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8 A TECNICA PSICANALITICA ATRAVES DO BRINCA: : SUA HISTORIA E SIGNIFICADO (1955 [1953)) Nota Explicativa da Comissao Editorial Inglesa Este € 0 artigo em que Melanie Klein mais se aproxima de escrever uma autobio- grafia profissional e onde registra a hist6ria de seus primeiros tempos como analista de criangas. Existem duas versdes deste artigo. A primeira versdo continha exem- plos da interpretagio do brincar das criangas que foram substitufdos na segunda versio, mais longa, por um relato dos casos de criangas; a dltima versio é a que consta neste volume, Outras informag6es hist6ricas adicionais podem ser encontra- das no Prefcio a Primeira EdigSio de The Psycho-Analys's of Children. O ponto de maior interesse no presente artigo 0 relato de Melanie Klein da descoberta especf- fica que cada um desses primeiros casos possibilitou-Ihe fazer. —149- 8 A TECNICA PSICANALITICA ATRAVES DO BRINCAR: | SUA HISTORIA E SIGNIFICADO (1955 [1953]) Ao oferecer como introdugdo a este livro' um artigo fundamentalmente dedicado & técnica através do brincar, fui estimulada pela consideragio de que meu trabalho com criangas e adultos e minhas contribuig6es a teoria psicanalitica como um todo derivam, em ultima instincia, da técnica atra- vés do brincar desenvolvida com criangas pequenas. Nao quero dizer com isto que meu trabalho posterior foi uma aplicagio direta da técnica através do brincar. Mas 0 insight que obtive sobre o desenvolvimento inicial, so- bre os processos inconscientes e sobre a natureza Gas interpretagGes por meio das quais pode-se abordar o inconsciente, teve influéncia de longo alcance no trabalho que fiz com criangas mais velhas e com adultos. Portanto, delinearei brevemente os passos através dos quais meu tra- balho desenvolveu-se a partir da técnica psicanalitica através do brincar, mas nao tentarei fornecer um resumo completo de minhas descobertas Em criangas j4 havia sido feito, paricularmente pela Dra. Hug-Hellmuth (1921). No entanto, ela nfo empreendeu a psicandlise de criangas menores de seis anos e, embora usasse desenhos e ocasionalmente 0 brincar como material, no os desenvolven em uma técnica especffica. Na época em que iniciei meu trabalho, tratava-se de um princfpio es- tabelecido que as interpretagdes deveriam ser dadas muito parcimoniosa- mente. Com poucas exce¢ées, os psicanalistas n@o haviam explorado as_ Esta postura cautelosa refletia- se no fato de que, festa tpcen e por anos seguides —, Considerava-se a me a ele pelo riome|de!"“Fritz” em meus primeiros artigos publicados’. A * New Directions in Psycho-Analysis. ? Uma descricéo dessa abordagem inicial é dada na livro The Psycho-Analytical Treatment of Children de Anna Freud (1927). 3 The Development of a Child (1923); The Réle of the School in the Libidinal Development of the Child (1924) ¢ Earty Analysis (1926). — 150— prinefpio pensei que seria suficiente influenciar a atitude da mac. Sugeri que cla deveria encorajar a crianga 2 discutir livremente com ela as muitas quest6es n&o verbalizadas que obviamente estavam no fundovde stia mente € impediam seu desenvolvimento intelectual. Isto teve um bom efeito, mas suas dificuldades neuréticas nfo foram suficientemente aliviadas ¢ logo foi decidido que eu deveria analis4-lo. Ao faz8-lo, desvici-me de algumas das regras estabelecidas até entio, pois eu interpretava 0 que pensava ser mais urgente no material que a crianga apresentava para mim perecbi que meu interesse se centralizava em suas ansiedades ¢ em suas defesas contralelas. Esta nova abordagem logo confrontou-me com sérios proble- mas. As ansiedades que encontrei a0 analisar este primeiro caso eram muito agudas e, embora eu me sentisse fortalecida na crenga de que estava trabalhando no caminho certo ao observar 0 alivio da ansiedade produzido repetidas vezes por minhas interpretag6es, eu ficava por vezes perturbada pela intensidade das novas ansiedades que iam sendo trazidas a tona. Nu- ma dessas ocasiGes, busquei 0 conselho do Dr. Karl Abraham. Ele res- pondeu-me que, uma vez que minhas interpretag6es até entéo haviam pro- duzido alfvio e que a an4lise obviamente progredia, ele nao via motivos para mudar 0 método de abordagem. Senti-me encorajada por seu apoio c, de fato, logo nos dias seguintes, a ansiedade da crianca, que havia chega- do a uma situacio critica, diminuiu enormemente, conduzindo a uma me- Thora adicional) A conviccdo obtida nesta andlise influenciou intensa- mente todo 0 curso do meu trabalho analftico. O tratamento foi conduzido na casa da crianga, com seus préprios brinquedos. Esta andlise representou 0 inicio da técnica psicanalftica atra- vés do brincar, porque desde o infcio a crianga expressou suas fantasias ansiedades principalmente através do brincar, e eu interpretava consis- tentemente seu significado para ela, com o resultado de que material adi- cionalllaparecialem|lSeUlIbrinear. Isto quer dizer que eu\jéjutilizaval/ com este (paciente,.em esséncia, o método de interpretagdo que se tornou ca- racterfstico de minha técnica. Esta abordagem corresponde altiffi/priniefpio fundamental da psicandlise — a associacfo livre. Ao interpretar no apenas as palavras da crianga mas também suas atividades com seus brinquedos, apliquei este princfpio basico & mente da crianga, cujo brincar e atividades variadas — na verdade, todo o seu comportamento — sao meios de expres- sar 0 que 0 adulto expressa predominantemente através de palavras. Tam- bém orientei-me sempre por dois outros princfpics da psicandlise, estabe- lecidos por Freud, que desde o princfpio considerei fundamentais: que a exploraeaolldo inconsciente 6!aljprincipal tarefa do procedimento psicana- Iftico, e que a andlise da transferéncia € 0 meio de atingir este objetivo. Entre 1920 e 1923, ganhei maior experiéncia com outros casos de criangas, mas um passo definitivo no desenvolvimento da técnica através do brincar foi o tratamento de uma crianga de dois anos e nove meses que -151- analisei em 1923. Dei alguns detalhes do caso desta crianga sob 0 nome de “Rita” em meu livro The Psyco-Analysis of Children‘. Rita sofria de terrores notumnos ¢ fobias de animais, era muito ambivalente para com sua mie ao mesmo tempo to apegada a ela que dificilmente podia ser dei- xada sozinha. Ela tinha uma neurose obsessiva acentuada e as vezes fica- va muito deprimida. Seu brincar era inibido e sua inabilidade para tolerar frustrag6es tornava sua educagio cada vez mais dificil. Fiquei muito he- sitante a respeito de como abordar este caso, j4 que a anélise de uma crianga to pequena era um experimento inteiramente novo. A primeira sesso pareceu confirmar meus receios. Rita, quando deixada a s6s comi- go em seu quarto, demonstrou imediatamente sinais do que eu tomei como sendo uma transferéncia negativa: ela estava ansiosa e silenciosa ¢ logo pediu para sair para o jardim. Eu concordei ¢ fui com ela — posso acres- centar, sob os olhares observadores de sua mae e de sua tia, que tomaram isto como um sinal de fracasso. Elas ficaram muito surpresas ao ver que Rita estava bastante amistosa comigo quando voltamos ao quarto dez ou quinze minutos mais tarde. A explicacio desta mudanga foi que, enquanto estévamos fora, eu interpretei a ela sua transferéncia negativa (sendo isto novamente contra a pritica usual). A partir de poucas coisas que ela disse € do fato de que ela havia ficado menos amedrontada quando estévamos fora, conclif que cla estava particularmente receosa de alguma coisa que eu poderia fazer a ela quando ela estava a sés comigo no quarto. Inter- Pretei isto ¢, referindo-me aos seus terrores noturnos, liguei sua suspeita de mim conio”uma estranhia hostil ao seu medo de que uma mulher mé a atacasse quando estivesse sozinha 4 noite, Quando, poucos minutos de- pois desta interpretacdo, sugeri que deverfamos retornar ao quarto, ela concordou prontamente. Como mencionei, a inibigéo de Rita ao brincar era acentuada, ¢ no infcio cla dificilmente fazia alguma coisa a no ser vestir ¢ desvestir obsessivamente sua boneca. Mas logo vim a entender as ansiedades subjacentes as sas obsessées € as interpretei. Este caso forta- Como com Fritz, empreendi esta andlise na casa da crianga e com seus pr6prios brinquedos. Mas, durante este tratamento, que durou apenas uns poucos meses, Pois descobri que, embora ela necessitas- se muito de ajuda e seus pais tivessem decidido que eu deveria tentar uma psicanélise, a atitude de sua me comigo cra muito ambivalente e a atmos- “ Vide também On the Bringing up of Children, ed. Rickman (1936), ¢ The Oedipus Complex in the Light of Early Arcieties (1945). -152- fera era, no geral, hostil ao tratamento. Mais importante ainda, percebi que alsitwagao transferencial!— a espinha dorsal do procedimento psicana- Iitico — s6 pode ser estabelecida e mantida se o paciente for capaz de sen-— “nde algun cola soared su ie amis clan 150 por que € apenas sob tais condigdes que ele pode superar suas resisténcias contra vivenciar e expressar pensamentos, sentimentos e desejos que sio incompatfveis com as convengGes sociais ¢ que, no caso de criangas, sio sentidos como contrastando com muito do que lhes foi ensinado. Fiz ainda outras observages significativas na psicandlise de uma me- nina de ‘sete anos, também em 1923. Suas dificuldades neuréticas aparen- temente nfo eram sérias, mas seus pais estiveram por um certo tempo preocupados com seu desenvolvimento intelectual. Embora bastante inte- ligente, nao acompanhava o grupo de sua idade, ndo gostava da escola e algumas vezes matava as aulas. Sua relacdo com sua mae, que havia sido afetiva e confiante, mudou desde que comegou a escola: ela tornou-se re- servada e silenciosa. Passei algumas sessdes com ela sem conseguir muito contato. Tinha se tomado claro que ela no gostava da escola e, a partir do que cla timidamente disse sobre isto, assim como por outras observa- g6es, fui capaz de fazer umas poucas interpretagdes que produziran al- gum material. Mas minha impresséo foi a de que por esse caminho eu nao conseguiria ir muito além. Em uma sesséio em que novamente encontrei a crianga indiferente ¢ retrafda, deixci-a dizendo que voltaria num instante. Fui ao quarto de minhas préprias criangas, juntei alguns brinquedos, car- ros, pequenas figuras, uns poucos blocos e um trem, coloquei-os em uma caixa e voltei a paciente. A crianga, que nfo gostava de desenhar ou de outras atividades, ficou interessada nos pequenos brinquedos ¢ imediata- mente comegou a brincar. A partir deste brincar, depreendi que duas das figuras de brinquedo representavam ela mesma e um menino pequeno, um colega de escola sobre quem eu j4 havia ouvido antes. Parecia haver al- guma coisa secreta sobre o comportamento destas duas figuras, ¢ parecia que ela sentia ressentimento pelos outros bonecos por interferirem ou es- piarem, e estes foram postos de lado. As atividades dos dois brinquedos levavam a catfstrofes, tais como sua queda ou colisao com carros. Isto era repetido com sinais de ansiedade crescente. Neste ponto, eu interpretei, referindo-me aos detalhes do seu brincar, que alguma atividade sexual pa- recia ter ocorrido entre ela e seu amigo, que ela estava com muito medo de que isto fosse descoberto e que, por isso, desconfiava das outras pes- soas. Assinalei que, enquanto brincava, ela havia ficado ansiosa e parecia a ponto de parar sua brincadeira. Lembrei-Ihe que ela nfo gostava da es- cola e que isto poderia estar ligado ao medo de que a professora desco- brisse sua relagdo com seu colega e a punisse. Sobretudo, ela estava com medo de sua mie, e portanto desconfiava dela, e agora poderia estar sen- — 153 -— tindo da mesma forma em relacdo a mim. O efeito desta interpretagao so- bre a crianga foi surpreendente: sua ansiedade e desconfianca primeira- mente aumentaram, mas logo deram lugar a um evidente alfvio. A expres- so de seu rosto mudou, e embora ela nem admitisse nem negasse 0 que eu havia interpretado, demonstrou em seguida sua concordancia produ- zindo material novo e torando-se muito mais livre em seu brincar e falar; também as suas atitudes em relagao a mim tomaram-se muito mais amisto~ sas e menos desconfiadas. E claro que a transferéncia negativa, alternan- do-se com a positiva, aparecia repetidas vezes; mas, a partir desta sesso, a andlise progrediu bem. Como fui informada, ao mesmo tempo passou a haver mudangas favordveis em sua relago com a famflia — em particular com sua me. Seu desagrado pela escola diminuiu e ela tomou-se mais interessada em suas lig6es; mas sua inibicéo na aprendizagem, que estava enraizada em ansiedades profundas, s6 foi resolvida gradativamente, no curso de seu tratamento. tf Descrevi como 0 uso dos brinquedos que eu mantinha especialmente para a crianga na caixa em que eu os trouxe pela primeira vez provou ser essencial para sua andlise. Esta experiéncia, assim como outras, ajudaram- me a deéidir quais brinquedos so mais adequados para a técnica psicana- Iitica através do brincar’, Percebi ser essencial ter brinquedos pequenos porque seu ntimero ¢ variedade permitem A crianca expressar uma ampla variedade de fantasias e experiéncias. Para este propésito, ¢ importante que esses brinquedos nao sejam mec&nicos ¢ que as figuras humanas, va~ riando apenas em cor e tamanho, no indiquem qualquer ocupac&o parti- cular. Sua prépria simplicidade permite & crianga ts4-los em muitas situa- Ges diferentes, de acordo com o material que aparece em seu brincar. O fato de ela poder apresentar assim, simultaneamente, uma variedade de experiéncias e fantasias ou situag6es reais também nos possibilita chegar uma imagem mais coerente das atividades de sua mente. Na mesma linha da simplicidade dos brinquedos, o equipamento do consultdrio de criangas também € simples. Nao contém nada, com exceco do que € necessrio A psicandlise’. Os equipamentos de brincar de cada crianga so guardados trancados em uma gaveta particular, e ela assim s2- * So eles, principalmente: pequenos homens e mulheres de madeira, geralmente de dois tama- hos, carros, carrinhos de mo, balangos, trens, avides, animais, 4rvores, blocos, casas, cercas, papel, tesouras, uma faca, Ifpis, giz ou tinta, cola, bolas ¢ bolas de gude, massa de modelar e barbante, © Um cho lav4vel, 4gua corrente, uma mesa, algumas cadeiras, um pequeno sofé, algumas al- ‘mofadas e um mével com gavetas. —154— be que seus brinquedos ¢ 0 seu brincar com eles — 0 equivalente das asso- ciag6es do adulto — sfio apenas conhecidos pelo analista ¢ por ela mesma. A caixa na qual eu apresentei pela primeira vez os brinquedos & menini- nha acima mencionada tornou-se 0 protétipo da gaveta individual, que faz parte da relacio privada e intima entre analista e paciente, caracterfstica da situagao transferencial psicanalitica. Nao estou sugerindo que a técnica psicanalftica através do brincar dependa inteiramente de minha selegSo particular do material. De qual- quer modo, as criangas com freqiiéncia trazem espontancamente suas pré- prias coisas e 0 brincar com elas entra como um fato natural no trabalho analftico. Mas creio que os brinquedos providos pelo analista devem ser, no geral, do tipo que descrevi, isto é, simples, pequenos e ndo-mecanicos. Os brinquedos, no entanto, nao séo o tinico requisito para uma anéli- se através do brincar. Muitas das atividades da crianga so por vezes rea lizadas em torno da pia, que € equipada com uma ou duas tigelinhas, co- pos ¢ colheres. Freqtientemente a crianga desenha, escreve, pinta, recorta, conserta brinquedos, e assim por diante. As vezes brinca com jogos em que atribui papéis ao analista e a si mesma, tais como brincar de loja, mé- dico ¢ paciente, escola, mac ¢ crianga. Em tais jogos, a crianca freqtien- temente assume o papel do adulto, expressando assim ndo apenas seu de- sejo de reverter os papéis, mas demonstrando também como sente que seus pais ou outras pessoas de autoridade comportam-se em relacio a ela — ou deveriam comportar-se. Algumas vezes cla dé vazao & sua agressivi- dade e ressentimento sendo, no papel de um dos pais, sdica em relagéo & crianga, representada pelo analista. O princfpio de interpretago permane- ce © mesmo, quer sejam as fantasias apresentadas por meio dos brinque- dos ou da dramatizaco. Pois, qualquer que seja o material utilizado, é es- sencial que os princfpios analfticos subjacentes & técnica sejam aplicados’. A agressividade € expressa de varias formas no brincar da crianga, seja direta ou indiretamente. Freqiientemente, um brinquedo se quebra ou, quando a crianga € mais agressiva, ataques so feitos com faca ou tesoura & mesa ou a pedagos de madeira; 4gua ou tinta so esparramadas e a sala geralmente se transforma em um campo de batalha. E essencial permitir & crianga trazer 4 luz sua agressividade. Mas o que conta mais € compreen- der por que nesse momento particular da situagdo transferencial aparecem os impulsos destrutivos, ¢ observar suas conseqiéncias na mente da crian- ga. Sentimentos de culpa podem seguir-se logo apés a crianga ter quebra- do, por exemplo, uma pequena figura. Esta culpa refere-se ndo apenas 20 estrago real produzido mas ao que 0 brinquedo representa no inconsciente 7 Exemplos do brincar com brinquedos € dos jogos deseritos acima podem ser encontrados no li- vwro The Psyco-Analysis of Children (particularmente nos capftulos Il, III e IV). Vide também Personification in the Play of Children (1929), —155- da crianga, como por exemplo um irmaozinho ou irmazinha ou um dos pais. Portanto, a interpretacdo tem que lidar com estes nfveis mais profun- dos também. Algumas vezes, podemos deduzir, a partir do comportamento da crianga para com o analista, que néo apenas a culpa mas também a an- siedade persecut6ria so conseqiiéncias de seus impulsos destrutivos, e que a crianga teme a retaliagio. Em geral, sou capaz de transmitir A crianga que eu nfo toleraria ata- ques ffsicos a mim. Essa atitude nfo apenas protege o psicanalista como também tem importancia para a andlise. Pois tais assaltos, se no forem mantidos dentro de limites, podem provocar culpa e ansiedade persecuté- tia excessivas na crianga e, desse modo, aumentar as dificuldades do tra- tamento. Fui algumas vezes inguirida sobre o método através do qual eu evitava ataques fisicos, e penso que a resposta € que eu tomava muito cuidado em nfo inibir as fantasias agressivas da crianca, De fato, lhe era dada a oportunidade de atu4-las de outras formas, incluindo ataques ver- bais a mim. Quanto mais eu era capaz de interpretar em tempo os motivos da agressividade da crianga, mais a situagio podia ser mantida sob con- trole. Mas com algumas criangas psicéticas foi ocasionalmente diffcil proteger-me contra sua agressividade. site Descobri que a atitude da crianga para com-um brinquedo-que ela da- nificou € muito reveladora. Freqiientemente, pée de lado esse brinquedo — que representa por exemplo um irmo ou um dos pais eo ignora por um tempo. Isso indica desagrado pelo objeto danificado, devido ao medo per- secutério de que a pessoa atacada (representada pelo brinquedo) tenha se tornado retaliatéria e perigosa. O sentimento de perseguig&o pode ser tio forte que encobre sentimentos de culpa e depressao que também séo des- pertados pelo dano produzido. Ou a culpa e a depresséo podem ser tio fortes que levam a um reforcamento dos sentimentos persecutérios. No entanto, um dia a crianga pode procurar pelo brinquedo danificado em sua caixa, Isto sugere que, nessa altura, fomos capazes de analisar algumas defesas importantes, diminuindo assim os sentimentos persecutérios e tor- nando possfvel que o sentimento de culpa e a necessidade premente de re parar sejam vivenciados. Quando isso acontece, podemos também notar uma mudanga na relaco da crianga com aquele irmio representado pelo brinquedo, ou em suas relagdes em geral. Esta mudanga confirma nossa impresséo de que a ansiedade persecutéria diminuiu e que, juntamente com o sentimento de culpa e 0 desejo de fazer reparagio, sentimentos de amor, que estavam prejudicados por uma ansiedade excessiva, venham pa- ra o primeiro plano. Em outra crianga, ou na mesma em um estigio poste- rior da anélise, a culpa e 0 desejo de reparar podem seguir-se logo apés 0 — 156-— ato de agressfo, € torna-se aparente a ternura para com 0 irméo ou irma que podem ter sido danificados em fantasia. Nunca € demais enfatizarmos a importancia de tais mudangas para a formagao de cardter e para as rela- gdes de objeto, assim como para a estabilidade mental. E parte essencial do trabalho interpretativo que ele sc mantenha em compasso com as flutuagdes entre amor e Sdio; entre felicidade e satisfa- fo de um lado ¢ ansiedade persecut6ria e depressio de outro. Isto impli- ca que o analista ndo deve mostrar desaprovacdo por ter a crianga quebra~ do um brinquedo. Ele ndo deve, no entanto, encorajar a crianga a expres- sar sua agressividade, ou sugerir a ela que o brinquedo poderia ser con- sertado, Em outras palavras, ele deve permitir A crianga vivenciar suas emogées e fantasias na medida em que aparecem. Sempre foi parte de mi- nha técnica nao utilizar-me de influéncia moral ou educativa, mas ater-me apenas a0 procedimento psicanalftico que, resumidamente, consiste em compreender a mente do paciente e comunicar a ele 0 que ocorre nela, A variedade de situacSes emocionais que podem ser expressas através de atividades lidicas € ilimitada: por exemplo, sentimentos de frustracao e de ser rejeitado; citimes do pai e da mie, ou de irmaos e irmas; a agressi- vidade que acompanha tais citimes; 0 prazer em ter um companheiro e aliado contra os pais; sentimentos de amor e 6dio em relagao a um bebé recém-nascido ou a um bebé que est sendo esperado, assim como as re- sultantes ansiedade, culpa e necessidade premente de fazer reparacio. No brincar da crianga, também encontramos a repeticdo de experiéncias e detalhes reais da vida cotidiana, freqtientemente entrelacados com suas fantasias. E revelador que, algumas vezes, eventos reais muito importan- tes em sua vida deixem de entrar no seu brincar e em suas associacées, ¢ que, as vezes, toda a énfase repouse sobre acontecimentos aparentemente secundarios, Mas esses acontecimentos secundérios so de grande impor- tncia para ela pois despertaram suas emog6es e fantasias. Iv Ha muitas criangas que sao inibidas em seu brincar. Tal inibi¢do nem sempre as impede completamente de brincar, mas pode logo interromper suas atividades. Por exemplo, um menininho me foi trazido apenas para uma entrevista (havia a perspectiva de uma andlise no futuro, mas no mo- mento os pais iam para o exterior com ele). Eu tinha alguns brinquedos sobre a mesa e ele sentou-se e comesou a brincar, 0 que rapidamente le- vou a acidentes, colis6es ¢ quedas de bonecos, que ele tentava levantar novamente. Em tudo isto ele mostrava muita ansiedade, mas, como nao havia ainda a intengSo de um tratamento, abstive-me de interpretar. De- pois de alguns minutos, ele deslizou silenciosamente de sua cadeira, d zendo “Chega de brincar”, ¢ foi embora. Creio, a partir de minha expe- — 157— ri€ncia, que se esse tivesse sido o inicio de um tratamento € eu tivesse in- terpretado a ansiedade apresentada em suas atividades com os brinquedos © a transferéncia negativa correspondente, em relagao a mim, eu teria po- dido resolver sua ansiedade o suficiente para que ele continuasse brin- cando. O préximo exemplo pode me ajudar a mostrar algumas das causas da inibiggo do brincar. O menino, com a idade de ts anos e nove meses, que descrevi com o nome de “Peter” no livro The Psycho-Analysis of Children, era muito neurético. Para mencionar algumas de suas dificul- dades, ele era incapaz de brincar, no podia tolerar nenhuma frustrago, era tfmido, queixoso e tinha pouco jeito de menino, ainda que as vezes fosse agressivo ¢ autoritério, muito ambivalente com relagdo A familia intensamente fixado em sua me, Esta contou-me que Peter havia piorado muito depois de umas férias de verao durante as quais, com a idade de de- zoito meses, ele compartilhou do quarto de seus pais ¢ teve oportunidade de observar suas relag6es sexuais. Nessas férias, ele tornou-se muito diff- cil de lidar, dormia mal e voltou a molhar a cama & noite, o que tinha dei- xado de fazer h4 alguns meses. Ele havia brincado livremente até essa ocasifio, mas deste vero em diante parou de brincar e tornou-se muito destrutivo com seus brinquedos — n‘o fazia nada com eles a no ser que- bré-los. Logo depois, nasceu seu irmAo, o que aumentou todas as suas di- ficuldades. : Na primeira sessdo, Peter comegon a brincar: logo fez dois cavalos choc arem-se € repetiu a mesma agdo com diferentes brinquedos. Também mencionou que tinha um irmaozinho. Interpretei a cle que os cavalos © as outras coisas que haviam estado entrechocando-se representavam pessoas, - uma interpretacio que ele primeiramente rejeitou e depois aceitou. Ele novamente fez com que os cavalos se chocassem dizendo que eles iam dormir, cobriu-os com blocos acrescentou: “Agora cles esto bem mor- tos. Eu os enterrei”, Colocou os carros em uma fila, com a frente de um dando para a traseira do outro — fila que, como ficou claro mais tarde na andlise, simbolizava 0 pénis de seu pai —e fez os carros correr. Ento, su- bitamente perdeu a paciéncia e os atiror pela sala dizendo: “Nés sempre quebramos logo nossos presentes de Natal. Nao queremos nenhum”. As- sim, em seu inconsciente, quebrar seus brinquedos representava destrocar © genital de seu pai. Durante a primeira sesso, ele de fato quebrou varios brinquedos, : Na segunda sesso, Peter repetiu parte do material da primeira, em particular a colisio de carros, cavalos, etc., c novamente falou de seu ir- miozinho, ao que eu interpretei que ele estava mostrando-me como a mie * Essa crianca, cuja anflise comecou em 1924, foi outro dos casos que ajudou a desenvolver mi- nha t6cnica através do brincar. — 158 -— © © pai entrechocavam seus genitais (naturalmente usando suas préprias palavras para genitais) e que ele pensava que, por eles fazerem isso, seu irmAo nasceu. Esta interpretagéo produziu mais material, langando luz so- bre sua relacao bastante ambivalente com seu irmfozinho e com seu pai. Deitou um boneco-homem sobre um bloco, que ele chamou de “cama”, derrubou-o ¢ disse que ele estava “‘morto e liquidado”. Em seguida, reen- cenou a mesma coisa com dois bonecos-homens, escolhendo figuras que ele j4 havia danificado. Interpretei que o primeiro boneco representava seu pai, que ele queria derrubar da cama da mie e matar, e que um dos dois bonecos-homens era novamente o pai ¢ o outro representava cle pré- prio, a quem seu pai faria o mesmo. A razo pela qual ele havia escolhido duas figuras danificadas era o seu sentimento de que tanto o seu pai quanto ele ficariam danificados se ele atacasse seu pai. Este material ilustra uma série de pontos, dos quais mencionarei ape- nas um ou dois. Devido ao fato de a experiéncia de Peter de ter assistido & relaciio sexual de seus pais ter produzido um grande impacto em sua mente e despertado emogées intensas tais como citime, agressividade e ansiedade, isto foi a primeira coisa que ele expressou em seu brincar. Nao ha diivida de que ele j4 no tinha qualquer conhecimento consciente dessa experiéncia, que ela estava reprimida, e que apenas sua expresséio simbé- lica era possfvel para ele. Tenho motivos para acreditar que, se eu niio ti- vesse interpretado que os brinquedos entrechocando-se representavam pessoas, ele poderia nfo ter produzido o material que apareceu na segun- da sessao. Além disso, se cu no tivesse sido capaz, na segunda sessio, de Ihe mostrar algumas das raz6es para sua inibigéo no brincar, interpre- tando o dano feito aos brinquedos, ele muito provavelmente — como fazia em sua vida normal — teria parado de brincar depois de quebrar os brin- quedos. Hé criancas que, no comego do tratamento, nfo podem nem mesmo brincar como Peter ou o menininho que veio apenas a uma entrevista. Mas € muito raro que uma crianga ignore completamente os brinquedos dis- postos sobre a mesa. Ainda que se afaste deles, com freqiiéncia d4 ao analista algum insight sobre os seus motivos para no querer brincar. Também de outras formas o analista de criangas pode reunir material para interpretagZo. Qualquer atividade, tal como usar o papel para rabiscar ou recortar, e cada detalhe do comportamento, tais como mudangas na postu- ra ou na expresso facial, podem dar uma pista do que est4 se passando na mente da crianca, possivelmente em conexdo com o que o analista ouviu dos pais sobre as suas dificuldades. Falei bastante sobre a importincia das intetpretagdes para a técnica através do brincar e dei alguns exemplos para ilustrar seu contetido, Isso me leva a uma questo que me tem sido feita com freqiiéncia: “As crian- gas pequenas sao intelectualmente capazes de compreender tais interpreta- -159- ses?” Minha propria experiéncia ¢ a de meus colegas tém sido de que, se as interpretag6es dizem respeito a pontos relevantes no material, elas sdo plenamente compreendidas. E claro que o analista de criangas deve dar suas interpretagGes to suscinta e claramente quanto possfvel, ¢ deve tam- bém usar as expressées da crianga ao fazé-lo, Mas, se traduz em palavras simples os pontos essenciais do material a ele apresentado, ele entra em contato com aquelas emogées e ansiedades que esto mais operantes no momento. A compreensio consciente ¢ intelectual da crianga €, com fre- qiiéncia, um processo decorrente, Uma das muitas experiéncias interes santes e surpreendentes daquele que se inicia na andlise de criangas é en- contrar, até mesmo em criangas muito pequenas, uma capacidade de insi- ght que freqiientemente € bem maior que a de adultos, Isso se explica em alguma medida pelo fato de que as conexées entre consciente ¢ incons- ciente so mais préximas em criangas pequenas do que em adultos, ¢ de que as represses infantis so menos poderosas. Acredito também que as. capacidades intelectuais do bebé so freqiientemente subestimadas e que, de fato, ele compreende mais do que se acredita Tlustrarei agora o que disse através da resposta de uma crianga pe- quena a inierpretacées. Peter, de cuja andlise dei alguns detalhes, tinha objetado fortemente a minha interpretagdo de que o boneco-homem que ele havia derrubado da “cama” ¢ que estava “‘morto e liquidado” repre- sentava seu pai. (A interpretago de desejos de morte contra uma pessoa amada suscita geralmente uma grande resisténcia em criancas, assim, co- mo em adultos.) Na terceira sesso, Peter trouxe novamente material si- milar, mas agora aceitou minha interpretacdo e disse pensativamente: “E se eu fosse um papai ¢ alguémi quisesse jogar-me no chio detras da cama © me matar ¢ liquidar, 0 que eu pensaria disto?” Isso mostra que ele havia ndo apenas elaborado, compreendido aceito minha interpretacio, mas que tinha também reconhecido muito mais. Ele compreendeu que seus Prdprios sentimentos agressivos dirigidos uo pai contribufam para ter medo dele, e também que ele havia projetado scus préprios impulsos no pai. Um dos pontos importantes da técnica através do brincar sempre foi a andlise da transferéncia. Como sabemos, o paciente repete, na transferén- cia com 0 analista, emogées c conflitos anteriores. E da minha experiéncia que podemos fundamentalmente ajudar 0 paciente ao levar de volta, por meio de nossas interpretagées transferenciais, suas fantasias e ansiedades para o lugar onde elas se originaram, a saber, na infancia ¢ na relagao com seus primeiros objetos, pois, ao reviver emogées e fantasias arcaicas © compreendé-las em relacdo a seus objetos primérios, ele pode, por assim dizer, reexaminar essas relagdes em suas rafzes e, desta forma, diminuir efetivamente suas ansiedades. — 160— ges?” Minha prépria experiéncia e a de meus colegas tém sido de que, se as interpretacées dizem respeito a pontos relevantes no material, elas s40 plenamente compreendidas. E claro que o analista de criangas deve dar Suas interpretagGes tao suscinta e claramente quanto possfvel, e deve tam- bém usar as expressdes da crianga ao fazé-lo. Mas, se traduz em palavras simples os pontos essenciais do material a ele apresentado, ele entra em contato com aquelas emogées ¢ ansiedades que esto mais operantes no momento. A compreensio consciente e intelectual da crianga 6, com fre- qiiéncia, um processo decorrente. Uma das muitas experiéncias interes santes € surpreendentes daquele que se inicia na andlise de criangas € en- contrar, até mesmo em criangas muito pequenas, uma capacidade de insi- ght que freqiientemente € bem maior que a de adultos. Isso se explica em alguma medida pelo fato'de que as conexées entre consciente e incons- ciente so mais préximas em criangas pequenas do que em adultos, ¢ de que as repressdes infantis séo menos poderosas, Acredito também que as. capacidades intelectuais do bebé sao freqiientemente subestimadas e que, de fato, cle compreende mais do que se acredita. Iustrarei agora 0 que disse através da resposta de uma crianga pe- quena a interpretacées. Peter, de cuja andlise dei alguns detalhes, tinha objetado fortemente 2 minha interpretag&o de que o boneco-homem que ele havia derrubado da “‘cama’’ e que estava “morto e liquidado” repre- sentava sew pai. (A interpretacdo de desejos de morte contra uma pessoa amada suscita geralmente uma grande resisténcia em criangas, assim, co- mo em adultos.) Na terceira sessdo, Peter trouxe novamente material si- milar, mas agora aceitou minha interpretacio e disse pensativamente: “E se eu fosse um papai ¢ alguém quisesse jogar-me no chéo detrés da cama € me matar € liquidar, o que eu pensaria disto?” Isso mostra que cle havia n&o apenas claborado, compreendido © aceito minha interpretacéo, mas que tinha também reconhecido muito mais. Ele compreendeu que seus Pr6prios sentimentos agressivos dirigidos uo pai contribufam para ter medo dele, e também que ele havia projetado seus préprios impulsos no pai Um dos pontos importantes da técnica através do brincar sempre foi a andlise da transferéncia. Como sabemos, o paciente repete, na transferén- cia com 0 analista, emogées e conflitos anteriores. & da minha experiéncia que podemos fundamentalmente ajudar o paciente ao levar de volta, por meio de nossas interpretagées transferenciais, suas fantasias e ansiedades para o lugar onde elas se originaram, a saber, na infancia ¢ na relagéo com seus primeiros objetos, pois, ao reviver emogées e fantasias arcaicas © compreendé-las em relacdo a seus objetos primérios, cle pode, por assim dizer, reexaminar essas relagdes em suas rafzes e, desta forma, diminuir efetivamente suas ansiedades —~ 160— Vv Ao rever os primeiros anos do meu trabalho, eu destacaria alguns fa- tos. Mencionei no infcio deste artigo que, ao analisar meu primeiro caso infantil, percebi que meu interesse se ccntrava em suas ansiedades e nas defesas contra elas. Minha énfase sobre a ansiedade levou-me cada vez mais profundamente para dentro do inconsciente e da vida de fantasia da crianga. Essa énfase particular era contréria ao ponto de vista psicanaltti- co de que as interpretagées nao deveriam ser muito profundas nem dadas freqiientemente. Persisti em minha abordagem, apesar do fato de que en- volvia uma mudanga radical na técnica. Esta abordagem levou-me a um territério novo, pois abriu a perspectiva da compreensio das fantasias in- fantis, das ansiedades e defesas arcaicas que eram, até entéo, em grande parte, ainda inexploradas. Isso se tornou claro para mim quando iniciei a formulacgéio teérica de minhas descobertas clinicas. Um dos diversos fenémenos que me impressionaram na andlise de Rita foi a severidade de seu superego. Descrevi, no livro The Psycho- Analysis of Children, como Rita costumava desempenhar o papel de uma me severa e punitiva que tratava a crianca (representada pela boneca ou por mim) muito cruelmente. Além disso; sua ambivaléncia em relagao 4 mae, sua necessidade. extrema de ser punida, seus. sentimentos de culpa e seus terrores noturnos levaram-me a reconhecer que, nesta crianga de dois anos € nove meses — claramente remontando a uma idade muito anterior —, operava um superego severo e implaé4vel. Vi esta descoberta confirmar- se nas anélises de outras criangas pequenas e cheguei A conclusio de que ‘© superego surge em um estAgio muito anterior ao que Freud supunha. Em outras palavras, tornou-se claro para mim que o superego, tal como con- cebido por ele, € 0 produto final de um desenvolvimento que se estende por anos. Como resultado de observacées posteriores, reconheci que 0 su- perego € algo que € sentido pela crianga como operando internamente de modo concreto, que consiste de uma variedade de figuras construfdas a partir das experiéncias ¢ fantasias da crianga € deriva-se dos estdgios nos quais ela internalizou (introjetou) seus pais. Essas observag6es conduziram, por sua vez, nas andlises de meninas pequenas, & descoberta da principal situacdo de ansiedade feminina: a mae € sentida como o perseguidor primordial que, como objeto externo ¢ in- ternalizado, ataca 0 corpo da crianca’e Ihe toma suas criancas imaginérias. Essas ansiedades surgem dos ataqies fantasiados da menina ao corpo da mde, que visam roubar-lhe seus contetidos, isto é, as fezes, o pénis do pai © as criangas, ¢ resultam no medo da retaliagao por meio de ataques simi- Jares. Encontrei essas asiedades persecutérias combinadas ou alternando- se com sentimentos profundos de depressfio ¢ culpa, e essas observacées levaram-me ent&o a descoberta do papel vital que a tendéncia a fazer re- ~—161- paragdes desempenha na vida mental. A reparagdo, neste sentido, € um conceito mais amplo do que os conceitos de Freud de “‘o desfazer da neu- Tose obsessiva” e de “formacao reativa”’, pois inclui a variedade de pro- cessos através dos quais 0 ego sente que desfaz 0 dano feito em fantasia, restaura, preserva ¢ faz reviver objetos. A importancia desta tendéncia, intrinsecamente ligada como € a sentimentos de culpa, repousa também na grande contribuigao que faz a todas as sublimag6es e, desta forma, a sati- de mental. Ao estudar os ataques fantasiados ao corpo da me, logo me deparei com impulsos sddico-anais e sddico-uretrais. Mencionei acima que reco- nheci a severidade do superego em Rita (1923) e que sua andlise ajudou- me enormemente a compreender 0 modo pelo qual os impulsos destrutivos dirigidos & mie tornam-se a causa de sentimentos de culpa e perseguicao. Um dos casos através dos quais tomou-se clara para mim a natureza sAdi- co-anal € s4dico-uretral destes impulsos destrutivos foi o de “Trude”’, com trés anos e trés meses de idade, que analisci em 1924°. Quando che- gou a mim para tratamento, ela sofria de v4rios sintomas, tais como terro- res noturnos ¢ incontinéncia de urina e fezes. Logo no infcio de sua andli- se ela me pedia para fingir que eu estava na cama dormindo, Entio, ela dizia que iria me atacar ¢ procurar por fezes (que descobri que também representavam criancas) em minhas n4degas, e que iria retir4-las. Depois desses ataques, ela se agachava em um canto e brincava que estava na cama, cobrindo-se com almofadas (que serviam para proteger seu.corpo-¢ que também representavam criancas). Ao mesmo tempo, ela se urinava de fato e demonstrava claramente que estava com muito medo de ser atacada por mim. Suas ansiedades em relagdo 4 mie internalizada perigosa con- firmaram as conclus6es que formei pela primeira vez na anélise de Rita. Estas duas anélises foram de curta duragao, em parte porque os pais acha- ram que uma melhora suficiente havia sido alcangada"*. Logo depois, fiquei convencida de que tais impulsos e fantasias des- trutivas podiam ser sempre remontados aos impulsos ¢ fantasias s&dico- orais. De fato, Rita j4 o havia demonstrado bastante claramente. Em uma ocasiao, ela pintou de preto um pedago de papel, tasgou-o, jogou os pe- dacos em um copo d’4gua, que levou & boca como se fosse beber, ¢ disse em voz baixa: “mulher morta’"', Compreendi naquele momento que esse rasgar e molhar o papel expressavam fantasias de atacar e matar sua me, fantasias estas que davam origem a medos de retaliacfio. J4 mencionei que foi com Trude que me tornei consciente da natureza sidico-anal e sidico- ° Cf. The Psycho-Analysis of Children, ° Rita teve 83 sessSes, Trude 82. '! Vide The Oedipus Complex in the Light of Early Anxieties (1945), Obras Completas, vol. I, Pe 404. —162-— uretral especffica de tais ataques. Mas, em outras andlises, realizadas em 1924 e 1925 (Ruth e Peter, ambos descritos em The Psycho-Analysis of Children), também me tomei consciente do papel fundamental que os im- pulsos sfdico-orais desempenham nas fantasias destrutivas e nas ansieda- des correspondentes, encontrando assim, na andlise de criangas pequenas, a confirmacio plena das descobertas de Abraham". Estas andlises, que me deram maior campo para observacéio, uma vez que duraram mais do que as anfliscs de Rita ¢ Trude", levaram-me a um insight mais completo sobre 0 papel fundamental dos desejos e ansiedades orais no desenvolvi- mento mental normal e anormal". Como mencionei, eu j& havia reconhecido em Rita e em Trude a in- temalizagio de uma mie atacada e, por isso, amedrontadora — 0 superego severo. Entre 1924 e 1926, analisci uma crianga que estava de fato muito doente'’, Através de sua andlise, aprendi muito sobre os detalhes espectfi- cos de tal internalizacdo sobre as fantasias impulsos subjacentes as an- siedades parandides e manfaco-depressivas, pois vim a compreender a natureza oral ¢ anal de seus processos introjetivos e as situagdes de perse- guigdo interna que engendravam. Tomei-me também mais consciente dos modos pelos quais as perseguigées internas influenciam, através da proje- so, a relacdo com objetos externos. A intensidade de sua inveja e de seu 6dio demonstrayam inequivocamente sua origem na relag&o s4dico-oral com o seio da mie e estavam interligadas aos primérdios de scu complexo de Edipo. O caso de Ema me ajudou muito a preparar o terreno para uma série de conclus6es que apresentei no X Congresso Internacional de Psi canélise, em 1927'*, ¢m particular a concepgdo de que o superego primiti- vo, construfdo quando os impulsos e fantasias s&dico-orais esto em seu auge, subjaz & psicose — uma concepefio que desenvolvi dois anos mais tarde ao salientar a importéncia do sadismo oral na esquizofrenia'’. Simultaneamente As andlises até aqui descritas, pude fazer algumas observagées interessantes relativas a situagGes de ansiedade em meninos. As anflises de meninos ¢ homens confirmaram plenamente a concepgio de Freud de que o medo da castracio € a principal ansiedade masculina, mas reconheci que, devido a identificagdo arcaica com a mie (a posicéo feminina que anuncia os estégios iniciais do complexo de Edipo), a ansie- "? Cf. “A Short History of the Development of the Libido, Viewed in the Light of Mental Disorders” «1924. ** Ruth teve 190 sessbes, Peter 278. ** Essa conviegéo crescente sobre a importincia fundamental das descobertas de Abraham foi também o resultado de minha anflise com ele, que comecou em 1924 e foi prematuramente interrompida quatorze meses mais tarde devido & sua enfermidade e morte. "5 Descrita sob o nome de “Erna” no livro The Psycho-Analysis of Children, capitulo IIL. "6 Cf. Early Stages of the Oedipus Conflict (1928). "” CE. The Importance of Symbol-Formation in the Development of the Ego (1930). — 163- dade relativa a ataques ao interior do corpo € de grande importncia nos homens, assim como nas mulheres, ¢ influencia ¢ modela de diversas ma- neiras seus medos de castragao. As ansiedades originadas a partir dos ataques fantasiados ao corpo da mie e ao do pai que ela supostamente contém provaram estar, em ambos os sexos, subjacentes & claustrofobia (que inclui o medo de ser aprisiona- do ou enterrado no corpo da mie). Pode-se ver a conexfo dessas ansieda- des com o medo da castracfo, por exemplo, na fantasia de perder o pénis ou deté-lo destrufdo dentro da mae — fantasias que podem resultar em im- poténcia, Cheguei a observar que os medos relacionados a ataques 20 corpo da mie e de ser atacado por objetos externos ¢ internos tinham uma qualida- de e uma intensidade particulares que sugeriam uma natureza psic6tica. Ao explorar a relagfo da crianga com objetos internalizados, varias situa- g6es de perseguicao interna e seus contetidos psicdticos tornaram-se cla- ros. Além disso, 0 reconhecimento de que o medo de retaliacio deriva-se da prépria agressividade do individuo levou-me a sugerir que as defesas arcaicas do ego sao dirigidas contra a ansiedade suscitada pelos impulsos ¢ fantasias destrutivos. Repetidamente, cada vez que essas ansiedades psi- céticas eram remontadas as suas origens, verificava-se que elas provinham do sadismo oral. Reconheci também que a relac&o sAdico-oral com a mae ea internalizagSo de um seio devorado — e, portanto, devorador — consti- tuem 0 pistStips “de” todos ‘os perseguidores internos; ¢, além disso, que a internalizagao de um seio danificado — e, portanto, temido — por um la- do, ¢ de um seio que satisfaz ¢ que auxilia, por outro, constitui o micleo do superego. Concluf também que, embora as ausiedades orais surjam em primeiro lugar, fantasias e desejos s4dicos provenientes de todas as fontes esto ativos em um estégio muito inicial do desenvolvimento e se sobre- pdem as ansiedades orais'*. A importancia das aasiedades infantis que descrevi acima foi também: demonstrada na andlise de adultos muito doentes, alguns dos quais eram casos psicéticos fronteirigos"”. "* Essas ¢ outras conclusdes esto contidas nos dois artigos jé mencionados, Early Stages of the Oedipus Confiict ¢ The Importance of Symbol-Formation in the Development of the Ego. Vide também Personification in the Play of Children (1929). '* & possivel que a compreenso dos contetidos das ansiedades psicéticas e da urgéncia em inter- preté-las tenha se tomado clara para mim na andlise de um esquizofrénico parandico que tratei Por um més, Em 1922, um colega que estava saindo de férias pediu-me para tomar por um més ‘um paciente seu esquizofrénico, Descobri desde 2 primeira hora que eu nfo deveria permitir 20 peciente permanecer em siléncio por qualquer perfodo de tempo. Senti que seu siléncio impli- cava perigo, e em cada um desses momentos interpretei suas suspeitas a meu respeito, por ‘xemplo, de que eu estava tramando com seu tio e que nés o interditarfamos legalmente outra vez (sua interdigéo havia sido suspense recentemente) ~ material que ele expressou verbal- mente em outras ocasides. Uma vez em que eu havia interpretado seu siléncio dessa maneira, —164— Houve outras experiéncias que me ajudaram a atingir ainda outra concluséo. A comparagao entre Ema, indubitavelmente paranéica, e as fantasias ¢ ansiedades que encontrei em criangas menos doentes — que po- deriam ser apenas chamadas.de neuréticas — convenceu-me de que ansic- dades psicéticas (parandides ¢ depressivas) subjazem A neurose infantil. Fiz também observacées similares nas anflises de adultos neuréticos. To- das essas diferentes linhas de observacao resultaram na hipdtese de que ansiedades de natureza psicstica fazem parte, em certa medida, do desen- volvimento infantil normal, sendo expressas e elaboradas no curso da neu- rose infantil?°, No entanto, para expor essas ansiedades infantis, a andlise tem que ser levada as camadas profundas do inconsciente, ¢ isto se aplica tanto a adultos quanto a criangas*". Na introdugao deste artigo, j4 foi assinalado que, desde 0 principio, minha atengo centrou-se sobre as ansiedades da crianga, e que foi por meio da interpretacdo de seus contetidos que me senti capaz de diminuir a ansiedade. Para tanto, tive que fazer pleno uso da linguagem simbélica do brincar, que reconheci como sendo uma parte essencial do modo de ex- pressdo da crianca. Como vimos, 0 bloco, a figurinha, 0 carro nfo repre- sentam apenas coisas que interessam & crianga por si mesmas: no seu brincar elas sempre tém, também, uma variedade de significados simbéli- cos que esto interligados com as fantasias, desejos e experiéncias da crianga. Este modo arcaico de expresso é também a linguagem.com.a qual estamos familiarizados nos sonhos, e foi aproximando-me do brincar da crianca de um modo similar & interpretagdo de sonhos de Freud que relacionando-o com material prévio, 0 paciente, sentando-se, perguntou-me em um tom ameacador: ‘*Vocé vai mandar-me de volta ao hospital psiquidtrico?” Mas logo se acalmoue comecou 2 falar mais livremente. Isso mostrou-me que eu estava no caminho certo ¢ que eu deveria continuar a interpretar suas suspeitas ¢ sentimentos de perseguicSo. Em certa medida, produziu-se uma transferéncia positiva, bem como uma negativa, em relaclo 2 mim. Mas, em ‘um certo ponto, quando seu medo de mulheres surgiu muito intensamente, cle me pediu 0 no- me de um analista homem ao qual pudesse se dirigir. Dei-Ihe um nome, mas ele nunca procu- rou esse colega, Durante aquele més, vi o paciente todos os dias. O analista que havia me pedi- do para tomé-lo encontrou algum progresso em sua volta ¢ desejou que eu prosseguisse a and- lise. Recusei, pois ficara plenamente consciente do perigo de tratar um paranGico sem qualquer proteco ou outro arranjo adequado. Durante 0 tempo em que o analisei, ele freqilentemente ficava parado durante horas na frente da minha casa, olhando para minha janela, embora ape- nas em poucas ocasides cle tocasse a campainha e pedisse para ver-me. Posso mencionar que depois de um breve perfodo ele foi novamente interditado. Embora naquela época eu nao tenha tirado nenhuma conclusio te6rica dessa experiéncia, creio que esse fragmento de andlise pode ter contribufdo para meu insight posterior sobre a natureza psicética das ansiedades infantis € para o desenvolvimento de minha técnica. ‘Como sabemos, Freud percebeu que nao hé diferenga estrutural entre o normal eo neurético, € essa descoberta foi da maior importincia na compreensio dos processos mentais em geral. Mi- nha hipStese de que ansiedades de natureza psicética esto onipresentes na infaincia e subjazem A ncurose infantil 6 uma extensio da descoberta de Freud. As conclusées que apresentei no timo pardgrafo séo tratadas extensamente no livro The Psi- cho-Analysis of Children. 20 — 165— descobri que poderia ter acesso ao inconsciente da crianga. Mas temos que considerar 0 uso de simbolos de cada crianga em conexdo com suas emogées e ansiedades particulares ¢ em relaco com a situagao total que € apresentada na anélise. Meras tradugdes generalizadas de sfmbolos néo tém sentido, A importancia que atribuf ao simbolismo conduziu-me, com 0 decor- rer do tempo a conclusées teéricas sobre 0 processo de formacao de sim bolos. A andlise através do brincar havia mostrado que o simbolismo pos- sibilitava crianga transferir ndo apenas interesses, mas também fantasias, ansiedades e culpa a outros objetos além de pessoas”. Desta forma, muito alfvio € experimentado no brincar, e este é um dos fatores que o tornam to essencial para a crianga. Peter, por exemplo, a quem me referi ante- riormente, quando interpretei 0 fato de ter danificado um boneco como Tepresentando ataques a seu irmao, mostrou-me que cle nao faria isto ao seu irmfo real, mas somente ao irmao de brinquedo. Minha interpretagao naturalmente deixou claro para ele que era realmente seu irmfo que ele desejava atacar, mas o exemplo mostra que era somente através de meios simbélicos que ele podia expressar suas tendéncias destrutivas na andlise. Também cheguei 4 concepgao de que em criangas uma inibig&o seve- ra da capacidade de formar e usar sfmbolos, e, desta forma, desenvolver a vida de fantasia, € sinal de séria perturbacio”. Sugeri que tais inibigdes, e a perturbagao resultante na relacéo com o mundo externo e com a realida- de, sao caracterfsticas da esquizofrenia™*- Posso dizer, de passagem, que descobri ser de grande valor do ponto de vista clinico ¢ tedrico o fato de que eu estava analisando tanto adultos quanto criangas. Desta forma pude observar as fantasias e ansiedades do bebé ainda operantes no adulto, ¢ avaliar na crianca pequena o que pode- tia vir a ser seu desenvolvimento futuro. Foi comparando a crianga gra- vemente doente com a neurética ¢ a normal, e reconhecendo ansiedades infantis de natureza psicética como causa de doenga em adultos neurséti- cos, que cheguei &s conclusées descritas acima®’, VI Ao remontar, nas anélises de adultos e criangas, o desenvolvimento de impulsos, fantasias ¢ ansiedades as suas origens, isto €, aos sentimen- tos dirigidos ao seio da mae (mesmo em criangas que nao foram amamen- *? Em relacio a isso, cf. o importante artigo do Dr. Emest Jones The Theory of Symbolism (1916). ° The Importance of Symbol-Formation in the Development of the Ego (1930). ** Bsa conclusio tem influenciado desde entfo a compreensio do modo esquizofrénico de co- municacio e encontrou seu lugar no tratamento da esquizofrenia. 25 Ngo posso tratar aqui da diferenca fundamental que, além dos aspectos comuns, existe entre o normal, o neurético € o psicbtico. = 166— descobri que poderia ter acesso ao inconsciente da crianga. Mas temos que considerar 0 uso de s{mbolos de cada crianga em conexfo com suas emogées e ansiedades particulares e em relaco com a situagdo total que apresentada na andlise. Meras tradugdes generalizadas de s{mbolos nao tém sentido. A importancia que atribuf ao simbolismo conduziu-me, com o decor- rer do tempo a conclusées tedricas sobre 0 proceso de formagéo de sim- bolos. A andlise através do brincar havia mostrado que o simbolismo pos- sibilitava a crianga transferir no apenas interesses, mas também fantasias, ansiedades ¢ culpa a outros objetos além de pessoas”, Desta forma, muito alfvio € experimentado no brincar, e este € um dos fatores que o tomam t&o essencial para a crianga. Peter, por exemplo, a quem me referi ante- tiormente, quando interpretei o fato de ter danificado um boneco como Tepresentando ataques a seu irmAo, mostrou-me que ele nao faria isto 20 seu irmio real, mas somente ao irmao de brinquedo. Minha interpretacio naturalmente deixou claro para ele que era realmente seu irmao que ele desejava atacar, mas o exemplo mostra que era somente através de meios simbGlicos que ele podia expressar suas tendéncias destrutivas na andlise, Também cheguei & concepgdo de que em criangas uma inibigdo seve- ta da capacidade de formar e usar sfmbolos, e, desta forma, desenvolver a vida de fantasia, é sinal de séria perturbagao™. Sugeri que tais inibicées, a perturbacao resultante na relagio com o mundo extemo e com a realida- de, so caracterfsticas da esquizofrenia™*. Posso dizer, de passagem, que descobri ser de grande valor do ponto de vista clfnico ¢ te6rico 0 fato de que eu estava analisando tanto adultos quanto criangas. Desta forma pude observar as fantasias e ansiedades do bebé ainda operantes no adulto, e avaliar na crianga pequena o que pode tia vir a ser seu desenvolvimento futuro. Foi comparando a crianca gra- vemente doente com a neurética e a normal, e reconhecendo ansiedades infantis de natureza psic6tica como causa de doenga em adultos neuréti- cos, que cheguei as conclusées descritas acima”’. VI Ao remontar, nas andlises de adultos ¢ criangas, 0 desenvolvimento de impulsos, fantasias ¢ ansicdades As suas origens, isto 6, aos sentimen- tos dirigidos ao seio da mae (mesmo em criangas que nao foram amamen- 2) Em relacdo a isso, of. o importante artigo do Dr. Emnest Jones The Theory of Symbolien (1916), * The Importance of Symbol-Formation in the Development of the Ego (1930). ** Essa conclusio tem influenciado desde entfo a compreensio do modo esquizofrénico de co- municac&o ¢ eneontrou seu lugar no tratamento da esquizofrenia. ** No posso tratar aqui da diferenca fundamental que, além dos aspestos comuns, existe entre o normal, 0 neur6tico €0 psicstico. — 166 — tadas ao seio), descobri que as relagdes de objeto iniciam-se quase no nascimento e surgem com a primeira experiéncia de alimentag&io. Desco- bri, além disso, que todos os aspectos da vida mental estdo intimamente ligados a relages de objeto. Também se fez evidente que a experiéncia que a crianga tem do mundo externo — que muito cedo inclui sua relagéo ambivalente com o pai ¢ com outros membros da famflia — é constante- mente influenciada — e por sua vez influencia — 0 mundo externo que ela est4 construindo, e que situagdes externas ¢ internas so sempre interde- pendentes, uma vez que a introjeco e a projecio operam lado a lado des- de 0 infcio da vida. ‘As observag6es de que na mente do bebé a mie aparece primaria- mente como um seio bom ¢ um seio mau cindidos, ¢ de que em poucos meses, com a integrag&o crescente do ego, os aspectos contrastantes co- megam a ser sintetizados, ajudaram-me a compreender a importancia dos processos de cisdio e de manutengSo das figuras boas ¢ més separadas, assim como a compreender 0 efeito de tais processos sobre 0 desenvolvi- mento do ego. A conclusao extrafda da experiéncia de que a ansiedade depressiva surge como um resultado da sfntese pelo ego dos aspectos bons e maus (amados e odiados) do objeto levou-me, por sua vez, a0 conceito da posigdo depressiva, que atinge seu auge por volta do primeiro ano. Esta € precedida pela posigo paranéide, que se estende pelos primeiros trés ou quatro meses de vida-e € caracterizada por ansiedade persecut6ria © processos de cisio””. Mais tarde, em 1946”, quando reformulei minhas concepeées sobre os primeiros trés ou quatro meses de vida, chamei este estdgio (fazendo uso de uma sugestdo de Fairbairn)” de posic&io esquizo- paranéide e, a0 me dar conta aos poucos de seu significado, procurei co- ordenar meus achados sobre cisfio, projecio, perseguigao ¢ idealizacio. ‘Meu trabalho com criangas ¢ as conclusées te6ricas que dele extraf influenciaram cada vez mais minha técnica com adultos. Sempre foi um principio fundamental da psicandlise que 0 inconsciente, que se origina na mente infantil, tem que ser explorado no adulto. Minha experiéncia com criangas levou-me muito mais profundamente numa direcfio do que era a prética anterior, conduzindo-me a uma técnica que possibilitou 0 acesso a essas camadas. Minha técnica através do brincar ajudou-me, em particu- lar, a ver qual material necessitava mais de interpretagio no momento ¢ 0 modo pelo qual esta seria mais facilmente transmitida ao paciente —e algo deste conhecimento eu pude aplicar as anélises de adultos*. Como foi as- 26 Personification in the Play of Children (1929), 27 «4 Contribution to the Psychogenesis of Manic-Depressive States” (1935). 4 «Notas sobre Alguns Mecanismos Esquizsides” (1946). 29 Fairbairn, W. R. D.,A Revised Psychopathology of the Psychoses and Neuroses (1941). °° A técnica através do brincar tem também influenciado o trabalho com criangas em outros cam~ pos, como por exemplo na orientacio de criangas e na educacao. Foi dado um novo impulso 20 — 167 — sinalado anteriormente, isso nfo significa que a técnica usada com crian- cas seja idéntica a abordagem usada com adultos. Embora retracemos nos- so caminho de volta aos estdgios mais iniciais, ao analisar adultos € de grande importéncia levar em conta o ego adulto, assim como, com crian- as, temos em mente o ego infantil de acordo com o estégio de seu desen- volvimento. A compreensiio mais plena dos est4gios mais iniciais do desenvolvi- mento, do papel das fantasias, ansiedades e defesas na vida emocional do bebé, também lancou luz sobre os pontos de fixagao da psicose adulta. Como resultado, abriu-se um novo caminho de tratamento de pacientes psic6ticos pela psicandlise. Este campo, em particular a psicandlise de pa- cientes esquizofrénicos, necessita de muito mais exploraco. Mas o tra- balho feito nesta direcao por alguns psicanalistas inclu{dos neste livro pa- rece justificar esperancas para o futuro. desenvolvimento de métodos educacionais na Inglaterra com a pesquisa de Susan Isaacs nz’ Malting House School. Seus livros sobre este trabalho foram amplamente lidos ¢ tiveram um efeito duradouro sobre as técnicas educacionais neste pais, especialmente no que diz respeito as eriangas pequenas. Sua abordagem foi fortemente influenciada por seu grande apreco pela andlise de criances, ¢ particularmente pela técnica através do brincar; ¢ € em grande parte devi- do a cla que a compreensio psicanalftica de criancas tem contribufdo para o desenvolvimento da educacdo na Inglaterra. — 168-

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