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Inte GRIDADE PUBLICA NA ATIVIDADE DE INTELIGENCIA DO Estapo PUBLIC INTEGRITY IN INTELLIGENCE SERVICES Doutora e Mestre em Direito Administrati Marcia PELEGRINI ivo pela PUC-SP. Professora de Direito Administrativo da PUC-SP. Pontificia Universidade Catdlica de Sao Paulo (Sao Paulo, Brasil). marciapelegrini24@gmail.com ORCID: [https://orcid.org/0000-0001-6178-7642]. Betina Le Grazie Bacharel em Direito pela PUC-SP. Pontificia Universidade Catdlica de Sao Paulo (Sao Paulo, Brasil). ‘seas v0 Dineito: Administrativo; Constitucional Resuwo: A atividade administrativa de inteligén- cia desempenha fungao essencial 8 salvaguarda do Estado e da seguranca nacional. No entanto, seu exercicio precisa ser pautado por regras e me- canismos de controle e superviséo que garantam a condugéo integra da atividade, uma vez que o funcionamento da inteligéncia € caracterizado pela utilizago de dados sensiveis e pela regra do sigilo. Nesse sentido, 0 atual arcabougo norma- tivo brasileiro é falho, pois carece de regras que fomentem uma cultura ética € profissional dos servigos de inteligéncia. Para preservar a legiti- midade ¢ a eficiéncia da atividade, a adocdo de Programas de integridade rigorosos é altamente St Os parametros de integridade publica to a Por sua vez, podem ser identificados comparado, na literatura especializada betina.legrazie@gmail.com ORCID: {https://orcid.org/0000-0002-6048-0160). DOI: [https://doi.org/10.48143/RDAI.26.pelegrinil. Recebido: 15.11.2022 | Received on: November 15%, 2022 Aprovado: 18.02.2023 | Approved on: February 18%, 2023 Apsrract: Intelligence services play an essential role in safeguarding the State and national se- curity. However, since these services are charac- terized by the use of sensitive data and the rule of secrecy (instead of transparency), their exer- cise needs to be guided by rules and oversight mechanisms that guarantee that intelligence activity is ethically and democratically conduct- ed. Nevertheless, the current Brazilian regulatory framework is flawed, as it lacks rules that fos- ter an ethical and professional culture of intel- ligence services. To preserve its legitimacy and efficiency, the adoption of rigorous compliance programs, based on public integrity parameters, is highly recommended. The applicable parame- ters can be identified in comparative law, in the specialized literature on intelligence services, Pausany, Marcia; Graze, Betina Le. Integridade publica ma atividade de inteligéncia do Estado. ulagdo e Compliance. Revista de Direito Administrativo, Infraestruturo, Requlagé 1.26. ano 7 p. 43-86, Sao Paulo: Ed, jul /set. 2023, DOI: [nttps]Idoi.org/10.48143/RDAL26.pelegrni. Recuiacdo & COMPLIANCE 2023 ¢ RDAI 2 SS 44 — Revista 0 Dineito ADMINISTRATIV INFRAESTRUTURA, of public an em inteligéncia € na experiéncia dos programas ea Be oxperenes pi private in de integridade publicos € privados tegrity prog} fade de inteligéncia do Estado - Direitos fundamentais - Pardmetros de integridade publica = Mecanismos de controle democratico - Programa de integridade para 2 atividade de inteligéncia. Kerworos: Intelligence services ~ Fundamens rights - Public integrity guidelines ~ Democra control and oversight mechanisms ~ Comping program for intelligence services. Patavas=chave: Ativid Suan: 1. Introdug3o. 2. Surgimento ¢ evolucao da disciplina legal. 3. Funcionamento da atividade de inteligéncia. 4. Por que a atividade de inteligéncia precisa le parametros, de integridade. 5. Controles previstos no ordenamento brasileiro. 5.1. Parametros de atuagao integra na legislagao de inteligéncia. 5.2. Regras sobre coleta € utilizagao de dados pela atividade de inteligéncia. 5.3. Controle da atividade de inteligencia. 6. Integridade da ati- vidade de inteligéncia no direito comparado. 7. Integridade publica aplicada a inteligéncia, 8. Conclusées. 9. Referéncias bibliograficas. 1. IntRoDUCAO ‘A'atividade de inteligéncia do Estado é pouco estudada pela academia brasileira: hare- lativo desinteresse e desconhecimento académico no que diz respeito as suas instituigées, politicas e organiza¢des. Como pontuado por Maria Regina Soares de Lima, cientista po- litica e professora do Instituto de Estudos Sociais e Politicos da UERJ, “a consequéncia da baixa popularidade desses temas é que estes sao deixados a seus operadores ou simpatizan- tes, resultando em andlises no mais das vezes superficiais e enviesadas”* Da mesma forma, a pesquisadora sénior do Stockholm International Peace Research Institute (SIPRI), Marina Caparini, destaca que controlar a tividade de inteligéncia ¢ tao importante paraa vitalidade dademocracia quanto controlar as Forgas Armadas; nada obstante, os servi¢os de inteligén- cia receberam muito menos atencao de académicos e daqueles que apoiaram os process0s de democratiza¢ao.’ 1 Como: citar este: artigo | How to cite this article: PELEGRINI, Marcia; GRAZIE, Betina Le. Integridade pablica na atividade de inteligéncia do Estado. Revista de Direito Administrativo e Infraestrutura| aim Sio Paulo, v.7,n. 26,p, 43-86, jul.-set. 2023. DOI: (https://doi.org/10.48143/RDAI.26 peles™ » SOARES DE LIMA, Maria Regina. Prefécio. In: Marco Cepik. Espionagem e democracia: agilidade¢ transparéncia como dil eae pik. Est agilida FOV an enemas nainstitucionalizasio de servigo deinteligéncia Rio de Janeiro: Bln? » orn votaing , ee hough malntaining effective control and oversight over the intelligence community is a8 impor ane the democratic vitality of polity as maintaining contol over the armed forces ite vice ceived much less attention from scholars and those supporting democrat Pagan Marcia; Gaze, Betina le | Marcia; Giz, Btina Le. Integridade piblica na atndade dey Revista de Difeito Adminige oe Publica na atividade de inteligéncia do Estado. 1.26 an 79 At ito Admnistroti, intestratura Ra ji / 4c Faul: Ed I jul/set 2023, DOI: htipsifdor ra) iO wo acIRGAL 26 pelea 1", Secho - Compuance 45 cenario, o presente estudo distingue-se pelo esforgo de analisar a atividade de in- Nese brasileira de forma critica, identificando, com base em parametros de conducio teligencia oe inteligéncia, falhas em sua estrutura e funcionamento, ee cabe fixar, de inicio, que a inteligéncia ¢ atividade administrativa inserida aura do Poder Executivo, que pode ser definida como aquela que visa a obtengao, na esr jgseminacio de informagées relevantes para a formulagdo e implementacio de as voltadas aos interesses de seguranga nacional e para lidar com as ameacas a esses ‘ salegisiagio brasileira, inteligéncia é conceituada como: “ atividade que objetiva a obtengio, andlise e disseminacao de conhecimentos dentro e fora do territério nacional sobre fatos e situagées de imediata ou potencial influéncia sobre o processo decis6rio e a acdo governamental e sobre a salvaguarda e a seguranca da sociedade e do Estado” (Lei 9.883/99, art. 1°, § 2°).$ Trata-se de atividade de extrema importancia, afinal, as decisées estatais devem ser to- madas com base em informacdes amplas e seguras, capazes de orientar a aco governamen- talem assuntos que possam representar tanto riscos como oportunidades a consecugao dos objetivos estratégicos do pais® - dentro dos limites, apoiada nos fundamentos e dirigida aos fins definidos pela Constitui¢a4o democratica e republicana, notadamente em seu Titulo I. ‘Aatividade de inteligéncia se insere nesse contexto, analisando os conhecimentos rele- vantes para a seguranga externa e interna do Estado e da sociedade, fazendo frente a even- tuais ameacas e protegendo os interesses nacionais.” processes” (CAPARINI, Marina. Controlling and Overseeing Intelligence Services in Democratic States, In: BORN, Hans; CAPARINI, Marina (Org.). Democratic control of intelligence services: con- taining rogue elephants. Farnham: Ashgate, 2007. p. 3). 4. SHULSKY, Abraham; SCHMITT, Gary J. Silent warfare: understanding the world of intelligence. 3.ed. Washington, D.C.: Brasseys,: 2002. p. 1-3, apud GONCALVES, Joanisval Brito, Atividade de inteligéncia e legislagao correlata. 6. ed, NiterOi: Impetus, 2018. p. 9. Para maiores esclarecimentos a respeito das definicdes doutrindrias para os termos “atividade de inteligéncia” ou simplesmente “in- teligéncia’, ver: GONCALVES, Joanisval Brito, Atividade de inteligéncia e legislagao correlata. 6.ed. ‘Niterdi: Impetus, 2018. p.7-27. 5. Importante destacar que a Constituicéo Federal de 1988 nada menciona acerca da atividade de in- teligéncia. Por meio da PEC 67/2012, pretendeu-se incluir, na Constituigao, capitulo que tratasse da atividade de inteligéncia e seus mecanismos de controle, mas o projeto foi arquivado no final de 2018, desorte que a tramitagao da PEC esté encerrada. 6. BRASIL. Estratégia Nacional de Inteligéncia, Brasilia: Gabinete de Seguranca institucional, 2017. GONCALVES, Joanisval Brito. Quem vigia os vigilantes? O controle da atividade de inteligéncia no Brasil ¢ o papel do Poder Legislativo. Revista de Informacdo Legislativa, Brasilia, v.47, n. 187, P. 125-136, jul.-set. 2010. Disponivel em: [www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/198697]. Acesso em: 10.03.2021, - Fee eT EP RS Peuscnw, Marcia; Graas, Betina Le. Integridade publica na atividade de inteligencia do Estado. Revista de Direito Administrativo, Infroestrutura, Requlacéo e Compliance. 26. ano 7. p. 43-86. Sdo Paulo: Ed. RT, jul/set. 2023. DOI: [https:|/doi.org/10.481 43/RDA\.26.pelegrini) 46 — Revista ve Dinero ADMINISTRATIVO, INFRAESTRUTURA, Recutacao ComPLiANce 2023 @ ADAI 2g No entanto, em fungao de seu papel como instrumento de salvaguarda da segurane, ional, uma das particularidades da estrutura da atividade de inteligéncia é seu cargter relativa excecao a alguns paradigmas impostos a outras fungoes do Estado, comoa regrag publicidade dos atos estatais, prevista no inciso XXXII do art. 5° € no caput do art, 37 Constituigao Federal, que passa a obedecer a um regime legal de condicionamento, Ci Aatividade de inteligéncia lida com dados sensiveis e opera soba regra do sigilo asin formagées sdo muitas vezes coletadas sem 0 consentimento ou conhecimento dos alyog dy acdo® -, sem a qual os conhecimentos por ela produzidos se tornariam ineficazes, 0 gq do, ainda que indispensével a atividade, traz consigo 0 risco de abusos de poder e desyi, de finalidade capazes de violar garantias constitucionais e direitos fundamentais."® Por j nao é absoluto, mas sujeito A regulamentacao especifica que prevé, entre outros condicig. namentos, que as informagées classificadas se tornem publicas em prazos variaveis que alg, determina. Nao Atoa, uma das imagens mais difundidas a respeito dos servigos| de inteligéncia ao re. dor do mundo é aquela de um rogue elephant, isto é, um elemento perigoso que se desgarra da manada e passa a agir de forma descontrolada, com motivagdes proprias, passando por cima de direitos individuais e liberdades civis." Outros falam na propensao desse sistemag constituir um Estado dentro do Estado, ou um Estado paralelo, quando se desvia de suas f- nalidades de interesse puiblico, ou das regras de Direito Administrativo que condicionama estrita legalidade de seu exercicio. Erelevante, portanto, que sejam adotados regras e parametros especificos para umacon- dugio integra da atividade de inteligéncia, e que sejam previstos mecanismos efetivos de controle e supervisao. A literatura especializada no tema destaca justamente que um dos principais desafios dessa singular atividade administrativa é o desenvolvimento de uma cultura ética ea exi- géncia de um compromisso profissional dos servigos de inteligéncia no sentido da accoun- tability democrdtica, para que sua atua¢do seja pautada pela legalidade e pelo respeito aos direitos humanos.”* CEPIK, Marco. Espionagem e democracia: agilidade e transparéncia como dilemas na institucionali- zacio de servico de inteligéncia. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003. p. 28. No mesmo sentido, Joanis- val Brito Goncalves também destaca, em sua concepsao de inteligéncia, oregime de segredocomoum trago distintivo (Atividade de inteligéncia e legislacao correlata. 6. ed. Niterdi: Impetus, 2018. P- 17). BRASIL. Estratégia Nacional de Inteligéncia, Brasilia: Gabinete de Seguranca Institucional, 2017- 10. CAPARINI, Marina. Controlling and Overseeing Intelligence Services in Democratic States = BORN, Hans;CAPARINI, Marina (Org,). Democratic control of intelligence ervices:containingro®™ elephants. Farnham: Ashgate, 2007. p. 3. 11, Ibidem, p. 18. 12. “Based on the studies in this volume, it can be concluded that the most pressing issues are the 0” sight of international intelligence cooperation; the accountability of private intelligence comP™ culture and professional commitment of intelligence services towards democratic accounts)” rule of law and human rights” (BORN, Hans; JENSEN, Fairlie. Intelligence Services: - 2 1°, Secho - Compuance 47 O presente trabalho abordard o tema sob o aspecto dos parametros de inte gridade que norteiam ou deveriam nortear 0 exercicio da atividade de inteligéncia, para evitar 0 come- timento de abusos e preservar a legitimidade de sua atuagao, entendendo os Orgaos de inte- ligéncia como importantes garantidores dos interesses do Estado e da sociedade, desde que se mantenham ficis aos deveres éticos profissionais estruturados pelo principio do Estado Democratico de Direito. Para tanto, sero estudados o histérico da atividade no pais, as atuais regras de condu- tae os mecanismos de controle previstos no ordenamento brasileiro, a qualidade desses ea existéncia de outros procedimentos que podem ser incorporados para seu aperfeigoamento institucional, a serem buscados no direito comparado, na literatura especializada e na expe- riéncia dos programas de integridade publicos e privados. 2. SuURGIMENTO E EVOLUCAO DA DISCIPLINA LEGAL Aanilise do histérico da atividade de inteligéncia no Brasil ¢ importante porque, como aponta a literatura especializada, a forma de transicao de regimes autoritarios para a de- mocracia tem impactos na estruturacdo e institucionalizacao da inteligéncia.'* Conforme destacado por Caparini, servigos de inteligéncia herdados de regimes autoritarios so ver- dadeiras ameacas ao desenvolvimento das democracias, de sorte que ¢ importante saber 0 quanto ha de continuidade ou de ruptura nos servigos deinteligéncia no contexto democra- tico com relagao aqueles do regime autoritario antecedente, a justificar a adogao de contro- les mais ou menos rigorosos.'* Aatividade de inteligéncia tem inicio no Brasil em 1927, quando foi instituido, por meio do Decreto 17.999/1927, o Conselho de Defesa Nacional, cujo objetivo era “o estudo e coor- denagao de informagées sobre todas as questées de ordem financeira, econémica, bélica e moral, relativas a defesa da Patria” (art. 2°). O Conselho era composto por ministros de Es- tado, pelos chefes dos estados-maiores do Exército e da Armada, e era presidido pelo Presi- dente da Republica. Ainda que criada em um contexto democratico, a atividade nasceu sob forte influéncia militar, como consequéncia de um fortalecimento das institui¢es militares brasileiras, que a Democratic Accountability. In: BORN, Hans; CAPARINI, Marina (Org,). Democratic control of intel- ligence services: containing rogue elephants. Farnham: Ashgate, 2007. p. 269). Cf. ARTURI, Carlos $; RODRIGUEZ, Jilio C. Democratization and Intelligence and Internal Se- curity Agencies: A Comparative Analysis of the Cases of Brazil and Portugal (1974-2014). Bras. Poli- tical Sci, Rev., S40 Paulo, v. 13, n. 2, €0006, p. 1-29, 2019; BORN, Hans; JENSEN, Fairlie. Intelligence Services: Strengthening Democratic Accountability. In: BORN, Hans; CAPARINI, Marina (Org.). ai control of intelligence services: containing rogue elephants. Farnham: Ashgate, 2007. p.258. CAPARINI, Marina. Op. cit., p.21. Pesci, Marcia; Grazie, Betina Le. Integridade publica na atividade de inteligéncia do Estado. Revista de Direito Administrativo, Infraestrutura, Requlogdo Compliance. : 26. ano 7. p. 43-86, Sao Paulo: Ed. RT, jul./set. 2023. DOI: (https: [Idoi.org/10.48143/RDAI.26.pelegrini). Ao & COMPLIANCE 2023 © RDAI 26 48 Revista o€ Direto ADMINISTRATIVO, IvFRAESTRUTURA, Reauiagho € Compuance 2OES © e6 15 janesse momento foi possivel constatar g migos do governo. Diante daam. “feito sob medida para que ogo, ada do século XX. se deua partir da segunda déc de so da inteligéncia como forma A Be plitudede vi finalidades, constatou-se queoConselh ilizd-lo contra quem quisesse « / / aa Fi vaalhode Defesa Nacional foi sucedido por dois orgaos com com. Oe ae mo Ihantes,"” o Conselho Superior de Seguranga Nacional eg nacional. insti es de 1934 e 1937, respect. insti tituigo ional, instituidos pelas Const 1 a aatividade de inteligéncia era exercida de forma comple. posigao e objetivo: Conselho de Seguranga vamente. Em todo esse periodo, ser ae inserida que estava dentro de conselhos de governo. No per: noe &bem conhecida a importancia do famigerado Deiat eae Politica e Social 40 aos inimigos i do regime autoritario. PS) na repressao aos inimigos internos a ee ven em 1946, no contexto do pés-Segunda Guerra Mundial, ea criado 0: Servi- ¢0 Federal de Informagées e Contrainformagées (SFICT), vinculado & a aes P onse Iho de Segurana Nacional, e que foi o primeiro orgio exclusivamente dedicado al tengo e produgio de inteligéncia no Brasil," sendo pioneiro nas atividades de contraespionagem 15. BUZANELLI, Marcio Paulo. Evolucio hist6rica da atividade de inteligéncia no Brasil. In: IX Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administracién Puiblica, Madrid, Espanha, noy. 2004. 16. FIGUEIREDO, Lucas. Ministério do Siléncio: A historia do servigo secreto brasileiro de Washington Lafs a Lula (1927-2005). Rio de Janeiro: Record, 2005. p. 37-38, apud CRUZ, Juliana Cristina da. A atividade de inteligéncia de seguranca publica para o fortalecimento da cidadania. Monografia (Ba- charelado em Direito) ~ Universidade Federal de Santa Catarina, Florianépolis, 2013. 17. Tanto o Conselho Superior de Seguranca Nacional como 0 Conselho de Seguranca Nacional eram Presididos pelo Presidente e tinham, entre seus membros, os ministros de Estado e os chefes dos es- tados-maiores do Exército e da Armada. O objetivo do primeiro era estudar as questées referentes segurana poe regular a concessio detterras ou de vias de comunicacio, bem como oestabeleci- mento de induistrias, enquanto o segundo foi encarregado de estudar as i . . questdes atinentes seguran- ganacional (cf FUNDAGAO GETULIO VARGAS, Centro de Pesquisa e Documentacao de Historia ‘ontemporanea do Brasil~ CPDOC. Verbete “Conselho de Seguranca Nacional” Disponivel em [www-fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-temat; ico/conselho-de-seguranca-nacional-cst rm , /conselho-de-segur ~de-19468category.slug-teses8eltemid= 155), 19. BUZANELLI, Marcio Paulo, Op. cit Peussnm, Marcia; Graze, Betina Le. Integridade Revista de Dito Adminstrativ, Infaces ata ae nteigencia do Estado 1. 26, ano 7. p, 43-86. S80 Paulo: Ed. RT jul [ect geoestrutur pdocregencia dt | 1°, Secho - Compuance 49 e contrainformagoes.”° No entanto, 0 SFICI sé foi de fato implementado em 1958,” e sua atividade estava ligada, no cenério da Guerra Fria, ao monitoramento daqueles que eram considerados ameagas a0 Estado, como associagées de esquerda, o Partido Comunista Bra- sileiro (PCB), movimentos, grevistas e até mesmo adversdrios politicos do Presidente Jusce- Jino Kubitschek.” ‘Com a instauracio da ditadura militar, o SFICI foi substituido pelo Servigo Nacional de Informagéo (SND), criado pela Lei 4.341/1964. Na medida em que 0 SFICI era muitas ve~ zes considerado ineficiente, na cria¢ao do SNI, o érgao foi completamente reestruturado,” passando a contar com organizacao, competéncias e oramento bem maiores do que o an- tecessor. Deacordo com Marcio Paulo Buzanelli, ex-Diretor-Geral da Agéncia Brasileira de Inteligéncia (ABIN), “tais vantagens, associadas & sua proximidade com o poder, sobretu- donoperiodo de 1969 a 1984, conduziram aatividade de inteligéncia ao primeiro plano do processo decisério nacional”.* Em termos de composicao, o SNI compreendia uma chefia, uma agéncia central no Dis- trito Federal e agéncias regionais. Ao chefe do SNI eram dadas prerrogativas de Ministro de Estado, e suas fungdes nao poderiam ser exercidas cumulativamente com as de qualquer ou- tro cargo. Todo o pessoal necessrio ao funcionamento do érgao era proveniente de outros ministérios e 6rgdos dependentes do Poder Executivo. 20. MATHIAS, Suzeley Kalil; ANDRADE, Fabiana de Oliveira. O Servigo de Informagéese a cultura do segredo. Varia Hist., Belo Horizonte, v.28, n. 48, p. 537-554, dez. 2012 . Disponivel em: {wwwscielo. br/scielophp?script=sci_arttext&pid=S0104-877520120002000048dng=en&nrm-=iso]. Acesso em: 17.04.2021. 21, BUZANELLI, Marcio Paulo. Op. cit. 22, SILVEIRA, José Luiz Goncalves da; CRUZ, Tércia Ferreira da (Org.). Inteligéncia de Seguranga Piibli- : um novo paradigma 4 protecao do cidadao. Florianépolis: Imprensa Oficial do Estado de Santa Catarina, 2011, apud CRUZ, Juliana Cristina da. A atividade de inteligéncia de seguranga publica para ofortalecimento da cidadania. Monografia (Bacharelado em Direito) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florian6polis, 2013. 23. “O coronel Golbery do Couto e Silva, auxiliar do Marechal Castelo Branco, algado a Presidéncia da Repiiblica com o apoio do Congresso ainda em abril de 1964, propés ao presidente que criasse um. novo sistema de informagGes, baseado na organizacao do antigo SFICI, mas com caracteristicas ope- rativas para que, assim, pudesse auxiliar 0 governo e, através dele, possibilitar & nagao alcancar seus “Objetivos Nacionais, ao mesmo tempo que superava os Gbices que se interpunham a realizagao dos mesmos objetivos. Nas palavras de Golbery do Couto e Silva, idealizador e primeiro chefe do SNI, ha- veriaanecessidade, a titulo de preservagao do governo, de um ‘servigo de informagées, centralizado, bem dotado de meios e recursos, valendo-se de agentes e érgios de busca de toda espécie” (SILVEI- RA, José Luiz Goncalves da; CRUZ, Tércia Ferreira da (Org.). Inteligéncia de Seguranga Publica: um novo paradigma a protecao do cidadao. Florianépolis: Imprensa Oficial do Estado de Santa Catarina, 2011, apud CRUZ, Juliana Cristina da. A atividade de inteligéncia de seguranga pablica para o for- talecimento da cidadania, Monografia (Bacharelado em Direito) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianépolis, 2013). 24. BUZANELLI, Marcio Paulo. Op. cit. Paesain, Marcia; Graze, Betina Le. Integridade publica na atividade de inteligéncia do Estado. Revista de Direito Administrativo, Infraestrutura, Regula¢ao e Compliance. 1. 26, ano 7. p. 43-86. Séo Paulo: Ed. RT, jul/set. 2023. DOI: [https:I/doi.ora/10.48143/RDAI.26.pelegrini). 7 50 — Revista ve Dinero ADMINISTRATIVO, IvragstautuRA, ReGuLacAo & COMPLIANCE 2023 © RDAI25 oo SFICI, 0 SNI foi marcado pela atuagao fortemente ideol6gica, notag, docoma Doutrina Nacional de Inteligéncia, documen, to oficial produzido em 2016, 0 SNI ‘caracterizou-se por sua ligacao direta ao Presidente, Republica e pelo enfrentamento a oponentes internos, principalmente aqueles alinhados 7 ideologias de esquerda’s Além disso, 0 Orgao estava liberado de qualquer tipo de prestaciy de contas, como fica explicito na redagao do art. 4°, § 2°, da Lei 4.341/1964:“O Servigo Ny. cional de Informacées estd isento de quaisquer prescri¢des que determinema publicaciooy divulgacdo de sua organizacao, funcionamentos eefetivos” Sob 0 manto do segredo e da irresponsabilidade, em seus tempos mais ativos, 0 SNI co. letou, analisou e classificou informacées das principais liderancas politicas, sindicais e em. presariais do pais, contando com mais de trés mil dossiés secretos, para além de umaintensa atividade informativa. Entre seus chefes, destacaram-se figuras de proa do regime autorité- rio, como os generais Golbery do Couto e Silva, primeiro chefe do servico, Emilio Garrastau Médici e Joao Figueiredo. O primeiro veio a se tornar chefe da Casa Civil do presidente Er- .rceu grande poder e influéncia, Os dois titimos tornaram-se, Assim com« mente pelo anticomunismo. Deacor nesto Geisel, cargo no qual exe eles proprios, presidentes militares da Republica. A partir de 1985, com o inicio da redemocratizagao do pais, o SNI se reconfigurou, pas- sando a voltar-se para temas relativos ao combate a corrup¢ao, ao terrorismo internacional, a0 narcotréfico e ao crime transnacional organizado.* O 6rgao foi extinto apenas em 1990, pelo Presidente Fernando Collor, eaatividade de inteligéncia passoua ser vinculadaa secre- tarias da Presidéncia da Repiiblica, com uma considerdvel redugao de pessoal, atribuigdes eorcamento.” Em um primeiro momento, foi criado o Departamento de Inteligéncia (D1), ligado 4 Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), e, em 1992, esse foi substituido pela Subsecre- taria de Inteligéncia (SSI), também ligada a SAE. Nesse periodo, a atividade de inteligéncia sofreu uma retracdo e passou a desempenhar um papel secundario no governo. Em 1995, criou-se a Subsecretaria de Inteligéncia (SSI), vinculada a Secretaria-Geral da Presidéncia, até 1996, ea Casa Militar da Presidéncia da Republica (hoje Gabinete de Seguranca Institu- cional - GSI), até 1999, Finalmente, em dezembro de 1999, foi editada a Lei 9.883/99, que instituiu o Sistema Brasileiro de Inteligéncia (SISBIN) e a Agéncia Brasileira de Inteligéncia (ABIN). O marco normativo inseriua inteligéncia em um novo contexto, estipulando, por exemplo, que o SIS- BIN, ao menos formalmente, tem como fundamentos a defesa do Estado Democritico de Direito ea dignidade da pessoa humana, devendo cumprir e preservar os direitos e as garan- tias individuais (art. 1°, § 1°), Resta saber, no entanto, em que medida a criagao do SISBIN realmente marcou uma ruptura com o passado autoritdrio e antidemocratico dos servigos de inteligéncia. Ness 25. Portaria244-ABIN/GSI/PR/2016. 26. BUZANELLI, Marcio Paulo. Op. cit. 27. Tbidem. SS: Seho - ComPuaNce sentido, cabelembrar a afirmagao de José Rafael Carpentieri, segundoa qual “a andlise dos mecanismos de controle e tesponsabilizacao Pela sociedade civil da atividade coercitiva do Estado equivale, no caso brasileiro, a tarefa de dimensionar em que medida ocorreuademo- cratizacao do aparelho repressivo estatal "28 Neste trabalho, espera-se contribuir com tal andlise por meio do estudo do atual fun- cionamento da inteligéncia brasileira, identificando eventuais falhase lacunas nas regras de integridade publica que deveriam nortear uma condugdo democratica da atividade admi- nistrativa de inteligéncia. 3, FUNCIONAMENTO DA ATIVIDADE DE INTELIGENCIA Sistema Brasileiro de Inteligéncia foi criado como objetivo de integrar as: acoes de pla- nejamento e execucao das atividades de inteligéncia no pais, com vistas a fornecer subsidios ao Presidente da Republica nos assuntos de interesse nacional (Lei 9.83/99, art, 1°) -se de sistema de entidades auténomas subordinadas a distintos ministérios,” que possui como érgao central a ABIN, vinculadaao Gabinete de. Seguranga Institucional da Presidén- cia da Repiblica (GSI). E caracterizado, portanto, por uma estrutura reticulada, O SISBIN é bastante capilarizado: nos termos da lei, todos os drgaos e as entidades fe- derais que, direta ou indiretamente, possam produzir conhecimentos de interesse das ativi- dades de inteligéncia constituirao o Sistema Brasileiro de Inteligéncia. Retine, atualmente, 48 orgios federais que trocam informagées e conhecimentos,” entre os quais se incluem os Ministérios da Defesa, das Relades Exteriores, da Educacio, da Justica e Seguranca Pibli- ca, da Saude, entre outros. |. Trata- Isso permite que, diante da vastidao de matérias que podem ser objeto da atividade ad- ministrativa, a inteligencia possua especializacdes funcionais, podendo se desdobrar em inteligéncia militar, policial, de seguranga publica, financeira, fiscal, de defesa nacional e se- Suranca institucional, entre outras, conforme suas finalidades precipuas e os Orgaos que as «xecutam. Neste trabalho, deu-se énfase a definicao da ultima, também tida como inteligén- clade Estado, que é aquela vinculada a “informacées, processos e organizacées relacionados 4producao de conhecimentos, tendo por escopoa seguranca do Estadoe da sociedade, e que Constituem subsidios ao processo decisério da mais alta esfera do governo’.*! Te 2% CARPENTIERI, José Rafael. A Abin e 0 que restou da ditadura: O problema do controle das forgas oercitivas do Estado brasileiro. Revista Dilemas IFCS-UFRJ, [s.L],v. 10, p. 323-351, 2017. 2. CEPIK, Marco, Op. cit, p.80. 3 BRASIL. Agencia Brasileira de Inteligéncia. SISBIN. Disponivel em: {www.gowbr/abin/pt-br/as- ntos/sisbin#:~:text=O%20Sistema% 20Brasileiro%20de%20Intelig%C3%A Anciaatividades%20 de%20%ntelig%C396A Ancia%20d0%20Brasil]. Acess0 em 16.05.2021. ° SONGALVES, Joanisval Brito. Atividade de inteligéncia e legislagdo correlata. 6. ed. Niterdi: Impetus, 18.p.67, Peuzcnw, Marcia; Graze, Betina Le. Integridade publica na atividade de inteligéncia do Estado, Revista de Dire nistrativo, Infraestrutura, Regula¢do e Compliance, 28, ano 7. 43-86 So Paule- ta RT lee 2023. DOI: [https:]/doi.org/10.48143/RDAL.26 pelegrinl. 51 52 Revista oe Direito ApMinistrativo, INFRaesTRUTURA, REGULACAO E COMPLIANCE 2023 © RDA, 6 A inteligéncia de Estado trabalha com diferentes tipos de conhecimento e muitas ye integraainteligénciaelaborada por diversos 6rgaos para produzir as informagées Telacio, das 4 conjuntura nacional e internacional. Todavia, a despeito das particularidades de ae rea, ha principios de integridade, controle, conformidade legal e responsabilidade comin, a todas elas, como se ver neste estudo, mais adiante. De acordo com a Lei 9.83/99, 4 ABIN compete a produgao de conhecimentos desting dos a assessorar o Presidente da Republica, a protecao de conhecimentos sensiveis relatvg, seguranca nacional, a avaliagdo das ameacas a ordem constitucional, a promogao do de. senvolvimento de recursos humanos e da doutrina de inteligéncia e a realizacao de estudog e pesquisas sobre a atividade de inteligéncia. Aos demais drgaos do SISBIN cabe o forned. mento de dados e conhecimentos relacionados com a defesa das instituicées e dos interes. ses nacionais. Dessa forma, o compartilhamento de informagées e conhecimento é um verdadeiro pressuposto no sistema de inteligéncia brasileiro; o Decreto 4.376/02, que discorre sobre a organizacao e o funcionamento do SISBIN, prevé que os drgaos do sistema devem atuar de forma coordenada, intercambiando e integrando informagées relacionadas com as ativida- des de inteligéncia. Nesse cendrio, Marco Cepik,” professor da UFRGS e grande estudioso da inteligéncia governamental, enquadrou, com ressalvas, o sistema brasileiro no modelo “europeu conti- nental” de sistemas nacionais de inteligéncia, caracterizado por “média centralizagdo da autoridade sobre as unidades do sistema, média integragao ana- litica dos produtos de inteligéncia, alto envolvimento da atividade de inteligencia com as instancias de policymaking e, finalmente, uma baixa efetividade dos mecanismos de accou- ntability e supervisio (oversight)” [grifos nossos] E por meio dessa estrutura razoavelmente centralizada, ainda que bastante capilarizada, que o sistema nacional de inteligéncia deve cumprir os seus objetivos que, de forma geral, dizem respeito a reducdo da incerteza nas decisdes sobre politica externa, defesa nacional ¢ ordem publica, ao aprimoramento da seguranca nacional e a melhora no posicionamento dos governos no sistema internacional.” Mais especificamente, de acordo com a Politica Nacional de Inteligéncia (Decre- to 8.793/2016), os objetivos da atividade de inteligéncia sao: (i) acompanhar e avaliar as 32. CEPIK, Marco. Espionagem e democracia: agilidade e transparéncia como dilemas na instituciona- lizagao de servigo de inteligencia, Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003. p. 112. De acordo com 0 auto’ ‘ a classificagao de sistemas nacionais de intelig¢ncia em trés modelos (anglo-saxdo, europet con tinental e asiético) supera a classificagao dicotomica, pautada na légica da Guerra Fria, entre ut ae eee superviséo congressual (Estados Unidos) e outro modelo centralizado mntroles puiblicos (Unido Soviética), Nao obstante, dé pal i iedade da Sues dnttemeidntoreenae pegs masescegmnsoe 33. CEPIK, Marco. Op. cit. p.67. ' — To = Corn 53 conjunturas internae externa, assessorando © Processo decisério nacional eaacio mental; (ii) identificar fatos ou situagdes que possam resultar em ameagas, ris governa- i . (ji) neutralizar a¢Ges da Inteligénci ‘ bpeces OU OpOre tunidades; (iii) neutr 6 nteligéncia adversa (contrainteligéncia); (iv) prot grease instalagdes, sistemas, tecnologias e conhecimentos sensiveis, bem como os. ae a resdesses conhecimentos; ¢ (v) conscientizar a sociedade parao permanente eee ” to daatividade de Inteligéncia, en Paraatingir seus objetivos, a atividade de inteligéncia possui um método proprio de ti balho, comumente denominado de ciclo de inteligéncia, e que pode ser oii ema etapas. A primeira esta relacionada a coleta de informacées, dentro da qual serao emprega- das técnicas especificas de cada disciplina de coleta, de acordo com as fontes ulilizadas, A segunda esta ligada a integracao das informacées, obtidas em fontes diversas, para elaborar andlises e relat6rios cujo destinatario é o usuario final da inteligéncia.* O regime do sigilo que permeia a atividade incide em ambas as etapas do ciclo de inteli- géncia. Na primeira, porque muitas vezes a informagao coletada ¢ obtida por meios sigilo- sos ou encobertos, e, na segunda, nao s6 porque o manuseio do dado sigiloso nao pode vir a publico, mas também porque, na maioria das vezes, o produto das informagées coletadas s6 é1iti] na medida em que for de conhecimento exclusivo do tomador de decisao: éjustamente osigilo dos conhecimentos produzidos que garante a capacidade do Estado de antecipar-se amaterializacao de ameagas.** Nesse sentido, a propria Lei de Acesso Informagao prevé, em seu art. 23, inciso VIII, que so consideradas imprescindiveis a seguranga da sociedade ou do Estado e, assim, passiveis de classificacao (entre ultrassecreta, secreta e reservada) as informacées cuja divulgagao possa comprometer atividades de inteligéncia. Com efeito, como dito anteriormente, para cumprir seu papel como instrumento de sal- vaguarda da seguranga nacional, a grande particularidade da estrutura normativa da ativi- dade de inteligéncia é seu cardter de relativa excecaoa alguns paradigmas impostosa outras funcdes do Estado. E 0 caso da regra da transparéncia dos atos estatais, sujeita a um regime especial de condicionamento da publicidade democratica - que, contudo, nao pode ser su- primida, apenas modulada por razoes justificadas de interesse publico e segundo critérios legais estritos. 4. Por Que A ATIVIDADE DE INTELIGENCIA PRECISA DE PARAMETROS DE INTEGRIDADE Em regimes democraticos, o cardter excepcional dos servigos de inteligéncia ¢ voltado & protecdo das liberdades e interesses dos cidadaos. Neles, as razdes de Estado cedem lugar asrazdes humanas que dio sentido a organizagao politica da coletividade. A seguranca do Estado e da sociedade s6 se justifica em fungao da dignidade humana, endo por s mesma, —_ 34. Ibidem. 35. BRASIL. Estratégia Nacional de Inteligéncia. Brasilia: u de de inteli Peteanin, Marci Tina Le. Integridade publica na ativida x TE a a et aarti eee a sgh 9.26 ano 7, p. 48-66 Sto Poul Ed. A, jul/set- 2023, DOI: ntpsiot.oral 0 Gabinete de Seguranga Institucional, 2017. ia do Estado. 54 Revista o€ Direiro ApMINisTRATIVo, InFRaesrRuTURA, REGULAGAO COMPLIANCE 2023 @ ROAI26 de modo que a soberania sé pode ser exercida dentro das balizas de um Estado Democrgy, ° fat a, é justamente em fungao dos poderes extraordinérios conferidos 4 atiyj. dade de inteligéncia que essa pode violar as mesmas ee e — ave deverig proteger.** O funcionamento sob a regra do sigilo, 0 pee 7 a e ss re levantes 7 a especializacao em técnicas de vigilancia e interceptagao de °° n i 2 io tio, por si sé, incompativeis com a ordem democratica, mas ae fe sujel a a atividade de inteligéncia a maiores riscos de abuso de poder e arbitrarieda les que podem, Por sua vez, violar garantias constitucionais e direitos fundamentais. coe em regime demo. cratico, é mais proprio se referir ao sigilo legal, justificado por == ¢ interesse Piblico, como um regime especial de condicionamento provisorio do direito fundamental Ainfor. macao, jamais como sua excecio absoluta. Como sabemos, na nossa Constituicao, apu- blicidade é a regra e 0 sigilo exce¢do, ao contrério do que acontecia na ordem autoritaria queaprecedeu.* oo : Mesmo com 0s avangos constitucionais, a experiéncia recente brasileira ainda é prodiga em exemplos de desvios que podem se dar no exercicio da atividade de inteligéncia, O mais notério deles foi a elaboracao do denominado “dossié antifascista”. Trata-se de um relaté- rio de inteligéncia, produzido pelo Ministério da Justia, no qual eram investigados mais de quinhentos cidadaos, de policiais a professores universitarios, sob a justificativa de que estes haviam se declarado antifascistas em suas redes sociais.” Além disso, chegou ao conhecimento puiblico a utilizagao da Diretoria de Inteligénciada Policia Federal para investigar, com base na Lei de Seguranga Nacional, cidadaos que mani- festaram criticas contra 0 governo de Jair Bolsonaro,® e a suspeita - ainda que negada pela ABIN ~ de que o 6rgao central de inteligéncia teria elaborado relatérios para subsidiar a de- fesa de filho do Presidente da Repiiblica em processo criminal.*! 36. CEPIK, Marco. Op. cit. onia ig Intelligence Services in Democratic States. In: g-). Democratic control of intelli ic ‘ainin, elephants. Farnham: Ashgate, 2007, p, 3, Pieligenee services containingrogit 38. Para i Jnformagées Sobre o delineamento do sigilo na ordem democratica, cf, BADIN, Luiz Ar ‘pando a: Dae Uae 4 informagioeo sigilo por raz6es de interesse. Pliblico, Tese (Doutora- ane “€eSa0 Paulo, Sio Paulo, 2007. Orientada pelo Professor Fabio Konder VALENTE, Rubens. Acio si 24.07.2020. Disponivel fT nisterio-justica-governo-| 40. MINISTROpediu investi ! Para PF investigarco; “pequiroi Disponivel em: } See com af tdeBolsonaroa Pequiroido”. Poder 360, 17.03.2021. as '/justica/ministro-pedi ii i de-bolsonaro-a-pequi-roido/]. Accoon m:01.08200" Sorpell-Patept investiga compara AMADO, Guilherme : - A integra dos relatérios d 39. 41, AMADO . le inteligéncia envi - olsonaro. Revista Epoca, 05.02.2021, Disponivel = “portent al : y ca. globo. Peusonmi, Marcia; Graze, Betina Le. Integridade publica a; 1.26 ano 7p VSO gE Dito amined adage Ge cigbada do Estado. Wulo: Ed, RT, jul./set. 20; tn : ie fCompliance, 23. DOI: https: flac 0rg/10.48144/Rn a1 >, a 1, Secho - Compuance 55 odososepis6dios" ocorreram adespeito das previsdesnormativas no sentido de que sISBIN tem como fundamentosadefesa do Estado Democratico de Direitoea dignidate da essoahumana, devendocumprire preservar os direitos eas garantias individuais e atend: te ao Estado, nao se colocando a servico de grupos, ideologias e ere wrecipuamen'? 2 , idarias.* E ainda muito atual a observacao de Marco Cepik, em 2003: politico-parti “pexisténcia da Abin e do Sisbin tem agora ampato legal, mas ainda resta um longo cami- rnho para que possam usufruir da legitimidade derivada da percepcao publica de que seu trabalho de protecao da Constituigao e dos cidadaos contra ameagas externas € internas nao é em si mesmo um ameaga a seguranca dos brasileiros. A lei de criagdo e 0s seus diri- gentes da area de inteligéncia, especialmente na Abin e no Gabinete de Seguranga Insti- tucional (GSI) da Presidéncia da Republica, declaram reiteradamente os altos padrées de ética profissional e 0 respeito do novo brgao aos direitos humanos, & Constituicéo Federal e aos tratados internacionais assinados pelo Brasil. No entanto, assim como na politica de defesa nacional e também no recém-criado Ministério da Defesa, a distancia entre a intengdo declarada e o gesto ainda terd que ser percorrida.”* Como de costume, mais importante do que declarar formalmente os direitos fundamen- taiséefetiva-los na pratica, impedindo que os meiosestatais sirvam ao desvio das finalidades republicanas e democraticas do proprio Estado de Direito. Porisso, resta clara e imperiosa a necessidade de estabelecer mecanismos que garantam, para além de declaracdes genéricas de boas inteng6es, que a atividade de inteligéncia seja conduzida de acordo com o respeito aos direitos individuais, as instituigdes ¢ ao Estado De- mocratico de Direito, ou que, ao menos, reduzam 05 riscos de abuso, sem, contudo, tornar indcuo o exercicio da atividade. Impée-se, portanto, o desafio de compatibilizar a integri- dade coma eficiéncia.* guilherme-amado/a-integra _dos-relatorios-de-inteligencia-enviados-defesa-de-flavio-bol- sonaro-24869684]. Acesso em: 16.05.2021. 42. Oscasos recentemente ocorridos no Brasil fazem lembrar a “Inliberal democracies, the: right of citizens to voice dissent valued as the mark of a free society. Awareness that they may be subject to surveillance and monito- ting because of their involvement in controversial public activity or ‘organisations, and i) mar = the possibility that they may suffer monetary and career setbacks from being labelled a ‘security risk may lead people to limit or abstain from such activity. Thisis known asthe ‘chillingeffect, and itexerts negative influence on social activism, free expression and public discourse (Hannant, 2000, pp.214, 218)” (CAPARINI, Marina, op. cit. p.7). 45, Asprevisdesnesse sentido encontram-seno art 1% § 1% da Lei 9.883/98, nos ressuPosos aoa dade de inteligéncia veiculados na Politica Nacional de Inteligencia. 44. CEPIK, Marco, Op. cit., p. 207-208. 45, Trata-sede exercicio semelhante ao realizado por Marco Cey cia’, no qual examinou as tensées entre a agilidade ea transP: seguinte observagio de Marina Capari from their governments’ policiesishighly pikem seulivro “Espionagem edemocra- ligencia. aréncia na atividade de intel Paconw, Marcia; Gmaze, Betina Le Tea ade pia 9 Cerne Stade is ire istrativo, Infraestrutura, 7 i -26.ano 7. p. Resta de Dro lls 2023. DOI: ttc dot raf 0.48143/RDAL26 pele es 56 — Rewsta ve Dinero ApMINISTRATIVO, INFRAESTRUTURA, Reguacdo & COMPLIANCE 2023 © RDA/> ye ee AG Tais mecanismos dizem respeito, essencialmente, A previsao de regras claras sobre atribuigées, os limites ¢ as condutas esperadas da atividade de inteligencia, Com as respecg;, vas puni¢ées para 0 caso de ilicitos, e A existéncia € eficdcia de instancias de controles inter, nose externos,* Espera-se que a somat6ria de todos esses elementos permita criar eafirma, no Ambito da atividade de inteligéncia, uma cultura ética € democratica, a fim de Teftea, eficazmente, sua incoercivel propensao a clandestinidade do segredo € a0 abuso de poder« 5. CONTROLES PREVISTOS NO ORDENAMENTO BRASILEIRO 5.1. Pardimetros de atuagdo integra na legislagao de inteligéncia O ordenamento juridico brasileiro é razoavelmente prolifico no que diz respeito a ativi. dade de inteligéncia. Para além da Lei 9.883/99, que institui o SISBIN e cria a ABIN, ha vi- rios decretos, portarias e resoluges que tratam dispersamente do tema. Nesses normativos, é possivel encontrar disposicdes que veiculam, direta ou indiretamente, principios e regras éticas a serem observados na condugao da atividade. De inicio, cabe lembrar que a propria Lei 9.883/99 determina que as atividades de inte- ligéncia sejam desenvolvidas com irrestrita observancia dos direitos e das garantias indi- viduais, fidelidade as instituigdes e aos princfpios éticos que regem os interesses piblicos nacionais inerentes a seguranga do Estado e da sociedade.** Nesse sentido, a Politica Nacional de Inteligéncia (PNI) elenca os pressupostos da ati- vidade de inteligéncia, destacando (i) a observancia 4 Constitui¢ao Federal e as leis; (ii) fato de que se trata de atividade de Estado, nao se colocando a servi¢o de grupos especifi- cos ou sujeitos as conjunturas politico-partidarias; e (iii) a conduta ética, segundo a qual os 46. GONGALVES, Joanisval Brito. Op. cit., p. 84. 47. Nesse sentido estio as ligoes de Hans Born e Fairlie Jensen: “Various authors in this volume haveas- serted that democratic control of intelligence services should be perceived as a multi-level system of governance, Thisimplies firstly that democratic control doesnot depend on elected poltciansin pt lament only, but also depends on the effectiveness of other oversight mechanisms at the level of the intelligence agencies themselves, the executive, parliament, courts and the general public and even international organisations who set standards for intelligence oversight (for example the Council of Europe ae ECHR). Multi-level security sector governance can be seen as a framework of oversight e a a) state and civil society actors, both on the domestic and international level (b) based gure egal aficiency, transparency and accountability in order to (c) check whether the serv aoe Ae ” Gnteligene Services: Strengthening Democratic Accountability. In: cn ay cc me | : : ne ‘ara uma andlise dogmatica constitucional de como se deve entender essa locugao que relativiza © direito fundamental informa i! .s4o, no Estado D. i ireito, ve; it i referida tese de doutorado de Luiz Armando deasoriiers © de Direito, veja-se o Capitulo 1.2.12 dais 1%, Segho - Compuance 57 —— fissionais de inteligéncia devem orientar-se pela primaziada verdade, rol alilibada. date er tem pape relevante a0 identificaras princi dahonraedacon- € 20 : ipais ameacas 4 seguranca nacional e rabelecer os objetivos eas diretrizes da Inteligéncia. Entre as diretrizes, destaca-se a am- es jagio da confiabilidade do SISBIN, bem como o fortalecimento da cultura de Protecao de Conhecimentos sensiveis ou estratégicos. A Protecao diligente do sigilo legitimo, quandole- almente admitido, contudo, obviamente nao se confunde com 0 acobertamento herméti- code abusos. Trata-se, portanto, menos do fomento uma cultura do segredo de Estado e mais de respeito as regras que legitimam ° sigilo constitucional, dentro da estrita legalidade cexclsivamente para fins de interesse pablico, $6 nesse sentido poders.o servigo de intel. génciaconquistar a confianga da sociedade a quem serve e deve Proteger, sem degenerar em um ministério das sombras. ‘Também importante para fixacao de parametros de integridade da atividade éa Dou- trina Nacional de Inteligéncia, instituida pela Portaria 244-ABIN/GSI/PR/2016, que de- termina que séo principios que regem a atividade de inteligéncia: objetividade; seguranca; oportunidad; controle; imparcialidade; simplicidade; amplitude; einteracio, Além disso, a Doutrina trava discussao a respeito da ética na atividade de inteligéncia, estipulando, inclusive, quais devem ser as trés fontes capazes de orientar os servidores daati.. vidadecomomembros de uma categoria profissional especifica, sendo elas: 0 cddigo de ética profissional (a ser tratado em seguida); os principios da atividade de inteligencia previstos na propria Doutrina; ea literatura académica sobre o tema. De acordo com a Doutrina, a.uti- lizsao de meios que representam ameagas a direitos deve observar a adequabilidade, aim prescindibilidade ea proporcionalidade, e sao deveres éticos do profssional de inteligéncia: “a) representara verdade; b) aplicar métodos na elaboragao do conhecimento, evitando merasilagées; ©) rejeitar qualquer interferéncia nao republicana no processo de produgo do conheci- mento; 4) promover o pais por meio de sua atuacio; ¢) tratar os assuntos de seu trabalho com discricao; £) considerar a dignidade individual ¢ o interesse coletivo como referéncia para a aquisi- ‘S40 e para a produgo do conhecimento; 8) considerar, no trato com estrangeiros, o principio da reciprocidade e os direitos huma- Nos;e h) refletir criticamente sobre a necessidade e as implicagées morais de suas acdes ¢ deci- ses?” : ADoutrina também discorre sobre a relacao da atividade de inteligéncia com a politi- ae, “esse Ponto, afirma que a Inteligéncia “atua em fun¢ao da politica, ou seja, do processo “is6rio relative ao atendimento dos interesses da sociedade e do Estado selecionados por 58 Revista 0€ Direio ADMINISTRATIVO, INFRAESTRUTURA, Recutacdo & ComPuIANCE 2023 @ RDA 2g autoridades governamentais”, Ou seja, motivada por razoes justificdveis . interesse pay, co, legitimamente selecionadas e legalmente fundamentadas, e nao por objetivos particyl,. : i ili liticos. res, pessoais, familiares ou de grupos pol / / Por sua vez, a Estratégia Nacional de Inteligéncia® sustenta ae Peace da inte. ligencia devem atuar “com a consciéncia de cumprirem verdadeira ee de Bad ne a qual dedicam seus melhores esforgos, sempre imbuidos do espirito de servir a Naso com dedicagao e lealdade”. De acordo com o documento, devem observar os seguintes Principio éticos: “Respeito: adotam comportamentos e praticam agdes que respeitam a dignidade do indi. viduo e 0s interesses coletivos; Imparcialidade: atuam de modo isento, buscando a verdade no interesse do Estado e da sociedade brasileira, sem se deixar influenciar por ideias preconcebidas, interesses parti- culares ou corporativos; ; Cooperagao: compartilham de forma sistemética e proativa dados e conhecimentos iteis para promocao e defesa dos interesses do Estado e da sociedade brasileira; Discrigdo:tratam os diversos aspectos de seu trabalho com reserva. sigilo, visando prote- gere preservaras instituigdes do SISBIN, seus integrantes e os conhecimentos produzidos; Senso Critico: analisam e refletem sobre as implicagdes morais de suas agdes e decisdes;e Exceléncia: realizam as atividades com dedicaco, qualidade, profissionalismo, de forma metédica, diligentee oportuna” No entanto, o documento mais relevante no que diz respeito a fixagao de parametros de integridade da Inteligéncia é 0 Cédigo de Etica do Servidor da ABIN (Portaria 463/ABIN/ GSIPR de 2012), obtido, para este estudo, por meio de requerimento com base na Lei de Acesso 4 Informagao - vale sublinhar, desde logo, que 0 Cédigo nao estd publicamente disponivel em qualquer pagina oficial do Estado. Os objetivos do Codigo de Etica incluem (i) estabelecer valores que norteiam a ativida- dee os padroes de conduta para o exercicio de fungdes na ABIN; (ii) garantir conduta ética e moral dos agentes puiblicos da Agéncia; (iii) estabelecer regras basicas sobre conflitos de interesses € restricdes 4s atividades profissionais concomitantes ou posteriores ao exerci- cio do cargo, emprego ou fungdo na ABIN; e (iv) dirimir davidas quanto a conduta ética do agente da ABIN. Nesse sentido, determina que sio Principios e valores fundamentais dos referidos agen- tes: @)lealdade, no sentido de fidelidade ao Estado Democritico de Direito; (ii) imparcia- ee 7 = de valor decorrentes de interesses ou conviccdes pessoais; Além disso, a ee a seguranga; e (vi) exceléncia do produto, modo a prevenit conf, se imper limentos para os agentes publicos da Agéncia, de Potenciais ou concretos de interesse, que comprometeriam a Revista de Direito Administrativo, | 1.26, ano 7, p. 43-86. S80 Paulo: Ed RI, julfoc 208 Dot es icrsee Compliance —— Te = Cerri 89 conf abilidade do trabalho de inteligéncia, Entre os deveres, esto o de exercer a atividad ‘om crtério, oportunidade, imparcialidade e em beneficio do Estado e da sociedade; : dar absoluta reserva sobre dados ou fatos pessoais de pares, superiores e subordinados de nham tomado conhecimento no exercicio de suas atividades; resguardar e prot em dos dados ea identidade das fontes de informacao do érga eon aorigt . i ‘Ba0, exceto quando esses forem requeridos pelos mecanismos de controle da atividade; e ser discreto no trato dos as- guntos de servigo, N&O revelando pessoas descredenciadas ou que nao tenham necessidade de conhecer informages de interesse institucional nem métodos ou técnicas utilizados na atividade, mantendo segredo sobre os resultados das agées de Inteligéncia, De maneira mais especifica, o Codigo de Etica prevé o dever do agente de comunicar ao seu chefe a existéncia de conflitos de interesse que possam afetar a imparcialidade na exe- cugio de suas atribui¢es, bem como dar conhecimento a autoridade superior de qualquer fato contrario aos interesses da instituicao. Também apontaa necessidade de respeitar ahie- rarquia, sem deixar de representar contra qualquer irregularidade cometida por seus supe- riores, de representar & Comissao de Etica da ABIN quaisquer atos de desrespeito.ao ‘Cédigo, contribuindo paraa sua apuracio, e de resistir As pressdes atentatérias aos principios do Cé- digo que visem a obtengao de favores ou vantagens para si ou para outrem. Os impedimentos, por sua vez, sao diversos. Incluem (i) fazer uso de informacées obtidas no exercicio da atividade em beneficio proprio; (ii) valer-se da condicao de agente piblico da ABIN para auferir vantagens ou favores, em beneficio préprio ou de terceiros; (iii) deso- bedecer a leis e regulamentos a pretexto de cumprir suas atribuicGes; (iv) exercer ativida- de profissional que colida com o disposto no Cédigo ou assumir encargos que dificultem o cumprimento de suas atribui¢Ges funcionais; (v) dificultar 0 compartilhamento de infor- macdes com pessoas que detenham credencial de seguranca e necessidade de conhecer as referidas informag6es; (vi) acobertar erro ou conduta antiética de outro servidor; (vii) fazer proselitismo politico ou religioso no ambiente de trabalho; e (viii) aceitar presentes, na con- digdo de agente publico, salvo de autoridades estrangeiras nos casos protocolares em que houver reciprocidade. © Cédigo também instaura a Comissdo de Etica da ABIN, que, em casos de infragdes aos deveres e impedimentos dos agentes do érgao, deverd instaurar processo preliminar e dar ciéncia ao servidor faltoso para apresentar sua defesa. Ja no caso de infringéncia reiterada ao Cédigo, haverd infragao disciplinar, que seré reportada 4 autoridade competente para ins- taurar sindicancia ou processo administrativo disciplinar, conforme 0 caso. Para além da Comissao de Etica, também cabe citar a Assessoria de Governanga ¢ Con- Sormidade da ABIN, & qual compete assessorar 0 Diretor-Geral e orientar as unidades da Agéncia nas areas de conformidade, governanga, risco, transparéncia e integri idade da ges- tG0,0 que nclui a competéncia de dizecionar a implementacao de programs de integridade pelasunidades da ABIN, Ademais, de acordo com o Decreto 10.445/2020, também compete 2 Assessoriaapoiar asagoes de capacitagao nas éreas de itegridade da gestio, Nao obstante ha qualquer relatério publico ou hada se sabe sobre a sua atuacao pratica, de sorte que nao ‘mesmo noticia das atividades da Assessoria. que te Pusoaw, Marcia; Graze, Betina Le. integridade pean atta de ntl do Estado. a de Direito Administrativo ni ra, Requlocéo : a 1. 26. ano 7. eee de Direito Admit jul/set. 2023. DO!: tntpsdo ‘org/10.48143/RDAI.26.peleg A ‘omPLIANCE 2023 ® RD,,. 60 — Revista v€ Direito ADMINISTRATIVO, IvrraesTruTURA, REGULAGAO | COMA" SP Alag ograma de integridade piblic 4, “ty No entanto, referido programa é demas 5 inteligéncia, nao explora. ficidades da intelig plora ° Smead para a condugao dos servigos 4, é Nr Por fim, é importante destacar a existencia de um Pp} GSI," 6rgao ao qual a ABIN esté vincula mente abstrato e sucinto, nao menciona a‘ riscos a ela inerentes e nao traz parametros de inte ABIN. ; Do panorama anteriormente exposto, | Gisposigbes sobre integridade sao prin ivi inteligénci ior parte ae - mente da atividade de inteligéncia, a maior p: eae Rec cipios ou regras abstratas, como imparcialidade, discrigaoe condita’ ee tt, en todas elasé evidente: quea inteligencia éatividade de Estado, ie pee peat no respeito ao Estado Democratico de Direito ena eee piblico, ae ji ai a supremacia do in! 0, seja, a legislagio, de modo geral, afirma Cee es eee direitos individuais. Define regras e incum jgdes 0 di p até be a instituil feat a i mais, porém, ria de controle da prevengao de abusos € sancionamento de faltas funciot Pp Testa saber se é minimamente eficaz. - : As regras e os limites mais concretos a atividade se Ce etdade ae e : 7 in y, editado em 2012, que ndo conta com qualquer, dade ou sealuer forma le 7 desejaveis que as instituigdes devem elencar principios aplicaveis e agdes e ; ta longe de encerrar a questao sobre como garantir quea na legislagao que trata especificg, qualquer forma, tomar é um bom comego, mas est conducao daatividade seja integra e legitima, na pratica.** ‘Além disso, é forcoso reconhecer que, para além da sujei¢ao aos deveres éticos profissio- nais da Lei 8.12/90, como qualquer outro servidor publico, os parametros de integridade previstos para agentes do SISBIN nao sao especificos ou claros o suficiente para uma ativi- dade excepcional que opera sob a regra do sigilo. O documento mais relevante em termos de padrées de integridade no exercicio daativi- dade de inteligéncia é voltado exclusivamente a ABIN, nao se direcionando aos profissionais de todos os outros 48 érgaos que também integram o SISBIN, apenas em nivel federal. Aos_ : profissionais de outros érgaos, restam, portanto, os principios e as regras abstratas supra- th mencionados para balizar suas atividades. Ou seja, constata-se um déficit de normatizagdo deontol6gica para a rede como um todo, sendo que o Cédigo de Etica vale apenas para o érgio central do Sistema, o que acentua 0 perigo de que as ramificagdes ajam segundo padrées préprios, em desconformidade com 0s principios éticos e as regras profissionais que deveriam reger a atividade administrativa de inteligéncia, onde quer que se execute, Além do déficit normativo, tampouco se sabe dé programas de difusao da cultura de ética profissional ‘compativel com sprint do Estado emocratico de Direito, 0s principios do Est * deleniéncia é preciso mais do que bons pring” ipra/para-controlar-acordos-de-lenie” . Acesso em: 13.09.2021. Pios. Jota, 11.08.2020, Disponivel [www.jota.info/stf/s nivel em: e ij / '¢ Preciso-mais-do-que-bons-principios-1 1082020) Pawson, Marcia: oe, Btina Len evista de Direito Admin 1.26. ano 7, p, 43-86, Sao pore Ami tegridade pu trong ae publica na 1%, Secho - Compuiance 61 } ‘ Aesse respeil : fim do dia, o agente da Inteligéncia deve agir conforme seu préprio senso to, é elucidativa a constatacao da Doutrina Nacional de Inteligéncia, se- ‘ doa qual, no . - : 4) Boral: *faz parte das habilidades exigidas especialmente do profissional de operagées deIn- | eligdncia um refinado senso moral para saber identificar a razao ética de sua atuacao, além \ | darazao técnica , : i Nas palavras de Joanisval Brito Gongalves, consultor paraa Comissao Mista de Controle le Inteligéncia do Congresso Nacional, “sem leis - no sentido amplo - claras yj das Atividades de vara orientar € lis i) émuitoalto* ; i Concluimos esta segao constatando que a auséncia de um arcabougo normativo claro e 4 aplicdvel a toda a atividade de inteligéncia inviabiliza a transparéncia, deixando o sistema a ; rr da discriionariedade dos agentes de formas perigosas de subjtivismo, de sorte que £ me 7 i asinstancias de controle da atividade, emboraexistam no papel, carecem de fundamentos s6- fidos para fiscalizar com eficiéncia, eficdciae efetividade.* mitar a atuacao dos servicos de inteligéncia e seguranga, 0 risco de abusos 5.2. Regras sobre coleta e utilizagdo de dados pela atividade de inteligéncia ise das regras quanto a co- : Paraos fins do presente estudo, também se faz relevante aan eta, ao intercambio ea utilizagao de dados: pelaatividade de inteligéncia, na medida em que, conforme exposto, os agentes de inteligéncia trabalham com dados sensiveis coletados, na das vezes, de forma sigilosa, sem 0 consentimento ou conhecimento dos seus maior parte titulares. Nao toa, a propria Lei Geral de Protegao de Dados excepciona aatividade de: inteligéncia desuas disposigdes. No art. 4°, III, da referida Lei esta previsto que ela nao se aplica ao trata~ mento de dados pessoais realizado para fins exclusivos de seguranca piblica, defesa nacio- nal, seguranca do Estado ou atividades de investigagao e repressio de infragdes penais. No § 1° do mesmo artigo restou disposto que o tratamento de dados pessoais nesses casos sera regido por legislacao especifica, “que deveré prever medidas proporcionais e estritamen- te necessarias ao atendimento do interesse ptiblico, observados 0 devido processo legal, os principios gerais de protecao e os direitos do titular previstos nesta Lei”. A legislagao especi- {fica referida no dispositivo ainda nao existe,* de forma que serao analisadas as regras jd pre- vistas no ordenamento brasileiro. 52. GONCALVES, Joanisval Brito. Politicos e espides: 0 controle da atividade de inteligéncia. Niterdi: Impetus, 2019. p. 90. 53. Ibidem, p.69. 54, Jé existe anteprojeto de Lei de Protegio de Dados para Seguranga Publica e Persecugao Penal, elabo- rado por grupo de trabalho criado pela Camara dos Deputados, mas mesmo essa leizessalvaque suas disposigdes nao se aplicam ao tratamento de dados pessoais realizado para fins exclusivos de defesa nacional eseguranca do Estado, excluindo, portanto, sua aplicagéo ao cemne da atividade de inteli- géncia (ANTEPROJETO de Lei de Protesio de Dados para seguranga publica ¢ persecusao penal. Pa Jade publica na atividade de inteligéncia do Estado. ssc, Marcia; Gua, Betina Le ntegridade publica 7 aa melgencid Revista de Direito Administrativo, N. 26. ano 7. p. 43-86, S50 Paulo! Ed. RT, jul./set. 2023. DOI: [https: doi org/10.48143/RDAL26.pelegrini. N cE 2023 © 62 Revista 0€ Dinero ADMINISTRATIVO, INFRAESTRUTURA, Recutacho & COMPLIAN RDA 12g los e conhecimentos te eee do sig. -GSIP le 2003, int; BIN, o primeiro normativo ae p ° an ee Fee ontos ee Orgies Prete er pressupostos do inter: ene ue (i) fancionamento do SISBIN se da mediante a articulagéo coe ee o cons. tituem, observadas as normas legais quanto a seguranga, 0 re es droeiares rela dade assuntos sigilosos; (ii) cabe a ABIN a integragao de dados € ae cidog pelos membros do SISBIN, difundindo os produtos decorrentes 4 8 do} acon interesse no tema; e (iii) a ABIN deve analisar as oe recebidas e verificar o atengj. das necessidades de conhecimentos previstasno PNI. ; cae 7 forma de intercambio de dados e conhecimentos, foi Previsto que esses pode. rao ser difundidos preferencialmente via rede, ou por outros meios, le que atendam a legislacao pertinente a salvaguarda de assuntos sigilosos. Foi prevista tambéma Possibilida. de excepcional de comunicagao oral, caso no qual o texto escrito devera ser encaminhado 9 mais rapido possivel. ; Em termos de seguranga, o normativo prevé que deve ser garantido o cumprimento das Prescric6es contidas na legislacao pertinente a salvaguarda de assuntos sigilosos, em espe- cial no que se refere & classificacao e ao controle dos documentos, devendo ser observadaa discrigao durante o processo de comunicagao. Onormativo mais importante, no entanto, éa Portaria 59, de 2018, que instituiu, no 4m- bito da ABIN, o Programa Nacional de Protegio do Conhecimento Sensivel - PNPC, que deve ser implementado pela ABIN detém conhecimentos sensiveis, da Presidéncia da Repiiblica (GSI). De acordo com a Portaria, Por intermédio das seguintes linhas de aco: (i) promogao da nhecimentos sensiveis;* (ii) identificagao de ‘vulnerabilidades n No que diz respeito ao intercambio de dad em parceria com instituigées nacionais que gerem ou sob coordenacao do Gabinete de Seguranca Institucional © PNPC seré desenvolvido cultura de prote¢do de co- ‘0s sistemas de protecao das — Sct ~ Comrunce 63 yarceiras; (iii) identificagao de ameagase avaliacao de riscos e; (iv) acompanhi 7 a- instituigdes Parcen® : 5 7 mento das instituigdes parceiras na implementacao das aces de Prote¢ao de seus conheci- smentos sensiveis. foi previsto também que, para o desenvolvimento de tas linkas de ago, 0 Programa contarécom atividades de sensibilizacao, realizagao de féruns, elaboragao de relatérios com apresentagao de medidas preventivas e ‘corretivas de protecao de conhecimentos sensiveis, stom de outras atividades a serem definidas nas parcerias firmadas, Verfica-se,dos dois documentos ora abordados, que nod normatizagdo clara respe- toda coletae utilizagdo de dados e informagées sensiveis por, parte dos agentes de inteligéncia, Pode-se afirmar, sem nenhum contrassenso, que atividades exercidas no escuro sao as que mais necessitam de normatizacao clara, para reduzir a larga margem de possibilidade de co- metimento de abusos a sombra da publicidade inerente ao Estado Democratico de Direito. Programa Nacional de Protecao do Conhecimento Sensivel, ainda que seja iniciativa importante, nao institui, em qualquer momento, limites concretos a atuacao de inteligéncia notocante aos dados pessoais. Isso é especialmente delicado quandoa Lei Geral de Protecao de Dados Pessoais sequer se aplicaa atividade. Reforca-se, portanto, a constatacao de que fal- tam regras para a condugao integra da atividade de inteligéncia, também pelo ponto de vista daprotecao dos dados individuais. Mais um déficit normativo, ematividade que deve seres- tritamente regulada pela lei, para que a excecao nao venhaa se tornara regra. Nao obstante, a previsao de regras de conduta nao bastaria, por si s6, para criar 0 am- biente de integridade exigido da atividade de inteligéncia no contexto democratico.” Sio necessdrias, também, instancias de controle efetivas, que contribuam nao sé para queabusos sejam evitados, mas também para modificar a cultura organizacional da atividade e a per- cepcao que a sociedade tem dela, como veremos a seguir. 53. Controle da atividade de inteligéncia Como aponta a literatura especializada, o controle da atividade de inteligéncia deve se dar em miltiplas instancias e dimenses.” No Brasil, esse controle é exercido em diversos ambitos, que se dividem principalmente entre controle interno e externo. ee 57. “(1Jn search of better democratic control, improved legal rules alone will be insufficient as it is ne- cessary to deal with the reality and culture of intelligence agencies as well” (BORN, Hans: JENSEN, Fairlie. Intelligence Services: Strengthening Democratic Accountability. In: BORN, Hans; fan : NI, Marina (Org.). Democratic control of intelligence services containing rogue elephants. Farnham: Ashgate, 2007. p. 265). iter 58 GONCALVES, Joanisval Brito. Politicos e espides: 0 controle da atividade de inteligéncia. Niteréi: Impetus, 2019.p. 45. 59. BORN, Hans; JENSEN, Fairlie. Intelligence BORN, Hans; CAPARINI, Marina (Org.). Democratic control ofintell clephants. Farnham: Ashgate, 2007. i bility. In: ices: Strengthening Democratic Accountal moe of igence services: containing rogue dade de inteligéncia do Estado. Peon, Marcia; Graze, Betina Le. integridade publica na at ‘ s * 7 do e Compliance. Revista de Diveito Administrotivo, Infraestrutura, RegulagdoeCompisirs, ein & COMPLIANCE 2023 © ; 64 Revista ve Dinero ADMINISTRATIVO, INFRAESTRUTURA, Pen ll Revista de Dinero ADMINISTRATIVO, TNT" 0 é exercido pelo Diretor-Geral da 4, 1, Nos termos do Decreto 10.445/2020, a0 Diretor-G eral . lades operacionais, com base no poder hierarquico, ‘ ar denincias sobre irregularidades e infracdes dis, des de correi¢4o e orientar os agentes PUblicg, No que diz respeito a ABIN, 0 controle intern ciae pela Corregedoria-Geral." Ne a supervisio e orientagao das ativid Corregedoria-Geral cabe receber e apur re ciplinares, executar e acompanhar as ativi i da legislagao disciplinar. / ao A One tanben hd o controle exercido pelo Poder Executivo, notadamen, lo ambi , ituci -no exercicio do poder de ty . i uranca Institucional - no tela te pelo Ministro epee de a de Relagoes Exteriores de Defesa Nacional, ou de supervisdo ministerial -, pe ‘roladoria-Geral da Unido, Principalmeny, Conselho de Governo (CREDEN)e pela Cont ver a A iéncia da gestao administrativa dos recursos publica, acerca do aspecto patrimonial e da eficiéncia da g¢ wt E bjetivos, as politicas e os planos formuladoy federais. Esse controle visa a assegurar que 0s obj > iedade, sendo também responsivel por Ba. respondam adequadamente as demandas da sociedade, senc dos a agdes legitimacy rantir que os gastos dos servicos de inteligéncia sejam destinados a a¢ € tteis parao Estado. . | O controle externo, por sua vez, previsto no art. 6° da Lei 9.883/99, é essencialmente exercido pelo Poder Legislativo. No pais, o érgio congressual encarregado de tal Controle a Comissao Mista de Controle da Atividade de Inteligéncia (CCAI), que tem como objetivo principal a fiscalizacao e o controle da atividade de inteligéncia desenvolvida pelos érgios da Administracao Publica Federal, de forma que essa seja realizada em conformidadecoma Constituicao e em defesa dos direitos e das garantias individuais, da sociedade e do Estado, Tendo isso em vista, a Estratégia Nacional de Inteligéncia reconhece que “o controle arlamentar deve evitar um posicionamento meramente reativo episédico ou de respostas P P Pi spt contingenciais” Todavia, como notado por Caparini® e Goncalves, o exercicio do controle parlamentar encontra obstéculos, principalmente no que diz respeito ao desconhecimento dos parlamentares sobre a atividade de inteligéncia e ao desinteresse no exercicio da fiscali- zagao de maneira mais efetiva.' Outro desafio diz tespeito a dependéncia das informacées que sao restadas elo préprio servico controlado: naatividade de inteligéncia, as instancias de controle nao podem extrair informagées de fontes alternativas,® 60. GONCALVES, ; ; / 7 ieee eat ae Brito. Politicos e espides: 0 controle da atividade de inteligéncia. Niterdi: 61. BRASIL. Estratégia Nacional de Int ig guran ‘eligéncia, Brasilia: Gabinete de S: i 7. 62. CAPARINI, Marina, Op.cit, p. 14, ° inom 63. GONCALVES, Joanisval Bri i , to, Pe ides: ivi nent Impetn son nilBit oliticos espides: 0 controle da atividade de inteligéncia. Niterot 64. O desinteresse no controle ivi da atividade 6 associado a ide ce iado a ideia da plausible deni ilful ignorance, deconheernereame quando oemvovimentode determinadoy pals em aes fein stort ‘econhesmeto pi sda chefes do Estado devem ser capazes paar viz “cimento da operacio (CAPARINI, Mari Op.ctsp1a), ee snhamautoradoo® 65, CAPARINI, Marina. Op, 9, cetera el Pesan baa 14, Secao - ES Cnr 85 Esses desafios sao evidentes quando avaliados os relatérios de atividades daCCAl de sjimos anos: Em 2019 € 2018, 0s relatorios indicam apenas umareanae nee ultimos om 2017, ha noticia de duas reunides, e, Sunido realizada em cada ano; em icias deab P¢s, € €m 2016, de quatro, Quanto ao ano de 420, prolific em noticias de abusos na atividade deinteligencia, ndoha elatorig dispo- nibilizado.” Nao a toa, em 2020, as duas Tespostas mais contundentes a irregularidades na Inteli- géncia vieram do Supremo Tribunal Federal. No julgamento da ADI 6529, a Corte afirmou ye os Orgaos do SISBIN sé podem fornecer dados especificos 4 ABIN quando comprova- doointeresse publico da medida, sendo vedado qualquer compartilhamento de dados com interesses pessoais OU privados e que, mesmo quando Presente o interesse publico, dados referentes 4s comunicacées telefonicas ou sujeitos a reserva de Jurisdicao nao podem ser compartilhados. Janamedidacautelar na ADPF 722, 0 Supremo destacou serilegitimaaatuacaode érgio de inteligéncia no sentido de investigar e compartilhar informacées sobre Participantes de movimentos politicos que apenas exercem seu direito constitucional de manifestar-se poli- ticamente. E 0 Poder Judiciario, entao, que exerce de maneira mais efetiva o controle sobre aatividade de inteligéncia no pais,* mas somente a posteriori, quando abusos vém a tona, O que acontece nos subterraneos da Administracao da Inteligéncia, de outra forma, depende daefetividade dos controles internos, sobre os quais pouco se conhece. Destaca-se, por fim, que a despeito da inexisténcia de previsio normativa especificanes- sesentido, e de certa divergéncia sobre se o controle externo daatividade de inteligéncia deve serexercido exclusivamente pelo Poder Legislativo,® o Ministério Publico Federal, enquan- to 6rgao competente para zelar pelo respeito dos servicos de relevancia publica aos direitos constitucionalmente assegurados (art. 129, II, da Constituigdo Federal), possui plena com- peténcia para fiscalizar os servicos de inteligéncia, “da maneira que o teria para qualquer ou- tro érgao da Administrac4o Publica federal, diretae indireta”” Percebe-se, afinal, que o controle da atividade administrativa de inteligéncia ainda é muito embrionario no Brasil e nao se consolidou o suficiente no periodo democratico. A Tespeito do controle interno, notadamente o Executivo - apontado como uma das formas —_ 66. Destaca-se que, quando iniciado o presente estudo, s6 estavam dispontveis no site do Senado os relaté- ios até o ano de 2015. Apésa realizacao, para este trabalho, de requerimento | de acesso a informacao, questionando a. respeito da existéncia dos demais relatérios, esses foram incluidos no site. _ Em contraposigo aos relatrios dos anos citados,o relatro de 2015 ¢extremamente minucios evidenciando o cuidado ea preocupagio coma atividade de inteligencianaquele periodo, 8. Sobre a importancia do controle judiciério da atividade de inteligéncia, cf CAPARINI, Marina. Op.cit,, p.15, 67, 6. GONCALVES, Joanisval Brito, Politicos e espides o controle da atividade de intligéncia. Niter6: Impetus, 2019. p. 102. 70. Thidem, p 188, Tadade de inteligéncia do Estado. 66 Revist iro At -rRativo, INFRAESTRUTURA, Recutacao € COMPLIANCE 2023 « py ¢ Dinero ApminisTRATIVO, INFRAESTRUTURA, 2: OA, 6 Revista Of ocratico da atividade’!-, a literatura © considera oy, pate fen ue nao possui qualquer autoridade de fato ~ oy in : ; ‘to Ministro do GSIa época.” Quanto ao controle exten uma postura reativa, nao desempenhando papel Televay integridade. i de uma cultura de int a tividade eno fomento de un a : tena ea o controle da inteligéncia possui eae eae eae em Vist, he = eA atividade, bem como a relativa discricionarieda de conf : 205 profise i re! : sigi ee principalmente diante da auséncia deum ome Hosuiae = os i -se quando os 8 que for i i i itrole agrava-se qui Ine. bre integridade. A dificuldade do cont / ; ae e ; em regras principlotplcas e geraisa respeito da ética na atividad® on ee ee ivei ula como no caso do Cédigo de Etica, acessiveis apenas a er form Pp acesso4 a is te trabalho. informagao, como fizemos na pesquisa para est me 6 jue devem nor Nesse cendrio de inseguranga quanto aos padroes de pee ¢ pas rear 7 atividade de inteligéncia, bem como da faltade um controle eficaze el {etivo, faz-se necessarig investigar o que é possivel aprender com as experiéncias de outros paises. mais importantes de c: cuo - como no caso da CRED. tante, por depender, por exemplo, esse tem assumido, quando muito, 6. INTEGRIDADE DA ATIVIDADE DE INTELIGENCIA NO DIREITO COMPARADO Como se demonstrou anteriormente, 0 arcabouco juridico brasileiro nao é hébil, por si 86, para garantir uma conducao integra da atividade de inteligéncia. Nesse sentido, faz-se resente estudo, Em primei. ‘ft i trata especificamente da protecaio dos di Primeiro lugar, o Titulo Ilda Le direitos e das garantias d itant i A los habitante: ais, e nele determinou-se que o: funcionamento do §; de Inteligéncia pas a estrita- istema Nacional mente ajustado a Constituicao eas norm ‘as Vigentes, 71. BORN, Hans; JENSEN, Fairlie. Intelligence Services: Strengthe Democratic Account , Intell ices; tability. * aa ‘on : Strengthening crati pelied Sue elephants. Farnham: Ashgate, 2007, 264 ° " 72. GONCany, telligence services: containing 10- ES, Joanisval Bri Impetus, 2019 to. Politicos ¢ espiges: ' d P.214, * © controle d; i ee Ao 73, idem,p.214, © da atividade de inteligéncia, Niterdi: 74, O trabalho co, amentacio de cad ns Se8 8 feitas, nao sendoobjet0 i ; linguistica e pratica de acon, 1°™ais, aescolha dos palses SSaF 0S respectivos contetidos a 1, Secho - Compuance 67 ee a sentido, ° artigo 4° estabelece limitagoes a todo e qualquer organismo de inteli- A Lei proibiu (i) o desempenho de fungées repressivas e de poderes coercitivos, 0, por si s6, de fungdes de policia ou de investigacao criminal; nento de informagées ea producio de inteligéncia sobre pes , religido, a¢des privadas, opiniao politica ou Participacao ss, sociais, sindicais, entre outras, bem como pelaatividade licit: er ambito; (ii) a influéncia na situagao institucional, politica, militar, policial, social ica do Pais, bem como nos Partidos Politicos, na opiniao publica, na midia. ouem cdes legais de qualquer tipo; e (iv) que seja revelada ou divulgada qualquer informa- irida no exercicio das funcées relativamentea qualquer habitante ou pessoa juridi- m elas publicas, sejam privadas, salvo mediante ordem judicial. que diz respeito a protecdo da privacidade, o artigo 5° da Lei prevé que as comu- Ges telefonicas, postais ou de qualquer outro sistema de comunicacao, assim como quer tipo de informa¢ao, arquivos, registros e documentos Privados ou cujo acesso nao iblico sio invioléveis em toda a Repiblica Argentina, exceto mediante ordem judicial ido contrario. Nesse ponto, a Lei traz diversas regras relativas 4 confidencialidade ificagao das informagdes da atividade de inteligéncia, fixando, em seu artigo 18, que, do for necessaria a interceptacao ou captura de comunicagées privadas, a Secretaria igencia deverd solicitar autorizacao judicial para tanto, indicando com preciso os os de telefone ou endere¢os eletronicos cujas comunicagdes se pretende interceptar. islagdo em comento também ¢ detalhada no que diz respeito ao controle parlamen- ‘ligéncia. De inicio, em seu artigo 13, ao tratar da Politica de Inteligencia Nacional,a na estabelece como funcao especifica da Secretaria de Inteligéncia elaborar um informe de atividades para apresentar a Comisséo Bicameral de Fiscalizacao dos Organismos des de Inteligéncia do Congresso. Para tanto, os érgaos do Sistema Nacional de In- cia deverao fornecer todasas informagGes correspondentes. ainda dispde sobre quais aspectos da atividade de inteligéncia recaira aavaliacioda da Comissao Bicameral, que deveré ter amplas faculdades para controlar e investigar (artigo 32). O controle parlamentar incluira (i) a andlise e avaliacao da execugaodo io de Inteligéncia Nacional; (ii) a consideracao do informe anual fornecido pela Secreta- Anteligéncia; (iii) a recepcdo de ministros do Poder Executivo para prestar os esclare- OS que se entendam convenientes; (iv) a elaboracao de um informe anual destinado ader Executivo e ao Congresso Nacional, que verse sobre a avaliacao das atividades, do pnamento e da organizacio do Sistema de Inteligéncia Nacional, descrigao e conclu- atividades de fiscalizagao realizadas pela Comissao, com eventuais recomendagées ia melhoria do Sistema; (v) a emissao de opinido a respeito de todo projeto legislative nyolvaaatividade de inteligencia; (vi) o recebimento e a investigacao de dentincias so- US ilicitos cometidos na atuagao dos érgos de inteligéncia; e (vii) o controle dos de estudo utilizados pela Escola Nacional de Inteligéncia para a formagao e capact- €0 (ii) a obtengao eo ar- 'soas pelo simples fato €m organizacées par- 'a que desenvolvam em i bli i inteligéncia do Estado. Peroni, Marcia; Grazie, Betina Le. Integridade pdblica na atividade de inteligéneia & Revista de Direito Administrativo, Infraestrutura, Regulate Coma os ceil 26. ano 7. p. 43-86, Sao Paulo: Ed. RT, jul/set. 2023. DOI: [nttps{/doi.ora} 68 Revista ve Dinero ApMINISTRATIVOs InrnaesraUTURA, ECU - m traz regras a respeito dos agentes de inteligéncia, estabelec, ediretrizes para a sua formaca ly, $40 € capag ‘Ademais, a Lei també i por exemplo, requisitos para ingresso na carreira tagao. / Se ror fim, conta com uma segao dedicada as disp ‘Lei. Ha tipificagdo express, com Pen? dep lo dobro do tempo da interceptagao% Jefonicas ou de qualquer outro me? osicdes penais para os casos de des risio de um mésa dois anoseingy, da captagao ou do desvio indeyig, afim realizado por aqueles que 10 sentido, também serd Petaling, primento da litagao especial pel de comunicagées tel i e om eee Aral ticiparem dos organismos de inteligéncia. Ness' ; e P dem judicial e sendo obrigado a fazé-lo, deixar de destruir ou apagar o resultado das respectivasin aquele que, com or gravacdes, COpias ou qualquer outro terceptagdes, capturas ou desvios indevidos. ; ; de Inteligencia Nacional, se comparada, Do exposto, extrai-se que a ora abordada Ley nal, s ga, notadamente a Lei 9.83/99, € bastante minuciosa critetiogg legislagao brasileira andlo, até com os limites da atuagao do sistema de inteligéncia do pais. £ positivo que a Lei congregue em um sé diploma normativo, regras detalhadas a respeito da conducao das atividades em face dos direitos e das garantias individuais, do controle parlamentar e das penas aplicaveis para os casos de descumprimento da legislacao. No caso brasileiro, a Lei 9.883/99, com seus 15artigos, nao possui tal efeito, de sorte que tivos esparsos € muitas vezes deres- as molduras daatividade devem ser buscadas em normat trita divulgagao. Na pratica, isso significa que as proprias autoridades envolvidas possuem ampla margem para definir os contornos de sua propria atuagao, o que nao é boa técnica quando se trata de atividade administrativa que pode colocar em risco direitos e garantias fandamentais, Como ser expostoa seguir, as mesmas observacoes so aplicdveis aos casos de Portugal e da Itdlia. ‘A principal legislagao portuguesa no tocante aatividade de inteligéncia é a Lei9, defe- vereiro de 2007, considerada a Lei Organica do Sistema de Informagdes da Republica Por- tuguesa (SIRP), do Servi¢o de Informagées Estratégicas de Defesa (SIED) e do Servico de Informacdes de Seguranca (SIS). ‘A semelhanga do exemplo argentino, logo em seus artigos 6° e 7° a Lei jd trata dos ie mites das atividades de inteligéncia, destacando que aos agentes da inteligéncia é vedado (i) desenvolver atividades que envolvam ameaga ou ofensa aos direitos, as liberdades € 8" rantias constitucionais e legais; (ii) exercer poderes e desenvolver atividades do ambito da competéncia especifica dos tribunais, do Ministério Publico ou das entidades com fungoes ae (iii) proceder & detengao de pessoas ou instruir inquéritos e processos penais € CDi re ou fungao para praticar qualquer acao de natureza diversa da & dentemente de sania nase eae ee de tais regras, a Lei prevé, indeph™ deste demissao a outras medidas, conformeo¢ ee sangio disciplinar, que pode igno de nots ae ‘ iar é | tratamento ie da Leiarespeito dos meios de atuagao dos: servir shies eaeeenras teal resale adados: e informagéese sobre: ‘osdeveres ‘gios. Hé um capitulo inteiro a tratar especificamen"? elemento que comprove 18, Scho - Compuance 69 jprocessamento de dados pessoais, ao final do qual ¢ previsto que o funciondrio que fizer o dos dados ou das informag6es com violacao ao regularmente disposto é punido com o correspondente a infracao disciplinar grave. A esse Tespeito, destaca-se que a Lei é sante clara acerca do regime disciplinar imposto a atividade, trazendo Penas especiais eis aos agentes de inteligéncia, bem como regras quanto a competéncia disciplinar e tivos processos disciplinares. n disso, cabe destacar que a Lei determina diversas regras sobre a carreira de inte- desde requisitos para entrada, formagao do pessoal, direitos remuneracio dos as até a existéncia de um Departamento de recursos humanos que se incumbe, den- coisas, do apoio e consultoria psicolégica aos funciondrios do Servico (artigo 19). toa, a literatura aponta que, em fungao de uma redemocratizacao que marcou vee- ntemente a ruptura com a ditadura - em contraposi¢ao a brasileira, marcada por certa dade em relacao ao regime autoritario -, a institucionalizacao da inteligéncia em foi muito mais bem sucedida que a brasileira.’> do-se ao caso italiano, a normatizacao da inteligéncia encontra-se na Lei 124 de gge 124/2007 - Sistema di informazione per la sicurezza della Repubblica e nuova dis- del segreto’*). Trata-se de legislacao extensa e prolixa que aborda praticamente todos ipais temas afeitos a atividade de inteligéncia, a comear pela definicdo minuciosa cias, cargos eas correspondentes competéncias; assim como em Portugal, alegisla- az diversas regras sobre pessoal, carreira e remuneracao. Sobre esse tema, destaca-sea sao de que pessoas cuja lealdade a Constitui¢ao seja questionavel, por forca de compor- tos subversivos ou atitudes contraas instituicdes democraticas, nao poderao conduzir tipo de atividade no sistema de inteligéncia italiano (artigo 21). is especificamente, a Lei chama atengao pelo grau de detalhamento com relacao aos todos e as ferramentas utilizadas na atividade. Ha diversas regras sobre seguranga da in- \c40 (artigo 4), sobre protecao do sigilo (artigos 9 e 39) e sobre classificacao de docu- ptos (artigo 39). Estao delineados os contornos do tratamento de dados pessoais (artigo com a previsao de reclusao de trés a dez anos para o descumprimento das regras pre- por qualquer agente do sistema de inteligéncia. ‘i trata, inclusive, das agées “clandestinas” a serem conduzidas, como a utilizacao de dades falsas pelos agentes (artigo 24) oua simulagao de atividades econémicas (artigo da possibilidade de imunidade dos agentes com relacaoaalgunscrimesem determina- ircunstancias (artigo 17), Essa previsao em lei dos métodos de atuagao da inteligénciaé “[T]he structure and functioning of the current Brazilian intelligence system is still a long way off from the level of democratic institutionalization achieved in Portugal” (ARTURI, Carlos $; RO- BDRIGUEZ, Julio C.. Democratization and Intelligence and Internal Security Agencies: A Compa- ative Analysis of the Cases of Brazil and Portugal (1974-2014). Bras. Political Sci. Rev., Sao Paulo, ¥.13, n.2, p.1-29, €0006, 2019. Disponivel em: [www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pi- ¢: 1981-382120190002002038ng=en&anr1 30]. Acesso em: 15.03.2021). cendereco: [wwwsicurezzana- BALei pode ser encontrada na tradugio oficial para o inglés no seguinte Zionale.govit/sisr.nsf/english/law-no-124-2007.html], 7 i Estado. Pecan, Marcia; Graze, Betina Le, Integridade pablica na atividade de inteligéncia do Revista de Direito Administrativo, Infraestrutura, Re loo Compliant, pelegrnl p26. ano 7. p. 43-86, Sao Paulo: Ed. RT, jul/set. 2023. DOI: [nttps/

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