem
aceitado a aplicação do rito especial, mesmo após a minirreforma produzida no CPP, em atenção ao
princípio da especialidade367. O STF conta com decisões recentes nesse sentido368.
Concluída a instrução, passa-se à fase das alegações finais, dispondo as partes, primeiro a
acusação, de vinte minutos, prorrogável por mais dez minutos, a critério do juiz. Encerrados os
debates, a sentença deve ser proferida de imediato, ou em até dez dias, neste caso, em gabinete.
A Lei 12.961, de 4 de abril de 2014, revogou os §§ 1º e 2º do art. 58 da Lei 11.343/2006,
visando a aprimorar a destinação das drogas apreendidas, estabelecendo prazos diferenciados para a
destruição, conforme tenha ou não ocorrido prisão em flagrante369.
A Lei de Drogas também prevê a possibilidade da adoção de medidas cautelares, visando à
apreensão e arrecadação de bens do acusado, nos termos dos arts. 60 a 62, devendo o juiz, se for o
caso, decretar o respectivo perdimento dos bens em favor da União, dando a eles a destinação
necessária, conforme determina o art. 63 da Lei 11.343/06. Nesses casos, a prova acerca da origem
lícita caberá ao réu, conforme disposição dos §§ 1º e 2º do artigo 60.
Por fim, o art. 59 trouxe regra inconstitucional, semelhante à anteriormente prevista no art.
594 do CPP, atualmente revogado, razão pela qual não pode ser aplicada.

10.4.6 CRIMES CONTRA A ECONOMIA POPULAR

quando o prazo será ampliado para noventa dias.


367PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. ASSOCIAÇÃO AO TRÁFICO. NULIDADE ABSOLUTA. INOBSERVÂNCIA DO ART. 400 DO CPP COM A
NOVA REDAÇÃO CONFERIDA PELA LEI N° 11.719/08. NÃO OCORRÊNCIA. RITO PRÓPRIO DA LEI 11.343/2006. INTERROGATÓRIO DO RÉU NO
INÍCIO DA INSTRUÇÃO. PRISÃO. EXCESSO DE PRAZO. SENTENÇA CONDENATÓRIA PROFERIDA. ORDEM DENEGADA. I. Nos termos do art. 394,
§ 2º, do Código de Processo Penal, o procedimento comum aplica-se a todos os processos, salvo disposições em contrário previstas no
próprio Código ou em lei especial. II. Hipótese em que a instrução processual foi promovida nos termos da Lei 11.343/2006, que possui rito
próprio e que prevê, em seu art. 57, que o interrogatório do acusado inaugura a audiência de instrução. III. Se o interrogatório foi realizado
nos termos estabelecidos no rito especial da Lei de Drogas, não há nulidade a ser declarada por inobservância do art. 400 do CPP. IV. Com a
prolação da sentença condenatória, encontra-se superada a alegação de excesso de prazo. V. Ordem denegada. (HC 179002/RJ, Rel. Ministro
GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 15/12/2011, DJe 01/02/2012).
368PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. HABEAS CORPUS CONTRA DECISÃO LIMINAR DE MINISTRO DE TRIBUNAL
SUPERIOR. ENUNCIADO Nº 691 DA SÚMULA DO STF. MOMENTO PROCESSUAL DO INTERROGATÓRIO. NULIDADE. INEXISTÊNCIA. LEI DE
DROGAS. RITO PRÓPRIO. 1. O Supremo Tribunal Federal sedimentou o entendimento segundo o qual não é cabível habeas corpus contra
decisão que indefere medida cautelar no bojo de idêntico remédio constitucional na instância inferior, ex vi do enunciado nº 691 da Súmula
do STF: “não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do relator que, em habeas corpus
requerido a tribunal superior, indefere a liminar”. 2. A alteração promovida pela Lei nº 11.719/2008 não alcança os crimes descritos na Lei
11.343/2006, em razão da existência de rito próprio normatizado neste diploma legislativo. 3. A jurisprudência desta Corte é pacífica no
sentido de que as novas disposições do Código de Processo Penal sobre o interrogatório não se aplicam a casos regidos pela Lei das Drogas.
Precedentes: ARE 823822 AgR, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 12/08/2014; HC 122229, Relator(a): Min.
RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 13/05/2014. 4. In casu, a realização de interrogatório no início da instrução processual
não enseja constrangimento ilegal a ser sanado na via do habeas corpus, notadamente quando ainda pendente de análise, impetração na
instância a quo. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (HC 125094 AgR, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em
10/02/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-041 DIVULG 03-03-2015 PUBLIC 04-03-2015).
369Art. 50. [...] § 3o Recebida cópia do auto de prisão em flagrante, o juiz, no prazo de 10 (dez) dias, certificará a regularidade formal do
laudo de constatação e determinará a destruição das drogas apreendidas, guardando-se amostra necessária à realização do laudo
definitivo. (Incluído pela Lei nº 12.961, de 2014) § 4o A destruição das drogas será executada pelo delegado de polícia competente no prazo
de 15 (quinze) dias na presença do Ministério Público e da autoridade sanitária. (Incluído pela Lei nº 12.961, de 2014) § 5o O local será
vistoriado antes e depois de efetivada a destruição das drogas referida no § 3o, sendo lavrado auto circunstanciado pelo delegado de
polícia, certificando-se neste a destruição total delas. (Incluído pela Lei nº 12.961, de 2014) Art. 50-A. A destruição de drogas apreendidas
sem a ocorrência de prisão em flagrante será feita por incineração, no prazo máximo de 30 (trinta) dias contado da data da apreensão,
guardando-se amostra necessária à realização do laudo definitivo, aplicando-se, no que couber, o procedimento dos §§ 3o a 5o do art.
50. (Incluído pela Lei nº 12.961, de 2014).

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Os crimes contra a economia popular estão definidos na Lei 1.521, de 26 de dezembro de 1951370.
Segundo dispõe o art. 10, deverá ser adotado o rito sumário previsto no Código de Processo Penal.
Apesar da remissão ao CPP, a Lei 1.521/51 fixou prazos diferenciados para a conclusão do
inquérito policial (dez dias), o oferecimento de denúncia (dois dias) e a tramitação da ação penal até
a sentença (trinta dias)371.

10.4.7 CRIMES DE IMPRENSA


Diante da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, nos autos da ADPF 130/DF372, na
qual se declarou a não recepção da Lei de Imprensa (Lei 5.250/67), toda a matéria criminal passou a
ser regida pelo próprio Código Penal373. Em razão disso, remete-se o leitor ao capítulo pertinente ao
procedimento envolvendo os crimes contra a honra.

10.4.8 CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL


Os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional são tipicamente de competência da Justiça
Federal (art. 109, VI, da CF e art. 26 da Lei 7.492/86).
O procedimento adotado será o comum, sendo o rito fixado conforme a pena máxima
cominada.
A lei traz algumas normas específicas, entre elas a que prevê a possibilidade de haver
assistência da Comissão de Valores Mobiliários – CVM ou do Banco Central do Brasil – BACEN,

370 Vale lembrar que algumas das infrações penais ali previstas já foram posteriormente tipificadas em outras leis, tais como a Lei 7.492/86,
que trata dos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, o CDC, ou, ainda, a Lei 8.137/90, que cuida dos crimes contra a ordem
econômica. Portanto, deve-se ter cuidado na sua análise.
371A lei também criou o Júri de Economia Popular, instituído para julgar as infrações penais descritas no art. 2º, cuja organização e
funcionamento estão disciplinados a partir do art. 13. Apesar de a CF de 1946 ter permitido que a lei estabelecesse outras hipóteses de
competência do júri popular (art. 141, § 28), além dos crimes dolosos contra a vida, o JEP não foi recepcionado pela EC 1/69, que limitou a
competência do júri aos crimes dolosos contra a vida.
372EMENTA: ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF). LEI DE IMPRENSA. ADEQUAÇÃO DA AÇÃO. REGIME
CONSTITUCIONAL DA "LIBERDADE DE INFORMAÇÃO JORNALÍSTICA", EXPRESSÃO SINÔNIMA DE LIBERDADE DE IMPRENSA. A "PLENA"
LIBERDADE DE IMPRENSA COMO CATEGORIA JURÍDICA PROIBITIVA DE QUALQUER TIPO DE CENSURA PRÉVIA. A PLENITUDE DA LIBERDADE
DE IMPRENSA COMO REFORÇO OU SOBRETUTELA DAS LIBERDADES DE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO, DE INFORMAÇÃO E DE
EXPRESSÃO ARTÍSTICA, CIENTÍFICA, INTELECTUAL E COMUNICACIONAL. LIBERDADES QUE DÃO CONTEÚDO ÀS RELAÇÕES DE IMPRENSA E
QUE SE PÕEM COMO SUPERIORES BENS DE PERSONALIDADE E MAIS DIRETA EMANAÇÃO DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA
HUMANA. O CAPÍTULO CONSTITUCIONAL DA COMUNICAÇÃO SOCIAL COMO SEGMENTO PROLONGADOR DAS LIBERDADES DE
MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO, DE INFORMAÇÃO E DE EXPRESSÃO ARTÍSTICA, CIENTÍFICA, INTELECTUAL E COMUNICACIONAL.
TRANSPASSE DA FUNDAMENTALIDADE DOS DIREITOS PROLONGADOS AO CAPÍTULO PROLONGADOR. PONDERAÇÃO DIRETAMENTE
CONSTITUCIONAL ENTRE BLOCOS DE BENS DE PERSONALIDADE: O BLOCO DOS DIREITOS QUE DÃO CONTEÚDO À LIBERDADE DE IMPRENSA
E O BLOCO DOS DIREITOS À IMAGEM, HONRA, INTIMIDADE E VIDA PRIVADA. PRECEDÊNCIA DO PRIMEIRO BLOCO. INCIDÊNCIA A
POSTERIORI DO SEGUNDO BLOCO DE DIREITOS, PARA O EFEITO DE ASSEGURAR O DIREITO DE RESPOSTA E ASSENTAR RESPONSABILIDADES
PENAL, CIVIL E ADMINISTRATIVA, ENTRE OUTRAS CONSEQUÊNCIAS DO PLENO GOZO DA LIBERDADE DE IMPRENSA. PECULIAR FÓRMULA
CONSTITUCIONAL DE PROTEÇÃO A INTERESSES PRIVADOS QUE, MESMO INCIDINDO A POSTERIORI, ATUA SOBRE AS CAUSAS PARA INIBIR
ABUSOS POR PARTE DA IMPRENSA. PROPORCIONALIDADE ENTRE LIBERDADE DE IMPRENSA E RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS
MORAIS E MATERIAIS A TERCEIROS. RELAÇÃO DE MÚTUA CAUSALIDADE ENTRE LIBERDADE DE IMPRENSA E DEMOCRACIA. RELAÇÃO DE
INERÊNCIA ENTRE PENSAMENTO CRÍTICO E IMPRENSA LIVRE. A IMPRENSA COMO INSTÂNCIA NATURAL DE FORMAÇÃO DA OPINIÃO
PÚBLICA E COMO ALTERNATIVA À VERSÃO OFICIAL DOS FATOS. PROIBIÇÃO DE MONOPOLIZAR OU OLIGOPOLIZAR ÓRGÃOS DE IMPRENSA
COMO NOVO E AUTÔNOMO FATOR DE INIBIÇÃO DE ABUSOS. NÚCLEO DA LIBERDADE DE IMPRENSA E MATÉRIAS APENAS
PERIFERICAMENTE DE IMPRENSA. AUTORREGULAÇÃO E REGULAÇÃO SOCIAL DA ATIVIDADE DE IMPRENSA. NÃO RECEPÇÃO EM BLOCO DA
LEI Nº 5.250/1967 PELA NOVA ORDEM CONSTITUCIONAL. EFEITOS JURÍDICOS DA DECISÃO. PROCEDÊNCIA DA AÇÃO. [...] 12. PROCEDÊNCIA
DA AÇÃO. Total procedência da ADPF, para o efeito de declarar como não recepcionado pela Constituição de 1988 todo o conjunto de
dispositivos da Lei federal nº 5.250, de 9 de fevereiro de 1967. (ADPF 130, Relator(a): Min. CARLOS BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em
30/04/2009, DJe-208 DIVULG 05-11-2009 PUBLIC 06-11-2009 EMENT VOL-02381-01 PP-00001 RTJ VOL-00213- PP-00020).
373QUEIXA-CRIME. INJÚRIA. DIFAMAÇÃO. IMPRENSA. NOVO ENQUADRAMENTO LEGAL. ARTIGOS 139 E 140 DO CÓDIGO PENAL. EXTINÇÃO
DA PUNIBILIDADE PELA PRESCRIÇÃO. 1. Diante da declaração de inconstitucionalidade da Lei 5.250/67 (ADPF 130, Rel. Min. Ayres Britto), os
fatos passaram a ter enquadramento legal exclusivamente nos artigos 139 e 140 do Código Penal. 2. O período de suspensão da vigência
dos dispositivos da lei de imprensa pelo Plenário não correspondeu à suspensão dos prazos prescricionais dos crimes nela estabelecidos.
Assim, diante do decurso de mais de quatro anos desde a data dos fatos narrados na inicial, e tendo em vista os prazos do art. 109, V e VI,
do Código Penal, consumou-se a prescrição. 3. Decretada a extinção da punibilidade dos delitos imputados ao querelado, nos termos do
art. 107, IV, do Código Penal. (Inq 2672, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 01/03/2012, ACÓRDÃO
ELETRÔNICO DJe-041 DIVULG 01-03-2013 PUBLIC 04-03-2013).

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quando o crime tiver sido praticado no âmbito de atividade sujeita à disciplina e à fiscalização da
respectiva instituição. Também determina a esses órgãos que ofereçam representação perante o
Ministério Público Federal, quando verificarem a ocorrência de crime, remetendo os documentos
necessários à persecução penal (art. 28). Providência semelhante deverá ser tomada pelo
interventor, liquidante ou síndico, no curso de intervenção, liquidação extrajudicial ou falência
(parágrafo único).
Não há possibilidade de oferecimento de ação penal privada subsidiária, em razão de o art. 27
determinar que, em caso de inércia do agente ministerial, caberá ao ofendido a representação junto
ao Procurador-Geral da República, para que este a ofereça, designe outro órgão do Ministério
Público para oferecê-la ou determine o arquivamento das peças de informação recebidas.
O poder de requisição do Ministério Público Federal, como resultado do seu poder-dever
investigatório, está previsto no art. 29, a ser utilizado sempre que imprescindível às investigações,
resguardadas as diligências que são submetidas à cláusula constitucional de reserva de jurisdição.
A prisão preventiva deverá observar a nova sistemática prevista no Código de Processo Penal,
não bastando, tão somente, a magnitude da lesão causada para justificá-la. Da mesma forma, impõe-
se uma releitura constitucional das vedações contidas no art. 31 da Lei 7.492/86.

10.4.9 CRIMES CONTRA A HONRA


Na quase totalidade das situações do cotidiano forense, os crimes contra a honra estão
sujeitos ao rito sumaríssimo, da competência dos juizados especiais, porque enquadrados como
infrações penais de menor potencial ofensivo.
Não obstante, tratar-se-á do procedimento especial previsto no Código de Processo Penal, na
medida em que não fora expressamente excluído do ordenamento jurídico pátrio, podendo em tese
ser utilizado, ainda que mais raramente.
Aplica-se o procedimento comum, com as modificações previstas nos arts. 520 a 523 do CPP.
Antes de receber a queixa, o juiz oferecerá às partes oportunidade para se reconciliarem,
fazendo-as comparecer em juízo e ouvindo-as, separadamente, sem a presença dos seus advogados,
não se lavrando termo (art. 520).
Caso o juiz perceba, de início, tratar-se de queixa inepta, deve rejeitá-la de plano, tendo em
vista que se trata de demanda penal, prevalecendo a liberdade do querelado sobre eventual
conciliação, mais relacionada com o juízo cível. O mais correto é designar a audiência de conciliação
apenas se for viável o recebimento da queixa.
Em caso de ausência de qualquer das partes, pode-se apenas concluir que não houve interesse
na conciliação, não sendo adequado colocar o ausente em situação processual desvantajosa, não
havendo sequer como falar-se em perempção (art. 60, III, do CPP), porque a relação processual ainda
não foi formada.
Havendo a conciliação, o juiz determinará a lavratura do termo de desistência, o qual será
assinado pelo querelante, procedendo-se com o arquivamento da queixa.
Segundo o art. 523, o prazo para o querelante contestar a exceção da verdade será de dois
dias, podendo ser inquiridas as testemunhas arroladas na queixa, ou outras indicadas no referido
prazo, desde que observado o limite legal estabelecido para o procedimento.
Deve-se atentar para o fato de o querelante ser ocupante de cargo, emprego, ou exercente de
função pública, para a qual o ordenamento estabeleça prerrogativa de foro, ocasião em que a
exceção da verdade deverá ser oferecida perante o órgão judicial competente para julgá-lo em caso
de cometimento de infração penal.

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10.4.10 CRIMES FALIMENTARES


O procedimento referente aos crimes falimentares estava regulamentado nos arts. 503 a 512
do Código de Processo Penal.
Com o advento da Lei 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, que regula a recuperação judicial,
extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, houve a revogação total do
Capítulo I do Título II do Livro II do Código de Processo Penal, ficando o procedimento inteiramente
regulamento pela aludida lei. O Decreto-lei 7.661/45 também foi revogado.
Assim, os arts. 183 a 188 da nova Lei de Falências tratam do procedimento penal, com
destaque para a remissão ao rito sumário previsto no CPP (art. 185), além da aplicação subsidiária do
código, naquilo que a lei especial não dispuser de modo diverso (art. 188). Considerando que a lei
não estabelece qualquer rito distinto, mas tão somente regras específicas, entende-se ser possível a
aplicação integral do rito sumário.
Entre as alterações trazidas pela referida lei, destacam-se:
• A ação penal sempre será pública incondicionada (art. 184).
• A competência será do juízo criminal do foro onde decretada a falência,
concedida a recuperação judicial ou homologado o plano de
recuperação extrajudicial (art. 183).
• O prazo para oferecimento da denúncia regula-se pelo art. 46 do
Código de Processo Penal, salvo se o Ministério Público, estando o réu
solto ou afiançado, decidir aguardar a apresentação da exposição
circunstanciada de que trata o art. 186, devendo, em seguida, oferecer
a denúncia em até quinze dias.
• A ação penal privada subsidiária da pública deve ser exercitada no
prazo decadencial de seis meses, sendo a legitimidade limitada ao
administrador judicial ou a qualquer credor habilitado. Vale lembrar que
a ação privada somente será cabível em caso de inércia do Ministério
Público.
• Não há mais inquérito judicial para apuração de crime falimentar.
Surgindo indícios da prática dos crimes previstos na nova Lei de
Falências, o juiz cientificará o Ministério Público.
• A sentença que decreta a falência, concede a recuperação judicial ou a
extrajudicial (art. 163) é condição objetiva de punibilidade das infrações
penais descritas na referida lei (art. 180).
• A prescrição começa a correr do dia da decretação da falência, da
concessão da recuperação judicial ou da homologação do plano de
recuperação extrajudicial, sendo que, nestes dois últimos casos, a
superveniência da decretação da falência interromperá o prazo
prescricional (art. 182).

10.4.11 PROCEDIMENTO DA AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA NOS TRIBUNAIS


O procedimento das ações penais originárias está previsto na Lei 8.038, de 28 de maio de
1990.
A primeira observação que deve ser feita envolve o âmbito de aplicação da referida lei. Apesar
de parecer que ela se aplica apenas no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal,

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conforme ementa nela contida, a Lei 8.658, de 26 de maio de 1993, ampliou a abrangência da Lei
8.038, para que também seja aplicada nos Tribunais de Justiça e nos Tribunais Regionais Federais.
A outra advertência é que, em razão das recentes alterações legislativas que levaram à
reformulação dos procedimentos previstos no CPP, tem-se entendido que tais mudanças não
necessariamente se aplicariam às ações penais originárias da competência dos tribunais, tendo em
vista o princípio da especialidade374. Note-se que o art. 2º determina a incidência subsidiária do
código e dos regimentos internos dos tribunais, nessa ordem. Porém, segundo sustentamos, nada
impede que determinadas alterações possam ser implementadas, notadamente se em benefício da
defesa, a exemplo do interrogatório do acusado ao final da instrução.
Em relação ao procedimento propriamente dito, o Ministério Público terá o prazo de quinze
dias para oferecer denúncia ou pedir375 arquivamento do inquérito ou das peças informativas. Se o
indiciado estiver preso, o prazo para oferecimento da denúncia é reduzido para cinco dias. A queixa
não tem prazo específico, aplicando-se o prazo decadencial comum para os crimes de ação penal
privada.
Apresentada a denúncia ou a queixa, o acusado será notificado376 para oferecer resposta no
prazo de quinze dias. Caso esteja em local incerto e não sabido, ou ainda houver tentativa de se
esquivar da diligência, a notificação será por edital, com prazo de cinco dias. Havendo apresentação
de novos documentos com a resposta, caberá a manifestação da parte autora em cinco dias. Se o
Ministério Público estiver atuando como fiscal da lei, nas hipóteses de crime de ação penal privada,
fará seu pronunciamento após as partes, em igual prazo.
Em seguida, o tribunal deliberará o recebimento, a rejeição da denúncia ou da queixa, ou a
improcedência da acusação, se a decisão não depender de outras provas, sendo facultada
sustentação oral pelo prazo de quinze minutos, primeiro à acusação, depois à defesa.
Deve-se ressaltar que a interrupção do prazo prescricional ocorre com a proclamação do
resultado do julgamento na própria sessão, não se aplicando, para esse fim, a data de publicação do
acórdão na imprensa oficial377.
Superada a fase inicial com o recebimento da denúncia ou da queixa, o relator378 designará dia
e hora para o interrogatório, mandando citar o acusado ou querelado e intimar o órgão do Ministério

374 Informativo 505/STJ: “Não é cabível, em se tratando de ação penal originária submetida ao procedimento especial da Lei nº 8.038/1990,
que seja assegurado ao acusado citado para a apresentação da defesa prévia prevista no art. 8º da Lei nº 8.038/1990 o direito de se
manifestar nos moldes preconizados no art. 396-A do CPP, com posterior deliberação acerca de absolvição sumária prevista no art. 397 do
CPP. As regras dos arts. 395 a 397 do CPP já se encontram implícitas no procedimento previsto na Lei nº 8.038/1990, considerando que, após
o oferecimento da denúncia e a notificação do acusado para resposta preliminar (art. 4º), o relator pedirá dia para que o Tribunal delibere
sobre o recebimento, a rejeição da denúncia ou da queixa, ou a improcedência da acusação, se a decisão não depender de outras provas
(art. 6º). Assim, nenhum prejuízo sofre a defesa, já que o referido art. 6º impõe ao órgão colegiado o enfrentamento de todas as teses
defensivas que possam culminar na improcedência da acusação (igual ao julgamento antecipado da lide; art. 397 do CPP) ou na rejeição da
denúncia (art. 395 do CPP). Noutras palavras, o acusado, em sua resposta preliminar (art. 4º), poderá alegar tudo o que interesse à sua
defesa, juntar documentos e apresentar justificações. Não é por outra razão que o art. 5º da Lei nº 8.038/1990 estabelece que, se, com a
resposta, forem apresentados novos documentos, será intimada a parte contrária para sobre eles se manifestar. Nessa linha de
consideração, o Plenário do STF, no julgamento do AgRg na AP 630-MG, DJe 22/3/2012, registrou que "tanto a absolvição sumária do art. 397
do CPP, quanto o art. 4º da Lei nº 8.038/1990, em termos teleológicos, ostentam finalidades assemelhadas, ou seja, possibilitar ao acusado
que se livre da persecução penal". Dessa forma, não se justifica a superposição de procedimentos – comum e especial – visando a
finalidades idênticas. Precedente citado do STF: AP 630 AgR-MG, DJe 21/3/2012. AgRg na APN 697-RJ, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, julgado
em 3/10/2012”.
375Como já foi dito, o Ministério Público não “pede” arquivamento de inquérito policial. A decisão final sobre oferecer ou não a denúncia é
sempre sua, cabendo ao juiz apenas a função de fiscal do princípio da obrigatoriedade da ação penal pública. Aliás, cuida-se de atribuição
completamente anômala e sem fundamento constitucional na vigência da atual Carta. Poder-se-ia simplesmente adotar a solução já
existente no ordenamento para os casos de arquivamento de inquérito civil (art. 9º da Lei 7.347/85). De qualquer forma, a providência do
art. 28 do CPP ainda faz parte do cotidiano forense.

377O Supremo Tribunal Federal tem reiteradamente entendido nesse sentido. Um dos precedentes mais antigos, talvez o primeiro, foi o
julgamento do HC 49.763, relatado pelo então Ministro Bilac Pinto (RTJ 62/56).
378 O relator é escolhido conforme disciplinar o regimento interno do tribunal. Na sua atuação, como juiz da instrução, terá as atribuições que a legislação
processual confere aos juízes singulares, tais como decretar prisões e outras medidas cautelares. A lei ainda permite que o relator possa

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Público, bem como o querelante ou o assistente, se for o caso. Segundo defendemos no início deste
tópico, é possível postergar o interrogatório para o final, medida que potencializaria o princípio do
contraditório, porque o acusado teria maiores condições de dimensionar a sua autodefesa, conforme
o desencadeamento das provas até então produzidas.
O prazo para defesa prévia será de cinco dias, contado do interrogatório ou da intimação do
defensor dativo.
Segundo dispõe o art. 9º, a instrução obedecerá, no que couber, o procedimento comum do
Código de Processo Penal, sendo permitida a delegação da realização do interrogatório ou de outro
ato da instrução ao juiz ou membro de tribunal com competência territorial no local de cumprimento
da carta de ordem379.
Concluída a produção de prova oral, serão intimadas a acusação e a defesa, para requerimento
de diligências no prazo de cinco dias. Apesar de a lei silenciar, o prazo deve ser sucessivo. O relator
também pode determinar de ofício a realização de diligências, caso as considere necessárias.
Superada a fase de diligências, a acusação e a defesa serão intimadas para apresentarem, no
prazo de quinze dias, alegações escritas. Havendo pluralidade no polo ativo ou passivo, o prazo será
comum. Apesar disso, nada impede que o relator discipline de modo diverso, desde que mantenha a
paridade de armas e não diminua os prazos previstos em lei. Se a ação penal for privada, o Ministério
Público emitirá seu parecer após as alegações das partes, em igual prazo.
Mesmo após a fase de alegações, ainda é possível a realização de provas reputadas
imprescindíveis para o julgamento da causa.
O julgamento seguirá o que for determinado pelo regimento interno, devendo ser observado
que a acusação e a defesa disporão do prazo sucessivo de uma hora para sustentação oral,
assegurado ao assistente um quarto do tempo da acusação.
Em relação à publicidade do ato, apesar de a lei conferir ao presidente o poder de limitar a
presença no recinto às partes e seus advogados, ou somente a estes, se o interesse público exigir,
deve-se interpretar tal regra com parcimônia, a fim de se evitar julgamentos secretos, sem que não
haja razão idônea para tanto.

10.4.12 OS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS NA JUSTIÇA FEDERAL


A Lei 9.099/95, que criou os juizados especiais criminais, trouxe um novo modelo de justiça
penal para o nosso ordenamento jurídico, qual seja, o da justiça penal consensual.
Passados vinte anos da sua criação, constata-se o acerto do legislador na adoção das medidas
despenalizadoras ali previstas, tais como a composição dos danos civis, a transação penal e a
suspensão condicional do processo, esta última não exclusiva dos crimes de menor potencial
ofensivo.
No âmbito da Justiça Federal, a criação dos juizados especiais federais ocorreu com a Lei
10.259, de 12 de julho de 2001, em vigor seis meses após a data de sua publicação. Essa lei ampliou o
conceito de crime de menor potencial ofensivo, aumentando a pena máxima para dois anos,
independentemente de haver procedimento especial.

monocraticamente determinar o arquivamento do inquérito ou de peças informativas, e decretar a extinção da punibilidade, nos casos previstos no
ordenamento.
379 Fruto de inovação da Lei 12.019/2009, poderá haver a convocação de desembargadores de Turmas Criminais dos Tribunais de Justiça ou
dos Tribunais Regionais Federais, bem como de juízes de varas criminais da Justiça dos Estados e da Justiça Federal, pelo prazo de 6 (seis)
meses, prorrogável por igual período, até o máximo de 2 (dois) anos, para a realização do interrogatório e de outros atos da instrução, na
sede do tribunal ou no local onde se deva produzir o ato.

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No caso específico dos juizados especiais criminais, o art. 73 da Lei 9.099/95 estabelece que a
conciliação será conduzida pelo juiz ou por conciliador380 sob sua orientação. Já o art. 60 fala em
juízes togados e leigos. Eis a grande controvérsia que gira em torno do tema: o limite de atuação do
conciliador e do juiz leigo381.
Em relação ao conciliador, entende-se que o limite foi fixado pelo legislador, ao permitir, ainda que
implicitamente, a atuação do conciliador no juizado criminal apenas na fase de conciliação.
Nesse sentido, havida a conciliação, o conciliador deverá submetê-la à apreciação do juiz,
porque a consequência imediata da homologação da conciliação é a renúncia ao direito de queixa ou
de representação (art. 74, parágrafo único, da Lei 9.099/95), enquanto que a consequência mediata
é a própria extinção da punibilidade do suposto autor do fato. Este ato, de conteúdo nitidamente
decisório, não pode ser praticado pelo conciliador. Somente ao juiz foi atribuído o poder-dever de
declarar a extinção da punibilidade.
Superada sem sucesso a fase da composição dos danos civis, o juiz então deveria
necessariamente assumir o controle da audiência. Isso porque, a partir da transação penal, já se
discute a possibilidade de aplicação imediata de pena restritiva de direitos, nos termos do art. 76 da
Lei 9.099/95.
A Lei 10.259/01 pouco dispôs sobre o conciliador nos juizados especiais federais. Limitou-se a
determinar que o juiz presidente do juizado designará os conciliadores pelo período de dois anos,
admitida a recondução (art. 18). Isso, entretanto, não seria necessariamente um empecilho, porque
o propósito da lei foi justamente o de regulamentar apenas as questões que diferenciariam o juizado
especial federal do estadual. Logo, se a lei silenciou, busca-se a fonte normativa na Lei 9.099/95.
Quanto ao juiz leigo, figura não expressamente contemplada pela Lei 10.259/01382, haveria a
possibilidade de a audiência preliminar ser conduzida pelo referido auxiliar até o final, ficando a
decisão acerca da homologação da transação penal restrita ao magistrado, tal como já ocorre na
composição civil.
O principal argumento utilizado é o de que, tendo a lei silenciado acerca do papel do juiz leigo
no juizado criminal (art. 60), valeria o disposto nos arts. 37 e 40 da Lei 9.099/95, ficando as decisões
mais relevantes submetidas ao crivo do juiz. Somente dessa forma estaria havendo, de fato, a
multiplicação da força de trabalho do magistrado, objetivo maior do legislador, ao permitir a atuação
do conciliador e do juiz leigo.
Pretendia-se que ao juiz leigo fosse permitido, inclusive, conduzir atos de instrução, o que
contribuiria para um maior alcance dos objetivos da lei. Porém, a sua atuação estaria circunscrita à
audiência preliminar383.

10.4.13 PROCEDIMENTO APLICÁVEL À LEI MARIA DA PENHA (LEI Nº


11.340/06)

380 Os conciliadores são auxiliares da justiça, recrutados, na forma da lei local, preferentemente entre bacharéis em Direito, excluídos os
que exerçam funções na administração da justiça criminal.
381 A diferença entre o conciliador e o juiz leigo está prevista no art. 7º: “Os conciliadores e Juízes leigos são auxiliares da Justiça,
recrutados, os primeiros, preferentemente, entre os bacharéis em Direito, e os segundos, entre advogados com mais de cinco anos de
experiência”.
382 Há projeto de lei em tramitação no Congresso Nacional, visando à alteração do art. 18 da Lei 10.259/01, que estabelece os requisitos
para designação de juízes leigos e conciliadores nos juizados especiais. Trata-se do PL 1.320/2011, que, na época do acesso,encontrava-se na
Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público (CTASP), com parecer pela aprovação. Link para acompanhamento:
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=501800. Quando da realização da 2ª edição desta obra,
constatou-se que houve aprovação na CTASP. Atualmente encontra-se na CCJC.
383 A Resolução CNJ 174, de 12 de abril de 2013, atualmente regulamenta o assunto no âmbito dos Juizados Especiais dos Estados e do
Distrito Federal, estabelecendo diretrizes gerais, tais como forma de recrutamento, remuneração, duração do vínculo, com destaque para o
fato de tais profissionais estarem expressamente autorizados a apresentar projeto de sentença, sujeito à homologação pelo juiz togado,
sempre sob a supervisão deste. Entretanto, permanece a celeuma envolvendo a possibilidade de atuação do juiz leigo no juizado criminal.

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Sob os auspícios da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação
contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência
contra a Mulher, a Lei nº 11.340/06 dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e
Familiar contra a Mulher e institui regras e procedimentos destinados à proteção da mulher.
Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, órgão da jurisdição comum
ordinária, terão competência cível e criminal para o processo, o julgamento e a execução das causas
decorrentes da prática desse tipo de violência.
As normas protetivas da Lei nº 11.340/06 aplicam-se às mulheres vítimas de violência
doméstica e familiar, que é conceituada pela lei como qualquer ação ou omissão baseada no gênero
que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial (i)
no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas,
com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; (ii) no âmbito da família,
compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados,
unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; (iii) em qualquer relação íntima de
afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de
coabitação.
O artigo 41 dispõe que aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a
mulher não se aplicam as disposições da Lei nº 9099/95. Disso decorre a desnecessidade de
representação para a apuração de crime de lesões corporais leves e a inaplicabilidade de suspensão
condicional do processo e transação penal aos delitos sujeitos ao rito da Lei Maria da Penha384.
A lei prevê ainda medidas protetivas de urgência que obrigam o agressor e que protegem a
ofendida.
Dentre as medidas destinadas ao agressor, encontram-se: a suspensão da posse ou restrição
do porte de armas; o afastamento do local de convivência com a ofendida; a proibição de
aproximação e contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas, e de frequentação de
determinados lugares; a restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores; a prestação de
alimentos provisionais ou provisórios.
Como medidas para a proteção da vítima, menciona a lei a possibilidade de encaminhar a
ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento;
determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo domicílio, após
afastamento do agressor;determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos
relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos;determinar a separação de corpos.

10.3.14 PROCEDIMENTO APLICÁVEL À APURAÇÃO DE ATOS INFRACIONAIS


Os fatos previstos como crimes ou contravenções penais, quando praticados por menores de
18 (dezoito) anos e maiores de 12 (doze) anos, são considerados atos infracionais e estão sujeitos à
aplicação de medidas sócio-educativas, cujo procedimento para apuração é detalhado na Lei nº
8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente). Sinteticamente, pode-se resumir o procedimento
nos seguintes atos:
1) Quando apreendido em flagrante (art. 172), o adolescente é encaminhado à
delegacia especializada, devendo sua família ou responsáveis ser
imediatamente comunicados (art. 107). Comparecendo o responsável, será
avaliada a gravidade do ato infracional e sua repercussão social, que caso

384Súmula 542 do STJ. A ação penal relativa ao crime de lesão corporal resultante de violência doméstica contra a mulher é pública
incondicionada.
Súmula 536 do STJ. A suspensão condicional do processo e a transação penal não se aplicam na hipótese de delitos sujeitos ao rito da Lei
Maria da Penha.

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constatadas autorizarão a internação provisória do adolescente. Caso
contrário, o adolescente será prontamente liberado pela autoridade policial,
sob termo de compromisso e responsabilidade de sua apresentação ao
representante do Ministério Público, no mesmo dia ou, sendo impossível, no
primeiro dia útil imediato (art. 174).

2) Em seguida, o adolescente é ouvido informalmente pelo Ministério Público. O


mesmo ocorre no caso de ausência de apreensão em flagrante, em que a
investigação é remetida pela autoridade policial ao Ministério Público. Na
oitiva, o Ministério Público decidirá pelo arquivamento da investigação, pela
aplicação de remissão ou pela apresentação de representação ao juízo
competente (equivalente à denúncia).

3) No caso do oferecimento de remissão com ou sem aplicação cumulativa de


medida sócio-educativa, o acordo será homologado pelo juiz (art. 181, §§1º e
2º). Em caso de discordância, aplica-se analogicamente o artigo 28 do CPP.

4) Apresentada representação, o juiz, ao recebê-la, decidirá sobre a decretação


ou não de internação provisória e designará audiência de apresentação. Ouvir-
se-á o adolescente e seus responsáveis, podendo o juiz aplicar remissão (art.
188) cumulando ou não a aplicação de medida sócio-educativa.

5) Sendo o fato grave, a autoridade judiciária, verificando que o adolescente não


possui advogado constituído, nomeará defensor, designando, desde logo,
audiência em continuação, podendo determinar a realização de diligências e
estudo do caso.
6) Finda a audiência em continuação, o juiz proferirá sentença, julgando
procedente ou improcedente o pedido do Ministério Público e aplicando, no
caso de procedência, alguma das medidas sócio-educativas previstas no art.
112 ( I - advertência; II - obrigação de reparar o dano; III - prestação de serviços
à comunidade; IV - liberdade assistida; V - inserção em regime de semi-
liberdade; VI - internação em estabelecimento educacional; VII- qualquer das
medidas de proteção).

Quanto ao sistema recursal, o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê a adoção do


Código de Processo Civil, inclusive nos procedimentos de apuração de ato infracional, com as
seguintes adaptações:
a) os recursos serão interpostos independentemente de preparo;

b) em todos os recursos, salvo nos embargos de declaração, o prazo para o Ministério


Público e para a defesa será sempre de 10 (dez) dias;

c) os recursos terão preferência de julgamento e dispensarão revisor;

d) antes de determinar a remessa dos autos à superior instância, no caso de apelação,


ou do instrumento, no caso de agravo, a autoridade judiciária proferirá despacho
fundamentado, mantendo ou reformando a decisão, no prazo de cinco dias;

e) mantida a decisão apelada ou agravada, o escrivão remeterá os autos ou o


instrumento à superior instância dentro de vinte e quatro horas,
independentemente de novo pedido do recorrente; se a reformar, a remessa dos
autos dependerá de pedido expresso da parte interessada ou do Ministério Público,
no prazo de cinco dias, contados da intimação.

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SENTENÇA
SENTENÇAS. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA E
CONDENATÓRIA.MUTATIO LIBELLI E EMENDATIO LIBELLI.
PUBLICAÇÃO E INTIMAÇÃO DA SENTENÇA. FIXAÇÃO DA PENA.

A sentença é o ato judicial mais relevante a ser praticado pelo juiz. É a resposta efetiva à
demanda penal posta sob a apreciação do órgão judicial. Vale dizer, o mérito da pretensão punitiva é
analisado, concluindo o juiz pela condenação ou absolvição385 do acusado386.
Tratando-se efetivamente de apreciação do caso penal, a fundamentação necessariamente
passará pela análise da existência da infração penal e da autoria, bem como pelas consequências
jurídico-penais dela decorrentes.
A estrutura formal da sentença está disciplinada no art. 381 do Código de Processo Penal,
segundo o qual conterá: a) os nomes das partes ou, quando não possível, as indicações necessárias
para identificá-las; b) a exposição sucinta da acusação e da defesa; c) a indicação dos motivos de fato
e de direito em que se fundar a decisão; d) a indicação dos artigos de lei aplicados; e) o dispositivo; e
f) a data e a assinatura do juiz.
Em razão de apreciar efetivamente o mérito da ação penal, o recurso cabível será
necessariamente a apelação (art. 593, I).

11.1 SENTENÇA ABSOLUTÓRIA


A sentença que absolve o acusado, de acordo com o art. 386 do CPP, deverá conter no
dispositivo um dos seguintes fundamentos387:
• Estar provada a inexistência do fato – Neste caso, que já é autoexplicativo, fica
provado que o fato não ocorreu. Apesar de não ser necessariamente ônus da
defesa, esta pode lograr êxito nesse sentido. Há repercussão da sentença penal
nas outras esferas, devendo a decisão do juízo criminal prevalecer sobre as
demais.
• Não haver prova da existência do fato – Aqui, o autor da ação penal não se
desincumbiu adequadamente do seu ônus. Como é sabido, a distribuição do ônus
da prova constitui técnica de julgamento, devendo pesar sobre a acusação a
responsabilidade por não ter comprovado a ocorrência do fato narrado na inicial.
Não há repercussão em outras instâncias, justamente porque o fato não ficou
devidamente esclarecido.

385A sentença absolutória imprópria também pode ser incluída na referida classificação, tendo em vista que o juiz necessariamente deverá
analisar a questão de fundo propriamente dita.
386 Nesse sentido, não é correto adotar a nomenclatura de sentença de pronúncia, porque o juiz não estará definindo a condenação ou a
absolvição do acusado. Não há coisa julgada.
387Poder-se-ia até dizer que houve um pequeno equívoco do legislador, na medida em que determinou a inclusão de fundamento da
decisão no próprio dispositivo. Contudo, a utilidade é patente, por conta da repercussão da sentença penal em outras esferas, como se verá
adiante, facilitando-se também a correta manutenção dos registros criminais.

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• Não constituir o fato infração penal – A absolvição, nesse caso, não advém da
atividade probatória eficiente ou deficiente. O fato foi devidamente esclarecido. O
juiz absolve o acusado por ausência de repercussão na esfera penal, pela
atipicidade formal ou material da conduta. Contudo, poderá haver consequências
em outras instâncias não penais, vale dizer, o mesmo fato pode ser qualificado
como um ilícito civil ou administrativo, por exemplo.
• Estar provado que o réu não concorreu para a infração penal – Neste caso, o
magistrado também emite juízo de certeza, mas que recai sobre a não
participação do réu na infração penal. Essa hipótese é nova, tendo sido instituída
pela Lei 11.690/2008. Trata-se da negativa de autoria, em que a defesa consegue
demonstrar a não participação do acusado. Havendo juízo de certeza, a decisão
do juízo criminal também faz coisa julgada no juízo cível.
• Não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal – As observações
que foram feitas para a não comprovação do fato também servem para esta
situação. A diferença reside tão somente no ponto em que houve a ineficiência
probatória, ou seja, em relação à autoria. Também não há repercussão em outras
esferas.
• Existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena (arts. 20,
21, 22, 23, 26 e § 1º do art. 28, todos do Código Penal), ou mesmo se houver
fundada dúvida sobre sua existência – Na primeira parte, fica reconhecida a
ocorrência de causa excludente da ilicitude (legítima defesa, estado de
necessidade, estrito cumprimento de dever legal, exercício regular de direito e o
consentimento do ofendido, este quando causa supralegal) ou da culpabilidade
(imputabilidade, potencial consciência da ilicitude do fato e exigibilidade de
conduta diversa). A novidade ficaria por conta da parte final do dispositivo, incluída
pela Lei 11.690/08, referente à fundada dúvida sobre a existência de tais
excludentes, em decorrência do in dubio pro reo. Logo, haveria uma relativização
do ônus da defesa, especificamente quanto à comprovação das excludentes de
ilicitude ou das dirimentes penais, permitindo-se a absolvição quando houver
dúvida fundada sobre a ocorrência delas no caso concreto. É errado afirmar que o
juízo de certeza sobre a ocorrência da excludente de ilicitude não faria coisa
julgada no cível. O juízo cível não poderá imiscuir-se nesta questão. Entretanto, a
definição jurídica poderá ser distinta, ou seja, mesmo atuando sob uma daquelas
excludentes, o autor do fato não se eximiria da responsabilização civil (arts. 929 e
930 do Código Civil).
• Não existir prova suficiente para a condenação – Apesar de também versar sobre
a insuficiência probatória, tal como nas hipóteses em que não houver prova da
existência da infração penal (inciso II) ou da respectiva autoria (inciso V), trata-se
de cláusula mais genérica, aplicável subsidiariamente sempre que o juiz entender
que a prova produzida não se mostra suficiente para a condenação do acusado.
Também não faz coisa julgada no juízo cível.

O parágrafo único do art. 386 determina a adoção de outras providências pelo juízo, no caso
de sentença absolutória, entre elas, a cessação imediata da privação de liberdade imposta ao
acusado. Nesse mesmo sentido, outras medidas cautelares eventualmente aplicadas também
deverão ser cessadas.
Também é prevista a aplicação de medida de segurança, no caso de sentença absolutória
imprópria (art. 386, parágrafo único, III, do CPP).

11.2 SENTENÇA CONDENATÓRIA


Além dos requisitos contidos no art. 381, que são inerentes a todas as sentenças criminais, o
art. 387 do Código de Processo Penal determina que o juiz, ao proferir sentença condenatória:

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• mencione as circunstâncias agravantes ou atenuantes definidas no
Código Penal, e cuja existência reconhecer;
• mencione as outras circunstâncias apuradas e tudo o mais que deva
ser levado em conta na aplicação da pena, de acordo com o disposto
nos arts. 59 e 60 do Código Penal;
• aplique as penas de acordo com essas conclusões;
• fixe valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração,
considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido.

A respeito das circunstâncias agravantes, o art. 385 do CPP autoriza que o juiz as reconheça,
mesmo que não tenham sido alegadas. Apesar de haver entendimento no sentido da
inconstitucionalidade da referida norma, o Supremo Tribunal Federal tem pelo menos um
precedente em sentido contrário388. De qualquer forma, parece não haver dúvidas quando a
agravante decorrer de causas eminentemente jurídicas, como, por exemplo, a reincidência, ou
quando estiver contida na narrativa da denúncia389.
No caso das atenuantes, não há qualquer vedação à aplicação de ofício, porque se daria em
benefício do acusado.
A Lei 11.719/08 atualizou a norma contida no inciso II, para corrigir a remissão à revogada
Parte Geral do Código Penal, especificamente aos arts. 59 e 60, em razão da reforma de 1984.
No caso do inciso III, não há mais referência às antigas penas acessórias.
Porém, a modificação mais relevante operou-se no inciso IV, que trata da fixação de valor
mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando-se os prejuízos sofridos pelo
ofendido. Por outro lado, surgiram diversos questionamentos a respeito da aplicação da referida
norma.
O primeiro deles refere-se à incidência sobre os processos em curso à época da vigência da Lei
11.719/08. O Superior Tribunal de Justiça registra decisões em ambos os sentidos, seja pela
aceitação390, seja pela rejeição391. Na primeira hipótese, acolhida pela Sexta Turma, defende-se que
se trata de norma de direito processual, exigindo-se, entretanto, que existam nos autos elementos

388EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. ANULAÇÃO DA SENTENÇA TRANSITADA EM JULGADO NA PARTE DA FIXAÇÃO
DA PENA. MANUTENÇÃO DA EXECUÇÃO PENAL. AGRAVANTE DO ART. 62, I DO CP. DEMONSTRAÇÃO DA RESPONSABILIDADE DA PACIENTE
NA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. [...] 2. As agravantes, ao contrário das qualificadoras, sequer precisam constar da denúncia para serem
reconhecidas pelo Juiz. É suficiente, para que incidam no cálculo da pena, a existência nos autos de elementos que as identifiquem. No caso
sob exame, consta na sentença que a paciente organizou a cooperação no crime, dirigindo a atividade criminosa. Ordem denegada. (HC
93211, Relator(a): Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 12/02/2008, DJe-074 DIVULG 24-04-2008 PUBLIC 25-04-2008 EMENT VOL-
02316-06 PP-01294 LEXSTF v. 30, n. 356, 2008, p. 449-454).
389EMENTA: - "Habeas corpus". - Improcedência das alegações de nulidade quanto à fixação da pena pela decisão condenatória. "Habeas
corpus" indeferido. (HC 74526, Relator(a): Min. MOREIRA ALVES, Primeira Turma, julgado em 04/02/1997, DJ 21-03-1997 PP-08508 EMENT
VOL-01862-02 PP-00328).
390PROCESSUAL PENAL. INDENIZAÇÃO DO ART. 387, IV, DO CPP. APLICABILIDADE À AÇÃO PENAL EM CURSO QUANDO A SENTENÇA
CONDENATÓRIA FOR PROFERIDA EM DATA POSTERIOR À VIGÊNCIA DA LEI N. 11.719/2008. 1. A regra estabelecida pelo art. 387, IV, do
Código de Processo Penal, por ser de natureza processual, aplica-se a processos em curso. 2. Inexistindo nos autos elementos que permitam
a fixação do valor, mesmo que mínimo, para reparação dos danos causados pela infração, o pedido de indenização civil não pode prosperar,
sob pena de cerceamento de defesa. 3. Recurso especial conhecido, mas improvido. (REsp 1176708/RS, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS
JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 12/06/2012, DJe 20/06/2012) (Informativo nº 499).
391RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. REPARAÇÃO CIVIL MÍNIMA. ART. 387, IV, DO CPP. IRRETROATIVIDADE. NORMA DE
DIREITO MATERIAL. FIXAÇÃO DE OFÍCIO. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE PEDIDO DO OFENDIDO E OPORTUNIDADE DE DEFESA AO RÉU.
1. A inovação legislativa introduzida pela Lei nº 11.719/2008, que alterou a redação do inciso IV, do art. 387 do Código de Processo Penal,
possibilitando que na sentença seja fixado valor mínimo para a reparação dos prejuízos sofridos pelo ofendido em razão da infração, ao
contemplar norma de direito material mais rigorosa ao réu, não pode ser aplicada a fatos praticados antes de sua vigência, como no caso
dos autos, em que a conduta delituosa ocorreu em 15/5/2003. 2. A permissão legal de cumulação de pretensão acusatória com a
indenizatória não dispensa a existência de expresso pedido formulado pelo ofendido, dada a natureza privada e exclusiva da vítima. 3. A
fixação da reparação civil mínima também não dispensa a participação do réu, sob pena de frontal violação ao seu direito ao contraditório e
à ampla defesa. 4. Recurso especial a que se nega provimento. (REsp 1206635/RS, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA,
julgado em 02/10/2012, DJe 09/10/2012).

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seguros para a fixação do valor mínimo. No segundo caso, a Quinta Turma atualmente392 entende
que se trata de norma de direito material, não podendo ter aplicação retroativa.
Entendemos que o posicionamento da Sexta Turma é o mais correto. Com efeito, não houve
qualquer inovação no campo do direito material, ou seja, a Lei 11.719/08 não criou um novo direito
para a vítima, tendo em vista que a obrigação de reparar o dano já estava prevista, nos termos do
art. 91, I, do Código Penal.
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da AP 396/RO, aplicou o disposto no art. 387, IV,
do CPP, conforme voto da então relatora, ministra Cármen Lúcia393, não obstante os fatos e a própria
denúncia terem sido anteriores à vigência da Lei 11.719/08. É possível, portanto, que se confirme o
entendimento da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça.
A outra controvérsia gira em torno da necessidade de haver ou não a manifestação do
ofendido. A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça tem precedente em que se exigiu a
referida iniciativa394.
Em se tratando de infração penal cometida contra bens, serviços ou interesses de determinado
ente público, parece não haver dúvidas quanto à desnecessidade da referida manifestação, porque o
próprio ordenamento impõe ao ente o dever de agir, com vistas à reparação do dano sofrido.
Mesmo na hipótese de crime cometido contra particular, entendemos ser desnecessária a
manifestação formal da vítima. Isso porque, trata-se de fixação de valor mínimo, de tutela mínima, a
qual não dispensará a provocação posterior da vítima, caso pretenda futuramente cobrar tais
valores, tal como já ocorria quando o juiz reconhecia a obrigação de reparar o dano causado pela
infração penal.
Em suma, o que importa é que o réu tenha tido a oportunidade efetiva de se defender395,
havendo parâmetros nos autos da ação penal para a fixação do valor.
A Lei 11.719/08 criou o parágrafo único do art. 387 do CPP, para determinar que o juiz deve
decidir, fundamentadamente, sobre a manutenção ou, se for o caso, a imposição de prisão

392 A Quinta Turma mudou o seu entendimento, porque já houve decisão no mesmo sentido do adotado pela Sexta Turma: “PENAL.
PROCESSUAL PENAL. FURTO QUALIFICADO. ABUSO DE CONFIANÇA. CONFIGURAÇÃO. AGRAVANTE. CRIME COMETIDO CONTRA VÍTIMA
COM MAIS DE 60 ANOS. INDENIZAÇÃO DO ART. 387, IV, DO CPP. INCIDÊNCIA. NORMA PROCESSUAL PENAL. AÇÃO PENAL EM CURSO.
SENTENÇA PROFERIDA APÓS A VIGÊNCIA DA LEI 11.719/2008. RECURSO PROVIDO. [...] VII. No presente caso, na sentença, proferida em
10/09/2008, isto é, quando já vigente a norma em questão, o Juiz reconheceu a incidência da nova redação do inciso IV do art. 387 do
Código de Processo Penal, fixando valor para reparação de danos causados pela infração.VIII. A norma de Direito Processual Penal se aplica
imediatamente às sentenças proferidas após a sua entrada em vigor. Sendo assim, a norma do art. 387, IV, do CPP deve ser aplicada ao
presente caso, em que a sentença condenatória foi proferida quando já vigente a lei que modificou os dispositivos da lei adjetiva penal. [...]
(REsp 1208510/RS, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 24/05/2011, DJe 15/06/2011)”.
393QUESTÃO DE ORDEM NA AÇÃO PENAL. DEPUTADO FEDERAL. RENÚNCIA AO MANDATO. ABUSO DE DIREITO: RECONHECIMENTO DA
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PARA CONTINUIDADE DO JULGAMENTO DA PRESENTE AÇÃO PENAL. DENÚNCIA. CRIMES
DE PECULATO E DE QUADRILHA. ALEGAÇÕES DE NULIDADE DA AÇÃO PENAL, DE INVESTIGAÇÃO PROMOVIDA POR ÓRGÃO DO MINISTÉRIO
PÚBLICO DE PRIMEIRO GRAU, DE OFENSA AO PRINCÍPIO DO PROMOTOR NATURAL, DE CRIME POLÍTICO, DE INÉPCIA DA DENÚNCIA, DE
CONEXÃO E DE CONTINÊNCIA: VÍCIOS NÃO CARACTERIZADOS. PRELIMINARES REJEITADAS. PRECEDENTES. CONFIGURAÇÃO DOS CRIMES DE
PECULATO E DE QUADRILHA. AÇÃO PENAL JULGADA PROCEDENTE. [...] (AP 396, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado
em 28/10/2010, DJe-078 DIVULG 27-04-2011 PUBLIC 28-04-2011 EMENT VOL-02510-01 PP-00001).
394 AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL PENAL. FURTO. ROMPIMENTO DE OBSTÁCULO. NULIDADE DO LAUDO
PERICIAL. NOMEAÇÃO DE PERITOS SEM DIPLOMA DE CURSO SUPERIOR. REPARAÇÃO PELOS DANOS CAUSADOS À VÍTIMA PREVISTA NO ART.
387, INCISO IV, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. NECESSIDADE DE SUBMISSÃO AO CONTRADITÓRIO. RECURSO ESPECIAL A QUE SE NEGOU
SEGUIMENTO. DECISÃO MANTIDA EM SEUS PRÓPRIOS TERMOS. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. [...] 3. Para que seja fixado na
sentença o valor mínimo para reparação dos danos causados à vítima, com base no art. 387, inciso IV, do Código Penal, deve haver pedido
formal nesse sentido pelo ofendido e ser oportunizada a defesa pelo réu, sob pena de violação aos princípios da ampla defesa e do
contraditório. [...] (AgRg no REsp 1186956/RS, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 18/12/2012, DJe 01/02/2013).
395Ementa: REVISÃO CRIMINAL. ALEGAÇÕES DE OFENSA À LEI PENAL, ILEGITIMIDADE E INSUFICIÊNCIA DE PROVA PARA O DECRETO
CONDENATÓRIO, INCONFORMISMO COM APLICAÇÃO DA PENA. FIXAÇÃO DE VALOR MÍNIMO DA REPARAÇÃO DE DANOS DECORRENTES DO
DELITO (ART. 387, IV, CÓDIGO DE PROCESSO PENAL). PEDIDO ACOLHIDO APENAS EM PARTE. [...] 3. Afasta-se a estipulação de valor mínimo
prevista no art. 387, IV, do Código de Processo Penal, sem prejuízo da persecução correspondente em procedimento autônomo, quando
fora de dúvida a ausência de contraditório a respeito. (RvC 5437, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, julgado em 17/12/2014,
ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-052 DIVULG 17-03-2015 PUBLIC 18-03-2015).

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preventiva ou de outra medida cautelar, sem prejuízo do conhecimento da apelação que
eventualmente vier a ser interposta.
Recentemente, a Lei 12.736, de 30 de novembro de 2012, acrescentou um novo parágrafo,
para assentar que o tempo de prisão provisória, de prisão administrativa ou de internação, no Brasil
ou no estrangeiro, será computado para fins de determinação do regime inicial de pena privativa de
liberdade. Trata-se de uma espécie de detração para fins de fixação do regime inicial do
cumprimento de pena, que deverá ser considerada pelo juiz da causa na própria sentença
condenatória.

11.2.1 INTIMAÇÃO DA SENTENÇA CONDENATÓRIA


O art. 392 do Código de Processo Penal contempla regras específicas para a intimação da
sentença penal condenatória, o que revela a importância do ato judicial do qual se pretende dar
ciência ao interessado.

Assim, a intimação da sentença será feita:


• ao réu, pessoalmente, se estiver preso;
• ao réu, pessoalmente, ou ao defensor por ele constituído, quando se
livrar solto, ou, sendo afiançável a infração, tiver prestado fiança;
• ao defensor constituído pelo réu, se este, afiançável, ou não, a
infração, expedido o mandado de prisão, não tiver sido encontrado, e
assim o certificar o oficial de justiça;
• mediante edital396, nos casos do II, se o réu e o defensor que houver
constituído não forem encontrados, e assim o certificar o oficial de
justiça;
• mediante edital, nos casos do III, se o defensor que o réu houver
constituído também não for encontrado, e assim o certificar o oficial de
justiça;
• mediante edital, se o réu, não tendo constituído defensor, não for
encontrado, e assim o certificar o oficial de justiça.

Apesar disso, impõe-se uma releitura dos dispositivos ali elencados.


Tratando-se de réu preso, não há qualquer dúvida: deverá ser pessoalmente intimado da sentença.
Na segunda hipótese, réu solto, a jurisprudência tem oscilado. Há decisões que dispensam a
dupla intimação, quando se tratar de defensor constituído, e o crime for afiançável ou o réu livrar-se
solto397; como também as que reconhecem a sua necessidade em qualquer hipótese398. Recomenda-

396 O prazo do edital será de noventa dias, se tiver sido imposta pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, e de
sessenta dias, nos outros casos (§ 1º). O prazo para apelação correrá após o término do fixado no edital, salvo se, no curso deste, sobrevier
a intimação real (§ 2º).
397PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. ART. 392 DO CPP. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PESSOAL DO
RÉU. NÃO OCORRÊNCIA DE NULIDADE. RECURSO MINISTERIAL. TEMPESTIVIDADE. REGULARIDADE RECONHECIDA PELA DEFESA. CAUSA DE
DIMINUIÇÃO DA PENA. ART. 33, § 4º, DA LEI 11.343/06. JULGAMENTO DO RECURSO EM PERÍODO DA VACATIO LEGIS. RETROAÇÃO PARCIAL
DE ARTIGO DE LEI PENAL NOVA MAIS BENÉFICA. IMPOSSIBILIDADE. ORDEM DENEGADA. 1. Nos termos do art. 392 do CPP, a intimação da
sentença só será pessoal se o réu estiver preso (inciso I). No caso de o réu se livrar solto ou nos crimes afiançáveis, sendo prestada a fiança,
a intimação será feita pessoalmente ao réu ou ao defensor por ele constituído (inciso II). 2. "Frustrada a intimação pessoal do condenado
solto, que não foi localizado no endereço constante dos autos, não configura constrangimento ilegal, passível de anulação, a intimação feita
na pessoa de seu defensor constituído" (HC 91.021/SP). [...] (HC 100692/PR, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado
em 15/06/2010, DJe 02/08/2010).
398 HABEAS CORPUS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO (ARTIGO 157, § 2º, INCISOS I E II, DO CÓDIGO PENAL). SENTENÇA CONDENATÓRIA.
INTIMAÇÃO PESSOAL INFRUTÍFERA. COMUNICAÇÃO POR EDITAL. TRÂNSITO EM JULGADO. ACUSADO. SERVIDOR PÚBLICO. DOMICÍLIO

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se a adoção do posicionamento que potencializa os princípios constitucionais do contraditório e da
ampla defesa, ou seja, intimando-se o acusado e o defensor em qualquer hipótese.
A intimação por edital deve ser utilizada apenas se forem frustradas as tentativas de
localização do réu.
Em sendo intimado o acusado e seu defensor, o prazo para interpor recurso inicia-se a partir
da última intimação.

11.2.2 PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO, EMENDATIO LIBELLI E MUTATIO LIBELLI


Já foi visto que o princípio da correlação tem aplicação completamente diferenciada no
processo penal. O réu defende-se dos fatos narrados na inicial. O pedido formulado pelo autor da
ação penal não vincula o juízo criminal, ao contrário do que em regra ocorre no processo civil399.
Assim, eventual pedido de absolvição formulado pelo Ministério Público pode não ser acolhido pelo
juízo, nos termos do art. 385 do CPP.

11.2.2.1 EMENDATIO LIBELLI


Em razão de a correlação incidir apenas sobre a narrativa fática contida na denúncia, é possível
que o juiz, sem modificá-la, atribua-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em consequência, tenha
de aplicar pena mais grave (art. 383 do CPP). É a chamada emendatio libelli.
Nessa situação, é permitido fazer a modificação na própria sentença, sem que haja
necessidade de reabrir instrução ou prazo para a defesa, tendo em vista que acusado tivera
oportunidade de se defender, ao longo da tramitação da ação penal, daquilo que contra si estava
narrado na denúncia.
A Lei 11.719/08 acrescentou dois parágrafos ao art. 383, por força de situações já consolidadas
na jurisprudência.
A primeira delas (§ 1º) ocorre quando, em decorrência da emendatio libelli, houver a
possibilidade de se conceder ao réu o benefício da suspensão condicional do processo, caso em que
o juiz não proferirá a sentença, sem antes oportunizar ao interessado a aplicação da referida medida
despenalizadora. Deverá, assim, colher a manifestação ministerial.
Se o membro do Ministério Público se recusar a formular a proposta, caberá ao juízo a
aplicação analógica do art. 28 do CPP400. De acordo com a maciça orientação jurisprudencial de
outrora, o juiz não poderia conceder a medida de ofício, por não ser direito subjetivo do réu401.

NECESSÁRIO. MEIOS DE LOCALIZÁ-LO NÃO ESGOTADOS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CARACTERIZADO. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTOS PARA
A SEGREGAÇÃO CAUTELAR. ORDEM CONCEDIDA. 1. O acusado que respondeu solto ao processo, ainda que possua defensor constituído,
deve ser intimado pessoalmente da condenação, sob pena de nulidade por violação ao princípio da ampla defesa. 2. Sendo de
conhecimento do Juízo que o acusado era servidor público estadual, nula é a sua intimação acerca da sentença condenatória realizada via
edital quando infrutífera a tentativa de intimá-lo pessoalmente no endereço declinado nos autos, já que era possível localizá-lo no local de
exercício das suas funções, mormente por se tratar do seu domicílio necessário, nos termos do artigo 76 do Código Civil. [...] (HC
163.179/ES, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 14/08/2012, DJe 30/08/2012).
399A capitulação jurídica também não vincula o juízo.
400Enunciado 696 da Súmula do STF: “Reunidos os pressupostos legais permissivos da suspensão condicional do processo, mas se
recusando o promotor de justiça a propô-la, o juiz, dissentindo, remeterá a questão ao procurador-geral, aplicando-se por analogia o art. 28
do Código de Processo Penal”.
401EMENTA: "HABEAS CORPUS". LEI Nº 9.099/95. DESCLASSIFICAÇÃO DO DELITO PELO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU. SENTENÇA REFORMADA
EM GRAU DE APELAÇÃO. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO, SEM PROPOSTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO: INAPLICABILIDADE DO ART.
89 DA LEI Nº 9.099/95. 1. A suspensão condicional do processo, nos termos do art. 89 da Lei nº 9.099/95, não é aplicável às hipóteses em
que ocorre a desclassificação para delito em tese passível de aplicação do benefício. 2. Tem esta Corte já decidido que o direito à suspensão
do processo não se traduz em prerrogativa subjetiva do réu, mas sim faculdade processual ínsita ao Ministério Público (HC nº 75.343-4). 3.
Impossível a suspensão do processo ex officio, sem que tenha sido detonada pelo Ministério Público. Ao Juiz não cabe substituir o órgão
ministerial para a agilização do mecanismo de suspensão do processo, competindo-lhe o controle da legalidade da respectiva suspensão
que tenha sido promovida por quem de direito. 4. Habeas corpus indeferido. (HC 75441, Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA, Segunda

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Registre-se, contudo, recentes decisões do Superior Tribunal de Justiça em sentido contrário,
nas quais se reconheceu o direito subjetivo do réu, cabendo ao juiz implementá-lo, em decorrência
da recusa indevida402, após a aplicação do art. 28 do CPP403.
Na segunda hipótese, caso a alteração da definição jurídica acarrete a perda de competência
do juízo, caberá a este apenas a remessa ao juízo competente404.
Por fim, não havendo necessidade de reabertura de instrução, como já foi dito, a emendatio
libelli pode ser aplicada em qualquer grau de jurisdição, devendo apenas haver cuidado para se evitar
a reformatio in pejus.

11.2.2.2 MUTATIO LIBELLI


Nos termos do art. 384 do CPP, encerrada a instrução probatória, se o juiz entender cabível
nova definição jurídica do fato, em consequência de prova existente nos autos de elemento ou
circunstância da infração penal não contida na acusação, o Ministério Público deverá aditar a
denúncia ou queixa subsidiária, no prazo de cinco dias, reduzindo-se a termo o aditamento, quando
feito oralmente.
Na mutatio libelli, a alteração não é apenas da definição jurídica, mas do próprio fato narrado
na denúncia. Em outras palavras, o juiz, após o término da instrução, verificou haver um
descompasso entre o que ficou evidenciado e o que foi descrito na inicial acusatória.
As consequências são distintas da emendatio libelli.

Turma, julgado em 17/02/1998, DJ 02-02-2001 PP-00073 EMENT VOL-02017-01 PP-00213).


402HABEAS CORPUS. QUADRILHA OU BANDO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. FALTA DE JUSTA CAUSA. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS.
EXCEPCIONALIDADE NÃO VERIFICADA. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. VIA INADEQUADA. ACÓRDÃO OBJURGADO EM
CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTE SODALÍCIO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. [...] SUSPENSÃO
CONDICIONAL DO PROCESSO. ART. 89 DA LEI 9.099/95. NEGATIVA POR PARTE DO ÓRGÃO MINISTERIAL. MOTIVAÇÃO. POSSIBILIDADE DE
ANÁLISE PELO PODER JUDICIÁRIO. 1. Tratando-se a suspensão condicional do processo de um meio conciliatório para a resolução de
conflitos no âmbito da Justiça Criminal, mostrando-se como uma alternativa à persecução penal estatal, fica evidenciado o interesse público
na aplicação do aludido instituto. 2. Embora o órgão ministerial, na qualidade de titular da ação penal pública, seja ordinariamente
legitimado a propor a suspensão condicional do processo prevista no artigo 89 da Lei n. 9.099/95, os fundamentos da recusa da proposta
podem e devem ser submetidos ao juízo de legalidade por parte do Poder Judiciário. PROPOSTA NEGADA EM RAZÃO DA AUSÊNCIA DOS
REQUISITOS SUBJETIVOS. CULPABILIDADE. CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME. ELEMENTOS QUE INTEGRAM O PRÓPRIO TIPO PENAL
INCRIMINADOR ATRIBUÍDO AO PACIENTE NA EXORDIAL ACUSATÓRIA. GRAVIDADE ABSTRATA. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA.
CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. 1. Na linha dos precedentes desta Corte, segundo os
quais não se admite a utilização de elementos integrativos do tipo penal para justificar a exacerbação da pena-base, igualmente deve ser
vedado o recurso à fundamentação semelhante para, em juízo sumário, negar a suspensão condicional do processo. 2. Na hipótese, o órgão
acusatório negou ao paciente a proposta de suspensão condicional do processo, o que foi chancelado tanto pelo juízo monocrático como
pelo Tribunal de origem, utilizando-se de elementos que integram a própria descrição abstrata do crime de quadrilha, bem como da
suposta gravidade do delito que, pela sua falta de concretude, não atende à garantia constante do artigo 93, inciso IX, da Constituição
Federal. 3. Ordem parcialmente concedida para deferir ao paciente a suspensão condicional do processo, devendo o magistrado singular
estabelecer as condições previstas no artigo 89, § 1º, da Lei n. 9.099/90 como entender de direito. (HC 131.108/RJ, Rel. Ministro JORGE
MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 18/12/2012, DJe 04/03/2013)
403HABEAS CORPUS. RECEPTAÇÃO. PROPOSTA DE SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. ARTIGO 89 DA LEI 9.099/1995. NEGATIVA POR
PARTE DO ÓRGÃO MINISTERIAL. DISCORDÂNCIA DO JUÍZO. NECESSIDADE DE REMESSA DOS AUTOS AO PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA.
INTELIGÊNCIA DA SÚMULA 696 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. CONCESSÃO DA ORDEM EM MENOR EXTENSÃO. 1. Muito embora se
possa entender que o Parquet teria deixado de ofertar ao paciente a benesse estatuída no artigo 89 da Lei 9.099/1995 com base na
gravidade abstrata do delito de receptação, sem a indicação concreta de como a sua personalidade, conduta social ou culpabilidade
revelariam a impropriedade da concessão do mencionado benefício, o certo é que não poderia o togado singular simplesmente rejeitar a
denúncia, olvidando-se do procedimento estatuído no artigo 28 da Lei Processual Penal. 2. Eventual discordância do Juízo quanto à
propositura ou não da suspensão condicional do processo deve ser resolvida por meio da aplicação analógica do artigo 28 do Código de
Processo Penal, remetendo-se os autos à chefia do Ministério Público, nos termos da Súmula 696 do Supremo Tribunal Federal.
Precedentes. 3. Somente se mantido pelo Procurador-Geral de Justiça o indeferimento da proposta de suspensão condicional do processo é
que se permitirá ao Poder Judiciário o exercício do juízo de legalidade acerca dos fundamentos da recusa da benesse pelo Ministério
Público. 4. Ordem concedida em menor extensão, apenas para determinar o envio dos autos ao Procurador-Geral de Justiça, para que se
manifeste acerca da possibilidade de proposta da suspensão condicional do processo ao paciente, nos termos do artigo 28 do Código de
Processo Penal. (HC 197.809/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 04/10/2011, DJe 19/10/2011).
404Sempre haverá a possibilidade de se suscitar o conflito negativo de competência, caso o juízo, para onde os autos foram remetidos, não
concorde com a definição jurídica dada pelo juízo perante o qual se processou originalmente a causa.

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A primeira delas é a de que o juiz, em qualquer hipótese, não poderá sentenciar
imediatamente o feito. Será necessária a reabertura de fases do procedimento até então superadas,
tais como aditamento da acusação405, defesa, instrução probatória e debates. Do contrário, o
cerceamento de defesa seria flagrante, pois o réu estaria sendo condenado por incriminação até
então inexistente.
A segunda, no sentido de que a mutatio não constitui nova demanda penal. A alteração deve
estar adstrita à realidade histórica contextualizada na denúncia. Agrega-se algo novo ao fato
principal. Logo, aproveitam-se os atos até então praticados. Do contrário, tratar-se-ia do aditamento
propriamente dito, com total reabertura do procedimento.
Tornando-se necessário o aditamento, caso o Ministério Público não o promova, ao juiz caberá
a remessa dos autos ao órgão de revisão, analogicamente ao art. 28 do CPP (art. 384, § 1º),
atribuição essa que, no caso do Ministério Público Federal, recai sobre as Câmaras de Coordenação e
Revisão (art. 62 da LC 75/93). Persistindo o não aditamento, o juiz julgará o processo no estado em
que se encontra, podendo até, se for o caso, absolver o acusado.
Quanto ao procedimento propriamente dito, efetuado o aditamento, o juiz mandará ouvir o
defensor do acusado, no prazo de cinco dias, e em seguida decidirá sobre o recebimento ou não do
aditamento. Admitindo-o, o juiz, a requerimento de qualquer das partes, designará dia e hora para
continuação da audiência, com inquirição de testemunhas, até três para cada parte, novo
interrogatório do acusado, realização de debates e julgamento. Nesse caso, ficará o juiz, na sentença,
adstrito aos termos do aditamento.
O § 2º do art. 384 do CPP manda aplicar as hipóteses previstas nos parágrafos do art. 383 –
sursis processual e desclassificação, acima já comentadas no item referente à emendatio libelli. Para
tanto, recomenda-se, se possível, primeiramente aguardar o aditamento.
Ao contrário da emendatio, entende-se não ser possível a aplicação da mutatio em grau de
recurso406.
A Lei 11.719/08 excluiu as ações penais privadas do alcance da mutatio libelli, à exceção da
ação penal privada subsidiária da pública.
11.2.3 FIXAÇÃO DA PENA
Na fixação da pena, o juiz deverá observar o sistema trifásico407, adotado pelo Código Penal. As
circunstâncias judiciais estão listadas no art. 59408; as agravantes e atenuantes situam-se entre os
arts. 61 e 67; as causas de aumento e diminuição de pena estão espalhadas pela legislação, ou seja,
no Código Penal (parte geral e especial) e na legislação especial.
Em obediência ao princípio constitucional da individualização da pena, deve-se atentar para a
necessidade de se efetuar a dosimetria de cada réu, em relação a cada infração penal praticada.

405Com o advento da Lei 11.719/08, foi extinta a mutatio libelli sem aditamento, modalidade muito criticada pela doutrina especializada.
Agora, do ponto de vista do direito positivo, independentemente da gravidade da infração penal, o procedimento será único, ou seja,
caberá ao Ministério Público, em qualquer hipótese, o aditamento.
406 Enunciado 453 da Súmula do STF: “Não se aplicam à segunda instância o art. 384 e parágrafo único do Código de Processo Penal, que
possibilitam dar nova definição jurídica ao fato delituoso, em virtude de circunstância elementar não contida, explícita ou implicitamente,
na denúncia ou queixa”.
407 Art. 68 do CP. A pena-base será fixada atendendo-se ao critério do art. 59 deste Código; em seguida serão consideradas as
circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento.
Parágrafo único - No concurso de causas de aumento ou de diminuição previstas na parte especial, pode o juiz limitar-se a um só aumento
ou a uma só diminuição, prevalecendo, todavia, a causa que mais aumente ou diminua.
408 Art. 59 do CP. O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às
circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para
reprovação e prevenção do crime: I - as penas aplicáveis dentre as cominadas; II - a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos; III
- o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade; IV - a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de
pena, se cabível.

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11.2.4 NULIDADES409
A sentença, como ato judicial formal, pode conter vícios que afetem a sua validade. Vai
depender do grau de comprometimento. Há ainda defeitos que podem ser corrigidos de ofício, ou
mediante embargos de declaração.
Em regra, a ausência de adequada fundamentação é causa de nulidade (art. 93, IX da CF). Mas
isso não significa que o juiz deva analisar cada um dos argumentos ou alegações das partes, bastando
que a motivação do ato seja suficiente para compreendê-lo410.

NULIDADES
NULIDADES. PRINCÍPIOS. CLASSIFICAÇÃO DOS VÍCIOS
PROCESSUAIS. NULIDADES RELATIVAS E ABSOLUTAS. ROL LEGAL.
SÚMULAS DOS TRIBUNAIS SUPERIORES.

12.1 ASPECTOS GERAIS


Em razão da natureza formal e estruturada dos procedimentos, que seguem determinada
ritualística definida na lei, os atores processuais têm o dever de observá-la, a fim de que o processo
cumpra o seu papel, conferindo segurança e estabilidade aos atos praticados.
Quando a formalidade prevista em lei não é observada, o ato praticado fica sujeito à
invalidação, isto é, corre-se o risco de dele não se extraírem os efeitos esperados.
O Código de Processo Penal dedica um título inteiro para tratar das nulidades, a partir do art.
563. O CPP, no referido local, não cuida da formalidade em si, mas das consequências advindas do
ato falho. A teoria das nulidades debruça-se sobre os atos, depurando-os ou invalidando-os,
conforme o caso.
Para tanto, determinados princípios e regras são estabelecidos pelo legislador, os quais
guiarão o juiz na tarefa de analisar a higidez dos atos, confirmando-se ou não a sua validade. Adotou-
se o sistema misto411 de verificação de nulidades, sendo imprescindível o reconhecimento judicial,
que estabelecerá os seus limites (art. 573, § 2º, do CPP).
Vejamos cada um dos princípios.

12.2 PRINCÍPIOS

409O sistema de nulidades será visto no Capítulo 8.


410Ementa: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. EXECUÇÃO
PROVISÓRIA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E 356 DO STF. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. EFEITOS INFRINGENTES.
IMPOSSIBILIDADE. DESPROVIMENTO. [...] 2. O magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, desde
que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão. [...] 5 . Embargos de declaração desprovidos. (ARE 699332
AgR-ED, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 24/09/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-205 DIVULG 15-10-2013 PUBLIC
16-10-2013).
411 São três os sistemas segundo os quais pode ser imposta a sanção de nulidade: a) todo e qualquer vício do ato leva à sua nulidade; b)
nulo só será o ato se a lei assim expressamente o declarar; um sistema misto, distinguindo-se as irregularidades conforme a sua gravidade.
Os dois primeiros estão desautorizados pela moderna ciência processual. (GRINOVER, Ada Pellegrini. As nulidades no processo penal. 7. ed.
rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 28).

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Princípio do prejuízo (pas de nullité sans grief) – De acordo com o art. 563 do CPP, nenhum ato
será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa. Trata-se
do princípio mais importante que orienta o sistema das nulidades. De fato, não faz o menor sentido
reconhecer-se a nulidade de determinado ato, se dele não resulta qualquer prejuízo para a parte a
quem aproveitaria a sua invalidação. A jurisprudência do STF tem afirmado que a ocorrência do
prejuízo é necessária até mesmo em caso de nulidade absoluta412.
Princípio da instrumentalidade das formas – Está expressamente previsto no art. 572, II, do
CPP, segundo o qual não se pronunciará a nulidade se, praticado por outra forma, o ato tiver atingido
o seu fim. Decorre da própria noção de processo como instrumento. Privilegia-se o conteúdo. O vício
formal, tão somente, não justifica a invalidação.
Princípio da causalidade – Nos termos do art. 573, § 1º, do CPP, a nulidade de um ato, uma
vez declarada, causará a dos atos que dele diretamente dependam, ou que sejam consequência. A
explicação decorre do próprio encadeamento dos atos que compõem o rito. Assim, o juiz, ao
pronunciar a nulidade, esclarecerá até onde ela se estenderá (§ 2º). Existe, desse modo, a nulidade
originária e a derivada, quando entre ambas houver uma relação de causa e efeito.
Princípio do interesse – Conforme já foi estudado quando da análise das condições da ação, a
parte, no processo, é movida pelo interesse. É preciso demonstrá-lo concretamente, porque o Poder
Judiciário não é órgão de consulta. Tratamento semelhante é encontrado no sistema das nulidades.
Assim, a parte não poderá arguir nulidade que interesse somente à parte contrária (art. 565 do CPP).
Princípio da convalidação – O princípio da convalidação está intimamente ligado ao instituto
da preclusão. Em determinadas situações, considerando-se a própria noção de processo (caminhar
para frente), o ordenamento estabelece limites para a arguição da nulidade. A convalidação pode se
operar em virtude da superação de determinada fase do procedimento (art. 572, I), ou quando a
parte, ainda que tacitamente, tiver aceitado os seus efeitos (III). Mas a convalidação não ocorre em
todos os casos, estando ligada às nulidades relativas, porque as absolutas são insuscetíveis de
convalidação.

12.3 CLASSIFICAÇÃO
As nulidades são classificadas conforme o grau de intensidade do vício que acomete o ato.

12.3.1 IRREGULARIDADE
Quando o vício é de pequena monta, não compromete a finalidade do ato e não prejudica a
parte diretamente interessada, pode-se dizer que o ato é meramente irregular. Dessa forma, não
está sujeito à invalidação.

12.3.2 NULIDADE RELATIVA

412Ementa: HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. DIREITO DE REPERGUNTAS PELO DEFENSOR DO RÉU AOS DEMAIS
CORRÉUS. POSSIBILIDADE. INTELIGÊNCIA DO ART. 188 DO CPP. NULIDADE ABSOLUTA. EFETIVO PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO.
NECESSIDADE. EXCESSO DE PRAZO. NÃO CARACTERIZAÇÃO. COMPLEXIDADE DA AÇÃO PENAL. INEXISTÊNCIA DE INÉRCIA OU DESÍDIA DO
PODER JUDICIÁRIO. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ORDEM DENEGADA. I – O art. 188 do Código de Processo Penal, com a
redação dada pela Lei 10.792/2003, passou a dispor que, após as perguntas formuladas pelo juiz ao réu, podem as partes, por intermédio do
magistrado, requerer esclarecimentos ao acusado. II – O indeferimento de reperguntas pelo defensor de um dos réus aos demais corréus
ofende os princípios constitucionais da ampla defesa, do contraditório e da isonomia, gerando nulidade absoluta. Precedentes. III –
Contudo, o entendimento desta Corte também é no sentido de que, para o reconhecimento de eventual nulidade, ainda que absoluta, faz-
se necessária a demonstração do efetivo prejuízo, o que não ocorre na espécie. Precedentes. IV – A jurisprudência desta Corte é firme no
sentido de que não procede a alegação de excesso de prazo quando a complexidade do feito, as peculiaridades da causa ou a defesa
contribuem para eventual dilação do prazo. Precedentes. V – Ordem denegada. (HC 116132, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI,
Segunda Turma, julgado em 17/09/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-194 DIVULG 02-10-2013 PUBLIC 03-10-2013).

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No caso da nulidade relativa, o vício que contamina o ato é mais grave do que o que configura
a mera irregularidade. Já é possível falar-se em prejuízo, mesmo que não seja evidente. O
reconhecimento da nulidade, nesses casos, não prescinde da efetiva demonstração do prejuízo, além
de necessariamente ter sido arguida no momento oportuno. Nos termos do art. 571 do CPP, as
nulidades deverão ser arguidas:
1. as da instrução criminal dos processos da competência do júri, até a fase das
alegações finais do sumário da culpa;
2. as da instrução criminal dos processos de competência do juiz singular e dos
processos especiais, salvo os dos Capítulos V e VII do Título II do Livro II, até as
alegações finais;
3. as do processo sumário, no prazo a que se refere o art. 537, ou, se verificadas depois
desse prazo, logo depois de aberta a audiência e apregoadas as partes;
4. as ocorridas posteriormente à pronúncia, logo depois de anunciado o julgamento e
apregoadas as partes (art. 447);
5. as de instrução criminal dos processos de competência do Supremo Tribunal Federal
e dos Tribunais de Apelação, até as alegações finais;
6. se verificadas após a decisão da primeira instância, nas razões de recurso ou logo
depois de anunciado o julgamento do recurso e apregoadas as partes;
7. as do julgamento em plenário, em audiência ou em sessão do tribunal, logo depois de
ocorrerem.

Já foi dito que, nos termos do art. 572, determinados vícios serão considerados sanados se não
arguidos no momento oportuno, ocorrendo a convalidação. Problemas envolvendo a representação
podem ser sanados a qualquer tempo, mediante ratificação (art. 568).
A falta ou a nulidade da citação, da intimação ou notificação estará sanada, desde que o
interessado compareça, antes de o ato consumar-se, embora declare que o faz para o único fim de
argui-la. O juiz ordenará, todavia, a suspensão ou o adiamento do ato, quando reconhecer que a
irregularidade poderá prejudicar direito da parte (art. 570 do CPP). Normalmente, vícios ligados às
comunicações processuais, principalmente a citação, ocasionam o retorno da marcha processual até
o momento de sua ocorrência.

12.3.3 NULIDADE ABSOLUTA


Neste caso, o vício já deve ser considerado grave, comprometendo, quase que na totalidade
das situações, a validade do ato. Diz-se que o interesse público também acaba sendo atingido,
transbordando-se da esfera jurídica do interessado. A nulidade absoluta pode ser arguida pela parte
ou reconhecida de ofício pelo juízo, independentemente da fase em que se encontrar o processo,
exceto na hipótese descrita no Enunciado 160 da Súmula do STF: “É nula a decisão do tribunal que
acolhe, contra o réu, nulidade não arguida no recurso da acusação, ressalvados os casos de recurso
de ofício”.
Em regra, a nulidade absoluta ocorre quando reste violada alguma garantia
constitucionalmente estabelecida, tais como o contraditório e a ampla defesa.
No entanto, como já foi dito anteriormente, mesmo no caso de vício que pudesse configurar a
nulidade absoluta, o STF não tem invalidado o ato, na hipótese de não haver efetivo prejuízo para a
parte a quem a nulidade aproveitaria (item 8.1.2).
Quanto aos efeitos, a regra é que do ato nulo não se extraiam efeitos válidos, mas existem
exceções. Por exemplo, uma sentença penal absolutória, proferida por juiz absolutamente

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incompetente, mas coberta pelo manto da coisa julgada, não poderá ser invalidada. Nesse caso, os
efeitos do ato nulo permanecerão intangíveis413.
12.3.4 ATO INEXISTENTE
Em razão do que já foi lido até aqui, é possível traçar um paralelo entre a classificação das
nulidades e a categorização dos pressupostos processuais, porque a lógica empregada é semelhante.
O ato processual, como tal, é um componente do processo, realidade mais ampla, havendo entre
ambos uma inegável relação.
Assim, pode-se deslocar, com as devidas adaptações, o que foi dito sobre os pressupostos de
existência do processo para a categoria dos atos inexistentes. Um ato praticado por um órgão que
não esteja investido de jurisdição, para exemplificar, é inexistente, um não-ato.
O ato inexistente não gera efeitos e não está sujeito a qualquer tipo de preclusão.

12.4 NULIDADES – ROL LEGAL


O rol previsto no art. 564 do CPP deve ser cuidadosamente analisado, em virtude das
modificações implementadas pela Constituição Federal de 1988 e pela legislação infraconstitucional
posterior.
I – Por incompetência, suspeição ou suborno do juiz – Na hipótese de ofensa à imparcialidade
do órgão julgador (impedimento, incompatibilidade ou suspeição), a nulidade é absoluta. Em se
tratando de incompetência do juízo, quando for de natureza absoluta, a nulidade também o será; se
relativa, deve ser arguida no momento oportuno, sob pena de preclusão.
II – Por ilegitimidade das partes – Na ilegitimidade ad causam, a nulidade é de natureza
absoluta, ligada à titularidade da ação penal, seja ela pública ou privada. Havendo defeito de
representação, aplica-se o art. 568.
III – Por falta das fórmulas ou dos termos seguintes:
a) A denúncia ou a queixa e a representação, e, nos processos de contravenções
penais, a portaria ou o auto de prisão em flagrante – A classificação da nulidade
dependerá do grau do vício existente no caso concreto. A representação não possui
forma estabelecida em lei, como já foi dito no capítulo próprio, bastando que seja
inequívoca a manifestação de vontade do ofendido. Já foi afirmado que não mais existe
o procedimento judicialiforme.
b) O exame do corpo de delito nos crimes que deixam vestígios, ressalvado o
disposto no art. 167 do CPP.
c) A nomeação de defensor ao réu presente, que o não tiver, ou ao ausente 414 – Em
princípio, trata-se de nulidade absoluta, pela ausência de defesa técnica. Súmula STF

413HABEAS CORPUS. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA PROFERIDA POR JUIZ ABSOLUTAMENTE INCOMPETENTE. OCORRÊNCIA DE TRÂNSITO EM
JULGADO. NE REFORMATIO IN PEJUS. ORDEM CONCEDIDA.1. De acordo com a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, a
declaração de incompetência absoluta do Juízo se enquadra nas hipóteses de nulidade absoluta do processo. Todavia, a sentença prolatada
por juiz absolutamente incompetente, embora nula, após transitar em julgado, pode acarretar o efeito de tornar definitiva a absolvição do
acusado, uma vez que, apesar de eivada de nulidade, tem como consequência a proibição da reformatio in pejus.2. O princípio ne
reformatio in pejus, apesar de não possuir caráter constitucional, faz parte do ordenamento jurídico complementando o rol dos direitos e
garantias individuais já previstos na Constituição Federal, cuja interpretação sistemática permite a conclusão de que a Magna Carta impõe a
preponderância do direito à liberdade sobre o Juiz natural. Assim, somente se admite que este último - princípio do juiz natural - seja
invocado em favor do réu, nunca em seu prejuízo.3. Sob essa ótica, portanto, ainda que a nulidade seja de ordem absoluta, eventual
reapreciação da matéria, não poderá de modo algum ser prejudicial ao paciente, isto é, a sua liberdade. Não se trata de vinculação de uma
esfera a outra, mas apenas de limitação principiológica.4. Ordem concedida para tornar sem efeito a decisão proferida nos autos da ação
penal que tramita perante a 1ª Vara Federal da Seção Judiciária da Paraíba.(HC 146.208/PB, Rel. Ministro HAROLDO RODRIGUES
(DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/CE), SEXTA TURMA, julgado em 04/11/2010, DJe 16/05/2011).
414 Com a redução da maioridade civil, esvaziou-se a exigência de curador para o “réu menor”, como era conhecido o acusado com idade
entre 18 e 21 anos.

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523:“No processo penal, a falta de defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua
deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu”.
d) A intervenção do Ministério Público – Causa de nulidade absoluta, por atentar
contra o contraditório, que também é garantido ao autor da demanda. A falta de
intervenção da defesa também gera nulidade.
e) A citação do réu para ver-se processar, o seu interrogatório, quando presente, e
os prazos concedidos à acusação e à defesa – O primeiro reparo que se deve
efetuar é quanto ao procedimento, porque o réu não é mais citado para comparecer à
audiência de qualificação e interrogatório, mas sim para apresentar defesa escrita.
Quanto ao descumprimento de prazos, a gravidade do vício irá orientar a nulidade
aplicável.
f) A sentença de pronúncia, o libelo e a entrega da respectiva cópia, com o rol de
testemunhas nos processos perante o Tribunal do Júri – Não há mais previsão de
libelo e sua contrariedade no rito escalonado do júri (422 do CPP).
g) A intimação do réu para a sessão de julgamento, pelo Tribunal do Júri, quando a
lei não permitir o julgamento à revelia415; a intimação das testemunhas arroladas
no libelo e na contrariedade nos termos estabelecidos pela lei 416; a presença pelo
menos de 15 jurados para a constituição do júri; o sorteio dos jurados do
conselho de sentença em número legal e sua incomunicabilidade; os quesitos e
as respectivas respostas417; a acusação e a defesa na sessão de julgamento – Em
regra, são hipóteses de nulidade absoluta.
h) A sentença – A falta de sentença não é causa de nulidade, porque não pode ser
invalidado aquilo que sequer existe. O CPP quis se referir a algum vício existente na
sentença, a comprometer ou não a sua validade, a depender da gravidade.
i) O recurso de ofício, nos casos em que a lei o tenha estabelecido – Apesar da
terminologia utilizada, trata-se de hipótese de reexame necessário, atraindo-se a
aplicação do Enunciado 423 da Súmula do STF: Não transita em julgado a sentença
por haver omitido o recurso "ex-oficio", que se considera interposto "ex-lege".
j) A intimação, nas condições estabelecidas pela lei, para ciência de sentenças e
despachos de que caiba recurso – Por configurar ofensa ao contraditório, enquadra-
se como vício caracterizador de nulidade absoluta.
k) No Supremo Tribunal Federal e nos Tribunais de Apelação, o quorum legal para o
julgamento – Hipótese de nulidade absoluta, inclusive em relação ao Superior Tribunal
de Justiça.
IV – Por omissão de formalidade que constitua elemento essencial do ato – Segue a regra
geral: o nível ou gravidade do vício, além da essencialidade do ato, orientarão o juiz no
reconhecimento da nulidade, podendo ser absoluta ou relativa.

12.5 SÚMULAS DOS TRIBUNAIS SUPERIORES


12.5.1 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Súmula 117 - A inobservância do prazo de 48 horas, entre a publicação de pauta e o
julgamento sem a presença das partes, acarreta nulidade418.

415Art. 457. O julgamento não será adiado pelo não comparecimento do acusado solto, do assistente ou do advogado do querelante, que
tiver sido regularmente intimado. (Redação dada pela Lei nº 11.689/08)
§ 1º Os pedidos de adiamento e as justificações de não comparecimento deverão ser, salvo comprovado motivo de força maior,
previamente submetidos à apreciação do juiz presidente do Tribunal do Júri. (Incluído pela Lei nº 11.689/08)
§ 2º Se o acusado preso não for conduzido, o julgamento será adiado para o primeiro dia desimpedido da mesma reunião, salvo se houver
pedido de dispensa de comparecimento subscrito por ele e seu defensor. (Incluído pela Lei nº 11.689/08)
416Não existindo mais as referidas peças, aplica-se o art. 422.
417Ocorrerá ainda a nulidade, por deficiência dos quesitos ou das suas respostas, e contradição entre estas (art. 564, parágrafo único).
418[Regimento Interno do TRF/1] Art. 186. A publicação da pauta de julgamento, que poderá vir a ser aditada, antecederá em quarenta e
oito horas, pelo menos, a sessão em que os processos serão julgados.

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12.5.2 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL


Súmula 155 - É relativa a nulidade do processo criminal por falta de intimação da expedição de
precatória para inquirição de testemunha.
Súmula 156 - É absoluta a nulidade do julgamento, pelo júri, por falta de quesito obrigatório.
Súmula 160 - É nula a decisão do tribunal que acolhe, contra o réu, nulidade não arguida no
recurso da acusação, ressalvados os casos de recurso de ofício.
Súmula 162 - É absoluta a nulidade do julgamento, pelo júri, quando os quesitos da defesa
não precedem aos das circunstâncias agravantes.
Súmula 206 - É nulo o julgamento ulterior pelo júri com a participação de jurado que funcionou
em julgamento anterior do mesmo processo.
Súmula 351 - É nula a citação por edital de réu preso na mesma unidade da federação em que
o juiz exerce a sua jurisdição.
Súmula 352 - Não é nulo o processo penal por falta de nomeação de curador ao réu menor
que teve a assistência de defensor dativo.
Súmula 361 - No processo penal, é nulo o exame realizado por um só perito, considerando-se
impedido o que tiver funcionando, anteriormente, na diligência de apreensão.
Súmula 366 - Não é nula a citação por edital que indica o dispositivo da lei penal, embora não
transcreva a denúncia ou queixa, ou não resuma os fatos em que se baseia.
Súmula 431 - É nulo o julgamento de recurso criminal, na segunda instância, sem prévia
intimação, ou publicação da pauta, salvo em habeas-corpus.
Súmula 523 - No processo penal, a falta da defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua
deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu.
Súmula 564 - A ausência de fundamentação do despacho de recebimento de denúncia por
crime falimentar enseja nulidade processual, salvo se já houver sentença condenatória.
Súmula 706 - É relativa a nulidade decorrente da inobservância da competência penal por
prevenção.
Súmula 707 - Constitui nulidade a falta de intimação do denunciado para oferecer contra-
razões ao recurso interposto da rejeição da denúncia, não a suprindo a nomeação de defensor
dativo.
Súmula 708 - É nulo o julgamento da apelação se, após a manifestação nos autos da renúncia
do único defensor, o réu não foi previamente intimado para constituir outro.
Sumula 709 - Salvo quando nula a decisão de primeiro grau, o acórdão que provê o recurso
contra a rejeição da denúncia vale, desde logo, pelo recebimento dela.
Súmula 712 - É nula a decisão que determina o desaforamento de processo da competência
do Júri sem audiência da defesa.
SÚMULA VINCULANTE 11 - Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de
fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso
ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade
disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato
processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.

§ 1º A pauta de julgamentos será afixada em lugar acessível do Tribunal e divulgada em sua página eletrônica.
§ 2º Sempre que, ao final da sessão, restarem, em pauta ou em mesa, mais de vinte feitos sem julgamento, o presidente fará realizar uma
ou mais sessões extraordinárias destinadas ao julgamento desses processos, ou suspenderá a sessão para continuar no dia seguinte.

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RECURSOS E AÇÕES AUTÔNOMAS DE


IMPUGNAÇÃO
RECURSOS. PRINCÍPIOS

13.1 CONCEITO
Grinover, Gomes Filho e Fernandes conceituam recurso como o “meio voluntário de
impugnação de decisões, utilizado antes da preclusão e na mesma relação jurídica processual, apto a
propiciar a reforma, a invalidação, o esclarecimento ou a integração da decisão”419.

13.2 PRINCÍPIOS E CARACTERES


É inegável que as decisões judiciais se tornam mais legítimas quando a parte interessada puder
buscar a revisão do ato contra si praticado. Esse sentimento de irresignação é inerente ao ser
humano, sendo essencial que o ordenamento estabeleça a possibilidade de reanálise do ato
estatal420, de preferência por outro órgão421.
É correto afirmar que o princípio do duplo grau de jurisdição está previsto na Constituição
Federal, pelo menos implicitamente, de acordo com a seguinte lição:
Pode-se afirmar, assim, que a garantia do duplo grau, embora só
implicitamente assegurada pela Constituição Brasileira, é princípio
constitucional autônomo, decorrente da própria Lei Maior, que estrutura os
órgãos da chamada jurisdição superior. Em outro enfoque, que negue tal
postura, a garantia pode ser extraída do princípio constitucional da
igualdade, pelo qual todos os litigantes, em paridade de condições, devem
poder usufruir ao menos de um recurso para a revisão das decisões, não
sendo admissível que venha ele previsto para algumas e não para outras.
Uma terceira colocação retira o princípio do duplo grau daquele da
necessária revisão dos atos estatais, como forma de controle da legalidade
e da justiça das decisões de todos os órgãos do Poder Público 422.

A voluntariedade é outro princípio do sistema recursal, sendo necessária a prática de ato


concreto pela parte interessada, salvo nos casos de reexame necessário, impropriamente chamado

419 GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antônio Magalhães; FERNANDES, Antônio Scarance. Recursos no processo penal. 3. ed. rev.
atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 31.
420 É óbvio que esse argumento não pode servir para justificar a interposição sucessiva e interminável de recursos, tal como tem se
verificado no cotidiano. Bem diferente de se garantir à parte o direito de ter a referida decisão reanalisada por outro órgão judicial, é
prolongar ad infinitum a discussão de determinada decisão. A ineficiência da atividade jurisdicional também pode ser atribuída ao excesso
de recursos e meios de impugnação de decisões judiciais.
421A exceção fica por conta do efeito regressivo encontrado em alguns recursos, conforme será visto no momento próprio.
422 GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antônio Magalhães; FERNANDES, Antônio Scarance.Recursos no processo penal. 3. ed. rev.
atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 23.

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de recurso de ofício, ainda admitidos pela jurisprudência quando (a) a sentença conceder habeas
corpus (art. 574 do CPP) ou quando (b) houver a reabilitação (art. 746 do CPP)423.
Havendo divergência de vontades entre o acusado e o defensor quanto à interposição do
recurso, dependerá da análise do caso concreto, para se aferir qual a situação que mais favoreça o
réu.
Como corolário da voluntariedade, encontra-se a disponibilidade, em razão da qual se permite
que a parte desista de eventual recurso interposto, independentemente da concordância da parte
contrária424. Exige-se, entretanto, no caso de defensor constituído, que haja poderes específicos
nesse sentido425. A desistência ocorre quando o recurso já fora interposto. Na renúncia, a
manifestação de desinteresse se dá antes mesmo da interposição.
Em relação ao Ministério Público, porém, o Código de Processo Penal proíbe expressamente a
desistência (art. 576). Essa vedação se justifica pelo princípio da obrigatoriedade da ação penal
pública. Pode-se até não recorrer. Contudo, uma vez praticado o ato, não poderá haver desistência.
O Código de Processo Penal adotou o princípio da fungibilidade, ao permitir que, salvo a
hipótese de má-fé, a parte não será prejudicada pela interposição de um recurso por outro, ocasião
em que o juiz, reconhecendo a impropriedade do recurso interposto, mandará processá-lo de acordo
com o rito do recurso cabível (art. 579 do CPP).
No entanto, em razão da dificuldade de se aferir a má-fé, tem prevalecido o entendimento de
que a aplicação da fungibilidade está condicionada à observância do prazo do recurso cabível, além
da inexistência de erro grosseiro426. Também não seria possível aplicar a fungibilidade no caso de
recurso com fundamentação vinculada, como nos recursos especial e extraordinário.
A proibição da reformatio in pejus também está disciplinada no Código de Processo Penal,
especificamente no art. 617, segundo a qual o tribunal, câmara ou turma atenderá, nas suas
decisões, ao disposto nos arts. 383, 386 e 387, no que for aplicável, não podendo, porém, ser
agravada a pena, quando somente o réu houver apelado da sentença.

423 Não mais existe o reexame necessário para a hipótese originalmente prevista no art. 411, que trata de absolvição sumária (art. 574, II
do CPP).
424 HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. RECURSO DE APELAÇÃO. MANIFESTAÇÃO DE DESISTÊNCIA EXERCIDA POR RÉU DEVIDAMENTE
ASSISTIDO POR SEU DEFENSOR. LEGALIDADE. INEXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL A REPARAR. DENEGAÇÃO DA ORDEM. 1. À luz
do que dispõe o artigo 574 do Código de Processo Penal, o recurso de apelação consubstancia direito disponível, cujo exercício se subordina
à vontade do titular, inexistindo vício qualquer na desistência do réu ao recurso, manifestada juntamente com o patrono constituído. [...]
(HC 17.158/PR, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, SEXTA TURMA, julgado em 07/08/2001, DJ 29/10/2001, p. 274).
425 AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. DIREITO PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO. PEDIDO DE DESISTÊNCIA DO RECURSO.
SUBSCRITOR DO PEDIDO NÃO POSSUI PODERES ESPECÍFICOS EM PROCURAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. ACÓRDÃO A QUO EM CONSONÂNCIA
COM A JURISPRUDÊNCIA DESTE TRIBUNAL. SÚMULA 83/STJ. 1. O Superior Tribunal de Justiça considera inválido o pedido de desistência do
recurso se o subscritor do pedido não possui poderes para tanto, seja em relação ao direito sobre o qual se funda a demanda, seja em
relação ao próprio recurso. 2. A desistência do prazo recursal, efetivada pelo patrono dos assistentes da acusação - que consistiria na
renúncia ao direito de apelar -, necessita da anuência expressa dos próprios assistentes, o que, in casu, não se efetivou, razão por que
resulta inválida. 3. Importante salientar que não se deve desvirtuar os institutos jurídicos controvertidos nos presentes autos, porquanto, na
desistência, existe a interposição prévia de um recurso; na renúncia, não há. 4. A ninguém é dado ignorar que a parte pode renunciar ou
desistir do recurso ou da ação, sendo a renúncia e a desistência de caráter irrevogável. Mas a doutrina e a jurisprudência têm exigido
cautela quando a renúncia parte do próprio réu, que deveria formalizá-la em termo próprio ou perante o próprio juízo. 5. Incidência da
Súmula 83/STJ. [...] (AgRg nos EDcl no REsp 1230482/CE, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 29/05/2012, DJe
11/06/2012).
426 HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. SENTENÇA DE IMPRONÚNCIA PROLATADA APÓS A VIGÊNCIA DA LEI
Nº 11.689/2008. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO RECEBIDO COMO APELAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. PREVISÃO EXPRESSA QUANTO AO
RECURSO CABÍVEL. ART. 416 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. NÃO INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE. ERRO GROSSEIRO.
INSUFICIÊNCIA DE PROVAS PARA A PRONÚNCIA. PREJUDICIALIDADE DA ALEGAÇÃO. ORDEM PARCIALMENTE PREJUDICADA E, NO RESTANTE,
CONCEDIDA. 1. "A fungibilidade recursal, a teor do art. 579 do CPP, é possível desde que observado o prazo do recurso que se pretenda
reconhecer e a inexistência de erro grosseiro e de má-fé" (REsp 109.8670/SP, 5.ª Turma, Rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, DJe de
13/10/2009). 2. Nos termos do art. 416 do Código de Processo Penal, com redação dada pela Lei n.º 11.689/2008, "contra a sentença de
impronúncia ou de absolvição sumária caberá apelação". 3. A indicação expressa, no Estatuto Processual Penal quanto ao recurso cabível na
espécie, afasta a aplicação do princípio da fungibilidade recursal, diante da constatação do erro grosseiro. [...] (HC 172.515/MG, Rel.
Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 20/03/2012, DJe 29/03/2012).

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Muito embora esteja localizada no capítulo referente às disposições sobre o processo e o
julgamento dos recursos em sentido estrito e das apelações, a vedação à reformatio in pejus se aplica
a todo o sistema recursal.
Ainda sobre o tema, vale relembrar o Enunciado 160 da Súmula de Jurisprudência do STF, que,
inspirada no aludido princípio, afirma que “é nula a decisão do tribunal que acolhe, contra o réu,
nulidade não arguida no recurso da acusação, ressalvados os casos de recurso de ofício”.
Outro princípio normalmente citado é o da taxatividade dos recursos, exigindo-se que haja
previsão legal de sua existência, bem como as hipóteses de cabimento. A taxatividade guarda íntima
relação com o princípio da legalidade, e, por consequência, com a segurança jurídica.
O Código de Processo Penal também deu um sinal evidente de adoção do princípio da
unirrecorribilidade das decisões, ao determinar, no art. 593, § 4º, que, quando cabível a apelação,
não poderá ser usado o recurso em sentido estrito, ainda que somente de parte da decisão se
recorra. Portanto, cada decisão deve ser impugnada por um único recurso.
Mesmo nas hipóteses em que a decisão aparentemente comportaria mais de um recurso, na
realidade não se configura exceção ao aludido princípio, porque se considera individualmente cada
capítulo que a integra, a exemplo do que ocorre nos casos de interposição simultânea de recurso
especial e extraordinário.

13.3 EFEITOS
A interposição do recurso impede a preclusão da matéria, além de autorizar a sua reapreciação
pelo órgão recursal. Dá-se a este último efeito o nome de devolutivo, isto é, a interposição do recurso
devolve ao órgão ad quem o conhecimento da matéria.
De nada adiantaria a postergação da preclusão, se a instância recursal não pudesse conhecer
da matéria decidida pelo juízo responsável pela decisão impugnada. Daí porque todos os recursos
possuem o efeito devolutivo.
Há também os casos em que o ordenamento permite não somente a devolução da matéria,
mas também que se prolongue a ineficácia da decisão427 até que o recurso seja apreciado. A esse
efeito de impedir a eficácia imediata da decisão atribui-se o nome de efeito suspensivo.
No caso do processo penal, o efeito suspensivo deve ser aplicado em consonância com o
princípio da presunção de inocência, a exigir posturas distintas a depender da situação. Por exemplo,
no caso da apelação, dar-se-á o seu recebimento nos dois efeitos se se tratar de sentença
condenatória (art. 597 do CPP). No caso de sentença absolutória, o recurso será recebido tão
somente no efeito devolutivo (art. 596 do CPP).
O art. 580 do Código de Processo Penal contempla uma hipótese de extensão subjetiva dos
efeitos do recurso no caso de concurso de agentes, na medida em que autoriza que a decisão do
recurso interposto por um dos réus, se fundado em motivos que não sejam de caráter
exclusivamente pessoal, aproveite aos demais acusados. Cuida-se do efeito extensivo do recurso.
Por fim, tem-se o efeito regressivo, em razão do qual a reapreciação da matéria será efetuada
pelo mesmo órgão que proferiu a decisão, como ocorre com os embargos de declaração. Cuida-se de

427 O tema a respeito da natureza da decisão sujeita a recurso é controvertido. Reproduzimos o entendimento de Grinover, Gomes Filho e
Fernandes: “Prefere-se a posição, muito aceita entre nós, no sentido de a decisão sujeita a recurso ser ato subordinado a condição
suspensiva: a sentença nasce com todos os requisitos necessários à sua existência, mas, de ordinário, privada de sua eficácia. A não
superveniência de outro pronunciamento, na instância recursal, permite à decisão recorrida irradiar os efeitos próprios. Mas se o órgão ad
quem emite nova decisão (confirmatória ou de reforma), a condição vem a faltar e a decisão da jurisdição superior substitui a de grau
inferior”. (GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antônio Magalhães; FERNANDES, Antônio Scarance. Recursos no processo penal. 3. ed.
rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 50).

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situação excepcional, a ser prevista pela lei, porque, como regra, o recurso deve ser apreciado por
órgão distinto.

13.4 PRESSUPOSTOS RECURSAIS


Apesar de o ordenamento reconhecer o direito ao recurso, corolário do duplo grau de
jurisdição, esse mesmo direito não pode ser incondicionalmente exercitado.
Segundo a doutrina428, para que o recurso seja apreciado, é necessário o preenchimento dos
pressupostos objetivos e subjetivos dos recursos.
Os pressupostos objetivos são:
• Cabimento – pressupõe-se a existência legal do recurso. O cabimento guarda
relação com a taxatividade.
• Adequação – considera-se o caso concreto, isto é, se houve a interposição de
recurso correto contra a decisão que se pretende impugnar429.
• Tempestividade – o recurso deve ser interposto dentro do prazo previsto em lei,
que é peremptório. Em caso de inobservância, a consequência é o não
recebimento do recurso. Entretanto, a parte não pode ser prejudicada se
houver erro, falta ou omissão dos serventuários que prejudique o recebimento
ou o seguimento (art. 575 do CPP).
• Observância das formalidades legais – a apelação e o recurso em sentido
estrito podem ser interpostos por petição ou termo. Os demais, somente por
petição. Há casos também que a lei exige a correspondente motivação, por
exemplo, nos recursos de natureza extraordinária e na apelação contra
sentenças proferidas pelo Tribunal do Júri (art. 593, III, do CPP).
• Inexistência de fato impeditivo ou extintivo – podem ser listadas a renúncia e a
desistência, já examinadas em tópico anterior. A deserção por fuga e o
recolhimento obrigatório à prisão foram revogados respectivamente pela Lei
12.403/11 e pela Lei 11.719/08. Resta apenas o não pagamento das custas,
em caso de ação penal privada, na qual o querelante não seja beneficiário da
justiça gratuita (art. 806 do CPP).

Os pressupostos subjetivos são:


• Legitimação – o recurso poderá ser interposto pelo Ministério Público, ou pelo
querelante, ou pelo réu, seu procurador ou seu defensor (art. 577 do CPP).
Nas ações penais públicas, também possui legitimidade o ofendido ou, na
sua morte ou declarada ausência, o cônjuge, ascendente, descendente ou
irmão (art. 31). Se já houver habilitação como assistente de acusação, o
prazo será o mesmo destinado ao Ministério Público. Do contrário, será de
quinze dias, a partir do término do prazo ministerial (art. 598, parágrafo único,
do CPP). Nas ações penais privadas, o Ministério Público não tem
legitimidade para recorrer de sentença absolutória, se não o fez o querelante.
• Interesse em recorrer – segundo o art. 577, parágrafo único, do CPP, não se
admitirá recurso da parte que não tiver interesse na reforma ou modificação
da decisão. O interesse recursal está ligado à ideia de sucumbência, de
prejuízo, ou seja, de não ter recebido da decisão judicial tudo aquilo que se
pretendia.

428 Há uma corrente doutrinária que sustenta que o direito de recorrer estaria intimamente ligado ao direito de ação e de defesa. Poder-
se-ia dizer, portanto, que os pressupostos recursais estariam para os pressupostos processuais, assim como as condições do recurso
estariam para as condições da ação, com as devidas adaptações. (GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antônio Magalhães;
FERNANDES, Antônio Scarance. Recursos no processo penal. 3. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 72-
75).
429A adequação como requisito autônomo é criticada por parte da doutrina, porque poderia ser enquadrada no próprio cabimento.

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13.5 JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE
Para que um recurso seja conhecido, é necessário que o juízo de admissibilidade tenha sido
favorável, vale dizer, que os pressupostos tenham sido regularmente preenchidos. A hipótese
invertida também é válida: não havendo o cumprimento daqueles requisitos, o recurso não será
conhecido.
Esse juízo de admissibilidade é prévio à apreciação do mérito recursal430. Este, se analisado,
levará ao provimento ou não do recurso. Na sequência lógica, portanto, a análise do mérito é
posterior à admissibilidade.
O juízo de admissibilidade é exercido não somente pelo órgão encarregado de apreciar o
recurso, como também pelo órgão responsável pela decisão impugnada. A existência dessa dupla
filtragem tem por objetivo conferir maior racionalidade ao sistema. Em outras palavras, o juízo
responsável pela decisão atacada faz a análise inicial do recurso quanto aos seus pressupostos,
ocasião em que verificará, em juízo de prelibação, se a sua tramitação é viável. Neste caso,
encaminhará o recurso ao órgão ad quem.
O juízo de admissibilidade passa pela análise de normas cogentes, de ordem pública, sendo
permitida a sua aplicação independentemente de provocação das partes. A única advertência que se
faz é que essa atividade está limitada pelos princípios informativos ou superiores do sistema recursal,
tal como a reformatio in pejus, por exemplo.

13.6 RECURSOS EM ESPÉCIE


13.6.1 APELAÇÃO
A apelação está prevista no art. 593 e seguintes do Código de Processo Penal, sendo cabível
contra sentenças definitivas de condenação ou absolvição (inciso I), ou ainda para impugnar decisões
definitivas, ou com força de definitivas, todas proferidas por juiz singular, desde que não seja cabível,
no caso das decisões, o recurso em sentido estrito (inciso II). Também é cabível contra sentença
proferida pelo Tribunal do Júri (inciso III).
Cuida-se do recurso com a maior amplitude entre os previstos na legislação, podendo ser
devolvida ao órgão recursal toda a matéria de fato e de direito ligada à demanda penal. Na realidade,
quem define o limite da impugnação é o próprio recorrente, em razão da máxima do tantum
devolutum quantum appellatum (art. 599 do CPP). Há uma situação em que a matéria a ser devolvida
encontra limitações. Está ligada às decisões proferidas pelo Tribunal do Júri, diante da previsão
constitucional da soberania dos vereditos (art. 5º, XXXVIII, c, da CF), não podendo o órgão recursal,
em regra, substituir a decisão dos jurados. Em razão dessa limitada atuação do órgão recursal, diz-se
que o recurso de apelação, no caso do Tribunal do Júri, possui fundamentação vinculada, na forma
do Enunciado 713 da Súmula do STF: “O efeito devolutivo da apelação contra decisões do júri é
adstrito aos fundamentos da sua interposição”. No caso do júri, a apelação é cabível quando:
• Ocorrer nulidade posterior à pronúncia – Nesse caso, não há substituição da
decisão proferida pelo Tribunal do Júri, mas tão somente a sua invalidação. Não
há ofensa à soberania dos vereditos, porque haverá outro julgamento pelo órgão
competente – júri popular –, uma vez sanada a nulidade, lembrando que essa
alínea se destina a combater a nulidade que ocorrera após a fase do sumário da
culpa.
• For a sentença do juiz-presidente contrária à lei expressa ou à decisão dos
jurados – Aqui, a parte insurge-se contra erro cometido pelo juiz-presidente por
ocasião da sentença. Não há impugnação à decisão dos jurados propriamente

430Não há coincidência necessária entre o objeto da demanda e o objeto do recurso. Este pode até mesmo versar sobre questão processual
referente à demanda penal, mas não deixará de ser o mérito do recurso.

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dita. O Tribunal deverá readequar a sentença, de modo a sintonizá-la com a
decisão do júri, ou ainda para adequá-la ao ordenamento.
• Houver erro ou injustiça no tocante à aplicação da pena ou da medida de
segurança – Da mesma forma que o item anterior, a apelação também se volta
contra a sentença proferida pelo juiz-presidente, não podendo atingir a decisão
dos jurados. A soberania dos vereditos também se mantém preservada. A
diferença reside no fato de que o erro ou a injustiça na aplicação da pena estará
especificamente relacionado à dosimetria, isto é, concentra-se na operação que o
juiz togado efetuou para se chegar à quantidade da pena aplicável ao caso
concreto. O erro indica equívoco de natureza objetiva, enquanto que a injustiça
estará mais ligada à subjetividade, normalmente conectada à discricionariedade
conferida ao julgador para aferição das circunstâncias judiciais.
• For a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos – Este é,
sem dúvida, o fundamento mais utilizado. E aqui poderia cogitar-se eventual
ofensa à soberania dos vereditos, já que o recurso modificaria a decisão dos
jurados. O Código, entretanto, desenvolveu um mecanismo para pelo menos
minimizar a intromissão. De acordo com o § 3º do art. 593 do CPP, se o tribunal
ad quem se convencer de que a decisão dos jurados é manifestamente contrária à
prova dos autos, dará provimento ao recurso para sujeitar o réu a novo
julgamento. Não se admite, porém, pelo mesmo motivo, segunda apelação. Assim,
qualquer que seja a decisão do Tribunal do Júri no segundo julgamento, não há
mais como o tribunal modificá-la, sob o mesmo fundamento, independentemente
de o recurso ter sido interposto pela acusação ou pela defesa. Mesmo que haja
crimes conexos, e em apenas um deles o julgamento tenha sido manifestamente
contrário à prova dos autos, renova-se, por uma única vez, o julgamento por
completo431.
Já foi dito no item anterior que a incidência do efeito suspensivo pode variar de acordo com o
resultado do julgamento. No caso da apelação, somente haverá efeito suspensivo se a sentença for
condenatória, em razão do princípio da presunção de inocência, ficando afastadas as hipóteses
previstas no art. 597 que disponham em sentido contrário. No caso de absolvição, o réu deverá ser
colocado imediatamente em liberdade (art. 596 do CPP).
Quanto ao procedimento, o prazo para interpor o recurso de apelação é de cinco dias,
podendo o recorrente optar entre a interposição por petição ou por termo nos autos (art. 600 do
CPP).
Não há obrigação de o recorrente apresentar as razões desde logo, caso em que será intimado
para apresentá-las, no prazo de oito dias, concedendo-se posteriormente o mesmo prazo ao
recorrido432. O Código de Processo Penal ainda permite a apresentação de razões na instância
superior (art. 600, § 4º, do CPP). Havendo assistente, este disporá de três dias, após o Ministério
Público.
Há entendimento no sentido de que a falta de razões poderia configurar nulidade433. Porém, o
STF já entendeu diferentemente, considerando suficiente a intimação da defesa técnica434. Quando o

431HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO E FORMAÇÃO DE QUADRILHA. PRETENSÃO DE NOVO JULGAMENTO PERANTE O TRIBUNAL DO JÚRI
SOMENTE COM RELAÇÃO ÀS QUALIFICADORAS E AO CRIME DE QUADRILHA. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE SUBMISSÃO AO JÚRI DE
TODO O CASO E NÃO SOMENTE PARTE DELE. 1. Conforme a jurisprudência desta Corte, é inviável a anulação parcial da sentença proferida
pelo Tribunal Popular quanto às qualificadoras ou circunstâncias atenuantes e demais crimes conexos, determinando submissão do réu a
novo julgamento somente em relação a essas questões, quando a decisão dos jurados for manifestamente contrária à prova dos autos. 2. O
novo julgamento significa um novo corpo de jurados, a quem caberá a apreciação de toda a acusação, pois o reconhecimento, por exemplo,
de qualquer qualificadora, sendo elementar do tipo penal, implica, necessariamente, em revolvimento do fato em sua integralidade. [...]
(HC 96.414/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado em 16/12/2010, DJe 01/02/2011).
432 Segundo o código, o prazo será reduzido para três dias na hipótese de contravenção, situação atualmente de difícil ocorrência, diante
do rito sumaríssimo.
433 PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS-CORPUS. AUSÊNCIA DE RAZÕES AO RECURSO DE APELAÇÃO. NULIDADE ABSOLUTA. - Interposta
apelação, constitui nulidade absoluta a ausência das razões pelo defensor constituído, ainda que intimado. - Para a efetiva aplicação das
garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório, a doutrina e jurisprudência têm se orientado no sentido de não aplicação
literal da regra contida no artigo 601 do Código de Processo Penal, na medida em que, não sendo apresentadas as razões de apelação pelo
patrono constituído, seja o réu intimado para substituí-lo ou, havendo indiferença do acusado, lhe seja nomeado defensor dativo pelo
magistrado. - Habeas corpus concedido. (HC 21.633/ES, Rel. Ministro VICENTE LEAL, SEXTA TURMA, julgado em 15/08/2002, DJ 02/09/2002, p.

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réu figurar como recorrente, há também o entendimento no sentido de que a falta de apresentação
das razões devolve totalmente a matéria ao tribunal.
Por fim, tratando-se de infração penal a que a lei comine pena de reclusão, o Código de
Processo Penal impõe a atuação de revisor (art. 613, I), dispensada quando se tratar de detenção
(art. 610).

13.6.2 RECURSO EM SENTIDO ESTRITO


O Recurso em Sentido Estrito (RSE) está previsto a partir do art. 581 do Código de Processo
Penal, sendo normalmente cabível contra decisões interlocutórias mistas. No caso de interlocutórias
simples, a regra geral é a de que não há recurso cabível, à exceção das hipóteses ali listadas. A
propósito, o rol é taxativo, não cabendo ampliação por interpretação ou integração435.
Vejamos as hipóteses mais comuns de cabimento do RSE (art. 581).

13.6.2.1 NÃO RECEBER A DENÚNCIA OU A QUEIXA


Com o advento da Lei 11.719/08, que revogou o art. 43 do CPP, todas as hipóteses de rejeição
de denúncia ou queixa são de natureza processual (art. 395), a justificar a interposição de recurso em
sentido estrito.
Segundo dispõe o Enunciado 707 da Súmula do STF: “constitui nulidade a falta de intimação do
denunciado para oferecer contrarrazões ao recurso interposto da rejeição da denúncia, não a
suprindo a nomeação de defensor dativo”.
Ainda sobre o mesmo tema: “salvo quando nula a decisão de primeiro grau, o acórdão que
provê o recurso contra a rejeição da denúncia vale, desde logo, pelo recebimento dela” (Enunciado
709).
Não há previsão de recurso contra a decisão que recebe a denúncia ou queixa, podendo a
parte, se for o caso, utilizar o habeas corpus.

13.6.2.2 CONCLUIR PELA INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO


A descrição é autoexplicativa. Ocorre quando o juízo reconhece não ser competente para
julgar a demanda penal, seja por desclassificação, seja por erro do autor na escolha do juízo
competente.
No caso de reconhecimento da competência, poderia, em tese, ser cabível o habeas corpus.

250).
434 EMENTA: HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. INÉRCIA DA DEFESA INTIMADA PARA APRESENTAÇÃO DAS RAZÕES E CONTRA-RAZÕES
RECURSAIS: CERCEAMENTO DE DEFESA: NÃO CARACTERIZAÇÃO. PRECEDENTES. HABEAS CORPUS DENEGADO. 1. A jurisprudência deste
Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que a ausência de razões de apelação e de contra-razões à apelação do Ministério
Público não é causa de nulidade por cerceamento de defesa, se o defensor constituído pelo réu foi devidamente intimado para apresentá-
las. Precedentes. 2. Habeas corpus denegado. (HC 91251, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Primeira Turma, julgado em 19/06/2007, DJe-082
DIVULG 16-08-2007 PUBLIC 17-08-2007 DJ 17-08-2007 PP-00059 EMENT VOL-02285-04 PP-00824 RT v. 96, n. 866, 2007, p. 580-583).
435PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. DECISÃO QUE DEFERIU PEDIDO DE SUBSTITUIÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA
DO RECORRIDO POR PRISÃO DOMICILIAR. NÃO CABIMENTO. CPP, ART. 581. ROL TAXATIVO. RECURSO NÃO CONHECIDO. 1. O elenco de
hipóteses de cabimento do recurso em sentido estrito a que se refere o art. 581 do Código de Processo Penal é taxativo, não sendo
pertinente este instrumento recursal contra decisão que deferiu o pedido de substituição da prisão preventiva do recorrido por prisão
domiciliar. 2. Recurso não conhecido. (RSE, DESEMBARGADOR FEDERAL HILTON QUEIROZ, TRF1 - QUARTA TURMA, e-DJF1 DATA:08/02/2013
PÁGINA:1334).

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13.6.2.3 JULGAR PROCEDENTES AS EXCEÇÕES, SALVO A DE SUSPEIÇÃO


As exceções podem ser peremptórias, tais como as de litispendência, coisa julgada e
ilegitimidade de parte, ou meramente dilatórias, a exemplo da exceção de incompetência, conforme
possam ou não pôr fim ao processo.
No caso específico da incompetência, caberá o RSE com base neste inciso sempre que a
matéria for decidida em exceção. Em qualquer outra situação, enquadra-se o RSE no inciso anterior.
O Código de Processo Penal, ao excluir a hipótese de suspeição, guarda sintonia com o
disposto nos arts. 104 e 105, os quais afirmam serem irrecorríveis as decisões que apreciam a
exceção de suspeição de membro do Ministério Público, peritos, intérpretes e serventuários ou
funcionários da justiça.

13.6.2.4 PRONUNCIAR O RÉU


Cuida-se de típica decisão interlocutória mista, porque põe fim a uma etapa bem definida do
procedimento escalonado do júri. A decisão de impronúncia, após a Lei 11.689/08, passou a ser
combatida através de apelação, não sendo mais hipótese de recurso em sentido estrito.

13.6.2.5 CONCEDER, NEGAR, ARBITRAR, CASSAR OU JULGAR INIDÔNEA A


FIANÇA, INDEFERIR REQUERIMENTO DE PRISÃO PREVENTIVA OU REVOGÁ-
LA, CONCEDER LIBERDADE PROVISÓRIA OU RELAXAR A PRISÃO EM
FLAGRANTE
Nota-se que, no caso de prisão provisória, o RSE será cabível quando a decisão for a favor do
indiciado ou acusado. Logo, trata-se de instrumento à disposição do autor da ação penal. Quando a
hipótese for invertida, não há recurso disponível, restando apenas o habeas corpus.
13.6.2.6 JULGAR QUEBRADA A FIANÇA OU PERDIDO O SEU VALOR
Poderia haver a inclusão dessas hipóteses no inciso anterior, facilitando-se o enquadramento
do recurso para qualquer hipótese envolvendo a fiança.

13.6.2.7 DECRETAR A PRESCRIÇÃO OU JULGAR, POR OUTRO MODO, EXTINTA


A PUNIBILIDADE
Pode-se dizer que esta hipótese de cabimento se encontra tacitamente revogada, porque, com
o advento da Lei 11.719/08, a extinção da punibilidade passou a ser causa de absolvição sumária, nos
termos do art. 397, IV, do CPP, passível de interposição de recurso de apelação. Caso a extinção se dê
durante a execução penal (art. 66, II, da LEP), caberá o agravo (art. 197 da LEP).

13.6.2.8 INDEFERIR O PEDIDO DE RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO OU DE


OUTRA CAUSA EXTINTIVA DA PUNIBILIDADE
Situação inversa da prevista no item anterior, permanecendo válida a interposição de RSE, à
exceção do agravo, tal como acima observado.

13.6.2.9 CONCEDER OU NEGAR A ORDEM DE HABEAS CORPUS

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Apesar da imprecisão técnica, pelo fato de se tratar de ação autônoma de impugnação, e não
de um recurso propriamente dito, o Código de Processo Penal mantém a sentença436 que nega ou
concede a ordem de habeas corpus como impugnável mediante RSE.

13.6.2.10 ANULAR O PROCESSO DA INSTRUÇÃO CRIMINAL, NO TODO OU EM


PARTE
Não há maiores dificuldades, cabendo apenas ressaltar que não há previsão de recurso para a
decisão que não acolhe o requerimento de nulidade, podendo a matéria ser discutida em apelação
ou habeas corpus, se for o caso.

13.6.2.11 CONVERTER A MULTA EM DETENÇÃO OU EM PRISÃO SIMPLES


Deu-se a revogação tácita da regra, pois, desde a Lei 9.268/96, não se mostra possível a
conversão da multa em pena privativa de liberdade.
As hipóteses contidas nos incisos XI, XII, XVII e XIX a XXIII tratam evidentemente de decisões
proferidas durante a execução penal, motivo pelo qual estão sujeitas ao agravo previsto na LEP (art.
197), não mais se aplicando o RSE. No caso específico do inciso XI, há ainda a possibilidade de a
questão ter sido definida na sentença, ocasião em que caberá apelação (art. 593, § 4º, do CPP).
Em regra, o recurso em sentido estrito não tem efeito suspensivo, salvo nas hipóteses
descritas no caput do art. 584 do CPP. Vale relembrar que o inciso XXIV do art. 581 foi tacitamente
revogado, enquanto que os casos previstos no § 1º do art. 584 atualmente são impugnáveis
mediante recurso de apelação. A suspensão do julgamento, no caso do RSE contra decisão de
pronúncia (§ 2º), equivale de fato à suspensão do feito, porque a segunda fase do rito escalonado do
júri se inicia apenas quando preclusa a decisão de pronúncia (art. 421).
Parcela da doutrina ainda reconhece o efeito regressivo, por conta do juízo de retratação de
que dispõe o juiz que proferiu a decisão.
Assim como na apelação, o recurso em sentido estrito pode ser interposto por petição ou
termo nos autos, no prazo de cinco dias.
Nas situações previstas no art. 583, que se resumem à inexistência de prejuízo para a
tramitação do feito, o recurso será processado nos próprios autos, que serão encaminhados ao
tribunal. Do contrário, deverá ser formado instrumento, nos termos do art. 587 do CPP, devendo a
parte interessada apontar as peças dos autos que pretenda trasladar (facultativas), além da decisão
recorrida, a certidão de sua intimação, se por outra forma não for possível verificar-se a
oportunidade do recurso, e o termo de interposição (obrigatórias).
O prazo para o oferecimento de razões, caso o recorrente não as tenha apresentado quando
da interposição, será de dois dias, devendo ser concedido o mesmo prazo para o recorrido (art. 588).
Não há previsão de juntada apresentação das razões perante o tribunal, ao contrário do que ocorre
na apelação.

436Segundo Grinover, Gomes Filho e Fernandes, “a sentença é o ato do juiz que põe fim ao processo e soluciona a lide, decidindo,
portanto, o mérito da causa. Evidente, portanto, que a decisão final proferida em habeas corpus se inclui nessa categoria” (GRINOVER, Ada
Pellegrini; GOMES FILHO, Antônio Magalhães; FERNANDES, Antônio Scarance. Recursos no processo penal. 3. ed. rev. atual. e ampl. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 377).

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Após, o juiz poderá retratar-se ou manter a decisão impugnada, podendo ainda determinar a
juntada de outras peças que entenda necessárias à formação do instrumento (art. 589). Em caso de
retratação, poderá ser interposto novo RSE, mas desta vez sem nova possibilidade de retratação
(parágrafo único).

13.6.3 PROTESTO POR NOVO JÚRI


O protesto por novo júri era privativo da defesa, admitido quando a sentença condenatória
fosse de reclusão por tempo igual ou superior a vinte anos (art. 607).
Extremamente criticado, em razão da inútil repetição de julgamentos tão somente por causa
do tamanho da pena aplicada, ainda que nada de irregular houvesse ocorrido, o protesto por novo
júri acabava funcionando como “teto” para as condenações.
O protesto por novo júri foi expressamente revogado pela Lei 11.689/08. No entanto,
sedimentou-se no STJ a compreensão de que o marco para a aplicação do artigo 4º da Lei 11.689/08
é a decisão de mérito proferida pelo Tribunal Popular, de modo que se a sentença houver sido
prolatada antes da nova legislação, o recurso deve ser aceito, ao passo que se for a ela posterior, não
é mais cabível” (STJ, 5ª T., HC 337177, j. 15/12/2015).

13.6.4 EMBARGOS INFRINGENTES OU DE NULIDADE


A previsão legal dos embargos infringentes ou de nulidade está assentada no parágrafo único
do art. 609 do CPP, sendo o referido recurso cabível quando a decisão de segunda instância, no
julgamento de apelação ou recurso em sentido estrito, for por maioria e desfavorável ao réu.
Portanto, os requisitos são os seguintes:
• que a decisão seja em julgamento de apelação ou recurso em sentido
estrito;
• que a decisão não seja unânime;
• que a decisão seja desfavorável ao réu.

Portanto, não caberiam embargos infringentes em ação penal originária437, sendo este
entendimento recentemente reafirmado pelo Superior Tribunal de Justiça438.

437PROCESSO PENAL. EMBARGOS INFRINGENTES. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. NÃO-CABIMENTO. RECURSOS NÃO CONHECIDOS. 1. Já é
pacífica a jurisprudência desta Corte, bem como a do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que os embargos infringentes, em matéria
penal, são cabíveis de decisão não unânime de Tribunal de segundo grau, no julgamento de apelação ou recurso em sentido estrito, sendo,
portanto, inadmissíveis contra decisões proferidas em ação penal de competência originária de Tribunal. 2. Recursos especiais não
conhecidos. (REsp 351.383/SC, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 03/10/2006, DJ 30/10/2006, p. 372).
438 PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. SÚMULAS 315 E
168/STJ. PRETENSÃO DE APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE RECURSAL, PARA QUE OS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA SEJAM
RECEBIDOS COMO PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. INAPLICABILIDADE. INDEFERIMENTO LIMINAR. ART. 266, § 3º, DO
RISTJ. DESCABIMENTO DE EMBARGOS INFRINGENTES, EM SEDE DE AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA DE TRIBUNAL DE 2º GRAU. JURISPRUDÊNCIA
DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. [...] V. Ademais, ainda que assim não fosse, quanto à matéria de fundo, objeto do próprio
Recurso Especial, melhor sorte não socorre ao agravante, pela aplicação também da Súmula 168/STJ. Com efeito, segundo a jurisprudência
do STJ, "é inadmissível a interposição de embargos infringentes contra acórdão não unânime que julgou, na Corte Estadual, ação penal
originária" (STJ, AgRg no Ag 1321228/MS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, DJe de 04/04/2011). No mesmo sentido: "embora o
acórdão recorrido tenha sido proferido por decisão majoritária, não cabe cogitar, na espécie, de eventual incidência do enunciado nº 281
do Supremo Tribunal Federal, já que o cabimento dos embargos infringentes - necessários, em regra, para o esgotamento das instâncias - se
restringe a julgamentos não unânimes "de 2ª instância", ou seja, "não alcança a hipótese", como a dos presentes autos, "de o tribunal atuar
originariamente para processar e julgar a ação penal" (v.g., REsp 80.032/RJ, Rel. Ministro LUIZ VICENTE CERNICCHIARO, SEXTA TURMA,
julgado em 24/09/1997, DJ 17/11/1997)" (STJ, REsp 297.569/RJ, Rel. Ministro CELSO LIMONGI (Desembargador Convocado do TJ/SP), SEXTA
TURMA, DJe de 09/03/2011). Incidência da Súmula 168/STJ. VI. Agravo Regimental desprovido. (AgRg nos EAg 1321228/MS, Rel. Ministra
ASSUSETE MAGALHÃES, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 27/02/2013, DJe 05/03/2013).

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Ocorre que, mais recentemente, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da AP 470,
popularmente conhecida como o caso do “Mensalão”, admitiu expressamente os embargos
infringentes em ação penal originária439.
Caso o desacordo seja parcial, os embargos serão restritos à matéria objeto de divergência.

13.6.5 CARTA TESTEMUNHÁVEL


A carta testemunhável está prevista nos arts. 639 a 645 do CPP. É cabível contra a decisão que
denegar o recurso, ou ainda contra a que, embora o tenha admitido, obsta a sua expedição e
seguimento para o órgão recursal competente. Logo, tem por objetivo o destravamento do recurso.
Entretanto, a sua utilização atualmente é bastante restrita, não servindo para destravar
apelações (art. 581, XV), tampouco para os recursos especial e extraordinário, sendo que, nestas
duas últimas situações, o ordenamento estabelece o cabimento de agravo (Lei 8.038/90).
A carta testemunhável não é endereçada ao magistrado, mas ao diretor de secretaria ou ao
secretário do tribunal, conforme o caso, devendo ser apresentada no prazo de quarenta e oito horas.
O instrumento, devidamente formado pelas peças indicadas pelo recorrente, deve ser
remetido ao tribunal. O órgão recursal mandará processar o recurso, ou, se estiver suficientemente
instruída, decidirá nos autos da própria carta testemunhal, aplicando-se o procedimento previsto
para o recurso trancado.
A carta testemunhável não terá efeito suspensivo (art. 646)440.

13.6.6 INSTÂNCIA RECURSAL EXTRAORDINÁRIA


13.6.6.1 RECURSO ESPECIAL
A Constituição Federal outorgou ao Superior Tribunal de Justiça a competência para o
julgamento do recurso especial, atribuição intimamente ligada à sua missão institucional, que é a
tutela da legislação infraconstitucional (art. 105, III, da CF).

439Segundo o Informativo/STF 720: “Em conclusão de julgamento de agravos regimentais, o Plenário, por maioria, admitiu a interposição
de embargos infringentes em face de decisão que condenara diversas pessoas pela prática de esquema a abranger, dentre outros crimes,
peculato, lavagem de dinheiro, corrupção ativa e gestão fraudulenta — v. Informativos 718 e 719. Preliminarmente, por decisão majoritária,
o Tribunal rejeitou questão suscitada pelo Ministro Marco Aurélio, que assentava a preclusão consumativa, tendo em vista a oposição
simultânea de embargos declaratórios e embargos infringentes, pelas mesmas partes. A Corte reputou que os recursos interpostos
cumulativamente teriam âmbito de cognição e objetos diferentes um do outro, e que incidiria o princípio da eventualidade, aplicado
subsidiariamente ao CPP. Vencido o suscitante. No mérito, o Ministro Celso de Mello proferiu voto de desempate no sentido de admitir a
possibilidade de utilização, na espécie, dos embargos infringentes (RISTF, art. 333, I), desde que existentes, pelo menos, quatro votos
vencidos, acompanhando a divergência iniciada pelo Ministro Roberto Barroso. Considerou, em sua manifestação, que o art. 333, I, do
RISTF não sofrera, no ponto, derrogação tácita ou indireta em decorrência da superveniente edição da Lei 8.038/90, que se limitara a dispor
sobre normas meramente procedimentais concernentes a causas penais originárias, indicando-lhes a ordem ritual e regendo-as até o
encerramento da instrução probatória. Afirmou que o tema deveria ser examinado à luz de dois critérios: o da reserva constitucional de lei,
de um lado, e o da reserva constitucional do regimento, de outro. Explicou que a Constituição delimitaria o campo de incidência da
atividade legislativa, e vedaria ao Congresso a edição de normas que disciplinassem matérias reservadas, com exclusividade, à competência
normativa dos tribunais. Aduziu que, por essa razão, o STF teria julgado inconstitucionais normas que transgrediriam a cláusula de reserva
constitucional de regimento. Esta qualidade, segundo o Ministro Celso de Mello, transformaria o texto regimental em sedes materiae no
que concerne aos temas sujeitos ao exclusivo poder de regulação normativa dos tribunais. Afirmou, portanto, que o art. 333, I, do RISTF,
embora de natureza formalmente regimental, teria caráter material de lei, e fora recebido pela nova ordem constitucional com essa
característica. Assinalou, entretanto, que, atualmente, faleceria ao STF o poder de derrogar normas regimentais veiculadoras de conteúdo
processual, que somente poderiam ser alteradas mediante lei em sentido formal, nos termos da Constituição. AP 470 AgR - vigésimo
quinto/MG, rel. orig. Min. Joaquim Barbosa, red. p/ o acórdão Min. Teori Zavascki. (AP-470)”.
440PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CARTA TESTEMUNHÁVEL. EFEITO SUSPENSIVO. AUSÊNCIA
DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. A devida comprovação do direito líquido e certo é condição intransponível à concessão do mandado de
segurança. Na hipótese vertente, tal circunstância não se encontra evidenciada em razão da não concessão de efeito suspensivo a carta
testemunhável, pois há, inclusive, dispositivo legal (art. 646 do CPP) neste sentido. (Precedente do STF). Recurso desprovido. (RMS
23.152/MG, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 27/03/2008, DJe 12/05/2008).

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Trata-se inegavelmente de recurso de natureza extraordinária, ao lado do recurso
extraordinário propriamente dito, este da competência do Supremo Tribunal Federal, porque neles
não se analisa a matéria fática, que encontra a sua definição nas cortes inferiores, responsáveis pelo
julgamento dos recursos de natureza ordinária. Essa é a primeira e talvez a mais importante
característica do recurso especial: todos os esforços são direcionados à solução da controvérsia
acerca do direito infraconstitucional.
Assim, compete ao STJ julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última
instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e
Territórios, quando a decisão recorrida:
• Contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência - A primeira
hipótese é mais difícil de ser visualizada, apesar de muito utilizada, por
não haver um critério seguro de aferição da ocorrência da
contrariedade. Ao revés, não se tem a mesma dificuldade quando
ocorre a negativa de vigência, porque, nessas situações, tribunal
explicitamente recusa a aplicabilidade de determinada norma federal.
• Julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal - A
EC 45/04 deslocou para o STF a competência para julgar a validade de
lei local em face de lei federal, porque, em última análise, a questão é
constitucional. A partir de então, somente o ato de governo local,
obviamente excluído o legislativo, é submetido à análise do STJ.
• Der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído
outro tribunal - A questão aqui envolve a uniformização da
jurisprudência, isto é, da interpretação que os tribunais derem a
determinada norma federal.

Tratando-se de recurso de natureza extraordinária, exige-se o esgotamento da discussão


envolvendo a questão de direito pelos tribunais inferiores. Somente assim haverá um
posicionamento definitivo das respectivas cortes, justificando-se a atuação do STJ.
Nesse sentido, surge o prequestionamento, que tem justamente o objetivo de provocar o
tribunal inferior para que ele se pronuncie expressamente sobre a questão de direito suscitada pela
parte. Para tanto, se for o caso, deverá utilizar os embargos de declaração.

No âmbito do processo penal, o efeito suspensivo não era em regra admitido (art. 27, § 2º, da
Lei 8.038/90 – dispositivo atualmente revogado). O Supremo Tribunal Federal possuía precedentes
nesse sentido441, afastando-o somente em situações excepcionais, e que justificavam, quando
cabível, o ajuizamento de demanda cautelar para esse fim442. Esse também era o entendimento do
Superior Tribunal de Justiça para os recursos especiais443. Mas, no julgamento do HC 84.078/MG, o

441 EMENTA Habeas corpus. Constitucional. Processual penal. Execução provisória da pena. Pendência de julgamento dos Recursos especial
e extraordinário. Ofensa ao princípio da presunção da inocência: não ocorrência. Precedentes. 1. A jurisprudência desta Corte é no sentido
de que a pendência do recurso especial ou extraordinário não impede a execução imediata da pena, considerando que eles não têm efeito
suspensivo, são excepcionais, sem que isso implique em ofensa ao princípio da presunção da inocência. 2. Habeas corpus indeferido. (HC
90645, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. MENEZES DIREITO, Primeira Turma, julgado em 11/09/2007, DJe-142
DIVULG 13-11-2007 PUBLIC 14-11-2007 DJ 14-11-2007 PP-00051 EMENT VOL-02299-02 PP-00227 RTJ VOL-00205-01 PP-00260 RMP n. 36,
2010, p. 233-236).
442 DIREITO PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. ATRIBUIÇÃO DE EFEITO SUSPENSIVO AO RECURSO EXTRAORDINÁRIO.
EXCEPCIONALIDADE. IMPROVIMENTO. [...] 3. Excepcionalidade da atribuição de efeito suspensivo ao recurso extraordinário exige,
concomitantemente, o juízo positivo de admissibilidade do recurso extraordinário no tribunal de origem, a viabilidade processual do
recurso extraordinário devido à presença dos pressupostos extrínsecos e intrínsecos do referido recurso, a plausibilidade jurídica da
pretensão de direito material deduzida no recurso extraordinário e a comprovação da urgência da pretensão cautelar. [...] (AC 1420 MC-
AgR, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 24/06/2008, DJe-157 DIVULG 21-08-2008 PUBLIC 22-08-2008 EMENT VOL-
02329-01 PP-00025).
443 HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. ROUBO. PENA-BASE FIXADA NO MÍNIMO. INEXISTÊNCIA DE CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS
DESFAVORÁVEIS. RÉU PRIMÁRIO. REGIME INICIAL FECHADO PARA CUMPRIMENTO DA PENA. IMPROPRIEDADE. INOBSERVÂNCIA DO
DISPOSTO NO ART. 33, § 2.º, ALÍNEA B, E § 3.º DO CÓDIGO PENAL. APELAÇÃO JULGADA. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA. EXPEDIÇÃO
IMEDIATA DE MANDADO DE PRISÃO. POSSIBILIDADE. RECURSOS ESPECIAL E EXTRAORDINÁRIO. AUSÊNCIA DE EFEITO SUSPENSIVO. [...] 2.

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entendimento passou a ser o oposto. Entendeu-se não ser possível a execução provisória da pena na
pendência de recurso especial ou extraordinário, exigindo-se o trânsito em julgado da sentença penal
condenatória. Entretanto, como já mencionado no item 6.1, em recentíssimo julgamento (HC
126.292 – 17/02/2016), o STF restabeleceu o entendimento acerca da possibilidade do início do
cumprimento da pena.

13.6.6.2 RECURSO EXTRAORDINÁRIO


O recurso extraordinário, ao lado do recurso especial, também é de natureza extraordinária.
Praticamente todas as observações feitas no item anterior também se aplicam ao RE, tais como a não
incursão sobre a matéria fática, a necessidade de esgotamento das instâncias inferiores, o
prequestionamento e o efeito suspensivo.
A diferença mais marcante entre os recursos é o objeto: enquanto o recurso especial atua no
plano da legalidade, ou seja, no plano infraconstitucional, o recurso extraordinário tem o seu
funcionamento na área destinada à constitucionalidade das leis, em patamar superior.
Em relação ao cabimento, compete ao STF julgar, mediante recurso extraordinário, as causas
decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida:
• contrariar dispositivo da Constituição Federal;
• declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;
• julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta
Constituição;
• julgar válida lei local contestada em face de lei federal.

Houve o deslocamento da competência do STJ para o STF quando a decisão recorrida julgar
válida lei local contestada em face de lei federal, o que se deu com a vigência da EC 45/04.

13.6.6.3 PROCEDIMENTO – DISPOSIÇÕES COMUNS – RECURSO ESPECIAL E


EXTRAORDINÁRIO444
A Lei 8.038/90 conferira procedimento semelhante aos recursos especial e extraordinário. No
entanto, o atual Código de Processo Civil revogou as disposições da lei atinentes a tais recursos, que
passam a ser regidos, nas esferas cível e penal, pela Lei nº 13.105/15 (novo CPC).
O prazo é comum – quinze dias –, devendo o recurso ser apresentado perante o presidente do
tribunal recorrido, em petições distintas, que conterão a exposição do fato e do direito, a
demonstração do cabimento do recurso interposto e as razões do pedido de reforma da decisão
recorrida (art. 1029).
No caso de recurso fundado em dissídio jurisprudencial, a prova da divergência será feita com
a certidão, cópia ou citação do repositório de jurisprudência, oficial ou credenciado, inclusive em
mídia eletrônica, em que houver sido publicado o acórdão divergente, ou ainda com a reprodução de
julgado disponível na rede mundial de computadores, com indicação da respectiva fonte, devendo-
se, em qualquer caso, mencionar as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos
confrontados (§1º).

Não há qualquer ilegalidade no superveniente acórdão do Tribunal a quo que determina a prisão do Paciente, dando início à execução
provisória da pena. A custódia atacada constitui-se mero efeito da condenação, já que os recursos eventualmente interpostos, quais sejam,
o recurso extraordinário e o especial, não têm efeito suspensivo, não se cogitando, por conseguinte, de reformatio in pejus. Precedentes do
Superior Tribunal de Justiça. [...] (HC 67.984/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 20/11/2007, DJ 17/12/2007, p. 239).
444 O NCPC revogou expressamente os artigos 13 a 18, 26 a 29 e 38, todos da Lei 8.038/90. Portanto, atentar-se para tal fato a partir da
entrada em vigor do novo código.

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O recorrido será intimado para, no mesmo prazo, apresentar as suas razões, findo o qual o
órgão competente do tribunal deverá (i) negar seguimento em caso de inexistência de repercussão
geral ou de conformidade do acórdão com o entendimento do órgão ad quem; (ii) encaminhar o
processo ao órgão julgador para realização do juízo de retratação, se o acórdão recorrido divergir do
entendimento do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça exarado, conforme o
caso, nos regimes de repercussão geral ou de recursos repetitivos; (iii) sobrestar o recurso que versar
sobre controvérsia de caráter repetitivo ainda não decidida pelos Tribunais Superiores; (iv) selecionar
o recurso como representativo de controvérsia constitucional ou infraconstitucional; (v) realizar o
juízo de admissibilidade (art. 1030).
Em caso de denegação, cabe agravo em recurso especial ou extraordinário, nos termos do
artigo 1.042.
Se houver a interposição simultânea de recursos, compete ao STJ, em regra, apreciar o
especial em primeiro lugar, após o que os autos serão remetidos ao STF para apreciação do recurso
extraordinário, se este não estiver prejudicado. A ordem de apreciação pode ser invertida em caso
de prejudicialidade.

13.6.6.4 ENUNCIADOS (SÚMULAS)


Parte da compreensão do sistema recursal extraordinário pode ser extraída da leitura dos
enunciados emitidos pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Supremo Tribunal Federal. Percebe-se
claramente a tentativa cada vez mais incisiva de tornar a referida instância recursal mais estreita e,
paradoxalmente, mais eficiente.
Isso porque, quanto maior for a porta de entrada, menor será a eficiência do tribunal. É
preciso que a corte tenha tempo para se dedicar às grandes questões, potencializando a utilização de
instrumentos como a repercussão geral e a sistemática dos recursos repetitivos.
A seguir, os principais enunciados relacionados à matéria:

Superior Tribunal de Justiça:


• 518 - Para fins do art. 105, III, a, da Constituição Federal, não é cabível recurso
especial fundado em alegada violação de enunciado de súmula.
• 418 - É inadmissível o recurso especial interposto antes da publicação do acórdão
dos embargos de declaração, sem posterior ratificação.
• 211 - Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de
embargos declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal a quo.
• 207 - É inadmissível recurso especial quando cabíveis embargos infringentes contra o
acórdão proferido no Tribunal de origem.
• 203 - Não cabe recurso especial contra decisão proferida por órgão de segundo grau
dos Juizados Especiais.
• 126 - É inadmissível recurso especial, quando o acórdão recorrido assenta em
fundamentos constitucional e infraconstitucional, qualquer deles suficiente, por si só,
para mantê-lo, e a parte vencida não manifesta recurso extraordinário.

• 83 - Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do


Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida.
• 13 - A divergência entre julgados do mesmo tribunal não enseja recurso especial.
• 7 - A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial.

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Supremo Tribunal Federal:
• 727 - Não pode o magistrado deixar de encaminhar ao Supremo Tribunal Federal o
agravo de instrumento interposto da decisão que não admite recurso extraordinário,
ainda que referente a causa instaurada no âmbito dos juizados especiais.
• 640 - É cabível recurso extraordinário contra decisão proferida por juiz de primeiro
grau nas causas de alçada, ou por turma recursal de juizado especial cível e criminal.
• 636 - Não cabe recurso extraordinário por contrariedade ao princípio constitucional da
legalidade, quando a sua verificação pressuponha rever a interpretação dada a normas
infraconstitucionais pela decisão recorrida.
• 635 - Cabe ao presidente do tribunal de origem decidir o pedido de medida cautelar
em recurso extraordinário ainda pendente do seu juízo de admissibilidade.
• 634 - Não compete ao Supremo Tribunal Federal conceder medida cautelar para dar
efeito suspensivo a recurso extraordinário que ainda não foi objeto de juízo de
admissibilidade na origem.
• 456 - O Supremo Tribunal Federal, conhecendo do recurso extraordinário, julgará a
causa, aplicando o direito à espécie.
• 400 - Decisão que deu razoável interpretação à lei, ainda que não seja a melhor, não
autoriza recurso extraordinário pela letra "a" do art. 101, III, da Constituição Federal.
• 369 - Julgados do mesmo tribunal não servem para fundamentar o recurso
extraordinário por divergência jurisprudencial.
• 356 - O ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos
declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do
prequestionamento.
• 355 - Em caso de embargos infringentes parciais, é tardio o recurso extraordinário
interposto após o julgamento dos embargos, quanto à parte da decisão embargada que
não fora por eles abrangida.
• 287 - Nega-se provimento ao agravo, quando a deficiência na sua fundamentação, ou
na do recurso extraordinário, não permitir a exata compreensão da controvérsia.
• 286 - Não se conhece do recurso extraordinário fundado em divergência
jurisprudencial, quando a orientação do plenário do Supremo Tribunal Federal já se
firmou no mesmo sentido da decisão recorrida.
• 283 - É inadmissível o recurso extraordinário, quando a decisão recorrida assenta em
mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles.
• 282 - É inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão
recorrida, a questão federal suscitada.
• 281 – É inadmissível o recurso extraordinário, quando couber na justiça de origem,
recurso ordinário da decisão impugnada.
• 279 - Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário.

13.6.7 AGRAVO EM EXECUÇÃO


O agravo em execução penal está previsto no art. 197 da LEP, segundo o qual, contra as
decisões proferidas pelo juiz durante a execução penal, caberá o referido recurso.
A lei não estabelece qual o procedimento a ser observado, surgindo a partir de então a
primeira controvérsia, findando a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça pela aplicação do
procedimento relativo ao recurso em sentido estrito445.

445 HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. COMUTAÇÃO. AGRAVO EM EXECUÇÃO. DECISÃO MONOCRÁTICA DO DESEMBARGADOR RELATOR.
APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART. 557 DO CPC. IMPOSSIBILIDADE. MESMO RITO DO RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. PRECEDENTES DO STJ.

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O prazo para a sua interposição é de cinco dias: “É de cinco dias o prazo para interposição de
agravo contra decisão do juiz da execução penal” (Súmula 700 do STF).
Quanto aos efeitos, o art. 197 é expresso ao determinar que o agravo não possui efeito
suspensivo. Sobre o tema, há precedentes tanto no sentido da sua admissibilidade, em casos
excepcionais, através de mandado de segurança446, como também pela sua impossibilidade,
notadamente se em desfavor do condenado447. Esta última posição é majoritária no Superior Tribunal de
Justiça.
Há apenas uma exceção, que consiste na hipótese de agravo contra a decisão que autoriza a
desinternação ou a liberação do agente submetido à medida de segurança, uma vez que o art. 179 da
LEP expressamente condiciona a emissão da respectiva ordem ao trânsito em julgado448.
13.7 REVISÃO CRIMINAL
13.7.1 COISA JULGADA E REVISÃO CRIMINAL
A coisa julgada é, sem dúvida, um vital instrumento de estabilização das relações ou situações
jurídicas. As demandas não podem ser eternizadas. Uma vez julgada a causa, não cabendo mais
recurso, a regra é a imutabilidade do que ali ficou decidido.
Porém, no processo penal, em nome de um valor não menos relevante, que é a liberdade,
permite-se excepcionalmente o afastamento da segurança jurídica, quando houver efetivo
tensionamento entre ambos.
A revisão criminal serve justamente para se questionar a decisão condenatória já coberta sob o
manto da coisa julgada, a fim de se reverter uma situação de ilegalidade ou de injustiça.
Tamanha é a preocupação do ordenamento, nessa seara, que a própria Constituição Federal
determina que o Estado indenize o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além
do tempo fixado na sentença (art. 5º, LXXV).

1. As Turmas que compõem a Eg. Terceira Seção tem reiteradamente decidido, de maneira uniforme, no sentido de que se aplicam ao
recurso de agravo em execução, previsto no art. 197 da Lei de Execução Penal, as disposições acerca do rito do recurso em sentido estrito,
sendo, portanto, inviável a utilização analógica do art. 557 do Código de Processo Civil. [...] (HC 27.454/RJ, Rel. Ministra LAURITA VAZ,
QUINTA TURMA, julgado em 10/06/2003, DJ 04/08/2003, p. 348).
446PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS PARA CASSAR ACÓRDÃO QUE, EM MS DO MP, ATRIBUIU EFEITO SUSPENSIVO AO AGRAVO DO ART.
197 DA LEP. AUSÊNCIA DE TERATOLOGIA NA DECISÃO JUDICIAL MONOCRÁTICA AGRAVADA E OBJETO DAQUELE MS. HABEAS CORPUS
CONCEDIDO. 1. O MP detém legitimidade subjetiva ativa e interesse processual para interpor MS visando obter efeito suspensivo ao Agravo
em Execução (art. 197 da CEP), ou qualquer outra medida capaz de produzir tal efeito, mas o seu deferimento depende da presença dos
elementos que autorizam a concessão do feito mandamental, quais sejam a plausibilidade de provimento do recurso e o perigo de dano
irreversível, o que não ocorre no caso sub judice. [...] (HC 90.107/RJ, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado
em 11/03/2008, DJe 07/04/2008).
447 RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. LATROCÍNIO. PROGRESSÃO DE REGIME. INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO EM
EXECUÇÃO PELO PARQUET VISANDO À OBTENÇÃO DE EFEITO SUSPENSIVO POR MEIO DE MANDADO DE SEGURANÇA. IMPROPRIEDADE.
DECLARAÇÃO DA INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 2.º, § 1.º, DA LEI N.º 8.072/90, PELO PLENÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
ÓBICE AFASTADO. RESTABELECIMENTO DA DECISÃO CONCESSIVA DA PROGRESSÃO PARA O REGIME SEMI-ABERTO. 1. O Superior Tribunal de
Justiça tem aplicado reiteradamente o entendimento de que não é possível, por meio de mandado de segurança, emprestar efeito
suspensivo a recurso de agravo em execução interposto pelo Ministério Público – em razão de sua ilegitimidade ativa ad causam –, com o
fim de desconstituir a decisão do juízo das execuções criminais que assegura ao condenado o direito à progressão carcerária. [...] (RMS
25.736/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 18/03/2008, DJe 22/04/2008).
448 RMS. AGRAVO EM EXECUÇÃO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCESSÃO. EFEITO SUSPENSIVO. AUSÊNCIA. FUMUS BONI JURIS E
PERICULUM IN MORA. DECISÃO TERATOLÓGICA. MINISTÉRIO PÚBLICO. ILEGITIMIDADE ATIVA. 1. O agravo em execução, previsto no artigo
197 da Lei de Execuções Penais, não tem efeito suspensivo, exceto quando tirado de decisão determinando a desinternação ou liberação de
quem cumpre medida de segurança. 2. Embora a jurisprudência admita a impetração de mandado de segurança para atribuir efeito
suspensivo a recurso que não o prevê, é necessária a presença dos requisitos indispensáveis, quais sejam, o periculum in mora, o fumus
boni juris ou a teratologia da decisão, inexistentes na espécie, porquanto o trânsito do réu do regime semi-aberto para o aberto não
acarreta dano irreparável ou de difícil reparação, máxime se esta Corte tem entendimento firmado no sentido de configurar
constrangimento ilegal a permanência do acusado em regime mais gravoso, devendo aguardar a vaga em estabelecimento prisional
adequado em regime aberto ou domiciliar. [...] (RMS 13.815/SP, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, SEXTA TURMA, julgado em
03/12/2002, DJ 19/12/2002, p. 428).

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Logicamente, a revisão somente se dá em benefício do réu – princípio do favor revisionis –,
não cabendo a revisão pro societate. No caso de absolvição “incorreta”, os bens jurídicos segurança e
liberdade não entram em rota de colisão.
A linha é tênue, porque também não se pode permitir a reabertura infinita e ilimitada de
demandas penais já julgadas. A lei estabelece requisitos para que a via da revisão seja aberta, os
quais devem ser interpretados com cautela.

13.7.2 NATUREZA JURÍDICA


Apesar de o Código de Processo Penal incluir a revisão criminal entre os recursos (Capítulo VII),
cuida-se de ação autônoma impugnativa da sentença passada em julgado, de competência originária
dos tribunais449.

13.7.3 CABIMENTO
Nos termos do art. 621 do CPP, a revisão dos processos findos será admitida quando:
• a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou
à evidência dos autos;
• a sentença condenatória se fundar em depoimentos, exames ou
documentos comprovadamente falsos;
• após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do
condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição
especial da pena.

A primeira hipótese de cabimento – contrariedade a texto expresso de lei – deve ser


inequívoca. A interpretação razoável, mesmo que controvertida, não justifica a revisão. Da mesma
forma, a mudança de orientação jurisprudencial não tem sido suficiente450.
Quanto ao fundamento de contrariedade à evidência dos autos (parte final do inciso I), deve-
se ter cautela para que a revisão não venha a configurar nova apelação.
Na segunda, que se funda em provas falsas, constata-se que a hipótese é autoexplicativa,
devendo igualmente haver parcimônia por parte do órgão julgador, para se evitar a tramitação da
revisão com base em meras alegações, sendo prudente exigir uma demonstração, ainda que
preliminar ou indiciária, da falsidade. Além disso, precisa haver relevância causal, isto é, o
documento alegadamente falsificado deve ter sido utilizado para fundamentar a condenação. Caso
não haja relevância probatória, a revisão não poderá ser concedida.
A última situação que permite a ação revisional é a obtenção de novas provas, que possam
comprovar a inocência do condenado, ou ainda que ocasione a diminuição da pena.

449GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antônio Magalhães; FERNANDES, Antônio Scarance. Recursos no processo penal. 3. ed. rev.
atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 307.
450RECURSO ESPECIAL. PENAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. REVISÃO CRIMINAL. IMPOSSIBILIDADE ANTE A CONTROVERTIDA
INTERPRETAÇÃO JURISPRUDENCIAL. VIOLAÇÃO DO ART. 621, I DO CPP. PARCELAMENTO. CONTRIBUIÇÕES. EMPREGADORES. VEDAÇÃO. O
art. 621, inciso I, do Código de Processo Penal, determina que caberá revisão criminal "quando a sentença condenatória for contrária a
texto expresso da lei", o que não pode ser confundido com mudança de orientação jurisprudencial a respeito da interpretação de
determinado dispositivo legal. [...] (REsp 706.042/RS, Rel. Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 28/09/2005, DJ
07/11/2005, p. 363).
O Supremo Tribunal Federal tem precedentes antigos nesse mesmo sentido, a exemplo de: “PROCESSUAL PENAL. 1) REVISÃO CRIMINAL.
MUDANCA DE ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL NÃO AUTORIZA, POR SI SÓ, REVISÃO CRIMINAL. 2) CRIME CONTINUADO. O ACRÉSCIMO
PELA CONTINUIDADE DELITIVA INCIDE SOBRE A PENA QUE O JUIZ FIXARIA, SE NÃO HOUVESSE ESSE AUMENTO, E NÃO SOMENTE SOBRE A
PENA-BASE. (RE 99584, Relator(a): Min. DÉCIO MIRANDA, Segunda Turma, julgado em 05/04/1983, DJ 13-05-1983 PP-06508 EMENT VOL-
01294-05 PP-01161 RTJ VOL-00105-03 PP-01301)”.

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Entende-se por prova nova não somente aquela produzida cronologicamente após o trânsito
em julgado, mas também a que não esteve acessível ao réu no momento oportuno, mesmo sendo
anterior451.
No caso de prova testemunhal nova que possa modificar o julgamento, tem-se exigido o prévio
ajuizamento de justificação judicial, a fim de submetê-la ao crivo do contraditório452.
O Supremo Tribunal Federal, em acórdão proferido na década de 1950, já havia assentado a
possibilidade de a revisão criminal abranger julgados do Tribunal do Júri453. Tal entendimento foi
reafirmado mais recentemente454.

13.7.4 OPORTUNIDADE E LEGITIMAÇÃO


A revisão pode ser requerida a qualquer momento depois do trânsito em julgado da sentença
penal condenatória, mesmo que após a extinção da pena (art. 622 do CPP), sendo que os legitimados
estão arrolados no art. 623, ou seja, o próprio condenado ou procurador legalmente habilitado ou,
em caso de morte, o cônjuge, ascendente, descendente ou irmão.

13.7.5 PROCEDIMENTO
O procedimento inicia-se com o requerimento do interessado, que será instruído com a
certidão de haver passado em julgado a sentença condenatória e com as peças necessárias à
comprovação dos fatos arguidos (art. 625, § 1º), sem prejuízo de eventual apensamento dos autos
originais, a critério do relator, se daí não advier dificuldade à execução penal.

451“Uma interpretação ainda mais aberta do texto processual penal pode levar ao entendimento de que a prova, conhecida e apresentada
no primeiro processo, e que chegou a ser apreciada pelo juiz, pode ser reexaminada como prova nova, com argumentação diversa da
desenvolvida na sentença: é o que pode ocorrer, por exemplo, com a reapreciação da prova em virtude de novos conhecimentos
científicos”. (GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antônio Magalhães; FERNANDES, Antônio Scarance. Recursos no processo penal. 3.
ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 320).
452HABEAS CORPUS. REVISÃO CRIMINAL. NOVAS PROVAS. DEPOIMENTO DE TESTEMUNHA. RETRATAÇÃO. PEDIDO DE JUSTIFICAÇÃO.
INDEFERIMENTO. PROVA TESTEMUNHAL QUE FUNDAMENTOU ÉDITO CONDENATÓRIO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CONFIGURADO.
ORDEM DENEGADA. 1. Quando se trata de ação revisional proposta com fundamento na existência de novas provas testemunhais capazes
de infirmar o édito condenatório (art. 621, inciso III, do CPP), estas devem ser previamente produzidas sob o manto do contraditório e da
ampla defesa, por meio do procedimento da justificação criminal, a ser conduzido perante o primeiro grau de jurisdição, nos termos do
artigo 861 e seguintes do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente conforme o disposto no artigo 3º do CPP. Precedentes. 2. O
pedido revisional fundado na existência de provas novas demanda, conforme magistério de Júlio Fabbrini Mirabete, a apresentação de
"elementos probatórios que desfaçam o fundamento da condenação, como, por exemplo, a retratação da vítima" (Processo Penal, 15ª ed.
São Paulo: Atlas, 2003, p. 724). [...] (HC 140.618/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 02/08/2011, DJe 29/08/2011)
453TRIBUNAL DO JÚRI; O REEXAME DOS SEUS VEREDITOS PELOS TRIBUNAIS TOGADOS, ATRAVÉS O RECURSO "EXTRAORDINÁRIO" DA
REVISÃO CRIMINAL, QUANDO CONTRARIOS AS PROVAS DOS AUTOS, NÃO IMPLICA EM VIOLAÇÃO DO ART. 141, PAR 28, DA CONSTITUIÇÃO,
QUE ESTABELECEU A SOBERANIA DAQUELES VEREDITOS. (RE 23816, Relator(a): Min. EDGARD COSTA, SEGUNDA TURMA, julgado em
03/11/1953, DJ 02-06-1955 PP-06473 EMENT VOL-00213-01 PP-00311).
454EMENTA: - HABEAS CORPUS - JÚRI - ALEGAÇÃO DE COMPATIBILIDADE DA DECISÃO PROFERIDA PELO TRIBUNAL DO JÚRI COM A PROVA
DOS AUTOS - INVIABILIDADE JURÍDICO-PROCESSUAL DESSA ANÁLISE EM SEDE DE HABEAS CORPUS - ALEGADA OFENSA AO POSTULADO
CONSTITUCIONAL DE SOBERANIA DOS VEREDICTOS DO JÚRI - INOCORRÊNCIA - PEDIDO INDEFERIDO. - A jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal tem acentuado que o exame aprofundado das provas não encontra sede juridicamente adequada no processo de "habeas
corpus". A postulação dos impetrantes, que objetivam ingressar na análise, discussão e valoração da prova, será plenamente admissível na
via recursal ordinária, de espectro mais amplo (RTJ 87/84 - 98/669 - 109/540), ou, ainda, na via revisional, eis que a condenação penal
definitiva imposta pelo Júri e passível, também ela, de desconstituição, mediante revisão criminal (RTJ 115/1114), não lhe sendo oponível a
cláusula constitucional da soberania do veredicto do Conselho de Sentença (RT 475/352 - 479/321 - 488/330 / 548/331). - A soberania dos
veredictos do Júri - não obstante a sua extração constitucional - ostenta valor meramente relativo, pois as manifestações decisórias
emanadas do Conselho de Sentença não se revestem de intangibilidade jurídico-processual. A competência do Tribunal do Júri, embora
definida no texto da Lei Fundamental da República, não confere a esse órgão especial da Justiça comum o exercício de um poder
incontrastável e ilimitado. As decisões que dele emanam expõem-se, em consequência, ao controle recursal do próprio Poder Judiciário, a
cujos Tribunais compete pronunciar-se sobre a regularidade dos veredictos. - A apelabilidade das decisões emanadas do Júri, nas hipóteses
de conflito evidente com a prova dos autos, não ofende o postulado constitucional que assegura a soberania dos veredictos desse Tribunal
Popular. Precedentes. (HC 68658, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Primeira Turma, julgado em 06/08/1991, DJ 26-06-1992 PP-10105
EMENT VOL-01667-01 PP-00164 RTJ VOL-00139-03 PP-00891).

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Caso não haja indeferimento liminar da revisional, abrir-se-á vista dos autos ao Ministério
Público, para manifestação no prazo de dez dias. Com o retorno, o relator e o revisor examinarão os
autos, após o que se procederá ao julgamento da revisão.
A decisão que defere a revisão pode alterar a classificação da infração, absolver o réu,
modificar a pena ou anular o processo. Em qualquer caso, veda-se a reformatio in pejus.
Especialmente no caso de absolvição, restaura-se completamente a situação jurídica anterior
do interessado, apagando-se todos os efeitos penais e extrapenais decorrentes da sentença penal
condenatória.

13.8 HABEAS CORPUS


13.8.1 INTRODUÇÃO
O habeas corpus esteve presente em todas as constituições do período republicano, à exceção
do lapso em que se deu a suspensão do writ pelo Ato Institucional 5/68.
A atual Constituição Federal prevê a existência do remédio heroico no art. 5º, LXVIII, quando
diz que se concederá habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer
violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.

13.8.2 NATUREZA JURÍDICA


Assim como aconteceu com a revisão criminal, o Código de Processo Penal equivocou-se ao
listar o habeas corpus entre os recursos.
Não há mais divergência acerca de sua natureza jurídica, tratando-se claramente de ação
autônoma de impugnação, com relação jurídica processual distinta e procedimento próprio previsto
em lei.
A ação é mandamental, porque a decisão concessiva do habeas corpus tem a característica de
ensejar a emissão de ordem a ser imediatamente cumprida pelo destinatário, exigindo-se deste um
comportamento comissivo ou omissivo.

13.8.3 ESPÉCIES
A Constituição Federal, ao permitir a utilização do habeas corpus, não somente por aquele que
esteja sofrendo restrição ilegal do seu direito de ir e vir, mas também por quem se encontre na
iminência de sofrê-la, acabou por instituir as duas espécies hoje existentes.
O habeas corpus liberatório, que pressupõe a materialização do cerceamento da liberdade de
locomoção do indivíduo, ou seja, quando o seu direito de ir e vir já se encontrar limitado,
comprometido, e o habeas corpus preventivo, quando a ilegalidade ou o abuso de poder esteja
prestes a acontecer. Na primeira hipótese, o efeito imediato é a restauração da liberdade, mediante
expedição de alvará de soltura. No segundo caso, expede-se o salvo-conduto, que impedirá a prisão
do interessado em razão daquele motivo determinado.

13.8.4 CABIMENTO
Apesar da magnitude e da importância do habeas corpus, o que se tem verificado atualmente
é uma banalização do instrumento. O resultado disso é uma sobrecarga nos tribunais. Na realidade,

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as hipóteses de cabimento deveriam ser restritas à ameaça concreta e imediata ao direito de ir e
vir455.
A jurisprudência vem estabelecendo limites à utilização do habeas corpus. Destacam-se os
seguintes enunciados:
• 695/STF - Não cabe "habeas corpus" quando já extinta a pena privativa
de liberdade.
• 694/STF - Não cabe "habeas corpus" contra a imposição da pena de
exclusão de militar ou de perda de patente ou de função pública.
• 693/STF - Não cabe "habeas corpus" contra decisão condenatória a
pena de multa, ou relativo a processo em curso por infração penal a
que a pena pecuniária seja a única cominada.

Existe também a tendência de se evitar o habeas corpus como sucedâneo recursal456, como
também nas situações que possam acarretar a supressão de instância. Neste último caso, foi editado
o Enunciado 691/STF457, o qual tem sido contornado apenas em situações excepcionais de flagrante
ilegalidade.
Feitas essas observações, o art. 648 do CPP relaciona algumas situações em que se caracteriza
a coação como ilegal:
• não houver justa causa;
• alguém estiver preso por mais tempo do que determina a lei;
• quem ordenar a coação não tiver competência para fazê-lo;
• houver cessado o motivo que autorizou a coação;
• não for alguém admitido a prestar fiança, nos casos em que a lei a
autoriza;
• o processo for manifestamente nulo;
• extinta a punibilidade.

O rol não é taxativo. Qualquer outro ato que comprometa ou que ameace a liberdade de
locomoção do indivíduo pode justificar a impetração do habeas corpus.
A Constituição Federal veda expressamente a utilização do habeas corpus contra transgressões
disciplinares militares (art. 142, § 2º, da CF). Porém, há possibilidade de controle judicial quanto à
regularidade formal do procedimento administrativo disciplinar militar, ou em caso de manifesta
teratologia458.

455 Confira-se o Enunciado 6 do Fonacrim: “O habeas corpus não deve ser admitido para impugnação de decisão interlocutória, quando o
risco de restrição à liberdade de locomoção for remoto, ou para antecipar a discussão de questões de direito ou de fato cuja resolução é
apropriada na sentença ou nos recursos cabíveis contra esta”.
456HABEAS CORPUS. IMPETRAÇÃO COMO SUCEDÂNEO RECURSAL. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. TRÁFICO DE ENTORPECENTE E
ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. CONDENAÇÃO. PRETENSÃO ABSOLUTÓRIA E DE DESCLASSIFICAÇÃO. REVOLVIMENTO DE PROVAS NÃO
CONDIZENTE COM O WRIT. APLICAÇÃO DA CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DO TRÁFICO. IMPOSSIBILIDADE. DEDICAÇÃO A ATIVIDADE
CRIMINOSA. ALTERAÇÃO DO REGIME E SUBSTITUIÇÃO DA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITOS. DESCABIMENTO.
AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE PATENTE. NÃO CONHECIMENTO. 1. É imperiosa a necessidade de racionalização do emprego do habeas corpus,
em prestígio ao âmbito de cognição da garantia constitucional, e, em louvor à lógica do sistema recursal. In casu, foi impetrada
indevidamente a ordem contra acórdão de apelação, como se fosse um sucedâneo recursal inominado. 2. O intento de absolver o paciente
pelos delitos aos quais foi condenado e de desclassificar o delito de tráfico para uso de substância entorpecente não se coaduna com a via
angusta do writ, pois depende de aprofundamento probatório. [...] (HC 172.717/RJ, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA
TURMA, julgado em 16/04/2013, DJe 24/04/2013).
457 “Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de "habeas corpus" impetrado contra decisão do relator que, em "habeas
corpus" requerido a tribunal superior, indefere a liminar”.
458CONSTITUCIONAL. HABEAS CORPUS. PROCESSO DISCIPLINAR. MILITAR. TRANCAMENTO. INTERPRETAÇÃO DO ART. 142, § 2º, DA CF.

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13.8.5 COMPETÊNCIA
A competência para processar e julgar o habeas corpus, em regra, vem disciplinada na
Constituição Federal, conforme quadro a seguir:

AUTORIDADE QUALIDADE ÓRGÃO JUDICIAL


COMPETENTE

Presidente da República, Vice-Presidente, Paciente STF


membros do Congresso Nacional, Ministros
do STF, Procurador-Geral da República,
Ministros de Estado, Comandantes da
Marinha, do Exército e da Aeronáutica,
membros dos Tribunais Superiores, do
Tribunal de Contas da União e chefes de
missão diplomática de caráter permanente.

Tribunal Superior459 Coator STF

Autoridade ou funcionário cujos atos estejam Coator ou paciente STF


sujeitos diretamente à jurisdição do Supremo
Tribunal Federal, ou se trate de crime sujeito
à mesma jurisdição em uma única instância.

Governadores dos Estados e do Distrito Coator ou paciente STJ


Federal, desembargadores dos Tribunais de
Justiça dos Estados e do Distrito Federal,
membros dos Tribunais de Contas dos
Estados e do Distrito Federal, dos Tribunais
Regionais Federais, dos Tribunais Regionais
Eleitorais e do Trabalho, membros dos
Conselhos ou Tribunais de Contas dos
Municípios e os do Ministério Público da
União que oficiem perante tribunais.

Tribunal sujeito à jurisdição do STJ, Ministro Coator STJ


de Estado ou Comandante da Marinha, do
Exército ou da Aeronáutica, ressalvada a
competência da Justiça Eleitoral

Juízes federais e procuradores da República. Coator TRF

Juízes estaduais, promotores e procuradores Coator TJ


de justiça.

Juízes do Trabalho Coator TRT460

CABIMENTO DA AÇÃO CONSTITUCIONAL SOMENTE PARA EXAME PELO PODER JUDICIÁRIO DA REGULARIDADE FORMAL DO PROCESSO.
HIPÓTESE NÃO CONFIGURADA NOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO DO MÉRITO DA IMPOSIÇÃO DA PUNIÇÃO DISCIPLINAR MILITAR.
PRECEDENTES DO STF E DO STJ. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. [...] 2. Efetivamente, não obstante o disposto no art. 142, § 2º, da
Constituição Federal, os Tribunais Superiores admitem a impetração de habeas corpus para trancamento de processo administrativo
disciplinar militar. Entretanto, as hipóteses de cabimento estão restritas à regularidade formal do procedimento administrativo disciplinar
militar ou aos casos de manifesta teratologia. 3. Sobre o tema, os seguintes precedentes: STF - RHC 88.543/SP, 1ª Turma, Rel. Min. Ricardo
Lewandowski, DJ de 3.4.2007; STF - RE 338.840/RS, 2ª Turma, Rel Min. Ellen Gracie, DJ de 12.9.2003; STJ - RHC 27.897/PI, 1ª Turma, Rel.
Min. Hamilton Carvalhido, DJe de 8.10.2010; HC 129.466/RO, 5ª Turma, Rel. Min. Felix Fischer, DJe de 1º.2.2010; STJ - HC 80.852/RS, 5ª
Turma, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe de 28.4.2008. [...] (HC 211.002/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA
TURMA, julgado em 01/12/2011, DJe 09/12/2011).
459 À exceção do disposto no Enunciado 691/STF.
460Sobre a competência do TRT, em sede de habeas corpus, conferir o seguinte julgado: “EMENTA: Habeas corpus contra decreto de prisão
civil de Juiz do Trabalho: coação atribuída ao Tribunal Regional do Trabalho: coexistência de acórdãos diversos para o mesmo caso,
emanados de tribunais de idêntica hierarquia (STJ e TST): validade do acórdão do STJ, no caso, dado que as impetrações foram julgadas
antes da EC 45/04. Até a edição da EC 45/04, firme a jurisprudência do Tribunal em que, sendo o habeas corpus uma ação de natureza penal,
a competência para o seu julgamento "será sempre de juízo criminal, ainda que a questão material subjacente seja de natureza civil, como
no caso de infidelidade de depositário, em execução de sentença"; e, por isso, quando se imputa coação a Juiz do Trabalho de 1º Grau,

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Das disposições indicadas no quadro acima, nota-se que a competência para o julgamento do
habeas corpus normalmente observa a prerrogativa de foro da autoridade. Isso porque, no momento
em que se analisa o ato coator propriamente dito, pode-se vislumbrar a eventual prática de crime
pela referida autoridade, que seria naturalmente da competência do referido tribunal.

13.8.6 LEGITIMAÇÃO E PROCEDIMENTO


O procedimento do habeas corpus é célere e sumário. É por isso que se exige a prova pré-
constituída, pois não há espaço para dilação probatória. Do contrário, estar-se-ia fugindo
completamente do objetivo do instrumento, que é justamente a possibilidade de se restaurar, com
rapidez e eficiência, a liberdade de locomoção.
O habeas corpus pode ser impetrado por qualquer pessoa, em seu favor ou de outrem, bem
como pelo Ministério Público. Trata-se de exceção, porquanto não se exige capacidade postulatória
do impetrante. O paciente é a pessoa que está sofrendo ou se encontra na iminência de sofrer a
coação. Geralmente, o ato apontado como coator é atribuído a um agente do poder público.
Excepcionalmente, porém, pode em tese ser atribuído a particular.
Recebida a petição de habeas corpus, o juiz, se julgar necessário, e estiver preso o paciente,
mandará que este lhe seja imediatamente apresentado em dia e hora que designar.
Apesar de o Código de Processo Penal não fazer qualquer referência, a doutrina e a
jurisprudência admitem a apreciação liminar do pedido, em decorrência do princípio da
inafastabilidade do Poder Judiciário (art. 5º, XXXV, da CF).
Contendo a petição inicial461 as informações indicadas no art. 654, § 1º, do CPP, as informações
serão requisitadas à autoridade indicada como coatora.
Recebidas ou dispensadas as informações, colhe-se a manifestação do Ministério Público462,
após o que os autos deverão ser levados a julgamento na primeira sessão.
A ordem, se for o caso, pode ser concedida de ofício (art. 654, § 2º, do CPP).
De acordo com o artigo 102, II, da Constituição Federal, cabe ao Supremo Tribunal Federal
julgar em recurso ordinário o habeas corpus, se decidido em única instância pelos Tribunais
Superiores, e sedenegatória a decisão. Por outro lado, de acordo com o artigo 105, II, cabe ao STJ
julgar, em recurso ordinário, os habeas corpus decididos em única ou última instância pelos Tribunais
Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão
for denegatória. O prazo para apresentação do RHC é de 5 (cinco) dias, nos termos da Súmula 319 do
STF.

13.9 MANDADO DE SEGURANÇA EM MATÉRIA CRIMINAL

compete ao Tribunal Regional Federal o seu julgamento, dado que a Justiça do Trabalho não possui competência criminal (v.g., CC 6.979,
15.8.91, Velloso, RTJ 111/794; HC 68.687, 2ª T., 20.8.91, Velloso, DJ 4.10.91). (HC 85096, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira
Turma, julgado em 28/06/2005, DJ 14-10-2005 PP-00011 EMENT VOL-02205-2 PP-00307)”. Posteriormente, o STF, em medida cautelar,
ratificou a inexistência de atribuição de competência criminal à Justiça do Trabalho, por força da EC 45/04, não obstante tenha enunciado
ser possível o processamento de habeas corpus contra ordem de prisão civil emanada de juiz do trabalho:“EMENTA: COMPETÊNCIA
CRIMINAL. Justiça do Trabalho. Ações penais. Processo e julgamento. Jurisdição penal genérica. Inexistência. Interpretação conforme dada
ao art. 114, incs. I, IV e IX, da CF, acrescidos pela EC nº 45/2004. Ação direta de inconstitucionalidade. Liminar deferida com efeito ex tunc. O
disposto no art. 114, incs. I, IV e IX, da Constituição da República, acrescidos pela Emenda Constitucional nº 45, não atribui à Justiça do
Trabalho competência para processar e julgar ações penais. (ADI 3684 MC, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em
01/02/2007, DJe-072 DIVULG 02-08-2007 PUBLIC 03-08-2007 DJ 03-08-2007 PP-00030 EMENT VOL-02283-03 PP-00495 RTJ VOL-00202-02
PP-00609 LEXSTF v. 29, n. 344, 2007, p. 69-86 RMP n. 33, 2009, p. 173-184)”.
461Até mesmo em razão de não se exigir a capacidade postulatória do impetrante, a petição inicial não pode ser analisada com o mesmo
rigor das peças produzidas por profissionais devidamente habilitados.
462Apesar de não haver previsão legal de manifestação do Ministério Público na primeira instância, recomenda-se a adoção de tal
providência, sempre que possível.

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O mandado de segurança está previsto no art. 5º, LXIX, da CF. Destina-se à proteção de direito
líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela
ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de
atribuições do Poder Público.
Atualmente, o mandado de segurança está regulamentado pela Lei 12.016, de 7 de agosto de
2009, tendo a Lei 1.533/51 sido completamente revogada.
Enquanto instrumento, o simples fato de veicular matéria criminal não traz qualquer traço
característico diferenciador ao writ. Logo, as questões atinentes à natureza jurídica, requisitos,
competência, legitimidade, procedimento, entre outros, são as mesmas já estudadas em direito
constitucional, administrativo e processual civil. Na realidade, a peculiaridade do mandado de
segurança em matéria criminal está relacionada à natureza do ato coator, quase sempre jurisdicional.
A respeito do cabimento do mandado de segurança contra ato jurisdicional, dispõe o
Enunciado 267 da Súmula do STF que: “Não cabe mandado de segurança contra ato judicial passível
de recurso ou correição”. Esse entendimento, contudo, encontra-se relativamente superado. A
jurisprudência atual tem considerado ser necessária a presença de ilegalidade manifesta ou abuso de
poder, demonstrável de plano, ou seja, sem dilação probatória, além da inexistência de recurso para
o qual o ordenamento possibilite a concessão de efeito suspensivo463.
O mandado de segurança, dada a sua natureza residual em relação ao habeas corpus, será
cabível quando o ato coator não colocar em risco a liberdade de locomoção do indivíduo, mas puder
violar determinado direito conferido pelo ordenamento, não havendo outro remédio processual
eficaz.
Alguns casos já enfrentados pelos tribunais podem ser citados, tais como: a) terceiro que se
insurge contra medida cautelar de sequestro464; b) réu que postula a exclusão de dados do registro
de identificação criminal465; c) Ministério Público que contesta o indeferimento de produção
antecipada de provas (art. 366 do CPP)466; d) busca e apreensão em escritório de advocacia467.

463 A atual Lei do Mandado de Segurança adotou essa regra nos dois primeiros incisos do art. 5º: “Não se concederá mandado de
segurança quando se tratar: I - de ato do qual caiba recurso administrativo com efeito suspensivo, independentemente de caução; II - de
decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo”.
464 RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. MATÉRIA CRIMINAL. SEQUESTRO DE BEM UTILIZADO NA PRÁTICA DE
HOMICÍDIO. TERCEIRO PREJUDICADO. APLICAÇÃO DA SÚMULA N.º 202 DO STJ. EXISTÊNCIA DE DÚVIDAS QUANTO À PROPRIEDADE DO
BEM. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. É lícito ao
terceiro prejudicado impetrar mandado de segurança contra ato judicial, por ter o direito potestativo de se insurgir contra o referido
decisum e almejar a restituição do veículo que alegadamente lhe pertence, cujo perdimento foi decretado em feito no qual não era parte.
Incidência do enunciado da Súmula n.º 202 desta Corte. 2. Entretanto, diante da existência de dúvidas no que diz respeito à propriedade do
bem, não se verifica qualquer vulneração ao direito líquido e certo da Recorrente, terceira na relação processual, que deverá se valer da via
processual própria nas hipóteses de apreensão de bem em sede de processo penal, cuja propriedade não restar, de plano, comprovada,
qual seja: o pedido de restituição de coisas apreendidas, nos termos do disposto no art. 118 e seguintes do Código de Processo Penal. 3.
Recurso desprovido. (RMS 32.654/RS, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 06/11/2012, DJe 16/11/2012).
465 PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. REGISTRO DE DADOS CRIMINAIS. MANUTENÇÃO PELO INSTITUTO DE
IDENTIFICAÇÃO. VIOLAÇÃO À DIREITO LÍQUIDO E CERTO. SIGILOSIDADE. ARQUIVOS DE ACESSO EXCLUSIVO VIA AUTORIZAÇÃO JUDICIAL.
INTELIGÊNCIA DO ART. 748 DO CPP. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. É uníssono o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no
sentido de que, "por analogia aos termos do art. 748 do Código de Processo Penal, devem ser excluídos dos terminais dos Institutos de
Identificação Criminal os dados relativos a inquéritos arquivados, a ações penais trancadas, a processos em que tenha ocorrido a
reabilitação do condenado e a absolvições por sentença penal transitada em julgado ou, ainda, que tenha sido reconhecida a extinção da
punibilidade do acusado decorrente da prescrição da pretensão punitiva do Estado" (RMS 24.099/SP, Rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA,
Quinta Turma, DJe 23/6/08). 2. “Tais dados, entretanto, não deverão ser excluídos dos arquivos do Poder Judiciário, tendo em vista que, nos
termos do art. 748 do CPP, pode o Juiz Criminal requisitá-los, de forma fundamentada, a qualquer tempo, mantendo-se, entretanto, o sigilo
quanto às demais pessoas. (Precedente)" (RMS 19501/SP, Rel. Min. FELIX FISCHER, Quinta Turma, DJ 1/7/05) 3. Recurso ordinário
parcialmente provido para, concedendo em parte a segurança, determinar a vedação de acesso aos registros constantes dos bancos de
dados do Instituto de Identificação, salvo pelo Poder Judiciário para efeito de consulta fundamentada de Juízes Criminais. (RMS 33.300/RJ,
Rel. Ministra LAURITA VAZ, Rel. p/ Acórdão Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 23/10/2012, DJe 30/11/2012).
466RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. MATÉRIA CRIMINAL. RÉU REVEL. SUSPENSÃO DO PROCESSO. PRODUÇÃO
ANTECIPADA DE PROVA TESTEMUNHAL. POSSIBILIDADE. ARTIGO 366 DO CPP. 1. Na linha da jurisprudência predominante nesta Corte,
mostra-se razoável ter como de natureza urgente a prova testemunhal a ser produzida em processo penal suspenso, pela revelia do réu,
com base no artigo 366 do CPP, redação dada pela Lei nº 9.271/96, tendo em conta a possibilidade da inquirição em época muito distante
no tempo do fato delituoso ficar comprometida em seu conteúdo, prejudicando a apuração da verdade real. 2. Recurso em mandado de
segurança provido. (RMS 14.283/SP, Rel. Ministro PAULO GALLOTTI, SEXTA TURMA, julgado em 13/08/2002, DJ 07/10/2002, p. 300).
467 MANDADO DE SEGURANÇA - MATÉRIA CRIMINAL - BUSCA E APREENSÃO EM ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA EMANADA DE AUTORIDADE
JUDICIAL - REPRESENTAÇÃO OFERECIDA PELA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - ALEGAÇÃO DE OFENSA A DIREITO LÍQUIDO E CERTO
DO EXERCÍCIO DA ADVOCACIA - INOCORRÊNCIA - SEGURANÇA DENEGADA. O mandado de segurança é cabível "somente quando se trata de
decisão teratológica, de flagrante ilegalidade ou abuso de poder, em que se torne patente a irreparabilidade do dano". Improvimento do
recurso. (RMS 9.882/SC, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 29/06/2000, DJ 04/12/2000, p. 55).

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A respeito da legitimidade, quando o impetrante for o Ministério Público, exige-se a inclusão
do réu no polo passivo, nos termos do Enunciado 701 da Súmula do STF468.
A petição inicial conterá os requisitos do art. 282 do CPC, além das formalidades exigidas no
art. 6º da Lei 12.016/2009, e deverá estar acompanhada de prova pré-constituída do ato apontado
como coator. Após, a autoridade é notificada para prestar informações, no prazo de dez dias, ocasião
em que poderá apresentar documentos. O Ministério Público terá vista dos autos para emissão de
parecer, também no prazo de dez dias (art. 12). Por fim, o juiz proferirá sentença em até trinta dias.
A sentença que concede a ordem estará sujeita ao reexame necessário, sem prejuízo de
eventual apelação (art. 14).

EXECUÇÃO DAS PENAS


EXECUÇÃO DAS PENAS E DAS MEDIDAS DE SEGURANÇA.
EXECUÇÃO PENAL: PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. REGIMES DE
CUMPRIMENTO DA PENA. EVOLUÇÃO E REGRESSÃO. REMIÇÃO.
LIVRAMENTO CONDICIONAL. SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA.
PENA RESTRITIVA DE DIREITOS. MULTA. MEDIDAS DE SEGURANÇA.
INCIDENTES DA EXECUÇÃO. GRAÇA. INDULTO. ANISTIA.
REABILITAÇÃO. INCLUSÃO E TRANSFERÊNCIADE PRESOS PARA
PRESÍDIOS FEDERAIS

14.1 EXECUÇÃO PENAL


A execução penal é, sem dúvida, uma das mais importantes etapas da persecução penal. É a
partir dela que o comando emergente da sentença se torna realidade; que o réu efetivamente
cumprirá a pena que lhe foi imposta. O jus puniendi finalmente deixa o plano abstrato para atuar
concretamente.
Na atualidade, a legislação de regência é a Lei 7.210, de 11 de julho de 1984, também
conhecida como Lei de Execução Penal – LEP. Foi sancionada no mesmo dia em que houve a sanção
do projeto de lei que reformulou toda a parte geral do Código Penal, e que deu origem à Lei
7.209/84, igualmente em vigor até os dias atuais. Há íntima relação entre os diplomas legislativos.
O processo de execução penal possui características específicas, que o distingue das outras
modalidades.
A primeira observação que se faz é que o PEP469, em se tratando de pena privativa de
liberdade, inicia-se com a expedição da guia de recolhimento, a partir da qual se processará a
respectiva execução. É o próprio juiz que, de ofício, determina o início do cumprimento da pena, não
sendo necessária qualquer provocação do autor da demanda penal para que a execução seja
deflagrada.

468 “No mandado de segurança impetrado pelo Ministério Público contra decisão proferida em processo penal, é obrigatória a citação do
réu como litisconsorte passivo”.
469 Abreviatura de Processo de Execução Penal - PEP, utilizada pelo Conselho Nacional de Justiça na Resolução 113/2010.

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Não há citação na execução penal . Como já foi dito, expede-se a guia de recolhimento, em
caso de pena privativa de liberdade, ou as comunicações necessárias aos órgãos perante os quais o
condenado cumprirá a pena substitutiva. Este será comunicado, quando for o caso, mediante
intimação pessoal ou em audiência admonitória.
No caso do ordenamento jurídico pátrio, tem-se reconhecido que a execução penal é híbrida,
complexa, isto é, realiza-se a partir da conjugação de atos de órgãos pertencentes ao Poder Judiciário
e ao Poder Executivo. Forma-se por atos judiciais e administrativos. Em geral, o juiz da execução
penal determina providências que deverão ser cumpridas pela administração do estabelecimento
penal. Esta também possui atribuições administrativas específicas conferidas pela lei. Apesar das
divergências, pelo menos não há dúvidas na parte em que se reconhece a competência exclusiva da
autoridade judiciária para solucionar definitivamente os incidentes que possam surgir durante o
processo de execução.
Em relação à competência, especificamente em se tratando de pena privativa de liberdade
sujeita à jurisdição ordinária, não há necessariamente uma simetria entre os órgãos judiciais
responsáveis pelos processos de conhecimento e execução. É necessário verificar a qual ente o
estabelecimento prisional está vinculado; se ao Estado, a execução penal ficará a cargo da autoridade
judiciária estadual; se à União, será de responsabilidade do juízo federal competente.
Em geral, os condenados por crimes federais ficam sujeitos ao juízo estadual, em razão de o
sistema ser formado, em sua grande maioria, por estabelecimentos administrados pelos Estados.
Logo, transitada em julgada a sentença penal condenatória, a regra é que o condenado seja
encaminhado ao juízo das execuções penais da Justiça Estadual, que ficará responsável pelo
acompanhamento da pena imposta pela Justiça Federal471. Assim, os incidentes de execução que
eventualmente possam existir serão dirimidos pelos juízes de direito.
A exceção ocorre quando o condenado estiver confinado em estabelecimento penal mantido
pela administração federal, caso em que a execução será supervisionada por juízes federais.
Uma vez definida a autoridade judiciária responsável, o art. 66 da LEP elenca as atribuições do
juízo da execução:
a) aplicar aos casos julgados lei posterior que de qualquer modo favorecer o
condenado;
b) declarar extinta a punibilidade;
c) decidir sobre:
i. soma ou unificação de penas;
ii. progressão ou regressão nos regimes;
iii. detração e remição da pena;
iv. suspensão condicional da pena;
v. livramento condicional;
vi. incidentes da execução.
d) autorizar saídas temporárias;
e) determinar:
i. a forma de cumprimento da pena restritiva de direitos e fiscalizar sua
execução;

470Haveria uma única hipótese em que ocorreria a citação. Tratar-se-ia da cobrança da pena de multa, a qual será vista adiante.
471 Enunciado 192 da Súmula do STJ: “Compete ao juízo das execuções penais do estado a execução das penas impostas a sentenciados
pela Justiça Federal, Militar ou Eleitoral, quando recolhidos a estabelecimentos sujeitos a administração estadual”.

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ii. a conversão da pena restritiva de direitos e de multa em privativa de
liberdade;
iii. a conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos;
iv. a aplicação da medida de segurança, bem como a substituição da
pena por medida de segurança;
v. a revogação da medida de segurança;
vi. a desinternação e o restabelecimento da situação anterior;
vii. o cumprimento de pena ou medida de segurança em outra comarca;
viii. a remoção do condenado na hipótese prevista no § 1º, do artigo 86,
desta Lei.
f) zelar pelo correto cumprimento da pena e da medida de segurança;
g) inspecionar, mensalmente, os estabelecimentos penais, tomando
providências para o adequado funcionamento e promovendo, quando for o
caso, a apuração de responsabilidade;
h) interditar, no todo ou em parte, estabelecimento penal que estiver
funcionando em condições inadequadas ou com infringência aos
dispositivos desta Lei;
i) compor e instalar o Conselho da Comunidade;
j) emitir anualmente atestado de pena a cumprir. (Incluído pela Lei nº 10.713,
de 2003)

Ao contrário do que se possa extrair de uma leitura mais desavisada, a LEP também se aplica
aos presos provisórios (art. 3º), que devem ficar separados dos condenados por sentença transitada
em julgado (art. 84). Com o advento da Lei 13.167/15, determinou-se também a separação conforme
a gravidade da infração penal praticada.
Tratando-se de processo, em que nitidamente se mostra presente a atividade jurisdicional do
magistrado, os princípios constitucionais do contraditório, da ampla defesa e do devido processo
legal, entre outros relacionados à matéria, devem ser observados.

14.1.1 PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE


14.1.1.1 PROCEDIMENTO
Quanto ao procedimento de execução da pena privativa de liberdade, dispõe o art. 105 da LEP
que, transitando em julgado a sentença, se o réu estiver ou vier a ser preso, o juiz ordenará a
expedição de guia de recolhimento para a execução da pena.
A guia de recolhimento pode ser considerada como o principal documento que orientará a
execução penal, tanto é que, nos termos do art. 107 da LEP, ninguém será recolhido, para
cumprimento de pena privativa de liberdade, sem a guia expedida pela autoridade judiciária.
Ainda de acordo com o art. 106 da LEP, a guia de recolhimento, extraída pelo escrivão, que a
rubricará em todas as folhas e a assinará com o juiz, será remetida à autoridade administrativa
incumbida da execução e conterá: a) o nome do condenado; b) a sua qualificação civil e o número do
registro geral no órgão oficial de identificação; c) o inteiro teor da denúncia e da sentença
condenatória, bem como certidão do trânsito em julgado; d) a informação sobre os antecedentes e o
grau de instrução; e) a data da terminação da pena; e f) outras peças do processo reputadas
indispensáveis ao adequado tratamento penitenciário.

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O Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução 113, de 20 de abril de 2010, que dispõe
sobre o procedimento relativo à execução de pena privativa de liberdade, de medida de segurança e
dá outras providências. Pode-se destacar, do referido ato normativo, a previsão de outros
documentos considerados relevantes, a serem remetidos juntamente com a guia de recolhimento
(art. 1º)472, além da exigência de expedição da referida guia provisória, destinada aos presos
provisórios com pendência recursal, independentemente de haver ou não trânsito em julgado para a
acusação473.
Nos termos do art. 3º da Resolução 113, o juiz competente para a execução da pena ordenará
a formação do Processo de Execução Penal – PEP, sendo um para cada réu condenado, reunindo-se
todas as condenações impostas, inclusive aquelas que vierem a ocorrer no curso da execução, caso
em que se realizara a soma ou unificação da pena ao restante da que está sendo cumprida, fixando-
se novo regime de cumprimento, quando for o caso, sem prejuízo de eventual detração ou remição.
Se a condenação for posterior ao cumprimento ou extinção da pena, será formado novo processo de
execução penal.
Tão logo seja formado o PEP, que se dá com a respectiva autuação da guia de recolhimento,
imediatamente deverá ser providenciado o cálculo de liquidação de pena com informações quanto
ao término e provável data de benefício, tais como progressão de regime e livramento condicional
(art. 5º).
Em seguida, o Ministério Público e a defesa deverão se pronunciar sobre os cálculos de
liquidação de pena, sendo posteriormente os autos encaminhados para homologação judicial.
Homologado o cálculo de liquidação, a secretaria deverá providenciar o agendamento da data
do término do cumprimento da pena e das datas de implementação dos prazos para postulação dos
benefícios previstos em lei, bem como o encaminhamento de duas cópias do cálculo ou seu extrato
ao diretor do estabelecimento prisional, a primeira para ser entregue ao executado, servindo como
atestado de pena a cumprir e a segunda para ser arquivada no prontuário do executado (§ 2º).

472Art. 1º A sentença penal condenatória será executada nos termos da Lei 7.210, de 11 de julho de 1984, da lei de organização judiciária
local e da presente Resolução, devendo compor o processo de execução, além da guia, no que couber, as seguintes peças e informações: I -
qualificação completa do executado; II - interrogatório do executado na polícia e em juízo; III - cópias da denúncia; IV - cópia da sentença,
voto(s) e acórdão(s) e respectivos termos de publicação, inclusive contendo, se for o caso, a menção expressa ao deferimento de detração
que importe determinação do regime de cumprimento de pena mais benéfico do que seria não fosse a detração, pelo próprio juízo do
processo de conhecimento, nos termos do art. 387, § 2º, do Código de Processo Penal, acrescentado pela Lei 12.736/12; (Redação dada pela
Resolução nº 180, de 03.10.13) V - informação sobre os endereços em que possa ser localizado, antecedentes criminais e grau de instrução;
VI - instrumentos de mandato, substabelecimentos, despachos de nomeação de defensores dativos ou de intimação da Defensoria Pública;
VII - certidões de trânsito em julgado da condenação para a acusação e para a defesa; VIII - cópia do mandado de prisão temporária e/ou
preventiva, com a respectiva certidão da data do cumprimento, bem como com a cópia de eventual alvará de soltura, também com a
certidão da data do cumprimento da ordem de soltura, para cômputo da detração, caso, nesta última hipótese, esta já não tenha sido
apreciada pelo juízo do processo de conhecimento para determinação do regime de cumprimento de pena, nos termos do art. 387, § 2º, do
Código de Processo Penal, acrescentado pela Lei 12.736/12; (Redação dada pela Resolução nº 180, de 03.10.13) IX - nome e endereço do
curador, se houver; X - informações acerca do estabelecimento prisional em que o condenado encontra-se recolhido e para o qual deve ser
removido, na hipótese de deferimento de detração que importe determinação do regime de cumprimento de pena mais benéfico do que
haveria não fosse a detração, pelo próprio juízo do processo de conhecimento, nos termos do art. 387, § 2º, do Código de Processo Penal,
acrescentado pela Lei 12.736/12; (Redação dada pela Resolução nº 180, de 03.10.2013) XI - cópias da decisão de pronúncia e da certidão de
preclusão em se tratando de condenação em crime doloso contra a vida; XII - certidão carcerária; XIII - cópias de outras peças do processo
reputadas indispensáveis à adequada execução da pena.
473 Art. 8° Tratando-se de réu preso por sentença condenatória recorrível, será expedida guia de recolhimento provisória da pena privativa
de liberdade, ainda que pendente recurso sem efeito suspensivo, devendo, nesse caso, o juízo da execução definir o agendamento dos
benefícios cabíveis. Art. 9º A guia de recolhimento provisória será expedida ao Juízo da Execução Penal após o recebimento do recurso,
independentemente de quem o interpôs, acompanhada, no que couber, das peças e informações previstas no artigo 1º. § 1° A expedição da
guia de recolhimento provisória será certificada nos autos do processo criminal. § 2° Estando o processo em grau de recurso, sem expedição
da guia de recolhimento provisória, às Secretarias desses órgãos caberão expedi-la e remetê-la ao juízo competente. Art. 10 Sobrevindo
decisão absolutória, o respectivo órgão prolator comunicará imediatamente o fato ao juízo competente para a execução, para anotação do
cancelamento da guia. Art. 11 Sobrevindo condenação transitada em julgado, o juízo de conhecimento encaminhará as peças
complementares, nos termos do artigo 1º, ao juízo competente para a execução, que se incumbirá das providências cabíveis, também
informando as alterações verificadas à autoridade administrativa”. Como já afirmado no item referente à prisão (6.1), em razão da
restauração jurisprudencial da possibilidade de início de execução da pena após a confirmação da condenação pelo tribunal, tal hipótese
também pode ser indicada como causa de expedição de guia provisória.

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CONSTITUCIONA DELEGAÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS E REGISTRAIS DO RS
Na medida em que ocorra o cumprimento da pena, diversos procedimentos incidentais
poderão ocorrer, tais como progressão ou regressão de regime, livramento condicional, remição,
entre outros.
Cumprida ou extinta a pena, o juiz determinará a expedição de alvará de soltura (art. 109 da
LEP).
O art. 7º da Resolução preceitua que, no caso de modificação da competência do juízo da
execução, os autos deverão ser remetidos ao juízo competente, excetuada a hipótese de agravo
interposto e em processamento, caso em que a remessa dar-se-á após eventual juízo de retratação.

14.1.1.2 REGIMES DE CUMPRIMENTO DE PENA


Os regimes de cumprimento da pena privativa de liberdade estão descritos no art. 33 do
Código Penal, havendo regras específicas para cada um deles, fechado, semiaberto e aberto, as quais
serão individualmente analisadas.
Quanto ao regime inicial, o Código Penal estabelece limites quantitativos474 para cada
hipótese, sem prejuízo de eventual determinação do juiz em sentido diverso, à vista das
circunstâncias judiciais que o orientaram na fixação da pena-base (art. 33, § 3º, do CP), além da
própria reincidência.
A propósito do tema, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça já editaram
alguns enunciados, entre os quais:
• 269/STJ - É admissível a adoção do regime prisional semiaberto aos
reincidentes condenados a pena igual ou inferior a quatro anos se
favoráveis as circunstâncias judiciais.
• 440/STJ - Fixada a pena-base no mínimo legal, é vedado o
estabelecimento de regime prisional mais gravoso do que o cabível em
razão da sanção imposta, com base apenas na gravidade abstrata do
delito.
• 718/STF - A opinião do julgador sobre a gravidade em abstrato do
crime não constitui motivação idônea para a imposição de regime mais
severo do que o permitido segundo a pena aplicada.
• 719/STF - A imposição do regime de cumprimento mais severo do que
a pena aplicada permitir exige motivação idônea.

Tratando-se de crimes hediondos, o STF considerou inconstitucional a norma contida no art.


2º, § 1º, da Lei 8.072/90, com a redação dada pela Lei 11.464/2007, que, ao exigir, em todas as
ocasiões, o início do cumprimento da pena em regime fechado, violou o princípio constitucional da
individualização da pena475.

474 Atenção para o disposto no art. 387, § 2º do CPP, com a redação dada pela Lei 12.736/2012: “Art. 387. O juiz, ao proferir sentença
condenatória: [...]
§ 2º O tempo de prisão provisória, de prisão administrativa ou de internação, no Brasil ou no estrangeiro, será computado para fins de
determinação do regime inicial de pena privativa de liberdade. (Incluído pela Lei nº 12.736, de 2012).
475 EMENTA DIREITO PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. DOSIMETRIA. REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DA PENA.
INCONSTITUCIONALIDADE DO § 1º DO ARTIGO 2º DA LEI Nº 8.072/90. POSSIBILIDADE DE IMPOSIÇÃO DE REGIME INICIAL DIVERSO DO
FECHADO. 1. Em sessão realizada em 27.6.2012, no HC 111.840/ES, rel. Min. Dias Toffoli, o Pleno desta Suprema Corte declarou a
inconstitucionalidade do § 1º do artigo 2º da Lei 8.072/90, com a redação dada pela Lei 11.464/07, que consagrara a obrigatoriedade de
imposição do regime inicial fechado para o cumprimento da pena de crimes hediondos e equiparados. 2. Em absoluto ignorou-se o caráter
danoso do tráfico de drogas na sociedade moderna, a reclamar, em geral, tratamento jurídico mais rigoroso, permitindo apenas, forte no

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O regime inicial será fixado na sentença, após o término da dosimetria, mas antes da análise
de eventual cabimento de substituição da pena privativa de liberdade (art. 59, III do CP).
Considera-se regime fechado a execução da pena em estabelecimento de segurança máxima
ou média. Destina-se, em regra, aos condenados à pena de reclusão (art. 33, caput, do CP), sendo o
regime inicialmente obrigatório para os condenados a pena superior a oito anos (art. 33, § 2º, a, do
CP). Também deve ser fixado para os condenados reincidentes, cuja pena seja superior a quatro anos
e não exceda a oito anos.
Nos termos do art. 34 do Código Penal, o condenado ao cumprimento de pena em regime
fechado será submetido, no início, a exame criminológico para individualização da execução.
Quanto ao trabalho do preso476 no regime fechado, exerce-se o labor no período diurno,
ficando sujeito a isolamento durante o repouso noturno. Esse trabalho deve ser desenvolvido dentro
do próprio estabelecimento477, na conformidade das aptidões ou ocupações anteriores do
condenado, desde que compatíveis com a execução da pena. O trabalho externo é admissível, se em
serviços ou obras públicas478.
A Lei 10.792/2003 instituiu o Regime Disciplinar Diferenciado – RDD, dispondo o art. 52 da LEP
que o aludido regime é aplicável quando da prática, pelo preso provisório ou condenado, de fato
previsto como crime doloso que ocasione subversão da ordem ou disciplina internas, sem prejuízo da
sanção penal cabível. Também é cabível o RDD para os presos, inclusive estrangeiros, que
apresentem alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade, além
daqueles sob os quais recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer
título, em organizações criminosas, quadrilha ou bando.
O RDD possui as seguintes características:
• Duração máxima de trezentos e sessenta dias, sem prejuízo de
repetição da sanção por nova falta grave de mesma espécie, até o
limite de um sexto da pena aplicada.
• Recolhimento em cela individual.
• Visitas semanais de duas pessoas, sem contar as crianças, com
duração de duas horas.
• O preso terá direito à saída da cela por 2 horas diárias para banho de
sol.
Apesar de ter sido muito criticado, o RDD vem sendo aplicado no cotidiano forense. Há
precedente do STF em que se considerou a higidez do regime, ainda que incidentalmente479. O
Superior Tribunal de Justiça tem reiteradamente considerado o instrumento como válido.

postulado constitucional da individualização das penas, a concessão de regime inicial de cumprimento de pena diverso do fechado, quando
circunstancialmente viável. 3. A fixação do regime inicial de cumprimento da pena não está condicionada somente ao quantum da
reprimenda, mas também ao exame das circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, conforme remissão do art. 33, §3º, do mesmo
diploma legal. Em tese, viável a imposição de regime inicial fechado mesmo para o cumprimento de pena inferior a oito anos em
condenações por tráfico de drogas. Se a decisão atacada fixou, porém, o regime fechado tão somente com base no dispositivo reputado
inconstitucional, impõe-se a revisão. 4. Habeas corpus concedido. (HC 107407, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em
25/09/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-200 DIVULG 10-10-2012 PUBLIC 11-10-2012).
476 Para o preso provisório, o trabalho não é obrigatório (art. 31, parágrafo único, da LEP), não obstante seja recomendável, já que, assim,
o interessado poderá antecipar benefícios, em caso de condenação, principalmente a remição.
477As regras referentes ao trabalho interno estão previstas nos arts. 31 a 35 da LEP.
478As regras referentes ao trabalho externo estão previstas nos arts. 36 e 37 da LEP.
479 EMENTA: AÇÃO PENAL. Condenação. Execução. Prisão. Regime disciplinar diferenciado. Sanção disciplinar. Imposição. Repercussão no
alcance dos benefícios de execução penal. Indispensabilidade de procedimento administrativo prévio. Não instauração. Violação ao devido
processo legal. Ordem concedida de ofício para que a sanção já cumprida não produza efeitos na apreciação de benefícios na execução
penal. O regime disciplinar diferenciado é sanção disciplinar, e sua aplicação depende de prévia instauração de procedimento
administrativo para apuração dos fatos imputados ao custodiado. (HC 96328, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, Segunda Turma, julgado em
02/03/2010, DJe-062 DIVULG 08-04-2010 PUBLIC 09-04-2010 EMENT VOL-02396-01 PP-00167 RTJ VOL-00217- PP-00340).

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No caso do regime semiaberto, a execução da pena se dá em colônia agrícola, industrial ou
estabelecimento similar (art. 33, § 1º, b, do CP). Destina-se aos condenados à pena de reclusão ou
detenção, sendo em regra o regime inicial para os não reincidentes, cuja pena seja superior a quatro
anos e não exceda a oito anos (art. 33, § 2º, b, do CP). Também pode ser fixado para os condenados
reincidentes, cuja pena seja igual ou inferior a quatro anos, desde que as circunstâncias judiciais
sejam favoráveis480.
Ao contrário do regime fechado, a realização de exame criminológico é facultativa no semiaberto.
Quanto ao trabalho, o condenado fica sujeito a labor em comum durante o período diurno, no
mesmo estabelecimento, sendo o trabalho externo admissível, bem como a frequência a cursos
supletivos profissionalizantes, de instrução de segundo grau ou superior.
Já no regime aberto, a execução da pena ocorre em casa de albergado ou estabelecimento
adequado (art. 33, § 1º, c, do CP). Destina-se aos condenados à pena de reclusão ou detenção, sendo
em regra o regime inicial para os não reincidentes, cuja pena seja igual ou inferior a quatro anos (art.
33, § 2º, c, do CP).
Não há previsão de exame criminológico.
A essência do regime aberto está na autodisciplina e no senso de responsabilidade do
condenado, que deverá, fora do estabelecimento e sem vigilância, trabalhar, frequentar curso ou
exercer outra atividade autorizada, permanecendo recolhido durante o período noturno e nos dias
de folga.
A LEP também traz disposições específicas sobre o regime aberto, entre elas a que permite ao
juiz estabelecer condições especiais481 para a sua concessão, sem prejuízo das seguintes condições
gerais e obrigatórias (art. 115):
• permanecer no local que for designado, durante o repouso e nos dias
de folga;
• sair para o trabalho e retornar, nos horários fixados;
• não se ausentar da cidade onde reside, sem autorização judicial;
• comparecer a Juízo, para informar e justificar as suas atividades,
quando for determinado.

O juiz poderá modificar as condições estabelecidas, de ofício, a requerimento do Ministério


Público, da autoridade administrativa ou do condenado, desde que as circunstâncias assim o
recomendem (art. 116 da LEP). Tal regra se explica pela natureza dinâmica da execução.
Permite-se, excepcionalmente, a transferência para a prisão domiciliar, quando se tratar de: a)
condenado maior de setenta anos; b) acometido de doença grave; c) condenada com filho menor ou
deficiente físico ou mental; e d) condenada gestante.
A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal tem precedentes no sentido de que, em razão
da ausência de vaga em prisão-albergue, ou estabelecimento congênere, é permitida a concessão de
prisão domiciliar, sob a justificativa de que o preso não pode ser prejudicado pela omissão do Poder
Público482. O Superior Tribunal de Justiça também tem precedentes nesse sentido483. Por outro lado,

480Enunciado 269/STJ.
481Enunciado 493 da Súmula de Jurisprudência do STJ: “É inadmissível a fixação de pena substitutiva (art. 44 do CP) como condição
especial ao regime aberto”.
482PENA – EXECUÇÃO – REGIME. Ante a falência do sistema penitenciário a inviabilizar o cumprimento da pena no regime menos gravoso a
que tem jus o reeducando, o réu, impõe-se o implemento da denominada prisão domiciliar. Precedentes: Habeas Corpus nº 110.892/MG,
julgado na Segunda Turma em 20 de março de 2012, relatado pelo Ministro Gilmar Mendes, 95.334-4/RS, Primeira Turma, no qual fui
designado para redigir o acórdão, 96.169-0/SP, Primeira Turma, de minha relatoria, e 109.244/SP, Segunda Turma, da relatoria do Ministro
Ricardo Lewandowski, com acórdãos publicados no Diário da Justiça de 21 de agosto de 2009, 9 de outubro de 2009 e 7 de dezembro de

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não se mostra obrigatório que o estabelecimento esteja situado na mesma comarca, podendo o
preso ser compelido a cumprir a pena em casa de albergado existente na mesma região
metropolitana484.
Atenção: “É inadmissível a fixação de pena substitutiva (art. 44 do CP) como condição especial
ao regime aberto” (Súmula 493 do STJ).

14.1.1.3 PROGRESSÃO E REGRESSÃO DE REGIME


14.1.1.3.1 INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA
Antes de se analisar especificamente a movimentação entre os regimes, faz-se necessária uma
breve incursão sobre o princípio da individualização da pena.
O princípio da individualização da pena, de matriz constitucional (art. 5º, XLVI), incide em três
planos distintos: a) legislativo – o legislador, ao eleger as condutas que são penalmente relevantes,
estabelece a respectiva resposta penal, fixando-lhe os limites mínimo e máximo, em observância às
particularidades pertinentes, tais como bem jurídico tutelado, condição do agente, da vítima, entre
outras. Trata-se da cominação propriamente dita; b) judicial – papel reservado ao magistrado, que
aplicará a pena, observados os parâmetros legais, de acordo com as circunstâncias do caso concreto;
c) executivo – cuida-se da execução da pena, da realização do jus puniendi, na qual também serão
observadas as circunstâncias específicas do caso, isso durante todo o período de cumprimento da
sanção penal. A razão maior da existência desse princípio é justamente a individualidade do ser
humano, algo que lhe é inerente e inafastável. Busca-se a pena justa e adequada para o caso. Cada
pessoa tem o direito fundamental de ter a sua particular condição respeitada, mesmo na hipótese de
cometimento de determinada infração penal, por mais hedionda que seja.
A partir dessa noção bem genérica e sumária sobre a individualização da pena, bem como o
seu campo de abrangência, pode-se concluir que a própria execução penal, em sua essência, é
dinâmica. Em outras palavras, o título judicial oriundo da sentença penal condenatória transitada em
julgado não é imutável (rebus sic stantibus). Ao contrário, poderá variar conforme o desenrolar da
execução.
14.1.1.3.2 SISTEMA PROGRESSIVO
O ordenamento jurídico pátrio adotou o sistema progressivo no cumprimento da pena
privativa de liberdade. Um dos principais fundamentos desse sistema é a ressocialização do
condenado. Ao se permitir que este paulatinamente passe da fase da reclusão absoluta até o
livramento condicional, estar-se-ia viabilizando a sua reinserção na vida em sociedade.

2011, respectivamente. (HC 107810, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 17/04/2012, PROCESSO ELETRÔNICO
DJe-085 DIVULG 02-05-2012 PUBLIC 03-05-2012).
483HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. DESCABIMENTO. EXECUÇÃO PENAL. PROGRESSÃO AO REGIME ABERTO.
AUSÊNCIA DE VAGAS. PACIENTE MANTIDO EM ESTABELECIMENTO INADEQUADO. MANIFESTA ILEGALIDADE. WRIT NÃO CONHECIDO.
ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. [...] - O fato de o paciente, beneficiado com a progressão prisional, aguardar o surgimento de vaga em
estabelecimento adequado no regime mais gravoso constitui situação excepcional a autorizar o uso do habeas corpus, dado o evidente
constrangimento imposto à liberdade de locomoção do apenado. - Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para que o
paciente aguarde em prisão domiciliar, o surgimento de vaga em estabelecimento compatível com o regime aberto. (HC 211.557/MG, Rel.
Ministra MARILZA MAYNARD (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/SE), QUINTA TURMA, julgado em 07/03/2013, DJe 12/03/2013).
484 HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. PROGRESSÃO PARA O REGIME PRISIONAL ABERTO. ALEGAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE
ESTABELECIMENTO ADEQUADO NA COMARCA. PLEITO DE PRISÃO DOMICILIAR. CASA DE ALBERGADO EM CIDADE DA MESMA REGIÃO
METROPOLITANA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL INEXISTENTE. HABEAS CORPUS DENEGADO. 1. É pacífica a jurisprudência desta Corte no
sentido de que, na falta de vagas em estabelecimento compatível ao regime fixado na condenação, configura constrangimento ilegal a
submissão do réu ao cumprimento de pena em regime mais gravoso, devendo o mesmo cumprir a reprimenda em regime aberto, ou em
prisão domiciliar, diante da inexistência de Casa de Albergado no local de cumprimento da pena. 2. Na hipótese dos autos, contudo, ao
contrário do alegado na inicial, o fato de o apenado morar em Belford Roxo não impede o apenado cumprir o restante de sua pena em casa
de albergado localizada na cidade do Rio de Janeiro, pois as Comarcas integram a mesma região metropolitana. 3. Habeas Corpus
denegado. (HC 261.207/RJ, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 05/03/2013, DJe 12/03/2013).

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Essa progressão, contudo, não é automática, dependendo essencialmente do comportamento
do condenado. A sua boa conduta e aproveitamento o permitirão evoluir de regime ao longo do
cumprimento da pena. O Código Penal e a Lei de Execução Penal claramente adotaram o sistema
progressivo, ressaltando-se o mérito do condenado.

14.1.1.3.3 PROGRESSÃO DE REGIME


Segundo dispõe o art. 112 da LEP, a pena privativa de liberdade será executada de forma
progressiva485 com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando
o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior e ostentar bom
comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas
que vedam a progressão.
O primeiro requisito para a progressão é temporal: cumprimento de um sexto da pena no
regime anterior. Para a primeira progressão, considera-se o tempo total da pena, enquanto que, para
a segunda, o tempo restante.
No caso de crimes hediondos, por força da vigência da Lei 11.464, de 28 de março de 2007, o
condenado deverá cumprir dois quintos da pena, se primário, aumentando-se para três quintos, em
caso de reincidência (art. 2º, § 2º, da Lei 8.072/90). A norma, por ser mais gravosa486, não possui
eficácia retroativa, conforme jurisprudência já consolidada do Superior Tribunal de Justiça487.
O STJ recentemente editou o Enunciado 534, que trata do reinício da contagem para
progressão, em caso de falta grave:
• A prática de falta grave interrompe a contagem do prazo para a
progressão de regime de cumprimento de pena, o qual se reinicia a
partir do cometimento dessa infração. (Súmula 534, TERCEIRA
SEÇÃO, julgado em 10/06/2015, DJe 15/06/2015)
Além do requisito temporal, é necessário que o condenado ostente bom comportamento
carcerário, o qual será atestado pelo diretor do estabelecimento.
Na redação original, o art. 112 previa que o juiz, antes de decidir, determinasse a realização de
exame criminológico, bem como a juntada de parecer da Comissão Técnica de Classificação.
Contudo, a Lei 10.792/2003 alterou a redação do art. 112, para excluir a previsão do exame
criminológico e do parecer da CTC como condição para efetuar a progressão do regime.
A alteração foi criticada por parte da doutrina, tendo em vista que o instrumento era
necessário para se fazer cumprir o postulado da individualização da pena:
Essa alteração deveu-se a pressões de vários setores, especialmente
integrantes do Poder Executivo, que arca com os custos não só das
Comissões existentes, mas também dos presídios em geral, sob o
argumento de serem seus laudos “padronizados”, de pouca valia para a
individualização executória. Por outro lado, haveria excesso de subjetivismo
nesses pareceres, que acabavam por convencer o juiz a segurar o preso no
regime mais severo (fechado ou semiaberto), o que terminava por gerar
superlotação das cadeias e estabelecimentos penitenciários. Entretanto, a

485 O art. 33, § 2º do CP também prevê que as penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o
mérito do condenado, observados os critérios ali contidos.
486Uma leitura desatenta poderia indicar justamente o contrário, já que a norma revogada exigia o cumprimento da pena em regime
integralmente fechado (art. 2º, § 1º da Lei 8.072/90). Porém, o Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional a aludida norma (HC
82.959/SP), não mais se aplicando o Enunciado 698. Assim, passou-se a considerar o prazo fixado pelo art. 112 da LEP, que é de um sexto da
pena no regime anterior. Portanto, a Lei 11.464/2007 endureceu a resposta penal.
487 Enunciado 471 da Súmula do STJ: “Os condenados por crimes hediondos ou assemelhados cometidos antes da vigência da Lei n.
11.464/2007 sujeitam-se ao disposto no art. 112 da Lei n. 7.210/1984 (Lei de Execução Penal) para a progressão de regime prisional”.

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mudança foi, em nosso entender, péssima para o processo de
individualização executória da pena. E, nessa ótica, inconstitucional. Não se
pode obrigar o magistrado, como se pretendeu com a edição da Lei
10.792/2003, a conceder ou negar benefícios penais somente com a
apresentação do frágil atestado de conduta 488.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça acabou firmando o entendimento de que, se


necessário, o juiz poderá exigir fundamentadamente o exame489. O Supremo Tribunal Federal
também já consolidou entendimento que vai ao encontro do posicionamento do STJ490.
Cuidando-se de condenado por crime praticado contra a administração pública, o Código Penal
impôs mais uma condição para o deferimento da progressão de regime: a reparação do dano que
causou, ou a devolução do produto do ilícito praticado, com os acréscimos legais (art. 33, § 4º,
incluído pela Lei 10.763/2003).
Na hipótese de a progressão do condenado se dar do regime semiaberto para o aberto, exige-
se a aceitação do seu programa e das condições impostas pelo juiz (art. 113 da LEP).
A LEP determina que a decisão acerca da progressão de regime seja sempre motivada e
precedida de manifestação do Ministério Público e do defensor técnico do preso.
A jurisprudência também já consolidou entendimento no sentido de ser inadmissível a
progressão per saltum491.
Porém, caso o Poder Público não disponibilize vaga em estabelecimento adequado, em face da
progressão a que tem direito o preso, este não pode ser penalizado pela omissão estatal, não sendo
tal fato impeditivo para o deferimento do pedido, sendo possível, em determinadas situações, até
mesmo a prisão domiciliar492. Logo, a falta de vagas no regime intermediário não pode permitir a
permanência do preso no regime fechado.

14.1.1.3.4 REGRESSÃO DE REGIME

488 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 10. ed. rev., atual e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2013, p. 1032.
489Nesse sentido, confira-se o Enunciado 439 da Súmula de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: “Admite-se o exame
criminológico pelas peculiaridades do caso, desde que em decisão motivada”. Em adição, cita-se o seguinte precedente: “HABEAS CORPUS.
EXECUÇÃO PENAL. PENA TOTAL DE 23 ANOS 4 DIAS DE RECLUSÃO, EM REGIME INICIAL FECHADO. ROUBOS CIRCUNSTANCIADOS.
PROGRESSÃO DE REGIME PRISIONAL INDEFERIDA. EXIGÊNCIA DE EXAME CRIMINOLÓGICO. MÉRITO SUBJETIVO NÃO COMPROVADO. FALTAS
GRAVES NO DECORRER DO CUMPRIMENTO DE PENA (POSSE DE FACA, TENTATIVA DE FUGA, SUBVERSÃO À ORDEM, DESACATO, AMEAÇA E
DANOS). SÚMULA 439/STJ. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. PARECER DO MPF PELA DENEGAÇÃO DO WRIT. ORDEM DENEGADA.
1. Conforme entendimento cristalizado nesta Corte Superior, a realização do exame criminológico pode ser solicitada quando as
peculiaridades da causa assim o recomendarem. Súmula 439/STJ. [...] 3. O exame criminológico constitui um instrumento necessário para a
formação da convicção do Magistrado, de maneira que deve sempre ser realizado como meio de se obter uma avaliação mais aprofundada
acerca dos riscos do deferimento da progressão de regime, ocasião em que o apenado terá maior contato com a sociedade. De outra parte,
é procedimento que não constrange quem a ele se submete, pois se trata de avaliação não invasiva da pessoa, já que se efetiva por meio de
entrevista com técnico ou especialista, não produzindo qualquer ofensa física ou moral. 4. Ordem denegada, em consonância com o
parecer ministerial. (HC 194.536/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 05/04/2011, DJe 12/05/2011)”
490Enunciado 26 da Súmula Vinculante do STF: “Para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime hediondo, ou
equiparado, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei n. 8.072, de 25 de julho de 1990, sem prejuízo de avaliar
se o condenado preenche, ou não, os requisitos objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar, para tal fim, de modo
fundamentado, a realização de exame criminológico”.
491 Enunciado 491/STJ: “É inadmissível a chamada progressão per saltum de regime prisional”.
492CRIMINAL. HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. PROGRESSÃO PARA REGIME SEMIABERTO. AUSÊNCIA DE VAGA NO REGIME
INTERMEDIÁRIO. MANUTENÇÃO EM REGIME FECHADO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. [...]
II. Entretanto, é pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de que, na falta de vagas em estabelecimento compatível ao regime fixado
na condenação, configura constrangimento ilegal a submissão do réu ao cumprimento de pena em regime mais gravoso, devendo o mesmo
cumprir a reprimenda em regime aberto, ou em prisão domiciliar, na hipótese de inexistência de Casa de Albergado. III. Deve ser permitido
à paciente o desconto de sua reprimenda em regime aberto ou prisão domiciliar, até que surja vaga em estabelecimento adequado ao
regime semiaberto, exceto se por outro motivo estiver presa em regime fechado. IV. Ordem concedida de ofício, nos termos do voto do
Relator. (HC 210.448/SP, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 19/04/2012, DJe 24/04/2012).

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Já foi visto que a execução penal é essencialmente dinâmica. Assim como se mostra possível a
progressão de regime, levando-se em consideração o mérito do condenado, a situação invertida
também é possível: o demérito do condenado poderá levá-lo à regressão de regime.
O art. 118 da LEP enumera as situações que justificam a regressão do regime, com
transferência para qualquer dos regimes mais rigorosos, isso quando o condenado praticar fato
definido como crime doloso, falta grave ou sofrer condenação, por crime anterior, cuja pena, somada
ao restante da pena em execução, torne incabível o regime (art. 111). Especificamente em relação ao
regime aberto, poderá também haver regressão se o condenado frustrar os fins da execução ou não
pagar, podendo, a multa ser cumulativamente imposta.
A lei dispensa a oitiva do preso no caso de condenação, por crime anterior, que, após o
somatório, inviabilize a manutenção do regime atual (§ 2º do art. 118).
No caso de falta disciplinar, o STJ recentemente editou enunciados sobre o tema:
• O reconhecimento de falta grave decorrente do cometimento de fato
definido como crime doloso no cumprimento da pena prescinde do
trânsito em julgado de sentença penal condenatória no processo penal
instaurado para apuração do fato. (Súmula 526, TERCEIRA SEÇÃO,
julgado em 13/05/2015, DJe 18/05/2015)
• Para o reconhecimento da prática de falta disciplinar no âmbito da
execução penal, é imprescindível a instauração de procedimento
administrativo pelo diretor do estabelecimento prisional, assegurado o
direito de defesa, a ser realizado por advogado constituído ou defensor
público nomeado. (Súmula 533, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em
10/06/2015, DJe 15/06/2015)

Assim, a falta grave é um dos motivos listados para a regressão de regime. A Lei 11.466/2007
possibilitou tipificar, como falta grave, a conduta de possuir, utilizar ou fornecer aparelho telefônico,
de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo (art.
50, VII, da LEP). Com isso, buscou-se coibir a utilização de aparelhos de telefonia celular em presídios.
Antes, porém, foi reconhecida a ilegalidade da tentativa de se enquadrar a hipótese em outras
normas493.

14.1.1.3.5 REMIÇÃO
O capítulo da LEP que trata da remição foi integralmente reformulado pela Lei 12.403/11.
Entre as alterações mais relevantes, destacam-se a possibilidade da remição pelo estudo494 e a
limitação da revogação do tempo remido em caso de falta grave. Também se destaca a possibilidade
de remição aos presos que cumpram pena no regime aberto, além dos que usufruem o benefício do
livramento condicional, bem como para os presos provisórios.
Em resumo, a remição será feita à razão de: a) um dia de pena a cada doze horas de frequência
escolar – atividade de ensino fundamental, médio, inclusive profissionalizante, ou superior, ou ainda

493HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. PROGRESSÃO PARA REGIME SEMIABERTO. PEDIDO PREJUDICADO. FALTA GRAVE. PERDA DOS DIAS
REMIDOS. POSSE DE APARELHO CELULAR ANTES DA LEI Nº 11.466/2007. CONDUTA NÃO TIPIFICADA. PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E
IRRETROATIVIDADE DA LEI PENAL MAIS RIGOROSA. INCOMPETÊNCIA ESTADUAL PARA LEGISLAR SOBRE FALTAS GRAVES. ORDEM
PREJUDICADA EM PARTE E CONCEDIDA. 1. Antes do advento da Lei nº 11.466 de 29 de março de 2007, a posse de aparelho telefônico não
constava do rol taxativo previsto no art. 50 da Lei de Execuções Penais, onde estão previstas as condutas caracterizadoras de falta disciplinar
de natureza grave, razão pela qual não está autorizado o reconhecimento da falta por este motivo, sob pena de violação do princípio da
legalidade e da irretroatividade da lei penal mais rigorosa. 2. Resolução da Secretaria de Administração Penitenciária do Estado de São
Paulo tipificando a conduta como falta grave não é suficiente para legitimar a decisão, pois nos termos do art. 49 da Lei nº 7.210/1984, a
legislação local somente está autorizada a especificar as condutas que caracterizem faltas leves ou médias e suas respectivas sanções. [...]
(HC 155.372/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, julgado em 02/08/2012, DJe 15/08/2012).
494A jurisprudência já havia acenado nesse sentido, a exemplo do Enunciado 341/STJ: “A frequência a curso de ensino formal é causa de
remição de parte do tempo de execução de pena sob regime fechado ou semi-aberto”.

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de requalificação profissional – divididas, no mínimo, em três dias; ou b) um dia de pena a cada 3 três
dias de trabalho. O tempo a remir, em caso de estudo, poderá ser acrescido de um terço se houver a
conclusão do curso, na forma do § 5º do art. 126 da LEP. A Lei 13.163/2015 instituiu o ensino médio
nas penitenciárias.
No caso de falta grave, o juiz poderá revogar até um terço do tempo remido, observado o
disposto no art. 57 da LEP, recomeçando-se a contagem a partir da data da infração disciplinar. Essa
norma, por ser mais benéfica, aplica-se retroativamente495.
O tempo remido deverá ser declarado como pena cumprida, para todos os efeitos, e não
apenas para fins de livramento condicional ou indulto (art. 128 da LEP).
A remição será declarada pelo juízo da execução, ouvidos previamente o Ministério Público e a
defesa.

14.1.1.3.6 LIVRAMENTO CONDICIONAL


O livramento condicional consiste na antecipação provisória da liberdade do condenado,
mediante o cumprimento de determinadas condições.
Nos termos do art. 83 do Código Penal, é cabível o livramento condicional ao condenado à
pena privativa de liberdade igual ou superior a dois anos.
Dois são os requisitos para a obtenção do benefício, sendo um objetivo e o outro de natureza
subjetiva.
O requisito objetivo, basicamente, é o lapso exigido no Código Penal496:
• um terço da pena se o condenado não for reincidente em crime doloso
e tiver bons antecedentes;
• metade se o condenado for reincidente em crime doloso;
• dois terços da pena, nos casos de condenação por crime hediondo,
prática da tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, e
terrorismo, se o apenado não for reincidente específico em crimes
dessa natureza.
Apesar de a lei não ter previsto a situação daqueles que possuam maus antecedentes, mas não
são reincidentes, não se permite interpretação em prejuízo do condenado. Assim, deve-se aplicar o
interstício de um terço497. Aplica-se a mesma solução para os reincidentes quando um dos crimes for
culposo.

495DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. DESCABIMENTO. COMPETÊNCIA DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DESTE SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. MATÉRIA DE DIREITO ESTRITO. MODIFICAÇÃO DE ENTENDIMENTO
DO STJ, EM CONSONÂNCIA COM O DO STF. IMPOSSIBILIDADE DE CONHECIMENTO DA IMPETRAÇÃO. EXECUÇÃO PENAL. FALTA DISCIPLINAR
DE NATUREZA GRAVE. POSSIBILIDADE DE INTERRUPÇÃO DO PRAZO PARA PROGRESSÃO DE REGIME. INCIDÊNCIA DO ENTENDIMENTO
FIXADO PELA TERCEIRA SEÇÃO DESTA CORTE NO JULGAMENTO DO ERESP 1.176.486/SP. INEXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL.
WRIT NÃO CONHECIDO. REMIÇÃO. SUPERVENIÊNCIA DA LEI N.º 12.433/2011. NOVA REDAÇÃO AO ART. 127 DA LEI DE EXECUÇÕES PENAIS.
PERDA DE ATÉ 1/3 (UM TERÇO) DOS DIAS REMIDOS. PRINCÍPIO DA RETROATIVIDADE DA LEI PENAL MAIS BENÉFICA. APLICABILIDADE.
ORDEM DE HABEAS CORPUS CONCEDIDA DE OFÍCIO, NESSE PONTO. [...] 4. A constitucionalidade do art. 127 da Lei de Execução Penal, que
impõe a perda dos dias remidos pelo cometimento de falta grave, foi reafirmada, por diversas vezes, pelo Supremo Tribunal Federal,
ensejando a edição da Súmula Vinculante n.º 9. 5. A partir da vigência da Lei n.º 12.433, de 29 de junho de 2011, que alterou a redação ao
art. 127 da Lei de Execuções Penais, a penalidade consistente na perda de dias remidos pelo cometimento de falta grave passa a ter nova
disciplina, não mais incidindo sobre a totalidade do tempo remido, mas apenas até o limite de 1/3 (um terço) desse montante, cabendo ao
Juízo das Execuções, com certa margem de discricionariedade, aferir o quantum, levando em conta "a natureza, os motivos, as
circunstâncias e as conseqüências do fato, bem como a pessoa do faltoso e seu tempo de prisão", consoante o disposto no art. 57 da Lei de
Execuções Penais. 6. Por se tratar de norma penal mais benéfica, deve a nova regra incidir retroativamente, em obediência ao art. 5.º, inciso
XL, da Constituição da República. [...] (HC 215.243/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 23/10/2012, DJe 31/10/2012).
496 A lei especial pode eventualmente fixar prazo para o livramento condicional, tal como ocorreu com a nova Lei de Drogas (art. 44,
parágrafo único, da Lei 11.343/2006). Contudo, fixou-se o mesmo lapso do CP.
497HABEAS CORPUS – LIVRAMENTO CONDICIONAL – PRAZO PARA CONCESSÃO – PACIENTE PRIMÁRIO COM MAUS ANTECEDENTES –

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O art. 84 do Código Penal exige que as penas que correspondam a infrações diversas devam
somar-se para efeito do livramento. Para fins de cálculo para a obtenção do benefício, considera-se o
tempo total, e não o resultante da unificação prevista no art. 75 do CP, conforme Enunciado 715 da
Súmula de Jurisprudência do STF498.
No caso de cometimento de falta grave, não se interrompe a contagem do prazo para o
livramento condicional499.
Com o advento da Lei 10.792/2003, que incluiu o § 2° ao art. 112 da LEP, o único requisito
subjetivo exigido é o bom comportamento carcerário. Logo, as mesmas observações a respeito da
exigência do exame criminológico para fins de progressão de regime podem ser aplicadas para o
livramento condicional, não se mostrando mais necessária a oitiva do Conselho Penitenciário500.
As condições para o cumprimento do livramento condicional estão descritas no art. 132 da LEP
e dividem-se em obrigatórias e facultativas.
As obrigatórias são (§ 1º):
• obter ocupação lícita, dentro de prazo razoável se for apto para o
trabalho;
• comunicar periodicamente ao juiz sua ocupação;
• não mudar do território da comarca do juízo da execução, sem prévia
autorização deste.

As facultativas são (§ 2º):


• não mudar de residência sem comunicação ao juiz e à autoridade
incumbida da observação cautelar e de proteção;
• recolher-se à habitação em hora fixada;
• não frequentar determinados lugares.

Os arts. 86 e 87 do Código Penal estabelecem respectivamente as causas de revogação


obrigatória e facultativa do benefício.
Dá-se a revogação obrigatória do livramento, se o liberado vier a ser condenado à pena
privativa de liberdade, em sentença irrecorrível, seja por crime cometido durante a vigência do
benefício, seja por delito anterior. No primeiro caso, não se desconta da pena o tempo em que o

SITUAÇÃO NÃO TRATADA PELO CÓDIGO – APLICAÇÃO DO ARTIGO 83, I, DO CÓDIGO PENAL – PRECEDENTES – ORDEM CONCEDIDA. 1- No
caso de paciente primário, de maus antecedentes, como o Código não contemplou tal hipótese, ao tratar do prazo para concessão do
livramento condicional, não se admite a interpretação em prejuízo do réu, devendo ser aplicado o prazo de um terço. 2- O paciente
primário com maus antecedentes não pode ser equiparado ao reincidente, em seu prejuízo. Precedentes.
[...] (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG), SEXTA TURMA, julgado em 03/04/2008, DJe 22/04/2008)
498 “A pena unificada para atender ao limite de trinta anos de cumprimento, determinado pelo art. 75 do código penal, não é considerada
para a concessão de outros benefícios, como o livramento condicional ou regime mais favorável de execução”.
499 Enunciado 441 da Súmula de Jurisprudência do STJ: “A falta grave não interrompe o prazo para obtenção de livramento condicional”.
500EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS. LIVRAMENTO CONDICIONAL. PRÉVIA OITIVA DO CONSELHO PENITENCIÁRIO. DESNECESSIDADE.
ART. 112 DA LEP, COM NOVA REDAÇÃO DADA PELA LEI N.º 10.792/2003. I - Para a concessão do benefício do livramento condicional, deve o
acusado preencher os requisitos de natureza objetiva (lapso temporal) e subjetiva (bom comportamento carcerário), nos termos do art. 112
da LEP, com redação dada pela Lei nº 10.792/2003, podendo o Magistrado, excepcionalmente, determinar a realização do exame
criminológico, diante das peculiaridades da causa, desde que o faça em decisão concretamente fundamentada (cf. HC 88052/DF, Rel.
Ministro Celso de Mello, DJ de 28/04/2006). (Precedentes). II - Dessa forma, muito embora a nova redação do art. 112 da Lei de Execução
Penal não mais exija o exame criminológico, esse pode ser realizado, se o Juízo da Execução, diante das peculiaridades da causa, assim o
entender, servindo de base para o deferimento ou indeferimento do pedido (Precedentes desta Corte e do Pretório Excelso/Informativo-STF
nº 439). III - Evidenciado, in casu, que o Juízo de 1º grau dispensou a realização do exame criminológico, concedendo o benefício do
livramento condicional ao paciente, não é permitido ao e. Tribunal a quo reformar esta decisão, e, por conseguinte, determinar prévia oitiva
do Conselho Penitenciário, sem a devida fundamentação, ou condicionar o benefício a requisitos que não os constantes no texto legal.
(Precedentes) Habeas Corpus concedido. (HC 93.416/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 21/02/2008, DJe
24/03/2008).

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condenado esteve solto, devendo retomá-la pelo tempo que restava quando do início do benefício,
cabendo novo livramento apenas pela segunda condenação, se for o caso. No caso de crime anterior,
permite-se o desconto do tempo em que o condenado estivera solto, além de o restante poder ser
computado para, juntamente com o montante do segundo crime, obter-se novo livramento no
futuro (art. 88 do CP).
A revogação facultativa poderá ocorrer quando o liberado deixar de cumprir qualquer das
obrigações constantes da sentença, ou for irrecorrivelmente condenado, por crime ou contravenção,
à pena que não seja privativa de liberdade. Nessa última hipótese – sentença condenatória
irrecorrível –, aplica-se o art. 88 do CP. Em qualquer dos casos de revogação, o liberado deverá ser
ouvido previamente antes da decisão final. Nos casos de suspensão, contudo, o contraditório poderá
ser diferido, em conformidade com o art. 145 da LEP501.
Nos termos do art. 144 da LEP, com a redação dada pela Lei 12.313/10, o juiz, de ofício, a
requerimento do Ministério Público, da Defensoria Pública ou mediante representação do Conselho
Penitenciário, e ouvido o liberado, poderá modificar as condições especificadas na sentença,
devendo o respectivo ato decisório ser lido ao liberado por uma das autoridades ou funcionários
indicados no inciso I do caput do art. 137, observado o disposto nos incisos II e III e §§ 1º e 2º do
mesmo artigo. Tal se deve ao caráter dinâmico da execução penal. O Código Penal elenca um caso de
prorrogação do período de prova, prevendo o art. 89 que o juiz não poderá declarar extinta a pena,
enquanto não passar em julgado a sentença em processo a que responde o liberado, por crime
cometido na vigência do livramento. Apesar de o agente ficar desobrigado durante o período de
prorrogação, a pena será extinta apenas se houver absolvição. Do contrário, dá-se a revogação do
benefício.

14.1.1.3.7 SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA


O sursis consiste na suspensão condicional da pena privativa de liberdade502, mediante o
cumprimento de determinadas condições fixadas, durante determinado período de prova que varia
de dois a quatro anos, conforme art. 77 do Código Penal.
Eis os requisitos para a obtenção do sursis:
• a pena não seja superior a dois anos;
• o condenado não seja reincidente em crime doloso;
• a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e personalidade do
agente, bem como os motivos e as circunstâncias autorizem a
concessão do benefício;
• não seja indicada ou cabível a substituição prevista no art. 44 deste
Código.
O § 1° do art. 77 estabelece que a condenação anterior à pena de multa não impede a
concessão do benefício.
O art. 78 estabelece as condições que deverão ser cumpridas pelo condenado:

501PENAL E PROCESSO PENAL. LIVRAMENTO CONDICIONAL. PRÁTICA DE NOVO DELITO. SUSPENSÃO CAUTELAR DO LIVRAMENTO
CONDICIONAL DURANTE O PERÍODO DE PROVA. AUSÊNCIA DE OITIVA PRÉVIA DO CONSELHO PENITENCIÁRIO. INEXISTÊNCIA DE
CONSTRANGIMENTO ILEGAL. 1. A prática de nova infração penal no curso do livramento condicional gera a suspensão cautelar da benesse e
prescinde da oitiva prévia do condenado ou do Conselho Penitenciário, a teor dos arts. 89 e 145 da LEP. 2. No presente caso, a suspensão
revelou-se necessária e a dispensa da oitiva prévia do Conselho Penitenciário em caso de suspensão cautelar da benesse não acarreta
ofensa ao princípio do contraditório, pois se trata apenas de uma postergação e de não uma supressão do ato, que será realizado por
ocasião da revogação do benefício. 3. Ordem denegada. (HC 232.827/RJ, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado em
22/03/2012, DJe 11/04/2012).
502Não se aplica às penas restritivas de direito ou de multa.

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• No primeiro ano do prazo, deverá o condenado prestar serviços à
comunidade (art. 46) ou submeter-se à limitação de fim de semana (art.
48).
• Se o condenado houver reparado o dano, salvo impossibilidade de
fazê-lo, e se as circunstâncias do art. 59 do CP lhe forem inteiramente
favoráveis, o juiz poderá substituir a exigência do parágrafo anterior
pelas seguintes condições, aplicadas cumulativamente:
o proibição de frequentar determinados lugares;
o proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem
autorização do juiz;
o comparecimento pessoal e obrigatório a juízo,
mensalmente, para informar e justificar suas atividades.

Nesta última situação (art. 78, § 2º, do CP), a doutrina denomina como sursis especial.
O art. 79 permite que o juiz fixe outras condições, às quais fica subordinada a suspensão,
desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do condenado.
Em seguida, o CP trata das situações em que haverá revogação obrigatória do benefício, ou
seja, quando houver: a) condenação, em sentença irrecorrível, por crime doloso; b) frustração,
embora solvente, da execução de pena de multa ou, sem motivo justificado, não houver a reparação
do dano; ou c) descumprimento da prestação de serviços à comunidade ou da limitação de fim de
semana.
As causas que permitem a revogação facultativa são: a) descumprimento das condições
judiciais eventualmente impostas, nos termos do art. 79 do CP; b) condenação, irrecorrível, por crime
culposo ou por contravenção, à pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos, exceto a pena de
multa; ou c) descumprimento do sursis especial (art. 78, § 2º).
Nos termos do art. 81, § 2º, do CP, se o beneficiário, durante o período de prova, vier a ser
processado por outro crime ou contravenção, considera-se prorrogado o prazo da suspensão até o
julgamento definitivo. Na hipótese de condenação, revoga-se o sursis; no caso de absolvição,
extingue-se a pena. Durante o período de prorrogação, o condenado fica desobrigado de cumprir as
condições impostas. O Código Penal também permite que o juiz, nos casos de revogação facultativa,
em vez de determinar a cessação do benefício, prorrogue o período de prova até o máximo, se este
não havia sido fixado (art. 81, § 3º).
Por fim, o código criou o sursis humanitário, que consiste na suspensão da execução da pena
privativa de liberdade não superior a quatro anos, por período de quatro a seis anos, desde que o
condenado seja maior de setenta anos de idade, ou razões de saúde justifiquem a aludida suspensão (art.
77, § 2º).

14.1.2 PENA RESTRITIVA DE DIREITO


Transitada em julgado a sentença que aplicou substitutivamente a pena restritiva de direitos,
promove-se a execução, independentemente de requerimento do Ministério Público. Pode-se
requisitar, quando necessário, a colaboração de entidades públicas ou solicitá-la a particulares (art.
147 da LEP).
No caso de prestação de serviços à comunidade, caberá ao juízo da execução designar a
entidade ou programa comunitário ou estatal, devidamente credenciado ou convencionado, junto ao
qual o condenado deverá trabalhar gratuitamente, de acordo com as suas aptidões. Para tanto,
pode-se designar audiência, para fins de cientificação do condenado acerca das condições e do

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regime de cumprimento da prestação de serviços, lembrando que o trabalho terá a duração de oito
horas semanais e será realizado aos sábados, domingos e feriados, ou em dias úteis, de modo a não
prejudicar a jornada normal de trabalho do reeducando. Conta-se o início da execução a partir da
data do primeiro comparecimento (art. 149, § 2º, da LEP). Para fins de controle do cumprimento da
pena, a entidade beneficiada encaminhará relatórios mensais ao juízo (art. 150).
Já foi estudado que a execução penal é essencialmente dinâmica, havendo em toda sentença
penal condenatória uma cláusula rebus sic stantibus, permitindo-se, por conta disso, que haja
alterações posteriores no cumprimento da pena. No caso da prestação de serviços, não poderia ser
diferente, havendo previsão expressa nesse sentido (art. 149, III, da LEP).
Cumprida a pena, após a manifestação do Ministério Público e da defesa, será declarada a sua
extinção, oficiando-se à entidade beneficiada.
Quando a pena restritiva de direitos consistir na limitação de fim de semana, também haverá
formalidade semelhante à já mencionada para os casos de prestação de serviços à comunidade, tais
como a cientificação do condenado, o termo inicial do cumprimento a partir da data do primeiro
comparecimento, o encaminhamento de relatórios mensais pela entidade e a extinção após o
cumprimento da pena. O art. 152 da LEP permite que sejam ministrados ao condenado, durante o
tempo de permanência, cursos e palestras, ou atribuídas atividades educativas.
A interdição temporária de direitos, apesar de praticamente em desuso, mantém previsão na
LEP. Caberá ao juízo da execução comunicar à autoridade competente a pena aplicada, intimando-se
o condenado (art. 154, caput). Em alguns casos, serão necessárias outras providências (art. 154, §§
1º e 2º).
A prestação pecuniária encontra-se disciplinada no art. 45, §§ 1º e 2º do CP, consistindo no
pagamento em dinheiro à vítima, a seus dependentes ou a entidade pública ou privada com
destinação social, de importância fixada pelo juiz, não inferior a 1 (um) salário mínimo nem superior
a 360 (trezentos e sessenta) salários mínimos, podendo, ainda, se houver aceitação do beneficiário,
consistir em prestação de outra natureza. O valor pago será deduzido do montante de eventual
condenação em ação de reparação civil, se coincidentes os beneficiários503.

14.1.3 PENA DE MULTA


O procedimento da pena de multa está disciplinado a partir do art. 50 do Código Penal, que
impõe o pagamento no prazo de até dez dias depois de transitada em julgado a sentença. O juiz
determina a intimação do condenado, que poderá, conforme as circunstâncias, requerer que o
pagamento se realize em parcelas mensais, havendo ainda a possibilidade de desconto da
remuneração do condenado, quando a multa for aplicada isoladamente, aplicada cumulativamente
com pena restritiva de direitos ou quando concedida a suspensão condicional da pena. Nos termos
do § 2°, o desconto não deve incidir sobre os recursos indispensáveis ao sustento do condenado e de
sua família.
Não havendo pagamento voluntário, filiamo-nos à corrente que reconhece a legitimidade da
Fazenda Pública para efetuar a cobrança da quantia a que o indivíduo foi condenado, nos termos do
art. 51 do CP, por se tratar de dívida de valor, de atribuição da autoridade fiscal, não sendo possível

503Sobre o tema, o CNJ editou a Resolução 154/2012, que define a política institucional do Poder Judiciário na utilização dos recursos
oriundos da aplicação da pena de prestação pecuniária. Tal resolução, apesar da louvável finalidade, é alvo de críticas, com destaque para o
Enunciado 42 do Fonacrim: “A adoção da prestação pecuniária depositada em conta única, em substituição de pena (art. 44 do CP), assim
como em propostas de transação penal e suspensão condicional do processo, é decisão de conteúdo jurisdicional, cabendo exclusivamente
ao juiz da ação penal decidir por sua adoção ou não. Da mesma forma, caberá ao juiz da execução penal, quando remetida a ele a decisão
sobre a destinação dos recursos, decidir se será adotado o procedimento de conta única ou não”.

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qualquer restrição de liberdade em face do inadimplemento , inclusive, em tese, o manejo de
habeas corpus, conforme entendimento já sedimentado da Suprema Corte505.
A legitimidade da Fazenda Pública foi recentemente objeto de Enunciado do Superior Tribunal
de Justiça:
• A legitimidade para a execução fiscal de multa pendente de pagamento
imposta em sentença condenatória é exclusiva da Procuradoria da
Fazenda Pública. (Súmula 521, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em
25/03/2015, DJe 06/04/2015).

14.2 MEDIDA DE SEGURANÇA


A natureza jurídica da sentença que impõe a medida de segurança já rendeu discussões na
doutrina e na jurisprudência. Atualmente prevalece o entendimento de que se trata de sentença
absolutória imprópria506. Quanto ao sistema adotado pelo ordenamento jurídico pátrio, abandonou-
se o duplo binário ou dualista507, estando em vigor atualmente o sistema vicariante, isto é, desde a
reforma de 1984.
A Resolução CNJ 113/2010, especificamente no art. 14, determina que a sentença penal
absolutória que aplicar medida de segurança será executada nos termos da Lei nº 7.210, de 11 de
julho de 1984, da Lei nº 10.216, de 06 de abril de 2001, da lei de organização judiciária local e da
referida resolução, devendo compor o processo de execução, além da guia de internação ou de
tratamento ambulatorial, as peças indicadas no artigo 1º, no que couber.

504Ementa: Execução penal. Agravo regimental no habeas corpus. Crimes financeiros – arts. 4º e 22 da Lei n. 7.492/86. Pena privativa de
liberdade cumulada com pena de multa. Indulto da primeira e inscrição da segunda na dívida ativa da União. Juízo da execução penal
incompetente para analisar o pedido de indulto da multa. Competência da autoridade Fiscal. Impetração de HHCC no TJ/SP e no STJ. Não
conhecimento. Ausência de ameaça ao direito de locomoção. Objeto único da tutela em HC (CF, art. 5º, inc. LXVIII). Impossibilidade da
reconversão da multa em pena privativa de liberdade. Fundamento não atacado. Insistência nos temas de fundo (competência do Juízo da
Execução Penal e prescrição da pena de multa). Art. 51 do Código Penal: Pena multa convertida em dívida de valor. Regência pela legislação
atinente à Fazenda Pública. Dupla supressão de instância. Inviabilidade do writ. [...] 4. Não obstante a higidez do fundamento do ato
impugnado, e apenas ad argumentandum tantum, é consensual que a pena de multa pode ser alcançada pela prescrição da pretensão
punitiva, nos termos do art. 114, I e II, do Código Penal, tanto a pena cominada in abstracto quanto a concretamente fixada na sentença
ainda não transitada em julgado, ao passo que a prescrição da pretensão executória da pena de multa, vale dizer, da pena resultante de
sentença transitada em julgado, há de ser questionada junto à autoridade fiscal à luz do Código Tributário Nacional, por expressa disposição
do art. 51 do Código Penal. 5. Ainda a título argumentativo, não há falar em competência do Juízo da Execução Penal para decidir a respeito
da pena de multa convertida em dívida de valor. Destarte, independentemente da origem penal da sanção, a multa restou convolada em
obrigação de natureza fiscal e, por essa razão, a competência para passou a ser da autoridade fiscal, por força da Lei n. 9.268/96, que deu
nova redação ao art. 51 do Código Penal. 6. Agravo regimental desprovido. (HC 115405 AgR, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma,
julgado em 13/11/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-246 DIVULG 14-12-2012 PUBLIC 17-12-2012).
505EMENTA: "Habeas corpus". - Em face de se tratar de condenação exclusivamente a pena de multa, e tendo em vista que a redação dada
ao art. 51 do Código Penal pela Lei 9.268, de 1º de abril de 1996, não mais admite a conversão da pena de multa em pena privativa de
liberdade, não é cabível o "habeas corpus" por inexistir qualquer risco ao direito de ir, vir e permanecer. "Habeas corpus" não conhecido.
(HC 73882, Relator(a): Min. MOREIRA ALVES, Primeira Turma, julgado em 18/06/1996, DJ 22-11-1996 PP-45688 EMENT VOL-01851-03 PP-
00545).
506 PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO TENTADO. INIMPUTABILIDADE. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. INEXISTÊNCIA DE ALEGAÇÃO
DE CAUSAS EXCLUDENTES DO CRIME PELA DEFESA. COMPETÊNCIA DO JUÍZO SUMARIANTE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO-
CONFIGURADO. ORDEM DENEGADA. 1. A absolvição sumária por inimputabilidade do acusado constitui sentença absolutória imprópria, a
qual impõe a aplicação de medida de segurança, razão por que, ao magistrado, incumbe proceder à análise da pretensão executiva,
apurando-se a materialidade e autoria delitiva, de forma a justificar a imposição da medida preventiva. [...] (HC 38.500/MG, Rel. Ministro
ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 26/04/2005, DJ 01/07/2005, p. 574).
507 PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ROUBO DUPLAMENTE MAJORADO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA POR MEDIDA DE SEGURANÇA EM
SEDE DE APELAÇÃO. ALEGAÇÃO DE REFORMATIO IN PEJUS E EXTRA PETITA. INOCORRÊNCIA. ART. 149 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL.
VIOLAÇÃO SÚMULA 525-STF. INOCORRÊNCIA. ORDEM DENEGADA. O art. 149 do Código de Processo Penal não estabelece o momento
processual para a realização do exame médico legal, devendo ele ser realizado com o surgimento de dúvida razoável sobre a integridade
mental do acusado. Não constitui reformatio in pejus o fato de o Tribunal substituir a pena privativa de liberdade por medida de segurança,
com base em laudo psiquiátrico que considerou o acusado inimputável, vez que a medida de segurança é mais benéfica do que a pena, vez
que objetiva a proteção da saúde do acusado. Não se aplica a Súmula 525/STF ao caso, vez que a referida súmula foi editada quando vigia o
sistema duplo binário, isto é, quando havia possibilidade de aplicação simultânea de pena privativa de liberdade e de medida de segurança.
A reforma penal de 1984, autoriza a substituição da pena privativa de liberdade por medida de segurança ao condenado semi-imputável
que necessitar de especial tratamento curativo, aplicando-se o mesmo regramento da medida de segurança para inimputáveis (art. 97 e
98). V. Ordem denegada. (HC 187.051/SP, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 06/10/2011, DJe 14/10/2011).

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Transitada em julgado a sentença que aplicou a medida de segurança, expede-se guia de
internação ou de tratamento ambulatorial em duas vias, remetendo-se uma delas à unidade
hospitalar incumbida da execução e outra ao juízo da execução penal (art. 15), dando-se ciência ao
Ministério Público, que acompanhará todo o processo de execução.
O juiz competente para a execução da medida de segurança ordenará a formação do processo
de execução a partir das peças referidas no artigo 1º, no que couber (art. 16).
Completando-se o prazo mínimo de duração da medida de segurança, procede-se à verificação
da cessação de periculosidade do agente, devendo a autoridade administrativa ter encaminhado ao
juízo da execução o respectivo relatório, contendo o laudo psiquiátrico, pelo menos um mês antes do
término do prazo.
Após a juntada do relatório ou realizadas as diligências necessárias, serão ouvidos,
sucessivamente, o Ministério Público e o curador ou defensor constituído ou dativo, no prazo de três
dias para cada um. As partes poderão formular requerimentos de diligências a serem submetidas à
apreciação do juiz.
Realizadas as diligências, se for o caso, o magistrado deverá decidir em até cinco dias, ocasião
em que poderá determinar a desinternação ou liberação condicional do internado (arts. 178 da LEP e
art. 97, § 3º, do CP).
Em caso de não cessação da periculosidade, deve-se repetir o procedimento tantas vezes
quantas forem necessárias, tendo como limitação temporal o máximo em abstrato cominado para a
infração penal, não podendo superar, em qualquer caso, o prazo de trinta anos508. A esse respeito,
veja-se o seguinte enunciado do STJ:
• O tempo de duração da medida de segurança não deve ultrapassar o
limite máximo da pena abstratamente cominada ao delito praticado.
(Súmula 527, 3ª Seção, j. em 13/05/2015, DJe 18/05/2015).

Por fim, em conformidade com o artigo 17 da Resolução CNJ 113/2010, o juiz competente para
a execução da medida de segurança, sempre que possível, buscará implementar políticas
antimanicomiais, conforme sistemática da Lei 10.216, de 06 de abril de 2001.

14.3 INCIDENTES DE EXECUÇÃO


14.3.1 CONVERSÕES
Com o advento da Lei 9.714/98, que alterou o art. 44 do CP, alargando as hipóteses de
substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, pode-se constatar que a
conversão, de que trata o art. 180 da LEP, está com a sua utilidade bastante reduzida, muito embora
ainda seja possível a sua ocorrência, porque se dá durante o curso da execução da reprimenda, não
se confundido com a pena substitutiva aplicada pelo juiz sentenciante. A situação inversa é mais

508 HABEAS CORPUS. PENAL. INIMPUTÁVEL. APLICAÇÃO DE MEDIDA DE SEGURANÇA. PRAZO INDETERMINADO. PERSISTÊNCIA DA
PERICULOSIDADE. IMPROPRIEDADE DO WRIT. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. DECRETO N.º 7.648/2011. VERIFICAÇÃO DE INCIDÊNCIA.
NECESSIDADE. VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL DE PENAS PERPÉTUAS. LIMITAÇÃO DO TEMPO DE CUMPRIMENTO AO MÁXIMO DA PENA
ABSTRATAMENTE COMINADA. ORDEM CONCEDIDA, DE OFÍCIO, PARA DETERMINAR O RETORNO DOS AUTOS AO JUÍZO DAS EXECUÇÕES. [...]
2. Por outro lado, nos termos do atual posicionamento desta Corte, o art. 97, § 1.º, do Código Penal, deve ser interpretado em consonância
com os princípios da isonomia, proporcionalidade e razoabilidade. Assim, o tempo de cumprimento da medida de segurança, na
modalidade internação ou tratamento ambulatorial, deve ser limitado ao máximo da pena abstratamente cominada ao delito perpetrado e
não pode ser superior a 30 (trinta) anos. 3. Além disso, o art. 1.º, inciso XI, do Decreto n.º 7.648/2011, concede indulto às pessoas, nacionais
e estrangeiras "submetidas a medida de segurança, independentemente da cessação da periculosidade que, até 25 de dezembro de 2011,
tenham suportado privação de liberdade, internação ou tratamento ambulatorial por período igual ou superior ao máximo da pena
cominada à infração penal correspondente à conduta praticada ou, nos casos de substituição prevista no art. 183 da Lei de Execução Penal,
por período igual ao tempo da condenação". [...] (HC 208.336/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 20/03/2012, DJe
29/03/2012).

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frequente, ou seja, a conversão da pena restritiva de direitos em privativa de liberdade, também
conhecida como reconversão.
Conforme dispõe o art. 44, §§ 4º e 5º, do Código Penal, incluídos pela Lei 9.714/98, a pena
restritiva de direitos converte-se em privativa de liberdade quando ocorrer o descumprimento
injustificado509 da restrição imposta. Para tanto, no cálculo da pena privativa de liberdade a executar,
será deduzido o tempo cumprido da pena restritiva de direitos, respeitado o saldo mínimo de trinta
dias de detenção ou reclusão. A outra situação que pode determinar a conversão ocorre quando
sobrevier condenação à pena privativa de liberdade, por outro crime. É possível, entretanto, que o
juiz da execução penal deixe de aplicá-la se for possível ao condenado cumprir a pena substitutiva
anterior.
O art. 183 da LEP trata da chamada medida de segurança substitutiva, resultante da conversão
da pena privativa de liberdade em razão da superveniência de doença mental. O Superior Tribunal de
Justiça já firmou posicionamento pela sua admissibilidade, ressaltando, porém, que o tempo de
internação não poderá superar o montante da pena fixada na sentença510.

14.3.2 EXCESSO OU DESVIO DE EXECUÇÃO


Segundo o art. 185 da LEP, haverá excesso ou desvio de execução sempre que algum ato for
praticado além dos limites fixados na sentença, em normas legais ou regulamentares.
Os legitimados para suscitar o incidente são o Ministério Público, o Conselho Penitenciário, o
sentenciado ou qualquer um dos demais órgãos da execução penal (art. 186 da LEP).

14.3.3 ANISTIA, GRAÇA E INDULTO511


A anistia, a graça e o indulto são formas de renúncia do jus puniendi estatal. Todas estão
elencadas no Código Penal como causa de extinção da punibilidade (art. 107, II).
A anistia depende de lei (art. 21, XVII, e art. 48, VIII, ambos da CF). Por ser uma decisão
eminentemente política, compete especificamente ao Congresso Nacional, que posteriormente a
submete à sanção presidencial. Pode ser própria ou imprópria, conforme se dê antes ou depois da
condenação.
Já a graça e o indulto pressupõem necessariamente uma condenação judicial transitada em
julgado. Nesses casos, exige-se apenas um ato – decreto – do Presidente da República. A diferença
reside no fato de que a graça é individual, enquanto que o indulto é coletivo.
O indulto pode não extinguir totalmente a pena, caso em que será chamado de indulto parcial,
que ocorre quando há diminuição ou comutação da sanção penal.
A LEP determina que, concedida a anistia, o juiz, de ofício, a requerimento do interessado ou
do Ministério Público, por proposta da autoridade administrativa ou do Conselho Penitenciário,
declarará extinta a punibilidade (art. 187).

509 O descumprimento injustificado praticamente substitui todas as hipóteses descritas no art. 181 da LEP.
510 HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. DESCABIMENTO. COMPETÊNCIA DAS CORTES SUPERIORES. MATÉRIA DE
DIREITO ESTRITO. MODIFICAÇÃO DE ENTENDIMENTO DESTE TRIBUNAL, EM CONSONÂNCIA COM A SUPREMA CORTE. EXECUÇÃO CRIMINAL.
SUPERVENIÊNCIA DE DOENÇA MENTAL. MEDIDA DE SEGURANÇA SUBSTITUTIVA. CUMPRIMENTO INTEGRAL DA PENA PRIVATIVA DE
LIBERDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM DE HABEAS CORPUS CONCEDIDA, DE
OFÍCIO. [...] 3. Se no curso da execução da pena privativa de liberdade sobrevier doença mental ou perturbação da saúde mental do
condenado, o Juiz das Execuções poderá determinar a substituição da pena por medida de segurança, a teor do disposto no art. 183, da Lei
de Execuções Penais. A duração dessa medida substitutiva não pode ser superior ao tempo restante para cumprimento da pena, sob pena
de ofensa à coisa julgada. Precedentes do STJ. 4. Assim, ao término do referido prazo, se o sentenciado, por suas condições mentais, não
puder ser restituído ao convívio social, o Juízo das Execuções Penais o colocará à disposição do Juízo cível competente para serem
determinadas as medidas de proteção adequado à sua enfermidade (art. 682. § 2.º, do Código de Processo Penal). [...] (HC 249.790/MG,
Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 25/09/2012, DJe 02/10/2012).
511A anistia e o indulto também são incidentes de execução, conforme expressamente dispõe a Lei de Execução Penal - LEP.

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No caso de graça, também conhecida como indulto individual, haverá instauração de
procedimento, a ser deflagrado por provocação do condenado, do Ministério Público, do Conselho
Penitenciário ou da autoridade administrativa (art. 188).
A petição, acompanhada dos documentos que a instruírem, será entregue ao Conselho
Penitenciário, que, à vista dos autos do processo e do prontuário, promoverá as diligências que
entender necessárias e fará, em relatório, a narração do ilícito penal e dos fundamentos da sentença
condenatória, a exposição dos antecedentes do condenado e do procedimento deste depois da
prisão, emitindo seu parecer sobre o mérito do pedido e esclarecendo qualquer formalidade ou
circunstâncias omitidas na petição. Posteriormente, encaminham-se os autos ao Ministério da
Justiça.
Processada no Ministério da Justiça, com documentos e o relatório do Conselho Penitenciário,
a petição será submetida a despacho do Presidente da República, a quem serão apresentados os
autos do processo ou a certidão de qualquer de suas peças, se ele o determinar (art. 191).
Concedida a graça, e anexada aos autos cópia do decreto, o juiz declarará extinta a pena ou
ajustará a execução aos termos do decreto, no caso de comutação.
No caso de indulto, se o sentenciado for contemplado pelo benefício, o juiz, de ofício, a
requerimento do interessado, do Ministério Público, ou por iniciativa do Conselho Penitenciário ou da
autoridade administrativa, declarará extinta a pena ou também ajustará a execução aos termos do
decreto.
Por fim, a prática de falta grave não interrompe o prazo para fim de comutação de pena ou
indulto (Súmula 535, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 10/06/2015, DJe 15/06/2015).

14.4 REABILITAÇÃO
O objetivo da reabilitação é o retorno à situação anterior à condenação, com ênfase nos
registros criminais (art. 93 do CP), os quais não mais constarão na folha de antecedentes, exceto se
requisitada por juiz criminal (art. 748 do CPP). Os efeitos extrapenais específicos da condenação
também são atingidos (art. 92), à exceção da perda de cargo, função pública ou mandato eletivo,
além da incapacidade para o exercício do pátrio poder, tutela ou curatela, nos crimes dolosos,
sujeitos à pena de reclusão, cometidos contra filho, tutelado ou curatelado, que permanecem
intangíveis.
O Código Penal exige o transcurso do lapso de dois anos da extinção da pena, durante o qual o
interessado deverá ter sido domiciliado no país e ter dado demonstração efetiva e constante de bom
comportamento público e privado. Também deverá ter ressarcido o dano causado pelo crime até o
dia do pedido, salvo impossibilidade material, ou exiba documento que comprove a renúncia da
vítima ou novação da dívida.
O pedido processa-se perante o juízo do processo de conhecimento, uma vez que a
competência do juízo da execução já estará extinta.
O requerimento será instruído com (art. 744 do CPP):
• certidões comprobatórias de não ter o requerente respondido, nem
estar respondendo a processo penal, em qualquer das comarcas em
que houver residido durante o biênio a que se refere o Código Penal;
• atestados de autoridades policiais ou outros documentos que
comprovem ter residido nas comarcas indicadas e mantido,
efetivamente, bom comportamento;
• atestados de bom comportamento fornecidos por pessoas a cujo
serviço tenha estado;

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• quaisquer outros documentos que sirvam como prova de sua
regeneração;
• prova de haver ressarcido o dano causado pelo crime ou persistir a
impossibilidade de fazê-lo.
O juiz poderá ordenar as diligências necessárias para apreciação do pedido, cercando-as do
sigilo possível e, antes da decisão final, ouvirá o Ministério Público.
A decisão que recusa a reabilitação não faz coisa julgada material, podendo ser renovada à
vista de novas provas (art. 93, parágrafo único, do CP). Por outro lado, poderá haver revogação se o
reabilitado for condenado, como reincidente, por decisão definitiva, à pena que não seja de multa
(art. 95 do CP)512.
Contra a decisão que indefere a reabilitação, é cabível o recurso de apelação (art. 593, II, do
CPP). No caso de concessão, haverá reexame necessário (art. 746 do CPP).

14.5 RITO-PADRÃO DOS PROCEDIMENTOS INCIDENTAIS E INCIDENTES DE


EXECUÇÃO
O art. 194 determina que o procedimento correspondente às situações previstas na LEP será
judicial, desenvolvendo-se perante o juízo da execução. O rito a ser observado será o contido nos
arts. 195 e 196.
O procedimento judicial pode ser iniciado de ofício, a requerimento do Ministério Público, do
interessado, de quem o represente, de seu cônjuge, parente513 ou descendente, mediante proposta
do Conselho Penitenciário, ou, ainda, da autoridade administrativa.
Segundo dispõe o art. 4º da Resolução 113/CNJ, os incidentes de execução, o apenso do
Roteiro de Pena, bem como os pedidos de progressão de regime, livramento condicional, remição e
quaisquer outros iniciados de ofício, por intermédio de algum órgão da execução ou a requerimento
da parte interessada poderão ser autuados separadamente e apensos aos autos do processo de
execução. Nesse caso, o primeiro apenso constituirá o Roteiro de Penas514.
Efetuada a autuação, o condenado e o Ministério Público, quando não figurem como requerentes
da medida, serão sucessivamente ouvidos em três dias. Não sendo necessária a dilação probatória, o juiz
decidirá em igual prazo. Do contrário, deferirá a produção da prova pericial ou oral que reputar
necessária.
O art. 197 prevê o cabimento do agravo contra as decisões proferidas pelo juiz, havendo
atualmente entendimento majoritário no sentido da aplicação do procedimento previsto para o
recurso em sentido estrito – RSE515. O prazo para a sua interposição é de 5 dias (Súmula 700 do STF).
14.6 PRESÍDIOS FEDERAIS

512PENAL. PROCESSUAL. ESTELIONATO. REABILITAÇÃO. REINCIDÊNCIA. 1. Não é possível a declaração da reabilitação do condenado quando
configurada a reincidência, haja vista o fato desta ser causa de revogação daquela (CP, art. 95). 2. Como não transcorreu prazo superior a
cinco anos entre a data do cumprimento ou extinção da pena da primeira condenação e a data do fato criminoso abordado pela última
condenação, não há falar-se em afastamento dos efeitos da reincidência (CP, art. 64, I). 3. "Habeas Corpus" conhecido. Pedido indeferido.
(HC 14.202/SP, Rel. Ministro EDSON VIDIGAL, QUINTA TURMA, julgado em 24/04/2001, DJ 13/08/2001, p. 182).
513Não havendo a especificação dos parentes, consideram-se ainda legitimados os ascendentes e os irmãos, da mesma forma já prevista
no Código de Processo Penal (art. 24, parágrafo único, e art. 31).
514De acordo com o parágrafo único do art. 4º da Resolução 113/CNJ, no Roteiro de Penas serão elaborados e atualizados os cálculos de
liquidação da pena, juntadas certidões de feitos em curso, folhas de antecedentes e outros documentos que permitam o direcionamento
dos atos a serem praticados, tais como requisição de atestado de conduta carcerária, comunicação de fuga e recaptura.
515 HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. COMUTAÇÃO. AGRAVO EM EXECUÇÃO. DECISÃO MONOCRÁTICA DO DESEMBARGADOR RELATOR.
APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART. 557 DO CPC. IMPOSSIBILIDADE. MESMO RITO DO RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. PRECEDENTES DO STJ.
1. As Turmas que compõem a Eg. Terceira Seção tem reiteradamente decidido, de maneira uniforme, no sentido de que se aplicam ao
recurso de agravo em execução, previsto no art. 197 da Lei de Execução Penal, as disposições acerca do rito do recurso em sentido estrito,
sendo, portanto, inviável a utilização analógica do art. 557 do Código de Processo Civil. [...] (HC 27.454/RJ, Rel. Ministra LAURITA VAZ,
QUINTA TURMA, julgado em 10/06/2003, DJ 04/08/2003, p. 348)

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A LEP já previa, originalmente, a possibilidade de a União construir presídios federais, em local
distante da condenação, para recolher os condenados, quando a medida se justificasse no interesse
da segurança pública ou do próprio condenado. A exigência de pena superior a quinze anos foi
suprimida pela Lei 10.792/2003 (art. 86, § 1º). Atualmente, a inclusão e a transferência de presos
para estabelecimentos penais federais de segurança máxima estão disciplinadas na Lei 11.671, de 08
de maio de 2008516.
Segundo dispõe o art. 2º da Lei 11.671/08, a atividade jurisdicional de execução penal, nos
estabelecimentos penais federais, será desenvolvida pelo juízo federal da seção ou subseção
judiciária em que estiver localizado o estabelecimento penal federal de segurança máxima ao qual
for recolhido o preso, condenado ou provisório.
A manutenção do preso no estabelecimento penal federal de segurança máxima não é
permanente. Deverá constar da decisão judicial o período de permanência (art. 5º, § 5º, da Lei
11.671/08).
Sendo excepcional a manutenção do preso em estabelecimento penal federal, o art. 10
estabelece que a sua inclusão será extraordinária e por prazo determinado, sendo que o período de
permanência não será superior a trezentos e sessenta dias, renovável, excepcionalmente, quando
solicitado motivadamente pelo juízo de origem, observados os requisitos da transferência517.
Expirado o prazo sem requerimento, o preso deve ser reencaminhado ao juízo de origem, que ficará
obrigado a recebê-lo.

RELAÇÕES JURISDICIONAIS COM


AUTORIDADE ESTRANGEIRA
RELAÇÕES JURISDICIONAIS COM AUTORIDADE ESTRANGEIRA.
CARTAS ROGATÓRIAS. HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA
ESTRANGEIRA. EXTRADIÇÃO. EXPULSÃO. DEPORTAÇÃO.

O Código de Processo Penal, no Livro V, trata especificamente das relações jurisdicionais com
autoridade estrangeira, resumindo-se basicamente à carta rogatória e à homologação de sentenças
estrangeiras.

516 A Lei 11.671/2008 foi regulamentada pelo Decreto 6.877, de 18 de junho de 2009. Para maiores informações sobre estabelecimentos
penais federais, também se recomenda a leitura do Decreto 6.047, de 27 de fevereiro de 2007, que trata do Regulamento Penitenciário
Federal.
517 Recomenda-se cautela na apreciação de tais pedidos, sob pena de incorrer em inegável excesso de prazo: “CONFLITO DE COMPETÊNCIA.
EXECUÇÃO PENAL. TRANSFERÊNCIA DE PRESO PARA PRESÍDIO FEDERAL. NOVA SOLICITAÇÃO DE PRORROGAÇÃO DE PRAZO DE PERMANÊNCIA.
NECESSIDADE NÃO DEMONSTRADA. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E HUMANIDADE DAS PENAS. 1. Segundo a Lei nº 11.671/08, a inclusão
do preso em presídio federal de segurança máxima será excepcional. Também excepcional é a renovação do prazo de permanência, consoante
preceitua o § 1º do art. 10. 2. O condenado foi transferido para o sistema prisional federal em 30/11/2007 e lá se encontra até hoje aguardando a
solução de possível recambiamento. São, portanto, mais de três anos submetido às condições típicas das unidades penitenciárias de segurança
máxima, com rigoroso regime de isolamento diário e distanciamento da família. Condições essas que, segundo a própria lei, determinam o caráter
excepcional da prorrogação do prazo. 3. Se é verdade que a segurança pública deve ser resguardada, não menos importante é que a nossa Carta
Política erige como direito fundamental o Princípio da Humanidade das Penas, consectário de um dos fundamentos da República: a dignidade da
pessoa humana. 4. A medida de inserção do apenado, a essa altura, no Presídio Federal, não anda em consonância com a proporcionalidade em
sentido estrito. Isso porque, realizada a ponderação dos valores, da segurança pública, de um lado, e, de outro, o direito individual à humanidade das
penas - este agregado ao caráter excepcional do cumprimento em regime penitenciário federal -, tem-se que o primeiro cede lugar ao segundo, uma
vez que, no caso concreto, o condenado já ultrapassa três anos de permanência no rigoroso regime de segurança máxima. [...] (CC 113.271/RS, Rel.
Ministro OG FERNANDES, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 13/04/2011, DJe 21/03/2012)”.

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O art. 780 contempla regra semelhante à prevista no art. 1º, I, do CPP, já comentada
anteriormente. Salvo disposição diversa contida em tratado ou convenção, aplica-se o Código de
Processo Penal.
Com o advento da EC 45/04, a competência para a homologação de sentenças estrangeiras e a
concessão de exequatur às cartas rogatórias foi deslocada do Supremo Tribunal Federal para o
Superior Tribunal de Justiça (art. 105, I, i, da CF). Foi então editada a Resolução 9, de 04 de maio de
2005. Portanto, todas as referências que o Código de Processo Penal faz ao STF deverão ser
interpretadas como sendo direcionadas ao STJ.
Apesar de o art. 781 do CPP fixar que as sentenças estrangeiras não serão homologadas, nem
as cartas rogatórias cumpridas, se contrárias à ordem pública e aos bons costumes, tem prevalecido
a utilização de terminologia mais abrangente, ligada à soberania nacional. Inclusive, o art. 6º da
Resolução 9/2005 do STJ utiliza o referido termo518, da mesma forma que previa o RISTF519.
A propósito do tema, vige o sistema da contenciosidade limitada tanto para as cartas
rogatórias passivas, como também para a homologação de sentença estrangeira. Compete ao
interessado apenas impugnar: a) a autenticidade dos documentos; b) a inteligência da decisão; c) a
inobservância dos requisitos da Resolução 9/STJ; d) e afronta à soberania nacional e à ordem
pública520.
O Código de Processo Penal dispensa a prova da autenticidade se os documentos transitarem
pela via diplomática (art. 782).

15.1 CARTAS ROGATÓRIAS


As cartas rogatórias destinam-se ao cumprimento de diligências, tais como citações,
inquirições, ou qualquer outra medida que deva ser efetivada fora do território nacional. Podem ser
ativas ou passivas, conforme figure a autoridade nacional respectivamente como rogante ou rogada.
No primeiro caso – ativa –, dispõe o art. 783 do CPP que as cartas rogatórias serão, pelo
respectivo juiz, remetidas ao Ministro da Justiça, a fim de ser pedido o seu cumprimento, por via
diplomática, às autoridades estrangeiras competentes521.
Em se tratando de carta rogatória passiva, não há homologação, mas apenas o exequatur da
autoridade judiciária competente, ou seja, do presidente do Superior Tribunal de Justiça522.

518Art. 6º. Não será homologada sentença estrangeira ou concedido exequatur a carta rogatória que ofendam a soberania ou a ordem
pública.
519Art. 226 [...] § 2º A impugnação só será admitida se a rogatória atentar contra a soberania nacional ou a ordem pública, ou se lhe faltar
autenticidade.
520 AGRAVO REGIMENTAL. CARTA ROGATÓRIA. EXEQUATUR CONCEDIDO. IMPUGNAÇÃO REJEITADA. QUESTÕES DE MÉRITO. APRECIAÇÃO
PELA JUSTIÇA ROGANTE. Observados os critérios objetivos e não atentando o pedido contra a ordem pública e a soberania nacional,
concede-se o exequatur para inquirição de testemunha em processo criminal de competência da justiça estrangeira. Questões de mérito
não comportam apreciação em sede de carta rogatória, ficando o exame a cargo da justiça rogante. Agravo regimental não provido. (AgRg
na CR .733/IT, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, CORTE ESPECIAL, julgado em 19/12/2005, DJ 10/04/2006, p. 106).
521 Sobre a carta rogatória ativa, dispõe o art. 222-A do CPP, incluído pela Lei 11.900/2009, que elas só serão expedidas se demonstrada
previamente a sua imprescindibilidade, arcando a parte requerente com os custos de envio. No parágrafo único, determina-se que não
haverá suspensão da instrução criminal, ficando o juiz autorizado a julgar a causa após o prazo fixado. A posterior juntada da carta é
permitida, no estado em que se encontrar a ação penal (§§ 1º e 2º do art. 222).
522 Resolução 9/2005/STJ - Art. 2º É atribuição do Presidente homologar sentenças estrangeiras e conceder exequatur a cartas rogatórias,
ressalvado o disposto no artigo 9º desta Resolução (Art. 9º Na homologação de sentença estrangeira e na carta rogatória, a defesa somente
poderá versar sobre autenticidade dos documentos, inteligência da decisão e observância dos requisitos desta Resolução. § 1º Havendo
contestação à homologação de sentença estrangeira, o processo será distribuído para julgamento pela Corte Especial, cabendo ao Relator os
demais atos relativos ao andamento e à instrução do processo. § 2º Havendo impugnação às cartas rogatórias decisórias, o processo
poderá, por determinação do Presidente, ser distribuído para julgamento pela Corte Especial. § 3º Revel ou incapaz o requerido, dar-se-lhe-á
curador especial que será pessoalmente notificado).

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Verificada a regularidade da documentação, o presidente determinará a intimação da parte
interessada para, querendo, impugnar a carta rogatória, no prazo de quinze dias (art. 8º). O
contraditório pode ser diferido se a intimação prévia colocar em risco a efetividade da medida
(parágrafo único). O Ministério Público também terá vista dos autos para manifestação em dez dias.
Em seguida, será proferida a decisão, contra a qual cabe agravo regimental (art. 11, Res. 9/2005).
Confirmado o exequatur, a carta será remetida ao TRF, para posterior encaminhamento ao
juízo federal do local onde será cumprida a finalidade da carta, cabendo embargos de declaração a
serem apreciados pelo presidente. Contra esta decisão ainda é cabível o agravo regimental (art. 13).
Cumprida a carta rogatória, será devolvida ao presidente do STJ, no prazo de dez dias, e por
este remetida, em igual prazo, por meio do Ministério da Justiça ou do Ministério das Relações
Exteriores, à autoridade judiciária de origem (art. 14).

15.2 HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA


Não é qualquer sentença que pode ser homologada no Brasil. A limitação material está no art.
9º do Código Penal, que trata da sua eficácia, ao disciplinar que a sentença estrangeira, quando a
aplicação da lei brasileira produz as mesmas consequências, pode ser homologada para (a) obrigar o
condenado à reparação do dano, a restituições e a outros efeitos civis, ocasião em que dependerá da
provocação do interessado, ou ainda para (b) sujeitá-lo a medida de segurança. Este último caso
pressupõe a existência de tratado de extradição.
Quanto aos requisitos formais, o art. 788 do CPP exige que a sentença penal:
• esteja revestida das formalidades externas necessárias, segundo a
legislação do país de origem;
• haja sido proferida por juiz competente, mediante citação regular,
segundo a mesma legislação;
• tenha transitado em julgado;
• esteja autenticada por cônsul brasileiro e acompanhada de tradução
oficial.

O procedimento para a homologação de sentença estrangeira também está disciplinado na


Resolução 9/2005/STJ, sendo semelhante ao previsto para as cartas rogatórias.
Exige-se requerimento da parte interessada, devendo a petição inicial conter as indicações
constantes da lei processual e ser instruída com a certidão ou cópia autêntica do texto integral da
sentença estrangeira e com outros documentos indispensáveis, devidamente traduzidos e
autenticados (art. 3º).
Estando em termos, o presidente determinará a citação da parte contra a qual se direciona a
sentença, que poderá contestar em quinze dias, sendo a cognição limitada, como já foi mencionado
no início deste capítulo. É admissível, quando for o caso, a concessão de tutela de urgência (art. 4º, §
3º, da Resolução 9/2005).
Havendo contestação, o processo será distribuído para julgamento pela Corte Especial do STJ,
cabendo ao relator os demais atos relativos ao andamento e à instrução do processo, inclusive
determinar eventual regularização da representação do interessado (art. 9º).
O Ministério Público também se pronuncia nos autos, tal como ocorre nas cartas rogatórias
(art. 10).
No caso de a decisão ser monocrática, caberá agravo regimental.

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Nos termos do art. 12, a sentença estrangeira homologada será executada por carta de
sentença, a ser remetida ao juízo federal competente.

15.3 DEPORTAÇÃO, EXPULSÃO E EXTRADIÇÃO523


A Lei 6.815, de 19 de agosto de 1980, regulamentada pelo Decreto 86.715, de 10 de dezembro
de 1981, define a situação do estrangeiro no Brasil. É conhecida como Estatuto do Estrangeiro, onde
se encontram regulamentadas a deportação, a expulsão e a extradição, sempre em necessária
sintonia com as normas constitucionais pertinentes524, inclusive a que proíbe a prisão decretada por
autoridade administrativa, ficando, nesse ponto, não recepcionada.
A deportação consiste na saída compulsória do estrangeiro que se encontre irregularmente no
território nacional. Dá-se para o país da nacionalidade ou de procedência do estrangeiro, ou para
outro que consinta em recebê-lo (arts. 57 a 64 da Lei 6.815/80). É providência que prescinde de
maiores formalidades, porque não há a imputação de fato relevante ao estrangeiro, mas apenas a
não autorização para a sua entrada ou permanência no território nacional525.
No caso da expulsão (art. 65 a 75 da Lei 6.815/80), exige-se a prática de crime ou conduta
incompatível com os interesses nacionais.
A lei determina a instauração de processo administrativo, de iniciativa do Ministério da Justiça,
ainda que por provocação de outro órgão (art. 70), inclusive o Ministério Público, normalmente em
decorrência de sentença penal condenatória transitada em julgado (art. 68). Mostra-se
imprescindível, em tais hipóteses, a observância de todas as garantias constitucionalmente previstas,
a exemplo do devido processo legal.
O procedimento está disciplinado no Decreto 86.715/81, arts. 103 a 109, havendo a previsão
de rito sumário no art. 104, nos casos de infração contra a segurança nacional, a ordem política ou
social e a economia popular, assim como nos casos de comércio, posse ou facilitação de uso indevido
de substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, ou de desrespeito à
proibição especialmente prevista em lei para estrangeiro, caso em que os prazos serão reduzidos à
metade. Não cabe pedido de reconsideração no rito sumário.
Na extradição passiva existem duas fases distintas, sendo que o procedimento da fase judicial
está regulamentado no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal – RISTF, especificamente
nos arts. 207 a 214:
Art. 207. Não se concederá extradição sem prévio pronunciamento do Supremo
Tribunal Federal sobre a legalidade e a procedência do pedido, observada a
legislação vigente.
Art. 208. Não terá andamento o pedido de extradição sem que o extraditando seja
preso e colocado à disposição do Tribunal.
Art. 209. O Relator designará dia e hora para o interrogatório do extraditando e
requisitará a sua apresentação.

523Dar-se-á ênfase ao aspecto procedimental, uma vez que o direito material se encontra incluído no programa de Direito Constitucional.
524Art. 5º [...] XV - é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar,
permanecer ou dele sair com seus bens; [...] LI - nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum,
praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei; LII -
não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião.
525Decreto 86.715/81: “Art. 98 - Nos casos de entrada ou estada irregular, o estrangeiro, notificado pelo Departamento de Polícia Federal,
deverá retirar-se do território nacional: I - no prazo improrrogável de oito dias, por infração ao disposto nos artigos 18, 21, § 2º, 24, 26, § 1º,
37, § 2º, 64, 98 a 101, §§ 1º ou 2º do artigo 104 ou artigos 105 e 125, Il da Lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1980; II - no prazo improrrogável
de três dias, no caso de entrada irregular, quando não configurado o dolo. § 1º - Descumpridos os prazos fixados neste artigo, o
Departamento de Polícia Federal promoverá a imediata deportação do estrangeiro. § 2º Desde que conveniente aos interesses nacionais, a
deportação far-se-á independentemente da fixação dos prazos de que tratam os incisos I e II deste artigo. Art. 99 - Ao promover a
deportação, o Departamento de Polícia Federal lavrará termo, encaminhando cópia ao Departamento Federal de Justiça”.

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Art. 210. No interrogatório, ou logo após, intimar-se-á o defensor do extraditando
para apresentar defesa escrita no prazo de dez dias.
§ 1º O Relator dará advogado ao extraditando que não o tiver, e curador, se for o
caso.
§ 2º Será substituído o defensor, constituído ou dativo, que não apresentar a defesa
no prazo deste artigo.
Art. 211. É facultado ao Relator delegar o interrogatório do extraditando a juiz do
local onde estiver preso.
Parágrafo único. Para o fim deste artigo, serão os autos remetidos ao juiz delegado,
que os devolverá, uma vez apresentada a defesa ou exaurido o prazo.
Art. 212. Junta a defesa e aberta vista por dez dias ao Procurador-Geral, o Relator
pedirá dia para julgamento.
Parágrafo único. O Estado requerente da extradição poderá ser representado por
advogado para acompanhar o processo perante o Tribunal.
Art. 213. O extraditando permanecerá na prisão, à disposição do Tribunal, até o
julgamento final.
Art. 214. No processo de extradição, não se suspende no recesso e nas férias o
prazo fixado por lei para o cumprimento de diligência determinada pelo Relator ou
pelo Tribunal.
A decisão do STF sobre a legalidade da extradição autoriza a sua concretização, mas não
vincula o Presidente da República526. Na situação inversa, não poderá haver a extradição.

526Rcl 11243, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Relator(a) p/ Acórdão: Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 08/06/2011, PROCESSO
ELETRÔNICO DJe-191 DIVULG 04-10-2011 PUBLIC 05-10-2011.

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