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Síntese Explicativa

MÓDULO III

Saúde mental, populações em


processos de vulnerabilidade
e sua interface com a terapia
ocupacional

TO em SM III
Semestre Letivo em APNP - 2023.2

Profªs: Ana Maria Quintela e


Roberta Pereira Furtado da Rosa
“Este é um material pedagógico
desenvolvido por servidor do IFRJ. Seu uso,
cópia, edição e/ou divulgação, em parte ou
no todo, por quaisquer meios existentes ou
que vierem a ser desenvolvidos, somente
poderão ser feitos mediante autorização
expressa de seu autor e do IFRJ. Caso
contrário, poderão ser aplicadas as
penalidades legais vigentes” (Resolução
CONSUP/IFRJ Nº36, DE 7 DE JULHO DE
2021).
1

Apresentação
Caras e caros estudantes!

Neste material, nosso objetivo é trazer para a reflexão temáticas que


referem-se às situações de vulnerabilidade social que impactam
diretamente os sujeitos, levando a experiências de sofrimento
psíquico importantes e que precisam ser olhadas e cuidadas.
Falamos de dois grandes temas e suas redes de cuidado: pessoas
que fazem uso problemático de drogas e pessoas em situação de rua
(não moradia). Para pensar o cuidado em saúde mental dessas
populações, trazemos os seguintes tópicos:
- Álcool e outras drogas (Conceito, percepções e histórico);
- Política sobre drogas no Brasil / Método e diretrizes da redução
de danos;
- Uso problemático de substâncias psicoativas e rede de cuidados;
- Consultório na Rua (recorte populacional e social) e rede de
cuidados.

Importante apontar que o terapeuta ocupacional está junto à equipe


multiprofissional atuante nessa rede de cuidados. Dessa forma,
buscamos apresentar essas inserções e sua especificidade na clínica
em saúde mental.

Neste módulo 3 teremos como conteúdo


esta síntese e dentro dela, muitas sugestões
de leitura e vídeos, alguns deles indicados
como obrigatórios. Vocês também
encontrarão algumas sugestões que são
complementares (não obrigatórias) e que
Boa leitura!
ajudarão no processo formativo.
2

1 - Álcool e outras drogas: Conceito,


percepções e histórico.
Para começar nossa conversa, vamos primeiro fazer um exercício:

1) Pegue uma folha de papel e caneta;


2) Escreva no meio da folha em branco as palavras: Álcool e
outras drogas;
3) Olhe para essas palavras que acabou de escrever e escreva ao
redor delas ao menos 6 outras palavras que vem à mente
quando você lê “Álcool e outras drogas”

Estas folha de papel com essas palavras devem ser levadas para a aula
presencial para que iniciemos a conversa a partir daí.

A proposição acima nos servirá como um primeiro disparador do


diálogo e de uma reflexão que faremos coletivamente sobre como
vemos e percebemos o termo “drogas”.

Segunda proposta: Assistam ao vídeo indicado abaixo em que se discute


como a percepção criada sobre um determinado objeto também é uma
construção histórica de uma determinada cultura a qual estamos
imersos. Entender esses processos é fundamental para a abordagem
desse tema.
No vídeo do professor Henrique
Carneiro, ele que fala sobre a história
das drogas.

https://www.youtube.com/watch?v=BG
0PDtjDQwo
CONTEÚDO OBRIGATÓRIO.
3

1.1 Histórico
Como em quase todas as sínteses, iniciamos pela história. Nesta,
falamos do Brasil e com o recorte das drogas.

Sabemos que a psiquiatria surge no Brasil no século XIX em um


projeto de medicalização da sociedade. Nesse século são
desenvolvidas duas tecnologias de poder (a disciplina e o
biopoder), que tem como objetivo o controle da vida, regulando
ao mesmo tempo o corpo (individual) e a população (corpo
coletivo). Como exemplo: o controle dos corpos indesejáveis (os
bêbados, vadios, malandros), ou seja, os marginalizados da cidades
são foco das ações disciplinares com o tratamento do alcoolismo
no espaço asilar (DIAS, 2008).

Destacamos a experiência do
romancista Lima Barreto, que
além de sofrer racismo como
escritor, teve que conviver
com a pobreza e o alcoolismo
e consequentemente as
internações no Hospital
Nacional de Alienados.
4

No final do século XIX e início do século XX, os “problemas


decorrentes do uso de álcool eram tratados nos espaços como
hospitais e asilos, ao mesmo tempo em que a polícia espreitava e
intrometia-se na vida dos sujeitos considerados ‘desviantes’. [...] A
ciência comparecia no jogo de poder e, junto com a polícia, exercia a
sua força através do brilhante anel de doutor enquanto a polícia pelos
duros anéis das algemas.”(DIAS, 2008, p.52)

Com a ditadura militar a partir de


1964, há um aumento de leitos em
hospitais privados, período
chamado de Indústria da Loucura.
Nas décadas de 1960 e 1970, há o
aumento do internamento de
alcoolistas e neuróticos, o que,
segundo Dias pode indicar “que os
indesejáveis da ditadura militar
foram ‘enquadrados’ na categoria
abrangente e imprecisa de
Esse filme ilustra
‘neuróticos’.
bem essa fase:
https://www.youtub Foram institucionalizados e
e.com/watch?v=F6Y psiquiatrizados para serem
ky54edpo
neutralizados politicamente nesse
período (2008, p.57).

Estamos diante da aliança entre as práticas psiquiátricas e o poder


judiciário de trancafiar e mortificar sujeitos através das suas formas
de “recuperação” e tratamento compulsório (Dias, 2008, p.60)
5

Somente após a abertura política nos anos 1980 que se fortalecem


os movimentos políticos contra o autoritarismo no Brasil.
Movimentos esses que já abordamos em Saúde Mental I.
Destacamos aqui o Movimento de Reforma Sanitária e o da Reforma
Psiquiátrica brasileira. É nesse processo de redemocratização que
torna-se possível novos direcionamentos para uma política de saúde
pública que traz outro viés para a questão das drogas, fugindo a
lógica proibicionista e autoritária experimentada até então.

Nesse ano de 1980 é instituído o sistema de prevenção, fiscalização


e repressão à entorpecentes, normatizando o Conselho Nacional de
Entorpecentes (COFEM).

Em 1998 ocorre a XX Sessão Especial da Assembleia das Nações


Unidas (ONU) em Nova York, onde se discute o problema mundial
das drogas. Nesse evento produz-se uma declaração sobre os
princípios de redução da demanda por drogas. Os Estados –
membros da ONU, inclusive o Brasil, aderem aos princípios de
redução da demanda de drogas se comprometendo a apresentar
resultados em 10 anos no que se refere à redução da oferta e
procura das drogas.

O COFEM é transformado em Conselho Nacional Antidrogas


(CONAD) e é criada a Secretaria Nacional Antidrogas em 1998, a
SENAD. Essa secretaria, em 2002, mobiliza diversos atores para a
construção de uma Política de drogas brasileira.

São realizados o I e II Fórum Nacional Antidrogas e nesse ano de


2002 se institui por meio de decreto presidencial nº 4.345 a Política
Nacional Antidrogas (PNAD).
6

É notória a integração das Políticas Públicas com a PNAD, no que se


refere às propostas de descentralização e intersetorialidade.

Em 2004 há um realinhamento da Política Antidrogas. Esta passa a


ser nomeada a partir de então por Política sobre Drogas. Percebam
nosso destaque: não se trata mais de ir contra o uso de drogas, mas
falar sobre drogas e pensar o seu uso pelo corpo social. Essa Política
Nacional Sobre Drogas está em consonância com a Constituição
Federal de 1988 e com os compromissos internacionais firmados.

Para entender um pouco mais sobre a questão das


drogas no âmbito do SUS, veja essa série vídeos
elaborados pelo Conselho Federal de Psicologia chamada
‘Drogas e Cidadania’.
ELES SÃO OBRIGATÓRIOS.

https://www.youtube.com/watch?v=usLDzJbhdgo

https://www.youtube.com/watch?v=5aPIDEHN-zo

https://www.youtube.com/watch?v=nDyWk7BPK2k

https://www.youtube.com/watch?v=ZlhkVoOEjG4

https://www.youtube.com/watch?v=6SuaCUef4qs

https://www.youtube.com/watch?v=xPa9DhhnlwU
7

2. Política Nacional sobre drogas

RESOLUÇÃO Nº3/GSIPR/CH/CONAD,
DE 27 DE OUTUBRO DE 2005
(https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=101642)

Eixos:

1- Prevenção

Se refere a ações de capacitação, educação preventiva, divulgação


e atualização de informações acessíveis à população que
fomentem ações de prevenção ao uso indevido de drogas.

2 - Tratamento, Recuperação e Reinserção Social

Se refere à viabilização do acesso de variadas populações que


fazem uso problemático de drogas à diferentes modalidades de
tratamento que inclui dispositivos da Rede de Atenção
Psicossocial, no âmbito do SUS em articulação com o SUAS.
Intervenções estas que devem ser acompanhadas de estudos e
pesquisas científicas sobre sua eficácia, assim como a aproximação
com as universidades.

3 - Redução de Danos Sociais e à Saúde


Propostas que visam minimizar as consequências do uso indevido
de substâncias, diminuindo o impacto dos problemas
socioeconômicos, culturais e dos agravos à saúde associados ao
uso de álcool e outras drogas a partir de ações de divulgação de
materiais educativos, implementação de iniciativas de geração de
trabalho e renda entre outras como ação redutora de danos.
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4 - Redução da Oferta
Se refere a ações ligadas à secretaria de segurança pública de
combate e repressão à drogas ilícitas assim como a crimes
relacionados às drogas e medidas de fiscalização.
5 - Estudos, Pesquisas e Avaliações
Fomentar estudos e pesquisas permanentes a nível municipal,
estadual e federal para aprofundar o conhecimento sobre drogas,
a extensão do consumo e sua evolução, a prevenção do uso
indevido, repressão, tratamento, redução de danos, entre outros
assim como avaliar o papel da mídia no incentivo ou prevenção do
uso indevido do álcool e das outras drogas.

Nesta síntese, trazemos dois destaques do item 3 da Política:

A REDUÇÃO DOS DANOS SOCIAIS E À SAÚDE


3.1.1 A promoção de estratégias e ações de redução de danos
(RD), voltadas para a saúde pública e direitos humanos, deve ser
realizada de forma articulada inter e intra-setorial, visando à
redução dos riscos, as consequências adversas e dos danos
associados ao uso de álcool e outras drogas para a pessoa, a
família e a sociedade.

3.2 Diretrizes
3.2.1. Reconhecer a estratégia de redução de danos, amparada
pelo artigo 196 da Constituição Federal, como medida de
intervenção preventiva, assistencial, de promoção da saúde e dos
direitos humanos.
(BRASIL, 2005)
9
É importante destacar que para esse item da Política, foi feita uma
portaria: PORTARIA Nº 1.028, DE 1º DE JULHO DE 2005

Ela determina que as ações que visam à redução de danos sociais e à


saúde, decorrentes do uso de produtos, substâncias ou drogas que
causem dependência, sejam reguladas.

Quem quiser acessar a portaria para saber mais detalhes:

https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2005/prt1028_01_
07_2005.html

Na Portaria que institui a Rede de Atenção Psicossocial Nº 3088 de


2011, é reforçada também as estratégias de Redução de Danos como
diretrizes para o cuidado às pessoas com necessidades decorrentes
do uso de crack, álcool e outras drogas.

Vemos isso no Art. 4º, ao falar dos objetivos específicos da Rede de


Atenção Psicossocial: [...]

II - prevenir o consumo e a dependência de crack, álcool e outras drogas;

III - reduzir danos provocados pelo consumo de crack, álcool e outras


drogas;

IV - promover a reabilitação e a reinserção das pessoas com transtorno


mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras
drogas na sociedade, por meio do acesso ao trabalho, renda e moradia
solidária;

VI - desenvolver ações intersetoriais de prevenção e redução de danos


em parceria com organizações governamentais e da sociedade civil;
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Destacamos que as estratégias de Redução de danos tem uma


história importante que segue o caminho contrário à política de
guerra às drogas.

Vamos entender melhor isso.

Essa ideia de guerra às drogas surge para responder um


contexto que vai se estabelecendo a partir dos anos 80,
decorrente do fracasso do “milagre econômico” (aumento da
inflação, explosão demográfica nos grandes centros,
desemprego, sucateamento da educação, aumento da
violência). É nesse contexto que o tráfico de drogas ganha
projeção nacional e internacional.

(Passos e Souza, 2011)


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A ideia de guerra às drogas traz um novo sentido para a lógica da


guerra: agora vai lidar com um objeto que é global e um inimigo
não geográfico. Essa ideia tem função de manter a ordem social,
no entanto vale destacar que esse controle social tem muita
proximidade com uma economia neoliberal que ganha fôlego
nessa economia de guerra.

Ao mesmo tempo que se vendem nessa lógica de consumo, estilos


de vida e sensação de bem estar, alimentando desejos como
motor da economia, por outro lado instala-se a guerra, mesmo
não tendo um inimigo localizado, que tem como foco os países
periféricos, marcando uma determinada população que é alvo.
Esse é o cenário:

Drogas = inimigo a ser eliminado (lógica da guerra)


Drogas = produto altamente consumido pelas classes média e alta.
(logica do consumo)

Quem ou o que, exatamente,


se deseja eliminar?

Um exemplo que ilustra bem isso é


o caso de Rafael Braga X o caso de Breno em 2017:

https://www.justificando.com/2017/07/27/rafael-
braga-e-breno-borges-quando-9g-de-racismo-pesam-
mais-que-129kg-de-maconha/

Passos e Souza, 2011


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Atualização da Política sobre drogas:

Esse documento atualizado do ano de 2019 retira a redução


de danos como método de cuidado. Como descrito no
parágrafo 3 (3.3, 3.5 e 3.16) é reforçado o tratamento em
Comunidade Terapêutica e com foco na abstinência como
objetivo final do tratamento.

Veja abaixo o link para a nova política:


https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-
2022/2019/decreto/d9761.htm

Essa é uma discussão que vem sendo levantada por


importantes instituições que sustentam a afirmação da Lei
10.216 de um cuidado em liberdade. Foi feita uma inspeção
em Comunidades terapêuticas e produzido um relatório
sobre a proposta desses espaços e as propostas
preocupantes de alguns espaços que privam de liberdade e
direitos já garantidos por lei.

Vejam na íntegra o relatório:


https://site.cfp.org.br/wp-
content/uploads/2018/06/Relatorio-da-inspecao-nacional-
em-comunidades-terapeuticas_web.pdf
Também vale assistir o vídeo que trata do relatório:
https://www.youtube.com/watch?v=loDgzXmcUUo&t=13s
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Mas o que essa história tem a ver com a saúde


ou com o tratamento de pessoas que fazem
uso problemático de drogas?

É importante entender que no Brasil, a Política Antidrogas se guiou


pela lógica de guerra às drogas tendo como direção o paradigma da
abstinência, ou seja, a única opção possível de tratamento e
resolução do problema com as drogas seria eliminar totalmente o
uso como sinal de cura. Esse paradigma da abstinência submete o
campo da saúde à questão jurídica de eliminação do problema
(DROGA) aproximando a prática médica das práticas jurídicas. Pode-
se dizer que, no que se refere à questão jurídica, a proposta é
“correção do criminoso”; na esfera da psiquiatria “cura do anormal” .

Um outro caminho muito diferente desse se refere à redução de


danos (RD). Primeiramente podemos dizer que a RD problematiza o
uso de drogas colocando em questão uma diversidade de
possibilidades de uso de drogas sem que esse usuário seja
identificado pelo estereótipo de criminoso ou doente. Nessa lógica,
pode-se pensar que nem todo mundo que faz uso de drogas, faz um
uso problemático ou abusivo dessa ou dessas substâncias.

Mas como então identificar nesse processo


quem necessitaria de uma intervenção e
cuidado? Vamos primeiro entender um
pouco como como surge a RD.

Passos e Souza, 2011


14

3. Redução de Danos (RD)


Podemos dizer que seu processo histórico é marcado por 3 fases:

1º FASE (1989):

❖ Em Santos, cidade pioneira na estratégia de implementação das


políticas de álcool e drogas de 89 a 94 com distribuição de
insumos nas cenas de uso (seringas, camisinha, etc.);
❖ Proibição da distribuição de seringas por ordem judicial;

❖ O Instituto de Estudos e Pesquisas em AIDS de Santos (IEPAS)


luta pela sensibilização das autoridades para liberação;

❖ Aumento do número de casos de AIDS;


❖ Ações de RD clandestinas e ampliação destas nesse plano
underground.

2ª FASE (1994):
❖ Passagem da RD do território marginal para dentro da máquina
de Estado a partir dos dados do Ministério da Saúde sobre o
aumento dos casos de AIDS;
❖ Ampliação do programa de RD não apenas de modo pontual em
Santos mas incorporado à Política Nacional;
❖ Foi fundada, no ano de 1996, a ABORDA (Associação Brasileira
de Redutores de Danos) com a função de capacitar e articular
os Programas de Redução de Danos (PRD);
❖ O método da RD se desloca do foco específico de prevenir e
assume objetivos mais amplos de gestão e atenção.
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3ª FASE (2003):
❖ O Relatório Final da III Conferencia Nacional de Saúde Mental
estabeleceu a atenção aos usuários de álcool e outras drogas
como um dos princípios e diretrizes dentro da reorientação dos
modelos assistenciais em saúde mental;
❖ A partir dessa nova orientação, os PRD migraram do campo
exclusivo das DST/AIDS, passando a ser de responsabilidade da
assistência em saúde mental;
❖ A Redução de Danos passou a ser um dos princípios e diretrizes
pactuados na III Conferência de SM, sendo tomada como um
importante eixo de articulação dentro da Política do Ministério
da Saúde para Atenção Integral a Usuários de Álcool e outras
Drogas, iniciada em 2003;
❖ O que era até então uma estratégia da PN-DST/AIDS passou a ser
um método da própria Política do Ministério da Saúde para
Atenção Integral a Usuários de Álcool e outras Drogas. Essa
modulação produziu alguns desdobramentos institucionais que
constituíram algumas portarias no ano de 2005.
(DIAS, 2008)

Esse vídeo, do Centro de


Convivência “É de Lei”, explica
brevemente o que é a RD:
https://edelei.org/home/praticas-
de-reducao-de-danos/
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Método da RD

A redução de danos sai de um contexto local (Santos), específico


(prevenção) e concreto (troca de seringas), para um contexto
nacional (política nacional sobre drogas), ampliado (produção de
saúde) e abstrato (paradigma).

RD Novo paradigma

Produz um novo “olhar” sobre o fenômeno das drogas


(SOUZA, 2007)

A clínica da RD inverte a lógica metodológica de produção de


conhecimento:

De conhecer para intervir passa a intervir para conhecer

O método de intervenção da RD seguiu uma produção coletiva do


conhecimento, um conhecimento continuamente produzido pelos
redutores de danos a partir das imprevisibilidades, tanto clínicas
quanto políticas.
(SOUZA, 2007)

Vamos, então,
entender que método
é esse?
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Método clínico-político da RD

Aqui neste tópico traremos alguns conceitos fundamentais para o


trabalho em redução de danos.

Clínica Ampliada: É uma clínica que ativa a escuta para o sujeito,


levando em conta sua singularidade, confrontando o saber
especialista às imprevisibilidades de cada encontro clínico. Ela
inclui o paciente como sujeito ativo da relação clínica, assim, a cura
deixa de ser meta a ser alcançada e é substituída pela co-
responsabilidade nos processos de produção de saúde.

Transversalidade: essa estratégia foi atualizada por diversos


dispositivos que tornaram inseparáveis a atenção e a gestão:
dispositivos de atenção (troca de seringas, troca de cachimbo de
crack, substituição de crack por maconha, substituição da via de
uso de cocaína injetável por via oral, distribuição de canudo de
silicone para prevenção de hepatite C) e dispositivos de co-gestão
(reunião de equipe, supervisão de casos etc.). O manejo da
transversalidade se dá pela inseparabilidade entre prevenção e
atenção, entre serviços especializados e outros serviços de saúde e
entre clínica e política.

Gestão Comum: A RD indica uma forma de governo da


multiplicidade garantindo a heterogeneidade encontrada na
multidão que segue um compromisso comum. Segundo Negri e
Hardt, a mobilização do comum segue dois aspectos: um aumento
intensivo das forças democráticas na esfera local e um aumento
extensivo das lutas, quando passam a se comunicar com outras
lutas, constituindo uma organização em rede.
(SOUZA, 2007)
18

Co-responsabilização: Foucault nos propõe um método de cuidado


de si, pensando como os sujeitos se relacionam com o prazer. Há um
certo modo nessa relação na qual a ênfase não recai sobre as regras,
mas sim sobre os modos como os sujeitos se apropriam delas e
constituem um modo de vida singular e autêntico: “artes da
existência”. Regras: não são definidas a priori, são construídas na
dimensão processual do viver, no cotidiano e, principalmente,
constituem o próprio sujeito. A Co-responsabilização aponta para os
processos de autonomização. autonomia = autos (próprio) + nomos
(lei, regra)

A RD é um método de cuidado no qual as pessoas encontram


condições de definirem suas próprias regras, regras autônomas.

Cooperação: O método da RD se apresenta na interface entre a


clínica e a política, produzindo uma alteração dos lugares instituídos
de saber, sobretudo o lugar daquele que “cuida” e daquele que é
“cuidado”. É sobre este ponto que encontramos o caráter mais
democrático e mais radical desta política: quem cuida, na maioria
das vezes, é o próprio usuário de drogas, trabalhando como redutor
de danos.

A clínica da RD inverte a lógica metodológica de produção de


conhecimento: Ao invés de conhecer para intervir, a proposta é
intervir para conhecer.

O método de intervenção da RD seguiu uma produção coletiva do


conhecimento, um conhecimento continuamente produzido pelos
redutores de danos a partir das imprevisibilidades, tanto clínicas
quanto políticas.

A questão da cooperação ganha especial relevância neste modelo de


clínica, uma vez que as posições assumidas dentro de uma rede de
cuidado redefinem posições subjetivas.

(SOUZA, 2007)
19

Ação no Território: O trabalho dos redutores de danos não se


restringe a distribuir seringas e criar uma relação entre o território e
as clínicas institucionais. A RD é uma modalidade de clínica que se
realiza no próprio território, uma clínica peripatética*.

* Trata-se de uma modalidade de clínica que se efetua caminhando, uma


diretriz para as experiências clínicas realizadas fora do consultório, em
movimento nos territórios (Lancetti, 2006)

Transversalização, ampliação, mobilização, cooperação são funções


que se atualizam no território e são utilizadas pelo método da RD
para produzir territórios existenciais. Os caminhos clínicos são
definidos a partir dos agenciamentos produzidos no território e
conferem a direção para um “projeto clínico-político”. Os redutores
de danos são, antes de tudo, agenciadores de um coletivo que
reverte o sentido negativo de contágio como índice de morte, para
um sentido positivo de contágio como produção de vida, vida
contagiante.

(SOUZA, 2007)
20

4. Como intervir?
O cuidado à população que faz uso de álcool e outras drogas é muito
mais complexo do que a gente pensa. Além de todas as questões de
saúde envolvidas, temos muitas questões jurídicas e muitos estigmas
e preconceitos também. De acordo com a OMS, cerca de 10% das
populações dos centros urbanos de todo o mundo consomem
abusivamente substâncias psicoativas independentemente da idade,
sexo, nível de instrução e poder aquisitivo (Fejes MAN et al, 2016, p.
255).

Nesse sentido, é preciso muito cuidado nas intervenções a serem


planejadas. Para nos ajudar a pensar o modo de intervir junto à essa
população, trazemos mais um material (um guia completo para o
cuidado às pessoas que fazem uso de álcool e outras drogas)
pensando nessa etapa do acolhimento e recepção desse sujeito.

Solicitamos a leitura das págs. 23 à 29,


que tratam da avaliação e construção do
caso. OBRIGATÓRIO!

https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicac
oes/guia_estrategico_cuidado_pessoas_
necessidades.pdf
21

5. E a especificidade da Terapia Ocupacional?

“[...] Conhecer o cotidiano de pessoas em uso problemático de


álcool e outras drogas possibilita compreender como o
envolvimento com a droga causou transformações na vida, tanto
do sujeito como das pessoas à sua volta, e quais rumos a vida
cotidiana tomou [...]” (Fejes MAN et al, 2016, p. 255).

É nesse ponto que nós, terapeutas ocupacionais, vamos nos


ocupar. Conhecer o histórico de vulnerabilidade que tem
interferido nas oportunidades que cada pessoa possui para
desempenhar ocupações significativas. Esse é o papel do
terapeuta ocupacional. Conhecer os cotidianos desses sujeitos,
para, assim, ampliar as atividades para além do consumo de
drogas, possibilitando a construção de novos sentidos para suas
vidas.

Para nos ajudar a entender melhor como trazer o olhar da terapia


ocupacional para essa intervenção, veja esses materiais que
relacionam a abordagem de redução de danos com a terapia
ocupacional.

A questão das drogas e a terapia ocupacional.


https://revistas.ufrj.br/index.php/ribto/article/view/50435/pdf

Conteúdo complementar:
https://repositorio.ufsm.br/handle/1/28465
22

6.Consultório na Rua
Para falar da população em situação de rua, falaremos via a sua inserção na
rede de cuidados em saúde. Não aprofundaremos aqui sobre essa população
especificamente, uma vez que vocês tratam disso na disciplina de TO Social.

A estratégia Consultório na Rua foi instituída pela Política Nacional de Atenção


Básica (PNAB), em 2011, e visa ampliar o acesso da população em situação de
rua aos serviços de saúde, ofertando, de maneira mais oportuna, atenção
integral à saúde para esse grupo populacional, o qual se encontra em
condições de vulnerabilidade e com os vínculos familiares interrompidos ou
fragilizados.

Chamamos de Consultório na Rua equipes multiprofissionais que


desenvolvem ações integrais de saúde frente às necessidades dessa
população. Elas devem realizar suas atividades de forma itinerante e, quando
necessário, desenvolver ações em parceria com as equipes das Unidades
Básicas de Saúde do território.

Quer saber mais?

1) Veja essa página do Ministério da Saúde, ela tem alguns links


interessantes para complementar a leitura sobre o dispositivo:
https://aps.saude.gov.br/ape/consultoriorua/#:~:text=A%20estra
t%C3%A9gia%20Consult%C3%B3rio%20na%20Rua,encontra%20
em%20condi%C3%A7%C3%B5es%20de%20vulnerabilidade

2) Esse vídeo traz depoimentos e reflexões de usuários e das


equipes de Consultório na Rua de todo o país:
https://www.youtube.com/watch?v=ek9iWTv3hig&t=12s
23

Para que possamos discutir sobre as intervenções no


âmbito do Consultório na Rua relacionando-as à contribuição
da terapia ocupacional, leremos esses dois materiais abaixo
disponibilizados:
Os dois artigos trazem relatos práticos sobre a temática e sua
interface com a terapia ocupacional.

(A turma será dividida para leitura e apresentação dos textos)


LEITURA OBRIGATÓRIA

1) Redução de danos, insumos e experiência estética: uma


análise da prática no consultório na rua do município do Rio
de Janeiro.
https://revistas.ufrj.br/index.php/ribto/article/view/4823/p
df_1

2) Aspectos do cuidado integral para pessoas em situação de


rua acompanhadas por serviço de saúde e de assistência
social: um olhar para e pela terapia ocupacional.
https://www.scielo.br/j/cadbto/a/KB84TVtSmHWc5CkSVbfg
pqJ/
24

7. Referências Bibliográficas
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria Executiva. Coordenação
Nacional de DST/Aids. A Política do Ministério da Saúde para
atenção integral a usuários de álcool e outras drogas / Ministério
da Saúde, Secretaria Executiva, Coordenação Nacional de DST e
Aids. – Brasília: Ministério da Saúde, 2003.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. DAPE.


Coordenação Geral de Saúde Mental. Reforma psiquiátrica e
política de saúde mental no Brasil. Documento apresentado à
Conferência Regional de Reforma dos Serviços de Saúde Mental :
15 anos depois de Caracas. OPAS. Brasília, novembro de 2005.

DIAS, Rafael M. Do Asilo ao CAPSad: Lutas na saúde, Biopoder e


Redução de Danos. Dissertação apresentada ao PPG Psicologia –
Estudos da Subjetividade, Universidade Federal Fluminense,
Niterói, 2008.

Fejes MAN, et al. Saúde e cotidiano de mulheres em uso abusivo


de álcool e outras drogas. Rev Ter Ocup Univ São Paulo. 2016
set./dez.;27(3):254-62.

PASSOS, Eduardo Henrique; SOUZA, Tadeu Paula. Redução de


danos e saúde pública: construções alternativas à política global
de "guerra às drogas". Psicol. Soc. [online]. 2011, vol.23, n.1,
pp.154-162.

Portaria nº 3.088(25, dezembro, 2011). Institui a Rede de Atenção


Psicossocial para pessoas com sofrimentos ou transtorno mental e
com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras
drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde. Ministério da
Saúde. Diário Oficial da União, 52(251), 381, Brasília-DF.

SOUZA, T. P. Redução de danos no Brasil: A clínica e a política em


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da Subjetividade, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2007.

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