You are on page 1of 27
- | * aN) | Maria Aparecida Mezzalira Gomes (Organizadoras) Fal PR aN AUTORREGULADA e " PR) eae | 4 Como promover a autorregulacao emocional de criangas e adolescentes no contexto educacional im Cruvinel Evely Boruchaviteh Um garoto de 9 anos, estudando no 4° ano do Ensino Funda- mental, apresentou um camportamenta de muita raiva diante de ‘um calega em sala de aula. Omenino, com nome ficticio de Mau- ricio, jogou seu estojo de lipis no rasto de um colega, enquanto gritava e dizia palavroes. Em seguida, Mauricio jogou 0 estoja no chao sapateou sobre ele, com uma expresso de raiva no rosto, Carla, de 13 anos, demonstra alguns sinais tipicos de ansle- dade, Sente-se muito sobrecarregada com as atividades escolares cextracscolares. Diz que antes de chegar 4 escola sente falta de ar, dor de barriga, suor ¢ muita vontade de chovar. Durante as aulas, em alguns momentos, quando percebe que pade perder o controle, sai correndo para o banheiro ¢ fica ali charando, até se acalmar. Milena, de 14 anos, abservadora, aparentemente uma ado- lescente calma ¢ tranguila, revela que apesar de se mostrar bem tranquila, sente-ce sufocada em algumas sitwacdes no colégio, es- pecialmente quando um amigo a rejeita, ou quando o colega que fica 20 seu lado na sala de aula Ihe diz-algo humilhante e ageessiva, Na escola, sem conseguir mostrar seu descontentamento, Mile- ina guarda esses acontecimentos para ela e nio compartilha com ninguém, Quando chega em casa, sempre conversa com os pais -¢ pede-thes ajuda. No didlogo com os pais acaba pensando que a ‘situagio no foi tio ruim como imaginava anteriormente eque, na escola, alguns colegas gostam dela ¢ outros nao, Esses sio recortes de alguns relatos que frequentemente os pais ¢ profissionais da sade mental e educagéo presenciam em seu dia a dia, Séo trés casos, de ambos os sexos, que se encontram em fases diferentes da desenvolvimento fisico e psicalégica, porém todos os trés tim em comum a presenga de algum tipo de conilita emocional. Nota-se que, embora cada crianca ¢ adolescente tenha suas caracteristicas e particularidades, nas trés situacbes hi uma emago que, de forma geral, provoca uma agio ou tem uma con- sequéncia. No primeiro exemplo, a raiva conduz @ mening a um compertamento desadaptativo de cxplosio ¢ manifestacio dessa emogao, Na segunda histéria, Carla sofre com os sinais de ansieda- de, e essa emogio faz com que a menina saia da situagéo como uma maneira de s¢ livrar do sentimento ruim. Ja no lerceira exemplo, a adolescente sente fristeza ¢ se retrai inicialmente na escola, mas depois busca apoio social em casa, Diariamente, criangas.e adolescentes se deparam com indmeras situagdes adversas, em especial no conlexto escolar, semelhantes ds mencionadas anteriormente, € consequentemente experimentam diversas emogies. Todos més temos emogées ¢ reagimos a elas, tanto de forma positiva quanto negativa. Ter diferentes emogibes faz parte da natureza humana ¢ é esperado que as pessoas sintam maiva, tristeza, ansiedade ¢ medo, entre outras, Entretanto, 0 que mais importa ¢ como essas pessoas lidam ou regulam suas emo- goes (LEAHY; TIRCH & NAPOLITANO, 2013), Serd que conse- guem perceber € monitorar quando essas emogdes surgem? Quais comportamentos “conscientes” empregam para aliviar o sofrimen- to? Seri que as estratégias usadas para diminuir-a intensidade des- ses sentimentos sia adaptativas ou ndo? Seri que as adultos saber como lidar com essas situagées? Assim, este capitulo pretende dis- uti © tema regulagio emocional entre criangas ¢ adolescentes no 97 contexto escolar, com base na psicologia cognitiva bascada na Teoria do Processamento da Informagio, O conceito de regrla- (do emocional sera inicialmente apresentado. Bnfase serd dada 405 tipos de estratégias que podem ser empregadas por criangas e adolescentes. Finalmente, seré feita uma reflexio acerea da importincia do desenvolvimento das habilidades emocionais © mais especificamente da regulagio emocional no ambiente e5¢0- lar, na tentativa de integrar as descobertas da pesquisa cientifiea com a pratica, O que regulagio emocional? Definir emogio nao é unta tarefa simples, pois se trata de um -conceito complexo ¢ abrangente, No sentido amplo, as emogéies sio reagées subjetivas de uma pessoa a um determinado evento, que pode estar relacionado a um estimulo interno ou extern, en volvendo mudangas fisiolégicas, cognitivas ¢ comportamentais (SROUFE, 1995). Os estudos relacionados as emagées ganharam destaque no século XX. Alzina (2000) descreve que esse interesse acentuado pelas emogbes ¢ temas correlacionados camo a regulaco emocio- nal se deu em fungio do aumento no mimero de estudos sobre as emugdes ¢ aqueles que tentavam relacionar emogie ¢ ncurocien cia, bem como com a publicagao da obra de Daniel Goleman, em 1995 Jnteligéncia emocional - A teoria revoliciandria que redefine co que ¢ ser inteligente. Associade ao conceito de emogio vem a regulagio emocional, ‘um termo usado para definir os processes envelvidos na forma de administrar as diferentes emagies, pasitivas e negativas (KOPP, 1989). Outros autores como Lazarus ¢ Folkman (1984) usam o ter- ma coping ou “estratégias de copitig” quando se referem & regulagiio emocionale adefinem como mudangas cognitivas ¢ comportamen- 98 ‘tals conscientes empregadas pelas pessoas pars lidar com situagbes cestressantes. Nessa linha, hd uma distinglo entre © coping focado no problema (visa uma mudanga na «ituaglo-problema) © coping focadlo na emiogde (visas uma mudanga na experiéncia emocional), Pessoas que vivem constantemente eventos adversos ¢ estres- santes tendem a experimentar mais emocdes negativas, ¢ se admi- nistram esses sentimentos de forma pouco eficiente, usando cs- tratégias nia eficazes, podem apresentar dificuldades secundirias, come desenvolvimento de psicopatologias, entre elas a depressioe a ansiedade. Na realidade, quando as diferentes emogées suurgem, maneiras distuncionais de lidar com elas ainda podem ocasionar © aparecimento de outros comportamentos problemiticos. Uma “Uesregulagio emocional” esté assoctada a0 uso de estratégias ina. dequadas que incluem ruminagio, isolamento ou inatividade, cs- ‘quiva, uso de substancias psicoativas, compulsio alimentar, auto- mutilagio e até mesmo suicidio. De uma maneira geral, regulagio emocional pode incluir qualquer tipo de estratégia de enfrenta- mento, podendo ser adaptativa ou niio (LEAHY et al, 2013), Investigagies evidenciam que fii algumas particularidades que podem concribuir para 0 uso de diferentes tipos de estratégias de regulacio emocional. Nota-se que as esteatégias podem mudar, dependendo do contexto e das pessoas envolvidas no conflita, da dade do individuo, do sexo ¢ das caracterlsticas culturals, entre outros fatores (DELLAGLIO & HUTZ, 2002; LISBOA et al., 2002). Em linhas gerais, no que concerne ao contexto € pessoas envol- vidas, DellAglio e Hutz (2002) observaram que as criangas agem de forma diferente se-0 conflito for com 0s amtigos ou com algum adulto, Se o-conflito acontece com um amigo, a estratégia mais co- mum seré a busca par um apoio social ou uma agio agressiva dian- te do colega. Todavia, se o problema for com um adulto, a estra- ligia seri de evitagio ou de aceitagio. Hi também uma diferenga entre meninos ¢ meninas. Ox meninos tendem a empregar este Aiglas de agressio fisica diante de conflito com os pares, enquanto 99 que-as meninas usam mais a agressdo verbal. é quando enfrentam problemas com o professor, as meninas costumam adotar mais a inagio, ou seja, s40 mais propensas a no fazer nada (LISBOA ct al, 2002), A literatura mostra também que as estratégias de regulacio- emocional melhoram com a idade ¢ podem ser distintas, depen dendo do comtexto cultural em que a crianga. vive. Com 0 avan- ar do desenvulvimento, estratégias mais sofisticadas, como, por exemplo, as cognitivas,sio as mais utilizadas (CASSETTE & GAU- DREAU, 1996; DIAS; VIKAN & GRAVAS, 2000; VIKAN & DIAS, 1996; BRAVO, 2013), ‘A compreensin dos prucessos de autorregulagio emocional € essencial na drea da satide mental, uma ver que ha evidéncias de que dificuldades na regulagio das emogées estéo correlaciona- das a diversas psicopatolngias e transtorus mentais deserites no DSM-V (COUTINHO, RIBEIRO; FERREIRINHA & DIAS, 2010; SANTOS & GUEDES, 2016). Ha muitos indicios de que as pessoas que sio competentes emocionalmente, que conhtecem e lidam bem com seus proprios sentimentos e com 08 das outros, tém diversos beneficios. Puturamente, tornam-se aqueles individues que tem mais sucesso em seus relacionamentas profissionais e conjugais, que se sentem mais salisfeitos ¢ eicientes em suas vidas e que so ‘mais produtivos ent diversas situagdes (GOLEMAN, 1995). Con- siderando seus beneficios ¢ procurando compreender melhor 0 processo de regulagio emocional, o fluxo de regulagi emocional sera descrito a seguir. Como ocorre o fluxo de regulagdo emocional A emogio & um pracesso composte por varios companentes ou subpartes que aperam em conjunto. Embora existam diver- géncias a respelto dessis subpartes, as diferentes correntes teéri- cas concordam que, aproximadamente, cinco componentes estio 100 Presentes nas emagées, Dessa forma, a emogio ée inicia com os -acontecimentos precipitadores, que sio capazes de gerar diferentes ‘emogdes. O que vai caracterizar um evento como sendo precipi- tador é a avaliagio do individuo diante da situagio. Apés a avalia- ‘G40, 0 priximo componente sto as alteragbes fisioldgicas peculia- res a cada tipo de emogio, A expressio da emogio se constitui no ‘quarto componente. Finalmente, o quinto-¢ diltimo componente é ‘8 regulaglo da emogdo. A regulagio pode se iniciar na avaliagho do evento precipitador, ¢ de acordo com a interpretagio feita, 0 individuo pode mudar sua emogo e controlar suas respostas fisio- |bgicas e seu comportamente (PLANALP, 1999). Para compreender methor © fluxo da regulacido emocional € importante um exercicio autorreflexivo, no sentido de se ter uma [postura mais ativa e critica diante das proprias emogées, tornan- sdo-se, assim, mais consciente desse percurso. Para ter mais cons- citncia desses processos cmocionais sugere-se a pritica do seguin- te exercicio: Pense em uma situagao recente que tenha the causado alguma emopio negativa. Tente deserever essa situagiio (Como aconteceu? ‘Quando? Quem estava com voot? Onde ocorreut). Em seguida, identifique sua emogio (© que voce sentiu naquele instante? Apre- sentou mudangas em seu corpo, na sua postural), Apés descrever suas emogdes, procure obscrvar quais foram os pensamentos que ihe vieram & mente , por tiltimo, qual fol seu comportamento (O que woct fez?). ‘Agora, imagine o seguinte exemplo: Um menino, Rafael, esta- ‘va em sua casa, fazendo o-dever de casa, Isso aconteceu logo apés © almoco, quando jf estava sozinho em sua casa ¢ em seu quarto, Sentiu desconforto, tédio e mutta vontade de parar de fazer a tarefa € ir brincar. Comegou a ter pensamentos como; “Estou cansado’ “Como é chato fazer iss0." “Nao sei fazer” “Nao est ficando bom” “Sou um idiota mesmo Rafael decidiu deixar a tarefa para mais tarde ¢ foi ver TV. Pensando sobre 0 fluxo de repulaséo emociorial, nesse exem- plo houve um evento precipitador, uma avaliagdo individual, uma emogao e um comportamenta, © eventa preeipitador foi “fazer 0 dever de casa’. Essa situardo provocou em Rafael uma série de pen. samentos € cognigdes como: “Estou cansado” “Como é chato fazer isso’ “Nao sel fazer’ "Nio esti ficando bom’, “Sou um idiota mes- mo Por sua ve2, €35¢8 pensaimentos conduziram a uma emogio negativa. No casa, o sentimento proeminente foi o tédio ¢ tristeza, seguida de uma reagiio compertamental. O: comportamenta de Ra fael foi deixar os estudos e fazer outra atividade, mais prazerosa para ele naquele momento, O fluxe pode ser melhor visualizado na Figura 1. Figura 1 Fluxo da regulagio emocional - Caso Rafsel Evento preciptsdor me Fazer deer dessa a Arata 6 ors come cata a to. No fae Mp staan a vom. Sou un ita mesa? Emopto mmm Toc stern ‘Comportaments me Facer uta coisa ali prazeosa. Tomando por base « perspectiva da Psicolugia Cogaitiva bi scada na Teoria do Processamento da Informagio, Boruchovitch (2008)

You might also like