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Documentário ‘Nossas inquietudes’ - Judith du Pasquier (2003)

Apresentação:

O documentário “Nossas inquietudes” de Judith du Pasquier, apresenta a psicanálise a partir


de relatos de 6 pacientes com idades diferentes, com propósitos distintos, mas que se
entrelaçam pela busca do autoconhecimento e por uma série de sofrimentos e angústias
carregados em suas vidas.
É importante ressaltar como o processo de imersão nas sessões de cada um deles, dá-se de
maneira diferente, variam de acordo com as questões pessoais, personalidades, conexões da
infância, relações interpessoais, entre outros.
É durante esse processo da fala do paciente e da escuta silenciosa ou quase nenhuma
intervenção do psicanalista, que os personagens reais desta obra receberam a cura de suas
maiores dores.
Freud, já apontava em seus estudos que sintomas de neuroses, por exemplo, podiam ser
aliviados pelo que chamou-se de a cura pela fala, ou seja, deixar o paciente divagar sobre
suas ideias, memórias, sonhos, traumas, criando novos significados e aprendendo a conviver
com o passado e olhar para o futuro.
Entendemos a Psicanálise como processo que irá contribuir para evocar situações, palavras,
sentimentos, traumas que foram transferidos para o inconsciente, não temos acesso, mas
essas situações continuam disparando atitudes, dificuldades, sofrimentos em nossas
vivências cotidianas. Através da fala como é destacado pelos protagonistas do filme, temos a
possibilidade de trabalhar essas situações, ressignificando, mesmo sem termos acesso a
elas.

Relatos:
● Evelyne, mulher de meia idade que conta sobre uma força física muito forte que a
derrubou e sobre a procura por um analista que pudesse acolhê-la. Ao que tudo indica
sua primeira tentativa foi bem negativa, pois esse primeiro profissional encarnava tudo
que ela detestava, mas a necessidade era tamanha de encontrar respostas para suas
questões, que foi adiante até encontrar o analista que representava o equilíbrio e a
calma. Pelo seu relato existia nela uma força arrasadora, era uma batalha entre a
pulsão de vida e pulsão de morte, um combate entre ambas em seu inconsciente.
Chegou à conclusão de que as palavras na sessão têm um valor que não possuem
em outro lugar.

● Léandre, o segundo paciente expresso no filme, procura um psicanalista porque


precisa fazer o luto do pai. Depois de 27 anos de coisas não ditas ele procura o
analista, mas falta às sessões, voluntária ou involuntariamente, até se dar conta que
ele faz isso por que se negligência e num determinado momento ele não quer mais se
negligenciar. Em sua passagem para o divã demonstra preocupação por onde colocar
seus pés. É bem isso o que ocorre na passagem ao divã: perdemos um pouco o chão.
Alguns não sabem o que fazer com as mãos, ou perdem o chão, ou perdem o olhar do
analista. Seu refúgio foi conter seus traumas e emoções e evitar contato com outras
pessoas. Tinha medo de fazer uma pergunta e receber uma resposta que não gostaria
de ouvi-lá, não sentia preparado para receber uma emoção como resposta.

● Agnès, mulher de aproximadamente 40 anos de idade, sendo a terceira paciente


apresentada no filme, faz um doloroso descolamento do irmão autista ou deficiente
durante seu processo terapêutico. Para ela o fato de ter um irmão com deficiência
gerou conflitos em sua própria identidade, acabou tornando-se a guardiã e seu
guarda-costas, sentia-se como sua irmã mais velha, o que na realidade era o
contrário. Em uma sessão de análise, a personagem compara a sua descoberta a de
um rio que se “abria”, existia um conflito em enfrentar a realidade com o mundo
interior, levando-a chorar muito, o que fez com que seu psicanalista achasse que ela
também estava deprimida, mas não soube distinguir se era uma forte depressão e
vontade de chorar. Relata que compreendeu na análise que a mulher pode escolher
entre ser mãe e o trabalho artístico, como ter isso lado a lado, como também o corpo
poderia ter vários espaços.

● Émilie, é a quarta personagem apresentada, e sua fala inicial relata que as idas ao
consultório eram sempre iguais, e que a espera por entrar na sala, gerava certa
ansiedade e angústia. Quando adentrava no consultório, relatava tudo o que vinha à
sua mente, inclusive foi procurar a análise por julgar ter problemas, e todas as vezes
que passava pela consulta solicitava um “atestado médico”, até que determinado dia
esquece de pegá-lo, e seu psicanalista sugeriu que com este fato, talvez ela não
estivesse doente, como até então achava. O impacto de ouvir isso, lhe trouxe uma
crise de choro, seguida da indagação dele pelo motivo das lágrimas, e a mesma
contou que se sentiu “abandonada”, e ele afirmou que isso não era verdade. Em
outro ponto do documentário, conta que a sensação de conversar com um amigo é
bem diferente de um psicólogo. O psicólogo não dá uma resposta reconfortante, esta
“(...) é a diferença entre dizer a um amigo e um “psi”, este não vai te dizer nada,
apenas “bom nos revemos tal hora.”

● Gérard, era um homem de meia idade e que tinha muitos preconceitos com relação à
psicanálise, principalmente com pagamento das sessões. Ele sabe depois que há uma
falsa ideia de que não se faz análise se não se tem dinheiro. Parte de suas falas, se
dão por conta do que ele julgava ser uma histeria à medida que ele via jovens em sua
frente ou crianças pequenas. Se via paralisado em frente às pessoas, vomitava,
molhava as calças, tremia e desmaiava. Algum tempo depois, quando ele já encontra
“conforto” com as sessões, consente em falar, sobretudo de um período em que viveu
de perto a guerra na Argélia, algo que remetia muito sofrimento e raiva por expor, mas
também certo “prazer” por esconder de seu psicanalista. “(...) Faz sofrer, mas, é
bastante engraçado mesmo assim.”
● Por fim, o último paciente mostrado, chama-se Didier, ele tinha problemas para
assumir a homossexualidade. Isso o fazia guardar e reprimir sua atração por homens
mais do que mulheres, e não falar, o que lhe trazia angústia e a sensação de
aniquilamento. Isso foi se tornando tão grande dentro dele a ponto de impedi-lo de ir
ao trabalho algumas vezes. Entretanto, isso lhe servia de morte para a sessão
seguinte e assim ele começaria a falar o que queria evitar. “(...) a análise é um negócio
impensável”. Um ponto bastante curioso nas suas falas iniciais, é que ao descobrir
que o seu psicanalista atendia também crianças, o fez perceber que o mesmo cuidava
de todas as feridas que tivemos na infância. Em seu depoimento, a fala é traduzida
como o instrumento necessário para o processo de análise, e que quando por algum
motivo não consegue falar sente-se insignificante por não elevar as coisas ao nível de
profundidade que suas questões dependem, o que se torna muito doloroso. O seu
processo de análise é como uma experiência amorosa em que é possível captar
aquilo que nos faz sofrer.

Conclusão:
A psicanálise é tida com uma das abordagens mais relevantes para a compreensão do
sujeito, suas angústias, seus traumas e dores, e toda subjetividade que o homem carrega em
sua mente. A partir desse documentário pensar no ato de falar, é um processo que enquanto
para muitos é algo que liberta, para outros aprisiona, expor o que realmente sente ou que
nem se sabe que sente irá exigir um esforço significativo.
Também compreende-se a importância da criação de um vínculo entre terapeuta e paciente, a
fim de compreender os processos reprimidos pelo inconsciente, que geram sintomas de
sofrimento para o mesmo. E isso foi possível notar em alguns relatos durante o filme, essa
relação foi criada durante o processo, no caso de Evelyne, por exemplo, não foi na primeira
tentativa que houve o “casamento” perfeito entre analista e analisando, enquanto que Émilie
em dado muito sentiu-se abandonada e não acolhida pelo seu psicanalista devido um
momento de confronto, mas isso na percepção dela. Por isso, a importância da relação que
se cria de confiança durante esse processo

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