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A ARTE DO SANTUARIO DE ‘CONGONHAS A Igreja, @ Adro, Os Passos [até hé pouco, era Congonhas do CAMPS conhe- sida Domo meta. das romatias inspitagee pela devo- fio do Senhor Bom Jesus de ‘Matozinhos ¢ também ge no. advo de seu Santuétio est60, doze profe- fas. esculp fe scu, em verdade, para manté-1a visita de vial .adso oe Beara, pelo Aleijadinio, E tanto jlevo entre 85 jmagies retigiosss Sages de seu patrimonio de arc, = ee emais desifudindo os que & Buse fas que atraem Pe vie ter inpulso picdoro ou por sete Ge cconhecet, 285 BN ONGC Beas SORNUCO, HO que Tee ppeita aos seus tesouros artisticos, uma surpresa que 36 agora se revels. Sabiam os estudiosos que ali, na igreja que Fer liciano Mendes prometera levantar, trabalhara um pu- thado de excelentes artistes mineiros, cuje_atividade, iniciada pelas elturas de 1770, certamente ainda pros- seguia, 20 menos no que respeita a tarefas comple- ‘mentaes © obras menores, quando jé tocava seu fim ra década do século seguinte. Aos poucos, em Pacientes pesquisas que, muitas vezes, exigiam revi- sGes totais, @ documentagdo foi sendo reunida ¢ con sentindo a identificagio de alguns nomes. Eis como, deixando de lado um ou dois que nao resistiram a cri- tica mais severa, 05 de Jodo Nepomuceno Correia ¢ Castro, JerGnimo Félix, Bernardo Pires da Silva, Joio de Carvalhais ¢ Francisco Vieira Servas vieram jun- tar-se ao'de Francisco de Lima, que em 1773 dava por concluida a capela-mor de Congonhas que, com a na- ve, constituia 0 principal do edificio, e ao do ourives Felizardo Mendes, de cujas mos sairam as alfaias prin- cipais. Esse rol, para os que freqilentam a arte de as, represents, sem qualquer exagero, verdadeira , Uh grupo compasto por alguns dos melhores do ipo naquela regido. Acrescentemos ainda que nas obras complementares do adro e dos “passox” traba- Iharam os dois i ténio Francisco Lisboa e Manuel da Costa © principal discipulo deste, Francisco € teremos fixado 0 valor do patri- moni 0 de Congonhas do Campo. E isso, sem exami © que se pode encontrar fora do’ con- junto do Santuério, ‘A mesma fama que tornou Congonhas conhecida ¢ visitada foi, néo obstante, a indireta causadora da temporétia ocultagio de boa parte dos haveres de arte do seu. Santuério. As romarias, como hoje, sempre congregaram regulates multidées que, pelo’ simples aglomerado, impunham & igreja um desgaste incomum © ume constante necessidade de manter-se limpa ¢ em ‘ordem. Como o desejo de preservar a dignidade ma- terial da capela nem sempre atendeu a segura orien. tayo que o caso exigia, logo resultow numa operacio Totineira que, em verdade, negligenciou o aspecto ar~ GESVLO, MUM CPO eee dee ey cadundon. elo nosso patriménio colonial, redundou, yuma série de desfiguramentos ¢ ocultagde retomado 0 gosto ¢ 0 estudo daquela neceu constante, pareciam constituir uma nota verdadeiramente alta no conjunto do Santuério, Néo surpreende, pois, que a recuperagio, a0 con- trério' do que a légica poderia indivar, comecou no campo dosamentério ¢ s6 muito recentemente concre- ‘material. Muitas vezes decorreu de aralelos, e, até, de pequenos incidentes de Hanneh Levy, trabothando no érduo mas jar, aumentava ainda mais a curiosidade por esse con- onto de pesas,. Também a letura confrontada dos dois manusctitos da biografia do Aleijadinho, escrite por Rodrigo Ferreira Bretas, postos ainda sob 0 contraste da documentacio fragmentiria jé colecionada, reve- ou pontos interessantes, sobretudo na parte transerite do perdido relatorio que, em obedigncia & Ordem- “Regia de 20 de julho de 1782, redigiv o Capitio seguro juito — do vereador, os contemy vier fm “Jeréalmo Félix e Felipe Vieira, émolot de No- Tonha ¢ Xavier", logo se cuidou de melhor abseryar © imeiro talhara em Congonhas. E quando se ‘Hentticou © “Serval” do erro de transcrigio de Bretas com o Servas de outros documentos, também néo se péde esquecer que ha, no Santuério, trabalho seu. Assim, da fecunda relago do Capitio Joaquim José da Silva sobre a arte de Minas, conflvem linhas im- ativas para Congonhas do Campo. Prva yao obstante, tais ¢ outras refertncias — entre as quais as nascidas everca da atribuigio das doura- 287 forma gu jento de posterior © aposto a plant de meador do séeulo, pelo press sobre a esperada e, apesar de tudo, exis- juntara-se o emboco de sucessivas mics | ¢, pior ainda, de pintura que nio se se de fi is substitutes. 0. espl iano Mendes continuavs sua equipe especializada, propés-se a trazer segunda vez, a feigéo original do Santuério. no mesme tempo estabelecendo coniligdes capazes de sobrestac, no: muitos pontos em que se fazia iminente, a ruiga iota 288 dizer, para que se avalie sua extensio real, que ntigo madeiramento do teto da nave, pratica jesaparecido sob a ago do fungo e do cupim, ituldo por inteiro, 56 se conservando, na limpi- itiva a que restituiu a cuidadosa remoyo dos eda pocira, a delgada pelicula da pintura. a talha foi ‘inteiramente I scoragdo de pesas ancilares, como as ‘ou principais, como 9 altar decorado kes, teencontrando-se sempre, dehaixo st 0 de zelo, uma receram a necesséria reposicéo — aqui, s6 0 tempo tra- balhara — & inspecdo dos especialistas surgiram como de um s6 € mesmo autor, embora admitindo variagies no tepetir modelos. De tudo, porém, que em Congo has se recuperou, deixando de parte @ restauragao dos “passos” de que mais adiante se falaré, importa ressal- tar o restabelecimento da harmonia conjunta, da ento- nao das partes constitutivas que, embora nascidas de variado, porém congruente. Hoje, quem entrar no Santuétio do Seahor Bom Jesus de Matozinhos ndo mais sofreré aquele contras- te entre a decotacao da fachada e um interior pouco ex- pressive que agéo mora no conseguia animar, ago, depararé, como I fora, com igidamente proposta na formula- gue algar-se a inesperada tiada, nao pedece do artifi- i por ser adicionada ao ambiente construtivo, deixa de integrar-se nele. Se, porventura, o visitante tiver pendor pela obser- vagdo mais minuciosa ¢ 0 gosto da contemplagio mais, detida, poderd examinar, uma a uma, as contribuigies dos artistas de Minas setecentista & capela de Congo- thas. A pintura de Jofo Nepomuceno Correia ¢ Cas- 289 tro esta no forro da nave € nos quadros que se distri- buem por toda a igreja, A talha de Antunes de Car- valho encontra-se no altar-mor, que voltou a seu lugar. ‘Os altares colaterais mostrarao quera era, no oficio da talha, Jeronimo Félix Teixeira. Bernardo Pires deixou tua pintura no teto da capela-mor ¢ no altar de Séo Francisco, enquanto 0 altat de Santo Antonio foi tre balhado pelo pintor Jozo de Carvalhais, Os grandes ‘anjos do altar-mor sio obra de Francisco: Vieira Servas, que 36 conhecia superior no Aleijadinho. (© Ataide, no ano de 1819, andou retocar pintu- ras da capelamot, mas no é por esse titulo que se prende, substancialmentc, ao Santuario de Congonhas, ‘como Togo veremos. Reposta em sua plena dignidade artistica, a igreja, que Feliciano Mendes prometera ao Senhor Bom Jesus de Matozinhos, continua tendo sua mais alta nota de farte no exterior. Naquele mesmo conjunto de profe- 4 fas que, durante tantos ancs, atraiv, por assim dizer sozinho, viajantes a Congonhas de Campo. B, hoje, também, nos “pasos”. Séo os profetas a maior obra escultérica, em pe~ ara, do Aleijadiaho, mesmo considerando-se 0 caso da 1a S8o Francisco de Assis de Ouro Preto, o mest iu nesse conjumto que, nao obstante, € Yodo seu ¢, pois, ndo saberia tolerar desmembramen- tos enaliticos, A rigor, em Congonhas também se co- Toca uma relagdo entre o conjunto esculpido ¢ 0 con- junto arquiteténico, mas 0 fato € que no adro, mesmo com 0 pano-de-fundo da fachada, acabou pot consti- fuirse um ambiente auténomo, um espago autérquico que nasce das estétuas e para elas vive. Sempre st suporia, a fech quadro (pois nao é massa) da porém esse confinamento poste- ida. a imprescindivel consondncia poderia ser desempeahado pelo fron- ‘ou por um outro de nivel artistico € formal equivalentes. Aquém desse anteparo é se define © se impOe o espaco escultérico cria- do pelas doze estétuas compreendidas como um 86 tedo oeso que, alids, integra e domina o agenciamento do 290 muros de akTHTo © en daw a afirmas cabal dos direitos da escultura ¢ aren a mee afirmagio de ‘AntGnio. Francisco Lisboa como escuttor. Assim como a arquitetura po {iebon corir, pela progressio da obre realzad © DS pela realizacéo progressive ido mestre, a constants as Pefasio que se piasmaré afinal 98, COPst ancisca i ba ume ei Rica, também aa sua obra esculpica, ae igo e, sobrerado, uma tentlo que nos Wat, Nee craic te, 20 2070 de Congonhas. Se Sau) wo Co 30 Ja andlice dessas etapar sucessivas ¢ cons” 291 pera, logo se torna impossivel escapar 4 dominante grupal, pois cada figura e cada porgao de figura subme~ fesse, docilmente, & exigéncia dos escorgos — tio bem conhecidos tecnicamente por quem talhara figuras de topo de altar e de barretes de capela-mor —, que aqui organizardo, no angulo de visio obrigatério para quan- tos transitem pelas cscadas, desdobramentos de pers fs olhos passain a dar-se conta da conjuncdo, por as Gizer espontinea, das figuras em grupos parciais trés © quatro estavoas, cujas massas ¢ cujas linbas tea- pam sempre se pondo em coacordancia, seja qual for 292 Lee eS narca Ga ‘imensional traz a marce da genia- ‘que, & principio, estranham fo ‘maiores os profetas, ou melhor, que no comet: que supaseram pela ‘pela sa- todas 38 ox} pilcatd-o inexplicével, o viajante procure wm Posts Pea a mao no pasceio pelo aire, Um poein com Corton Deummond de Andrade, capaz ce revelar todo tum mistério em duas frases assion: sie re o vale profundo, onde fll o rio Marana, sobre no Campos de congorha, sobre & fta do estrada se erro, ma paz das minas exauridas, conversom enire si os profetas. Te ande os pbs 0 mao genial de Antonio Francis co, eo gerfeita comunhao com o adro, o santuér’, A ramente os “passos”, antes de iniciar-se 0 grupo dos Profetas, sobretudo quando, nas condigbes lostis, « pe- dra-tablo era imodiatamente acessivel. A propria 16 realizagio imperativamente supée, mais apuraria na madeira sua seguranga visual e conceptiva, antes de atirar-se as figuras de pedra, ou um fator incidental qualquer, desses que se perderio definitivamente para a histéria, teria determinado essa opco pelas capeli- has do jardim? © certo & que, preparando-se para caculpir aquela Biblia de pedra-sabao Banhada no owro das Minas. Antonio Francisco Lisboa comegou por um Novo Tes- tamento talhado em madeira, onde a vibragto mistica da paisfo de Deus feito Homem prepara 0 acesso, mais Sutil, & transceadéncia dos profetas judeus. Hi, pois, uma orginica e substancial igacdo entre ‘os “passoe” ©'o adro, tanto na sua adequacio material ‘no conjunto arquiteténico quanto no contetido signifi tice, pois esta, até certo ponto intimidada pelo que po- dia ver © tocar, amtiscou umas poucas hipéteses aco- 294 trabalhos. ; Parece mesmo inconcebivel que 0 simples acrescen- tamento de repinturas, ditadas pelo mais desorientado 295 tas outras belezas insuspeitad do, removidos colas aguadeira do nho das Lajes — ou € 180 elevado 0 nivel como no 296 Lor _ ame novamente. devem: Jor — que, novamente, devem¢ direta do mestre, Mas importa sentir, sobretudo, que todas as pecas, as geniais ¢ as complementares, inte- gram-se numa mesma e excelente arte ¢, hoje, tornou- se possivel levar a afirmagdo mesmo 20 caso, até on- tem considerado a parte, das figuras caricaturais. Con- tinuam sendo caricaturais, que essa 6 sua fanglo, mas libertadas das espaventosas cores que as tornavam hor- rivelmente grotescas, revelam uma mesma compreens&o fundamental da anatomia expressiva como se pode ve- rifiear, no “‘passo” dos Acoites, em que pese & ousadia do confronto, comparando-se a cabega do Cristo com fa do soldado que the esté préximo. Tudo isso estava oculto, Nao s6 pela presenca fisica das capas de repinture, mas também pela sua in- terferéncia propriamente coloristica, como se pode ve- rificar tanto nos pormenotes, quanto nas grandes por- fica original que era de pretos pobremente foscos, para en- tregar-se ao fécil calor dos castanhos de variado tom. Também as cares, que progressivamente foram aca- do branco, ¢ esse tom constante, na pelinhas, entra em imediata vibra junto numa mesma e intensa vis por cima da tremenda exageragio das chagas © dos Fios de sangue, de que, em verdade, 0 primitive encar- nador se servira com via contengio ¢ uma preciso jincomuns, para aludir logo &s ‘correpGes” que os sucessi- ‘yos retocadores fizeram no tocante As cores das roupas. tom claro que, nascendo na fimbria interna ¢ inferior da ténica, envolve a figura inteira ao continusr-se na ceurva livre e ceprichosa da capa, baste dizer que, antes, uma compreenséo mais “‘veridiea” do colorido da rou- pagem rompia a composigdo das imagens, soltando-a fum grande “S”, Afinal, se agora o visitante logo sente que, Aum mesto grupo, capes, mantos, tinicas se con- 297 contre dinho. Vulto de mimero, como ¢ 61 vulto da importincia artistica, pois aqui o mestre pé- de desenvolver & vontade essas figuras que, embora presas A composiciio de quadros destinados 4 visio que munca, torna-se patent pérseguido ‘pelo criador da se_afoga na exaltacio expressiva, ssim, no “passo” da Cela, onde para restauradores da Diretoria do Patriménio pareceu mais segura a reposicéo do arranjo das figuras em grupo, ogo se acusa o equilibrio entre o mental © © emocio- nal. A disposigéo sfbia, que, no caminho aberto pot uma tradicdo que remonta Renascenca, aconselhava ligar as figuras por linhas sinuosas que, em concreto, se es na gesticulagdo, & aqui reelaborada com io dominio, a ponto de, ultrapassendo sua ‘2 que também obedecem. Essa riqueza de comp ‘onde toda a indetenivel movimentacéo do bbarroco se exprime, prepara um clima emocional inten- so em que se expande a plena dramaticidade do ins- 298 le comunhao que d4 inicio ao grande Mi) TS” E a figura de Cristo, nessa nica cena defrontan- colhos aos othas, o espectador, alga-se a um misti- mo transcendente, E talvez caibat aqui voltarmos a acentuar a im- portincia da pintura aplicada as esculturas dos “pas- os", pois, entrando em consonincia com as da Ceia @ paleta de Costa Ataide escapa ao esquema cromético domina as demais cenas ¢ adota tons claros ‘quando, em sev primciro acorde, comeca # fnarrativa de Congonhas. Esse adequagio dos recur- sos pictéricos as intengdes plésticas marcedas pela. es cultura é, em escala coletiva e com @ mesma significa- ‘sdo do espitito de grape que une o atelier do Aleiiadi- miho, 0 pleno dominio do engenho ¢ arte no dobrar as ambigdes pessoais em favor do objetivo comum ¢ su- perior. Flexivel atenta, a visio de Ataide como, alids, @ de Xavier Camneizo, que dificilmente ambas se distinguirdo, atendem fiéis’ & concepeio de Antonio Francisco, quando aspira a uma inflexdo particular, como fidelissima & sempre, em toda a obra, nunca tentando dizer o que jé disse a forma talhada, nunca se ealando quando solicitada a exprimir-se sozinha. Dat a coesio perfeita desse conjunto invulgar pelo por- te, pelo mimero e pela arte. acomularam ruério de Congonhas, um dia pro- metido por Feliciano Mendes a0 Senhor Bom Jesus de Matozinhos. A rigot, deveré esse conjunto constituir a etapa inicial para o viajante que, comegando ao pé do jardim, pelo “‘passo” da Ceia ¢ seu viziaho, em que se figura 0 Horto, deverd grimpar, depois de recolher- “Ihes a atmosfera de comunicagdo mistica, de capela em capela, detendo-se diante de cada um dos quadros da Paixo, até alcangar a esplanada em que, do Novo Testamento de talha, passaré 2 pedra-sabéo de um Ve- 299 tho Testamento resumido no impeto divinatério dos Drofetas. Eis a Bila que deve saber inteira, antes de entrar na igreja onde a arte de covrar a grea on fos homens continua a hor No breve Peers. teré conhecido o que de me-~ possuiy, na Aurea segunda metade do sé a Arte de Minas. = de seule XVI, RECONQUISTA DE CONGONHAS O Adro e os Passos No ano de 1790, © Capitio Joaquim José de Sil- vva, segundo vereador do senado da Camara de Mariana, dava cumprimento 4 otdem régia que mandava “sefaze~ rem effectivamente todos os ahnos humas memérias annuais dos novos Estabelecimentos, factos ¢ casos no- taveis e dignos de histéria, que tiverem succedido des- de a fundagio dessa capitania ¢ forem succedendo”, Per. deu-se o documento, para infelicidade de nossa histéria da arte, pois era muito culto 0 vereador e sabia, real- mente, exercer a critica. Restou-nos apenas junha de espléndida quantidade de obras-primas eriadas por um grupo verdadciramente excepcional de mestres construtores e decoradores, de memé: ‘ou em plena ago, Néo obstante, com admiravel dese cortino, € a0 Aleijadinho que o vereador-critico recor- re, como a pedra de toque, para medit pelo contronto outros valores, tanto, por exemplo, 5 so que the causava 0 neocldssico da nova cadela de. ‘Vila Rica, quanto registrando a superacdo dos velhos padrées trazida pela invenc3o de Anténio' Francisco, “superior a tudo e singular nas esculturas de pecra em. todo 0 vulto ou meio-televado € no debuxo © omatos inregulares do melhor gosto francés”, cculturas de pedra, cumpre lembrar que @ referéncia deve , tHo-sé, a figu- ras de fun¢o ornamental, apostas a frontarias, lavabos , em menor porte, @ chafarizes, De qualquer forma, ‘no criara ainda o Aleijadinko 0 conjunto dos doze profetas do adro da igreja do Senhor Bom Jesus de Matozinhos, em Congonhas do Campo. Dada de 1796 © primeiro documento relativo & sua atividade naquele povoado, mas por segura dedusio podemos acteditar que $6 comegados os profetas pelas alturas de 4799 ou 1800, quando portanto AntSnio Francisco fa ne casa dos setenta anos. Completara a obra-prima, a igreja de Sio Fran- singular, na histéria da tomumento de’ grandes proporgées em que, Gao da pintura, toda arte sai das maos de um dor, porém igualmente singular, na histéria do barro- jovadora trouxe 208 pois, encerrada to longe e tio alta cart zendo prever que nova obra-prima monumental pudesse vir a ser criada pelo Aleijadinho, Foi, contudo, 0 que se viu surgir com os profetas do adro de Congonhas. thadlas em pedra-sabio para animar, cada uma relacio- 303 ‘espago imenso G8 aMpld duma elevagio que, deitando sobre vales, outros visuais no conhece além das montanhas que fragam a linha do horizonte, as doze estétuas passeram ‘a constituir, tradicionalmente; a obra mais representa- tiva do grande mestre que, em nossa arte, ocupa o pos- to maximo, sempre confirmado pelas novas pesquisas ¢ interpretagies, Entretanto, nos trés ou quatro anos aque antecederam & fatura dos profetas, na mesma igre- ja de Congonhas realizara Anténio Francisco Lisboa outta obra de conjunto: sessenta e seis pegas esculpi ra que representam, em seis’ capelint jardim fronteiro a0 adro, as cenas da Paixdo de Cristo, Assim, tendo-se em conta que, vol- tando para Vila Rica, onde viria a morrer, s6 executa- wa trabaos de tala na ireja do Carmo, 2 ‘kina ss: tizagio de grande porte do Aleijadinho, que ¢ tant obra-prima.insofismavel, embora inesperada em tao avangados anos, foi a deixada na igreja do Senor Bom Jesus de Matozinhos, em Congonhas do Campo. Sucede, porém, que aos visitantes, amadores ou eroditos, parecia impossivel colocar senio em pé de jigualdade, 20 menos em direta conexéo de qualidade, as pecas em madeira dos Passos ¢.as pegas em pedra do adro. Apesar de todas as indicagées dos documen- tos ¢ da tradigio, impunha-se a indisfargdvel impres- sio de um verdadeiro desnivel entre os dois conjun- jesmo os menos dispostos a admiti-lo acaba- certas hipoteses acerca duma possivel fungio secun- daria e apenas espetacular das figuras da Puixio, ov coutras de semelhante ordem. Assim, quando se soube, em principios de 1957, que a Diretoria do Patriménio Hist6rico e Artistico Nacional decidira operar ampla restauragio da igreja de Congonhas ¢ em seus pla- nos inclufa a recuperacio das pecas dos Passos, a no- ticia instigou excepcional curiosidade em quantos se interessam pela histOria da arte brasileira, Era pre- iso ver o que revelariam tais trabalhos. Respondendo pele secco de arte do Suplemento Literério de O Estado de S. Paulo, encontramos ea seu direto, Jilio de Mesquita Filho, toda a compreen- sfo que ea de supor mum constante admirador de nosso barroco, déle recebendo o apoio necessério mio 305 ) para @ viagem de reconhecumento, mas fambcid ara fazer-nos acompanhar de Eduardo Aytosa, cujas , tho poderosamente as it ja pelos restauradores. Tudo foi depois publica- do, no Suplemento de O Estado, inclusive as fotogra- fias de Eduardo Ayrosa. Demos por encerrada a missio, que outtas pre- tensbes nfo alimentava, Restou-nos, porém, a sus- peita de as fotografias merecerem posterior aprovei- em maior nimero e cm apre- ura do que a oferecida tomado corpo sem a espont Renato Santos Pereira, que desejou fazer publicar Instituto Nacional do Livro 0 que, com Eduardo ‘Ayrosa, conhéramos em Minas, Assim nasce esto vo- empregaram 03 possiveis recursos entagao material exigida pelas pur » que entre nés ainda estZ0 nos inalidade, a beleza das velhas pecas do i 0 NO mesma momento em que renasciam, com toda a forca e pureza originais, das mios dos restauradores da Diretoria do Patriménio. .O texto so primitiva com umas inevit corregdes € supressées, passa a funcdo de mero ele- possivelmente obras recupe- radas e da importancia da restauragio. Porque, em verdade, cronista € jam deixar bem claro que, se jamais valor o seu relato € as suas gravuras, a fugaz mas sempre estimul ica e agora preservados em (to que inicialmente ‘sua atencio e desper- a auténtica e admirdvel recon- quista de Congonhas. nguista de Congonhas sm para Ouro Preto deve pois fazer o sacrifi ‘és indo de suttomével a Congonhas 16 km de Ouro Preto. # ‘onde h4 muito que 1ress0a longinquo ¢o sitantes a Congonhas, cujo Santuério do Senhor Bom Jesus de Matozinhos, construido com as esmolas que nas rades estradas de Minas colheu a dao do portumiés Feliciano Mendes, do século XVIII, hoje atrai compacta multidao de pe- regrinos na primeira quinzena de setembro de cada ano, © que o poeta temia, pelas alturas de 1938, e* (© que se podia temer até hé pouco tempo, € ai canseiras de viagem a Ouro Preto inibissem 0 ¥ embora sinceramente interessado em arte, de"lat case A nova aventura, pela extensa alga do caminho de Cachoeira-Itabitito-Sa0 Julio ou pela mais curta porém desafiadora estrada imperial que passa por Ouro Branco, a fim de chegar # Congonhas, No entanto, ir a Congonhas Hoje, as coisas mudaram bastante. © asfaito, que liga Belo Horizonte ao Rio, cobre um tergo da va estrada para Ouro Preto, que é toda bem tragada e bem conservada, Esse mesmo asfalto, deixando & direita 0 caminho de Vila Rica, tangencia Congonhas, 4 uma hora de viagem, mais ou menos, para quem deixou Belo Horizonte de automével, E continua a 309 impedir que a peregrinagio artistica, tio menos inten- sa e to menos fervorosa que ¢ romaria dos devotos, viesse arcessar de todo. Hoje, porém, quando € tio cémodo, desde que se vé a Belo Horizonte, chegar a Congonhas, impée- se lembrar que a cidade apresenta ao viajante muito mais ainda do que 0 conjunto inigualavel que passa por ser 0 coroamento da vida e da obra de Anténio Fran- ‘isco Lisboa, J4 no diremos da Mattiz, onde hd o lente talha dos aliafes, a pintura do forro ¢ também aquela, abundante ¢ tice,” que foi aposta em quadros as paredes da nave e da capela-mor, pois tudo € obra dos melhores do grupo artistico mineito da segunda metade do seu século XVII. E, também, os Passos da Paixdo, em suas capelinhas que sobem teimosas, por onde jé houve um jardim na encosta aspera, 20 adro famoso. Todo esse conjunto foi submetido, no inicio de 1957, as mos laboriosas e habeis de um grupo de restauradores da Diretoria do Patri Artistico Nacional, sob 2 chefia de Edison Motta, A modéstia quase mondstica desse grupo de sua atribui- do é cumprir as tarefas de restauragio © nfo cuidar de publicidade, Como agueles a quem incumbe di- vulgar tais fatos vém tristemente fathando em sua fun- 40, ninguém, por exemplo, salvo os viajantes que, pas- sando por Sabaré, tiveram a oportunidade de revisitar a igrejinha de Nossa Senhora do © — supondo-se ainda que a conhecessem de antes — se capacitou do que sio capazes esses restay do Patrimé- nio. A mesma turma de peritos dirigiv-se, depois de 3 la a salvagao Caquela cess eee po. da estavam em andamento os trabalhos no ia igreja do Bom Jesus quando 16 chegemos, 0 {que nos stgere uma indicagdo inicial acerca da natu- reza e alcance intrinsecos dos servigos de restauragio. Comecemos, pois dizer que as igrejas de nosso acetvo colonial, sobre sofrerem o deperecimento im- posto pelo desgaste material ¢, muito comumente, pela pobreza de recursos locais, como acontece com a ge~ neralidade dos momumentos religiosos ¢ civis, oficiais & privados que ficaram 3 margem do desenvolvimento citadino mais receate, ainda padecem, freqilentemente, dos males resultantes de uma atividade de “cou- eervagio” on, mesmo, de ‘“melhoria”, que plarmente aquilo de que cuida prot fmesmo, @ primeira e maior tarcia do orientado esté em red a coisas por sob as acrescet ; € muito dificil, na pritica, relati arquitetu- ra, por exemplo, e 0 que & quase sempre necessério no campo da pintura. Sabe-se que o séeulo XIX ve obstinow em repintar periodicamente o interior das igrejas, cobrindo, com pigments ¢ éleo, a talha dos vezes atingindo até elementos de pedra, Tal 0 caso samente simulados, imitar... pedra. © que € cho cante, porém nada novo, pois de coisas assim jé se lastimava, no Portugal de seu tempo, Ramslho Ori- Bio. Digamos, pois, que, onde havia teposicio a fazer, 08 restauradores do Patriméaio a fizeram. Assim, no caso da guarnigao das portas travessas da capela-mor, que voltaram a ser 0 que eram: tarjas nobres da pe- dra sutil das Gerais, 0 que constitui, alias, uma das ‘mais apuradas contribuigdes da arquitetura local & plés- tica final, np sO dos exteriotes, mas também dos in- 313 res. A que parece, 0 MICSITC oe ee cone fava em Minas, longe de surpreender-se ow con- com as ocorréncias da regiio, rapidamente apoderou numa segura utilizagio técnica de alidades peculiares ¢, em s também esteticamente, itacolurm pero e forte, e a pedra-sabio, oleosa ¢ doce, fam ent, nos tons complementares que a thes deu, as notas de cor, discretas mas bem ‘com que haveriam de pautar-se ¢ animar-s ‘amplos ¢ lisos da construg4o que, por en- tendiam na brancura da cal. Reencontrar essa feigio essencial dos conjuntos arquitetGnicos constitui uma das mais belas tarefas dos restauradores, que. na parte externa das construgdes. nao encontrando maiores obi- ees, no interior di ias devem cuidar de. derribar igiam as portas da capela-mor, mas ousadamente se der~ Famavam também pelo arco-cruzciro em toda a sua cutvatura majestosa, & qual o engenho singular das fgetagdes mais recentes ndo trepidon em actescenter mesmo umas frisazinhas geométricas, dessas que j4 se vendem, vazadas em papeldo forte, nas casas ce tintas. ‘A mesma tarefa, com maior delicadeza ainda, tornou-se necesséria em elementos originalmente tra- ‘balhados em madeira, © caso caracteristico, na igre- ja de Congonhas, foi o das colunas de sustentagio de ‘coro que, erguendo-se @ partir de uma porclo infe- Hor trabalhada em motivos ornamentais de talha, fa- ziam supor certa riqueza no tratamento geral. Esta vam, contudo, pintadas uniformemente de branco, com filetes de purpurina. A operacdo de limpeza revelou, gue suas almofadas haviam merecido, na pin- fore original, um tratamento em vermelho “faiscado” que aligeira e justifica a forma elaborada da base do segundo lance da pega. Sob a purporina, surgiu ouro. Alids, essa recobertura do ouro, verdadeito ¢ splicado fem tothes, pela purpurina de imitagéo, constitui uma 3 s que se abateram sobre as igrejas mi- neiras no tltimo século ¢ que parece desmentir a be- ‘que justifica a recobertura de dourados auténticos por tinta a 6leo de varia coloracdo come resul- tante de um improvével recrudescimento do espitito as- BIS Lada Ane wake ey, EnaIS CRI gIAS ida dos relevos emoldurantes. Curio- fas pinturas se conservasse o tema das numa obscura intui¢éo de que ali se faziam ne- fessirias, porém mais curioso ainda é que no ornato € rocessasse uma progressive retragio espacial que acabou pedindo o triste Concurso. dow filers ae composico de uma segunda moldura iluséria, quando ia havia a espléndida molduta verdadeira, Esse abas- tardamento por timidez pode desfigurar totalmente o Conjunto éptico duma pega, como esse altar que, a0 in vés de continuar mostrando seu frontal como um reo tangulo forte, uno e bem marcado pela faixa lavrada do ‘emolduramento, amesquinhou-se, exalamente na Poreéo que dé sustentagio visual ao todo, encolhendo- se nas sucessivas redus retingulo primitive que, pois, praticamente se So casos assim que atestam, no s6 a proficién- cia dos trabalhos. dos’ teoniccs do Pataménioy tants vezes mal compreendidos, como também ¢, sobretudo, da piri asses artistas, verdadeira elite do grupo de mestres mineiros da segunda metade do século XVIUI, traba- Congonhas, que conto ainda com a arte do Ataide e de Francisco Xavier Car- do era apenas o choque deslumbrante do adro com seus profetas que inibia, no interior do Saa- tuario, a percepcio dos valores artisticos que deveriem desde’ Jogo patentear-se. O que dificullava a visio exata da decoragéo interna era, em primeiro lugar, 0 deperecimento material de certas pegas — haja vista a pelicula grossa ¢ ictérica de vernizes somada 0s es- tragos da fumaca, aos gros de poeira ¢ & incessante agresso dos morcegos, que até hé pouco literalmes- te impedia uma inspecdo razofvel das pinturas de Joio Nepomuceno Correia’ e Castro — e, principalmente, © Gesfiguramento do conjunto decorative. Ora, 0 ar tista colonial sempre trabalhou tendo em vista 0 todo a compor-se, ¢, mesmo em casos que se diriam pré- ximos do individvalismo criador, como jé se pretendeu insinuar a respeito da Sto Francisco de Ouro Preto, de- mostram que, ainda onde abundam obras-primas, ne- thuma delas deve supot-se mais importante do que 0 todo, E no caso de obra coletiva — € bem o caso de Congouhas — os elementos de ligagéo, que ho- mogenefzam a obra e ressaltam as qualidades expecifi- cas dos seus componentes, represeatam algo essencial. Que, contudo, escapou aos executores das passadas “limpezas”, enquanto prosseguiam na ingrata faina de embotar as linhas da talha com tinta grossa © reco brit ouro com purpurina, Os exemplos que aqui ficam, & guisa de introdu- do, serviréo para sublinhar o trabalho obstinado ¢ competente da turma de técnicos do Patriménio em Congonhas do Campo. Gracas & sua atividade, o visi- tante interessado em arte voltou a ver a igreja de Fe- liciano Mendes. Nao exatamente como foi ld pelas liltimas décadas do setecentos, pois hé porcies que 0 tempo desgastou ircecuperavelmente ¢ fé: também su- perficies que nio deixaram de esmaecer-se um pouico com 0 recobrit-se © descobrir-se de tintas estranhas, Mas essas pélidas manchas, que valem como notas de ay fem manter ativas © em sua precipua fprejas, s6 podem querer que elas sej fo. Também sc desfazem, abil, tao sabia e to honesta, suscitados pela apargncia atual Até hd pouco, a de Congonhas ni la oferecer, em seu mais do que algu jor, mais do que al seus atributos arti decantados dragé: iam padas, o arremate dos ptlpitos, e coisas assim. Depois, @ documentagio comecou a revelar os nomes de bons decoradores’ que ali trablharam. Hannah Levy, com seus confrontos de modelos, chamou a. atencio para a pintura de Nepomuceno. A correslo de um lapso de leitura pés em foco Francisco Vieira Servas, que tanto tempo foi chamado de Cerval. texto de Bretas, recompulsado, foi patenteando a se- guranga critic do fragmento do “segundo vereador” 318 bida pelos seus construtores e decoradores. E como a marcou, de leve, a mo do tempo, tdo diferente da garra da ignorancia. Cabe, agora, com mais calma minudéncia, rela- tar, de ponta a ponta, uma tinica das operacd restauragdo realizada no, Santuério do Bom ‘Matozinhos, em Coagonhas, para que, afinal, nfo pas- seo grupo de técnicos por uma companhia de migi- 0s 8 operar pequenos milagres gratuitos. Mi See, 8pm ea res 0s. Milagres, le em, € poucas vezes pequenos. Nunca, po- rém, gratuitos. Por isso, vale descrever i zadamente suas préticas Pormenee __ Tomemos 0 caso do forro da nave. Pintou-o, um dia, af por 1769 ou 70, Jodo Nepomuceno Corcia ¢ 0, € i £6 que, por tagdo comum, em pois se assimilara & arte mincira. A altura do teto e, também, o respeito por uma obra fina ¢ bem executads terio, provavelmente, poupado essa pintura — como a dos quadros da nave ¢ da capela-mor — das sucessivas “conservagdes”. Posta 14 ao alto, onde nada parecia alteré-la, se- ‘nfo uma leve pulverizagio dos pigmentos que, em gré- mulos muito finos, se desprendiam em desprezivel quantidade, estava, ‘no entanto, praticamente condena- da. Impoe-se aqui esclarecer que no Brasil o cupim, ajudado pelo fungo, representa o grande inimigo das obras em madeira © que pecas, deixadas sem tratamen- to especifico por mais de um século (¢ ainda’ mais, em certos casos do Notte ¢ do Nordeste), podem, set to- talmente destruidas pela aro lenta mas pertinaz do térmita Tal 0 caso do forro da neve de Congonhas. ‘Acontece, porém, que o cupim, évido de madeira, de- testa-as tintas de pintura © no ataca 0 ouro em fo- im se“explica © aparente bom estado de pecas inteiras que, exteriormente, parecem intatas mas que, como lenho, ja deixaram de existir. Ayrton de Car- 320 ménicas da S. Beato de Olinda que, de fato, se rest: mmiam ao douramento. Em Congonhas, algo de seme- Thante aconteceu, Praticamente, o forro se reduzira a pelicula da pintura. Visto c& de baixo, como o vé o visitante, pa- recia um belo forro milagrosamente preservado pelo tempo, Mesmo quando s igreja se encheu dos im- provisados andaimes da turma de restauragio ¢ se destacaram as primeiras tébuas do teto, 0 aspecto do fator aparelho sustentador, que @ preocupacdo de so- Tidez. do arquteto colonial distibuiu sob 0 selhado, para , © cupim ¢ a ack fungo trabalham sempre a partir da superti exposta da madeira, que no caso era a f destruir toda a pega sem, contudo, aite- Tar decisivamente sua forma externa, até que elt ve the, literalmente, a desfazer-se, reduzida a pd. As vésperas désse aniquilamento sibito estava 0 forto pintado do Santuério de Congonhas. Inspecdes ‘meticulosas deixaram patente que, no estado as grandes tdbuas ndo poderiam ser tiradas de 0- Fes, como se impunha fazer, pois se esfarelariam total- ‘mente com tal abalo, Aos restauradores foi exigido todo engenho pericia. ous salvar uma pintura cujo suporte. de madeira am tivera sua resisténcia reduzida a zero, novo pelos andaimes, agora levando granc tecido alvo ¢ leve, 0 que Ihes dava ares os em gigantesca cirurgia. Tniciaram, dos Passos na antiga ¢ na ra a parede de , hoje veio parar a frente e para a direita do mparacdo das duas fotografias ja dos restauradores e sob as repin- chegam_ mes oro cede com. a PAN de © dos bigodes. pelo Pesso da i dada as_miios , gesticulam, O ter interesse ro do seu sabi um foco ‘smo. ricas de que ead em sentidos opostos preservavam a obra de Joo Nepo- muceno de qualquer repuxamento, fratura ou alteracdo dimensional, mas sempre permanecia o perigo maior que era o de fragmentar-se a tébua ao ser despregada. Nova operagao, ainda de aspecto hospitalar, de- veria prevenir acidentes no ato de-deslocamento ¢ trans- te da peca destacada, Desceram, uma a uma, as tabuas do forro deitadas sobre uma grade de madeira que, na pritica, servia de padi cadissimos. Com isso, era possivel, uma vez arran- cados os pregos, movimentar as tibuas por sobre os andaimes c, depois, baixé-las ao cho em suave des- cida, para conseguir maior ‘na Testauracdo propriamente com 0 exame da madeira © da parte atacada pelos térmitas. Largos ¢ fundos sul- da madeira denunciavam a . mas, em verdade, essa_alteragao mesma assustadora,” no correspon- superficial, em dia a metade sequer da destruigao havida no cerne. A madeira, de fato, deixara de exi , © as Jaminas irregulares © esfarcladas, se ainda consentiam a apa- éncia de coisa s6lida, sempre se apresentavam com a espessura © a fragilidade de retalhos de papel que se impunba elimina. Feita a raspagem deses sobejos cava. sma, agora, estava em substituir 0 ele- mento destruido, Hi algo que a restauracZo abomina: as © senso comum diria colocar-se uma nova fa, em seu suporte origin le , portanto, acompanhara seus segundo as oscilagdes da temperatura, a ui dade, o jogo das pecas confinantes e suas proprias al- s intrinsecas. Com uma nova tébua, recome- esse processo de tensdes, porém, desta feita, a Pintura no poderia acompanhé-la tio docilmente, tor- nando-se provivel sua ruina definitiva. Dessas con- sideragées, resultou a solugo paciente e exata dos 336 wuradores, que nio substituiram, mas recompuse- bua arruinada mediante a aplicagao, sobre @ stos de madeira preservados pela ie de tiras novas de cedro, com jetros de largura e a mesma espes- So réguas curtas que se en fam long imente, recebendo, de espago em es- ‘um elemento transverso igualmente descontinuo. ‘como se percebe, néo poderé sofrer com das varias partes componentes, que se anularo reciprocamente, ou se perderio nos intersti- ‘Mas nao € s6 a madeira que preocupa ao restau- rador, pois deve resolver também o problema trazido pela jungao desses componentes mitdos num todo uno impoe-se evitar as colas comuns tiradas as lagens, ou mesmo as sintéticas, que, soldveis em 4gua, devem sempre ser evitadas onde possa aparecer fe que, naturalmente higroscépicas, isto de absorver a umidade atmosférica, se- érmitas e dos fungos, Empre- acusado, em pleno verao, maxima de 38° apenas. , duma experiéncia consolidada na capela do 0, de Sabi suportaréo para sempre a pintura, Com a vantagem suplementar de garantirem uma perfeita adeséo- da pe- ada em toda extensio, coisa que ndo se te- fa por certo como 0 emprego de novas tabuas inteiricas, pois com estas se possibilitaria o risco da formagao de bolhas entre 0 novo suporte e a pintura, provocan- do o posterior descolament Quem agora entrar na igrc’a de Congonhas, verd, simplesmente, um belo texto pintado, cujas cores fo ram, alids, realgadas por uma operacéo final de lim- peza. Jamais saberé 0 que, por trés das figuragdes humanas ¢ arquiteténicas de Joio Nepomuceno de 337 Correia ¢ Castro, foi feito pela ciéncia e pela arte dos restauradores do Patriménio. Se perdoar 0 excessivo da descricao, aliés imprescindivel, por ela poderd 0 ‘como a recupera- ais dos a ctomé- jos suplementares do altar-mor ¢ das imagens dos Passos, ou, ainda, como a consolidagio das obras cons- nico, a mesma seguran- sensibilidade estética que de- otaram exuberantemente os restauradores da Direto- ria do Patriménio Histérico e Artistico Nacional. Sobre sua espléndida atividade, digamos ainda uma palavra para sublinhar que, além da preservacio do monumento, uma restauracao de tal porte contri- bui substancialmente para o seu exato conhecimento, no s6 pela reposicéo artistica, que jé comentamos, sendo também pela confirmagio, infirmagéo ou altera- 0 de dados docum Tal sucedeu, mais uma vez, em Congonhas. Ali, a leitura atenta de documen- tos antigos e a descoberta de novas indicagées jé ha- viam trazido substanciais achegas © corregdes a0 que se encontra, por exemplo, no Guia de Manuel Ban- deira, que, ao ser redigido, s6 contava com 0 apoio do Padre Jilio Engracia (1908). leriormente, se identificara a talha do -gante ¢ sibia, como de autoria de Antu- que Manuel Bandeira nao citava, Doutra parte, firmou-se ser Jerdnimo Félix Teixeira (ndo Ma- ‘noel Roiz Coelho, como indica 0 Guia) o entalhador dos colaterais, cuja douragdo e pintura couberam a Jodo de Carvalhais ¢ a Bernardo Pires da Silva (con- forme registra Manuel Bandeira). Jé sobre o que mais de pintura deixara Bernardo Pi Rodrigo M. F. de Andrade descobrira, no Livro de Despesas da igreja, pagamentos por andaimes erguidos na nave jé conch recebeu aquele dinheiro. do mesmo Nepomuceno os quadros que decoram as 338 paredes da nave e da capela-mor, mais se consolida- va a indicacao, fe € que, om seu famoso artigo " coloniais, Hannah Levy pensara de criador livre —, porém, com sua lo, registrava que escrevia o que Ihe sugeriam reprodugées fotogréficas © nao as_pinturas propriamente ditas. Ora, 0s trabalhos de restauracdo, pondo a nu a primitiva feigdio dos quacros ¢ dos for- ros, além de ofere na chefia da restauragao, uma direta inspegao da técnica ¢ mancira do pintor, veio concorrer para que se acolha 0 nome de Joao Nepomuceno Correia e Castro como 0 grande jor de Congonhas: seu é 0 forro da nave, seus sdo jos os quadros da mesma nave ¢ também os da ca- pela-mor (a cujo teto se resumiu a, atividade de Ber- nardo Pires), como talvez. sejam ‘suas outras obras ‘que se acham na sacristia. As duas mios entrevis- tas por Hannah Levy, livres de desfiguragées, nio pas- sam de uma s6 m4o'— a mesma mao que subiu aos andaimes pagos pela igreja para decorar 0 teto da na- ve. Afinal, os dois grandes anjos (eram quatro ori- ginalmente) que ladeiam o altar principal, obra do- jentadamente atribuida a Francisco Vieira Servas grossas e devol mar o pleno merecimento das referén- cias clogiosas “segundo vereador de Mariana” e primeiro critico da arte mineira, Nao se creia que t tidade de precisées de autoria ¢ iden- tem coisa mitida de historia- io, por seu intermédi yado em Congonhas o melhor do que nas artes tinha Minas nesse tempo e, ademais, to- mamos conscigncia de que € preciso, a partir de hoje, confrontar essas pecas superiores com outras de igual porte, a fim de melhor acompanhar @ evolugio artis- tica da regido. Isso, para nfo aludir a outros pontos, ‘menos gerais, porém nao menos importantes, como a possibilidade de estudar-se convenientemente a obra de Nepomuceno, agora tao bem e tao fartamente repre- sentada, Nao foi, enfim, apenas um monumento que se mos sabendo haver trabi 330 monumento a sua aparéncia original. P isso e, mais, toda uma nova perspec tiva aberta para os investigadores de nossa historia e de nossa arte, Just. que criaram o har Congonhas, 0s daqueles que 0 reconquistaram: Edison Motta, Jair Afonso Inécio, José Manoel dc Matos, Oldach de Freitas, Amado Rescala, Joaquim Pedro de Andrade. Sairemos agora da igreja do Bom Jesus para atra- vessar 0 seu aro. E passar pelos Profetas sem clos longamente, como impde sua beleza. seguimos 0 caminho dos restaurado- io, © aqui ndo encontraram cles o que fazer, sendo deplorar o lento mas seguro dano que a ignoréncia dos romeiros, em cada setembro e também lum pouco no decorrer do ano, vai produzindo, a ponta de canivete, com a inscrigdo de nomes ¢ datas nas estétuas de pedra-sabao. Dano irrepardvel ¢ que 36 se deteré com uma vigilincia bem feita, tal como jé se comeca a planejar e @ conseguir. Passemos, pois, pelos Profetas, Estamos ainda em Congonhas e, como sempre, faz-se tangivel a meméria de Oswald de Andrade, na” queles versos que se gravaram idealmente, aos pé dos Profetas, em distico necessério, Aqui, no peri ‘ousado, mais revolucionério da vida de Oswald, per- assou um sopro de grandeza tra entio ninguém pudesse adivinhi wunciava’ um pou- co da ansiada certeza por que tutou depois, em suas mais fundas diividas, da maturidade até a morte: que, embora tro de montanhas Os Profetas do Aleijadinho E 0s cocares verdes das palmeiras So degraus da arte fs Onde ninguém mai Biblia de pedra-sabao Banhada no ouro das Minas. 340 Vamos, contudo, aos Passos da Paixio. Porque, de esteatita, “Anténio Fran- jida, desta feita em madeira, outra estagdo evangélica, Nao, propriamente, outra Bi mas um Novo Testamento, cristo ¢ mais faci tangivel na pungente humanidade do drama que se pode esquecer, como a preparar a transcend das antevisdes judaicas do Velho Testamento, Antes de rasgar, por entre as pedras dilacerantes ¢ as lin- guas de fogo da condico terrena, um caminho para (© céu, & preciso rememorar 0 preco terrivel que 0 proprio Deus deveu pagar para indicé-lo aos homens. Era o que sabia, velho e doente, mas ainda disposto ‘na sua méscula linguagem plastica, Anténio isco Lisboa. Era, contudo, 0 que ignorévamos. Ao menos 1957, enquanto permaneceram as sessenta e seis nagens dos Passos por sob as capas grossas de pi periodicamente, thes foram adicionadas. tava, de téo deplordvel boa intengdo, era um es jas e encamadas, nas quais iso ter muito bons olhos para reconhecer, aqui vel do Aleijadinho, Houve mes- ‘mo uma atengao e um louvor especiais para a estitua do Cristo atado & coluna, porque era, entre tantas fi- guras, uma das raras, sendo a ‘nica, que se podia atri- buir Com toda a seguranga a mestre Anténio Francis co, embora nela se reconhecesse uma excessiva docu ra de linhas ¢ maciez de formas que pareciam afastar- -se, um pouco, do restante da sua obra. O todo dos Passos, na representagdo das sete cenas que animam inhas, parecia coisa excessivamente gros- € que atendesse apenas aos jgnorava a significagio est smo ¢, sobretudo, perturbava a apre- Ges nobres nao se mostravam plenamente convincen: 341 tes, onde uma pintura, espaventosa e de decidido mau gosto, transpunha © popular para cair no vulgar ¢ no ‘rosseiro, negava mismo para entregar- errorismo, Aos que ‘os Passos de Congonhas cont mo um mistério, e a atorment como a pena de um pecado, _ Agora, os Passos foram rest ragio, penosa pelos esforcos € pensdveis, rae sim submeteu as figuras das cenas da Paixdo ao efeito de jes ¢ delicadissimas raspagens. Fo- poucos, caindo grossas escaras da cola, gesso igmentos acrescentados poi sobre a ent pequenos elementos que, destacados, pereciam por ali, buscou-se dar um arran- jo global as pecas de cada cena, para tiré-las ao tu- ongruente em que até ento se encontravam. jada mais do que isso bastou para revelar mais belos traba- Hho © 10 qual a pintu- le e de Carneiro veio ajustar-se com a sabedoria ¢ plena beleza. oe como ao aludir, mais acima, as inte Francisco no tocante ao conteido sul sus trabalhos, sabemos que a tendén- tor serd para suspeitar que exagera- , do excelente confronto que the ol f por Eduardo Ayrosa, em duas €pocas, do Cristo carregando a Cruz’. Conclua por si mesmo. E procure compreender o que antes era ¢ 0 que hoje voltou a ser a encarmagdo das imagens dos 2 ¥. nots 1, pte, 224 342 — b © gue se via, até feverciro de 1957, eram vivas, em muitos casos berrantes, cuja_ pri preocupagéo estava em acentuar ou “completar” as inigoes plisticas alcangadas pela escultura. Assim, ide a talha delineara a forma dssea dos malares © a massa carnuda dos misculos, os encarnadores mais modernos acrescentaram um rosado intenso, tal como © carmim ingénuo da vaidade caipira costuma fazer, © o resultado — principalmente tendo em conta que © Aleijadinho, e com ele sua escola, levara esses dois elementos a um maximo expressive — s6 poderia ser (© excesso perturbador, o exagero pernicioso, Tam- bbém 05 olhos, tio seguramente rasgados na madeira, receberam uma linha de pintura circundante para “re- forgo” da forma geral que, c ja se talhara tio incisivamente. Mas nj nna grande maio- ria dos casos, a esse filete de contorno vinham juntar- se 08 erigados tracinhos com que o pintor tentava fi- gurar ci ‘Acrescente-sc a pintura das bocas, igualmente a maneira de maquilagem, recortando-as duramente contra a cor da pele ¢ enchendo os labios de um vermelho gordo, forte e brilhante. E, no cor- po, um fio de azul transparente para recobrir as veias ja enunciadas plasticamente, ¢ muit acentuar as chagas das quais, indefect iam numerosissimas ldgrimas de sangue, sempre ter- minadas por uma gota oblonga. Compreende-se que, sob tanta tinta ¢ tanta fantasia, pouco se discernissem ‘05 verdadeiros valores da escultura, cujas afirmagoes se inutilizavam por dispensdveis acentuagdes ou se ocul- tavam sob intolerdveis acrescentages coloristicas. A encarnacio reposta indica como, ao tempo de sua criagio, os pintores das figuras dos Passos sabiam compreender ¢ respeitar 0 trabalho dos escultores. Nada de carmim nos labios, nos zigomas ou na ponta do ‘queixo. Nada de sangue lacrimejante, muito embora as _chagas produzidas pela coroa de espinhos, pelas chibatadas e pelas quedas tenham sido marcadas pelo primeiro encarnador com sobria dramaticidade, So ha Sangue a escorrer, em comedido e bem langado ritmo linear, na cena do Horto, onde o Cristo sua sangue, como’ dizem os Evangelhos ¢ 0 cxige a verdade artisti- ca, Nada de amendoamento de olhos ¢ rabiscar de cflios. Nada de veias coloridas ou miisculos sombrea~ 343 , em que a pintura redobre 0 que a ss inerentes & encarna- to en- Carnei- guro é que essa i se fizesse tio palpavel ¢ imedi buigo essencial do pecas. E essa luz, fundindo as peas numa mesma Hbragdo, vem do colorido das carnes ¢ das vestes ‘Quando os restauradores comecaram a trabal logo se surpreenderam verificando que, se as camadas superiores da encarnago tendiam para o tom mais ‘ortado” de rosa, a pintura ginal constantemente se fixava numa cor de to mais tocada de branco. A sabedoria dos arti fara esse tom, sem di funcio do nde, contra a teral © pr capelinha, despenhava-se a penum de inesperada altura, As cames claras, gidas pelo fluxo luminoso, mas também transmitem essa vibragdo, em progres yo abafamento, as figuras mais distanciadas que per~ manecem na meia-luz. Bis 0 que funde as pecas num mesmo grupo coloristico e, pois, oferece base & com- posigdo superior, que-se definird nas linhas ¢ massas das formas esculpidas. Para que melhor se patenteasse a unidade, convi- nha sublinhé-la com notas secundarias ¢, sobretudo, evitar que discordancias crométicas desmentissem 0 designio superior. A restauracdo foi descobrindo esses complementos importantes: por sob a grossa pintura de cola c terras quentes, que empastara, em sucessi- vas camadas, 05 cabelos das estdtuas, descobriu-se um Preto fosco que, em leve , no desmentia os ritmos lineares das madeixas ¢ barbas, causando ainda necessirio contraste com as cares claras, AS poucas excegies decidem-se sinceramente pelos tipos loiros; evitou-se sempre o calor dos castanhos. Mesmo na série das figuras caricaturais, idéntica sabedoria aca- bou por revelar-se: os capacetes dos soldados, retira- da a recente purpurina prateada, sio quase sempre Pretos, ¢ as espadas desembainhadas, livres da {alsd Prata, ‘caem para os cinza neutros, enquanto as arma- uras ora se tingem de cinzento, ora se mostram em delicados tons de pastel. Fm certos grupos, torna-se evidente a fungao importante desempenhada por um elemento em aparéncia desprezivel, como, por exem- plo, a alvura das camisas dos brutos romanos. Néo se creia, porém, que, estabelecida a homo- gencidade fundamental ¢ 'sublinhada por essas notas de suporte, ai pararam os pintores dos Passos de Con- gonhas, Sua grande ambigdo, sem diivida, era de par- licipar, por mais de um modo, da obra final. Ei-los pois a’compor, no pleno sentido da palavra, o contex- to colorido de ‘cada cena sacra. Mais ainda, arrogam- seo direito de transpor, de Passo a Passo, uma combinagio bésica que, além de tema cromético, é tam- bém tema siml A excegdo do Passo da Ceia, veste-se sempre 0 Cristo de uma capa cas- tanho-avinhada caindo sobre uma tiinica azul, que, em cada cena, serve de ponto de partida ou pelo me- nos de suporte para contraponto das demais cores dos vestidos. Um s6 exemplo: no Passo do Horto, 0 mes- mo castanho da capa de Cristo, um nada mais escuro, vai colorir a capa de S. Pedro, que contudo combina com uma tinica amarela, a qual, por sua vez, justifica 346 © verde maduro e palido, recortando-se contra 0 « “ée-rosa requintado das roupas de S. Jodo ¢ do ter- ceiro apéstolo que ali figura. Compreende-se, pois, por que a dos Passos de Congonhas surge, hoje, no nivel altissimo de primeiro patamar daqucles degraus da arte do meu pais onde ninguém mais subiu. Quando, depois de quase dois séculos, a pintura uum Gbice @ beleza das imagens, para de auxiliar de Jo em trés di deixou de 2 voltar funcdo, original © autér mento, indispensavel Biblia de pedra-sabao Banhada no ouro das Minas. Uma vez reconquistada a iva pintura das estétuas dos Passos de Congonhas, os restauradores deveram enfrentar tarefa ainda mais que. era a de repor as figuras em posigdes que Ihes comunicas- sem a coerén ‘um todo composto e a harmonia expressiva capaz. de justificar sua existéncia. palavras. deveriam voltar aos lugares que, de i sudo que, tumultua~ dos nas Bre efoto ttn on prope, Pas Se eas nieincs bane eee ee 1055, aprotinndamene,Trapo a recorrer & dedu- lagem segundo seu Goa ou bo Wmuamat de. pedra,’ Depois de aecpticlias dans on usr desas repost erate res, intuir um arranjo geral para procurar realizé-lo foranio com tous or Sguraereizioy en eaade Ferrez, gum na tradi¢so Fecentes, doe a 347 mau resultado, recomecar em novas bases, ¢ assim con- tinuar até chi osi¢fo convincente © com- pleta. Por esse caminho drduo andaram os restaurado- res e, agora, pode-se dizer que acertaram sempre Acertaram mesmo nas mais discretas tentativas de p6r apenas um pouco de ordem (a palavra, aq - nificagiio © expressiva) no congestionad mo Passo (o peniiltimo a esquerda de quem ‘0 adro) onde figuram duas cenas: a da flagelac da coroacio de espinhos. Nesse caso especial — sobre o qual sempre pairaré uma divida rel ‘a0s motivos da duplicacao temética, ainda mais agra- vada pelo desentrosamento das inscrigées & porta das capelinhas — conseguiu-se 0 méximo exeqilivel na. ar~ rumagéo e j4 ai se toma patente a necessidade de distinguirem-se as figuras nobres das caricaturais, do que, mais adiante, falaremos. Acertaram também os estauradores nos arranjos seguros e por tudo convin- centes que empreenderam nos demais Passos. Em cada conjunto, sugerida & simples visio despreconce- bida, confirmada pelo sentimento de equilibrio da com- posigao, ¢, afinal, sensivel & imediata percepcao das ligagées psicol6gicas, iva numa figuracio ada, voltou a disposigao das pe- as a representar fat © operante, tal Como, seguramente, aconteceu de Dois casos merecem ser destacados em especial. , falemos do Passo da Ceia, Era © preferido pela contemplagio popular, que trava o drama, bem conhecido e bem compreendido, numa disposiggo simples de figuras que, postas lado a lado, ofereciam a possibilidade da forma mais sim- ples d¢ percepgio de um todo, que € a simples suces~ so das unidades. Por isso esse Passo, com que se inicia a subida do jardi tragdes ingénuas do afe de nimero de mocdas esmola votiva, seja mesmo pela barbara demonstracio de piedade daquele que, ha bastante tempo, desfechou tum tiro no olho esquerdo da figura de Judas. “Também ai, por dificil que parea mum conjunto de tio fécil arranjo, a desordem das pecas chegara a tal ponto que $6 se podia considerd-las uma a uma, como se 0 grupo 349 de Cristo, a f agora escapa 4 obser- a de talha mais simples dos, que sempre Werossimeis em suas anteriores. posigdes, > Angulo formado pela parede do fundo a lateral esquerda, as linhas de atranjo que, reve~ > sua face mais bela, os transforma numa sobria rica tarja inferior desse grupo em que, realmente, ha rasgar um grande espaco vazio para tra- mente a atmosfera de vibragio mistica 4 de buscar igacdo , como aque- enunciada pelas maos da Ceia. As correspondén- cias se estabelecem por via de amplas passagens , dependendo diretamente das s draméticas. que lhes falte 0 apoio seguro duma boa composi- do em que, num espago_amplo, se implantam trés Mmassas bem definidas: 0 Cristo, A direita e dominan- conjunto, entra ido volume vertical — 0 do 1eso equivalente e posto na metade su- enquanto, encaminhando a vista de las, ha a massa cOrpos, esquerdo do fundo do patamar, | enunciado da dimenso pers- incia dos grandes vazios interme- ‘ndo chega, pois, a perturbar a homogencidade ‘como acontece em todas as composicoes correria 0 risco de ue, atendendo aos no orque um nexo psicocromético podero- m forcosa relagéo o Cristo e 0 Anjo, ferente que os olhos caiam primeiro ia das figuras, pois, necessariamente, através do espago vazio, para a outra e, jo para os Apostolos, a fim de imagem contemplada, ragio da pintura original e a reposicao das composicdes transformou substancialmente a feiga0 353 plistica dos Passos de Congonhas. Deixaram de set Punhados de figuras que, por atributos circunstanciais ou presungées habituais, se reconheciam como de tal ou qual personagem biblica, para ressurgirem como ETupos escultéricos que so, ao mesmo tempo, quadros Pict6ricos, num perfeito entrosamento da arte das co- tese almejada pelo que, no passado, recorria a ambas, simultanea- mente, Nesses grupos recompostos, nesses quadros ecuperados, todas as figuras, todos os tragos cromé- ticos ou plisticos tém razio de ser e uma 86 razio de momia mais marcada por uma io so, como julgévamos on- ‘ou menos realizadas de méscaras pelos. “oficiais” ¢ estre, sustent tuamente e comple- tam-se em grupos s jelas emergem mesmo de um: ara condensar a expresso di , afinal, as figuras caricaturais possibilidades excep- boa, voltaram a seus io. Salvo no ragio, mas ainda ai nfo escapan- am para o fundo da ce idade grotesca (que, cionais de Ant6nio Francisco devidos lugares e & sua neces: Passo de dupl do totalmente perdendo a a joa agres se devia na mor parte as tro de velhas regras d medido contraste ico dos grupos invulgar das fi- bres que, sempre, so dominadas pela beleza das imagens de Cristo. A restauracio dos Passos devolveu-nos uma das iportantes parcelas do barroco minei contribuindo para atestar Restabelecida a Pintura original das estatuas, reorganizadas as pecas 354 acima de tudo a igi |, altamente inspirad retudo, conscientes da nhavam, conseguiria realizar tal e se repelir, mais uma vez, a visio ror ese desejou enxergar, sobretudo no. Aleijai mas também nos mais artistas de Minas, 0 bor do génio no desgoverno da ignorancia la ou quase, Até os fatores étnicos, que a seu tem- Mario de Andrade definira na exata fungo de um ado de espirito da marginalidade angustiada, para tar aviltamento ou a glorificagao da cor da pele, si mesma indiferente — até a raga, diziamos, de- inte nessa romantizagao do ir, a doenga, a condigio, incia, que esta parecia 0 adequado para sublinhar a palavra genio, Eis que Congonhas as do jardim, ver refutagio da apenas a de tm arta dhl sen uma funda Tar. rlagto impet G todo, E também presente operate, em gronivamente descendents, cm fodor 8 d foun fena, que, mesmo 0 caso dos incapazes de pene repetavam ¢ cumpeiam 3 Megras por cetitem ao menos sua necesidade na Tet Hagan ‘ta Duane ans acreiouse Gu 8 fram, polos menos no. Ue fan picelelyenerat tho de mao escrava, desin- mio escrava, ou mell ‘ou ja mesticado, contudo, essa mao plano de arte cul mas principalmente no cont evidente que uma mesma orienta a caricatura de soldado ¢ alan elementos descritivos que se exageram mente na primeira cabeca e, na segunda, se 4 , em perfeita harm: Atribua figura do guerreiro ignorante, porque sua lavra |, porém reconheca-se que el Peobretudo, integrado na visio do mestre. A a mesma visio que j4 nao existia, por exemy conduzit as maos do oficial qualificado que mais tarde se incumbiu de terminar a portada do Carmo de Ouro Préto, A firmeza culta de era reconhecida, nos th jo Francisco Lisboa ja pelo menos no methor base, se is. Faltava, con- vel, para liquidar ‘Quant aco com tais davidas ¢ he porque de fu- 8 para uma que. dispu- iscipu- jovamente impor-se- casos, que passem aqui apenas relembramos sua |, por certo, a fornect tos das igrejas, e permitam compreender hd menos de recalque racial do que de aspiracdo eru- vivo. Porque s6 a se- casada 4 eru ro impuseram a pi Passos de Congonhas. se, por exemplo, 0 iramento da ‘0 espiralado_con- ‘inuo, a animagio da imagem comunicados ao Cristo carregando a Cruz, gracas ao sim ersamente a parte inte que 0 Ataide © Xavier tiinica, que manto que, surgindo & altura do joetho, circunda 0 frontal do torso para ressurgir atris numa imensa fai- Xa que envolve a figura e a sobrepassa pouco abaixo dos quadris. Isso tudo deixaré de agitar-se e viver, apenas porque as repinturas, perseguindo nao se sabe bem que verismo, coloriram: 0 avesso do manto com tom igual ao do direito e conceberam a capa coma forrada de cor diferente da que trazia 0 pano de fora, Antes da restaurago, a composigao aparecia domina. fermamente por um grande S, alcando-se do pé cintura © dai a0 ombro, para descer pelo direito, sem alcancar a forma da cabegs Fa, como no comego, a composigéo se enu! grande @ caligréfico que emoldura o corpo e acentua © foco fisiondmico que a interrompe. Como continuar falando de genialidade ignorante? Engenho e arte, diziam os antigos. E tinham ra- zo, Engenho ¢ arte sao as grandes coordenadas do flluxo de cria¢do que deu a Minas uma fase artistica prépria, auténoma e auténtica, sem que nesses ter- mos se inclua a necessidade de fazer-se milagrosamen- © de suas inesperado prolongamento do bar- Foquismo, que conhecemos durante todo o século de- zoito © que toca mesmo a soleira do dezenove, logo sera aceito como um fendmeno artistico inédito 'e im- fe, embora s6 agora comece a interessar aos historiadores ¢ criticos 1a de fora, Mas, quando se 40 inesperada e tinica, importa q tados a anular os desvi malmente, levario. os. pa © sobejando na Importa, poi Francisco Lisb ima da lenda se Prestando um tom patético a sua de explicé-la, Mul mento atormentando e Rosso maior artista, torna-se toda a sua sabedor interior do Brasil colonial, 0 seu cot dos direitos da razio no dominio das 358 je jspunha, a sua clara nog do pré- fades de que dispunh: est fim, apresen- ‘Anténio Francisco Lisboa como se revela em suas obras superiores, Na arquitetura da S. Francisco de Ouro Preto. Na pedra dos pilpitos da mesma Sio Francisco © dos profetas de Congonhas. Na madeira do altar da fazenda Jaguara ¢ dos dois Santos de Sa- bard, Nas portadas de Ouro Preto, E, agora, nos Passos de Congonhas. Porque esses Passos, onde até hi pouco se vislum- bravain uns raros sinais da ‘grupos desfigurados, cuja aparen tava desculpar pelo secundari fatura, ressurgiram para a ar complexas, onde a chama criadora ganizadora do es te que se torna reservadas 4 exeeugio ‘dos oficias ¢ at jue o mestre nao as reviu coem ce cexaltava-se a da cena da flag ida esta mais bela, porém tornou-se temerdi Ja acima do Jesus que carrega a Cruz, dorido mas nao vencido, ou do Senhor escarnecido que esponde com divina arrogincia a0 remoque da cana- verde, ou ainda ao Anfitrido da Ceia, cuja fisionomia transfigurada entreabe os labios « esboea um gesto me- ‘nos para proferir as conhecidas palavras do drama, que para significar que € o préprio Verbo. Por vezes, a ccena inteira, embora 0 saibamos impossivel, parece ter nnascido diretamente das maos de Anténio Francisco, como acontece no Passos do Hota, Nest, gue, oe riginal vigoroso dos conjuntos de mais original ¢ 0 mais vig iat Igo do proprio Aleijadinho, pois gr sto entalhado © @ gi ts Com 10 da Cruz as cost a a indie chamava atengao apenas pela ousadia de sua pt 359 alada, renasce para ocupar seu verdadeiro uy verdac igar na obra do inho, cujas figuras angélicas, sempre tao de Ouro Preto, at pela grande forma le descrever uma obra : ir ao seu encontro, 360 ‘ ARQUITETURA E ARTES PLASTICAS lonizador, a arte portuguesa encontrou no Brasil wi io aberto A sua exporta- as pré-c into as jd entiio a de Maraj6, quanto as que conhe- do proceso de desaparigao, como leferindo das que ainda sobrevi- Chegando com 0 a Tapajé — nisso vers no desgaste zes de oferecer c se encontrarem ao nivi faltar oportunidade de mais vigorosa choque ou na coexisténcia, em face do inv

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