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Recensão crítica

“Pedagogia da Literatura”, Margarida Vieira Mendes. História da Literatura, Revista de


literatura do departamento de literaturas românicas, Faculdade de Letras de Lisboa, 1997.
155-166.

O presente artigo foi escrito por Margarida Vieira Mendes, professora universitária na
Faculdade de Letras de Lisboa, tendo dedicado particular atenção à Oratória Barroca do Padre
António Vieira.

“Pedagogia da literatura” corresponde a um texto lido numa sessão da UNICLASSICA no


ano de 1996, onde a autora expõe a situação problemática do ensino da literatura e as
possíveis vias de atuação para remediar esses problemas no próximo milénio; milénio no qual
atualmente os professores de literatura de língua portuguesa estão a percorrer afrontando os
desafios do ensino. A autora defende que “ler textos literários na escola é um dos grandes
contributos para a aquisição da competência linguística e do seu aprimoramento”,
consequentemente adere a três axiomas, os quais são: considerar a literatura como língua,
arte, património e cultura, saber que aprendizagem da literatura vai mais alem duma leitura
pessoal e não esquecer que a literatura está orientada a formar competências em língua
portuguesa. À luz da reflexão destes axiomas, acrescenta cinco qualidades da arte literária
descritas pelo escritor italiano Italo Calvino (1990), a partir das quais elabora sugestões para
uma abordagem do ensino da literatura. Essas qualidades são: a leveza, a rapidez, a exatidão,
a visibilidade e a multiplicidade.

Respeito da leveza, a autora expõe o problema da aproximação da leitura basado em


perguntas mecânicas, desproblematizadoras que se correspondem com receitas dos manuais
escolares e que, portanto, estão desajustadas à cada situação concreta de aprendizagem na
aula. A estratégia para superar esta problemática é a do “reader-response criticismo”, em
que os leitores (alunos e professores) são críticos e co-creadores do texto lido. O professor
deve trabalhar na implicação emocional, moral e lúdica do aluno com o texto, de tal forma
que este sinta a liberdade de fazer perguntas, manifestar dúvidas, objeções, formular
alternativas, etc., desta forma o texto torna-se leve, perde a impetrabilidade.

Leveza e liberdade vão de mão dadas e aplica-se à leitura extensiva, orientada, metódica ou
mesmo recreativa, sem esquecer os direitos do leitor que Daniel Pennac (2010) propõe no seu
livro “Como um romance”. A leveza para Calvino (1990) “é um modo de ver o mundo
fundamentado na filosofia e na ciência”, todos os leitores possuem um saber prévio, mais ou
menos filosófico e científico; e cabe ao professor fazer emergir esse conhecimento do aluno e
enriquecê-lo, tornando a obra lida leve, tal qual o voo do pássaro e não leve como a pena, que
por força da gravidade “pesa” sempre, palavras de Paul Valéry (Calvino 1990). Aparece aqui,
pela primeira vez o conceito de hermenêutica, considerada como a arte ou técnica de
interpretar e explicar um texto ou discurso, a este respeito a autora fala de “conversar sobre
livros”, como uma prática leve que permite aos alunos resumir o que leram, apreciar
personagens e as suas emoções, recontar, comparar, lembrar outros livros, etc. em ateliers ou
oficinas de literatura.

A leveza é também aplicada ao professor, esperando-se dele uma maior competência


científica (atualizada, literária, crítica e histórica), um professor também leitor que possa
propor situações criativas e leves (e não baseada nos manuais) para o tratamento da obra.

Relativamente á rapidez, a autora, tal qual Calvino (1990), colocam ao professor sob o signo
de Mercúrio (Hermes, que também rege a leveza pois é o Deus da comunicação e mediações)
apresentando uma estratégia pedagógica que consiste em “fornecer aos alunos informações
rápidas, mas pregnantes sobre autores, contextos ou situações históricas e institucionais,
correntes estéticas, universos de referências concretas, a que os textos aludem ou que
constituem o seu quadro”. É tarefa e responsabilidade do professor motivar aos
alunos/leitores para uma aproximação com o autor da obra, contando histórias sobre a sua
vida, captar a atenção apresentando o autor como uma pessoa concreta, no modo narrativo e
anedótico, não só assinalando a data de nacimento, produção e morte, mas sim os “traços
marcantes, bizarrias biográficas, pormenores coloridos e concretos”, desta forma o autor irá
permanecer na memoria afetiva dos alunos.

Ainda sob a regência de Mercúrio, é possível formular outra estratégia para a


tratamento/aproximação da obra aos estudantes. Nesse sentido, Calvino (1990) associa a
rapidez ao conto, “Na Sicília, os contadores de histórias usam uma fórmula… o conto não
perde tempo, quando quer saltar passagens inteiras ou indicar um intervalo de meses ou de
anos”. Assim, uma obra literária pode ser tratada como um conto. Perante a impossibilidade
de tempo, que muitas vezes limita aos professores na leitura de uma obra completa nas aulas,
o professor pode procurar (o que exige um conhecimento minucioso da obra) aqueles
acontecimentos encadeados que outorgam sentido à obra, o “liame narrativo” chama Calvino,
que pode estar representado por um objeto (animado ou não, mágico o não), uma pessoa ou
até uma qualidade, estado o valor. Um breve exemplo nos dá Calvino quando relata uma
antiga lenda do emperador Carlos Magno onde esse liame narrativo é um anel mágico em
torno ao qual gira todo relato. A proposta é procurar o ponto de conexão que encadeia os
acontecimentos, para logo ler esta espécie de resumo nas aulas (tendo em consideração todas
as estratégias da leveza) e a través deles motivar, chamar aos alunos para uma leitura
completa da obra fora da escola.

É importante também examinar atenciosamente uma outra característica que Calvino define
como o tempo do Deus Vulcano, que representa a focalização: concentração construtiva. O
professor poderá ser “rápido” sob a influencia de Mercúrio, mas é Vulcano quem determina o
equilíbrio. A união destes deuses relembra a premissa “Festina lente” apressa-te devagar, ou
seja, convém ir devagar para executar mais depressa um trabalho bem feito. Neste sentido,
que representa Vulcano na pedagogia da literatura? O escritor argentino, Ricardo Piglia,
pronuncia um discurso na feira internacional do livro de Buenos Aires onde dá vital
importância ao "espaço do leitor", espaço "da construção da subjetividade” que representa
esses momentos em que o leitor pensa, levanta a vista e olhando para o horizonte, reflexiona
sobre o parágrafo lido. Nesta lógica, propõe-se gerar espaços de leitura silenciosa e individual
sempre que seja possível no contexto de aula, para que o leitor/aluno possa construir as suas
próprias elipses e interpretações. Num mundo onde tudo é acelerado Piglia afirma:
“Agradecemos que podemos acelerar el acceso a la cultura, pero la lectura no se puede
acelerar porque está ligada al lenguaje que establece la temporalidad".

Esta afirmação de Piglia dá-nos pé para falar sobre a exatidão que a autora define como
aquela “linguagem eficiente, precisa, de clareza demasiado luminosa, que não anda nos
apressados e generalizadores meios de comunicação”. A finalidade pedagógica da exatidão
será sempre conhecer melhor a língua a partir dos textos literários antigos e modernos, pois só
eles “podem combater o uso pobre da língua, o miserabilismo dos empregos correntes do
português”. A autora sugere aproveitar o íncipit textual, por exemplo mediante a prática da
paráfrase, realizada de uma forma mais consciente. Nesta perspetiva, a Filologia, com partes
de estilística, devia voltar a ser usadas no ensino do secundário. A este propósito Anke Berns
(2004), professora de alemão na universidade de Cádiz, escreveu um artigo sobre a filologia y
a didática no ensino de uma língua estrangeira e mesmo que não faça referencia à língua
materna o enfoque adapta-se ao ensino da literatura a partir da filologia, propondo vários
passos para a exploração do texto literário: 1) uma leitura compreensiva e guiada do texto
(hipótese leitora), análise de problemas linguísticos (com o dicionário) e a leitura intensiva
(revisão de hipóteses), 2) leitura crítica, numa descrição analítica da estrutura do texto e a
identificação objetiva do tema, 3) uma interpretação que consiste numa aproximação subjetiva
ao tema: leitura pessoal e uma valoração do fenómeno artístico-comunicativo e 4) uma
interpretação sistemática e rigorosa que leva ao estudo de aspetos estilísticos, retóricos,
metafóricos, etc., junto ao análise de informações relativas ao contexto sociocultural e
literário do texto. Desta forma, segundo a autora Berns (2004), não só lograr-se-ia que o aluno
seja mais participe do processo interpretativo, mas também que possa construir junto dele os
múltiplos significados que uma obra literária pode adquirir ao longo de tempo.

No que se refere à visibilidade, a autora faz novamente uma crítica ao uso dos manuais
escolares, e os define como “uma soma bem arrumada, mas inorgânica… que contem
excesso de textos, atividades, matérias e conteúdos linguísticos, comunicacionais e literários”
em nenhum momento é visível o porquê e para quê de cada atividade gerando um cego
habitus escolar. Por isso, outra das propostas da autora consiste em explicitar as
aprendizagens e os momentos para cada processo de aprendizagem da literatura, propondo por
exemplo a realização de um itinerário que divida os tempos de leitura, de escrita, tempos de
análise gramatical, de leitura em voz alta, etc. Em soma, esta organização ira tornar visível
para o aluno os seus progressos na compreensão e não só, pois também ira notar os benefícios
do mundo da literatura: evasão (fugir do mundo que nos rodeia), realidade (conhecer melhor o
mundo, conhecimento (o aluno é capaz de aprender um sem fim de coisas da vida diária),
fantasia e imaginação (basta aqui só nomear o Quijote e Hamlet), diversão (o carácter lúdico
da leitura permite um entretimento que não depende dos outros), ampliação do vocabulário
(vocabulário amplio, variado y preciso), velocidade leitora (que permite maior produtividade
na hora de realização de outras tarefas), melhoria da ortografia (está demostrado que os
leitores cometem menos erros ortográficos). Estas e outras ventagens serão o fruto de uma
tarefa de leitura literária organizada onde novamente o papel do professor é essencial, pois ele
deverá criar situações educativas que favoreçam os processos de aprendizagens literários.

Por último, a autora refere-se à multiplicidade, característica que faz lembrar à variedade de
textos da seleção escolar. Os programas de Português selecionam um cânone que inclui os
clássicos portugueses, literatura brasileira e africanas, e clássicos universais. Os problemas
neste ponto, segundo a autora, são a falta de tempo que privilegia a leitura de obras
portuguesas deixando de lado os clássicos europeus e universais; e a exclusão de clássicos
como o Fernão Lopes. Neste último caso, atualmente dita obra faz parte dos programas de
ensino de português, pelo que terá sido uma mais-valia para a autora.

No âmbito da multiplicidade, o verdadeiro problema não é quais clássicos são mais lidos ou
menos lidos, mas sim, como aproximar esses clássicos aos alunos? Os jovens leitores vêm-se
obrigados a ler os clássicos o que muitas vezes tem como consequência o rechaço e a
frustração, porque muitas vezes a exigência leitora é superior aos gostos adolescentes, sendo
necessário pedir-lhes um certo esforço leitor (Torrijos 2019). É claro que não se pode
renunciar a que os jovens tenham acesso às obras de escritores do passado reconhecidos
universalmente (modelos de qualidade literária e património cultural), mas para evitar esse
rechaço e frustração cabe ao professor saber orientar quais, quando e como os clássicos
devem ser introduzidos. Alem disto, traçar um itinerário a percorrer pelo leitor em formação
para integrar os clássicos sem perder de vista a idade, os gostos, interesses e nível dos leitores.

Justifica-se fechar este discurso contando uma anedota atribuída a Jorge Luis Borges, na sua
etapa de professor uma aluna da Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade de Buenos
Aires comentou ao escritor que as leituras das obras de Shakespeare aborreciam-lhe,
preguntando-lhe que devia fazer para o remediar; mais ou menos, o escritor argentino
respondeu: “No hagas nada; simplemente no lo leas y espera un poco. Lo que pasa es que
Shakespeare todavía no escribió para vos; a lo mejor dentro de cinco años lo hace”

O sol não doira sem literatura, mas a literatura não cresce num campo que não se prepara.

Viviana del Carmen Miranda

18/12/2022

Bibliografía:

 Bers, A. (2004). Filología y didáctica: ¿Dos maneras diferentes de ver y entender la


literatura? Estudios filológicos alemanes. Vol. 6. Revista de Grupo de Investigación
Filología Alemana. Sevilla.
 Calvino, I. (1990). Seis propostas para o próximo milénio. 1º edição. Companhia das
letras. Tradução Ivo Barroso.
 Cárdenas Páez, A. (2011). Elementos para una pedagogía de la literatura. Cuadernos
De Literatura, 6 (11), 6–18. Recuperado a partir de:

https://revistas.javeriana.edu.co/index.php/cualit/article/view/7550

 Moll, Santiago. (2013). ¿Profesor para qué sirve la literatura? Recuperado de:

https://justificaturespuesta.com/profesor-para-que-sirve-la-literatura/

 Piglia, R. Artigo sobre conferencia recuperado de:

https://www.lagaceta.com.ar/nota/268754/informacion-general/piglia-dijo-lectura-freno-ante-
vertigo-actual.html

 Torrijos Cañamares, C. (2019). La lectura de lo clásicos en secundaria. Revista


Graphos, vol. 21, n° 1. Recuperado a partir de:

https://www.researchgate.net/publication/
334525541_LA_LECTURA_DE_LOS_CLASICOS_EN_SECUNDARIA

 Vieira Mendes. M. (1997). Pedagogia da Literatura. História da Literatura. Lisboa.


Revista de literatura do departamento de literaturas românicas, Faculdade de Letras de
Lisboa.

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