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wea teu ime so fou! heme bee! low | Amélia A. Mingas Interferéncia do Kimbundu | no Portugués Falado em Lwanda De aes CANINDE Gil be caxnoe Ao Jota, mei: mario e companbeiro, A minha Artete a0 marido Rui, aos meus netos, Zilla, Miltone Denise INTERFRRENCIA No KIMBUNDU NO PORTUGUES FALADO EM LWANDA Aurora: Amélia A. Mingas “Talo original: Interférence du kimbundu gurl porrugais par & Toanda Direcglo grafica e capa: Loja das Ideias © CAXINDE, Falitora e Livracia, 2000 ‘Avenida do 1.8 Congresso do MPLA, 20/24 Luanda ‘Telefones: 336020334400 Tel/Fax: 852876 1 edigio: Margo de 2000 Depésito legal n* 1696/2000 A cedigho dest veo teve 0 a iia ‘Agdncia de Viagens, Lda | ee a ea ee eaac} * wa sd om ey sey bw beer Indice Prefiicio Notas Preliminares Signos e Abreviagtes Introdugio I—Generalidades IL - Objectivo, corpus e metodologia 1. Objective 2. Corpus 3. Metodologia Capitulo T ‘Angola: dados geolingufsticos « histSricos 1. Situagio geogréfica 1.1 Alguins dadoy bistéricos Situagdo lingufstica Capieulo I ‘As Iinguas em contacto 1. O kimbundu 2, O portuguts 21 As vogais Capitulo IIT ‘Uma abordagem sociolingufstica 1, Generalidades 2. Q perfedo colonial 2 Organizagto sociat ix u 16 19 21 2 22 22 23 26 29 29 29 30 30 36 36 36 38 39. 43 43 43 “4 “4 tax 21 Ou Portugueses 2.1.2.0s Angolanos 2.20 Brsino 2A situagio lingutstica 24 Actividades culturais 5. O perfodo pés-colonial pitulo TV. As interferéncias 1. Generalidades 2. Tnterferéncias lexicais 21 Interferéncias foaizas 3. Interferéncias morfossintécticas 51 Ceneralidades 5.2 Os acordas (de nstmecoe/ou Be glnero) 55.0 nominal complemento Vrectotndirecto 5 O aorta entre onamiinal seta eo predicade 55 0s loeativos 4, A lexicalieagto dos eanpréstinnws onclusio ibliografia, 10 Ha pee 45 46 48 49 53 54 69 59 59 59 60 66 66 or m1 73 76 78 a1 96 99 os: Prefacio A publicagiéo da obra “Interferéncia do Kimbundu no Portugués Falado em Lwanda”, de Amélia Mingas, doutorada em Linguistica Geral e Aplicada pela Univer- sidade René Descartes ~ Paris V, reveste-se de um es- pecial interesse. Com efeito, 6 o primeiro estudo de investigagaio cientifica sobre'esta tematica e, por outro lado, apresenta seriedade e rigor cientffico na aborda- gom de determinadas questdes relacionadas com a com- plexa situagio linguistica angolana, dada a coexisténcia do portugués, lingua neolatina ¢ das linguas nacionais (locais), na sua maioria do grupo bantu. mas todas elas veiculos de comunicagio e expressio. ‘A realizagho da lingua portuguesa, em Angola, dé- -se numa situagio de plurilinguismo (nivel nacional) e depluri ou bilinguismo (nivel individual), o que pressu- pée, obviamente, que todo o trabalho de investigasio relativo a esta problematica deve ser orientado a partir e em fungao desta realidade lingufstica. O fendmeno do contacto linguistico © o que dele decorre — como, por exemplo, as interferéncias — nao pode nem deve ser ignorado e/ou negligenciado, dadas, as implicagées metodolégicas ¢ pedagégicas que dele advém, como se constata ao longo deste estudo, dividido em quatro capitules. No primeiro capftulo, sao fornecidos alguns dados geolinguisticos e hist rieos de Angola, assim como o corpus ¢ a metodologia un em Ee ee ZuaS teal ul) cl eh ad neh mad ad cam ty tena hea utilizada. O segundo capftule ceupa-se do fenémeno de contacto entre o kimbundu e 0 portuguas ¢ apresenta quadros fonéticos relativos aos sons vocalicos e conso- nanticos destas inguas, para uma mais clara compreensio das interferéneias. © terceiro capitulo consta de uma abordagem sociolingufstica do pafs, tendo como marco a Independéncia, O ensino e a politica lingufstica vigentes no periode colonial e a nova opgao politica do Governo angolano relativamente A situagio linguistica si0 também abordados. O quarto capitulo apresenta uma andlise profunda de dados relatives As interferéncias, quer a nivel da oralidade, quer a nfvel da eserita. ‘Tendo como principal objecto do trabalho a andlise deseritiva de algumas caracteristicas do portugués Falado em Lwanda, Amélia Mingas, apoiando-se numa biblio- grafia especializada e partindo do estudo lingufstico de textos extraidos do “Jornal de Angola”, da recolha de frases orais (analise inicial de palavras isoladas e posterior- mente de frases) e empréstimos do parmgués ao kimbundu, aprese: a-nos uma inventariagfo de interferéncias lexicais do kimbundu no portugues e ainda de significa- tivas alteragdes fonol6gicas e morfossintacticas que se operaram nas palavras e frases do kimbundu ao serem lexicalizadas pelo portugués falado em Lwanda, eujos desvios (niio errs), em relagio A Norma padifo europeia sfio cada vez mais relevantes. Partindo deste estudo lingufstico, questionamo-nos sobre a possibilidade de estarmos, ndo somente perante um processo de forma- gaode uma variante, mas sim de diversas variantes angolanas do pormgués, resulzantes do contacto da lingua portu- guesa e das outras Iinguas alricanas bantu existentes e utilizadas no pais, de Kabinda ao Kunene. Esta situagio pressupde, numa primeira fase, o levan- tamento do portugués fundamental (mais usual) em 2 Angola, que ajudaria a resolver os problemas imediatos do ensino e aprendizagem desta lingua; numa segunda fase, impor-se-ia a realizagdo de outros estudos de carécter didéctico, como: —estabelecimento da Norma padrao angolana, diferenciada da Norma padrao portuguesa; — revisiio das gramiticas descritivas e norma- tivas (contacto de dois sistemas linguistics estru- turalmente diferentes um do outro); — estabelecimento de critéries para uma ortografia adequada (palavras provenientes das Iinguas nacionais, neologismos, empréstimos); — estabelecimento de uma nova didéctica da Vingua portuguesa, quer como Ifngua materna, quer come lingua segunda (novos contetidos pro- gramaticos, metodos e técnicas de ensino ade- quados); — inventariagao dos erros provenientes das -rferéncias, resultantes de contacto linguistico como forma de se evitar a sua cristalizaga ~ apoio incondicional ao estudo cientifico das Iinguas nacionais, visando a sua actualizagao, inte- graciono ensino e utilizagao em todos os dominios e situagées. Estas questées deveras preocupantes e que estéo implicitas no estudo de Amélia Mingas levam-nos, uma ‘vez mais, a reforgir a urgéncia de uma definigdo correcta e realista de uma politica lingufstica baseada em estudos e trabalhos de investigacao, em consultas fei 8 peritos angolanes ligados a esta problemética e ainda em experiéncias linguisticas de outros pafses africanos, para que todas as linguas possam coexistir harmonio- samente nd nosso pats. “Interferéncia do Kimbundu no Portugués Falado em Lwanda”, publicagio das Higées Ch de Casinde, & uma obra, que em nossa opiniao, pelo s¢u contetido € didactismno, deverd ser adoptada, como livro obrigatério, pelos alunos de Linguistica do ISCED, e pelos professores de lingua portuguesa, para uma maior eficécia do ensino desta lingua em Angola. Para finalizar, fazemos votos para que Amélia ‘Mingas, linguista de mérito, pela sua formagio e quali dade dos trabalhos que tem vindo a elaborar no dominio da Lingufstica, com a publicagao desta obra e de outras que se seguirio certamente, abra caminho a outros linguistas, filélogos, professores, alunos de lingutstica 2 interessade: incentivando-os a realizarcn wabalhos de pesquisa lingufstica em todo o pafs, a publicarem os resultados obtidos, a fim de serem confrontados uns com 03 outros (anélise comparativa), visando a valorizagio de todas as linguas existentes e faladas em Angola, ¢ que constituem 0 suporte da identidade cultural do pov angolano. Tree: Guerra Manaues Awaits 1999 Notas Preliminares A presente obra ¢ a tradusdo do texto de um trabalho elaborado, durante 0 ano lectivo 1987/1988, para obten- S80 do Certificado de C4 em Ciéncias da Linguagem (Sociolinguistica), junto do U.E.R. da Universidade de Paris V, em Franga. Instada por amigos e colegas, de: dimo-nos a publicé-lo. Se atentarmos ao tempo, pode- remos ser levados a pensar que ela perdeu actualidade. Na verdade, na altura em que o trabalho foi escrito, 0 kimbundu era a lingua africana maicritéria na cidade, considerando 9 niimero dos seus locutores. ‘Hoje em dia, com as deslocagées constantes de comu- nidadles vindas das provincias, e tendo linguas diferentes do kimbundu como maternas, o fenémeno de interfe- réncia, em Lwanda, ganhou novas formas. Nesta conformidade, o kimbundu é hoje, mais uma dentre as varias linguas com as quais o portugués esté em contacto nesta cidade, Contudo, tendo em conta que a dinamica da interacgto lingufsticn nto foi alterada, resolvemos traduzir 0 texto i 1, apds uma revistio do mesmo, melhorando-o com a introduggo de designagées cien- tificus das espécies da flora e fauna angolanas, por nés utilizadas, gragas & ajuda da bidloga Susana Guerra Marques, cuja participagio neste trabalho agrade- A obra tem como objecto uma abordagem descritiva, das caracteristicas de uma variante da lingua portuguesa 1s WA, MK, tm pau fa, gl ate com al wed ud ad em Africa, nomeadamente o portugués falado em An- gola, mais precisamente em Lwanda, a capital, Durante a época colonial, esta variante era erradae ironicamente designada “pretogués”, “portugués de preto”, “portugués moreno” e/ou “dialecto”, o que criow nio sd condigdes éprimas para a pramagia do portugués, como também, por um lado, a ideia de que as linguas locais eram inferiores ao portugu8s e por outro, um sen- timento de vergonha por parte de alguns Angolanos ao m ter uma lingua sem prestigio como lingua efou materna, Louis-Jean Calvetinterpretou bem este facto quando afirma: Les langues locales que V'on baptisait le plus souvent ~ ‘dialectes’ ~ n’étaient nulle part prises en compte et certains s‘attachaient méme a démontrer leur infériorité. En outre, si Von exclut les efforts en peu désordonnés et dispersés des missionaires (qui enseig- naient souvent le catéchisme en langue locales mais utilisaient pour ce faive des ortographes fantaisiates), ces langues n’étaient méme pas écrites: personne ne se préocupait avec leur phonologie propre”. “as linguas locais que eram baptizadas, o mais frequen temente, por ‘dialectos’, nfo eram nunca tas cr linha de conta alguns preocupavam-s sua inferio- tidade. Por outto lado, ae excluiemes os esforgos algo desor- denados © dispersos dos missionérios (que ensinavam muitns ‘yezes o catecismo em Iinguas locais mas utilizando ortografias fantasiatas), estas linguas nem sequer eram escritas: precoupava com 4 sua fonologia prépria’. CE, Lo CALVET, 1981, pig. 55. ‘mesmo em demonstrar 6 4 ee a ey Aimportancia deste estudo advéin do facto que, em Angola constata-se uma situaco de contacto de linguas entre 0 portugués, Iingua oficial e de origem eurapeia, © as diferentes linguas locais, de origem africana e per- tencendo, na sua maioria, A famflia bantu. Tendo em contaa diversidade das linguas, limitdmos o nosso estuda a regido de Lwanda, na medida em que uma andlise alargada do problema ultrapassaria de longe 0 objec- tivo que tinhamos preconizado, que é a claboragio de um “mémoire de mattrise”. Consequentemente, o nosso trabalho debrugar-se-4 somente sobre o contacto entre o kimbundu e 0 portugues Através do nosso estudo, gostarfamos nao 86 de demonstrar, como também de criar as condigdes para que se compreenda que este fenémeno néo est, de modo algum, ligado nem A raga, nem a qualquer tipo de inferioridade mas, muito simplesmente, a uma situagio de contacto entre duas ou variax comunidades sociale humanas, com linguas, culturas e habitos diferentes. A realizagio deste trabalho nao teria sido posstvel sem 0 apoio financeiro da Cooperagio Francesa, em Lwanda, que nos concedeu a bolsa que possibilitou 0 aprofundamento da nossa formagéo universitéria em Franga, © que bastante agradecemos. Por outro lado, no podemos deixar de reconhecer o apoio comple- mentar que nes foi proporcionado pela Embaixada da Republica de Angola em Franga. Gostarfamos também de testemunhar, aqui, os nosso, profundos e sinceros agradecimentos aos Prolessores Louis-Jean Calvet e Christiane Juillard pelos conselhos ¢ orientagiio tedrico-pratica do presente trabalho. E, a terminas, o8 nossos agcadecimentos ao Profes- sor Mwatha S, Ngalasso, que teve a amabilidade de ler ecomentar o trabalho; de ignal modo, a Sua Exeeléncia a” Sans bao: ‘0 Embaixador de Angola junto da UNESCO, o Sr Domingos Van-Diinem, pelas informagSes relativas a0 movimento associativista em Angola. 18 Signos e Abreviagdes det, nh pref. pron. K LP VA Determinante A nasal palatal [p]] A palatal surda [J] Prefixo Pronome Kimbundu Portugués Variante angolana , Fim ou inicio de um constituinte sintéctico Separagio entre o prefixo nominal e/ou pre~ fixo de acordo, e a base Prefixo ou nominante zero Diferente de ein, ie, eB eed ee) cad ead ed med ty ta me tn feo Introdugio I. Generalidades lingua resultante do fenémeno de interferéncia que caracteriza uma situagio de contacto de linguas foi, ch rante muito tempo, considerada como “lingua mal fala Em Angola, esse produto era bem explorado nos cfreulos extra-escolares e ridicularizado nos espectéculos de teutro, Hoje em dia, gracas & aparigéo da psicolinguistica e da sociolinguistica, existe uma visio mais correcta do problema, porquanto sabemos que a estrutura de uma outra lingua, a primeira e/ou materna, esté na base de uma construgio, interpretada instintivamente como errada. Com efeito, devido ao fenémeno de adaptagao constante e frequente da estrutura da lingua primeira (ou materna) & da lingua segunda, constatam-se diver ans altoragées f6nicas e morfossintécticas na Iingua segunda. ‘Como resultante disso, em Angola, junta de alguém que s6 falou kimbundu durante a idade pré-escolar, tendo por conseguinte esta lingua como primeira, podemos constatara dificuldade que a seguir descrevemos. Assim que ele escutar a palavra portuguesa (bolu], como em kimbundu o fonema /by nao é atestado frequentemente em posigao inicial a no ser nos radicais verbais, ele substituiclo-4 pela semi-nasal /mb/, que aparece, com regularidade, ao nivel dos nomes. Por conseguinte, 0 nome portugués transforma-se em [mbolo] para 6 locutor de kimbundu. Podemos constatar neste exemplo a nasalizagio da consoante portuguesa e a tendéncia para uum aumenta do grau de abertura das vogais portuguesas, na medida em que [o] é realizado por [3] ¢ [u] por [o] 2 A semelhanga do que se verifica em kimbundu, a palavra [mbobo}, “mandioca demolhada”, entra em portugués como [baba]. A anélise deste exemplo, ermite-nos constatar que houve de um lado, perda de nasalizagio do fonema /mb/ do kimbundu, que se transforma em /b/ em portugnés’, Por outro lado, 0 termo em portugués apresenta a nasalizagio do fonema vocilico oral do kimbundu e, em consequéncia, [-0] € substitufdo por [-3]; constata-se de igual modo, uma alteragho do grau de abertura da vogal final do kim- bundu, Por conseguinte, okimbundu [mbombo] torna- -se [b&bo] em portugues. Estes exemplos ¢ outros que foram fixados pelos escritores angolanos e/ou captados por nés oralmente, permitiu-nos notar que, na situagio de contacto de Iimguas ex das duas comunidades, nomeadamente a portuguesa e jentes em Angola, pode-se verificar junto a angolana, uma tendéncia para interpretar os fend- ‘menos pertencentes a uma estrutura lingufstica diferente (ada lingua segunda), a partir de ume outra ja conhe- cida, que é a da lingua primeira ou materna. IL. Objectivo, Corpus e Metodologia 1. Objectivo Em Angola, o fenémeno da colonizagko pés em con- tacto, de um lado, uma comunidade luséfonae, de outro, de expressio bantu. Do ponto de vista lingufstico, pode notar-se a coexis- téncia destes dois grupos comunitérios. Mas, conve- uma comunidade maioritéri * © portugués nko atesta consoantes semi-naseis. sta sae ia fue nhamos que a utilizagéo do portugués como lingua veicular por Angolanos pertencendo a diferentes grupos linguisticos favoreceu a sua aprendizagem. Pode-se, contudo, constatar uma forte influéncia das Inguas bantu no portugués falado pelos Angolanos, se o compararmos ao falado em Portugal. No quadro do presente trabalho, foi nossa preo- cupagio inventariar, a partir de um corpus reunido junto de locutores (da regito de Lwanda) e de escritores ango- Janos, algumas interfer€neias de origem kimbundu, que caracterizam o portugués desta provincia. Perante a diversidade linguistica existente no pats e na provincia de Lwanda e considerando, por outro lado, a natureza do nosso trabalhe — um “mémoire de maitrise” —, a nossa atengaio concentrou-se somente sobre os empréstimos do portugues ko kimbundu, na regio de Lwanda, na medida em que a sua populagao ¢, na sua grande maioria, bilingue kimbundu/portugués. Esta escolha permite-nos distanciarmo-nes do grupo .a pela tendéncia de consi derar somente as interferéncias das linguas dos color de analistas que se caracte: zadores nas dos colonizados, ou as influgncias das Iin- guas de grande difusfo nas linguas minoritérias e quase 2 Conpus © corpus que esté na base do nosso trabalho foi totalidade, a partir de andlises de obras de escritores angolanos, de alguns mimeros do “Jornal de Angola”, quotidiano oficial publicado, actual- mente, na capital do pais. reunido, na sta quias Convenhamos, todavia, que a lingua escrita, relativa: mente A falada, é mais rfgida e em consequéncia, mais, 2 (ecu, gh, ie peut 2, eee, te,

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