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‘ACAO E URBANISMO: Promove esta distribuicdo perversa dos servicos urbanos nfo é f PROBLEMA E 0 FALSO PROBLEMA o Estado, mas o mercado imobiliério. Sendo o montante de servigos urbanos escasso em relagio 4s necessidades da populacio, o mercado os leiloa mediante a valorizagao diferencial do uso do solo, de modo, que mesmo servigos fornecidos gratuitamente pelo Estado aos moradores — como ruas asfaltadas, galerias pluviais, iluminacio piiblica, coleta de lixo, etc. — acabam sendo usufruidos apenas por aqueles que podem pagar o seu “prego” incluido na renda do solo que da acesso a eles, @ apresentado na 27.° Reunido Anwal da SBPC, 1975 EL BOLAFFI Post Scriptum, 4 guisa de introdugio __ Embora escrito ha mais de quatro anos, o texto que segue agrada e, principalmente, me parece Util. O tempo trans- desde a sua redaco invalidou certos dados utilizados até alguns raciocinios neles baseados. Ainda assim, muito nte, tanto a atualizagio dos numeros quanto a cor- o de algumas conclusdes nada acrescentariam 4 atualidade texto. (Os dados sobre renda per capita implicitos no texto esto felativamente superados ¢ poderiam gerar alguns equivocos. seqiientemente est’io equivocados alguns raciocinios basea- naqueles indices, Recentemente anunciou-se que no ano 1978 a renda per capita brasileira eleyou-se para 1580 Us. es. Nio importa que a oposicio, com as intrigas que ‘0. habituais, se apresse em lembrar que essa elevagao ocor- pelo menos em parte, gracas & infla¢do da moeda padrao. @ nao obscurece o fato de que, ao contrério do que o texto inva, o capitalismo brasileiro esté em vias de dar, se é que ji niio deu, um salto quantitative considerdvel. Mas o salto qualitative, ou pelo menos aquele salto quali- lativo anunciado pelos autores da Teoria da Torta, parece que a chabu. O valor atingido pela renda per capita em 1978 a que desde o ano da criago do BNH até o presente, menos em termos nominais, a torta da riqueza nacional pais cresceu cinco vezes. SG que em vez de reparti-la, ‘0s donos da casa jd comegam a falar em coibir-lhe o excessivo 37 crescimento. Ora, diminuir deliberadamente a taxa de cresci- mento do PNB, quando de 1965 a 1978 o indice de produti- vidade industrial cresceu em 100 por cento ¢ os saldrios reais cairam de 20 por cento, implicara reduzir a demanda de em- pregos ¢ pressionar mais ainda os salérios. E o BNH, como jé vem fazendo nos iiltimos anos, com toda certeza aumentara a aplicagdo dos seus excedentes financeiros em letras do Tesouro Nacional, contribuindo com seus recursos nao. inflacionarios para financiar o deéficit interno, Esses fatos reforgam a minha conviccao de que os quatro amos que se passaram, antes de envelhecer o texto, somente contribuiram para aumentar-Ihe a atualidade. Os problemas assinalados se agravaram, e embora o poder politico tenha se utilizado de algumas das solugdes propostas, apenas para ali- mentar a retérica oficial e para persistir na escamoteagao dos problemas reais, elas néo perderam a sua legitimidade. Isso me reporta ao pardgrafo final do texto. Sou obrigado a _admitir que o otimismo no qual se inspirou foi ingénuo. Esse realmente carece de nova redagao. Assim: “A conjuntura econémica ¢ o clima politico no Brasil de hoje diferem sensi- velmente das condigdes que caracterizaram 1964 e 1975. A espada, que se impdés sobre a sociedade civil para conter as reivindicagGes populares per meio do arbitrio, mostrou-se in- capaz de equacionar ¢ resolver os reais problemas do pais, Os fatos ocorrides desde entéo s6 contribuiram para acentuar @ natureza politica dos problemas, despertando a consciéncia de que problemas politicos exigem solugées politicas”. I — Problemas nacionais: ideologia ¢ realidade Ja faz mais de dez anos que a habitagio popular © a necessidade de planos fisicos e¢ econémicos locais e regionais, destinados a pér um fim ao caos e ao conseqiiente aumento das deseconomias da vida urbana brasileira, foram incluidos no elenco dos problemas prioritérios do pais. O reconhecimento publico ¢ oficial destas ¢ de outras prioridades coincidiu com 0 abandono de outros projetos, de cuja solugao, poucos anos antes, parecia depender a prépria sobrevivéncia do pais en- quanto unidade nacional livre e independente. Somente para lembrar alguns desses projetos “de base”, como eram entio 38 ‘chamados, o que é feito do “problema do Nordeste” ¢ das dis- ‘paridades regionais? ¢ a tio debatida reforma agraria? ¢ o pro- lema do subdesenvolvimento? ‘ou seri que realmente ocorreu filgum milagre capaz de eliminar as conseqiiéncias de termos uma renda per capita que é a décima da América Latina, que € cerca de seis vezes menor do que 4 dos paises-metrépole ¢ ‘continua a se tornar proporcionalmente menor que aquela des- Ses mesmos paises? E claro que nao’. Ao lembrar essts fatos, nfio estamos procurando invocar 05 espiritos do passado, mesmo porque muitos deles nio pas- faram de fantasmas destinados a vagar eternamente no limbo dos problemas falsos, ou, pelo menos, mal equacionados. Que- femos apenas lembrar mais uma vez que sempre existe uma enorme distancia entre a realidade ¢ o que dela se diz, entre ‘9s reais problemas de uma sociedade ¢ de uma nacido ¢ aqueles que cla reconhece como tais ¢, finalmente, entre a aparéncia © a csséncia desses mesmos problemas. Como ensinava Florestan Fernandes, no tempo em que ainda Ihe era permitido ensinar, constituem problemas nacio- mais aqueles desajustamentos que em um momento histérico determinado sdo identificados ¢ reconhecidos como “situagdes problematicas”, pela sociedade como um todo, ou seja, por aqueles grupos que possuem o poder de decisio para falar em nome dela. Ora, se esta definicio for correta, podemos con- cluir que a esséncia e a natureza dos problemas que a nagio formula para si mesma, ou pelo menos @ importincia e a prio- ridade que thes atribui, varia em fungao da estratégia daqueles que em cada momento constituem o poder ¢ detém a capacidade de decisio. Mas a referida estratégia no é arbitraéria e muito menos desvinculada dos movimentos do real. Os governos € os grupos no poder enfrentam problemas reais, particulares e de- fterminados, de cuja solucio depende a sua possibilidade de manter-se enquanto poder. Porém, o cardter particular, ¢ niio * Cf. “United Nation Yearbook Account on National Statistics", 1972. international Tables. vol. 3. O Brasil € precedido por: Argentina, Ve~ netuela, Panama, Uruguai, Jamaica, México, Barbados, Chile e Costa 39 universal, desses problemas reais exige que a sua verdadeira na- tureza seja transfigurada para que possam assumir um significado compativel com a vontade popular. Em sintese, & este o pro- cesso pelo qual a ideologia mascara os problemas do real e 08 substitui pelos falsos problemas. Isto é, formulam-se problemas que nao se pretende, ndo se espera e nem seria possivel resol- ver, para legitimar o poder ¢ para justificar medidas destinadas a satisfazer outros propésitos. fica que o nordeste, ao tempo de Juscelino, J&nio e Jango, tanto quanto hoje, nfo constitua um problema real, nem que a reforma agrdria, desde que inserida num modelo econémico ¢ num projeto politico consistentes, ndo possa contribuir pata acelerar a transformagio da sociedade brasileira numa verdadeira comunidade, e¢ nem quer dizer que milhées de brasileiros naéio caregam de melhores candigées habi- tacionais. Significa apenas que estes, como tantos outros pro- blemas da populac§o do pais, tém sido formulados falsamente; formulados nao a partir das caracteristicas intrinsecas ao pro- blema, mas a partir das necessidades da estratégia do poder e das ideologias que foram elaboradas durante os tltimos quinze ou vinte anos. Os pardgrafos precedentes nao pretendem e nem podem fazer supor a intengio de abordar os problemas com que se deparam os socidlogos, os arquitetes, os economistas e pla- nejadores que se dedicam 4 solugio dos problemas da habita- cdo e urbanismo no Brasil, de uma perspectiva que se esgote na desmistificagéo da retérica oficial. Mas, perante o ceticismo crescente € justificado sobre o modo pelo qual esses problemas vem sendo enfrentados, pareceu-nos importante fazer um es- forgo para procurar recolocar o problema nos seus verdadeiros termos, fentar apontar as dificuldades basicas, alguns critérios para a aco teérica ¢ prdtica ¢ estabelecer os alcances e os limites dessa mesma acio. Com relagio a habitacio popular, jé faz algum tempo que o BNH admite publicamente* que nfo se pode construf-la 2 Cf. Discurso pronunciado pelo dr. Mauricio Schulman no I Seminario ‘Nacional de Marketing Imobiliario, Séo Paulo. 40 porque, em que pese o cardter de subsidio que os seus emprés- timos vém assumindo de alguns anos para ca, ainda assim € minima a parcela da populagio que dispée de renda para com- pré-la. Com. relagao aos planos urbanisticos que vém sendo elaborados para impedir o agravamento das condigées de vida nas cidades do pais, desde os anos 1965-70 — quando eles erant elaborados sob o rétulo pomposo de planos de desenvol- vimenio. local integrado e apresentados como a panacéia de todos os males do pais — até o presente, quando o presidente de uma das entidades piblicas mais importantes do pais afirma que eles freqiientemente contiveram “boa dose de gangsteris- mo”, estdo totalmente desacreditados. Os planos se sucedem € os problemas se agravam. Mas, se o problema da habitacdo tomado isoladamente em fungio dos principios basicos e das regras do regime, como veremos mais adiante, continua a constituir um falso problema, parece que o mesmo j4 nao ocorre com os problemas do espaco urbano, no qual © aumento das deseconomias pode vir a ameacar a prépria estabilidade do sistema. Assim, parece-nos também que apontar o que ha de falso nos problemas propostos para o pais transcende a mera desmistificagio. O que procura- mos é mostrar que © sistema somente poderd resolver alguns dos seus verdadeiros e reais problemas se for capaz de armar- s¢ com a wontade ¢ com a coragem politica para solucionar algumas das suas contradigées basicas. A habitagao popular: um falso problema Bertrand Russell escreveu uma vez que o limite das neces- sidades humanas era determinado apenas pelos limites da ima- ginagao. E, como a fantasia nfio tem limites, o ser humano esta- ria condenado a um estado permanente de caréncia e frustragao. Russell esqueceu-se de que o ser humano sadio formula pro- jetos ¢ aspiragdes compativeis com os problemas que ele é capaz de resolver, ¢ que as necessidades e as aspiragées de uma sociedade sio sempre formuladas pela prépria sociedade antes de sé-lo pelos individuos que a compdem. Apés dois séculos de revolugio industrial — e do conseqiiente controle, 41

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