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Selecao por consequéncias como modelo de causalidade e a clinica analitico-comportamental ASSUNTOS DO CAPITULO ET Sd VEC aCe aPC a Modelo de causalidade. Populagées ou classes de resposta, VoVUboY Modelos de causalidade mecanica ou teleolégica. © modelo de causalidade da Anélise do Comportamento: modelo de selegao por consequéncias, A explicagao do comportamento como multideterminado, histérico e inter-relacionado, Modelo de selegao natural ¢ selegao por consequéncias. As fungées selecionadora e instanciadora do ambiente. Variagao ¢ selecao nos diferentes nivels: filogenético, ontogenético e cultural Por que Paula tem “um citime doentio” do seu namorado, mesmo que ele nao Ihe dé motivo algum? O que teria levado Rodrigo a deixar de sait com os amigos ¢ praticar espor- tes ea reclamar constantemente que sua vida nio tem sentido ¢ de que nada Ihe dé mais prazer? O que fazer com toda a preocupagio de Ligia com sua dieta e seus repetidos epis6- dios de “compulsio alimentar’ seguidos da indusio de vomitos? As respostas a essas per guntas serio certamente diferentes entre si, envolvendo aspectos especificos das vidas de Paula, Rodrigo ¢ Ligia. Uma tinica e mesma resposta nfo seré adequada a todas as pergun- tas. Clinicos analitico-comportamentais, contudo, procurario responder estas questes investigando variaveis semelhantes. As res- postas também serio formuladas de modo parecido e, consequentemente, suas interven- es nos trés casos terdo semelhangas. Essas semelhangas devem-se ao sistema explicativo ¢ ao modelo de causalidade (ou modo causal) que fundamentam a clinica analitico-compor- tamental. > 0 QUE EE PARA QUE SERVE UM MODELO DE CAUSALIDADE Na ciéncia, sistemas explicativos (ou teorias) sio 0 conjunto de leis e descrigées sobre um dado fendmeno (um objeto de estudo). Os 7B Borges, Cassas & Cols. Os clinicos analtico- -comportamentais, baseiam sua inter vengao no sistema explicativo conheci- do como anélise do ‘comportamento, O modelo de caus dade assumido pela ‘anélise do compor ‘tamento é 0 modelo de selegao por ‘consequéncias. curadas, Si0 os mo- delos de causalidade, portanto, que orien- tam a construgdo de conhecimento em um sistema explicativo ou teoria, Daf sua im- portanci O modelo de causaldadesssumido pela ‘Skinner, 1981/2007) ¢, como seria de se esperar, é fundamental, pois: a) integra de modo abrangente ¢ dé sentido pleno aos conceitos da Andlise do Com- portamento; b) distingue a Andlise do Comporramento de outros sistemas explicativos do com- portamento humano individual; e ©) sintetiza como analistas do comportamen- to, dentre eles os clinicos analitico-com- portamentais e outros prestadores de ser- vigo, estabelecem relagées entre eventos (ambientais ¢ comportamentais) e onde ¢ como procuram as explicagées para os problemas que tém que resolver. eek > 0 MODELO DE SELECAO POR CONSEQUENCIAS: DESENVOLVIMENTO, PRINCIPAIS CARACTERISTICAS E EXPLICACOES SUBSTITUIDAS O modelo de selegao por consequéncias este- ve presente na obra de B. F. Skinner (1904- 1990) pelo menos desde 0 livro Ciéncia ¢ comportamento bumano, de 1953. Mas foi apenas no artigo “Seles por consequén- cias”, de 1981, que Skinner apresentou-o ex- plicitamente como modelo de causalidade que seria mais adequado a todo comporta- mento (Andery, 2001 O modelo de se 40 por consequén cias substitui, entre “les R. Darwin (1809- 1882) sobre a evolu- ‘¢Go das espécies. agentes iniciado- res autonomos @ explicagées teleo- logicas, que apelam para um propésito ‘ou intengao como causas finals. (1859/2000) como o == on b) No primeiro caso, evolugio ¢ compor- tamento seriam empurrados por stias causas; no segundo, seriam puxados, iriam a reboque de suas causas. A teoria da selegéo natural de A explicagio da evolusio das espécies proposta por Darwin ¢ hoje generalizada- mente aceita pelos biélogos (por ex., Mays, ‘Acxplicagéo do comportamento 6 similar ao da espécie. Assi padrées comporta- mentais decorrem de processos de vvariagio de compor- tamentos (respostas) ‘Tais variagées sdo de pequena magnitude, se comparadas com as demais “versdes” existentes, ¢ sio mui- tas vezes chamadas de aleatérias, mas apenas nfo so orientadas em uma certa dire- cio (por exemplo, & adapracio). consequéncias. Diz-se, e1 Go, que tas varias foram slecionadas pe= | dugio). A reprodugo dos individuos com um determinado genétipo/fenétipo (em 79 Clinica analitico-comportamental maior frequéncia do que individuos com ou- tos genétipos/fendtipos) torna mais frequen te a presenca deles em uma populacio e dize- mos que houve selesdo daquele genétipolfe- nétipo — 0 segundo proceso envolvido na selegio natural. entre esses descendentes (com pesco- 50s na média um pouco maiores que o grupo de girafas da geragio precedente), 0 processo se repetiu e se estendeu: algumas girafas, com tum pescoso ainda um pouco maior (varia- 540), tiveram, consequentemente, mais filho- tes, deixando mais descendentes (selegio). E assim sucessivamente, até a selegio de popu- lagies de girafas com pescosos bem maiores do que as de gerages anteriores. Skinner aplicou este mesmo paradigma ao comportamento. E assim, informada por um modelo de causalidade andlogo ao da se- lecio das espécies, a Andlise do Comporta- mento, especialmente a partir do conceito de condicionamento operante, também substi- tui a) explicagies (do comportamento) baseadas em agentes iniciadores auténomos (uma vontade, desejo, forga psiquica e/ou men- we b) explicagées tcleoldgicas (do comporta- mento), que apelam para um propésito ow intenga0 como causas finais (Skinner, 1981/2007). 80 Borges, Cassas & Cals, ¢ suas consequéncias) ~ é explicada pela exis- réncia de certas nariagées (que ocorrem sem diresio certa) nas respostas emitidas por um individuo e pela selesao de tais vatiasées por consequéncias comportamentalmente rele- vantes (fundamentalmente, estimulos refor- sadores), ou seja, pela aumentada recorréncia de tais respostas ¢ de suas consequéncias ‘Um conjunto de explicagées que foram substitufdas por explicagées baseadas no mo- delo de seleséo por consequéncias, portanto, apela para agentes Omodelo de sologéo —iniciadores autdno- porconsequéncias mos, Essas_explica- difere marcada mente de modelos mecanicistas por do enfatizar ou ssupor que eventos Lnitéri, tomporal- ‘mente anteriores 2 imediatamente préximos causariam ‘outros eventos cconsiderados seus efeitos necessérios. ses substituldas so associadas a modelos de causalidade inspi- rados pelo sistema ex- plicativo, desenvolvi- do na fisica, chamado de mecanica classica. E importante desta- car que o modelo de selesio por conse- quéncias difere marcadamente desses modelos mecanicistas por no enfatizar ou supor que eventos unitarios, temporalmente anteriores & imediatamente préximos causatiam outros eventos considerados seus efeitos necesrios. Em seu lugar, @ modelo de seleséo por consequéncias supde que os seres vivos ¢ os eventos que sio c racteristicos dos seres Comportamento é ‘um fendmeno de mialtiplas causas © essas causas so ‘construgdas histé cas de inter-elagdes fontre arganismo © ambiente, vivos ~ como o com- portamento — s6 po- dem ser explicados considerando-se que ais fendmenos cém miitiplas“causas’ que siio sempre histricas e inter-relacionadas. E.que cratar de “causas”, neste caso, significa tratar da constituigio histérica do fendmeno e das mu- dangas de probabilidade do fendmeno de nos- so interesse em relago a um universo de fend menos possiveis. u seja, a0 menos dois pontos sio fun- damentais para esclarecer melhor 0 modelo de selesio por consequéncias (especialmente quando tratamos do comportamento) a) a énfase na anélise de unidades que sio compostas por varias insténcias distribu‘ das no tempo, ou seja, unidades popula- cionais e histéricas; ¢ b) a perspectiva da inter-relagio entre dife- rentes “causas” que afetam a probabilida de de certos eventos (multideterminasio) —e que, no caso da explicasio do compor- tamento, pode implicar, de fato, que 0 comportamento é ele mesmo uma inter -relagio, que em certa medida separamos quando o escudamos. > AENFASE EM UNIDADES POPULACIONAIS E HISTORICAS E SUAS IMPLICAGOES PARA A CLINICA ANALITICO- -COMPORTAMENTAL A principal unidade de anilise na evolugéo bioldgica é a espécie, definida como uma po- pulagao de organismos capazes de se repro- duzir entre si (incluindo seus ancestrais jé falecidos). Assim, por exemplo, a espécie humana é composta por todas as pessoas vi- vas hoje que podem gerar descendentes fér- teis e também por seus pais, avds, bisavés, etc. — e incorporard também as pessoas que nascerem futuramente (filhos, netos, bisne- tos, etc.) € que possam gerar descendentes férteis. Na evolugéo comportamental, que se dé sempre no ambito da vida de um tinico in- dividuo, a principal unidade de anilise é 0 aperante, definido como uma populasio de respostas individuais que produzem (ou pro- duziram) certa consequéncia.* O operante “ir para casa’, que é parte do repertério de Paula, Tanto_na evo- lusio biol6gica quan- to na comportamen- tal, portanto, as uni- dades com as quais twatamos sio entida- des fluidas ¢ evanes- centes, nao s4o coisas que podem ser imo- bilizadas. Envolvem eventos que se distribuem no tempo ¢ no es- ago; envolvem organismos ¢ respostas que jé existiram no passado em diferentes locais, que existem momentaneamente, nesse exato instante e local, ¢ que ocorrer4o também no futuro, Além disso, so unidades que se mis- turam ¢ recorrem em meio a outras unidades de natureza semelhante (outras espécies e operantes). ‘As unidades [eom- ortamentais] com que tatamos sao entidadas fluidas e evanescentes, nao séo coisas que podem ser imobi- lizadas. Envolvem eventos que se Aistribuem no tempo eno espaco. . E se no caso da evolusio biolégica sua expli- cacao envolve enten- det o processo de va- riagdo genética © se- legio ambiental que Darwin chamou de selegdo natural, no aso do comportamento O modelo de Selegao or Consequéncias descreve o processo de origem e de mu- dangas dos padrées comportamentais no tempo e no espago, na histori 81 Clinica analitico-comportamental ‘A.compreensio do ‘comportamento ope- rante depende de ‘entendermos como respostas individuais variam e como con- juntos de respastas sio selecionados através do processo Essa énfase em de reforgamento, unidades populacio- nais ¢ histéricas, caracteristica do modelo de selegio. por consequéncias, é fundamental também na atuagio do clinico que, afinal, lida com operantes (e respondentes) na clini- ca analftico-comportamental. O “citime do- entio” de Paula s6 poderd ser adequadamente “trabalhado” na clinica se diversas instancias ao longo do tempo e do espago (respostas particulares) forem analisadas ¢ se as conse- quéncias produzidas por tais instancias forem identificadas. Também, “o citime” de Paula nao pode ser romado como uma entidade em si mesma, mas deve ser encarado como inte- ragdo que se constituiu no curso das intera- Ges dela, e que ocorre hoje e tenderé a conti- nuar ocorrendo, caso o ambiente seleciona- dot nio mude, porque foi selecionado pelas consequéncias que produziu. Mais ainda, foi selecionado j4 como interagio que envolve as agoes de Paula € suas consequéncias selecio- nadoras mantenedoras. E esse enfoque que permitird ao clinico analitico-comportamental, por exemplo, ter confianga de que é possivel promover a sele- io de comportamento operante através de estratégias de intervengio baseadas no pro- cesso de reforco diferencial. Por outro lado, tal enfoque pode pare- cer pouco titil, uma vez que sé permitiria ta- tar de eventos considerados como unidades miiltiplas ¢ extensas no tempo. Como expl car, prever ¢ (talvez, principalmente, no caso da clinica) controlar instdncias particulares de comportamento, isto é respostas que ocorrem em um momento ¢ local especificos? Tal pergunta é frequentemente a pergunta- B2Q_—_ Borges, Cassas & Cols. -chave para um clinico, mas a resposta a ela envolve tratar de outro papel que eventos am- bientais exercem em relagio aos eventos com- portamentais,Tal pergunta também pode ser respondida sem deixar 0 ambito do modelo de seleséo por consequéncias. Pelo contrério, é esse modelo exatamente que permite que a respondamos de maneita a dar sustentagio conceitual e ferramentas de atuagio ao analis- ta do comportamento. Na evolugio de operantes, o ambien- te tem um papel sele- cionador, Ms conse- quéncias ambientais (cstimulos reforgado- res) selecionam clas- ses (populagses) de respostas com certas caracteristicas, isto é, tornam as classes O ambiente exerce, pelo menos, duas: fungoes em relagéo ‘a0s compartamentos ‘operantes: selecio- rnadore instanciador. Selacionador atra vés das consequén- cias que selecionam classes de respostas ‘com certas caracte risticas, tornando-as mais prov Instanciador evo- ccando determinada classe de respostas através dos estimu- los antecedontas. mais provaveis em certas circunstancias. Na ocorréncia de res- postas particulares de ‘um operante ja instalado/selecionado, contu- do, 0 ambiente tem um papel instanciador. Isto é, 0 ambiente tora manifesta uma unida- de operante que jé foi selecionada, ou melhor, © ambiente evoea uma instincia de comporta- mento, Essa é a fungio dos eventos ambientais antecedentes (estimulos discriminativos, esti- mulos condicionais e operagées motivadoras) sobre uma resposta (Andery ¢ Sério, 20015 Glenn e Field, 1994; Michael, 1983) Mesmo “sabendo como” jogar futebol, isto é mesmo que tal operante jé tenha sido sclecionado por suas consequéncias, Rodrigo nnio joga futebol a qualquer hora. Ele emice a resposta de jogar futebol (al instincia é evo- cada) apenas quando algum colega o convida. © convite do colega nio € um evento am- biental selecionador, mas sim um evento ins- tanciador, um evento que tora manifesta a unidade selecionada “jogat futebol” Ou seja, se 0 foco de uma intervencao for a ocorréncia de instancias particulares, pode ser suficiente re- arranjar aqueles even- tos ambientais que _ intervengdofora em fu + ocorréncia de ins- tém fungao instancia- _fqarac parca, dora com relagio ao pode ser suficiente repertério comporta- _"eatranjaraqueles eventos ambiontais Se ofoco de uma mental do cliente. {le tumtuneao Por exemplo, se o instanciadora com foco de uma inter- _ ‘elagio a0repertrio 5 comportamental do vengio for fazer com Sra que Rodrigo jogue mais futebol, pode ser suficiente incentivar os colegas a convidé-lo mais, Caso 0 foco sejaa criasio (ou extingio) ou a mudansa de ope- antes, por stia vez, eventos ambientais terio gue assumir novas fungées — através do papel selecionador do ambiente. E importante destacar que esta dis- tingio entee fungGes te sio elas mesmas do ambiente chama- __selecionadas na histéria de reforga: ‘mento operante. ‘As fungées instan- ciadoras do ambien das sclecionadoras ¢ instanciadoras é cla mesma possivel apenas & luz.do modelo de se- lego por consequéncias. Ou seja, as Funsées instanciadoras do ambiente sio clas mesmas selecionadas na histéria de reforgamento ope- rante, Apenas quando algum colega convi- dou Rodrigo, no passado, o “jogar futebol” teve como consequéncia de fato realizar a partida, marcar gols ¢ interagir com os cole- gas, ¢ foram experiéncias como essa que tor- naram os convites dos colegas eventos que agora evocam respostas desta classe em Ro- drigo (Glenn e Field, 1994) Essa distingZo permitiria afirmar que a intervengio analitico-comportamental pode ter dois “niveis": em certos momentos, a meta €a selesio de comportamentos, e, em outros, a meta é promover a instanciagio (ou mu- dangas na instanciago) de operantes. Dito de outro modo, esses “niveis” de intervengio se relacionariam a uma regra pritica destacada por Glenn e Field (1994): “Descubra se a pessoa sabe 0 que fazer e como fazé-lo, Aintorvengao pode ter dois “niveis": em certos momentos a meta mas nfo o faz; ou se cla nio sabe 0 que fa- zer ou nao sabe como faré-lo” (p. 256). Es ses diferentes objeti- vos implicario pa- péis diferentes do ambiente que preci- saro ser alterados na intervencio. solagio do comportamentos & em outros, ameta é promoverainstan- ciagao (ou mudan- gasna instanciagao) de operantes... > AMULTIDETERMINAGAO DO COMPORTAMENTO HUMANO E SUAS IMPLICAGOES PARA A CLINICA ANALITICO-COMPORTAMENTAL Um segundo ponto importante para uma apreciagio adequada do modelo de selegio por consequéncias em sua relagio com a in- tervengio analitico-comportamental trata da inter-relagio entre diversas causas (ou da multideterminasio) do comportamento hu- mano. Skinner (1981/2007) resumiu esse as- pecto afirmando que “o comportamento hu- mano € 0 produto conjunto de a) contingéncias de sobrevivéncia responsdveis pela sclegio natural das espécies, ¢ b) contingéncias de reforcamento responsiveis pelos repertérios adquiridos por seus mem- bros, incluindo ©) contingéncias especiais mantidas por um ambiente social evoluido” (p. 502) 0 comportamento humano é mult- ddetorminado por histrias nos niveis, filogonético, ontogo- nético e cultural, Em outs ter ‘mos, o comportamen- to humano é mulkide- terminado por histé- tias nos nfveis Clinica analitico-comportamental 83 a) filogenético, b) ontogengtico e ©) culvural E 0 processos de evolugio envolvidos nesses trés niveis seriam andlogos, sempre en- volvendo a selegio de unidades populacionais ¢ histéricas pelas suas consequéncias passa- das. No nivel filogenético, a selegio natural explicaria a evolusio de: 1. caracterfsticas fisiolégicas e anatémicas das espécies; 2. relagdes comportamentais espectficas (ina- tas); 3. 05 préprios processos envolvidos na apren- dizagem (ou seja, a sensibilidade ao condi- cionamento respondente ¢ operante que esto na base da capacidade de aprender novas relagdes comportamentais); ¢ 4, um tepertério nio comprometido com padrdes inatos que poderia ser modelado pelo condicionamento operante (Andery, 2001; Skinner, 1981/2007, 1984). No nivel ontogenético, o reforsamento operante explicaria em grande parte a evolu- do de repertérios comportamentais especifi- cos de cada individuo,> desde os aparente- mente mais simples, como andar em uma su- perficie plana, até os complexos padroes de “comportamento simbélico” tipicos dos hu- O surgimento desse nivel ontogenético de selegao de comportamentos por suas con- sequéncias permitiu, ainda, segundo Skinner, a adaptagio de individuos particulares (e, em certa medida, das espécies a que pertencem tais individuos) a ambientes em constantes mudangas, possibilitou a selesio de padrées complexos de comportamento em espagos curtos de tempo (de uma vida individual ¢ nao de sucessivas geragées) ¢ também propi- ciou a modificagio mais répida do ambiente. BA sorges, Cassas & Cols. ‘Trocas maiores ¢ mais intensas entre indivi- duos ¢ ambientes se desenvolveram e s6 com a emergéncia da selesio ontogenética de com- portamentos a individuacio teria se tornado efetivamente possivel. Os repertérios com- portamentais passaram a se constituir am- bém a partir de histérias individuais ¢ néo ‘mais apenas pela historia da espécie (Andery, 2001). ‘Ademais, como outros membros de uma mesma espécie séo parte constante ¢ fundamental do ambiente de qualquer orga- nismo (por exemplo, para reprodugio ¢ cui- dado com a prole), estes se tornaram ambien- te comportamental relevante para os indivi- duos de muitas espécies. A sensibilidade as consequéncias do compostamento operante favoreceu ainda mais a emergéncia do outro como parte relevante do ambiente comporta- mental e, assim, favoreceu, em algumas espé- cies, a ampliagio dos comportamentos so- ciais. No caso da espécie humana, esse pro- cesso foi intenso ¢ extenso, ¢, em cltima instancia, foi parte fundamental para a sele- 20 de um tipo especial de comportamento social, o comportamento verbal Com estes acontecimentos, 0 paleo es- tava montado, como disse Skinner (1957/ 1978), para 0 aparecimento do nivel cultural de selesio por consequéncias. Operantes sele- cionados por reforga- mento (no nivel de um individuo parti- cular) passaram a ser propagados entre di- ferentes individuos, gerando préticas cul- turais, ow seja, @ re produsio de com- portamentos em di- ferentes individuos e ambiente social foi fundamental para o surgimonto do comportamento verbal e ambos para o surgimento de um ‘torceiro nivel de variagao e selegao, © cultural. No nivel ‘cultural o que varia 6 selecionado io praticas culu rais que tratam de ‘comportamentos ensinados de um in- dividuo para o outro e através de gora- ‘p6es de individuos, em. sucessivas gera- ses de individuos. E praticas —culturais passaram a ser sele- cionadas por suas consequéncias para o grupo como um todo (Glenn, 2003, 2004; Skinner, 1981/2007, 1984). O nivel cultural de selegio por conse- quéncias ¢ o comportamento verbal permiti- ram que os individuos pudessem se beneficiar de interagées que nem sequer viveram e que pudessem acessar ¢ conhecer seu préprio mundo privado. E através da comunidade verbal que se cons: adi uma parce importante do repertério dos seres humanos: sua subjetividade. Se 0 condi- cionamento operante permite a individuacio, permite a construsio, para cada individuo de tuma espécie, ainda que dentro de certos pari metros, através de uma histéria de interagao com o ambiente particular, de uma singulari- dade que nio pode ser idéntica a qualquer ou- tra. O conhecimento desta individualidade e a consequente reagio a cla, na forma de com- portamento operante, de autoconhecimento € de autogoverno, s6 é possfvel com a emergén- cia do comportamento verbal ¢ seu conse- quente € necessitio resultado: a evolugio de ambientes sociais ~ em uma palavra, a cultura (Andery, 2001, p. 188). Uma implicacao dessa andlise é que, para compreender a subjetividade, seria ne- cessdtio compreender como individuo cul- tura se relacionam ¢ por que e como operam as contingéncias sociais que caracterizam a cultura (Andery, 2001; Tourinho, 2009). De fato, Skinner (1981/2007) propés que cada nivel de selecio por consequéncias do comportamento seria objeto de estudo de uma disciplina cien- fica especifica. A Anilise do Compor- _ intenviradequa- ddamente sobre o tamento, por exem- Comportement, plo, seria responsével especialmente elo nivel ontogené- Sobre ocampo da e - “subjetividade”, tico, Mas a adogao do mesmo modelo de causalidade per- mitiria uma melhor ‘86 seria possivel considerando-se as, imeragées entre os tr nivis. integragio entre as disciplinas que se ocupam da selegio de comportamentos e poderia au- torizar a realizagio de andlogas tentativas en- tre os prinefpios desenvolvidos para os tra niveis de selegio. Além disso, > CONSIDERACGES FINAIS Se 0 objetivo de uma ‘co-comportamental é rea- lizar qualquer uma dessas coisas, no hé esca- patéria: é preciso atuar sobre a interasio et tte variagio e selegio, a qual explica e permite em algum grau prever e controlar um reper tério comportamental. Clinica analitico-comportamental 85 E facil (porém artiscado) ficar perplexo com a complexidade de um comportamento ¢ sua aparente independéncia do ambiente. Para lidar com tal complexidade é fundamen- tal ter clareza das sutilezas temporais dos pro- cessos de selegio por consequéncias. Os efei- tos da selegio sio sempre atrasados. Se nio acompanharmos o processo (temporalmente espagado) de selegio, tendemos facilmente a inventar pseudoexplicages para 0 comporta- mento. Skinner (1981/2007, 1984) sugeriu que essa dificuldade, inclusive, poderia ex- plicar 0 aparecimento tardio deste modelo de causalidade na histéria da ciéncia e a difi- culdade de aceité-lo, No entanto, ele mesmo > NOTAS 1, Um terceito process, algumas vezes tomado como tum subprocesso da selegio, € a retencao. Na evolu io bioldgica, 0 processo de retengio se dé no nivel genético, Este processo nio seré diseutido aqui por- aque alongaria demasiadamente 0 text. 2. Skinner (1935, 1938) utlizou o termo clase para twatar deste conjunto, Glenn (2003, 2004), fazendo analogia com a biologia, propés o termo linhagem. No livro,o termo est sendo tratado como clase por se tratar do termo mais difundido na érea BE Borges, Cassas & Cols. 3. Ainda no nivel ontogenético, © condicionamento respondente explica a formacio de reflexos condi- cionados. A sensbilidade aprendida a reforgadores, ou sea, o estabelecimento de reforgadores cond nados, é também produto de selegio ontogend envolve, além do processo de reforsamento, possi- velmente processos andlogos a0 condicionamento respondente, > REFERENCIAS Andery, M.A. PA, (2001). © modelo de selegio por con sequéncias ¢a subjetividade. In R.A. Banaco (Org), Sobre comporsamento ¢ cognigio: Aspects teérices, metodoligicos € de formasaa em andlise do eompantamento¢ terapia cognit- ‘ta (vol. 1, pp. 182-190). Santo André: ESETec Andery, M. A.B A. & Sério, M.T. A. P (2001). Bebavio- remo radical eo determinantes do comportamento. In H. J. Guilhardi, M. B. B. Nadi, 2 P. Queiroz, & M. C. Seo. (Ongs), Sobre o comportamento ¢eognigdo (vol. 7, pp. 159- 163). 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