You are on page 1of 67
ete on nr Edai ski Christian reat Se Guilherme Henrique May fe PARA CONHECER Sociolinguistica editoracontexto (Cpyrighs © 2015 las Labs Coaho Todos os diets desta edo reservados ditra Comexto aivra Pinky Uda) Mentagen de cape edagromagio. ‘Gusev, Vil Bos Preparagide teats Tian Aquino Revise Dania Marin’ ramon Dios Inseracionais de Caralogaso ns Publics (2) (Clara Bras do Lio, st. Basi) ‘ara conhocerocainguiica ete Lehmlht (Coe. al. = So Paulo: Contexco, 2015, ~ (Colegio para conhece ingustice) ‘Ouro snore dale Maria Gorski, (Christiane Maria N, de Souza, Guilherme Hentique May ISBN 978.85-7244-890-1 1. Linguagem elinguas 2. Socilinguistica 3. Sociolinguistics naeycagie [-Codbo, ete Lehiluhl 1. Grsk, Edair Mata IL, Sousa, Christiane Maria N de, 1V. May, Guilherme Henrique V.Sétie 1413482 cpp-4o14 Trae para catllogs semi 1. Socolingulstica 401.4 Eprom Contexto Direor eo Jie Py ua De Jos lia, 520 Alo da Lapa (5083-030 So Paulo se an: (11) 3832 5838 comtextogeditoracontexto.com.be omwedioracontents com br G 0 ESTUDO DA LINGUAGEM NO CONTEXTO SOCIAL Objetivos gerais do capitulo: ‘> Conhecendo a Sociolinguistica —o objeto de estudo e conceitos basicos da area; > A variagio vista de dentro da lingua — os niveis linguisticos em que ‘corte variagao ¢ os condicionadores internos & lingua; ‘> Avariagdo vista de fora da lingua — 0s tipos de variagto linguistica e sua relagdo com os condicionadores externos a lingua. CONHECENDO A SOCIOLINGUISTICA Neste capitulo, vamos dar os primeiros passos no conhecimento da Sociolinguistica. Comegamos apresentando algumas ideias que funda- mentam esse conhecimento, e para isso nos referiremos constantemente ‘20 mundo das pesquisas feitas nessa area, pois é através dele que vamos clencar alguns conceitos necessérios para as discussées que teremos a0 longo de todo este livro. Antes mesmo de tomarmos contato com esses estudos, é preciso nos desfazermos de algumas eventuais nogdes pré-concebidas. E necessério, Por exemplo, abandonar a ideia de que a lingua é uma estrutura pronta, acabada, que niio é suscetivel a variar e a mudar. E necessério também entender que a realidade das pessoas que usam a lingua — os falantes — tem luma influéncia muito grande na maneira como elas falam ¢ na maneira " PA CRE Srnpstcn como avaliam a lingua que usam e, especialmente, a lingua usada pelos ‘outros. Para conhecer a Sociolinguistica, é necessétio, antes de mais nada, “abrir a cabega” para aceitar a lingua que esté sendo usada & nossa volta ‘como um objeto legitimo de estudo. A primeira vista, pode parecer dificil imaginar que a lingua, com seu cardter variével e mutivel, como estamos afirmando, seja um objeto de estudo cientifico, jé que estudos cientificos sto, em geral, baseados ‘em sistematizagdes, em resultados concretos, no estabelecimento de re- ‘gras. Mas esperamos que, ao fim deste capitulo, fique evidente que pro- curar regras ~ que muitas ¢ muitas vezes se diferem das regras prescritas em graméticas normativas e manuais de “bom uso” da lingua - ¢ um dos objetivos da Sociolinguistica, e que é possivel depreender regras da lin- ‘gua, mesmo diante de todas as suas mudangas e variabilidades. Iniciemos o exame dessa drea de estudos pensando no seu nome: So- ciolinguistica. Quando ouvimos essa palavra, possivelmente imaginamos que ela tenha algo a ver com Linguistica e também com social. De fato, como o nome sugere, a Sociolinguistica é uma area da Linguistica que estuda a relagio entre a lingua que falamos e a sociedade em que vivernos. ‘Vamos refletir um pouco sobre essa relagdo. Pensemos nas pessoas 4 nossa volta, aquelas que pertencem & nossa familia, aquelas que encon- ‘ramos na universidade, no trabalho, no supermercado. Elas falam todas da mesma maneira? Se pensarmos bem, talvez tenhamos duas respostas a oferecer para essa pergunta. Uma delas é sim, as pessoas a nossa volta falam todas da ‘mesma forma. Tanto é verdade que elas se entendem perfeitamente. Todas (@ excerdo das estrangeiras, e olhe li!) falam portugues. Se for o caso, até podemos especificar: todas elas falam 0 portugués brasileiro, Ouentiio ndo, elas falam todas de maneira diferente. Umas promunciam todos 0s ‘S’ (provavelmente aquelas que passaram mais anos na escola), ‘outras tém sotaques diferentes ¢ outras ainda usam palavras cujo significado talvez no conhegamos, por se tratar de expresses de uma determinada re- sido do pais ou que so usadas por uma geragdo diferente da nossa. Pois bem, as duas respostas esto corretas. As pessoas & nossa volta se comunicam sem maiores problemas; mais do que isso, a lingua falada é, ‘muitas vezes, o maior e melhor instrumento que elas tém para se entender, ‘um instrumento capaz de desfazer mal-entendidos causados por um olhar ou 12 ess irgsagem conte saci tum gesto, por exemplo, Isso quer dizer que elas falam da mesma maneira. Contudo, cada grupo social apresenta caracteristicas no seu falar que slo condicionadas por sua origem, sua idade, sua escolaridade, entre outros fato- res. Isso quer dizer que as pessoas nossa volta falam de diferentes maneiras, As conclusdes que podemos tirar dessa aparente “pegadinha” sao ue, primeiramente, a lingua é um sistema organizado ~ tao organizado que seus falantes se comunicam perfeitamente entre si, nfio importando Se um mora no interior de Sao Paulo e 0 outro na capital do Rio Grande do Sul, se um tem 6 anos de idade eo outro 60, se um tem curso superior €%o outro ensino fundamental. Em segundo lugar, podemos concluir que a lingua varia, e essa variagtio decorre de fatores que esto presentes na Sociedade ~ além de fatores que podem ser encontrados dentro da propria lingua, conforme veremos mais adiante. A Sociolinguistica se ocupa desses fatores, da pressiio que eles exer- cem sobre a lingua que falamos € da maneira que as pessoas percebem e avaliam a lingua. E dessa forma que os sociolinguistas estudam a relagao entre lingua e sociedade, Notemos que as duas conelusées a que chegamos nao sto incompativeis entre si: na Sociolinguistica, entendemos a lingua como um sistema de regras, ‘mas algumas regras so categéricas (regras que sempre se aplicam da mesma forma) ¢ outras so variaveis (regras que se aplicam de modo varindo). E com essas questdes, fundamentalmente, que vamos nos deparar a0, longo deste livro. Para lidar com elas, vamos primeiro nos equipar com algumas ideias e conceitos basicos. 11 Que Sociolinguistica ¢ essa? ‘Quando comegamos este capitulo, dissemos que a Sociolinguistica é uma ‘rea da Linguistica que estuda a relagdo entre a lingua que falamos e a socieda- de em que vivemos; nao afirmamos que a Sociolinguistica é a érea que estuda essa relagdo. Existem outros campos dentro das cigncias da linguagem que se por nas palavras ‘aia (por ‘palha’) _muié (por ‘mulher”) veia (por ‘velha’) _foia (por ‘folha’) _trabaio (por ‘trabalho”) Esse fendmeno ~ chamado de despalatalizacdo — consiste na perda de palatalizagdo ( passa para : patha > palia), seguida de iota- cismo (evolugao de um som para a vogal /i/ ou para a semivogal cor- respondente: palia > paia). Existe uma aproximagao entre os pontos de articulagao da palatal /A/ (que na escrita representamos por ) ¢ da semivogal /y/, 0 que justifica linguisticamente essa variago. Assim, em certos contextos, o trago palatal passa a ser articulado como alveolar ou ‘como uma semivogal. A despalatalizagio é apenas um exemplo de varia- ‘so fonolégica verificado no portugués do Brasil; no quadro a seguir, ha outros. Vocé pode ainda ampliar esse quadro pesquisando sobre outras varidveis fonolégicas. ee Exemplos de variagio fonoligica + Sincope: supressio de um segmento sonoro no interior da palavra. Ha uma tendéncia de as proparoxitonas se igualarem as paroxitonas, que so muito mais frequentes na lingua portuguesa. Como exemplos, temos casos como relampo (por ‘telimpago’), fosfro (por ‘fésfor0"), abobra (Por ‘absbora’),arve (por ‘irvore’),figo (por “figado’) etc, ‘Na passagem do latim para 0 portugues, temos casos como insula > itha, littera > letra ete.; ‘Monotongacio: transformacdo ou redugiio de um ditongo ‘em uma vogal. Podemos ter a transformagdo do ditongo ‘ow! para /o/, como poco (pot *pouco’), ropa (por ‘roupa’), cenora (por ‘cenoura’) ete.; de /ey/ para /e/, como em ‘mantega (por ‘manteiga’), bejo (por “beijo"), brasilero (Por “brasileiro’)etc.; e de /ay/ para /a/, como em caxa (por “eaixa’), baivo (por “baixo")e Algamento das vogais médias pré-tonicas: elevagio das vogais pré-t6nicas por influéncia de uma vogal em silaba subsequente, E o caso, por exemplo, de minino (por “menino’), curuja (por ‘coruja’), piru (por ‘peru’),tisoura (por “tesoura’), subrinho (por ‘sobrinho’) ete.; Epéntese vocilica: emissio de uma vogal entre consoantes. £0 que encontramos em obiter (por ‘obter"), ineu ou peneu (por ‘pnew’), adivogado ou adevogado (por ‘advogado’), ritimo (por ‘ritmo") etc.: Rotacismo: troca da consoante [I] pela consoante {r], como ocorre em pranta (por ‘planta’), Framengo (por ‘Flamengo’), probrema (por ‘problema’), bicicreta (por “bicicleta’) etc, Embora seja um fendmeno estigmatizado, é bastante frequente nfo s6 no portugués falado atualmente ‘no Brasil como na trajet6ria do latim para o portugués, em que encontramos os exemplos duplu > dobro, blancu > branco, ecclesia > igreja, entre outros. SS ‘Outro nivel linguistico em que podemos verificar variagto é0 morfoligico. ‘Comecemos esta conversa relembrando a definigao clissica de mor- fema: unidade minima significativa. Vamos considerar como variagao ‘morfoldgica aquela altera¢do que ocorre num morfema da palavra. Parece ficil,ndo €? Vamos examinar alguns dados 26 estas ingen no cre ve Pensemos no caso do gertindio, em que temos o fendmeno fonolégico, da assimilagao: Ccantano (por ‘cantando’) carreno (por ‘correndo") sorrino (pot ‘sorrindo’) Sabemos que -ndo & o morfema verbal que indica gerindio, Nos trés exemplos, esse morfema soffe uma redugo para -no, com a queda do fo- nema /d/. E agora; ser um caso de variago fonolégica ou morfolégica? A mesma indagagio pode ser feita em relagio aos seguintes fendme- nos em variago, muito frequentes no portugues do Brasil: a. andéé (por ‘andat’), vendé (por ‘vender’), parti (por ‘partir’); b. eles anda (por eles ‘andam’), eles vendi (por eles *vendem’), eles parti (por eles ‘partem’); ‘tu anda (por tu ‘andas”), tu vende (por tu ‘vendes*), tu parte (por tu partes’); vocé anda (por ‘tw anda(s)’) ¢ a gente anda (por ‘nds anda(mos)"). Em (a), temos a supressiio do -r que marca o infinitivo nos verbos. Trata- se, pois, de um morfema verbal. Nesse caso, temos claramente a falta do mor- fema de infinitivo nas realizagies ‘anda’, ‘vende e ‘part’. Podemos concluir ‘que hd uma coincidéneia: -r representa um fonema ¢ também um morfema nesses dados. Se opusermos esses casos & palavra ‘revolve’ (por ‘revélver"), or exemplo, veremos que neste titimo exemplo a queda do -r é um fato ape- nas fonolégico, pois -r nfo é um morfema, ¢ sim parte do radical da palavra. Em (b), a ndo realizagaio de -m, uma desinéncia verbal que indica P6, representa uma alternéncia morfémica. Jé em casos como ‘homi’ (por “homem’) ¢ “viagi’ (por ‘viagem’), o-m € 56 um fonema, Nas duas situagées um fonema deixou de ser pronunciado: na primeira esse fonema é também um morfema, e na segunda trata-se apenas de um fonema. Em (c), a nao realizagdo de -s é uma alternancia morfémica, pois-» é uma desinéncia (um morfema, portanto) que representa a segunda pessoa do discurso (P2) nos trés verbos. Em casos como ‘andamo’, ‘vendemo”, “partimo’ (por ‘andamos’, ‘vendemos’, ‘partimos’), a desinéncia verbal que indica P4 é -mos. Houve queda de -s, restando a marca -mo. Apenas © fonema deixou de ser pronunciado. O mesmo acontece em palavras como ‘lépi (por “lépis’) e ‘doi’ (por ‘dois’), por exemplo: a queda do -s é apenas fonolégica. FRA CER Socaten Sabemos que quando a variagao esti s6 no ambito do fonema, te- ‘mos uma variagdo fonolégiea, mas quando vai também para 0 ambito do morfema, que tipo de variacao encontramos ai? Morfol6gica? Talvez fosse mais interessante dizer que, nesses casos, 0 que temos é uma variagio morfofonolégica ~ uma vez que os morfemas que caem so também fo- rnemas, E um caso, portanto, de interface, que ocorre quando um caso de variagdio abarca dois ou mais niveis gramaticais Mas quando dizemos que a referéncia a P2.em ‘tu anda’ e a referéncia @ P6 em ‘cles anda’ é dada na relago que se estabelece entre pronome e verbo € 0 pronome que carrege 0 significado de pessoa do verbo — ja sai- ‘mos do campo da morfologia e vamos para o campo da sintaxe, ou melhor, da morfossintaxe. Temos aqui, portant, um caso de variagao morfossin- titiea — outra situagiio de interface, Por outro lado, se a varivel escolhida for, por exemplo, a alternancia entre os pronomes ‘tu’ ¢ “vocé’ ou entre ‘nds’ e “a gente’, como vimos em (@), temos um caso de variagdo morfolégiea endo um caso de interface Afinal, é uma alterndineia de forma pronominal, apenas. Note-se, pois, que os fendmenos em variagdo morfolégica so, em sua majoria, casos de variaga0 morfofonoligica ou morfossintética. Res- saltamos, dentre os estudos em interfaces, os trabalhos pioneiros dos socio- linguistas Anthony Naro ¢ Marta Scherre sobre a variagao na concordancia nominal e verbal, com dados do Sudeste. Com relagao a variagio morfo- l6gica, destacam-se, entre outros, trabalhos do grupo de sociolinguistas da ‘rR, como os de Célia Lopes sobre variagao pronominal, com dados de fala e de escrita também do Sudeste. Passamos agora a variago linguistica no nivel da sintaxe. Vamos ‘mostrar, brevemente, certos fenémenos que esto em variagio sintética para discutirmos posteriormente. a Exemplos de variagdo sintética a, Construgées relativas: “O filme a gue me referi é muito bom"O filme que me referi é muito bom”/“O filme que me referi a ele € muito bom”. b. Posigio doclitico: “Eu vi-o no cinema”/“Euo vino cinema”. ay est gar ne cot socks Oestudo sobre a variagao nas oragdes relativas realizado por Fernan- do Tarallo na década de 1980 foi um dos primeiros trabalhos de Sociolin- istica no ambito da variago na sintaxe feitos no Brasil. Tarallo mostrou ue as trés construgdes ilustradas anteriormente em (a) estilo em variagio ‘no portugués falado no Brasil e séo condicionadas principalmente por fato- res extralinguisticos. Scus resultados indicaram que a relativa padrio (“O filme a que me referi é muito bom”) parece estar deixando de ser usada na linguagem esponténea; sua substituta é a chamada “telativa cortadora” (CO filme que me referi é muito bom”), enquanto a relativa com pronome Iembrete (“O filme que me referi a ele € muito bom”) é geralmente usada or falantes menos escolatizados e sofre estigma na sociedade Outro fenémeno de variag%o na sintaxe que tem levantado muitos Guestionamentos é a posigdo do clitico em relacao ao verbo, como nos exemplos “Eu vi-o no cinema" “Eu o vi no cinema”, No primeiro caso, temos énclise (posi¢do pés-verbal) e, no segundo, temos précise (posigao pré-verbal). Estudos sociolinguisticos tém mostrado que a préclise (“Eu 0 Vi no cinema”) é mais frequente no portugues falado no Brasil, especial- ‘mente quando 0 sujeito esta anteposto ao verbo (seja esse sujeito um nome ou um pronome ~ sujeito nominal e pronominal, respectivamente), ¢ no a énelise (“Eu vi-o no cinema”), embora esse iltimo uso, do ponto de vista do senso comum, seja mais bem avaliado, At agora, examinamos fendmenos varidveis no Ambito do léxico e dos niveis gramaticais - fonolégico, morfolégico (e suas interfaces) e sin- \iico. Dependendo da visto de gramitica assumida, o nivel de andlise pode ser expandido para além da frase, de modo a abarcar também porgdes tex- {ais ou discursivas maiores. Nesse caso, aspectos semantico-pragmiticos (que envolvem a significagao ¢ o contexto situacional) também sio consi- derados. Apresentamos, a seguir, alguns fendmenos varidveis na dimensio textual/discursiva, casos que enquadramos como variagio discursiva, Dados interessantes so encontrados com relaglo as palavras que en- cadeiam trechos discursivos, desempenhando o papel de conectores, como ‘conjungdes (‘e', ‘mas’, ‘porque’, ‘portanto’ etc.), express6es de natureza adverbial (‘a’, ‘assim’, afinal’, ‘entlo’, ‘consequentemente’, ‘quanto ‘Por outro lado” etc.), marcadores discursivos (‘quer dizer’, “digamos as. sim’ etc.), entre outros, usados na fala e na escrita, te cn Sect © conjunto de exemplos a seguir, produzido por informantes (que io 05 sujeitos de uma pesquisa) florianopolitanos, ilustra usos varidiveis dos itens ‘e’, ‘ai’, ‘dai’ e ‘entao” na funcdo de ‘coordenagao em relagio de continuidade e consonaincia’, estabelecendo uma relagio coesiva entre ‘uma informagao precedente e outra subsequente dentro de um texto. Os dados, extraidos da tese de Maria Alice Tavares (2003), so provenientes de amostras orais do Varsul (Variagao Linguistica na Regio Sul do Brasil). Mais adiante, sero apresentados alguns bancos de dados brasileiros, de onde provém as amostras de fala e escrita que muitos sociolinguistas anali- sam em suas pesquisas; 0 Varsul é um desses bancos de dados. (1) Aiaminha mae: “Ah! pois é, mas eu tenho que dar baixa nessa car- teira.” fo cara falou: “E, mas a senhora no quer nada?” £ a minha mie disse: “Quer nada o qué?” “E porque nés somos obrigados a vender um 6nibus desses pra pagar ele, porque a- a carteira dele nao esta dando baixa, ninguém deu baixa, né?” Accostureira nao quis fazer, ento eu e a minha irma — A minha irma nio sabe costurar muito bem, dai ela disse pra ele assim: “Nao, mas quando que nés vamos fazer sero”. A minha irma disse pra ele: “Como nds vamos fazer esse serio, se no tem costureira?” Dai ele disse: “Ah, vocés no querem fazer, entio dé a carteira que eu dou as contas.”” Mas ele insistiu e disse: “Otha, tem uma equipe de Sao Paulo, la, do Professor Odair Pedroso, se for necessério nés podemos the mandar ra So Paulo fazer um curso.” Entdo eu disse: “Se é assim, se de- sejam assim, eu posso tentar, se no decepeionar.” Entao eu fiquei realmente trés meses em treinamento com a equipe do Professor Odair Pedroso num- no Hospital Celso Ramos. Em todos os casos, os elementos em vatiagio (‘e’, ‘ai’, ‘dai’ e ‘entio") esti no mesmo contexto, o de introdugio de discurso direto (precedendo os vverbos falaridizer), dando sequéncia, de modo coesivo, ao texto. Note-se que, ‘nessa fungo, eles sto intercambiveis, atuando, portanto, como variantes que cconstituem uma mesma varidvel lingufstica. No entanto, se vistos isoladamen- te, dificitmente diriamos que seriam variantes. Provavelmente, seria feita a se- guinte classificacdo, baseada nas gramiticas nommativas tradicionais: 30 est iguagam no crea sca =conjungio ai, dai=advérbios de + emtio = advérbio de coordenativa lugar tempo Isso mostra 0 quanto é importante se considerar 0 contexto real de ‘ocorréncia dos dados que queremos analisar, ‘Vejamos outro exemplo de variago no nivel discursivo. Os dados, produzidos por informantes da cidade de Lages, em Santa Catarina, s10 também oriundos de amostras orais do Varsul e foram extraidos da tese de Cliudia Rost Snichelotto (2009). Vejamos: (4) Eno, dat so confeccionados cotchdses, [so estar dizendo ore ou, né? faga uma oragio, Nunca mais ele deixou isso ai, orar (na hora da] antes [de] do almogo, quando senta na mesa. [..] (Os mareadores discursivos so elementos que servem nfo apenas & ‘organizagio da fala e & manutengdo da interago entre falante ouvinte, ‘mas também que atuam no encadeamento coesivo das partes de um texto, 3 itens destacados ‘olha’ e *vé" so usados para chamar a atengdo do in- terlocutor sobre a informaglo que esta sendo veiculada, Eles tém cardter textual-interativo, pois ao mesmo tempo em que chamam a atengo do interlocutor também auxiliam no estabelecimento de relagdes coesivas de causalidade, inclusive com a presenga do conector “porque” nos dois trechos. Os itens ‘olha’ ¢ ‘vé’ funcionam como variantes, nesse caso. Observe-se que ambos sao marcadores discursivos derivados de verbos de percepeao visual. PRA HEC Seoloten Existem ainda expressdes de cariter discursivo como ‘mas bah’, ‘pd, cara, ai. ‘orra meu!’, ‘meu rei’ entre outras, que so facilmente associadas 4 falantes gaichos, cariocas, paulistas e baianos, respectivamente, consti- tuindo-se em variantes regionais. Muitas vezes, ainda, os marcadores dis- cursivos so chamados de vicios de linguagem nas gramiticas normativas Agora que ja vimos exemplos de variagao nos diferentes niveis da gramética, vamos passar aos condicionadores linguisticos, 22 As forgas de dentro da lingua: os condicionadores internos ‘Como vimos anteriormente, os condicionadores, em um caso de va- Tiago, sio os fatores que regulam a escolha do falante entre uma ou outra_ variante. Assim como os fenémenos varidveis se situam em diferentes ri \guisticos, também os condicionadores que atuam sobre as varidveis podem ser de diferentes niveis. A partir de agora, vamos examinar alguns desses condicionadores, comegando pelos do nivel fonético-fonolégic« E esperado ‘que forgas de um nivel linguistico operem sobre fendme- ‘nos do mesmo nivel, ou seja, nesse aso, que condicionadores fonético- fonoldgicos influenciem 0 uso de uma ou de outra variante fonolégica. Retomando 0 exemplo da Monotonga¢do dos ditongos decrescentes; ob- servemos as seguintes palavras: cove cenowra eaixa baile beijo scioa peixe primeira peito Todas clas apresentam um dos seguintes ditongos: /ow/, /ay/,/ey/. Se ronunciarmos cada uma delas procurando perceber se é possivel fazer a redugao do ditongo, ou seja, se é possivel omitir a semivogal, iremos notar que em algumas palavras podemos facilmente fazer a reduedo (‘cove", ‘ce- nora’, “caxa’, *bejo’, ‘pexe’, ‘primero’) e em outras, no (‘baile’, ‘sciva’, ‘peito"). Que condicionador estatia atuando sobre esse uso variavel? Varios estudos sociolinguisticos jé foram realizados descrevendo esse fendmeno de variagao, dentre eles 0 de Silvio Cabreira (2000), na regio Sul, os de Maria Conceigdo Paiva (1996, 2003), na cidade do Rio de Janeiro, ¢ 9 de Fabiana de Souza Silva (2004), em Joao Pessoa. Vamos exemplificar com os resultados de Cabreira, que analisou dados de fala de Porto Alegre, Floriandpolis ¢ Curitiba, pertencentes a0 Varsul, O au- 32 Dstt a rgsgen crea sca tor constatou que, no caso do ditongo /ow/, hi 96% de redugao para /o! (‘couve' > ‘cove"), independentemente de qualquer condicionador interno, Para os ditongos /ey/ e ay, Cabreira verificou que existe um forte con- dicionador para a redugo: o contexto fonolégico seguinte. Quando /ey/ € se- guido de-r fraco (‘dinheiro’ > ‘dinhero"), hi 98% de monotongacio, Quando ‘ey! e/ay/ sto seguidos de consoante palatal surda /f/ ou sonora /3/(“peixe’ > ‘pexe’; ‘beijo’ > ‘bejo’; ‘caixa’ > ‘caxa’), o percentual de monotongaga0 na fala & de 66%. Praticamente no existe monotongag3o nesses ditongos quando seguidos de outros contextos fonoligicos. O que podemos concluir? ‘A monotongagio dos ditongos decrescentes /ey/ /ay/ é condicionada por pressies fonolégicas — no caso, pelo contexto seguinte. Em outras palavras, ‘0 condicionador interno “contexto seguinte” é relevante para a escolha entre ‘uma e outra variante no fenémeno de monotongagao. Mas 0s condicionadores fonético-fonolégicos nao atuam somente em ‘fendmenos do nivel fonolégico. Vejamos, por exemplo, o caso da variagao ‘na concordéncia verbal de P6—um fendmeno morfossintitico. As ocorrén- cias e os resultados mostrados a seguir sfo do trabalho de Marta Scherre e Anthony Naro (1997), que analisaram amostras de fala do banco de dados ‘Censo/Pett. do Rio de Janeiro (6) les conhece Roma. Conhece Paris, (7) Ceis conhecem? (8) Ai, veio agueles cara correno atris (9) Vieram os ladrées... Os verbos ‘conhecer’ e ‘vir’ ora apresentam desinéncia niimero-pes- soal marcada (‘conhecem’/‘vieram’), ora nao (‘conhece’/‘veio’). O que cstaria condicionando essa variago? Entre 0s condicionadores linguisticos, os autores constataram que a sa- liéncia fOnica se mostra um forte condicionador da concordancia verbal ‘Vejamos os pares de variantes: “conhece’/‘conhecem’ e *veio’/‘vieru’. Em qual par existe mais diferenca fOnica entre a forma singular e a plural? Note-se que, no primeito par, a oposigao se da em silaba tona ¢ ocorre apenas 0 acréscimo de elemento nasal; no segundo, a oposigo singular/plural se dé em silaba tOnica, além de haver outras mudangas como o timbre da vogal € ‘mesmo uma mudanga na raiz do verbo. Entio, é notério que o primeiro par presenta menor saligncia fénica do que o segundo. Pois bem, os resultados 33. BA CCRC Soon dda pesquisa apontaram que os falantes marcam mais a concordancia quando a diferenga singular/plural é mais saliente (88%); e marcam menos quando a diferenca é menos saliente (44%). Logo, conchui-se que “salincia fonica” € lum importante condicionador interno que atua na escolha por uma ou outra variante da varidvel “concordéncia verbal de P6”. ‘Vimos, portanto, um condicionador fonético-fonolégico atuando so- bre um fendmeno varidvel de natureza morfossintitica. Consideremos, ‘agora, as seguintes palavras: andar beber escolar revélver melhor porque tarde ‘Se pronunciarmos essas e outras palavras em que 0 <> ocorre em po- sigio de coda, isto é, em final de silaba (podendo ser no interior ou no final da palavra), veremos que é possivel que niio produzamos igualmente o <> em todas clas. Trata-se, como ja vimos, de outra regra varidvel do portugués falado no Brasil: a “realizagao do /r/pdis-vocélico” ou a “realizagio do (r/ em coda silabica”, cujas variantes sdo a presenca e a auséncia do -r. Que condi- cionadores linguisticos podem estar atuando sobre esse fenémeno? ‘Vamos comentar, brevernente, alguns resultados de duas pesquisas soci linguisticas: a primeira, desenvolvida por Dinah Callou, Joo Moraes e Yonne Leite (1996), com dados do Nure (Noma Linguistica Urbana Culta) de cinco ea- pitas brasleiras (Porto Alegre, Sto Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e Recife), ea ‘segunda realizada por Valéria Monaretto (2000) com amostras do Varsul das trés capitais da regido Sul. Entre 0s condicionadores testados nessas pesquisas, va~ mos destacar a elasse morfolgica —um condicionador morfolégico, portant. Nos dados do Nure foram consideradas duas classes de palavras — verbos e nomes. Vejamos alguns resultados mais significativos: em Porto Alegre, 08 autores encontraram 49% de apagamento do [r] em verbos € 14% em nomes; em So Paulo, 66% de apagamento em verbos ¢ apenas ‘5% em nomes, Nos dados do Varsul, reunindo as trés capitais do Sul, Mo- naretto considerou trés classes de palavras — verbos, no verbos (nomes) € palayras funcionais (itens como ‘qualquer’, ‘porque’ etc.). A autora encon- trou os seguintes resultados: 81% de apagamento da vibrante em verbos, ‘5% em nomes ¢ 20% em palavras funcionais. O que podemos concluir? ‘Vemos que existe um comportamento diferenciado com respeito & su= pressio do [t] em funeao da classe de palavras: nos verbos (em que é um mor- fema) a vibrante tende a cair bem mais do que nos nomes (em que é apenas um 34 cats dingo como sot fonema), Portanto, a classe morfol6gica da palavra é um condicionador interno relevante para explicar a varidvel “realizagio do /r/ pds-vocatico’ Ja vimos exemplos de condicionadores fonético-fonolégicos e morfo- logicos. Vamos ver agora um condicionador sintitico: a ordem dos consti- tuintes (ou posi¢do) na sentenga. Retomemos o fendmeno de concordancia verbal de P6. Vejamos novamente alguns dados expostos anteriormente: (6) Eles conhece Roma. Conhece Paris (8) Ai, veio aqueles cara correno atris © que podemos notar quanto a posigao do sujeito? & importante per- ceber que no primeiro exemplo o sujeito est anteposto e no segundo est osposto ao verbo. Os resultados dos autores apontam 82% de presenga de marca verbal de concordincia quando o sujeito esta imediatamente & esquerda do verbo, como em (6); ¢ apenas 26% de marca verbal quando o sujeito esta posposto, como em (8). Esses resultados so corroborados em varios outros trabalhos que tratam da concordancia verbal em amostras do portugués brasileiro de outras regides Examinemos, a seguir, um condicionador semantico: a animacidade. ‘A animacidade corresponde uma propriedade atribuida a um referen- te, que pode apresentar 0 trago [+animado] ou [-animado}. Por (+animado] fentendem-se humanos, animais e objetos personificados, ¢ por [-animado] centendem-se os referentes que no se enguadram em nenhuma dessas trés ca- tegorias. Vamos ilustrar esse tipo de condicionamento com o estudo de Maria Fugénia Duarte (1989), que observou uma amostra de fala paulistana para ana- lisara varidvel “tealizacao do objeto direto anaférico”. Vejamos as possibilida- des de realizag0 do objeto anaférico em dados fornecidos pela autora: (9) Ele veio do Rio sé pra ver. Entto eu fui ao aeroporto buscé-lo. [clitico] (10) Eu amo o seu pai e vou fazer ele feliz. [pronome lexical] (11) Ele vai ver a Dondinha ¢ 0 pai da Dondinha manda a Dondinha en trar... [Sintagma nominal (SN)]} (12) No cinema a agdo vai e volta. No teatro voeé no pode fazer isso. [SN] (13) [0 Sinhozinho Malta esta tentando convencer Zé das Medalhas a ‘matar © Roque...] Mas ele é muito medroso, Quem jé tentou matar 0 foi o empregado da Porcina. Ontem ele quis matar 0, a empregada que salvou O. [SN @/Categoria vazia Pav OC Sacer Ao testar a atuacaio condicionadora do trago semantico animacidade s0- bre a forma de realizado do objeto, os resultados obtidos evidenciam que o trago [ranimado] do referente esti associado A realizagio do objeto na forma de pronome lexical, como em (10), com uma taxa de 92%; ou na forma de eitico, como em (9), com um percentual de 78%, Por outro lado, o trago [-animado} do objeto favorece a sua realizago como categoria vazia (13), com 76%, ou ‘como SN (11) ¢ (12), com um percentual de 70%. Logo, 0 uso do elitico € do pronome lexical é condicionado pelo trago [+animado] do objeto, enquanto o uso da categoria vazia e do SN é condicionado pelo trago [-animado] do objeto. A seguir, expandimos fea de abrangéncia dos condicionadores para © nivel textual/discursivo. Analisando a ordenagao de oragées adverbiais temporais introduzidas por ‘quando’, em amostra do Varsul, Edair Gorski (2000) testou a atuaedo de um condicionador discursivo: o tipo de escopo da oragao. Observe os seguintes dados, produzidos por informantes floria- nopolitanos e extraidos do referido trabalho: (14) I: [...] Nao, nao tem clima, né? Dona Ana, 0 que que é isso? Ele fez muito! O! E: Sim, falando em carnaval, tu pulaste camaval também das escolas- entre as escolas? I: Pulei. Quer ver 6, sd voltando atris. Na época que eu mais precisei dele, que eu mais precisava de um apoio, foi quando a minha mae morreu. (15) Ai ele estava com o rosto- ele estava horrivel! Ele estava horrivel! Es- tava assim irreconhectvel. Ele- quando ele se mexeu assim, que cle se levantou em cima da cama, Deus que me perdoe, parecia uma cobra. (O exemplo em (14) representa um contexto em que a orago temporal € identificada como tendo escopo semédntico mais localizado, relacionado 4 oragdo principal. Nesse caso, a informante recupera um assunto anterior desenvolvido em tomo do marido € nao atende ao estimulo do entrevis- tador, que tenta trazer 0 tema “carnaval” para a conversa, A ocorréncia (15) apresenta um eseopo tematico mais abrangente, relacionado tanto & orago principal quanto ao contexto precedente. A informante relata uma visita feita a0 marido no hospital ¢ a constatagdo das consequéneias de um acidente que ele sofiera. Os resultados percentuais em relagio & ordem da 36 ett epee sca oragdo adverbial junto principal mostram que o escopo temitico favore- Ce a anteposicio da oragio temporal, com 89% das ocorréncias, do que 0 escopo semantico, com apenas 54%, SS Condicionadores e seu papel Os dados expostos nesta sego atestam que a variagao linguistica nai ¢ cadtica; pelo contrario, é ordenada e pode ser descrita criteriosamente a partir de condicionadores, Focali- zamos aqui 0s condicionadores linguisticos, que atuam como forgas dentro da lingua. Vimos que cada fendmeno varidvel funciona em conformidade com certos condicionadores, que podem ser diferentes em cada caso. Vimos também que, as- im como os fendmenos linguisticos podem estar em variago em diferentes niveis gramaticais, também os condicionadores ‘atuam em diferentes niveis da lingua. Cabe ao pesquisador sociolinguista descobrir as “regras de cada jogo”. ee Tratamos, até agora, daquilo que pademos chamar de dimensio inter- ‘na da variagao linguistica. Vamos passar, a partir deste momento, a olhat para a varia¢o em sua dimensdo externa, em que observamos os tipos de vVariagdo linguistica e os condicionadores externos. 3. _AVARIACAO VISTA DE FORA DA LINGUA Os préximos tépicos de nossa conversa sero dedicados aos seguintes tipos de variagao linguistica: variagdo regional ou geografica; variagao social; variagdo estilistica; variago na fala e na escrita Vale observar que essa classificagdio por tipos nfo implica que eles ocor ram separadamente nem que sejam independenies da dimensao intema da Yariagdo. Normalmente, o que ocorre é uma combinao dos fatores que con- dicionam a forma como falamos. Na dimensiio extema da vatiagio, vamos estudar também os condicionadores extralinguisticos ~ aqueles que, como 0 7 PA CINHECR Secngcn ‘nome sugere, encontram-se fora da estrutura da lingua. Os condicionadores extralinguisticos estio estreitamente relacionados aos tipos de variagdo; estes siio decorrentes do controle desses condicionadores. Para a Sociolinguistica, (0s fatores extralinguisticos s4o t20 importantes quanto os linguisticos. Por fim, mais adiante, a0 apresentarmos o estudo que Labov fez na iha de Martha’s Vineyard, nos Estados Unidos, evidenciaremos que a va- riagdo linguistica estd, algumas vezes, relacionada a identidade que os fa- lantes tém com as formas variantes. 31 O lugar da variagao fora da lingua e as forcas externas: 0s tipos de variagao e os condicionadores extralinguisticos ‘Vamos conhecer que tipos de variag2o podem resultar da influéncia de condicionadores extralinguisticos, Comecemos com a variago que de- corre da localizagao geogrifica dos falantes. Ea variagio regional, também conhecida por variagdo geogréfica, ou ainda variagdo diatépica, a responsivel por podermos identificar, ds ve~ es com bastante preciso, a origem de uma pessoa pelo modo como ela fala. través da lingua, é possivel saber que um falante é gaticho, mineiro ou no, por exemplo, Mas 0 que exatamente nos permite fazer essa disting0? © aparato te6rico-metodolégico da Sociolinguistica nos equipa para que possamos sair de um nivel impressionistico (e, as vezes, caricato) da variagio geogrifica ¢ descobrirmos quais so exatamente as marcas lin- guisticas que caracterizam a fala de uma regiio em relagio & de outra. Em geral, itens lexicais particulares, certos padres entoacionais ¢ certos tragos fonolégicos respondem pelo fato de que falantes de localidades diferentes apresentem dialetos (ou seja, variedades) diferentes de uma mesma lingua, Se O falante, a caricatura e 0 preconceito A variagdo geografica &, muitas vezes, bastante saliente 40s nossos ouvidos. Podemos dizer que a fala, assim como a vestimenta ¢ outros habitos culturais, sfo elementos impor- {antes na identificagto do povo de determinado lugar. Por esse ‘motivo, € natural que encontremos, no campo das artes céni- cs, atores que, para dar maior veracidade A sua interpretagio, Dest a egsgem cme i durante a atuagio incorporam a sua fala marcas linguisticas do suposto lugar de origem de seu personagem. Exemplos de caricaturas baseadas na lingua dos falantes podem ser encontrados com certa frequéncia em novelas e em programas humoristicos. E necessario, no entanto, olhar para essas caraeterizagdes com alguma ressalva: em certos casos, € construgo de um personage como uma caricatura regio- nal pode servir para reforgar um estere6tipo negativo sobre as pessoas de determinada regitio, como o do “nordestino pregui- ‘9080", 0 do “caipira ignorante” ete. a A variago regional pode ser estudada ao se oporem diferentes tipos de unidades espaciais: podemos dizer que existe variagdo regional entre Bra- sil e Portugal (dois paises), entre 0 Nordeste e o Sul do Brasil (duas regides de um mesmo pais), entre Parana ¢ Santa Catarina (dois estados de uma ‘mesma regido), entre Chapecé e Florianépolis (duas cidades de um mesmo estado) e mesmo entre falantes do centro de Florianépolis e fatantes do Ri- beirio da Itha (dois bairros de uma mesma cidade). E comum também que se analise variagdo regional entre zonas urbanas e Zonas rurais ou do interior. ee Variagdo regional e colonizacao A variagio regional esta associnda,algumas vezes, i etnia colonizadora de uma comunidade. Isso ocorre porque a lingua «do povo colonizador acabe influenciando a lingua da regiio co- Jonizada, No Brasil, apesar de o territrio ter sido largamente colonizado por portuguescs, tivemos um grande fluxo imigra- trio de diversos povos — alemies,italianos, espanhsis, agori ‘os, japoneses e eslavos, entre outros -, sem contar os povos atricanos que foram trazidos como mao de obra escrava ¢ os Povos indigenas que aqui jé habitavam. Esse grande fluxo mi- ‘gratério € um dos fatores que fazem do nosso pais um espago pluridialetal — um “prato cheio” para a pesquisa sociolinguis- tica. Devemos ter cautela, no entanto, pois nem toda variagio regional pode ser explicada pelo fator “colonizacao”. ee Um exemplo perceptivel de variagao regional é a proniincia das vogais ‘e/€/o! pré-tonicas em palavras como ‘peteca’e ‘modemo’: em alguns dialetos 39 A CRED Sogn da regidio Nordeste, elas so pronunciadas abertas (p[éjteca e m[2jdermo), e em. alguns dialetos do Sudeste e do Sul do Brasil sto pronunciadas fechadas (p/e] teca e m[o]derno). A proniincia do fonema /r/em final de slaba (coda silébica), como na palavra ‘porta’, também é bastante variada, No interior de Sao Paulo, temos 0 retroflexo [1], que é comumente chamado de “r caipira” —embora essa terminologia no seja muito apropriada, pois traz certa conotagio negativa; na capital do mesmo estado, por outraylado, € possivel ouvir [ria mesma posigdo. Ainda temos a fricativa velar] e a fricativa glotal [h], normalmente associadas ao dialeto carioca ¢ a0 mineiro, respectivamente. © Dentre os estudos sociolinguisticos sobre esse tipo de variagdlo, des- taca-se de Maria Bernadete Abaurre e Emilio Pagotto (2002), em que analisam a variavel fonolégica “palatalizagao das oclusivas dentais diante de /i/”. Utilizando dados do Nure, verificaram as ocorréncias da variante afticada (Y]] (como em [{]ia) em oposigao A nao afticada [t] (como em [tlia). Como resultado geral, eles chegaram a seguinte distribuigo: em Recife, apenas 7% dos dados foram realizados com a variante africada; em Porto Alegre, 40% das ocorréncias foram com essa variante; na cidade de Sdo Paulo, esse mimero cresce para 73%; em Salvador, 85% das ocorréncias foram realizadas com a pronincia afticada; e na capital do Rio de Janeiro, chegou-se a impressionante frequéncia de 100% de uso dessa variante. Nota-se, assim, que a palatalizagao das consoantes oclusivas dentais diante de /i/ apresenta uma distribuigdo geogrifica diferenciada na totali- dade das cinco capitais observadas pelos autores. Trata-se, portanto, de um caso de variagio regional Vale observar que os estudos geolinguisticos, apresentados inicial- ‘mente como um importante aparato para a investigagio da variagSo lexical (quando tratamos da dimensto interna da variagdo Linguistica), sto uma rica fonte de dados para o exame da variagao regional, Além dos jd mencionados {questionérios semantico-lexicais, ha questiondrios fonéticos e morfossintiti- cos, que permitem, através de sua organizagao em atlas, que se identifiquem diferentes aspectos da variagao regional. Nao custa lembrar que os mapas Tesultantes das respostas aos questionirios podem compreender desde pe- ‘quenos espagos, como uma cidade, a espagos maiores, como um pais inteiro, Da mesma forma que a fala pode carregar marcas de diferentes re- gides, também pode refletir diferentes caracteristicas sociais dos falantes. A essa propriedade di-se 0 nome de variagio social ou diastrdtica. Os 40 Dest a ngugem m centeo sci Principais condicionadores sociais que usualmente sto correlacionados & variagao linguistica so 0 grau de escolaridade, 0 nivel socioeconémico, 0 sexogénero ¢ a faixa etdiria, conforme exemplificamos a seguir, + Grau de escolaridade. Por terem um contato maior com a cultura letrada € com o uso das variedades cultas da lingua, supde-se que, em eral, fa- lantes altamente escolarizados dificilmente produzirio formas como “nds vai" ou “a gente vamos”, que sio tipicas de falantes pouco ou nilo esco- larizados. E mais provavel que eles falem “nés vamos” e “a gente vai ‘Vamos ver agora exemplos de como 0 condicionador grau de esco- laridade pode atuar sobre fenémenos em variagao. No estudo realizado ‘em 1996 por Marta Scherre sobre a varidvel linguistica “concordancia nominal de niimero”, na fala carioca, a autora investigou a alternfncia entre a variante com marea de concordéncia padrdo e a variante sem marca de concordancia padrao (‘as meninas’/“as menina’, por exemplo) nos dados do Censo/rruL. Como resultados, observou que os falantes que haviam completado quatro anos de escolaridade realizavam a con- : cordancia nominal padrao em 40% das ocorréncias. Essa taxa aumen- tava para os falantes com 8 anos de escolarizagao: S7%. Por fim, os falantes com 11 anos de escolarizagdo realizavam concordancia padrio | em 73% das ocorréncias, | Perceba-se que, nesse estudo, 0s indices de concordéincia nominal pa- dio (em oposigtio & auséncia de concordancia nominal padrio) vo eres- cendo conforme aumentam 0s anos de escolarizagao dos falantes, indican- | do que 0s que passaram mais tempo em ambiente escolar produzem em | maior nimero a variante considerada padrao. Nivel socloeconémico, E um condicionador muito estudado nos tra- balhos de Labov e seu grupo de pesquisa sobre o inglés nova-iorqui- j no, Seus resultados apontam que o grupo social menos privilegiado favorece o uso de variantes ndo padrio da lingua, enquanto os mais privilegiados optam pela variante padrio. Mas essa constatago, em geral, é também correlacionada com a ocupagao dos falantes e com uma diferenciagdo estilistica. O efeito de indicadores sociais sobre © perfil sociolinguistico dos falantes nao é nada simples. Na opi- nigo de Maria Cecilia Mollica (2008), origem social, renda, acesso 4 SA NEC Sen a bens materiais ¢ culturais e ocupagdo sao alguns dos indicadores sociais. No Brasil, ainda ha poucos estudos que levam em conside- ago esses indicadores. Existem varias formas de se controlar a classe social em uma pesqui- sa sociolinguistica. Aqui, veremos um estudo realizado por Labov em trés lojas de departamento da cidade de Nova York no ano de 1964 ¢ um estudo do sociolinguista brasileiro Luis Amaral, realizado na cidade de Pelotas (Rs) em 2003, que adotam metodologias diferentes. Labov buscou investigar a varidvel “presenga/auséncia de /r/ em po- sige pés-vocdlica” no inglés (como em ‘car’, ‘eard’, ‘four’, ‘fourth’ ete.) em trés lojas de departamento da cidade de Nova York, classifieadas de acordo com sua localizagdo geogrifica, status dos jomais em que fazem seus aniincios, listas de pregos de mercadorias, espago fisico da loja, seu Prestigio € condigdes de trabalho dos funciondrios: Sacks Fifth Avenue (frequentada pela classe média alta), Macy’s (frequentada pela classe mé- dia baixa) e S, Klein (frequentada peta classe baixa). Seu objetivo era ve- rificar se o uso de /r/ se mostrava um diferenciador social na fala da cidade de Nova York ¢ se eventos de fala rpidos e anénimos podiam ser usados como base para um estudo sistemtico da linguagem, O procedimento de coleta ~método chamado de inguérito breve e ané- rnimo ~ baseou-se numa metodologia simples. O entrevistador (que foi o pré- prio Labov) perguntava aos seus informantes, os funciondrios do local, onde ficava determinada segdo da loja, a fim de obter como resposta a expresso fourth floor (“quarto andar”) em dois momentos: como resposta casual (a primeira resposta do informante) e resposta enfitia (a segunda resposta do ‘nformante, que, ao perceber que nao havia sido compreendido, pronuncia a expresstio fourth floor mais cuidadosamente), como descrito a seguir: Entrevistador; Excuse me, where are x? Com licenga, onde fica x? Informante: Fourth floor. [estilo casual] No quarto andar. Entrevistador: Excuse me? Como? Informante: Fourth floor. [estilo cuidado e acento enfitico] ‘No quarto andar. esta guage corte soc Labov registrava todos os dados, ou seja, todas as ocorréneias de pre- senga e de auséncia de /r/ em posigao pés-vocéilica na expresso ‘fourth floor’, tanto na resposta casual quanto na resposta enfitica, Os resultados da estratificagio do /r/ por loja mostraram que 62% de empregados da Sacks, 51% da Macys 21% da Klein usaram /r/ em pelo menos uma das duas respostas ao inquérito, Note-se que a presenga do /r/ era a variante nova e de prestigio do nova-iorquino ea variante conservadora e estigmati- zada era a auséncia de /, dado que, na época, a tradigao angléfila ensinava que a prontincia do /r/ era um trago provinciano e que a prontineia “corre- ta” era o apagamento do /t/, de acordo com o ingles britanico. Os resultados quanto ao uso do /1/ dispOem os funciongrios numa ordem {idéntica a gerada pelo nivel socioeconémico das trés lojas: quanto mais alto 0 nivel socioecondmico da loja (ou, melhor dizendo, dos clientes que frequen- tam a loja), mais se observa o uso do t/,€ quanto mais baixo o nivel, menos se ‘observa esse uso. Pode-se dizer que Laboy verificou, assim, a correlagao entre ‘um fendmeno linguistico e o nivel socioecondmico dos falantes. Ainda com relagdo a estudos que levam em consideragdo esse condicionador, no Brasil, temos a tese de Luis Amaral (2003), sobre a “concordéncia verbal com o pronome de P2 ‘tu’ (como em “tu falas” ys. “tu fala” e em “tu falaste” vs. “tu falou”). autor adotou uma meto- dologia diferente da de Labov para identificar o nivel socioecondmico dos falantes, baseada em trés condicionadores: “ocupagao/profissaio”, “renda/patriménio” e “escolaridade” do falante. Unindo esses trés con- dicionadores, Amaral chegou a uma classificagao do nivel socioecond- mico dos entrevistados e obteve a seguinte distribuigdo: os falantes de classe média alta realizaram concordaneia padrio em 12% dos dados, 0s falantes de classe média baixa em 7% e os de classe baixa, em 4%. Nota-se, entio, que os falantes de classe mais alta fizeram concordan- cia mais vezes do que os de classe mais baixa, Observe-se que nilo so niimeros muito altos de concordancia verbal. Isso se deve ao fato de Amaral ter realizado seu estudo utilizando dados do VarX (Banco de Dados Sociolinguisticos Variveis) da cidade de Pelotas, no Rio Grande do Sul — lugar onde & muito comum o uso do pronome “tu” sem marca de concordincia padrio. Se esse estudo fosse realizado em ou- tra localidade, possivelmente os resultados seriam diferentes. pa CREO Saenger ‘Sexo/género. Quanto a variagao social relacionada ao sexo/género dos informantes, alguns estudos mostram que as mulheres so mais conser- vadoras do que os homens: em geral, elas preferem usar as variantes valorizadas socialmente. E como se as mulheres fossem mais recep- tivas 4 atuag&o normatizadora da escola. Esses resultados, no entanto, requerem cautela, afinal, os papéis feminino e masculino, nas diversas sociedades, estéio, a tado momento, sofrendo transformagdes, E bem possivel que a explicagdo sobre as difereneas linguisticas entre ‘08 sexos/géneros esteja relacionada com o papel que a mulher tem na vida piiblica. O comportamento conservador é muitas vezes espelho da histéria particular e das historias culturais das diferentes regies, Segundo Labov (1982), as mulheres nas sociedades ocidentais em geral s&io mais conserva- doras do que os homens, mas em sociedades asiticas, por exemplo — em que elas, em geral, no tém um papel de destaque — as mulheres reagem ‘menos fortemente is normas da cultura dominante, Nesse caso, 0 compor- tamento conservador seria observado na fala dos homens. Outra consideragao importante averca da variével sexo/género é que tem se verificado resultados mais significativos quando se correlaciona ‘essa varidvel com a faixa etdria da populagao e, se possivel, com a historia social das diferentes comunidades investigadas, de modo que as transfor- ‘mages culturais e as mudangas comportamentais das faixas mais jovens da populacao possam ser observadas também. Um estudo que levou em conta o condicionador em questiio foi o de ‘Scherre sobre a concordancia nominal, j4 mencionado. Como resultado, temos a seguinte distribuigao: as mulheres realizaram concordancia no- minal padriio em 65% das ocorréncias, enquanto os homens o fizeram em 46% dos dados. Veja-se que, nesse caso, pode-se dizer que as mulheres se mostram mais conservadoras. + Faixa etéria, A relagdo entre variago inguistica e idade do falante tem suscitado muitas reflexes entre os sociolinguistas no Brasil eno mundo, pois, em geral, no controle desse condicionador entra em jogo a questo dda mudanga linguistica, Tornaremos a tratar de mudanga adiante; por ora, basta saber que variagdo implica duas ou mais formas que concorrem para expressar um mesmo significado referencial/representacional, en- {quanto mucanca implica processo de substituigdo gradual de uma forma su rouge m9 cree sca por outra, Para alguns autores, a variagdo condicionada pela faixa etéria dos falantes tem um nome priprio: tariagdo diageracional) Um exemplo de estudo em que a faixa etiria se mostrou um condiciona- dor relevante foi o que Emilio Pagotto (2001) realizou em sua tese, com dados cdo Varsul e da amostra Brescancini. autor verificou como se dava a pronin- cia de consoantes oclusivas alveolares diante de ina fala de florianopotitanos, considerando trés variantes: a nfo afticada (como em [tfia), a afficada no palatal (como em [tsJia) e afticada palatal (como em [f]ia), sendo que as duas Ultimas variantes sto consideradas “inovadoras”e a primeira é a mais antiga e 6 também considerada uma marca de identidade de Floriandpolis. (Os resultados de Pagotto revelaram a seguinte distribuiga0, com re- lagio a variante [t]: 0s falantes de 15 a 23 anos a realizaram em 42% das ocorréncias, os falantes de 25 a 50 anos em 66% das ocorréncias, & 0s falantes com mais de 50 anos em 69% dos dados. F possivel notar, nesses resultados, uma tendéncia dos falantes mais velhos a preferirem a forma ‘mais antiga, ao passo que os mais novos preferem a forma nova. ‘Vale ainda salientar que, na andlise da variago linguistica em sua dimen- io extema, 0 nivel de escolaridade, 0 nivel socioeconémico ¢ 0 sexo/género dos falantes nlio devem ser considerados isoladamente e podem explicar, entre ‘outras coisas, o fato de um dialeto se enquadrar em maior ou menor grau entre as variedades cultas. Com relagto & faixa etiria, estudos tém mostrado que ela ‘no pode ser estudada Sem que se leve em conta uma correlagao entre indivi- duo e comunidade, e entre esse fator e 0s demais condicionadores sociais ~ Além disso, é importante observar que esses nilo precisam ser os tini- cos condicionadores sociais controlados em uma pesquisa sociolinguistica; 6 papel do falante dentro de uma comunidade ou dentro de uma rede social seu grau de exposig2o a midia, entre outros, so condicionadores que podem se mostrar significativos na andlise de um fendmeno em variagao. J4 vimos que a regio onde uma pessoa nasceu e/ou mora pode influen- ciar © modo como ela fala, assim como diferentes fatores de ordem social. Agora, vamos ver que um mesmo falante pode usar diferentes formas lin- guisticas dependendo da situago em que se encontra. Basta pensarmos que ‘a maneira como falamos em casa, com nossa familia, nfo é a mesma como falamos em nosso emprego, com 0 chefe. O que esté em jogo ai s3o os dife- que as pessoas desempenham nas interagdes de que 45 participam em diferentes “dominios sociais”: na escola, na igreja, no traba- Tho, em casa, com os amigos etc. Esse tipo de variagao linguistica, resultante dos diferentes papéis sociais que desempenhamos nas diferentes situagdes ‘comunicativas, recebe 0 nome de variagao estilistica ou diafisica. Nossos papéis sociais se alteram conforme as situagdes comunicativas das quais participamos ~ por exemplo, entre professor e aluno, patrio e em- pregado, pai e filho, entre irmaos ete. —¢ estdo intimamente relacionados aos tipos de relagdes que ocorrem entre o locutor e seu interlocutor (as chamadas rrelacies de poder e solidariedade, que remetem as relagdes sociais de hie- rarquia ¢ intimidade/proximidade que existem entre os participantes de uma situagio comunicativa), a0 contexto ou dominio social em que se dé a intera- «40, como jii mencionado, ¢ até mesmo ao assunto sobre o qual se conversa. Esses so fatores relacionados a variacao estilistica, que decorre, em suma, da adequagdo que os interlocutores fazem de sua fala a0 contexto geral em que ocorre a comunicago. Certamente, em situagdes formais, usamos uma linguagem mais monitorada, ou seja, prestamos ‘mais atengdo 4 forma como falamos, enquanto que, em situagées mais informais, usamos uma fala mais coloquial. Essas duas linguagens séo chamadas, respectivamente, de registro formal e registro informal. Assim como escolhemos uma roupa para cada situacdo, também escolhemos (consciente ou ineonscientemente) a lingua que vamos usar em diferen- tes contextos comunicacionais. ee Allingna ea moda A lingua, no que diz respeito variagdo estilistiea, pode ser comparada a moda. Para nos adequarmos & moda, da mes- ‘ma forma como niio vamos a praia de terno e gravata ou de sapato alto, também nao vamos a um tribunal em trajes de banho. E assim é com a lingua: no falamos com 0 chef, no trabalho, da mesma forma como falamos em casa, com os familiares, ou num bar, com os amigos. Pode parecer uma comparagao um tanto dbvia, mas uitas pessoas nio se dio conta de que ¢ tao inadequado usar uma linguagem cologuial em uma situagdo formal quanto € inadequate usar uma fala muito monitorada em um contexto informal. er ree cena oe std rope corte sca Apesar da classificago entre registro formal e informal, normalmente nossa fala no apresenta somente esses dois extremos. E mais apropriado Pensarmos que existe um continuum que perpassa situagdes de maior ou me- nor formalidade, correspondendo a registros mais ou menos formais, entre esses dois polos. Eventualmente, falantes vao apresentar uma escala maior ‘ou menor de possibilidades de registro, dependendo de seu desempenho lin- auistico. As criangas, por exemplo, usualmente no apresentam uma escala grande e, portanto, tém menor possibilidade de variar estilisticamente. Um importante estudo sobre variagio em que se perceberam influéncias estilisticas € 0 trabalho cléssico de Labov a respeito da variag3o do /r/ no in- glés. Ele realizou cinco coletas de dados distintas, que apontaram uma grada- ‘go entre, num extremo, um estilo menos monitorado/informal e, noutro, um_ mais monitorado/formal, nessa ordem: conversa informal, entrevista com 0 informante, leitura de um texto, leitura de palavras ¢ leitura de: ‘pares minimos. Labov atestou a correlagao entre 0 emprego das variantes de prestigio nos esti- Jos mais formas ¢ 0 das variantes de menor prestigio nos estilos mais casuais ‘No Brasil, o trabalho de Miriam Lemle: e Anthony Naro (1977) sobre a va- riago na concordancia verbal foi pioneiro na consideragao de fatores estilisti- os. Eles chegaram a0 resultado de que, em contextos familiares e em situagdes menos formais, os falantes eram menos propensos a realizar a marca de concor- diincia verbal padrao de P6 do que em contextos nio familiares e em situagdes ‘mais formais, em que era favorecida a marcagdio de concordancia padrao, Outro estudo que buscou investigar a variagdio estilistica foi o de Joa na Arduin ¢ Izete Lehmkuhl Coelho (2006) sobre a variagao nos “pronomes Possessivos de P2”. Com o objetivo de observar a distrity ‘teu’ ¢ ‘seu’ em Florianépolis e Porto Alegre, as autoras selecionaram, dentre as entrevistas do Varsul, os trechos de discurso reportado. Nesses trechos das entrevistas, temos relatos de historias que aconteceram com o falante, com pessoas de sua familia, de seu trabalho, entre amigos etc. Esses relatos nos per- ‘item, muitas vezes, detecta 0 tipo de relagdo que hé entre os interlocutores. Elas classificaram as relagbes entre os interlocutores como sendo de trés tipos: (i) retago assimétriea de superior para inferior (deseendente): es- tabelecida na fala de pai para filho, de patrio para empregado, de falante mais velho para falante mais novo etc.; (ii) relago simétrica entre iguais: estabe- lecida na fala entre amigos, entre irmios etc.; € (iii) relag&o assimétrica de a7 Pa OCR Sacgsen inferior para superior (ascendente): estabelecida na fala de filho para psi, «de empregado para patrao, de falante mais novo para falante mais velho ete Como resultado, as autoras encontram a seguinte distribuigdo: nas rela- ‘ges em que o locutor era considerado hierarquicamente superior ao seu in- terlocutor (ou seja, assimétricas descendentes), 0 pronome ‘teu’ foi preferido em 91% das ocorréncias; nas relagdes em que o locutor ¢ hierarquicamente igual ao seu interlocutor (isto &, simétricas), essa variante teve, igualmente, 91% da preferéncia dos falantes; ¢ nas relagSes em que 0 locutor era consi- derado hierarquicamente inferior ao seu interlocutor (ou seja, assimétricas ascendentes), a forma ‘teu’ atingiu a marca de 44% de uso, apenas. Observe que 0 pronome possessivo ‘teu’ é mais frequente nos dois, primeiros tipos de relagdo, que pode indicar que essa variante é aquela mais associada ao registro informal, considerando 0 continuum de que falamos anteriormente. € comum encontrarmos em trabalhos sociolingui varingdo: a variagio entre a fala e a escrita ou diamésica. Variagao diamésica ‘A palavra diamésica se relaciona etimologicamente & ideia de varios meias; no contexto da Sociolinguistica, os meios ‘ou cédigos a que nos referimos sio a fala e a escrita, E impor- tante notar que este é um tipo de variagdo lingufstica um tanto diferente dos que vimos até agora, pois concerne a caracteris- ticas de dois eédigos distintos enquanto os outros tipos dizem respeito a fendmenos que se manifestam no mesmo eédigo — geralmente o da fala (embora de uns anos para cé haja cada ‘vez mais estudos sociolinguisticos em que a escrita é o meio analisado). Para estudar a variag3o diamésica, é necessério entender que existem diferengas entre o meio falado e o meio escrito. Po- demos dizer que, silvo em situagbes excepcionais, aproducio de um texto falado é uma atividade espontéinea, improvisada ¢ ssuscetivel@ variag@o nos diversos niveis. Jaa eserita constitui- se como uma atividade artificial (nfo espontinea), ensaiada (no sentido de que reservamos tempo e espago para planeja- ests gig cnet sc ‘mento, revisbes ¢ reformulagdes), e um pouco menos varidvel, pois em geral est mais vinculada & producaio de géncros sol “Ws.quais hd maior pressio de regras ramento, Essas diferengas devem ser relativizada &relaglo entre fala e escrita, assim como entre registro formal e registro informal, no é dicotémica, mas continua Vale ressaltar que, dadas as diferencas entre as modalidades falada e eserita, no ¢ aconselhado olhar para os dados de fala e scrita juntos e tratar 0s dois meios como condicionadores de um fenémeno variével. Uma abordagem mais adequada seria aquela, em que ¢ feita uma andlise de uma amostra de fala e outra de uma amostra de escritae, depois, se for 0 caso, uma comparasio entre 0s resultados das duas anilises, considerando-se as particulari- dades dos dois tipos de texto. Um bom exemplo & a dissertagao. 4e Silva-Brustolin (2009), em que a autora observou a variagdo ‘nie os pronomes nds e a gente na fala e na escrita de alunos do ensino fundamental de escolas publicas de Florianépolis (sc). ————— Vimos até aqui a atuagdo de diferentes condicionadores extralinguisti- cos em fenmenos variiveis no portugués do Brasil e no inglés americano. E importante observar que 0s condicionadores externos sto controlados conjuntamente numa pesquisa sociolinguistica, e que os resultados mais interessantes so aqueles em que podemos perceber virias forgas atuando juntas. fato de apresentarmos um ou outro condicionador externo como sendo relevante em determinado estudo no quer dizer que o pesquisador niio tenha investigado a interagaio dese condicionador com outros. Vale lembrar também que é necessério relativizar os resultados quando trata- mos de influéncias externas 8 lingua. Cada comunidade é diferente e, por- tanto, apresenta condicionadores externos atuando de maneira diferente. 2 Variagao e identidade: 0 caso de Martha’s Vineyard Os condicionadores extralinguisticos foram 0 alvo do estudo pioneito de Labov de 1962, realizado na itha de Martha's Vineyard (Massachusetts, Estados Unidos). A motivagtio desse estudo foi sua pervepeio de que os di- tongos /ay/ e /aw/ (como em right e house, respectivamente) poderiam ser pronunciados de diferentes maneiras. Além das variantes padrao, [ay] ¢ [aw], hhavia outras que tendiam & centralizacdo da primeira vogal. Cada variavel 49 Pe ONHECE Suciguiten controlada por Labov apresentava trés variantes: /ay/ poderia ser pronunciado como [ay fay] € fey], e /aw/ poderia ser promunciado como [avi], [ow] ¢ [ew]. Labov foi, entdo, em busca de explicagdes para a variagdo fonoldgica que observou ¢ chegou a resultados que indicaram que a identidade dos falantes, em termos de sentimento de pertencimento a um local, a um povo ‘ow a uma cultura (entre outros fatores), pode se mostrar como um condicio- nador extralinguistico que motiva a variagao linguistica. O finguista procurou dados dos ditongos /ay/ ¢ /aw/ em diferentes situagdes: na fala casual, através da observacao da interacdo entre falantes na rua, em bares ete.; na fala com acento emocional, através de questionaios {que requeriam dos informantes juizos de valor sobre formas linguisticas; na fala cuidada, através de entrevistas; e na leitura, pedindo aos informantes para que lessem uma historia em voz alta. As entrevistas foram realizadas com 69 nativos, estratificados socialmente, de acordo com os seguintes condiciona- ores: (i) regio: up-islanders (provenientes da Up-Island, uma regio rural) ¢ down-islanders (provenientes da Down-Island, uma regido urbana que abri- gava 75% da populagao da ilha a época); (ii) ocupagao: pescadores, agricul- tores, operirios de construgdes, comerciantes, profissionais liberais, donas de casa e estudantes; (iii) grupo étnico: descendentes de ingleses, de portugueses ¢ de indigenas; (iv) sexo/género: homens e mulheres; ¢ (v) faixa etdria: 14-30 anos, 31-25 anos, 46-60 anos, 61-75 anos ¢ acima de 75 anos. Foram considerados, além dos condicionadores extralinguisticos, 0s seguintes condicionadores internos: a) ambiente fonético: quais eram as consoantes precedentes ¢ subsequentes aos ditongos /ay/ e /aw/; b) fato- res prosédicos: a tonicidade das formas linguisticas em que apareciam 0s ditongos; c) influéncia esilistica: as diferentes situagdes em que os dados foram coletados (fala casual, fala com acento emotivo, fala cuidada e lei- tura); e d) consideragées lexicais: em que palavras esses ditongos tendiam a ser pronunciados centralizados. Os condicionadores linguisticos, nessa pesquisa, mostraram-se pouco ou no significatives. ‘Vejamos primeiramente os resultados da pesquisa para depois enten- dermos as conclusées a que Labov chegou. Quanto ao condicionador “faixa etdria”, considerando-se todos os falantes entrevistados, o grupo que mais favoreceu a centralizagao dos di- tongos /ay/ e /aw/ foi o da faixa de 31 a 45 anos. Com relagdo a localidade, a regido Up-Island (rea rural) foi a que mais apresentou centralizagao, 50 O esd singe corte sc sendo que 0s mais altos indices foram encontrados entre os habitantes de um lugarejo chamado Chilmark, onde a maior parte da economia est con- centrada na pesca. E foi exatamente o grupo dos pescadores, no controle do condicionador “ocupagao”, que apresentou os maiores indices de centrali- zagio. J quanto a “etnia”, foram os descendentes de ingleses que se desta- ccaram. Além disso, houve outro condicionador que se revelou significative ‘nos juizos de valor dos informantes: a questio da identidade e da atitude. Esses resultados fazem muito sentido quando associados histéria social da ilha. A regido de Chilmark, na Up-Island, é habitada por des- cendentes de ingleses que, como dissemos, tém na pesca sua principal ‘ocupagiio. Eles sto conhecidos por se diferenciarem dos demais habitan- tes da ilha, por serem independentes e por defenderem seu modo de vida. Acontece que, aquela época, Martha’s Vineyard vinha passando por gran- des transformagdes econdmicas e sociais. A pritica da pesca, uma ativi- dade tradicional, vinha decaindo e a atividade turistica estava crescendo, invadindo a ilha no s6 espacialmente como também culturalmente. Esse processo resultou em uma divisto: de um lado, ficaram os que, na tentativa de preservar sua cultura e identidade, reagiram negativamente a ativida- de turistica; de outro lado, aqueles que reagiram positivamente ou no se importaram com as mudangas, buscando integragao com a nova atividade econémica ¢ com as diferengas culturais trazidas por ela. Os habitantes de Chilmark incluiram-se majoritariamente no primeiro grupo. Por conta do perfil dos habitantes de Chilmark & que dizemos que 0 estudo de Laboy em Martha's Vineyard tem seus resultados amparados na identidade e na atitude dos falantes com relagao a itha. Aqueles que se iden- tificam com a itha e sdo avessos aos turistas centralizam mais os ditongos ‘ay! ¢ /aw/ para preservarem sua marca de identidade, como os habitantes de Chilmark; aqueles que so “neutros” ou reagem positivamente a0 turismo apresentam em menor escala essa centralizagao ou ndio a apresentam. Os resultados de Labov indicaram que a centralizayao dos ditongos (ay/ e /aw/ estava atrelada & estratificagao social dos informantes, muito ‘mais do que aos fatores de natureza intema, Em outras palavras, podemos dizer que as explicagdes encontradas nao estavam na estrutura da lingua — nfo havia quase nada no contexto linguistico que condicionava um falante 4 pronuneiar de uma maneira ou de outra os ditongos pesquisados -, mas sim fora da lingua, no contexto social dos informantes da pesquisa. eA CER eopten 4. FECHANDO ESTE CAPITULO Neste capitulo, demos os primeiros passos no estudo da disciplina Socio- linguistica, uma subirea da Linguistica que se ocupa da relagdo entre lingua e sociedade, Tratamos, em primeiro lugar, de apresentar conceitos fundamentais que fazem parte da terminologia da Sociolinguistica, e em seguida partimos para a andlise da dimensio intema da lingua, em que contemplamos os niveis linguisticos em que ocorre variagao: lexical, fonoldgico, morfologico, sintético © discursivo, ¢ 0s condicionadores intemos; e da dimensio extema, em que -vimos os seguintes tipos de variag0: regional, social, estilistica e entre fala ¢ escrita,¢ 0s condicionadores externas. Fizemos essa analisea partir da discus- slo de diferentes regras variéveis e de conjuntos de variantes que se alternam de acordo com motivagdes internas e externas. Trouxemos também conside- ragdes a respeito da relagdo entre lingua e identidade, quando apresentamos 0 clissico estudo de Labov realizado em Martha’s Vineyard. Leituras complementares: + Ollivro Sociolinguistica, de ete Lehmkubl Coelho etal. (2010), elaborado para uso em cursos de ensino a distancia, apresenta aspectos tedrico-metodo- légicos da Sociolinguistica Variacionista¢ ¢ finalizado com reflexdes sobre a relagio entre variago/mudanea ¢ ensino de lingua. No livro O pormugués da gente: a lingua que estudamos, a lingua que fala ‘mos, Rodolfo lari e Renato Basso (2011) oferecem um panorama da Kinga portuguesa, abordando sua origem no latim, passando por sua expansio de Portugal a América e chegando a caracteristicas atuais do portugués falado no Brasil tipos de variaglo ea considerades a respeito do ensino de lingua. Sociolinguistica ~ parte 1, de Roberto Camacho (2006), é um eapitulo de livro que introduz conceitos-chave e postulados teéricos da Sociolinguistica © autor também analisa fendmenos em variagdo no portugués brasileiro, apontando condicionadores intemos ¢ externos, © volume Introduedo & sociolinguistica: 0 tratamento da variacao, orga- nizado por Maria Cecilia Mollica © Maria Luiza Braga (2008), traz.conside- rapdes a respeito de questdes tebrico-metodoldgicas, como a relevancia dos ‘condicionadores extemos ¢ internos nos fendmenos de variagdo e algumas tapas da pesquisa sociolinguistica. es da ingagem ne cea so Exercicios 1, Leia os trechos de uma entrevista transcrita (dados de fala) e da produco escrita (dados de escrita) de duas alunas de 9° ano (retira- dos de Silva-Brustolin, 2009), depois responda as questdes a) eb) propostas a seguir. TEXTO 1: DADOS DE FALA Bom, a minha hist6ria é que um dia, quando eu tinha seis anos, é, eu fui passed na fazenda de uma amiga minha. Era sibado de manha e a gente saiu de casa, Mais quando a gente chegé la, eu fiquei muito animada e a gente quis i vé os animais, entdo a gente foi vé as gali- nha. Dai quando eu entrei la dentro meu chinelo ficou entalado, dat a minha amiga, o nome dela é Sofia, ela foi Id tenté tira meu chinelo, ai eu fiquei to animada quando eu vio chinclo na mio dela, qu’eu peguei ¢ larguei a porta ¢ fui pegd meu chinelo e as galinha fugiro. (lnformante A) ee Ca Oe Tet ON | TEXTO 2: DADOS DE ESCRITA Pra mim uma das coisas mais importante é a familia, Pois a minha v6 e ‘v6 mora num sitio em petrolandia e todos meses a gente aluga um oni- bbus e vamos toda a familia deis de fills, tios e netos. Fomos pra la esse més pro aniversario dos meus avés, la nés dangamos, eu dirigi a moto do meu tio, andamos de cavalo, fizemos quento resu ‘mindo fizemos uma festa de arrombs e 0 mais importante é que a familia estava toda unida e felizes, (Informante B) a, Identifique, nos Textos 1 ¢ 2, um fenémeno varidvel para cada nivel linguistico (fonético-fonolégico, morfol6gico, sintitico e discursive — sinta-se a vontade para identificar casos de interface!) e descreva cada um desses fenémenos, conforme o exemplo no quadro a seguir: Deserigio ‘Variante encontrada do fendmeno variivel | nas narrativas Inserglo de vogal em | Mais em vez demas’) | Fonético-fonlogico silaba (epéntese) PA OONECER Steigueten 'b, Escolha um dos fendmenos variaveis que voe® identificou nos Tex- tos 1e2e: + identifique as variantes dessa variavel; + levante um grupo de fatores linguistico ¢ outro extralinguistico como possiveis condicionadores do uso de uma das variantes. A tabela a seguir foi retirada do estudo que Labov desenvolveu na ilha de Martha’s Vineyard. Nela, vemos a frequéncia de centralizagao da primeira vogal dos ditongos /ay/ e /aw/ em oposigo prontincia nao) centralizada ¢ a correlago do uso dessas variantes (a proniincia cen- tralizada de /ay/ e a proniincia centralizada de /aw/) com a avaliagio dos falantes em relaglo 4 ilha (positiva quando se identificam com a cultura local e desaprovam o turismo, negative quando nao se identifi- ‘cam com a cultura local e aprovam o turismo, ¢ neutra quando no tém posicdo definida). ‘Tabela 1: Avaliago ¢ uso da variante centralizada dos ditongos /ay/ e /aw/ na itha de Martha's Vineyard (adaptada de Labov, 1972: 39) Namero ‘Avaliagio | Centralizagio | Centralizagio de falantes delay! de law! 0 Positiva 8% am 9 Neutra 32% 2% 06 ‘Negativa 09% 08% | Com base nos dados apresentados na Tabela | ¢ no seu conhecimento sobre esse estudo de Labov, discuta a importdncia de se considerarem ‘05 condicionadores externos na analise de um fenémeno linguistico em variagio. ATEORIA DA VARIAGAO E MUDANGA LINGUISTICA Objetivos gerais do capitulo > Da Linguistica a Sociolinguistica — um breve apanhado histérico do surgimento e desenvolvimento da Teoria da Variagao ¢ Mudanga; 2 Pressupostos tedricos ~ uma introduc aos principios basicos da ‘Teo- ria da Variagao e Mudanga; > Problemas empiricos para uma Teoria da Variagao e Mudanga — ques- ‘es que norteiam a pesquisa sociolinguistica. 1. DALINGUISTICA A SOCIOLINGUISTICA ‘No capitulo anterior, apresentamos o fendmeno da variayao linguis- imos como a lingua que falamos nos poe a disposigao diferentes formas para expressat 08 mesmos significados, sem perder sua sistematici- dade ou seu poder como instrumento de comunicagao. Apontamos também que a Sociolinguistica é a subdrea especifica da Linguistica com teoria e métodos voltados i compreenso da variago e da mudanga nas linguas. Para entender melhor os pressupostos tedricos dessa area, vamos contextualizar, em termos gerais, os estudos da linguagem do século xix € do inicio do século xx. Comegamos falando rapidamente dos estudos hist6rico-comparativos ¢ dos neograméticos, para em seguida tratarmos das perspectivas do linguista suigo Ferdinand de Saussure ¢ do linguista americano Noam Chomsky. tica, Fr EC Saoenguten Os estudos linguisticos no século xix foram marcados por duas gran- des tradigdes: a do método hist6rico-comparativo e a neogramitica. A primeira tinha como propdsito estabelecer correspondéncias sistemiiticas entre duas ou mais linguas ou entre dois ou mais estigios da mesma lin- gua. Na tradigtio neogramiética, consolidada principalmente na obra de Hermann Paul, encontram-se pressupostos de uma teoria da mudanga que teve grande impacto nas discussdes linguisticas posteriores. A hipétese principal de Paul sobre a mudanga leva em considerago a lingua de um falante-ouvinte individual (o idioleto), uma realidade fundamentalmente psicolégica, homogénea, dissociada das relagdes sociais. E aos neogramiticos que devemos o principio da regularidade mecdnica € a nogto de analogia, vigentes ainda hoje nos estudos linguisticos. O prinef- pio da regularidade mecdnica aplicava-se a mudangas que incidiam sobre os sons da lingua automaticamente, atingindo todas as palavras de modo abrupto, independentemente de sua classe, sem excegiio ~ sto as chamadas leis foné- ficas. Quando as leis fonéticas niio se aplicavam, a mudanga passava a ser explicada pelo processo de analogia, compreendido como a regularizagio de novas formas a semelhanga de padres gramaticais preexistentes. No inicio do século xx, Saussure, marco da corrente linguistica de- nominada estruturalismo, rompe com a tradigo de estudos histéricos e comparativos vigente no século anterior e delimita, como objeto de estudo da Linguistica, a lingua (langue) tomada em si mesma, vista como um sis- tema de signos que estabelecem relagdes entre si formando uma estrutura auténoma, desvinculada de fatores exteros sociais e histéricos. O foco na mudanga, que era uma preocupagiio do século xrx, 6 desviado para um recorte no tempo em que interessam apenas as relagdes internas estabele- ccidas simultaneamente entre os elementos do sistema linguistico. Assim, 4 perspectiva diacrénica (histérica ¢ dindmica) no estudo da lingua cede lugar a sincrénica (atemporal e estatica). Nos Estados Unidos, a visto estruturalista cede espago, na década de 1960, 20 gerativismo, fundado por Noam Chomsky. Para essa corrente, uma lingua é um sistema abstrato de regras para a formagio de sentencas, deri= vado do estado inicial da faculdade da linguagem, um componente inato a ‘espécie humana. Assim como 0 estruturalismo, o gerativismo considerava a lingua um sistema homogéneo desvinculado de fatores histéricos ¢ sociais. 56 era caso musa gssea objeto da Linguistica, para o autor, nao era a fala dos individuos, mas as intuigdes do pesquisador acerca da lingua e seus julgamentos sobre a grama- ticalidade das frases. Nessa perspectiva, o individuo ¢ tido como um falante- ouvinte ideal, situado numa comunidade de fala homogénea e abstrata. Tanto a abordagem neogramética como a estruturalista saussureana e a gerativista concebiam seu objeto de estudo como uma entidade homogé- rea, Além do mais, a relagio desse objeto com a sociedade que dele fazia uso era considerada algo teoricamente irrelevante ou, até mesmo, intangi- vel. Havia, porém, pesquisadores que, diferentemente de Paul, Saussure e ‘Chomsky, postulavam uma concepedo efetivamente social de lingua. Antoine Meillet foi um deles. Na passagem do século xix para 0 xx, © pesquisador enfatizava, em seus textos, o cariter social e evolutivo da lingua. Segundo ele, como a lingua ¢ um fato social, deve-se recorrer 20 dominio social para a compreensto da dindmica linguistica. Assim, do ponto de vista de Meillet, toda ¢ qualquer variagao na lingua é motivada estritamente por fatores sociais. ‘Alm de Meillet, podemos apontar outros pesquisadores com uma cconcepeao social de lingua também no inicio do século xx. Na perspectiva da Linguistica soviética, para Nicolai Marr, por exemplo, as linguas so instrumentos de poder, refletindo a luta de classes sociais, ao passo que 0 fil6sofo Mikhail Bakhtin criticava a perspectiva saussureana, defendendo uum enfoque da lingua na interagao verbal historicamente situada, Foi em meio a essa diversidade de orientagdes tebricas que aconteceu, em 1966, nos Estados Unidos, o simpdsio “Direpdes para a Linguistica Historica”. Em especial, 0 debate proposto por Uriel Weinreich, William Labov e Marvin Herzog (aos quais nos referiremos, neste livro, como wx) resgatou a discussa0 sobre os estudos da mudanga linguistica e, principalmente, sobre as suas moti- ‘vagies sociais. Seu objetivo era propor um novo conjunto de findamentos para © estudo da mudanga. Para isso, os autores consideraram minuciosamente as propostas dos neogramiticos, estruturalistas e gerativistas em relagio ao tema. Quanto 8 tradigdo neogramatiea, wu criticam principalmente a natu- reza psicolégica, homogénea e associal do idioleto, bem como a premissa de que € nesse dominio que se dé a mudanga, Da proposta dos neogramiti- cos, acolhem a nogdo de que a mudanga é regular, embora ndio reconhegam o radicalismo do prinefpio de que as leis fonéticas se aplicam sem exceed, 57 PRR COMME Senin Em Saussure, wi criticam principalmente a visio de lingua como, ‘uma estrutura auténoma e homogénea, desvinculada de fatores extenos, € 4 separagdo entre diacronia e sincronia. Da proposta saussureana, 08 auto- res assumem a nogdo de lingua como sistema, embora rejeitem a implica- ‘glo direta entre sistematicidade ¢ homogeneidade. Quanto proposta chomskyana, WLH criticam a concepgao de gua como um sistema homogéneo, desvinculado de fatores hist6ricos ¢ sociais, assim como a nogdo de comunidade de fala abstrata, homogénea, composta por falantes-ouvintes ideais. Da mesma forma, criticam 0 fazer cientifico com base em dados linguisticos correspondentes as intuigdes do pesquisador e/ou dos falantes. Por outro lado, compartilham o postulado de que a lingua é um sistema abstrato de regras. E nesse contexto que Weinreich, Labov e Herzog langam os fundamen tos de uma teoria da variago e mudanca empiricamente orientada — a nossa conhecida Sociolinguistica. Alm disso, os autores retomam as contribuigdes de estudiosos que viam a lingua como um fenémeno social. Desse modo, como heranga de Meillet, volta a ganhar forga a nogo de lingua como fato social dindmico, cuja variagto ¢ explicada por forgas externas ao sistema. A Sociolinguistica bebeu, ainda, de outras fontes tedricas, como os estudos de: Dialetologia, de Linguistica Historica e de Bilinguismo, desenyolvidos na Europa e nos Estados Unidos na primeira metade do século xx. ‘Algumas obras foram fundamentais para a proposifo ¢ consolida- do desse novo programa de estudos: Fundamentos empiricos para uma teoria da mudanga linguistica (Empirical Foundations for a Theory of Language Change), publicado em 1968 por wii; Padrdes sociolinguisticos (Sociolinguistic Patterns), publicado por Labov em 1972; € Building on Em- pirical Foundations, do mesmo autor, de 1982. A partir de entao, Labov desenvolveu intimeros trabalhos voltados para o estudo da lingua em seu contexto social, focalizando especialmente a variagio fonético-fonolégica na lingua inglesa. Seu grupo de pesquisa, sediado na Universidade da Pen- silvia (EUA), tomou-se o centro irradiador dessa nova e instigante aborda- gem da lingua, e Labov € tido até hoje como a grande teferéncia da érea, No Brasil, as pesquisas no campo da Sociolinguistica Laboviana tiveram inicio na Universidade Federal do Rio de Janeiro, na década de 1970, sob a orien- ago de Anthony Naro, Desde entio, as linhas de pesquisa que se ocupam da descrigtio de fendmenos varidveis no portugués do Brasil se multiplicaram, 58

You might also like