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Ontem foi o dia que eu quase pude tocar o silêncio.

A casa estava vazia e


somente as coisas que você não quis me fizeram companhia. Ontem,
fiquei à vontade com a sua ausência. Hoje acordo sozinho em uma casa
em silêncio. A falta do seu som pela manhã é como um sepulcro fecundo
que me incita a começar a adentrar a marga, onde, com certeza, somente
corpos são encontrados, você foi o “deus” que criei e vi morrer, no fim
era tão frio quanto a pedra da qual nos forjamos, por fim quando as luzes
se apagam e me deito nas profundezas de meus pensamentos, sou levado
pela correnteza da solidão, o silêncio enfim toma conta, o silêncio mais
profundo que presencio, aproveito este e adormeço, na esperança de
sonhar com você e me lembrar dos dias felizes que passaram, nos meus
sonhos, vejo um homem, vestido com peles de jaguar e emplumado
como um santo veterano de guerra. O que veio do coração nos ungi-o,
exterminou o mal sob seus pés e libertou a todos nós. A sua ausência só
aumentou calor fétido dessa casa que, constantemente, reflete em algum
lugar na parte traseira da minha cabaça. Minha têmpora lateja, o sangue
ferve em meu crânio. Parece que há algo vivo dentro dele; um rato, um
maldito rato roendo meu cérebro, comendo as barreiras que o separam
do resto do mundo. Nem o láudano matará sua fome insaciável.
Estou ficando cada vez maltrapilho, perco a sanidade cada dia que passa,
hoje eu me machuquei, para ver se eu ainda sinto alguma coisa, me
concentro na dor a única coisa que parece ser real, estes pensamentos
que não saem da minha cabeça são como uma coroa de espinhos a qual
estou fadado a usar, usando esta, me sento sobre este trono de mentiras e
governo meu império de poeira, me pergunto se você me ouve quando
eu falo, me pergunto: Um homem pode se reconstruir? Um homem,
sabendo quem ele é, no que se tornou, pode se despedaçar e começar do
zero? As nossas almas são só isso, pequenas engrenagens interligadas e
máquinas intricadas realizadoras de determinada função que, após
reflexão, podemos defini-las para uma nova tarefa? Um homem,
definido por suas ações, definido pelo que agora ele considera
abominável, pode decidir sabotar este corpo, esta máquina, até as
crianças da alma dele iniciaram um novo movimento? E pode ele
desperta para se encontrar com um novo sol, um novo ano, um novo
século, com esperança no coração? Estico as mãos para deixar meus fios
à vista e me pergunto: a redenção é possível para uma criatura como eu?
Se não for, então certamente é melhor morrer entre o que eu criei do que
continuar a viver dessa forma bestial,

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