You are on page 1of 1173

Copyright © 2022 Zoe X

BAD PRINCE
1ª Edição

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte dessa obra poderá ser


reproduzida ou transmitida por qualquer forma, meios eletrônicos ou mecânico
sem consentimento e autorização por escrito do autor/editor.

Capa: Gialui Design


Revisão: Bárbara Pinheiro
Diagramação: April Kroes
Ilustração: Daniel Caetano

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos


descritos são produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com a
realidade é mera coincidência. Nenhuma parte desse livro pode ser utilizada
ou reproduzida sob quaisquer meios existentes – tangíveis ou intangíveis –
sem prévia autorização da autora. A violação dos direitos autorais é crime
estabelecido na lei nº 9.610/98, punido pelo artigo 184 do código penal.

TEXTO REVISADO SEGUNDO O ACORDO ORTOGRÁFICO DA LÍNGUA


PORTUGUESA.
sumário
aviso
antes de ler
playlist
nota da autora
epígrafe
prólogo
capítulo 1
capítulo 2
capítulo 3
capítulo 4
capítulo 5
capítulo 6
capítulo 7
capítulo 8
capítulo 9
capítulo 10
capítulo 11
capítulo 12
capítulo 13
capítulo 14
capítulo 15
capítulo 16
capítulo 17
capítulo 18
capítulo 19
capítulo 20
capítulo 21
capítulo 22
capítulo 23
capítulo 24
capítulo 25
capítulo 26
capítulo 27
capítulo 28
capítulo 29
capítulo 30
capítulo 31
capítulo 32
capítulo 33
capítulo 34
capítulo 35
capítulo 36
capítulo 37
capítulo 38
capítulo 39
capítulo 40
capítulo 41
capítulo 42
capítulo 43
capítulo 44
capítulo 45
capítulo 46
capítulo 47
capítulo 48
capítulo 49
capítulo 50
capítulo 51
capítulo 52
capítulo 53
capítulo 54
capítulo 55
capítulo 56
capítulo 57
capítulo 58
capítulo 59
capítulo 60
capítulo 61
capítulo 62
capítulo 63
capítulo 64
capítulo 65
capítulo 66
capítulo 67
capítulo 68
capítulo 69
capítulo 70
capítulo 71
capítulo 72
capítulo 73
epílogo
agradecimentos
Este é um romance bully. Aqui você encontra o extremo do
enemies to lovers, em que os personagens não têm uma relação

saudável entre si e, como já se denomina o gênero, fazem bullying


um com o outro. Ele pode causar desconforto, contendo, além do
bullying, agressão física, psicológica e sexual. Abuso de drogas

lícitas e ilícitas. Suicídio, depressão, pânico.

Esta é uma obra de ficção destinada a maiores de 18 anos. A


autora não apoia e nem tolera esse tipo de comportamento. Não leia
se não se sente confortável com isso.
há um filtro no Instagram chamado Bad Prince Zoex, feito pela

@_lerporamor. Use-o para filmar suas reações e seus trechos


favoritos, marcando a autora.

ouça a playlist e a música feita especialmente no livro

siga a autora no Instagram, acesso o linktree e entre no canal


do telegram e não perca nenhuma novidade.

Esse livro custa menos de 10 reais na Amazon e está disponível


na assinatura do Kindle Unlimited. A autora é nacional,

independente (sem editora ou investidores) e precisa receber por

seu trabalho. Se você recebeu esse arquivo de sites ou grupos de


pirataria, saiba que você está cometendo um crime.

instagram
filtro de bad prince
linktree
newsletter
ouça caos

música feita exclusivamente para o livro


spotify
Eu jurei que tiraria férias depois de cinco anos presa a uma
série.

A Dark Hand me trouxe absolutamente tudo o que tenho hoje.

Praticamente 99% das minhas leitoras vieram através dela e


eu tinha um medo do caralho de nunca mais escrever algo que eu
olhasse e sentisse tanto orgulho.

Três dias depois de lançar Invulnerável, Conrad me pegou, e

quando digo pegar, o negócio foi quase físico. Acredite você ou não
em outras vidas, Conrad era algo meu, uma memória passada, e ele
foi exigente da primeira até a última letra.

Eu o sentia andando pelo meu escritório tarde da noite. Em

uma dessas vezes, ele me expulsou por não fazer como ele queria,
e eu precisei me reconectar e descobrir que toda aquela braveza

vinha de uma frase que escrevi e ele tinha odiado.

Nenhum personagem meu mandou tanto em mim.


Ele não me deixou planejar. Ele me acordou várias vezes no

meio da madrugada quando o meu corpo estava pronto para a


batalha nesses últimos três meses. Ele também me mandou dormir

e se debateu tanto dentro da minha cabeça, que joguei quinhentas

cenas fora e reescrevi centenas de diálogos, porque se não fizesse,


parecia que ia vomitar.

Conrad Prince trouxe o caos.

Ele me jogou de cara na parede para enxergar coisas que a

Zoe da vida privada precisava mexer com urgência e, depois dos

três meses mais intensos, dormindo duas horas por noite,


escrevendo até a exaustão, com uma refeição no dia, alguns packs

de monster de chá e maçã verde, nós nos curamos.

Eu nunca senti um alívio tão grande ao digitar a palavra FIM

em um texto.

Eu nunca senti tanta paz e orgulho por saber que, aqui, eu

entrego para vocês o que eu tinha de melhor até agora.

Eu nunca me senti tão segura para entender que: o medo de

ser só a Zoe da Dark Hand é infundado. Eu sou a Zoe da Dark

Hand, para muitas das minhas leitoras, eu sempre serei. Mas

também sou a Zoe de Singular, de Bailando no Inferno, de Azhara,


de Não Seja Uma Boa Menina, de Mirrors e de Mar aberto. Eu sou
todas essas Zoe’s de antes, mas agora, também, serei a Zoe de

Bad Prince.

Espero que vocês gostem dessa minha versão. Que vocês

também a abracem.

Ela é um pouquinho diferente das anteriores, mas ainda


acredita fielmente que o coração é rei dentro das decisões.

Se você não conseguir fazer nada disso e não gostar do que

entrego aqui, está tudo bem. Só não fecha a porta para conhecer

outro lado meu depois, ok?

Sendo assim, espero que você chegue ao final desta história


com a sorte de ter algumas feridas curadas. Eu tive.

Com muito amor e respeito,

Zoe X.
Para H.

Ninguém nunca conseguiu me quebrar mais do que


você, e talvez eu nunca tenha amado tanto alguém

quanto te amei, até que acabou.

Quando colocar o fim nesta história, encerro nossa


ligação.

Finalmente, eu te liberto, mas melhor ainda: estou


livre.
Fisicamente, habitamos um espaço, mas,
sentimentalmente, somos habitados por uma

memória. o que a memória ama fica eterno. O


passado não reconhece seu lugar: está sempre
presente.

josé saramago, adélia prado, mario quintana.


Os olhos dela faiscaram.

Fogo e fumaça.

Uma única lágrima rolou marcando o caminho úmido na


fuligem em sua bochecha.

Foi então que eu soube: Scarlet me odiava.

Me odiaria para sempre.

E não havia nada que eu pudesse fazer a não ser odiá-la de

volta.
scarlet

então me olhe nos olhos, diga-me o que você vê. paraíso perfeito se
desfazendo. eu queria poder escapar. eu não quero fingir. eu queria
poder apagar, fazer seu coração acreditar, mas eu sou um péssimo

mentiroso.

b a d l i a r, i m a g i n e d r a g o n s .

Eu nunca mais havia chorado, mas naquela manhã, quando o


despertador tocou, eu tive vontade de fazê-lo. Fechei os olhos,

respirei fundo e prendi a respiração enquanto o cansaço se

apossava das lágrimas que queriam descer, drenando cada uma


delas.
Cinco segundos depois de soltar o ar preso nos pulmões, foi

como se nunca tivesse tido aquele pensamento.

Encarei o teto com os traços pintados de preto e vermelho, me

sentindo mais refém do que nunca daquela vida e brinquei com a


língua no céu da boca antes de criar coragem para começar o dia.

Se eu tinha conseguido dormir três horas naquela noite, era

muito, mas de um jeito ruim, meu corpo já parecia adaptado para


dar o seu máximo mesmo com o mínimo de energia.

Aquele ciclo durava dias até que, finalmente, eu cairia na cama


e nada conseguiria me acordar. Eu preferia assim, pois, quando

exausta, eu quase nunca sonhava.

E se sonhava, não me lembrava. Mas nas raras vezes em que


meu subconsciente falhava em me proteger, eu sabia que o veria.

Era um tormento saber que na minha mente eu ficaria presa

com ele, e há anos eu vinha fugindo disso, mesmo que vez ou outra

fosse obrigada a voltar lá: no dia em que perdi tudo, no dia em que
ele arrancou o resto de vida de mim.

Meu primeiro horário de aula era às nove e eu poderia

facilmente enrolar um pouco mais nos lençóis, mas tinha combinado

de tomar café com Isaac. Eu precisava ir para recompensá-lo, uma


vez que ele não forçou quando ouviu minha milésima desculpa para
evitar assistir a mais um dos seus jogos de futebol.

Joguei as pernas para fora da cama, desistindo da ideia de

ficar e ter pena de mim mesma, vasculhei com a mão sobre a mesa

de cabeceira, conferindo que meu maço de cigarros já estava pela

metade e, sacudindo para que um pulasse do pacote, o prendi entre

os lábios. Acendi e traguei em um movimento natural, prendendo a


fumaça nos pulmões, conforme ajeitava o cabelo no alto da cabeça

e me levantava para ir ao banheiro.

Quando pronta, de banho tomado, dentes escovados e

vestida, conferi a escolha do dia no espelho de corpo inteiro preso à

porta do closet. Minhas botas pesadas por cima da calça jeans preta
com rasgo no joelho me faziam parecer uma rebelde. O

complemento não ajudava, já que por baixo da jaqueta de couro dos

Fierce Lions, a camisa xadrez vermelha e a regata branca não

ficavam tão à vista, mas era o bastante para enfrentar aquele

começo de outubro mais gelado do que o esperado.

Passando a mochila pelos braços, ensaiei o melhor sorriso que


podia em frente à porta, ajeitei o piercing de argola no nariz, girei a

maçaneta e deixei o único lugar seguro dentro daqueles muros para

encontrar meu namorado.


Eu era uma mentirosa de merda, ainda bem que ele não

percebia isso.

A Prince University era antiga, renomada e cara, muito cara.


Eu não era pertencente, mas fazia o meu melhor para honrar a
chance de estar ali. Suas escadas largas, seus corredores escuros,

seus vitrais góticos, torres altas e salas esquisitas, de algum jeito


sombrio e torto, se transformaram no meu lar.

Minha cafeteria favorita, a única que servia um café


colombiano decente, ficava no quarto andar. E com um cigarro na

boca, fones nos ouvidos, na melhor tentativa de passar


completamente invisível enquanto descia as escadas até lá, quase

esbocei uma reação que não deveria quando, finalmente, cheguei


ao meu destino e abri a porta.

Meu ego havia sido extinto há alguns anos. Ou talvez nunca


tenha existido, porque no momento em que notaram minha
presença, o jeito como Isaac deslizou para fora do banco das líderes

de torcida poderia ter me feito chorar.

Fingi estar distraída, fingi não o ver, e arranjei o que fazer para
que ele tivesse tempo de vir até mim. Arranquei os fones, procurei

por tempo demais o lugar onde o lixo estava para poder jogar a
bituca do cigarro fora e, finalmente, senti seu toque no meu ombro.

Eu não era baixa, no alto dos meus 1,76, quando me virei para
encará-lo, o sorriso de Isaac estava bem na altura dos meus olhos.

Ele parecia perfeito, como sempre, e ninguém diria que estava


fazendo algo de errado, minutos atrás, nem mesmo eu.

— Por um minuto… — Seus dedos vieram para o meu rosto.


Apesar de manter meu cabelo preso em um rabo de cavalo alto, as

mechas descoloridas da franja estavam soltas e ele afastou uma


delas para trás da minha orelha. A plateia suspirou por ele, não por

nós. — Achei que precisaria levar seu café no quarto.

Inclinando-se para mim, o garoto de cabelos claros e olhos


verdes me beijou.

— Eu… — me afastei e lambi os lábios, tentando pensar com


clareza, sabendo que tinha gente demais prestando atenção na

nossa interação —... não perco o café.


— É, eu sei. — Pegando na minha mão, o loiro atlético, de
sorriso divertido e olhos que brilhavam como mil estrelas, me guiou
para uma mesa distante e vazia.

Foi inevitável encarar o restante da cafeteria ao me sentar, e

eu só olhei para o meu parceiro quando ele soltou um riso baixo.

— Você ainda não se acostumou, não é? — Ele sabia que eu


odiava aquela sensação de ser observada.

— Nunca vou — admiti.

— Eles são só curiosos. — Ao contrário de mim, Isaac amava


ser o centro das atenções.

Acostumado com isso desde que nasceu, sendo quem era,


aquilo era natural para ele.

— Mas já faz quase dois anos… — Suspirei e me ajeitei

quando a garçonete veio tirar os pedidos. — Achei que uma hora ia


melhorar.

Era uma confissão inocente, idiota, mas real.

Na frente dele, todo mundo me tratava bem, mas quando Isaac


virava as costas e não tinha nenhuma testemunha, eu podia ouvir os

comentários.

“Aproveitadora.”
“Tenho certeza que morando naquela casa, ela deu para o pai
e para o filho.”

“O que ela tem demais? Vagabunda.”

E dali era ladeira abaixo.

Quando começou, jurei que aguentaria, que seria passageiro


até que algo maior acontecesse e nós saíssemos dos holofotes,

mas Isaac Prince nunca saía dos holofotes.

Ele os amava e os atraía feito a lua e os vagalumes.

Consequentemente, eu acabava estando lá, e nós nunca nos


tornamos irrelevantes.

— Isso te faz repensar sobre nós? — A pergunta era sutil, mas


feita com tanta constância que eu precisava me controlar muito para

não gritar com Isaac.

— Não. Mas e você? — Ergui os olhos para os dele e sua


expressão séria era a mesma que havia conquistado minha

confiança.

— Jamais. Você sempre será minha. — De novo, sua mão

buscou meu rosto e eu deixei que ele acariciasse minha bochecha.

— Então estamos resolvidos. — Sorri, tentando relaxar um


pouco antes do café ser servido, me afastando do contato físico que
às vezes era incômodo pra caramba. — E como foi o jogo ontem?

Soube que os Fierce Lions acabaram com os Birds of Prey.

— Soube como? — Ele ficou levemente tenso e eu não

entendi o motivo.

— Os fogos pela minha janela eram laranjas, além de que, os

gritos pelos corredores do pessoal voltando não me deixavam

cochilar.

— Ah, isso. — Isaac relaxou. — Acabamos com eles, é

verdade. E com isso, vamos ter uma boa festa no campo em


comemoração amanhã, o que acha? Meu pai disse que é ano de

anunciar o Torneio das Espadas, então...

— Torneio das Espadas? — Quis rir do nome ridículo. —


Vocês vão mesmo duelar?

— Não, baby. — Ele riu da minha expressão. — Hoje em dia o


torneio é entre as fraternidades e com todos os esportes possíveis.

— Hm… em quantos você vai disputar?

— Futebol, basquete, nado, corrida e o que mais aparecer…

Mas e você?

— Eu? — Juntei as sobrancelhas e franzi os lábios, negando

com a cabeça. — Você sabe que tenho dois pés esquerdos.


— É, mas você mata qualquer um no videogame. É melhor do

que eu. — Nosso café foi servido. O meu era um copo grande de

viagem, o dele um prato completo e um belo suco de laranja. —


Quero que você participe da competição.

— Amor, eu… — Tentei fugir, mas Isaac me encarou do modo

mais pidão e irresistível.

Meu namorado era lindo, meu único amigo naquela merda de

lugar, e ele sabia muito bem como arrancar as coisas de mim, já que
eu odiava desapontá-lo.

— Por mim, por favor. — Ele era profissional em fazer cara de

cachorrinho que caiu da mudança. — Preciso exibir minha


namorada superinteligente e rainha dos controles.

— Eu não sei… — Minha voz saiu baixa, um sopro, e tentei


encarar a janela, vendo o gramado vazio naquela manhã.

— Por favor, Scarlet. — A mão dele veio para as minhas e eu

suspirei. — Prometa que vai pensar.

— Certo. — Voltei minha atenção para nossas mãos e

perguntei, encarando-o: — Quando as inscrições abrem?

— Amanhã. — Conseguindo o que queria, o toque foi

interrompido. — Parece que hoje à noite tem alguma coisa


acontecendo com os Vipers. — O desprezo no meio-sorriso que ele

abriu quando mexeu nos ovos com o garfo me deu um frio na


espinha.

Era para eu ser uma Viper, mas escolhi os Lions porque não
tinha estômago para ver a desaprovação nos olhares de Isaac e do

senhor Prince. Não quando todos os Prince eram Lions e tinham

orgulho disso.

— Alguma coisa, tipo? — A curiosidade atiçou dentro de mim.

— Não faço ideia, mas seria bom você me prometer não sair
do seu quarto. Sabe que aqueles idiotas não têm limite, e não quero

nenhum deles podre de bêbado ou sabe mais lá o que esses idiotas

usam, pegando você fora do seu quarto depois do toque de

recolher…

— Não vou sair. — Mordisquei o lábio depois do primeiro gole

de café. — Eu tenho muito trabalho a fazer.

Mesmo que nenhum deles fossem meus.

A verdade era que, se alguém desconfiasse, eu estava na


merda, mas havia um servidor onde eu era contratada de forma

anônima para fazer trabalhos da graduação. O pagamento era feito

na entrega, dentro do horário do toque de recolher, e era com


aquele dinheiro que eu planejava ter um futuro em outro país, do

outro lado do oceano.

A América me esperava. Eu seria uma enfermeira das boas.

— Sempre tão responsável… Você é um anjo, Scarlet. —

Isaac sorriu com os olhos e colocou uma das pernas entre as


minhas. — Mas ainda quero saber quando terei minha namorada

em uma noite dessas… — O suspiro era uma chamada de atenção.

Eu o amava, mesmo.

Não via a possibilidade da vida com outra pessoa que não ele.

Isaac era meu parceiro.

Ele me protegia como podia e, de longe, era meu único amigo,

mesmo que o tempo entre nós fosse escasso.

— Acho que esta semana… Pós-festa? — Era uma merda

aquele clima de fugir do contato íntimo. Mesmo que nós já


tivéssemos feito coisas, minha virgindade estava intacta.

Nunca parecia a hora certa.

— Perfeito. — O rosto dele se iluminou.

— Certo. — Olhei para o relógio do visor do celular, notando


que eu tinha quinze minutos para atravessar o prédio e suspirei,
afastando a cadeira da mesa, puxando o maço de cigarros do bolso

da jaqueta.

— Você não diminuiu, não é?

Como era atlético e todo geração saúde, Isaac odiava me ver


fumando.

— Claro que diminui — menti, segurando o maço nas mãos. —


Antes, eu fumava dois desse, hoje em dia um anda bastando. —

Querendo evitar mais uma discussão, ainda mais em uma manhã

tão proveitosa, me levantei carregando o café na mão livre e me

curvei sobre ele.

O cabelo loiro bem-penteado e modelado com o gel tinha um

cheiro bom, e eu o aspirei ao máximo quando beijei sua testa. Desta


vez, Isaac não foi tão rápido, ou discreto. Suas mãos me puxaram

pela bunda contra si e eu quis rir, mas não tive tempo porque seu

rosto se ergueu, sua língua forçou a entrada na minha boca e

suavemente fez com que minha respiração acelerasse. Eu não era


imune ao charme dele, nem sobre sua habilidade.

Quando meu corpo todo esquentou a ponto de eu querer me


livrar da jaqueta, soube que era hora de me afastar.

— Eu te amo — sussurrei entre o beijo.


— Eu também. — A correspondência me fez sorrir, e quando
ele selou os lábios sobre os meus, precisei de muito esforço para

soltar meus braços que estavam em volta do seu pescoço e

caminhar para fora da cafeteria sem olhar para trás, sabendo que a
plateia animada agora me xingava mentalmente.

Foda-se. Nós seríamos para sempre.

Isaac era o único que merecia o meu amor.

O som estrondoso do lado de fora quase meia-noite me fez


colocar o travesseiro sobre o rosto e gritar. Eu queria muito dormir.

Já havia acabado com meu maço de cigarros, tomado um dos


comprimidos que o último médico com quem me consultei mandou,

mas o sono não vinha de jeito nenhum. A única coisa que eu sentia
era uma vontade incontrolável de fumar e uma fome que parecia ter
grudado meu estômago nas costas.

Mais um grito do lado de fora e eu desisti de ser uma boa


menina.
Se fosse pega nos corredores, ganharia uma advertência, mas
justificar a fome junto da minha média global não mancharia em
nada meu histórico. Para minha desculpa ser ainda mais crível, nem

tirei a calça de moletom cinza. Enfiei os pés com meia nos chinelos,
coloquei a jaqueta sobre os ombros, soltei o cabelo, e com o
dinheiro no bolso, saí.

O único lugar para comer àquela hora era o refeitório.

Eu já o tinha enfrentado mais cedo, mas com tanto trabalho


para fazer, mal comi e agora pagava por isso. Desci todos os lances
de escada brincando com o zíper da minha jaqueta, morrendo de

medo de ser pega e, finalmente, cheguei ao térreo.

A porta de entrada do prédio, com mais de três metros de


altura, estava aberta.

Estranhando, me aproximei e encarei o gramado pouco


iluminado sendo castigado pela chuva. A vontade de ir lá para fora
me mordeu os calcanhares, mas parei antes de descer o primeiro

degrau quando ouvi o som de uma trombeta.

Era de dentro que vinha aquele barulho todo?

— Não pode ser… — soprei, indignada.


Aquele som era ouvido apenas no primeiro dia de aula, quando
o encerramento das divisões das fraternidades acontecia. Era algo
que só ocorria em setembro, no começo do ano letivo, não fazia

sentido estar tocando quase um mês depois.

A trombeta tocou de novo e vinha das portas do grande salão


fechadas às minhas costas.

Eu tinha que entrar lá de qualquer jeito, precisava comer, mas


algo me dizia para não fazer.

“Suba as escadas, volte para sua cama, beba água da torneira

para tapear a fome”, o instinto soprou nos meus ouvidos, mas


ignorei. A curiosidade era grande demais para voltar pelo caminho
que havia feito.

Eu não tinha andado tanto por nada.

Atravessei a curta distância de um portal ao outro, pousei a


mão na porta, e então a cabeça, tentando ouvir algo de lá de dentro.
Era uma bagunça sem fim, mas por quê? Festas ali eram proibidas

quando não oficiais. E se eram oficiais, por que não era aberta para
todo mundo da faculdade?

Empurrei um pouquinho a porta gigantesca para espiar lá

dentro, mas no segundo seguinte em que a forcei, alguém do lado


de dentro a puxou.

A madeira rangeu, a porta se escancarou e fui atingida em

cheio por toda a informação que meus olhos enxergaram. Eu


deveria ter corrido quando vi o primeiro desenho de serpente, mas
minha única reação foi congelar no lugar.

Havia fogo lá dentro e não era pouco.

Eu quase me mijei tentando entender o que acontecia.

Havia alunos por todo lado, vestidos de verde, prata e preto.

Capuzes na cabeça, a serpente envolta no crânio por todo

lado.

Um aro de fogo no meio de tudo, e o meu pior pesadelo


acontecendo.

Era ele, sozinho, parado no meio da sala.

Os olhos pretos como carvão me aprisionaram no lugar.

Minha boca se encheu do gosto amargo do ódio.

Meu coração martelou nos ouvidos e minhas veias arderam no


segundo em que ele me reconheceu. Eu o vi atravessar o fogo,

vitorioso, sem sorrir. Pior ainda, enquanto sua nova turma vibrava,
ele continuou a andar na minha direção.
Ele não estava saindo deliberadamente, estava vindo para

mim.

No último segundo, piscando, sabendo que aquilo era real,


minha reação foi uma só:

Eu corri.

Corri como se minha vida dependesse da maior distância que


conseguisse manter dele, e só parei com os pulmões explodindo,
dentro do meu quarto, com a porta muito bem trancada.

Curvei-me sobre os joelhos, escorregando para o chão, sem


saber se chorava ou se gritava e, conforme tentava me acalmar e
me convencer de que aquilo era uma alucinação causada pela fome

e o medicamento, meu celular vibrou no meu bolso.

Eu voltei,
Red.

Tapei a boca, segurando o grito, mas não tive tempo de fazer


mais nada antes de ver outra mensagem pular vinda do mesmo

número.

E vou fazer da
sua vida um
inferno.
Eu não tinha dúvidas de que ele conseguiria.

Na verdade, ele já tinha feito.


Conrad

nada é divertido, não como antes. você não me deixa bem, não
mais. costumava tomar um, agora é preciso quatro. você não me
deixa bem, não mais.

you don’t get me high anymore, three


days grace.

Era ela.

Soube no instante em que vi as chamas refletidas nos olhos


verdes assustados me encarando, em choque. Inevitavelmente, a

segui como um caçador que reconhece sua presa, que está pronto

para acertá-la. Mas Scarlet se recuperou mais rápido do que deveria


e fiquei parado na porta, vendo sua corrida desengonçada para

longe.

Quis rir.

— Não adianta correr quando não há onde se esconder,


desgraçada — falei tão baixo quanto um murmúrio e fiquei

encarando o final do corredor por onde ela havia sumido.

— Ei, o que tá fazendo? — Thomaz colocou um dos braços

sobre o meu ombro e olhou na mesma direção que eu. — Quem

era?

— Quem você acha? — Meu meio-sorriso o fez abrir a boca.

— O que Scarlet faria aqui, tão tarde? Ela odeia ser notada.

— Ela sabia que eu vinha? — perguntei para ele, voltando

para dentro.

— Não. — Meu melhor amigo negou com a cabeça. — Fiz


questão de guardar esse segredo de todos, até de Bella. Inclusive,

você vai ficar puto comigo se eu disser que fodi com ela algumas

vezes durante esses anos que esteve longe?

Meus olhos foram do garoto de cabelos escuros para a morena

de cabelos curtos, maquiagem pesada e corpo esculpido.

— Nenhum pouco. — Eu não poderia me importar menos.


Roubei um cigarro do bolso de Thomaz, o acendi, traguei, e
ainda olhando para o escuro, soltei a fumaça para cima, tombando

um pouco a cabeça.

— Que bom, porque tenho certeza de que ela tem algo para te

dar de boas-vindas, e isso vai além de uma boa chupada.

Ele se afastou para comandar a mudança de lugar da festa


para a sala da fraternidade, e aproveitei o momento sozinho para

mandar duas pequenas mensagens no número que eu havia

conseguido fuçando a agenda do meu pai quando decidimos que eu

viria para essa merda de lugar.

A sala verde, prata e preta, revestida de pedras escuras era

maior do que eu me lembrava na infância, nas raras visitas que fiz

até ali. Agora, em uma noite de festa, o lugar estava lotado, o som

no último, e eu era um deus.

O primeiro Prince a escolher os Dangerous Vipers.


Meu pai já tinha me xingado ao telefone mais cedo, quando

avisei para onde as minhas malas iam, mas não me importei. Na


verdade, foi até divertido irritar o velho.

Naquele minuto, eu tinha Bella dançando à minha frente,


esfregando a bunda no meu pau, Thomaz ao meu lado, fumando um

baseado e rindo de algo que eu não tinha entendido, e várias


pessoas vindo me cumprimentar.

— É verdade que você veio para cá porque matou um cara? —

uma garota chapada demais perguntou e eu não respondi. Aquela


era só mais uma suposição idiota do porquê eu havia sido expulso
da faculdade francesa.

Eu não me importava. Adorava os boatos e quanto piores,

melhor para mim.

Os únicos que sabiam a verdade eram Thomaz e Bella.

Os dois estavam comigo há anos, e mesmo que não

soubessem tudo de mim, eram os mais próximos de amigos que eu


tinha.

Depois de um tempo naquela barulheira, com meu amigo se

divertindo com a garota chapada, resolvi que era minha vez. O


tempo foi gentil com Bella. Ela era ainda mais gostosa do que na
adolescência e como eu tinha tirado sua virgindade, meio que nunca

houve uma pausa nas vezes em que queríamos transar. Ela nunca
teve um compromisso, eu também não. Quando a virei para mim,

prendi seu corpo no meu, tendo seu olhar preso ao meu rosto, vi o
sorriso surgir quando abaixei a cabeça na direção dela.

O beijo de Bella tinha gosto de menta, cigarro e o pequeno


amargor do MD que vi ser compartilhado entre algumas garotas. O

ritmo era acelerado, seu corpo pulsava contra o meu. Seus peitos
grandes e macios contra mim denunciavam que ela não negaria

partir logo para os finalmentes, mas em um momento de completa


insanidade minha, como não acontecia há muito tempo, abri os

olhos e, olhando para Bella, eu não a enxerguei.

De repente, eu vi cabelos ruivos, olhos verdes, mais sardas do

que poderia contar e, meu pau que já começava a pesar na calça,


perdeu toda e qualquer vontade de continuar.

Não. Você não vai me infernizar assim — pensei, fechando os

olhos para beijar Bella ainda mais profundamente. Ainda assim, a


visão de Scarlet de anos atrás brilhou na minha mente.

Desgraçada, filha de uma puta.


— Preciso de um minuto — pedi, empurrando a morena para
longe.

Visivelmente em transe, com a respiração descoordenada e os


lábios inchados, Bella concordou sem entender, mas era tarde

demais para ela tentar discutir qualquer coisa porque, em meio


segundo, eu já tinha me enfiado no meio da multidão.

O ódio mais uma vez me consumiu. A sala da fraternidade


dava acesso a um pequeno corredor numa porta que se abria para

os quartos, e fui nessa direção. O meu era o último, privado,


discreto e com um diferencial especial. Quando abri a porta, com o
isqueiro na mão, brincando com fogo mais uma vez, tentando

relaxar ao tilintar do som do abre e fecha da tampa de metal, sabia


que não conseguiria dormir.

Coloquei um cigarro na boca, ergui as mangas da camiseta até

os cotovelos e arranquei o fundo falso do armário, indo para minha


sala secreta. As caixas que eu havia deixado ali mais cedo para
meu pequeno laboratório ainda não haviam sido mexidas.

Aquela porra me faria rico. Independentemente do que meu

sobrenome poderia me proporcionar, se é que até o final daquele


ano letivo meu pai ainda me consideraria seu filho, seria minha
dedicação e inteligência que me levaria longe. Era mérito meu.

E tentando distrair a cabeça, sabendo que o dia seguinte seria


cheio, comecei a organizar minha pequena fábrica de diversão.

— Você está atrasado. — Meu pai nem mesmo ergueu o rosto


para me cumprimentar naquela manhã. E eu sabia que um dos

motivos disso era que, agora, eu exibia a jaqueta de couro com o

desenho dos Viper de maneira orgulhosa.

— Nem notei — comentei, me jogando no sofá, colocando as

botas sobre a mesa de madeira cara à minha frente.

Eu sabia que estava atrasado. Na verdade, fiz questão de

começar a me arrumar na hora que ele disse para estar em sua

sala. A consequência disso era o prazer de ter empacado seus


compromissos da manhã, uma vez que ele lia uma pilha de papéis e

assinava compulsivamente.
— Conrad — ele parou por um minuto, tirou os óculos e me

encarou como se eu fosse um marginal —, sei que você não está


acostumado com regras, mas aqui elas valem para você tanto

quanto em qualquer outro lugar.

— Qual é, pai? Me chamou até aqui para fazer coisa errada e

quer que eu seja o bom moço na luz do dia?

Quis gargalhar.

John Prince, o reitor, o dono do mundo, sabia que eu tinha sido

um erro.

Mas ele me devia. Devia muito. E seu modo de lidar com isso

era me tratar como a porra de um sociopata que eu não era. O

odiava, mas nem sempre foi assim.

Eu tinha uma mágoa absurda dele, mas um dia tive esperança

de dias melhores e carinho pela figura que acreditei que pudesse


me proteger. Eu não era um monstro, tentasse ele fazer eu acreditar

nisso ou não. No fundo, ele devia saber que o monstro era ele, e

agora que eu estava de volta, com certeza o faria enxergar.

— Não falei disso aqui. — O tom nervoso era o ponto alto. —

E, sim, vai seguir as regras durante o dia, além do mais, você não
deveria exibir essa droga de símbolo com tanto orgulho. — Ele

quase cuspiu.

— Só porque não sou um maldito leão, vai me deserdar? —


provoquei sorrindo, mas não com os olhos.

— Você sabe da fama dos Vipers, e ninguém dessa família


escolheu ir para lá, nunca.

— Não sei qual a sua surpresa, pai. — Pesei o tom de voz,

entediado. — Eu não sou da sua família, e é uma honra ser


diferente do restante de vocês.

— Eu já disse, moleque, aqui você precisa andar na linha,


ou… — ele me ameaçou, apontando com os óculos na minha

direção.

Aquilo me irritou. Me sentei na beirada do sofá e endireitei a


coluna, encarando-o de igual para igual. Meu pai sabia muito bem o

motivo de eu ter voltado e, mais do que isso, ele me queria ali e

precisava de mim. Sua capa de homem honrado na sociedade era


um disfarce que eu poderia arruinar a qualquer minuto.

— Ou o que, John? — Minha ameaça foi recebida em um


silêncio mortal.
Ele não queria admitir em voz alta a podridão que ele mesmo

havia deixado se instalar dentro daqueles muros. E, pior ainda, não


queria enxergar que havia colocado o próprio filho para cuidar de

algo tão perigoso e sujo por puro abuso de poder. — Você não me

assusta mais, então eu te aconselho a cuidar da própria vida e não


me provocar.

Meu pai parou, me analisando friamente, não entendendo

quem eu era.

Fazia cinco anos desde que nós tínhamos nos visto antes da

minha volta, e eu não era mais o garoto assustado e medroso que


ele mandou para longe.

O som de batidas na porta foi o que fez nosso contato visual

quebrar, e quando eu vi quem entrava, senti meus dedos coçando


pelo meu isqueiro ou por um cigarro.

Isaac congelou quando me viu.

Covarde do caralho — pensei.

— Conrad — ele cuspiu meu nome quando se recuperou, mais


rápido do que sua namoradinha de merda. — O que faz aqui?

— Não é da sua conta — respondi, mas meu pai falou por


cima:
— Conrad está aqui para estudar.

— E ninguém me avisou? — Isaac impôs ao meu pai e, tendo

o mesmo poder da vadia da sua mãe, nosso pai não o respondeu.

— Eu não sabia que você precisava de um memorando —

provoquei.

Meu irmão se aproximou cauteloso, com as mãos nos bolsos

da calça de moletom, me analisou de cima a baixo.

— É melhor fazermos isso direito. Agora é um Viper, não?

Podemos nos dar uma trégua antes que as coisas saiam de

controle. — Meu pai não se intrometeu. Desde que ninguém saísse


morto, a universidade contava com o bom senso dos alunos e suas

castas para a ordem tomar conta daqueles corredores.

Sabendo que a preocupação de Isaac era o que eu poderia


causar a ele e sua namorada, respirei fundo e me ergui, encarando-

o de cima, eu era bons vinte centímetros mais alto do que seu um

metro e oitenta e quatro.

— Tem mais alguma coisa com que eu possa ajudar, John? —

perguntei ao meu pai, sem tirar os olhos de Isaac.

— Não. Pode ir. Se precisar, mando chamar.

— Certo.
Dei o primeiro passo, mas meu irmão não se conformou. Ficou

no meu caminho e ergueu a mão.

— Nossa trégua, o que diz? — Ele ia mesmo se humilhar tão

cedo?

Encarei sua mão, o meio-sorriso surgindo involuntariamente no

meu rosto.

Ali tive plena certeza de que o ódio que sentia por cada um

dos Prince era o mais genuíno possível.

— Cara… nem se você chupar meu pau tão bem quanto sua
namorada vai fazer.

E dando uma boa ombrada nele, tirando-o do caminho, eu saí


do escritório do meu pai, sabendo que lá dentro Isaac começava a

pirar só pela ameaça da minha presença.

Talvez, contudo, voltar não tenha sido uma má ideia — pensei.

O sabor de perturbar e foder quem fez de mim miserável a vida

toda era saboroso demais para deixar passar tão rápido assim, e
sabendo disso, fui atrás do alvo que me interessava no momento.

Scarlet ia querer deixar o próprio corpo para fugir se

dependesse de mim.
scarlet

minhas lágrimas estão sempre congeladas. eu posso ver o ar que


respiro. tenho meus dedos desenhando imagens no vidro em minha
frente. deite-me junto ao rio congelado onde os barcos passaram

por mim. tudo que eu preciso é me lembrar de como era me sentir


viva. dias silenciosos, perseguição violenta. nós estamos dançando

novamente em um sonho, à beira do lago.

winter bird, aurora

cinco anos atrás


— Finalmente, só falta uma semana para as férias. — Ouvi

minha irmã declarar sobre o banco onde eu estava com as costas


apoiadas. — Você acha que o vovô vai me deixar viajar com a

família da Emily?

Eu sabia a resposta, mas era uma que Susan não gostaria de

ouvir, então respondi em um sussurro:

— Não sei…

A reação explosiva dela não poderia ser outra.

— Você nunca sabe de nada. — O tom amargo e agudo foi a


última coisa que ouvi antes dela levantar e se afastar.

Não reclamei. Queria ficar sozinha. Queria continuar a


observá-lo secretamente sobre as páginas do exemplar de O morro

dos ventos uivantes que eu lia.

Conrad Prince não me notou.

Qualquer um raramente notava e aproveitei daquela condição

para observá-lo atentamente.

Eu tinha quatorze anos, ele tinha dezesseis.

Eu era invisível. Ele era o garoto mais popular do colégio,

talvez mais popular que o próprio meio-irmão.


Mas mesmo parecendo ter a vida perfeita e não ligar para
nada ao redor, eu sabia que havia algo de errado com o príncipe

bastardo.

Seu cabelo preto como petróleo tinha um corte rebelde que

combinava muito com ele. Sua pele, o que era exposto, era tão

branco quanto a camisa que usava. E ao contrário de todos os

outros que erguiam as mangas na primeira oportunidade, notei que


Conrad nunca exibia os braços.

Nunca.

Não importava o calor que fizesse, ele sempre se mantinha

coberto.

Com o tempo, isso e outras coisas me fizeram gastar tempo

demais procurando-o em segredo. Ele era uma boa distração, e

enquanto aquilo fosse algo sigiloso e discreto, eu não teria

problemas. Vi Conrad mais vezes do que poderia contar com seu

isqueiro prateado nas mãos, brincando com os dedos sobre a

chama, ou colocando fogo em alguma coisa deliberadamente.

Lixeiras eram seus alvos favoritos pelo que eu tinha notado.

E enquanto ele assistia ao fogo dançando, eu contemplava sua

beleza como se fosse proibida, errada, até um pouco sombria. As


mãos de Conrad eram minha perdição. Os dedos simétricos e a

forma como eles manipulavam o pequeno objeto de metal me


deixavam absorta por horas, tanto que, mesmo depois de olhá-las

por várias vezes durante o dia, eu chegava em casa e as desenhava


no caderno de desenhos que mantinha sob minha cama.

E eu focava tanto assim em suas mãos porque, de uma forma


ridícula e imatura, eu não aguentava olhar em seus olhos.

Tentei uma única vez, mas ele notou que era observado e

quando me achou, mesmo com mais um romance que eu havia


alugado na biblioteca entre nós, mesmo que tenha sido por menos
de cinco segundos, foi como ser pega por um buraco negro.

Eu não consegui desviar o olhar, mesmo querendo muito.

Conrad me atraía me puxando direto para sua órbita. Era

assustador. Ainda mais quando aqueles olhos tão escuros faziam


parecer que ele podia ler minha mente.

Depois daquele dia, eu os evitei a todo custo, e dessa vez eu


não fiz diferente.

Olhava para ele todo, mas escapava dos olhos que tudo viam

e tudo sabiam.
— Droga — minha irmã bufou, voltando para o banco sabe lá

Deus quanto tempo depois. — Acho que não vou ter alternativa,
além de passar as férias toda trancafiada com você.

Eu não entendia o desprezo na voz de Susan.

Queria acreditar muito que era apenas uma reação passageira


por todo o nosso histórico, mas começava a duvidar que tivesse

estômago para aguentar mais um ano todo daquilo.

Minha irmã parecia me odiar cada vez mais desde a morte dos
nossos pais.

Há três anos, em um acidente envolvendo moto, ponte e água,


mamãe e papai deixaram o mundo dos vivos sem ninguém estar

preparado para lidar. Nem nós, as filhas deixadas para trás, nem
meu velho avô paterno, o militar de coração mais mole que eu já

havia conhecido.

Susan e eu saímos de uma casa confortável no interior da


Inglaterra direto para Edimburgo, para a casinha do número treze na
rua das samambaias, onde passamos a dividir o banheiro com

nosso avô e entender que a dinâmica familiar seria completamente


diferente.
Papai era muito bom em controlar o gênio de Susan, mamãe
era melhor me encorajando a colocar os sentimentos para fora, mas
nosso avô não tinha nenhuma experiência com meninas

adolescentes e estávamos nós duas de novo em nossas bolhas.

Ela na dela, cheia de ressentimentos e ódio; e eu na minha,


onde falar em voz alta qualquer pensamento era sinônimo de
confronto.

E o ódio e a frustração da minha irmã foi numa escala

crescente naquela semana.

No penúltimo dia de aula, depois de chegarmos em casa e


darmos conta das tarefas, vovô chegou para o jantar e foi recebido
com mais lamentos de Susan.

Era estranhamente confortável assistir àquela cena como se

não fizesse parte dela, e escapando de Susan, sabendo que


precisaria de boas distrações no verão, aproveitei o horário do

intervalo do dia seguinte e fui até a biblioteca.

— Olá — cumprimentei a mulher atrás do balcão. — Qual a

quantidade de livros que posso retirar para o verão?

— Cinco — respondendo, completamente entediada, a mulher


de pele oliva e olhos cansados nem mesmo ergueu o rosto de sua
revista de moda.

— Há alguma chance de conseguir mais? — Tentei ser gentil,

mas isso me fez ganhar um olhar de reprimenda.

Era um alto e sonoro não para quem sabia entender os sinais


e eu logo fugi dela, sabendo que precisaria de mais do que cinco

livros para sobreviver.

Enfiei-me entre os corredores, analisei cada um dos títulos,

pesei qual deles deveria levar e, no final, todos os romances

clássicos que ainda não tinha lido estavam na minha pilha, menos o
meu favorito.

Já havia lido e relido O morro dos ventos uivantes pelo menos


quinze vezes.

Sabia a história de trás para frente e, ainda assim, toda vez

que lia, o sentimento de loucura, de pena, de compreensão e de


ódio estavam lá.

Amava aquele poder de mexer com os sentimentos que só


boas histórias tinham, e não resisti. Quando passei pela edição

gasta e bonita do meu livro favorito, olhei em volta e me estiquei

para pegá-lo.
Alguém o tinha colocado na prateleira mais alta e eu, apesar

de não ser tão baixa, não alcançava.

Tentei com afinco, fiquei na ponta dos pés, cheguei a pular

para tentar puxá-lo.

O plano era enfiá-lo na mochila discretamente e finalmente não

precisar devolver.

E eu estava certa de que faria aquilo sem problemas até que,

por cima da minha cabeça, a mão branca que parecia ter sido

esculpida em mármore atravessou o espaço entre mim e o livro e o


pegou.

Eu congelei.

De repente, cada célula minha ficou ciente de que Conrad

Prince estava atrás de mim.

O efeito sobre minhas bochechas foi imediato. Senti o rosto

queimar, assim como o pescoço e as juntas dos braços. Tudo

parecia desconfortavelmente em chamas.

Ele retirou o livro, ouvi o barulho das folhas sendo folheadas e

respirei fundo, fechando as mãos em punho coladas ao corpo.

— Emily Brontë? — A pergunta me fez, pouco a pouco, girar o

corpo.
Meus olhos fitaram a gravata mal colocada, o meio-sorriso

divertido e o livro em suas mãos.

Confirmei com a cabeça, sem conseguir achar minha voz.

— Nunca li. — A voz dele era baixa e muito intimidadora para

um garoto de só dezesseis anos.

Conrad não olhou para mim, mas sim para as páginas.

Para as marcações que eu havia feito nos rodapés e no


próprio texto.

Levou pelo menos um minuto até que ele fechasse o livro e o


oferecesse a mim.

Ergui a mão, me sentindo uma idiota por tremer tanto e,

mordendo a ponta da língua a ponto de me machucar, peguei o


exemplar do meu romance favorito tomando cuidado para não tocar

em seus dedos.

Ele pareceu querer rir, e eu cometi um erro.

Ergui os olhos e encarei sem nenhuma proteção o rosto de

Conrad.

Seus olhos escuros eram ainda mais intensos tão de perto. A

íris se confundia facilmente com a pupila e eu não sabia o que era o


que sob os cílios grandes, escuros, tão contrastantes com o resto

dele.

Conrad parecia de mentira, de tão bonito que era.

Meus pulmões não aguentaram e precisei soltar o ar. Caí na

besteira de respirar fundo de novo e fui atingida pelo cheiro de

cigarros com amaciante e sabonete. Não esperava que ele tivesse

aquele cheiro. Era incrivelmente bom. Bom demais.

Ele era assustadoramente belo e hipnotizante, ainda mais com

a luz vinda do vitral acima de nós caindo sobre seu rosto. Eu sabia
que não poderia deixar aquilo passar, e enquanto permitia Conrad

me ler como bem entendesse, gravei cada mínimo detalhe dele para

reproduzir mais tarde.

Levou menos de trinta segundos para que ele soltasse logo o

livro na minha mão, e parecendo incomodado, seu rosto se fechou,

a sombra do sorriso sumiu e os olhos se estreitaram, e no meio do


meu silêncio, aproveitando os últimos segundos que tinha para vê-

lo, assisti a Conrad Prince virar as costas como se não tivesse

acontecido absolutamente nada e eu fui coberta novamente pelo

manto da invisibilidade, afetada demais para fingir qualquer coisa ou


correr.
Achei que renderia mais, mas mesmo lendo absurdamente

devagar, acabei com os primeiros três livros que havia pegado na

primeira semana das férias. O tempo, como prometido, começava a


esquentar muito e, na segunda semana, aquela tarde de terça

parecia chata demais para passar dentro de casa.

O bairro onde morávamos era simples, mas cheio de crianças.

A parte de trás da casa dava para o que deveria ser um

parque, mas pela preguiça do governo, os moradores se


esforçavam para manter a grama baixa e o riacho que passava ali

limpo. Com o esforço da comunidade, conseguiram montar uma

quadra, balanços e bancos, o que foi oportuno, já que, com o meu

exemplar de O morro dos ventos uivantes roubado debaixo do


braço, eu queria algum lugar minimamente confortável para sentar e

ler, e o encontrei no balanço próximo ao riacho, preso no galho

grosso da árvore onde minha irmã e suas amigas estavam sentadas


no único banco sob uma boa sombra, observando os meninos
jogando basquete na quadra, na outra margem. Meus olhos miraram

rápido, reconheci quase todos os rostos, mas os que se destacaram


foram os dos irmãos Prince.

Engoli a seco a última experiência esquisita com Conrad e me

obriguei a encarar as letras do livro, mas, de repente, as palavras


pararam de fazer sentido e a conversa ao meu lado ganhou voz.

— Como Conrad aguenta se manter debaixo daquela roupa


nesse calor? — uma das amigas de Susan que eu não me

importava de saber o nome, perguntou.

— Eu acho que ele é tímido. Tem todo aquele Q misterioso,


sabe? Eu adoraria descobrir o que ele esconde ali… — minha irmã

disse e eu precisei me segurar para não revirar os olhos.

— Acho que vou convidar Isaac e Conrad para viajar. Meu pai

quer garantir meu lugar na Prince University e o jeito de estreitar o

laço vai ser esse… — Heather, a loira de olhos verdes e lábios finos,

comentou.

— E para onde vocês vão? — perguntei. Não deveria, mas não

aguentei.

— Provavelmente, para a França. — Ela era a menos cruel

das garotas mais velhas e sempre era gentil comigo. — Vocês


poderiam vir junto. Meus pais não se importariam.

E aí, a merda aconteceu.

Era alguém mais velha, rica e popular convidando a mim para

um ambiente que Susan acreditava que só ela merecia pisar.

— Ela não vai! — Foi a primeira reação da minha irmã e todos


nós nos assustamos.

As crianças em volta pararam de correr para assistir. Susan se


ergueu sobre mim em dois segundos.

Quando me dei conta do que acontecia, estava meio que de

pé, com o livro contra o peito, usando-o de armadura, caso ela


tentasse encostar em mim.

— Por que não posso? — A minha resposta foi uma só, baixa,
chateada.

Não era justo que minha irmã me odiasse de graça.

— Você não vai! — ela gritou mais alto.

Mais atenção.

Fechei os olhos, sentindo algo queimar nas minhas costas e


tive medo de que fosse o olhar dele.
— Susan, ela tem o direito de ir, eu a convidei. — Heather
tentou ser sensata, mas nem assim minha irmã se conteve. O que
era raro, porque na frente das amigas, ela tentava só ser pouco

cruel comigo e me ignorar grande parte do tempo.

— Eu não vou ter você como distração. — A cada palavra,


carregada de desprezo e raiva, Susan dava um passo para frente, e

eu, sem opção, dava um para trás. — Você não vai roubar mais
atenção, você não vai acabar com a minha chance! — ela gritou
com o rosto contra o meu.

Seus olhos castanho-claros brilhavam cheios d’água,

avermelhados. Sua boca era uma linha fina, ela era mais alta que
eu, mais forte também, mas o que me assustava era a aura quente

e maligna sobre mim.

Era sufocante estar perto dela naquele segundo.

Era horrível perceber que minha irmã tinha uma mágoa de mim
que eu nem sabia o motivo.

— Susan, eu… — Queria me defender, mas tinha medo.

— Chega. Nem tudo é sobre você, ou para você.

Nesse minuto, a lágrima grossa rolou por seu rosto e nós


estávamos na margem.
Sua mão no meu ombro era dura, e quando me empurrou,
meus pés não tiveram apoio algum. Eu caí de costas, com o livro na
mão, dentro do riacho de correnteza forte, e o pior de tudo é que eu

não sabia nadar.

O choque da água gelada no meu corpo expulsou de vez o ar

nos meus pulmões. Eu tentei bater os pés e os braços, mas não


parecia certo. A correnteza me balançou, algo bateu no meu braço.
Meu coração parecia que ia explodir.

Eu não queria morrer.

Tentei mais uma vez ir para cima, precisava de ar, mas não
tinha no que eu me agarrar e não tinha como procurar onde firmar
os pés para pegar impulso.

Meu pulmão queimava, eu queria respirar, mas a água entraria


e acabaria com tudo.

Minha visão escureceu rápido demais. Eu precisava tentar,

mas o peso nos meus membros era demais, até que, por um
milagre, alguém pegou minha mão.

Eu não conseguia enxergar direito, mas não podia ser mais

grata.
Minha cabeça emergiu fora d’água.

Sorvi o ar desesperadamente.

Havia água na minha boca e eu tossi.

Ainda assim, a mão que me mantinha com a cabeça fora


d’água não me deixou.

Estava de costas para o meu salvador, com seu braço no meu

peito, me puxando junto de si conforme nadava para a margem.

Ninguém nos ajudou a sair da água, mas ele não parecia


precisar de ajuda.

O garoto de cabelos pretos me jogou para terra firme e pulou

ao meu lado como se não precisasse fazer nenhum esforço.

Tremendo muito, com frio, com medo do que poderia ter


acontecido, eu me abracei.

Foi nesse segundo que o notei ajoelhado ao meu lado, as


mangas compridas molhadas nos braços de quem havia me
salvado. Gentilmente, ele pegou meu rosto e ergueu para o seu.

Olhou bem nos meus olhos, conferiu meu peito batendo, me


deixando constrangida pela atenção dada a minha blusa branca
sem sutiã por baixo, e sério demais para um garoto de dezesseis

anos, ele me perguntou:


— Você está bem?

Seus olhos me engoliram, ferozes, aflitos? Eu queria entender


o motivo de Conrad Prince ter me salvado e estar me olhando
daquela maneira tão protetora naquele segundo.

Engoli com dificuldade, minha garganta doía, mas fiz que sim

com a cabeça, agradecendo por estar molhada e as lágrimas que


escapavam do meu rosto não ficarem em evidência.

— Ela está bem. — Minha irmã apareceu e só então eu notei o

ponto onde eu havia caído, e onde eu estava agora. Também notei


as folhas e a capa do livro indo pela correnteza e senti meu coração
doendo.

Por um segundo, não existia nada além das páginas cheias de


anotações que eu havia perdido. Pela primeira vez, senti ódio de
Susan.

— Bem? — Conrad me chamou a atenção. A voz dele


carregava ironia pesada, e ele respirou fundo antes de seus olhos
deixarem meu rosto e ele se erguer sobre minha irmã. — Você

quase matou sua irmã afogada.

O rosto de Susan se tornou tão vermelho quanto uma pimenta.

— Eu, não, eu… — gaguejando, ela veio para perto de mim.


Não queria que ela me tocasse, então fui mais rápida e me
coloquei de pé.

— Ela está bem, viu! Já ficou até de pé. — Ela riu o sorriso

mais amarelo que eu já havia visto e parei, pensando se valia a


pena me descontrolar com ela bem ali.

Minha vontade era de sacudir os ombros de Susan, de tentar


enfiar em sua cabeça de uma vez por todas de que nós éramos

irmãs e não competidoras. Que eu não era sua inimiga, mas que se
ela tentasse me matar, poderia me tornar. Que o esforço que eu

fazia para amá-la estava chegando ao limite e que a morte dos


nossos pais não podia ser desculpa para que virássemos seres
humanos horríveis, mas não disse nada disso, não quando Conrad

se colocou na minha frente e a ameaçou.

— Se eu souber que você a machucou fisicamente de novo,


que está colocando a vida da sua irmã em risco, vou atrás de você.

Os olhos de Susan se encheram d’água.

Para ela, aquilo era a maior humilhação.

Os Prince eram como deuses e na sua imaginação, algum dia


ela se casaria com um deles.
Naquele segundo, por minha causa, sua doce ilusão se
quebrava.

Ela me odiaria ainda mais.

— Scarlet… — ela disse num sussurro. — Vamos para casa.


— Engolindo o resto do orgulho que restava, ela deu as costas e
começou sua caminhada.

— Obrigada… — Foi a única coisa que consegui dizer antes


de passar por ele, me abraçando para evitar que todos vissem o
efeito da transparência da blusa.

Os olhos de Conrad queimaram em minhas costas até o

momento em que fiquei fora de sua vista e eu não sabia como agir
depois daquilo.

De um lado, eu tinha uma irmã inconsequente e maldosa.

Do outro, o garoto que eu era obcecada descobrindo que eu


existia.

E eu não estava pronta para lidar com nenhum dos dois.


scarlet

como eu posso decidir o que é certo se você fica nublando meus


pensamentos? eu não posso ganhar sua luta perdida o tempo todo.

decode, paramore.

Havia uma bola de demolição sobre o meu peito.

Já havia mais de uma hora que estava no meu quarto, com as

costas contra a porta, e em nenhum segundo a coisa ficou mais


fácil. Em nenhum minuto o medo dele descobrir qual era o meu

quarto, dele romper a barreira que eu construí com muito custo para
afastá-lo, foi embora.
E, lentamente, surgindo do lugar mais escuro e profundo da

minha alma, o pior dos medos disse olá na minha mente. Tentei
fugir, mas meus olhos não viam mais minha cama desarrumada e a

pilha de livros em cima da mesa.

Eu vi a cena de cinco anos atrás.

Eu vi tudo desmoronar.

O pânico colocou as duas mãos sobre a minha garganta e me

sufocou.

O calor do meu corpo foi minguando, as extremidades quase


congelaram.

Ele ia me pegar. Ia me pegar e eu não podia fugir.

O medo, o desespero, o nada.

Um grande nada.

A merda da fobia desenvolvida quando percebi que era frágil


demais para um mundo cheio de perigos, onde quem você amava

podia te destruir pedaço por pedaço, sem nenhum remorso ou

consequência, estava viva e presente, e com ela, foi a vez dele, do

meu velho conhecido, dar as caras.

O ódio chegou, me ajudando a ter coragem e, num surto, na


tentativa de me livrar daquela confusão de sentimentos, juntei as
mãos sobre os olhos.

— PARA! — gritei. Era uma ordem direta à minha mente

inconsequente.

Depois de respirar fundo duas vezes e conseguir acertar a

senha do meu celular, apertei o contato de Isaac e esperei, me

segurando com tudo o que era. O telefone tocou algumas vezes e


caiu na caixa.

Quis chorar, puxando o aparelho contra o peito, respirando

fundo, tentando me livrar das lágrimas que turvaram minha vista.

Idiota, não comece a chorar! Ele não pode te fazer mal. Ele não tem

mais nada para levar de você — pensei, tentando me acalmar, mas

meu coração não ficou mais leve, ou a garganta menos dolorida.

Conrad era meu pior pesadelo, e com tudo, era injusto que ele

estivesse de volta.

Ele tinha sido o quebra-cabeça mais difícil de montar, e

quando entendi que nunca teria todas as peças, o guardei em um

lugar onde ninguém poderia tocar. Onde não poderia mais me


machucar mesmo que, vez ou outra, o subconsciente gostasse de

me torturar trazendo-o nas noites de sono mais inquietas que já tive.


Por causa dessa infindável tortura, eu aprendi a odiá-lo. E para

o azar de Conrad, meu corpo era um terreno muito fértil para aquele
tipo de sentimento.

Respirei fundo, tentando ser racional e disquei de novo o


número de Isaac.

Chamadas intermináveis e, de novo, caixa de mensagens.

Joguei o aparelho na cama e enfiei os dedos nos cabelos, me

sentindo completamente louca. Eu só tinha visto o cara e estava


desse jeito, qual era o meu problema?

Eu vivi por cinco anos na casa do pai dele, namorava seu


irmão, como pude ser inocente de achar que nunca mais o veria?

Ri da minha imbecilidade.

— É só Conrad. É só o irmão desajustado, ele não pode te

assustar desse jeito — me aconselhei como se fosse minha melhor


amiga.

E no fundo, qual era o meu problema?

Eu tinha medo de que ele pudesse me fazer mal? Tinha.

Mas o odiava. Odiava tanto que podia sentir meu coração


quente em contraste com todo o resto gelado, gritando que eu
deveria acertá-lo bem no meio da cara, caso tentasse algo.
Era isso — ri, mesmo sem graça alguma, me esforçando para

ficar de pé.

Estava decidido. Conrad Prince não me machucaria. Não mais.


Era impossível.

Porém Isaac devia saber que o irmão estaria de volta.

Isaac tinha que ter me contado, mas ele não o fez e agora não
atendia a merda do telefone.

Aninhei-me no parapeito da janela, abri apenas o bastante

para que a fumaça que eu soprava pudesse ir para fora e fumando


um cigarro atrás do outro, com os olhos vidrados na floresta sombria
que se erguia atrás do castelo gótico que era a Prince University,

esperei o primeiro raio de sol para lavar aquela noite do meu


sistema e ir direto atrás de Isaac.

Eu precisava gritar com alguém e, infelizmente, ele era a única

opção.
Com um agasalho estilo canguru por baixo da jaqueta de
couro, puxei o capuz por cima da cabeça e subi mais um lance de
escadas até estar no corredor do dormitório masculino dos Lions.

Ninguém mexia comigo ali e isso não era porque eles me


respeitavam como pessoa. Não. Eles respeitavam e temiam meu

namorado.

Quando entendi isso, quase vomitei de nojo.

A porta do quarto de Isaac era, como a minha, a última do

corredor.

Ele, eu e alguns alunos que pagavam taxa extra tinham a


opção de escolher quartos únicos. O resto dos dormitórios eram
duplos ou quádruplos, e aquele era mais um motivo para eu ser

muito grata por John Prince gostar tanto de mim, ou tentar calar a
minha boca.

A memória da oferta de futuro promissor me fez ter mais raiva


e quando bati na porta de Isaac, não fui gentil.

— Isaac? — chamei. — Por favor, se você estiver aí, abra.

Nada.

Bati de novo, e continuei batendo, mas ninguém abriu.


— Scarlet, né? — um garoto do primeiro ano perguntou,
olhando para mim como se eu fosse doida. Não o respondi, só
confirmei com a cabeça. — Ah, então, o Isaac não está.

— Não está? — Parei no meio do corredor, virando a cabeça,

processando a informação.

— Não — ele confirmou.

— Então, onde?

Ele era um péssimo mentiroso. Ficou um pimentão, encostou a

mão na porta e encheu o pulmão.

— Bem…

Eu não precisava de um recado daqueles.

O garoto mal começou sua frase, mas nem precisou.

Só a remota ideia de me decepcionar com Isaac me fazia


querer desmoronar, mas segurei aquela frustração com tudo o que

tinha na mandíbula e saí andando, deixando o menino de cabelos

castanhos falando sozinho.

Para onde eu iria?

Minha mente mapeou o campus, os lugares possíveis para


Isaac estar àquela hora, e meus pés obedeceram. Procurei no
campo, na orla da floresta, no pedaço do porão tive coragem de só

gritar da porta o seu nome, já que morria de medo de lugares


escuros e fechados. Procurei no vestiário, na quadra, na sala de

aula que sabia onde seria sua primeira aula.

Procurei em todas as cafeterias, no refeitório principal e até

nos banheiros chamei por ele, mas foi quando finalmente cansei,

que fui para a biblioteca e me fechei dentro de uma das cabines de

estudo para controlar a vontade de chorar, que ele me achou.

— Bom dia. — Num tom de voz profundo, sério, Isaac entrou

pela porta transparente e parou na minha frente.

Eu, sentada na cadeira com os cotovelos apoiados nas coxas

e o rosto escondido nas mãos, só consegui suspirar, puxando toda

coragem restante no ar para dentro dos meus pulmões conforme me


erguia para encará-lo.

— Por que você não atendeu seu celular? — Meu tom de voz
era melindroso, agressivo, mas baixo.

— Precisava pensar. Acabei de sair da sala do meu pai, e…

aconteceu algo e preciso te contar.

Até aquele segundo, os olhos de Isaac fugiram dos meus.

Suas mãos dentro do blusão branco do time de futebol estavam


fechadas em punho, dava para ver a marcação no tecido, e ele

estava tenso, comprovei isso quando consegui forçá-lo a manter

contato visual comigo.

— Que Conrad agora estuda aqui, e é um Viper. — Os olhos

dele se arregalaram em surpresa, seu corpo se ergueu,

desencostando da mesa atrás de si.

— Como você soube?

— Eu o vi ontem à noite. — Fui clara. Não tinha motivo para


mentir.

— Onde? Você não me prometeu que ficaria no seu quarto? —


Havia raiva em sua voz, mas ignorei.

— Precisei comer, não tinha nada no meu quarto e eu desci,

como uma aluna qualquer com fome na madrugada. — Minhas


palavras eram duras, não davam margem para ele tentar me

questionar, ou mandar em mim.

— Merda. — E ali eu soube que ele já sabia ontem.

Isaac sabia de tudo quando me viu na manhã anterior, quando


me pediu para não sair do quarto.

— Desde quando você sabe disso?


— Meu pai me contou há uma semana, mas achei que algo

aconteceria e um dos dois desistiria da ideia. Você sabe que Conrad


odeia nosso pai.

Mais do que isso, ele odeia todos nós — pensei.

Estreitei os olhos para Isaac, magoada, desconfiada, cheia de

vontade de bater em seu peito e gritar que ele era um péssimo

amigo. Mas não o fiz.

Tive medo de perder a única pessoa com a qual pude contar

nos últimos anos.

E quando ele, percebendo a merda toda, se ajoelhou na minha

frente e entrou na minha guarda, engoli com muita dificuldade toda

minha vontade de brigar.

— Scarlet, baby. — As mãos de Isaac puxaram as minhas

para seus ombros e ele, se encaixando entre minhas pernas,


abraçou minha cintura, apoiando o rosto na curva do meu pescoço.

Eu não me movi, mas ele suspirou.

— Me desculpe. Eu sei que meu meio-irmão é um problema

para você… Eu sei que ele é um descompensado, louco,

problemático, mas acredite, eu não vou deixar ele chegar perto de


você. Não vou deixar ele tocar em você.
Os lábios de Isaac roçaram pelo meu pescoço, pelo desenho

do meu maxilar e então, ele estava lá, frente a frente comigo. Olho

no olho, nariz com nariz, boca com boca.

Um milímetro de distância. Uma parede de vidro invisível entre

nós.

Seus olhos pareciam desesperados para uma reação minha,

suas mãos na minha cintura também.

— Me perdoa, Scar… Eu só queria te proteger.

Mas não fez — essa seria a minha resposta.

Entretanto, calculando o quanto perderia, vendo que Isaac

parecia mesmo se importar comigo, fechei os olhos, respirei fundo

mais uma vez e tentei relaxar.

Com a testa tocando a dele, ainda de olhos fechados, acariciei

seu rosto com ambas as mãos e soprei baixinho:

— Não faça mais isso. — Era um pedido sério, do mais

profundo do meu coração.

— Prometo que não. — Juntando a boca na minha, Isaac me


beijou profundamente, mas daquela vez eu não senti nada, nem um

mísero calor. Eu o beijei de volta por obrigação. Era só o que eu


tinha para dar naquele segundo, e ele precisaria me desculpar

também.

— Ok — falei quando me afastei. — Por que ele está aqui?

Eu precisava de mais informações.

— Não faço ideia. — Ele deu de ombros.

— Existe alguma chance dele ir embora? — Era minha maior e

mais frágil esperança, e se partiu como um cristal quando meu

namorado negou com a cabeça.

Engoli o choro com dificuldade e balancei a cabeça,

conversando comigo mesma em paralelo, sabendo que teria que

suportar aquilo.

— Eu poderia ir embora… — A ideia passou pela minha

cabeça, mas para onde?

Melhor ainda, como?

John Prince era o meu tutor. Bancava meus estudos, o asilo do


meu avô, minhas roupas, comida, livros e tudo mais que eu

quisesse ter. A sorte dele era que eu achava tudo aquilo um grande

abuso. Por isso, me mantinha com os pés no chão, sabendo que

alguma hora aqueles privilégios todos seriam perdidos.


— Nem pensei nisso — Isaac respondeu num tom de voz mais
ríspido, mas logo se corrigiu: — Eu não poderia ficar sem você.

— De qualquer jeito, não tem para onde eu ir. — Relaxei


contra a cadeira e encarei o teto. — Que caralho! É injusto demais

que seu irmão esteja aqui. Ele deveria estar… — A palavra presa

ficou entalada na minha garganta.

Aquilo, de uma forma ou de outra, também era culpa minha.

Aceitar o tratado dos Prince não foi unicamente pelo futuro.

Foi porque eu poderia livrar Conrad.

Naquele minuto, não sabia se tinha feito o certo.

— Mas ele está aqui, e eu não acho que ele vá nos deixar em

paz.

— E por quê? — Meu tom de indignação foi acompanhado dos


meus pés batendo no chão. — Por que Conrad só não vive sua vida
e nos esquece?

— Porque ele é ruim, amor. Ele é o pior de nós. — A resposta

de Isaac me fez ficar em silêncio por mais tempo do que gostaria.

Era desconfortável.
Ele se ergueu e sentou ao meu lado, colocando a mão sobre a
minha e me deixando deitar em seu ombro. Eu aproveitei. Precisava
de carinho, queria algum apoio.

Era uma merda, mas a vida tinha dessas: era injusta pra

caralho e te dava uma rasteira quando você menos esperava.

Sendo muito consciente de tudo ao nosso redor, cinco anos


atrás, Isaac forçou para adentrar minha nova bolha quando tudo

aconteceu. Eu até tentei pará-lo, mas dia após dia, lá estava ele
com um videogame novo, um doce, uma flor e foi assim, até que eu
permiti que ele ficasse. Mas mesmo com todo esse esforço, eu via

quem ele era. O grande atleta, o bom menino da família, o favorito


do pai que contrastava muito com a concorrência. Ele tinha o mundo
na palma da mão e, sinceramente, não precisava de mim ou de

segurança comigo. Talvez fosse por isso que ele verdadeiramente


nunca conseguiu me acalmar, mas só de não estar sozinha, eu já

ficava melhor. Até porque, sabia que era muito errado, mas preferia
acreditar na mentira bonita dele de que ficaria tudo bem a que
encarar a realidade assustadora.

— Eu sei que você está tensa e tudo mais, mas você pode ir

comigo à festa hoje?

— Achei que já tinha te liberado para ir sozinho nessa.

— É, eu sei, mas quero você comigo. Não quero te deixar

sozinha por aí… — Eu sabia que agora o motivo era outro. — E


você precisa distrair a cabeça. Qual foi a última noite em que foi
curtir assim comigo?

— Isaac… — Virei o rosto para encarar o novo sorriso divertido

e o olhar bondoso.

— Vamos, vai? Só um pouquinho. Se você não gostar,


podemos sair de lá e eu prometo que passo a noite toda assistindo

a você jogar qualquer um dos seus jogos de terror.

— Hm… — Pensei na possibilidade, e ele engatou:

— Além do mais, agora com meu irmão nos Vipers, é bom

mostrar que ainda estamos na ativa.

— Você quer mostrar poder. — Quis rir daquela coisa de


macho alfa mijando para marcar território.
— Quero, por isso, se você disser que sim, quero que vista
aquele vestido vermelho que amarra no pescoço.

Quase gargalhei.

Isaac queria me exibir.

Ele raramente sentia necessidade de fazer isso, até porque eu


não dava um pingo de moral para nenhum outro cara naquele lugar,

mas conhecendo o modus operandi daquela família, sabia que


aquilo era um recado que se espalharia pelo campus em fotos nos
perfis de Instagram e Facebook.

— Como está organizado isso?

— Lions, Birds e Badgers.

— Sem Vipers?

— Ninguém gosta deles, você sabe.

— Mesmo assim…

— E ninguém confirmou. Achamos que estão de complô contra


o resto da faculdade agora que o torneio está para começar.
Falando nisso, inscrevi você.

Eu não gostei daquilo. Eu disse que iria pensar, mas não


discuti.
— Certo…

— E te pego hoje, às dezenove.

— Estarei pronta.

Isaac não demorou muito para sair. Já havia perdido o primeiro

tempo todo comigo, não queria arriscar um segundo. Eu tinha a


agenda livre até às dez, e aproveitei para fuçar entre os livros da
biblioteca.

Os romances sempre foram os meus favoritos.

Sempre.

E mesmo que eu nunca mais tenha lido O morro dos ventos


uivantes, as cenas que li e os diálogos que destaquei no meu antigo

livro ainda estavam vivos na minha mente. Tudo vinha como um


filme, e de forma injusta, enquanto no colégio só havia uma cópia,
na faculdade tinham muitas, das edições mais diferentes possíveis.

Era reconfortante ler o mesmo nome escrito em fontes diferentes


nas lombadas, mas naquele dia, quando olhei para o lugar onde
eles costumavam ficar, vi um grande vazio.

Não havia mais nenhum exemplar do livro.

Nenhum.
Subitamente a vontade de lê-lo me pegou pelos calcanhares.

Sem pensar, parei em frente à bibliotecária e perguntei assim


que ela ergueu o rosto para mim.

— Desculpe, eu queria muito pegar O morro dos ventos

uivantes, mas não tem nenhum exemplar na prateleira. Há algum


disponível?

— Só um momento, gracinha. — A senhorinha ajeitou os

óculos na beiradinha do nariz e mexeu no computador que parecia


muito avançado para ela. — Eu acho que vou ficar devendo — ela
disse, cinco minutos depois. — Todos estão fora do sistema.

— Todos? — perguntei mais uma vez e a mulher deve ter me


achado burra.

— Sim, todos, queridinha.

— Ok, obrigada. — Dei as costas, chateada.

Todo o meu mundo estava passando por instabilidade e,


naquele momento, só queria que existisse um botão para que eu
pudesse pular para o dia seguinte, e ir pulando, até acordar em um

dia em que Conrad estivesse longe e eu me sentisse minimamente


segura.
Meu cabelo estava solto em ondas pelas costas. O vestido de
lantejoulas vermelhas que Isaac havia me dado era colado ao corpo,
mais curto do que qualquer coisa que eu costumava usar, e o

decote da frente me incomodava um pouco. Eu não tinha peitos


pequenos, mas eles não eram tão grandes e, com o único sutiã que
eu tinha perdido no fundo do armário, ajeitei o decote da melhor

forma possível e me conformei que meu peito não era aqueles de


revista, superjuntos e empinados.

Minha maquiagem não era das mais leves também, e eu

gostava muito de brincar com aquilo.

Quanto mais maquiada, mais fácil sustentar que eu estava


saudável e feliz, e com um bom delineado e batom vermelho,

coturno e jaqueta de couro dos Lions por cima, me senti pronta e


muito bonita.

De fato, olhando mais uma vez no espelho, precisava admitir

que era bonita.


Talvez quando mais nova, meus olhos não fossem tão fundos,
e eu não era mais a magra saudável, só era alguém que fumava

demais, se esquecia de comer e não se exercitava nunca. Meu


corpo se adaptou a isso e, bom, não tinha muito o que fazer.

Aproveitando os últimos minutos de paz, fumei meu último

cigarro da noite, sabendo que Isaac não me deixaria fumar mesmo


que beber me desse uma vontade do cão, e escovei os dentes três
vezes antes de beber uma latinha de refrigerante e colocar balas de

menta na boca. Era o único jeito dele não reclamar do gosto do


cigarro e eu não queria arranjar problemas.

Foi enquanto retocava o batom com The Strokes tocando ao

fundo no meu computador, que ouvi a batida na porta.

Meu sorriso cresceu antes de vê-lo e, como sempre, Isaac


estava perfeito.

O cabelo loiro bem arrumado, o cheiro de seu perfume


almiscarado no ar, o sorriso galanteador de sempre no rosto… Ele
era realmente bonito.

Encostado no batente da porta, me puxou pela cintura para si

e falou contra minha boca:

— Se beijar você, vamos ficar vermelhos?


— Não — confirmei, passando o dedo pelo lábio e mostrando

que o batom não saía.

— Ótimo.

Quando Isaac se curvou para me beijar, eu sabia que ele

também se esforçaria para fazer da noite a melhor possível para


que nós ficássemos bem.

— Eu queria muito… — ele sussurrou contra minha boca e eu


senti sua mão livre subindo por minha coxa. Sabia o que ele queria,

mas por algum maldito bloqueio, eu não tinha a mesma vontade.

— Nós vamos nos atrasar…

Eu não era uma completa tapada.

Nós já havíamos feito tudo de cunho sexual que não envolvia

penetração, mas ele ainda queria, e eu não entendia por que eu


não. Será que era algum defeito do meu corpo?

Algum defeito da minha cabeça?

— Podemos depois? — propus, sabendo que terminaria a


noite com mais um daqueles questionamentos malditos. — Eu não
quero arruinar tudo isso agora. — Indiquei a produção toda.

— Acho que o argumento é válido, mas não espere que eu vá


dormir antes de provar você. — Ele me beijou mais uma vez.
Fechei os olhos e me esforcei muito, mas não tinha a mesma
ansiedade que ele.

Quando a coisa esquentava, eu realmente entrava no clima,

mas até esquentar…

Isaac finalmente me puxou, tranquei meu quarto e nós


descemos para a festa.

A caminhada foi longa, mas era importante, com uma

quantidade gigantesca de alunos, que o campo ficasse longe das


salas de aula. Ninguém aguentaria dormir com o som naquele
volume e enquanto Doja Cat explodia cantando sobre uma boa foda

nas caixas de som do DJ, Isaac abriu caminho entre as pessoas


para nos levar até o palco.

Era o combinado, o time que ganhava tinha direito à área vip.

O melhor amigo de Isaac cheirava uma carreira branca nos


peitos de uma menina em seu colo. Os outros pareciam entretidos

em suas próprias bolhas, e alguém arranjou cervejas estupidamente


geladas que pararam em nossas mãos sem eu saber como.

Isaac desempenhou seu papel de líder popular direitinho.


Fiz o básico de sorrir, acenar, beijar na hora certa, beber os
shots que ele me oferecia, rir de suas piadas e fingir que estava

tudo bem. Isso funcionou até minha quarta tequila, e eu sabia que
era por isso que Isaac amava me arrastar para as festas.

Eu não tinha limite quando começava a beber, e a bebida

trazia uma parte de mim que me esforçava muito para guardar.

Em menos de uma hora, meu cabelo estava preso no alto da


cabeça em voltas dele mesmo, in the dark do tiesto foi tirada do
cemitério e tocou no último volume, e de mãos dadas com garotas

que eu nunca lembraria o rosto, eu dancei, ri, pulei, e bebi mais.

Meu namorado assistia, gostando do que via.

E, saindo da linha, ele se divertia bebendo tanto quanto eu.

Foi em alguma hora que ele veio para perto que girei até parar

contra seu peito. Mal precisei puxá-lo, Isaac já estava sobre mim e
aproveitou que o beijei com todo o fogo que nunca aparecia quando

as luzes estavam acesas.

Minha língua brincou com seu lábio inferior, depois invadiu sua
boca e o dominou.

Ele não tinha como recusar nada vindo de mim.

Suas mãos na minha cintura puxaram meu corpo contra o seu.


Ele estava duro, eu poderia resolver, mas era divertido vê-lo

me querendo e entre luzes vermelhas e laranja da fraternidade


rolando pela grande pista de dança, me virei de costas para ele,
sentindo suas mãos me pressionando contra si. Curtindo a música,

a leveza na cabeça, os risos sem sentido, rebolei, provocando-o de


propósito.

Isaac mordiscou minha orelha, eu puxei sua mão para o meu

rosto e mordisquei a ponta de seu dedo indicador. Ele riu, eu


também.

Era simples, não era?

— Scar, eu quero muito foder você. — Senti o volume sendo

pressionado contra mim e, por mais que minha mente falasse:


podemos ir até o fim com isso logo?, meu corpo respondeu de outra
forma. O fogo quase sumiu completamente.

O prazer de provocar era muito mais divertido do que saber


que eu me comprometia com algo que não queria fazer, e isso fez
com que o efeito do álcool diminuísse drasticamente no meu

sistema.

A música entrou em uma parte lenta, a final, e eu me


desvencilhei dos braços dele.
— Preciso ir… — Não sabia para onde, mas avisei, ignorando

a cara de poucos amigos de Isaac, e pulei para fora do palco.

Meus pés foram precisos e me senti inteligente demais por não


ter arriscado um salto alto contra o gramado. Caminhando entre a

multidão, sentindo o corpo mais leve que a cabeça, li em letras


pouco embaralhadas o letreiro do bar. Mudei a direção e em pouco
tempo estava na fila para abastecer o reservatório que judiaria do

meu fígado. Quando chegou minha vez, sabendo quem eu era, a


garota do outro lado do balcão me deu uma dose de tequila.

— Quero mais duas — gritei sobre o som, mostrando a

quantidade em dedos da mão.

Quando a menina de cabelos coloridos colocou as outras


doses, sem pensar, sem respirar, eu as virei. Uma a uma.

Alguém atrás de mim comemorou, balancei a cabeça algumas


vezes para sentir o efeito do álcool logo e, mesmo com o estômago
vazio reclamando de como era abastecido, eu só soube rir. Meu

cabelo caiu em volta de mim, quis tirar a jaqueta enquanto


caminhava na direção contrária de onde estava, pensando no que
faria em seguida.
Eu poderia ficar ali embaixo, ou poderia voltar lá para cima.
Qualquer um dos dois parecia uma boa ideia. Rindo sozinha, ajeitei
a alça do vestido, girei sobre os calcanhares e encarei o céu

noturno.

Aquela sensação de estar fora do corpo, leve e feliz poderia


durar para sempre, mas quando endireitei a cabeça, quando meus

olhos focaram no que tinha ao meu redor, tudo o que senti foi como
se estivesse presa, mais uma vez.

Os olhos de Conrad queimavam em mim, e a minha reação foi


ainda pior.

Meu cérebro parecia não conseguir processar o que acontecia.

Era como se aquele fosse só mais um pesadelo, mas do tipo mais


apavorante.

A bebida que antes queimava no meu estômago congelou e a

vontade de vomitar cresceu.

Fechei as mãos em punhos com os polegares para dentro,


tentando conter o mal-estar. Correr dali não era uma opção quando

meus pés pareciam pesar uma tonelada.

Todo o ódio que senti antes pareceu uma mínima fagulha perto
do medo que senti naquele segundo, na pouca luz da festa ele
parecia ainda mais ameaçador. Era como se a batida de “I love
rock’n’roll” fosse feita para acompanhar seus passos. E ele vinha na
minha direção.

Na minha cabeça, a distância entre nós era pouca, mas a


espera, a ansiedade do trajeto, fez com que eu sufocasse. Até
porque, como uma maldição que parecia ser eterna, ainda podia
sentir seu olhar queimando em mim como sentia anos atrás, como

senti na noite passada.

Houve um tempo em que eu adorava aquela sensação, mas


naquele segundo, se eu pudesse, se tivesse coragem, arrancaria os

olhos de Conrad só para que ele nunca mais provocasse aquilo


dentro de mim.

Eu quis derreter, me dissolver na terra, sumir, mas não podia e,

dessa vez, a sensação de formigamento que ele causava atingia


todo meu corpo, fazendo com que me sentisse exposta,
desprotegida.

Ainda assim, não me movi. Na verdade, eu esperei.

Sabe lá Deus o motivo, mas esperei. E então, quando achei


que não poderia demorar mais, ele chegou.
Conrad Prince vestia calças e coturnos pretos, mas diferente
de antes, embaixo da jaqueta de couro com mangas erguidas, não
havia nada. Ele não tinha mais sua barreira de proteção e a primeira
coisa que fiz foi revistar seus braços.

Agora a pele era revestida de camuflagem permanente.


Tatuagens desciam por seus braços e até uma das mãos. Estava
escuro demais, e junto da minha bebedeira, eu não consegui
entender o que eram os desenhos, mas isso não me impediu de
continuar a esquadrinhá-lo com os olhos. O peito e o pescoço

também carregavam desenhos novos. Aquilo, de algum jeito


estranho, não me surpreendeu.

Quando cheguei ao seu rosto, soube que ele havia feito a

mesma revista na minha aparência, e agradeci por estar em um


bom dia para aquilo acontecer. Engoli em seco na minha última
olhada para o todo e tentei ficar o mais firme possível conforme via
o abdômen marcado e forte pela brecha aberta da jaqueta.

Foi inevitável controlar o calor nas minhas bochechas quando


senti algo esquentar no meu ventre só por vê-lo daquele jeito. Eu
deveria me controlar, mas havia um pedaço venenoso e sujo dentro
de mim que não queria. E prolonguei aquela sensação, aquela
pequena guerra interna, até perceber que a razão podia perder.
Culpei o álcool e me esforcei para erguer a cabeça, Conrad
era muito mais alto que eu nos meus 1,76. A mandíbula marcada foi

a primeira coisa que vi, seguido pelos lábios desenhados e cheios, o


nariz bem-desenhado e um pouco largo, e então, sabendo que tudo
em mim desmoronaria, eu cedi.

Qualquer outra possibilidade de tomar uma atitude foi engolida


quando encarei seus olhos.

Pretos, duros, demoníacos.

Eu senti medo.

— Está bêbada, Red? — ele zombou, cruel.

Sua voz continuava profunda, ainda mais grave.

— Não é da sua conta — respondi num sussurro raivoso e ele


precisou ler meus lábios para entender.

Conrad deu mais um passo para frente, ficando a cinco


centímetros de mim.

— Como é? — ele falou mais alto, me desafiando. — Tudo

aqui é da minha conta. — Ele se abaixou e sem me tocar, disse bem


perto da minha orelha: — Tudo aqui é meu.

Definitivamente, eu não estava pronta para aquela

proximidade.
Enquanto as luzes da festa mudavam para verde, preto e cinza
e o som parava do nada, o cheiro dele invadiu meu cérebro como
um soco. O calor do corpo dele contra o meu fez com que o ódio
que eu sentia por Conrad se virasse contra mim também.

— Não há nada aqui para você. — Sentia meu corpo tremer.

Eu deveria bater nele, mas no passado houve um limite sobre


toques. Eu queria respeitá-lo e lembrá-lo disso.

Era minha única certeza de segurança, mas Conrad a destruiu

em segundos.

Sua mão deslizou pela minha cintura e ele me puxou com


força contra si.

— A vítima persegue seus matadores, creio eu. — Era uma


frase do meu livro favorito.

Tudo em mim pegou fogo. Minha mente girou.

Ele ainda lembrava.

— Você nunca foi a vítima aqui — vociferei entredentes.

— Não brinque com a sorte, Red. Eu vou te engolir, sua


traidora de merda. — A ameaça queimou nos meus ouvidos, rasgou
minha pele, esfregou sal nas minhas feridas.
Meu ar faltou, eu o empurrei.

Quando me afastei para vê-lo, enxerguei-o cruel, sombrio e


desumano.

— Eu te odeio. — Foi tudo o que saiu da minha boca junto do


tapa estralado que dei em seu rosto. Conrad mal sentiu o impacto
físico, mas fechou os olhos, sentindo o peso das minhas palavras.

Aproveitei o segundo incerto para fugir. Dei as costas a ele, e


mesmo com o mundo confuso ao meu redor, corri na direção que
sabia estar o palco.

Noite maldita, noite maldita, noite maldita! — repeti


mentalmente.

Era uma péssima ideia estar tão bêbada sabendo dos riscos.
E, pior ainda, era me sentir daquele jeito por causa de Conrad. A
vontade de chorar era quase incontrolável, eu só queria minha cama
e meu quarto, mas pensar nisso foi difícil quando vi gente correr em
volta de mim.

Um pouco perdida, olhei sobre o ombro e vi Conrad no bar,


metendo o pé em toda a estrutura do balcão. O que ele ia fazer?
Procurei um ponto de segurança e o encontrei em Isaac. Um irmão
de cada lado. Um o próprio caos e o outro me oferecendo salvação,
como sempre. Meu namorado parecia preocupado e, de cima do
palco, ele esticava a mão para mim. Ignorando Conrad e sua

quebradeira, eu voltei a caminhar com a visão turva pelo gramado,


sofrendo dos empurrões das pessoas que previam a confusão e
corriam na mesma direção a qual eu ia.

E eu estava quase lá. Só mais um pouco e Isaac me

envolveria e me protegeria, mas o som de algo quebrando sobre a


cabine do DJ me fez ficar sem entender nada. Os gritos me fizeram
parar de novo. Olhei mais uma vez sobre o ombro e não entendi
nada daquela enorme confusão. Mesmo assim, sabendo onde ele
estaria, encontrei Conrad se divertindo enquanto jogava garrafas

cheias de bebida nas caixas de som do nosso DJ.

O que ele ia fazer?

Parei para assistir.

Conrad enfiou a mão no bolso e algo em mim se retorceu por

saber que ele não era alguém que gostava de usar fósforos, ele
gostava de isqueiros. Em particular, do seu isqueiro prateado.

E em meio ao caos, assisti ao garoto que habitava meus

pesadelos riscar o maldito palitinho de madeira e começar a andar


na minha direção. Eu não esperei, ainda olhando para ele, voltei a
me mexer, indo de encontro a Isaac.

Havia muito ódio nos olhos de Conrad para que eu arriscasse


um confronto físico, mas ele tinha planos piores. Caixas de som do
outro lado do campo fizeram todos os presentes ouvirem.

— É uma nova era, há um Prince com os Vipers e ele é puro


fogo!

Play with fire vibrou alto da caixa de som dos rivais, as

pessoas pararam de correr, e todas elas foram testemunhas da


fogueira que Conrad Prince fez onde uma vez nosso DJ estava.

O fogo cresceu, as pessoas gritaram e bateram palma, mas na


minha cabeça aquilo não era mais só uma brincadeira. Aquilo era

uma ameaça. Aquilo era morte.

Eu tinha certeza de que o pânico ia me pegar completamente


vulnerável e em campo aberto, já que eu via a possibilidade da

minha vida acabar em segundos, mas foi pior. Não só ficou difícil de
respirar, como, de repente, o ar não existia mais.

Quando minha mente apagou de vez, eu ainda conseguia ver

os olhos escuros me perseguindo.


scarlet

oh, é engraçado como os sinais de alerta podem parecer borboletas.


oh, porque eu continuo cavando minha própria cova e não vou parar
até chegar onde você está. eu continuo correndo, mesmo quando

meus pés doem e não vou parar até chegar onde você está; oh,
quando você passa pelos seus momentos mais obscuros eu teria

percorrido todo esse caminho até o cemitério.

graveyard, halsey

cinco anos atrás


Sentada em volta da mesa de jantar, fingi que os desenhos de

frutas da toalha impermeável eram mais interessantes do que a cara


de choro de Susan ou os gritos rabugentos do meu avô. A vizinha

fofoqueira havia contado do acaso da tarde, do que minha irmã

havia feito comigo e, muito sinceramente, achava que ela realmente


precisava ouvir aquele sermão.

Ela não podia descontar todo o ódio que sentia do mundo nas
minhas costas, ainda mais quando isso podia me machucar ou me

matar.

A sensação da falta de ar, do desespero, do medo de me


afogar, ainda estavam lá e eu ficava gelada toda santa vez que

pensava que poderia ter morrido se não fosse por ele.

E eu não queria pensar nele, mas era inevitável.

O toque extremamente cuidadoso, o trabalho de pular na água

para me salvar… Conrad Prince nunca entenderia o quanto

significava tê-lo me tirando da água, ou me protegendo da minha


própria irmã.

Susan soluçou entre o choro alto, engolindo um ataque de

raiva.

Segurei um suspiro.
Meia hora depois, a bronca havia acabado e ela correu escada
acima, provavelmente, para descobrir como faria um boneco vodu

meu.

— E como você está? — vovô perguntou, se sentando onde

minha irmã estava.

Parei de desenhar sobre a toalha e ergui os olhos para fitá-lo


com timidez.

— Bem. — Ele se esforçou para ouvir meu tom de voz baixo.

— Acha que esse problema com sua irmã pode ser superado?

— Susan odeia ser órfã. E odeia ser pobre. E odeia que não
tenha as coisas que suas amigas têm para poder se exibir — falei,

desviando a atenção de novo para a mesa. — Uma hora, eu acho

que melhora. — Dei de ombros, como se aquilo não me afetasse,

mentindo mais uma vez.

— Bem, eu também. — Meu avô parecia cansado. — Já

jantou?

Neguei com a cabeça.

— Vou fazer uma sopa — ele anunciou.

Apesar de ser verão, era assim que ele resolvia as coisas.


Abriu a lata, despejou o conteúdo na tigela, mexeu com a

colher e enfiou tudo no micro-ondas.

— Sabe, seu pai nunca me deu trabalho. E eu não tinha uma

outra criança para me preocupar, era casado… Talvez uma mulher


pudesse ajudar vocês.

— Você faz um ótimo trabalho, vô. — Tentei acariciar seu ego.

— É que, somos adolescentes. Ninguém sabe odiar o mundo


melhor do que nós.

Ele sorriu para mim.

— É, tem razão. Você é uma boa garota, Susan. — Ele bateu


na minha cabeça de modo carinhoso, confundindo meu nome, e eu

não o corrigi. Sabia que isso não importava.

Naquela noite, dormi no sofá. Apesar de não admitir em voz


alta, tinha medo de subir e minha irmã surtar. Pelo menos, ali
embaixo, se ela descesse, eu ouviria o ranger das tábuas da escada

e acordaria antes.
A manhã seguinte foi desastrosa. A batida na porta me

acordou, mas tudo o que fiz foi cobrir a cabeça para fugir da
claridade e tentei voltar a dormir.

A pessoa foi insistente, bateu de novo.

Meu avô, vindo da cozinha, gritou um:

— Já vai!

O som da chave girando na fechadura e da porta abrindo me


fez ter um grande arrependimento por dormir no sofá florido e duro,

mas fiquei em silêncio, até ouvir a voz do visitante.

— Olá, bom dia, senhor. Meu nome é Conrad Prince e soube

que Scarlet mora aqui.

Meu avô parou por um segundo, devendo achar aquilo tudo


estranho e eu engasguei sob a coberta. O que Conrad Prince fazia

na minha porta, perguntando sobre mim?

— É amigo dela? — meu avô perguntou.

— Fui eu quem a tirou da água ontem. — não havia emoção

nenhuma em sua voz.

Meu avô deveria ter entendido o recado dele: não, não somos
amigos. Mas o meu bom e amado avô não entendeu.
— Ah, nesse caso, entre.

O QUÊ? — minha mente gritou e me sentando num pulo,

descobri a cabeça a tempo de ver Conrad entrando e vovô fechando


a porta.

O cabelo dele estava perfeito, suas roupas escuras não me

surpreenderam. De algum jeito, eu sempre soube que fora do


uniforme ele nunca usaria nada de outra cor. Não só por causa
delas, mas o garoto Prince não parecia ornar em nada com nossa

salinha apertada de móveis velhos.

O choque na minha cara por vê-lo ali pareceu diverti-lo.

— Belo penteado.

— O quê... — Minha voz sumiu e precisei limpar a garganta

antes de perguntar de novo: — O que faz aqui?

— Passei para ver se você estava bem. Há casos de morte,


horas após o afogamento — ele disse com a mesma emoção de
quem pede um copo d’água, brincando com o isqueiro fechado em

suas mãos.

— Eu estou viva, e bem — dei uma pausa —, eu acho.

Ele quase sorriu e meu coração pareceu pesar dez quilos,


amassando meu estômago. Se deuses fossem de carne e osso,
com certeza eles se pareceriam com Conrad.

— Ótimo. Se for assim, acho que já posso ir. Cuidado por onde

anda.

— Ok… — falei, observando-o sair de cena como se fosse um


E.T.

Vovô foi abrir a porta para que a visita inesperada partisse,

quando ouvi o rangido alto da escada e, como se tivesse corrido


demais para fazer aquele pequeno trajeto, Susan surgiu.

— Conrad? — ela perguntou, animada, como se eles fossem

velhos amigos, mas o jeito como ele a encarou gelou toda minha
espinha.

— Até mais, Scarlet. — E com a cara fechada, ele saiu pela


porta.

Tentei processar o que tinha acabado de acontecer enquanto

ouvia minha irmã perguntar:

— O que ele fazia aqui?

Meu avô ia dar alguma resposta que me colocaria em risco,

então o cortei e respondi primeiro:

— Não faço ideia.


Se ela tinha acreditado, eu não sabia, mas meus dedos tinham

uma necessidade fora do comum. Pulei do sofá o mais rápido que


pude e corri escada acima, pronta para trabalhar ainda mais firme

no meu pequeno projeto supersecreto de desenhar os olhos de

Conrad com perfeição.

Eu sempre os evitei, mas agora parecia uma nova obsessão.

Seus olhos eram incrivelmente pretos, raros e hipnotizantes.

Se eu pudesse, ficaria o dia todo encarando-o só para

aprender a lê-lo, ainda que fosse a coisa mais difícil de se fazer na


vida. Do pouco que eu tinha conseguido, sabia que olhar tão

intensamente para Conrad só me faria cair em um abismo profundo

demais.

Seria impossível escapar dele.

Seria incapaz de mentir para ele.

Acabaria confessando tudo e qualquer coisa, e ele teria acesso

mesmo que eu não abrisse a boca. Era como se depois de algum


tempo olhando para aquele ônix brilhante, não houvesse mais

chance de proteger os pensamentos mais profundos.

Entretanto, alguém como Conrad Prince nunca se importaria


com alguém como eu, pelo menos, foi o que pensei em mais uma

das minhas escapadas para a pequena pista de pouso desativada.

Passei pelo buraco feito há eras que ninguém se preocupou

em consertar, e com minha mochila, fui até o lugar de sempre. Me

sentando no meio do que um dia foi a pista de decolagem, puxei um


pacote do meu biscoito favorito, meu estojo e o meu caderno de

desenho, aproveitando a paz daquele lugar completamente

esquecido para cuidar do meu projeto.

Pouco a pouco construí os traços, deixando tudo tomar forma

no seu tempo, e cada vez que pensava naqueles olhos, nas

sobrancelhas perfeitas, nos cílios longos, meu estômago era


balançado por todas as malditas borboletas que viviam escondidas

à espera de qualquer coisa sobre ele.

Foi perdida em pensamentos, tentando acertar o limite de sua


pupila, que tomei um susto gigantesco quando, atrás de mim, a voz

dele soou clara, alta, num tom debochado que eu nunca tinha

ouvido.
— Não sabia que você era do tipo que gosta de invasão de

propriedade privada.

O medo de ele ver o que eu fazia me fez fechar o blackbook

com tudo e escondê-lo contra o peito. Conrad girou em volta de


mim, parando do meu lado direito e, com o isqueiro girando nos

dedos da mão esquerda, ele perguntou:

— O que é isso?

— É particular. — Corri para ajeitar o caderno dentro da bolsa,

evitando olhá-lo, mas completamente consciente de que seus olhos


não perdiam nenhum movimento meu.

— Você gosta de desenhar?

— Gosto — declarei na defensiva..

— E faz isso bem, ou é ruim como a maioria das pessoas?

Aquilo me fez querer rir. Era amargo, mas eu pensava igual.

Fechei a mochila e forçando os olhos por causa da luz, encarei


Conrad e respondi:

— Eu ainda preciso melhorar, mas sou acima da média. —


Não era dada a falsa modéstia.
— Hm, acho que tenho algo interessante para te mostrar

então, vem comigo — dando a ordem, virou-se e começou a andar,

como se soubesse que era impossível não o obedecer.

Coloquei-me de pé, joguei a mochila nas costas e dei uma

corridinha de leve para acompanhá-lo numa distância segura. Notei

quando Conrad enfiou a mão no bolso, guardou o isqueiro e tirou de


lá um molho de chaves.

Encarei a estrutura grande de teto curvo no fundo do terreno e

repensei.

— É uma boa ideia a gente entrar aí?

— Ninguém está te obrigando — ele abriu a porta, empurrou-a

e virou para mim —, ou está?

Havia um desafio em sua pergunta, e eu não queria ser


covarde na frente dele.

— Não.

— Então — ele indicou com a cabeça —, primeiro as damas.

E eu passei por Conrad, sentindo seu cheiro de cigarros e


amaciante quando meu ombro quase esbarrou em seu peito.

Nunca sonhei que aquela mistura poderia ser boa, mas era.
E combinava perfeitamente com ele.

Estava escuro ali dentro e o receio de estar no meio de alguma

pegadinha me acertou em cheio. O nervoso se espalhou, fazendo


minhas palmas das mãos suarem. Tentei enxergar logo o que havia

ali, mesmo no escuro, mas Conrad foi rápido em acender as luzes e

o que vi em seguida me surpreendeu de uma maneira inimaginável.

Meu queixo foi ao chão, minha mochila caiu do meu ombro e

eu fiquei um bom tempo querendo rir sozinha.

— Gostou? — Ele parou ao meu lado, admirando os desenhos

na parede.

Era uma grande floresta em preto e branco, com detalhes

bem-feitos de luz e sombra, numa profundidade intensa.

— Foi você quem fez? — perguntei, não conseguindo ignorar a


proximidade dos nossos braços. Era só eu ou ele também sentia

aquela tensão?

— Foi. Mas não sou bom com cores, e eu acho que seria bom

pintar. Desde que meu pai abandonou isso aqui, tinha a sensação

de que o mato tomaria conta em pouco tempo, então tentei acelerar

as coisas.
Conrad deu de ombros, como se aquilo, aquela arte toda,
fosse nada.

Fiquei mais algum tempo em silêncio, encarando tudo,


pensando na beleza e na tristeza incutida ali em cada traço, e

finalmente perguntei:

O garoto de cabelos pretos se afastou no tempo que perdi

contemplando sua arte e foi para a parede às nossas costas.

Quando me recuperei, finalmente achei minha voz.

— O que quer que eu faça? — Caí com os olhos sobre ele e o

vi de braços cruzados, encostado na parede, com um dos pés

apoiado nela. Seu rosto tinha uma expressão blasé, mas seus olhos
eram vibrantes demais para que eu caísse naquela mentira de que

ele estava desinteressado.

— Acha que pode pintar para mim? — O choque da pergunta

me fez arregalar os olhos.

Minha garganta secou.

— Eu?

— Não há mais ninguém aqui, ou há? — Ele não era um doce

de pessoa, mas Conrad tinha razão, era uma pergunta burra.


— Bem, eu não tenho material para isso… — Antes que
pudesse completar, ele me interrompeu:

— Eu tenho — indicou as latas de tinta com a cabeça —, mas


se você não quiser…

Frustração subiu pelo meu peito.

— Calma. — Ergui a mão, fazendo-o calar. — Não é isso…

— Então o que é? — Ele parecia irritado, mas não exatamente


comigo.

— É que, e se eu estragar? É seu trabalho e — suspirei,


encarando de novo a parede —, é enorme, e muito bom.

O sorriso que Conrad Prince deu me desmontou.

Eu não estava preparada, nem meu coração.

Foi como tropeçar e cair de novo naquele riacho de água fria.

— Pelo que soube do seu talento, acho que você dá conta do


recado.

Analisei mais um pouco o galpão, tentando processar que

aquele garoto que eu observei desde que mudei para aquele lugar
esquisito e não pertencente estava procurando saber sobre mim. As

marcas de pequenos incêndios na parede contrária denunciavam


que Conrad realmente passava algum tempo ali, e não consegui
segurar a pergunta.

— Você já me viu aqui alguma outra vez?

— Já. — A resposta era fria, mas ainda assim fez minhas


bochechas corarem. — E já vi alguns rascunhos seus jogados por
aí.

Meu coração veio à boca.

Será que ele sabia que era a inspiração de boa parte daqueles
desenhos?

— É por isso que sei que você pode fazer isso por mim. Eu

realmente não sou bom com cores.

— E é só isso? — Virei rápido para encará-lo de novo e vi uma


de suas sobrancelhas erguidas, tentando processar minha pergunta.

Distraidamente, Conrad brincava com a chama do isqueiro e tentei


fingir que aquilo não me fascinava.

— É… — Ele sorriu de canto e meu coração bateu tão forte

dentro do peito que tive medo dele ouvir. — E não.

— Então o que mais você quer?

— Conhecer você — ele foi direto, sua expressão era séria de


novo, seus olhos fixos nos meus não me permitiram fugir.
— Por quê? — Era a única resposta possível.

— Porque você me intrigou. — O silêncio entre nós naquele

minuto durou uma era, e sem pensar, sabendo que ele tinha quem
quisesse na mão, fui clara no meu recado.

— Eu não sou um animal exótico, Conrad. — Era a primeira

vez que eu dizia seu nome em voz alta.

— Eu sei.

— Então o que quer?

— Que você pinte minha parede. — Era tudo, menos aquilo. —

E que vá comigo hoje à noite ao parque.

Ah, o maldito parque. Eu até gostaria de ir, mas Susan odiava


precisar me levar junto.

— Não. — Fui rápida e ele colocou o pé no chão e se afastou

da parede.

— Por quê? — Foi mais ríspido do que eu esperava e eu me


encolhi um pouco.

— Não posso sair sem minha irmã — justifiquei com vergonha.

— Ah, é isso? Leve-a.


— Acho que você não a conhece bem… — Não era uma boa

hora

— Acredite, eu sei quem é sua irmã. — Ele acendeu o


isqueiro, a chama dançou contra a pele de sua mão livre.

— Ainda assim, eu adoraria ir, mas não posso. Susan ainda

está muito magoada com os últimos acontecimentos e é bom evitar


provocá-la por alguns dias.

Ele não gostou, mas relaxou.

Parecia que ouvir o motivo da minha recusa o confortava.

— E a parede, quando posso começar? — Tentei mudar o foco


para que meu coração se recuperasse daquela intimação.

— Amanhã.

— Certo… Então, acho que já vou.

Eu já estava há tempo demais com ele, e se no dia seguinte


ficaria mais, precisava me preparar. Dei as costas, pronta para ir

embora, quando Conrad me chamou:

— Ei, Red. — O apelido soou estranho, mas eu o atendi de


primeira, olhando sobre o ombro. — Venha preparada, porque eu
realmente quero te conhecer melhor.
E aquela foi minha queda.

Na manhã seguinte eu me senti o próprio James Bond.

Antes que Susan acordasse, escovei os dentes, me vesti o


mais silenciosamente possível, escolhendo um short jeans folgado e

a camiseta branca cheia de manchas que era mais curta na barriga


por causa do calor, prendi o cabelo no alto da cabeça, peguei meus
vans falsificados e desci as escadas o mais silenciosamente

possível.

Como não tinha ideia de que hora voltaria, engoli o pãozinho


que meu avô havia deixado para o nosso café, enfiei uma garrafa

d’água na bolsa junto de dois pacotes de biscoito e escrevi no porta-


recados preso à geladeira “volto mais tarde, qualquer coisa me
liguem”.

Era o bastante, não?

Vovô confiava mais em mim do que em minha irmã, sabia que


eu não era o tipo de garota que causaria problema e que precisava
respirar longe de casa quando me sentia agoniada.

Minha ausência não seria um problema a menos que Susan


implicasse mais tarde, mas como estávamos nos dias em que ela

fingia que eu não existia, duvidava que ela daria o braço a torcer
para reclamar do meu sumiço.

Fazendo o menor barulho possível, saí de casa ainda de

meias, me sentei nos degraus da porta e depois de calçar os tênis,


ajeitei a mochila nas costas e comecei minha caminhada.

Levou menos de meia hora até que eu passasse novamente

pelo buraco da grade, e se já estava ansiosa antes, montando um


milhão de possíveis diálogos na minha cabeça, pensando como
deveria me comportar, quando vi a porta do galpão aberta, meu

cérebro derreteu.

Respirei fundo, apertei com mais firmeza o rabo de cavalo no


alto da cabeça e passei os dedos pelas alças da mochila antes de

ter coragem de seguir em frente. E de fato, ainda bem que eu


estava preparada, porque quando entrei pela porta, Conrad, sentado
no meio do lugar com uma lixeira entre suas pernas, colocava fogo

em pequenos pedaços de papel e os fazia voar.


— Está aqui há muito tempo? — perguntei, não querendo
pegá-lo de surpresa, mas o garoto nem se abalou comigo,

continuando sua pequena distração.

— Acho que cheguei há meia hora…

— Certo. — Caminhei até estar ao seu lado e parei, encarando

todo o trabalho que teria. — O que você tem em mente?

— O que você quer fazer? — Havia algo errado. Conrad


parecia chateado, mas eu não era sua amiga, nem sua colega, para

perguntar o que tinha acontecido.

— Posso ver as tintas?

Ele deu de ombros.

Larguei a mochila ao lado dele e avancei para ver os cinco

galões, conferindo as cores, ficando um pouco decepcionada. Eram


vermelho, azul, verde, amarelo e branco. Eu precisaria misturá-las,
se quisesse algo legal.

— Há um balde ou algo onde possamos misturar isso aqui?

Ele olhou em volta e então, não achando nada, virou a lixeira à


sua frente de boca no chão, dando algumas batidas no fundo,
expulsando seu amontoado de brasas.

— Isso serve?
Quem deu de ombros fui eu, uma vez que não tinha opção

melhor.

— Eu trouxe pincéis para você.

Em segundos, Conrad estava na minha frente, perto demais,

me olhando de cima com a lixeira sendo oferecida. Engoli em seco o


suspiro que quis dar.

— Obrigada, mas — peguei o que ele me oferecia — para


mim? E você, não vai trabalhar?

— Eu te disse, não sou bom com cores. — Ele voltou a olhar


para a parede, e então de novo para mim. — Você é.

Quis sorrir pelo elogio, mas não quis parecer boba.

Com ajuda do material que ele me ofereceu, abri as latas de

tinta, mexi o conteúdo e tentei pensar no que faria.

— Pode me ajudar? Eu quero chegar a um tom exato de


verde, e acho que vou precisar misturar o azul, o vermelho e o

amarelo para uma base marrom, mas não aguento o peso desses
galões.

Conrad não falou nada, fez o que pedi e, de forma obediente,

despejou as quantidades de tinta conforme eu ia mexendo com o


pedaço de madeira até ter certeza do tom que precisava. Foi
quando ele finalmente colocou a tinta verde que meus olhos
desviaram um pouco para ver que a manga de sua camiseta estava
erguida e um vergão vermelho marcava a pele clara alguns dedos

acima do pulso. Parecia a marca de uma corrente, porém não tive


tempo de ver melhor. O garoto notou que eu tinha visto algo que não
devia e largou o galão de tinta por um minuto para ajustar as

mangas da blusa.

Eu não disse nada. Não parecia que devia.

Quando finalmente atingi o tom que desejava, pedi por tinta

branca, e depois de uma boa quantidade do tom que clareou minha


mistura, o verde que eu queria ficou perfeito.

— Era isso mesmo que você queria?

Conrad não botou muita fé na cor.

— Exatamente essa — confirmei, não dando margem para ele


me questionar.

Não tinha me chamado até ali para isso? Então que confiasse

no que eu faria.

— Hm… — Ele parou, me encarando de um jeito esquisito e


eu tentei lê-lo, não conseguindo, mais uma vez. Antes que pudesse
me parar, a pergunta saltou da minha boca.
— O que está pensando?

— Que isso pode dar errado. — segurei com todo meu


autocontrole para não revirar os olhos. — E que achei que você não

viria.

— Eu disse que viria, não disse? Sou do tipo que cumpre o


que fala.

— É, mas você poderia achar que isso era algum tipo de


pegadinha, não? — O tom dele não era ameaçador, mas a
possibilidade de ser feita de boba foi como ter um balde de água fria

na cabeça.

— Se isso fosse algum tipo de brincadeira sem graça, eu teria


que te matar.

Conrad riu.

Ele não só sorriu, riu abertamente, mostrando todos os dentes


bonitos, jogando a cabeça para trás. Não o interrompi, queria gravar
aquele momento com perfeição, mas durou pouco. Quando se

recuperou do golpe inesperado, Conrad me encarou de cima a


baixo, fazendo um calor esquisito se espalhar pelo meu corpo, como
se eu fosse um daqueles míseros pedaços de papel, e disse baixo:

— Eu adoraria ver você tentar.


Fiquei atordoada, mas precisava desconversar.

— Ok, todo-poderoso-Prince. Você vai ficar? — Era a única

desculpa para que ele não pegasse em um pincel.

— É claro que sim. — Por um segundo, acho que ele pensou


que eu fosse burra.

— E eu vou ter todo o trabalho da parede sozinha, sem


receber por isso?

— Estou proporcionando um prazer genuíno no meio deste


verão desgraçado. Isso já é um pagamento decente, não?

Foi minha vez de rir.

Peguei o primeiro pincel largo que encontrei e joguei para ele.

Conrad o pegou no ar.

— Se vai ficar, vai trabalhar.

— Já disse que não sei pintar — ele insistiu, tendo certeza de


que eu era burra.

— Relaxe, vossa alteza — passei por ele, indo para o balde de


tinta —, eu vou te ensinar.
Conrad não discutiu. Marquei todos os pedaços que era para

pintar com aquela cor, expliquei para ele o que queria que fosse
feito e, no final das contas, depois de achar mais uma lixeira velha,

dividimos a tinta e atacamos cada um uma extremidade da parede.

E ele tinha razão, enquanto seus traços eram muito bem-


detalhados, o garoto Prince tinha zero talento para colorir, o que na
minha cabeça, até aquele momento, era tecnicamente impossível.

Mesmo assim, Conrad cobriu bem a área que eu precisava. Depois,


eu só seguiria com um pincel mais preciso e ajustaria os detalhes, a

textura… Não seria um problema.

Quando já havíamos coberto uma boa quantidade de folhas na


parte de baixo da parede, Conrad largou o pincel e foi se sentar. Ele
também tinha trazido sua mochila e, só me alertando antes, jogou

uma garrafa d’água na minha direção.

— Merecemos uma pausa.

E de fato, sob aquele teto quente, sem nenhum vento, com o

cheiro de tinta inundando nossos pulmões e o suor escorrendo a


ponto de molhar a camiseta, eu não pude negar a possibilidade do
descanso.
Aproximei-me dele, sabendo que não teria alternativa que não
fosse sentar naquele chão sujo de fuligem e resto dos seus
pequenos incêndios, e querendo uma confirmação, ao me sentar e

encostar as costas na parede, perguntei despretensiosamente:

— O que aconteceu aqui, deste lado? — Indiquei os pontos


cheios de marcas de explosões ou chamas contra a parede.

— Pequenos acidentes. Eu gosto de ver algumas coisas


queimar — ele disse como se não fosse nada de mais.

Sentado com as pernas flexionadas e os braços apoiados nos


joelhos, brincando com a garrafa d’água, vi pela visão periférica
como Conrad vistoriava meu corpo. Não me senti invadida, mas era

inevitável não me constranger. Encarei a parede, não querendo


interromper aquele momento, acreditando que era justo ele me olhar
daquele jeito, pois eu tinha feito o mesmo nos últimos dois anos sem
sua permissão e me distraí notando a diferença do que tínhamos
feito cada um em sua parte. Levou alguns minutos para eu me
mexer. Sentei na posição birmanesa (pernas de índio) fazendo um

anúncio de que o encararia, mas nem isso parou Conrad, e


segurando um meio-sorriso, peguei seu olhar nas minhas coxas.
Tentei adivinhar o que ele pensava, se desaprovava algo em
mim, se analisava algum detalhe imperfeito, mas me surpreendi
quando seus olhos voltaram ao meu rosto e ele perguntou:

— Qual sua história?

O que eu poderia contar?

Desviei os olhos dos dele, encostei a cabeça contra a parede e


respirei fundo antes de soltar meu resumo pronto.

— Meus pais morreram há três anos. Eu e Susan só temos


nosso avô, e viemos da Inglaterra direto para cá. É isto, desde
então. Não há uma grande coisa, sabe?

Fechei a garrafa d’água e pousei no chão, ainda evitando


encará-lo.

— Acho que está errada.

— Como poderia? — Sorri, mesmo sem querer. — É o que é.

— Mas não significa que não seja uma grande coisa. Seus
pais eram bons pais?

— Os melhores possíveis. Mamãe era linda e sabia fazer com


que tudo ficasse bem em menos de cinco minutos de conversa.
Papai era o tipo de pessoa rara no mundo, um abraço dele e você
sabia que nada poderia te machucar. — Suspirei, saudosa, e virei
um pouco a cabeça para olhar para Conrad. — Ok, você tem razão.
É uma grande coisa, mas eu gosto de fingir que não é.

— Por quê?

— Porque… É assim que dói menos. — Sorri sem graça mais


uma vez e evitei seus olhos de novo.

— E sua irmã?

— Susan? Acho que decidiu odiar o mundo, e eu estou no

pacote. É o jeito que ela encontrou de lidar com tudo, e por isso eu
não a julgo mesmo que doa muito ver o quanto ela pode machucar
os outros só porque não lida com as próprias feridas. No fundo, ela
é uma boa pessoa, acredite.

— Mesmo que ela quase tenha te matado. — Seu tom era


imperdoável.

— Foi um acidente — defendi minha irmã insensata e


impulsiva. — Não posso levar isso para o coração, ou nunca mais
vou conseguir dormir em paz ao lado dela.

— Bom ponto — ele concordou. — E os desenhos?

— São meu escape. Quase ninguém sabe que eu gosto de


desenhar, é como um hobby secreto que, nos últimos tempos, sem
meus livros, me ajuda a passar o tempo…
— E o que mais você gosta de ler além de O morro dos ventos
uivantes?

— Todos os romances clássicos — continuei, sem fitá-lo.


Assim era mais fácil me abrir. — Eu tenho o meu favorito e é o que
você indiretamente me ajudou a roubar da biblioteca e agora está

perdido para sempre. — A tristeza daquele fato ainda não tinha me


acertado e para superá-la, eu precisei de ar. — Mas, de todo o jeito,
eu adoro romances. Os clássicos me trazem uma ideia estranha e
tentadora de que os conflitos todos provam ao casal que gestos e
atitudes diante de uma sociedade problemática são o que realmente
importa. Adoro a ideia de um amor platônico, puro e gentil, mas

gosto ainda mais quando ele pode se tornar real e movimentar toda
uma cadeia que entra em colapso quando pessoas estão
predestinadas e fazem de tudo para ficarem juntas.

— Mas, se eu estou certo, O morro dos ventos uivantes não é


sobre um monte de gente que se odeia? Sinceramente, até tentei ler
essa história, um ano atrás, mas me irritei tanto com Catherine e
Heathcliff, que quase coloquei fogo no livro.

Quis rir daquilo.


— Eles são peculiares. Ele é criado no ódio, na inveja. Cresce
com a ideia de que Catherine não acha que ele é digno dela por
causa de um mal-entendido, e mesmo com todo seu plano de
vingança, todo seu ódio por ela e sua família, ele não consegue

deixar de amá-la. É visceral. É maior que ele. Catherine, por outro


lado, sabe o que a sociedade quer dela, porém, se Heathcliff tivesse
tentado, se tivesse ficado, ela teria ido com ele para qualquer lugar
no mundo. Os dois se pertenciam, mesmo que ela estivesse com
outro, o coração dela sempre foi dele. Eu gosto disso. Eles não são
perfeitos, eles são falhos, reais como nós, e perdem uma vida inteira

para descobrir no final que, não adiantava fugir, o amor é a coisa


mais poderosa do mundo.

Ficamos os dois em silêncio. Minha análise não era algo que

eu compartilharia assim de mão beijada, mas era ele, e era natural


falar daquela forma. Eu não deveria, e acreditei que seria muito
diferente, mas Conrad, apesar de toda sua aura sombria e
enigmática, me fazia sentir em casa.

— E é isso que você realmente acredita? — ele disse baixo,


num tom mais grave, depois de absorver o que eu havia dito.

— É. — Encarei-o sem medo dessa vez. — E você gostar de


ler é uma surpresa — quis desconversar. — Qual o seu romance
favorito?

— Não deveria dizer. — Ele sorriu de canto e apoiou a cabeça


na parede enquanto me olhava. — Entretanto, se eu disser, você vai
manter segredo, assim como não vai contar para ninguém sobre

este lugar, ou o que estamos fazendo aqui.

— Certo — prometi.

— Gosto de Jane Austen. — Sua voz era baixa, preguiçosa e


meio grave, boa de ouvir. — Minha mãe lia para mim, e depois de
um tempo, enquanto trabalhava, conforme eu estava aprendendo a
ler, pedia para eu ler em voz alta para ela.

— Eu também gosto dela. Qual seu favorito?

— Tenho três, e eles mudam a ordem de preferência com o


tempo. Mansfield Park, Orgulho e Preconceito, Razão e
Sensibilidade.

— Eu gosto desses. — Sorri, feliz por mais uma coisa em


comum entre nós.

Por um longo minuto, só havia dez centímetros de distância

nos separando sem um pingo de constrangimento.

Eu pude olhar para Conrad sem precisar me esconder, sem


precisar fugir.
E foi divino. E foi minha queda.

Era demais para o meu coração suportar.

Por sorte, meu celular tocou, nos arrancando daquele transe

esquisito.

— Oi, vovô! — atendi o mais rápido possível, e depois de dizer


que voltaria logo para casa quando ele disse que eram quase três

horas, me coloquei de pé.

— Você precisa ir? — Conrad perguntou, parecendo chateado.

— Acho que sim…

— Posso te levar?

— Eu acho que não, seria complicado explicar, sabe? Outra


que, quero evitar conflitos. — Ele entendia o recado.

— Eu moro perto de você, podemos arranjar uma desculpa, se


você quiser.

Ele me dava a oportunidade de ficar mais tempo junto dele,


mas era demais para um dia.

Eu precisava respirar e processar.

— Quem sabe depois?


Conrad não gostou da minha negativa. Seu rosto virou aquela
máscara esquisita de mandíbula travada e olhos impenetráveis de
novo. Eu me senti culpada por barrá-lo, mas precisava fazer.
Precisava ou, pelo andar das coisas, em minutos eu estaria dizendo

que o imaginava como a minha versão de Darcy, ou Heathcliff, ou


Coronel Brandon, ou Edmund, ou todos os mocinhos de romance
dos quais falamos e dos que eu já tinha lido.

O silêncio constrangedor durou até que nós terminássemos de

ajeitar as coisas e, quando achei que ia embora com aquele peso


nas costas, Conrad me avisou:

— Red — ele esperou que eu o olhasse para continuar —,

amanhã nós não podemos vir aqui.

— E quando voltaremos? — Tentei não parecer decepcionada,


mas falhei.

— Eu te aviso, mas amanhã, não. — Percebi uma nota de


irritação em sua voz.

Aquilo era algum tipo de punição?

— Certo. — Eu não questionei.

— Mas, se você não for fazer nada amanhã à noite, eu


realmente gostaria de ir com você ao parque. E leve sua irmã, o
meu irmão também vai, será uma boa distração.

— Isaac? — perguntei.

— Você sabe que sim.

— Acho que podemos, mas como… — Foi tão rápido que eu


quase caí.

Em um segundo, Conrad estava na minha frente, com o peito


quase junto ao meu, seus olhos escuros me prenderam no lugar e
seus dedos tocaram a borda do bolso da frente do meu shorts,

puxando meu celular para si.

Engoli em seco, tentando não respirar rápido demais.

Como se fosse a coisa mais natural do mundo, seus dedos

digitaram rápido algo na tela e percebi quando ele enviou a si


mesmo uma SMS do meu celular ao dele.

— Pronto. Agora, se você puder, confirme logo.

Sem cerimônia, ele voltou a colocar o celular no meu bolso.

Meus dedos se apertaram em volta das alças da mochila.

Eu queria gritar. Queria que ele me tocasse.


Mas havia ali uma barreira invisível difícil demais de
transpassar.

— Até mais, Red. — Seu hálito quente soprou sobre o meu


rosto e eu confirmei com a cabeça, não conseguindo falar nada.
Virei as costas e me obriguei a andar em linha reta para fora dali,
com o coração batendo contra o peito quase rasgando a carne,

louco para gritar para Conrad Prince que eu o amei desde o


segundo que coloquei os olhos nele.

E que talvez nunca me recuperaria disso


conrad

eu me tornei tão entorpecido, não posso te sentir aí. me tornei tão


cansado, tão mais consciente. eu estou me tornando isso, tudo o
que eu quero fazer é ser mais eu mesmo e ser menos como você.

numb, linkin park.

Coloquei o cigarro na boca, cobri a chama do meu bom e velho

isqueiro com a mão e puxei o ar, fazendo a ponta brilhar em laranja


enquanto enchia meus pulmões com a primeira tragada. Apoiei os

dedos no filtro como se fosse um baseado e olhei para a porta

enquanto soltava a fumaça no ar. O balde escondido sob minhas


pernas estava tapado com plástico filme para conter o cheiro lá e,
apesar disso, Scarlet precisava agradecer por eu não ter ido atrás

de tioacetona (substância mais fedida do mundo), se tivesse ido, ela


nunca mais conseguiria se livrar do cheiro.

— Não pode fumar aqui dentro. — Ganhando minha atenção,


ergui os olhos para ver Bella se aproximar. Permiti que ela puxasse

minha mão para sua boca e notei seus olhos espertos em mim

enquanto dava uma grande tragada.

— E o que você está fazendo agora? — Minha ironia nunca a

incomodou.

— O cigarro ainda é seu. — A fumaça escapou por seu nariz e

ela se sentou entre Thomaz e eu. — Qual é o plano? Os Lions estão

bem irritadinhos com a gente depois do que fizemos.

— Arruinamos a festinha de merda deles, e daí? — Thomaz

deu de ombros, encarando a mesa do outro lado do salão.

— Não é só isso. Estão falando sobre Conrad estar com os

Vipers, sobre os motivos que o fizeram voltar. — Ela me olhou de


soslaio, o lápis forte em volta dos olhos escuros. — Estão tentando

adivinhar.

— Que tentem. — Deixei de lado, mas Thomaz não parecia

disposto e seu ego às vezes lhe subia fácil demais à cabeça.


— É bom que vejam Conrad conosco e entendam que não há
lugar para coitadinhos aqui. Esta universidade tem nome, tradição, e

é absurdo que qualquer merdinha sem ter onde cair morto entre por

aqui e se sinta algo importante.

Apesar de não admitir, eu sabia por meios não muito decentes

que a família de Thomaz estava falida, mas eles ainda tinham um

sobrenome forte, um brasão que parecia valer mais do que qualquer


bem, e o faro para gente importante e talentosa. Se alguém sem

dinheiro tivesse algo a oferecer, eles poderiam facilmente fingir que

a pessoa era do círculo deles. Se tivesse um sobrenome poderoso

em qualquer indústria que fosse, seria bem aceito, mas qualquer

coisa fora disso não valia nem mesmo uma segunda olhada. Bella

não era muito diferente, mas eu tinha certeza de que era a influência
de Thomaz sobre ela que a deixara tão arrogante. Ainda assim, com

todos os defeitos do mundo, ambos me acolheram e, por isso, e

pela minha história, quando meus olhos fitaram os do meu melhor

amigo, ele soube que tinha falado merda.

— Eu não quis… Você é um Prince. — Era o máximo de

desculpas que eu conseguiria dele.

— Por parte de pai. — Minha resposta ríspida o colocou de pé.


— Não foi o que quis dizer, você sabe. Vou ajeitar o telão. — E

no segundo seguinte, ele se afastou.

Terminei meu cigarro em silêncio, analisando tudo à minha

volta, ignorando a mão de Bella acariciando minha nuca.

— E então, como é estar de volta?

— Nunca me senti melhor. — Era verdade. Cada vez que meu


ódio era ativado, cada vez que a possibilidade de pisar em quem

havia acabado comigo surgia, eu só sabia me sentir disposto a ir


mais e mais longe.

— E, sobre o que você contou, quando vai… — Ela ia


perguntar algo que não deveria em voz alta e eu tirei sua mão de

mim, fazendo Bella prender a respiração e encerrar a pergunta.

— Nunca fale disso, ainda mais em um ambiente aberto como


este. E as coisas vão como devem ser. A noite da festa do tal
torneio está chegando, você vai saber em breve o que é uma

Supernova[1]. — Fitei-a de soslaio e a morena manteve os olhos

estreitos, desconfiada e curiosa.

— Ok, se você diz… Estou ansiosa para experimentar, dizem

que transar com ela no sistema é… — Eu a interrompi de novo.

— Algo que você nunca experimentou.


— E poderia, com você. Pelos velhos tempos, o que me diz?

Eu não a respondi. O máximo que fiz foi sorrir de canto,

sabendo que ela tentaria o seu melhor e que, a qualquer hora, eu


poderia precisar daquela vantagem da nossa amizade, mas não

queria nenhum sentimento envolvido e sabia o que uma Supernova


poderia fazer. Era melhor dar algumas amostras de presente para
que ela e Thomaz consumissem juntos, assim o risco de Bella me

olhar diferente cairia drasticamente.

Pensando sobre o que ela queria, vi quando meu celular vibrou


e a mensagem apareceu no visor.

Traga a estrela.
23h50.

Eu sabia para onde ir.

E sabia o quanto de dinheiro entraria na minha conta depois


daquilo.

Era inevitável ficar feliz sabendo que, além de me fazer rico, eu


teria provas o bastante para foder com ele, caso fosse pego.

Pensando nisso, me peguei listando o que faria mais tarde para


matar hora, antes de encontrá-lo. Era hora de ver minha mãe, hora
de mostrar à cidade que eu estava de volta. Não precisava mais me
esconder ou abaixar a cabeça. Eu não era mais o garoto que todo
mundo odiava, ou ainda era, mas não estava nem aí.

— Conrad. — Ouvi de longe a voz de Bella em alerta. — Porra,

Conrad, cuidado! — O isqueiro na minha mão aquecia o pano que


pendia de dentro da cesta de frutas à minha frente e minha amiga
precisou jogar parte da jarra de suco para apagar a chama que

avançava no tecido.

— Me distraí. — Era o meu pedido de desculpas.

— É, mas não deveria. — A bronca veio enquanto ela colocava


papéis em volta do pequeno desastre molhado. — Olhe só quem
chegou, e desacompanhada. Ela não costuma tomar café aqui.

— Eu sabia que ela viria. — Menos de uma semana dentro

daquelas paredes e eu já sabia de tudo da rotina deles.

— Como?

— Porque meu irmão está ocupado demais fodendo com uma

líder de torcida para cuidar da própria namorada.

— E você sabe disso de que modo? — Os olhos de Bella


brilharam numa maldade ácida rara de ver.
— Tenho minhas fontes. — Fechando o isqueiro, colocando-o
dentro do bolso, eu me levantei.

Os cabelos ondulados, laranjas como o fogo, estavam soltos e

espalhados pelas costas. As novas mechas quase brancas caíam

pelas bochechas escondendo os olhos verdes, espertos, que


estavam concentrados no lugar onde ela se sentaria. Aquele parecia

um modus operandi seguro dentro da bolha em que ela vivia, até

notar minha presença.

Sempre foi assim. De algum jeito sobrenatural, Scarlet sempre

sentia quando eu a olhava e, daquela vez, mesmo com todo aquele

tempo de distância, não foi diferente.

Notei isso quando ela parou subitamente e olhou em volta.

Seus olhos queimaram na minha direção. Brilhantes, grandes


e intensos. Aquela era a única parte dela que continuava tão viva

quanto antes, mesmo depois de todo o seu mundo se partir em

pedaços, seus olhos ainda não mentiam, ainda resistiam.


Aquilo me corroeu por dentro.

Em cinco anos, eu raramente a vi. Na verdade, mesmo

evitando, vez ou outra eu tinha que encarar a presença dela nas

fotos de família que meu pai fazia aparecer em algum jornal. Ela
sempre ao lado de Isaac, sempre com as mãos dele em volta de

sua cintura, me mandando um recado claro, independentemente de

onde eu estivesse. Eu venci — era o que os olhos dele diziam para

a câmera.

Tudo o que eu queria era a chance de responder: ainda não.

Eu já tinha todo o plano na cabeça.

Eu a machucaria, provocaria, faria perceber que meu irmão

nunca poderia protegê-la, que ele era o real inimigo, e deixaria os


dois afundarem. Eles mereciam.

O fogo no meu peito cresceu ao pensar em como ela ficaria

sem reação e indefesa, toda suja, fedendo, marcada. Seria

fascinante ver como todos assistiriam àquela cena. Em como se


orgulhariam de ver que eu era o vilão perfeito para aquele teatro que

armaram com tanto custo.


E ao meu sinal, com o vídeo que Thomaz passou o final de

semana editando enquanto Scarlet estava reclusa no quarto de

Isaac, as paredes de tijolo antigo do refeitório viraram uma grande


tela onde, com o som engraçado de algo gosmento caindo, ela era

vista desmaiando e, em uma montagem malfeita, virando merda ao

chão.

Os risos começaram fracos. Scarlet pareceu perdida. Vi

quando suas mãos sobre a mesa se fecharam em punho e foram

recolhidas para o colo ao mesmo tempo em que ela encarava o


vídeo na parede à sua frente.

Bella reforçou o barulho, gargalhando alto de cima da mesa

dos Vipers e apontando para Scarlet, não dando chance do nosso


alvo se esconder.

Assisti pacientemente aos olhos de Scarlet se fechando. A


respiração ficando pesada, o lábio inferior tremendo.

Chore, grite, esperneie — eu implorei mentalmente.

Mas ela só ficou sentada ao som dos risos e dos olhares

curiosos.

A vontade de socar a parede cresceu numa impulsividade

absurda dentro das minhas veias. Por que ela não reagia? Queria
provocá-la, queria que ela começasse a duvidar da própria

sanidade, e avancei com o balde na mão, pronto para fazê-la tão


imunda quanto um banheiro público. Eu só não esperava que,

naquela curta distância, fosse precisar me esforçar tanto para

engolir o que deveria deixar esquecido no mais profundo da minha


mente: o cheiro de Scarlet ainda era o mesmo.

A fragrância de capim limão recém-cortado atingiu meu

cérebro em cheio e eu a odiei ainda mais quando me lembrei de ter


dormido abraçado à minha blusa com o perfume dela até que o

tecido perdesse o cheiro.

Era fresco, limpo, intenso. Era ela, sua personalidade, sua

essência. Agora, anos depois, ela tinha uma nota mais madura, algo

a ver com o cigarro que descobri ser seu novo vício. Ainda assim,

eu adorava, odiava, queria arrancá-la daquele pedaço meu que


ainda sentia falta, e com essa vontade berrando em cada célula

minha, eu não pensei duas vezes antes de arrancar o plástico do

balde.

A mistura de terra, água e merda pareceu ainda mais nojenta

quando ergui o balde e o despejei sobre a cabeça dela e,

finalmente, ganhei uma reação.


O grito de Scarlet atingiu meus ouvidos e meu coração. Era

como uma droga.

Eu adorei. Queria que ela se lembrasse para sempre que, se


ela atormentava minha existência, eu foderia com a dela duas vezes

mais.

O riso em volta de nós foi ainda mais cruel, mas eu não ri.

Não era a graça que eu queria, mas ainda assim, estava

satisfeito quando ela levantou e me encarou, tremendo.

O meio-sorriso rasgou meu rosto, incontrolável.

Dei dois passos para trás, mostrando todo meu nojo no olhar

que dei de cima a baixo nela e larguei o balde.

— Agora você tem o cheiro certo — disse em um tom de voz


baixo e calmo conforme a via entender o que eu tinha feito.

As mãos rentes ao corpo, fechadas em punho. Os olhos com


uma raiva sem igual.

Ela não tinha mais medo de me encarar como nos dias

anteriores.

Scarlet queimava em raiva, e era isso o que eu queria.

Pode vir, baby — pensei.


Ela fechou os olhos. Os lábios pequenos em formato de

coração se comprimiram.

E quando achei que ela gritaria, que surtaria, que sairia

correndo, ela abriu o zíper da jaqueta. A primeira peça foi ao chão.

Depois a camisa. E, maldição, com todo aquele tempo, Scarlet


ainda não tinha aprendido a usar sutiã.

Os seios marcados contra a regata branca molhada foram


motivo de chacota, mas mesmo com todo mundo rindo, Scarlet

pareceu surda, carregando no peito o desafio de me mostrar que

aquilo não a abalaria. Abriu os olhos de novo, encarou-me como se

fosse capaz de me matar, e arrancou as botas, pulando para longe


do molhado.

Quando a vi abrir o botão da calça jeans, não acreditei.

Mas ela continuou, se livrando do tecido imundo,

escorregando-o pelas coxas e o arrancando com os pés. Precisei

segurar a respiração. Aquilo era a última coisa que a garota que eu


deixei para trás faria, mas lá estava ela, se abraçando, molhada,

fedendo, seminua. Foi impossível não conferir a calcinha de renda

vermelha, ou o contorno das coxas, ou de sua bunda quando ela


deu meia-virada para olhar para trás e ver o rosto das pessoas que
a apontavam.

Tive meio segundo para me controlar.

Eu não deveria pensar em algo diferente do que massacrá-la,

mas gostei do que vi, e não fui o único.

— Agora eu sei por que o Prince a esconde — alguém gritou e

fez a raiva aquecer meu sangue de novo quando lembrei que meu

irmão tinha livre acesso à Scarlet daquele jeito.

Ela voltou a me encarar, completamente consciente de que eu

era a causa do problema inesperado. Vê-la daquele jeito só me


deixou mais feliz.

Ainda sorrindo, cruzei os braços e esperei.

Aquilo não podia ser tudo e eu estava certo.

Scarlet caminhou na ponta dos pés até ficar na minha frente.


Seus olhos brilhavam, contendo as lágrimas, a raiva, o desgosto, a

mágoa. Eu saboreei aquilo como um louco. Ela havia me traído, ela


merecia.

Scarlet era uma traidora.

— Posso estar fedendo agora, mas nós sabemos quem é o

merda aqui, e não sou eu. — Sua voz era mais firme do que eu
esperava ouvir, mas ainda assim baixa demais para que outro
alguém escutasse.

— Tem razão, é o cara com quem você fode que é o merda da


situação, você só está suja assim porque fica tempo demais com

ele… — E ao final da minha fala, surpreendendo a todos, inclusive a


mim, a mão dela veio firme, aberta, e deu um tapa estalado no meu

rosto.

Os risos cessaram, eu vi tudo em vermelho e precisei me


segurar no lugar para não retribuir. Scarlet já estava longe, saindo
pelo salão tão rápido quanto havia entrado, me poupando do

esforço.

Aquela humilhação pública deveria bastar, mas era só o


começo. Foi ela quem me ensinou que eu era fascinado pela

destruição e, por isso, talvez, eu nunca fosse capaz de deixá-la de


lado. Por isso, talvez, fosse eu quem precisasse acabar de vez com
ela, assistindo a cada pedaço se partir. Ou só de vê-la por aí

distribuindo sorrisos para o desgraçado do meu meio-irmão, eu


sabia que seria ela a me destruir.
Como o bom aluno que era, frequentei toda a minha grade
daquele dia, anotei tudo o que precisava das matérias, e assim que
minha última aula se encerrou, fui direto para o meu quarto.

Tranquei a porta, conferi se não tinha ninguém escondido embaixo


da cama ou no banheiro, e abri o closet, desencaixando o fundo
falso, tendo acesso ao meu laboratório.

Meus últimos dias na Prince University foram cheios, dentro e


fora do meu quarto. A ausência de sono era a culpada em grande
parte, mas sabia que naquela noite eu dormiria o sono dos justos.

Separando os pacotes com os comprimidos azuis das Stars e

os roxos com Supernova, guardei tudo na mala, sabendo que


aquele estoque na minha faculdade anterior rendia pelo menos

quinze dias e segui para ver minha mãe.

Meu Mustang GT era preto, com duas riscas laterais brancas e


finas de cada lado, e outras duas mais grossas que iam do capô até
o porta-malas. Com algumas modificações que fiz depois de

comprá-lo com o primeiro dinheiro decente da minha produção, ele


ficou perfeito para correr. Não era o modelo mais novo, mas nunca
havia me decepcionado, e virou minha distração no meio da solidão

francesa.

Era o meu xodó, e era um carro que chamava atenção.

Alguns caras estavam de olho nele e se afastaram quando

apertei o botão para desativar o alarme na chave. Sem olhar para


nenhum deles, abri a porta do motorista, joguei minha mochila no
banco, acendi um cigarro, coloquei o som para tocar Metallica no

último volume e deixei o estacionamento da universidade para trás,


fazendo o motor rugir ao ignorar a placa de 20km/h.

A viagem que daria uma hora e pouco na velocidade permitida

foi reduzida a quarenta e poucos minutos comigo pisando fundo no


acelerador. Quando as ruas conhecidas surgiram à minha vista,
senti como se houvesse uma camada de lava resfriada e dura sobre

o meu peito. Nada poderia me atingir.


Conferindo as horas no relógio, esperei às seis da tarde e notei

que tinha algo errado ao não ver ninguém saindo, levou mais uma
hora e meia até que minha mãe saísse com o uniforme do trabalho
gasto, rosto cansado e desânimo sobre os ombros. Mesmo

estranhando, tentei dar meu melhor. Desci do carro, batendo a porta


e a chamei.

— É você a mulher mais linda do universo?

Ela parou, primeiro estranhando a brincadeira e então,


finalmente me viu direito.

— Ah, filho! — Atravessando a rua correndo para me abraçar,


mamãe sumiu contra o meu peito, me apertando com força contra

si.

Ela também tinha cabelos escuros como eu, mas os olhos


claros de minha mãe eram tempestuosos e envoltos em rugas,

testemunhas de tempos nada gentis junto da falta de sono e de


dinheiro.

— Como a senhora está? — Beijei o topo de sua cabeça.

— Bem. Não sabia que viria hoje. — Ela me abraçou e eu a


guiei para a porta do passageiro do carro.
— É, mas eu vim, e quero saber por que está trabalhando até
tão tarde. — Não era uma pergunta.

O sorriso amarelo que ela me deu quase esgotou meu bom-

humor por vê-la.

Atravessei o carro, respirando fundo e me lembrando de que


ela era o motivo de tanto esforço, e entrei pela minha porta.

— Philip perdeu mais um emprego, e me pediu ajuda. — Havia

medo em sua voz.

— Achei que você o tivesse deixado. — Apoiei o cotovelo na


porta e evitei encará-la. Ela não respondeu, por vergonha ou

qualquer coisa similar, pelo menos acreditava que fosse. Suspirei,


encarei o teto do carro por alguns minutos e, sabendo que ela
continuaria quieta, finalmente olhei para ela. — Mãe, eu vou

continuar cuidando de você, mas você precisa deixar esse cara…

— Eu sei — ela concordou. — É que, eu tenho pena dele. A


bebida o esgotou, e ser humano nenhum merece um final desse,

sem nem um prato de comida. Eu juro que não tenho mexido no


dinheiro que você manda.

— Mas tem que mexer. É seu, mãe. — Me controlei muito para

não transformar aquilo em uma bronca, mas ela já tinha se


magoado.

Ficamos em silêncio por um tempo, eu encarando a rua, ela


com a bolsa contra o peito como se fosse seu escudo, e quando

finalmente me cansei daquilo, perguntei:

— E os remédios? — Eram minha maior preocupação.

— São muito bons. Tenho ficado mais disposta, e consigo

entender tudo. — Aquilo era um bom sinal.

A criação da Star[2] veio quando notei que minha mãe tinha


alguns problemas graves de concentração que custaram alguns

empregos, e junto de traços depressivos, a vi ficar dependente de


um bêbado desgraçado. Com toda a merda que aconteceu, no meu
tempo recluso, só me restou estudar. Devorei cada livro de química

possível, fiz todos os cursos disponíveis, e vendo como minha mãe


tinha se comportado com cada medicamento que ela tentou ao
longo dos anos, estudei, pesquisei e descobri algo novo.

Chamei-a de Star. Era a minha estrela da sorte, até cheguei a


tomar algumas vezes para absorver melhor alguns conteúdos. Era
uma versão mais limpa e potente do queridinho do mercado, talvez,

pelo menos até o momento, menos perigosa, e se misturada com


alguns ativos recreativos, se transformava na Supernova. E a
Supernova era algo que a massa que adorava uma boa viagem
tinha necessidade, tudo era batido demais e causava uma

dependência extrema. Ela era melhor que o MD para sensações


extrassensoriais. Era mais divertida e duradoura que o LSD. Podia

reproduzir o efeito de qualquer droga sintética potencializada, mas


era mais cara e a produção não era tão rápida. O que eu tinha agora
era de um estoque, e tirando um potinho daqueles de farmácia do

bolso, coloquei-o no colo de minha mãe e avisei:

— Trouxe mais. Não pare de tomar, ok? Quero a senhora bem.

— Ok.

— E, mãe…

— O que, meu filho?

No tom de voz mais sério possível, eu avisei:

— Estou de volta à cidade, isso quer dizer que se eu souber


que você anda se acabando por causa daquele desgraçado, vou

acabar com ele, certo?

— Conrad…

— Certo? — Não tinha brecha para discussões.

Eu não era mais um garotinho frágil, e não seria mais refém do

dedo podre que minha mãe tinha para homens.


— Certo — ela confirmou, cedendo finalmente.

— Ok, então vamos jantar.

O restaurante favorito da minha mãe era um italiano antigo,


com tecido vermelho brilhante nas almofadas das cadeiras, comida

farta e muito queijo. Fiz sua vontade ao não beber nenhum gole do
seu vinho, deixei que ela me contasse sobre as pessoas que eu não
via há muito tempo e não lembrava nem dos nomes ou dos rostos.

Ouvi atentamente quando ela contou as raras ocasiões em que viu


meu pai, e dei minha opinião quando ela disse que estava pensando

em comprar uma casa. Se realmente havia guardado todo o dinheiro


que eu tinha dado para ela nos últimos dois anos, ela tinha um bom
valor.

— Faça como achar melhor, se precisar, posso levá-la para

visitar algumas.

— Ah, querido, seria muito bom tê-lo comigo nessa decisão. E


você pode passar alguns dias em casa, já que está de volta.

— Hm… — Brinquei com o palito de dentes sobre a mesa, a


garganta já arranhando de vontade por um cigarro. — Podemos ver.
Era um não. Enorme e sonoro não, mas não queria
decepcioná-la.

Eu só sairia da universidade, caso fosse obrigado, de resto,

cada mísero segundo passaria dentro daquelas paredes me


preparando para o futuro e infernizando cada segundo da existência
de Scarlet, Isaac e meu pai.

Minha mãe encarou o relógio de pulso e ergueu as


sobrancelhas.

— O que foi?

— Está tarde, são quase onze horas.

— E eu preciso voltar — menti.

— É. — Ela ergueu a mão para pedir a conta, porém coloquei


a mão na carteira primeiro. — Posso pagar minha parte — mamãe
anunciou, mas ignorei.

— Desta vez, é por minha conta.

O garçom não recusou meu dinheiro e, minutos depois,


estávamos de volta ao carro.

Deixei minha mãe em casa e, assim que ela entrou pela porta,

tirei um cigarro do maço. Fumando, dirigi pela cidade, reconhecendo


ruas que há muito eu não andava. Conferi o novo endereço do meu
padrasto maldito e o vi sentado em frente à televisão pela janela que
dava para a rua.

Se ele continuasse a importunar minha mãe, nossa próxima

conversa seria diferente. Ele, com toda a certeza, não estava pronto
para encontrar comigo na versão adulta.

Segui em frente, mas quando vi que o final da rua daria no

velho parque, que agora estava desativado, fiz meia-volta e deixei


mais uma memória trancada para trás.

Não tinha mais por que enrolar, eu chegaria mais cedo no

compromisso, mas até aí, meu distribuidor não tinha motivos para
reclamar, eram negócios de pai para filho.

O velho moinho havia se deteriorado muito com o tempo.

A primeira vez que eu fui até ali foi com Thomaz, Bella e nosso

antigo grupinho para fumar e beber escondido. Apanhei que nem


um filho da puta quando voltei para casa bêbado e minha mãe não
estava. Aquele era o tipo de memória que não ia embora, mas eu já

tinha superado.

Agora, aquele lugar não parecia atrair muita gente. Com toda a
floresta crescendo em volta e pelo estado das paredes e do teto, eu
duvidava que alguém apareceria, ainda mais em uma noite escura e

com um céu nublado como aquele.

Tinha parado o carro na beira da estrada, passado a mochila


pelas costas e acendido mais um cigarro para aguentar a ansiedade

e pequena caminhada até ali. A mania de não querer o cheiro da


nicotina entre meus dedos me obrigava a segurar o filtro entre a
ponta do polegar e do dedo indicador, como se fumasse um

baseado, e foi quando acendi o segundo cigarro e o mantive assim,


escondido nas sombras da parede que restava do moinho, que ele

chegou.

Não teve um “boa noite”. Não teve um “olá, filho”.

O tom de John Prince foi duro, uma bronca.

— Você fuma maconha também? — Era amargo.

Ergui os olhos para vê-lo surgir de moletom escuro e cabeça

coberta. Nada normal ou comum para o reitor.


— É costume seu fazer esse tipo de coisa? — Ignorei-o e

traguei mais uma vez, pegando o cigarro daquele jeito que parecia
irritá-lo, soprando a fumaça na direção em que ele vinha.

— Não. Mas você ainda é meu filho, e não vou te colocar em

contato com um traficante, a menos que não tenha escolha.

Aquilo me divertiu. Quis rir. Agora ele se importava pelo fato de


eu ser seu filho?

— Não vou manchar sua reputação, pai. — Ele fingiu não


perceber o sarcasmo na minha voz.

— Você trouxe? — Ele apontou para a mala e eu confirmei


com a cabeça.

— Você vai me explicar o motivo? — Era o meu preço naquele


momento.

John respirou fundo, apoiou as mãos na cintura e encarou o

céu acima de nós.

Meu pai havia envelhecido bem, ainda tinha poucos cabelos


brancos, o rosto sempre perfeitamente barbeado, e a pose de quem

tinha dinheiro e sabia do seu poder.

Herdei dele o bom gosto por anéis pesados, o cabelo escuro e


a crueldade.
Éramos Prince mesmo, afinal.

Respirando fundo, ele soltou o ar pela boca e me encarou.

— Há poderes que nem mesmo eu posso controlar. A droga

dentro da universidade é uma delas. Houve um comentário


crescente sobre você, Conrad. Eles sabem de você, do que andou
fazendo, e trazê-lo para perto foi minha única opção. Você produzir
o que produz te faz um alvo, mas se pudermos controlar
minimamente…

— John, não finja que se importa comigo — o interrompi. Dei a


última tragada, joguei o cigarro no chão e o pisoteei como se fosse a
cabeça do meu pai. — A Star vai fazer seus alunos mais produtivos,

os resultados da universidade vão melhorar seu nome por toda a


Europa, não ache que eu sou burro. — Ele pareceu ofendido por ter
a capa de super-herói arrancada tão cedo naquela noite. — Não
existe e nunca existiu um traficante grande dentro da universidade,
e nós sabemos, não é? Sempre existiu você e o interesse em
sempre ganhar ou melhorar a merda do seu sobrenome, não

precisa fingir para mim.

Meu pai continuou em silêncio, confirmando o que eu pensava.


— Você sabe onde fica meu dormitório. Quero o dinheiro até
domingo de manhã na minha porta, ou nunca mais verá um grama
sequer do que eu faço. — Atirei a mochila contra seu peito. — E

faça o favor de melhorar o serviço de entrega. Eu não vou me meter


no mato mais uma vez por sua causa. Se tem medo de Isaac ver
você comigo, ou fazendo esse tipo de coisa, deveria arranjar uma
distração melhor para ele, o playground que montou para o seu filho
favorito não parece mais tão interessante.

Eu estava pronto para dar meia-volta, mas ele me chamou:

— Conrad.

Olhei sobre o ombro, uma das sobrancelhas erguidas,


esperando.

— Não pense que não te amo.

— Eu não penso. Eu tenho certeza. Acabamos por hoje, pai.

— Virando para frente, segui meu caminho, pensando que poderia


deixar o carro ali e caminhar de volta, talvez aquele fosse o único
jeito de relaxar depois daquele minuto de tensão em que, com
certeza, eu mostrava que não era um perdedor.

Meu pai aprenderia pela dor, e quando ficasse dependente de


mim, mesmo que fosse no bolso, eu o quebraria também. Ele me
devia. Devia quase mais que todo mundo, talvez só não tanto
quanto Red.

A chuva começou a cair em uma garoa grossa quando

estacionei o carro o mais longe possível do dormitório. Eu precisava


caminhar, esfriar os pensamentos, e quando cruzei o limite do
gramado, um trovão cortou o céu, iluminando o velho castelo de
forma fantasmagórica. Foi impossível não olhar para cima, e
inevitável não contar as janelas.

Eu sabia onde era o dormitório dela, e mesmo que não


soubesse, era impossível ignorar as janelas abertas e a garota de
cabelos ruivos compridos com metade do corpo para fora, tomando
chuva no rosto.

Ela era linda pra caralho, sempre foi e não tinha a mínima
noção disso.

A visão de mais cedo, do corpo de Scarlet, me atingiu em


cheio.
Meu peito queimou, e diante de tudo, escolhi a raiva para me
apegar.

Era mais fácil odiá-la, era mais fácil sentir raiva, do que dor, do
que mágoa, do que tristeza.

Como sempre, ela me viu. Notou que eu a observava em


menos de um minuto, e mesmo a toda aquela distância, seus olhos
encontraram os meus.

Ela se retraiu rápido, voltando o corpo para dentro do quarto.

Pensei que era por medo e quase sorri, mas no último

segundo, ela deu o dedo do meio para mim e fechou a janela.

Para mim era ótimo que fosse desse jeito.

Dali para frente seria uma constante tentativa de um quebrar o


outro, e eu tinha certeza de que não me partiria. Era duro demais
para alguém conseguir fazê-lo.
scarlet

se você não consegue lidar com um coração como o meu, não


perca seu tempo comigo. se você não está disposto a sangrar, não,
oh. se você não consegue lidar com os enforcamentos, as mordidas,

o amor, o sufocamento até você não aguentar mais, não aguentar


mais, vá para casa.

high school sweethearts, melanie

martinez

Eu odiava dar trabalho.

Tentei passar despercebida quando meus pais morreram

porque sabia que Susan precisava de uma assistência maior. Tentei


engolir tudo o que tinha na garganta e no coração porque via vovô

lutando com a missão diária de superar o luto e educar e criar duas


adolescentes.

Quando Conrad surgiu, eu jurei que estava salva. Jurei que,


pela naturalidade das coisas, a solidão que eu sempre senti tivesse

seus dias contados e eu poderia secar minhas feridas ao sol, mas

de repente, tudo foi por água abaixo.

Eu tinha certeza de que, se houvesse um monstro no meu

armário, ele se pareceria com Conrad. Ele me assustava, mas eu

não podia deixar isso me vencer.

Não depois daquela humilhação.

O cheiro ainda estava impregnado no meu nariz, e mesmo


tomando cinco banhos, alguns de uma hora cada, e esfregar tanto a

pele que havia me ferido em alguns cantos, eu ainda me sentia suja.

Pensar em feder para sempre, ou em ser apontada por aquele

ataque aberto e tão exposto me consumiu as entranhas por toda a


tarde, e mesmo com o choro preso na garganta, mesmo sentindo as

lágrimas prontas para sair, eu não conseguia chorar.

Parecia errado. Eu não tinha permissão.


Estava pagando por um dia ter amado a pessoa que arrancou
tudo de mim.

Estava pagando por ser uma traidora.

E não queria lidar com aquilo.

Isaac apareceu naquela tarde e eu não consegui tocá-lo. Não


consegui ficar perto. Tinha medo dele sentir aquele maldito cheiro,

ou se descontrolar a ponto de me silenciar, e daquela vez eu

realmente queria brigar.

Queria revidar, queria fazer Conrad pagar, queria provocá-lo e

mostrar que eu não era mais a garotinha boba que ele deixou para

trás. Agora seria olho por olho e dente por dente, mesmo que
acabássemos banguelas e cegos.

— O que quer fazer? — Isaac perguntou, com os braços

cruzados, parecendo furioso. — Se não posso quebrar a cara dele

agora, qual é a solução?

— Quero revidar. Conrad não agiu sozinho, os Vipers estão


juntos nessa, ele só apertou o botão.

— E você tem alguma ideia? — Meu namorado com o cabelo

loiro bonito colocou os olhos sobre os meus e eu sabia que sua


mente estava pensando em algo relacionado à violência física, mas

eu não era tão extrema.

— Acha que consegue sangue de porco? — Minha voz foi tão

firme que vi o sorriso no rosto de Isaac surgir.

— Sangue de porco?

— É, se conseguir, quero um animal também. Bem pesado e


meio podre.

— Porra, Scar. — Ele riu. — Para quando?

— Amanhã. Eu não vou mais ficar presa aqui. Sábado nós


temos uma festa para aparecer e se for para ser lembrada por algo,

não será por ter merda jogada em mim.

Isaac veio até mim e, mesmo insegura, deixei que ele me


beijasse.

— Você é perfeita, e eu estou indo agora mesmo arranjar


essas coisas.

Quando meu namorado saiu do quarto e eu pude deixar toda a

frustração, o medo e todo o resto de coisas ruins me pegarem,


peguei meu caderno de desenhos, me cobri com o capuz, enfiei o

celular no bolso e saí sendo o mais discreta possível.


Minutos depois, com um café na mão, sentada na parte mais

privada, plana e secreta do telhado, abri meu velho blackbook,


vendo os desenhos que tinha feito há tanto tempo de Conrad e não

tive coragem de jogar fora.

De lá para cá, as coisas tinham mudado. Eu não era mais uma


artista, mas ainda era daquele jeito que gostava de me expressar
quando parecia que nada mais funcionava.

E daquela vez, meu plano foi arquitetado no desenho, no porco

gigante com os olhos negros, olhos dele.

Na fogueira sob seus pés, em todos os traços grosseiros,


cheios de raiva, de frustração, de dor. Eu só queria que aquilo
parasse, que fosse embora, e antes que pudesse perceber, ao dar o

último traço naquilo, o soluço veio forte, sacudindo todo meu corpo.

Joguei o caderno longe, me encolhi contra a parede e me


abraçando, chorei pela primeira vez, em anos.

As lágrimas pareciam finalmente ter conseguido desentupir o


caminho até a superfície e eu deixei cada gota daquilo ir embora,

queimando meu rosto, meu peito, minha garganta. Tentando fazer


as boas memórias sumirem junto daquela água parada dentro de

mim, querendo que só sobrasse a indiferença, mas não consegui.


Já era tarde quando Isaac mandou mensagem.

Consegui o que
você queria e
descobri que
amanhã eles vão
jogar.

É a oportunidade perfeita.

Meu coração pulou no peito.

Certo, deixe o
resto por minha
conta. Só arranje
gente disposta a
ajudar a fazer
uma bela
bagunça.

Respondi certa de que não havia outra saída.

Estamos sempre
dispostos. ;)

Preciso treinar,
amor. Te vejo
depois.

Eu não respondi. Encarei o céu nublado, desesperada por


aquela chuva, e desci para o meu quarto. Sem fome, sem vontade

de nada, só queria meu bom e velho exemplar de O morro dos


ventos uivantes para tentar entender de que lado eu ficaria daquela
vez. Talvez, naquele minuto, eu fosse Heathcliff, e sem admitir que

poderia haver algo além do ódio, eu só queria vingança.

Ver Conrad do lado de fora naquela noite de quarta fez eu me

sentir em uma jaula. Não que já não me sentisse em uma, mas

agora nem mesmo sentir a chuva eu podia mais, e na manhã


seguinte, depois de conseguir cochilar meia hora, decidi que tiraria o

dia para cuidar do plano daquela noite. Fui atrás de pincel, cetim e

agulhas, e depois de fumar dois maços de cigarro e beber um copo

de 800ml de café, me sentia anestesiada o bastante para fazer o


que precisava.
Perto da hora do começo do jogo, entrei no banho, me

esfreguei mais uma vez com vigor, deixei o sabonete de molho na


pele por meia hora, caprichei no perfume pós-banho, escovei os

dentes uma porção de vezes e esperei o sinal.

Meu celular apitou menos de cinco minutos depois e eu li no

visor:

Estamos te
esperando no
corredor dos
Viper.

Respirei fundo, encarei meu reflexo no espelho e, me dando

uma dose extra de coragem, peguei as coisas e desci, sabendo que


não poderia voltar atrás.

Cumprimentando-me com um beijo rápido, Isaac saiu da frente


para que eu visse os rostos do resto do time de futebol. Todos
corresponderam ao meu aceno fraco e me senti menos esquisita por

isso.

— Como vamos entrar? — perguntei, sabendo que Isaac já


tinha pensado em tudo.

Ele adorava ferrar com os Vipers, aquilo seria sua cereja do


bolo.

— Vamos entrar causando bagunça, então não se perca ou se

assuste, ok? Nem todo mundo foi ao jogo, então vamos prender os
que ficaram no armário e filmaremos tudo. Quando terminarmos, um

dos nossos garotos vai colocar para rodar no telão do jogo, por isso,

temos que ir logo. Você consegue?

Confirmei com a cabeça. O coração saltando no peito, a

ansiedade por fazer algo errado e ser pega me consumia, mas eu


não tinha outra opção que não fosse continuar.

— Vamos logo fazer isso. — Meu namorado parecia orgulhoso

da minha firmeza.

Desviei o olhar do dele por um segundo e foi quando vi a caixa

sendo segurada por três dos jogadores mais fortes, além dos outros
que carregavam baldes. — É o que pedi?
— Acho que vai gostar de ver o que temos. Essa porra fede

muito, é sério — ele reclamou, mas virou para espiar pelo corredor e
avançou sem falar nada.

Vendo os outros seguindo, apertei o passo e fui atrás de Isaac,


observando-o arrebentar a tranca da porta com um chute, e como

ele previu, a sala de descanso dos Viper não estava vazia. Duas

garotas deram gritinhos e tentaram correr.

— PAREM AÍ — Isaac as alertou. — Essa é nossa retaliação

— anunciando, ele avançou para o garoto mais próximo e o pegou

pelo ombro. O outro mais magro nem discutiu e, um pouco


assustada, paralisei ao lado da porta enquanto via todo aquele

movimento.

Os garotos foram rápidos em colocar os remanescentes para


dentro do armário e arrebentaram a fechadura depois de trancar.

— Scarlet, se mexa. — Ouvi a voz de Isaac numa ordem, me


puxando de volta para a realidade e sacudi a cabeça, afastando o

medo e a chance de raciocinar qualquer coisa que me fizesse

desistir.

— Ei, puxem aquela mesa para cá e coloquem o porco nela —

pedi aos grandões e fui atendida enquanto os outros quebravam o


resto da sala e jogavam sangue de porco em tudo quanto era canto.

Tentei ignorar os risos, as piadas e focar no que precisava.

Ajudei os garotos a arrebentar o resto da caixa onde o bicho

morto estava. Ele era grande, devia ter facilmente duas vezes o meu

peso, e estava quase verde.

O cheiro era nojento, mas puxei a blusa sobre o nariz, passei a

respirar pela boca e trabalhei rápido, quando vi, a faixa escrita

Conrad Prince sobre o porco estava perfeita, e eu já tinha um pincel


sobre a mão. Mergulhei no primeiro balde de sangue próximo,

usando do resto do líquido viscoso e subi numa poltrona,

escrevendo sobre a parede de pedra:

Um só passo falso acarreta uma série de desgraças.

Era uma frase de Orgulho e Preconceito.

Era um: “se mexer comigo, se prepare porque eu vou

devolver”.

— Scar, o que é isso? — O tom enciumado de Isaac me fez

encará-lo, girando rápido demais.

— É um recado — me forcei a não gaguejar —, Conrad vai

entender.

Os olhos dele engoliram os meus.


Estava claro que ele não havia gostado, mas eu estava pronta

para contornar aquela situação.

— Posso ir dormir com você?

Ele parou por um segundo, analisando e me estendeu a mão.

— Vamos.

Era o que eu precisava. Uma pequena folga, um canto para

não pensar demais.

E Isaac me daria aquilo porque odiava pensar em dividir a mim


com qualquer parte do passado de Conrad que ainda habitava meu

ser.

Acordei ao lado de Isaac e suspirei.

Ele ainda dormia. Como sempre, eu havia dormido depois


dele, e acordado antes dele sonhar em levantar. Meu namorado

bonito parecia ter bons sonhos, e nua, depois de mais uma noite
cheia de amassos intensos, tentei me levantar sem fazer nenhum
barulho e vesti minhas roupas.

— Aonde vai? — ele perguntou, de olhos fechados, quando


me ouviu escovar os dentes.

— Preciso ir, tenho aula no primeiro horário hoje. Além de que,


é sexta. Sabemos como são suas sextas…

— Você sabe que posso trocar qualquer coisa para uma noite

dessas, e podemos fazer isso melhorar. — Eu sabia, Isaac nunca


escondeu o quanto queria transar comigo.

Estávamos há anos brincando com mãos e boca, mas eu


ainda não queria, não me sentia completamente segura de ir até o

final, e não sabia o porquê, pois era natural acabar sem roupa

dentro daquele quarto.

— Agora não temos tempo. — Beijei a cabeça dele, ri quando

ele tentou me segurar, mas me soltei em segundos e ajeitei minha


mala nas costas. — Não vá perder a hora, te vejo no almoço?

— Pode ser. Te mando mensagem.

— Certo.

Eu já ia abrir a porta, quando ele me chamou:

— Scar.
— Oi. — Virei para vê-lo melhor.

Isaac ainda tinha os olhos fechados, mas um sorriso divertido


no rosto.

— Eu gostei de ontem. Precisamos fazer mais disso.

— Ah, está apaixonado pela minha versão rebelde?

— Estou apaixonado por todas as suas versões. — Eu sorri,


acreditando naquela mentira saudável.

— Eu te amo. — Aquilo era verdadeiro.

Sem resposta, abri a porta e saí, pronta para encarar um


primeiro tempo intenso e agitado, ouvindo o tempo todo sobre como
os Vipers estavam putos e assistindo ao vídeo onde Conrad era um

porco podre.

Talvez seria mais fácil se ele realmente fosse.

Foi perto do meio-dia que fui liberada para o almoço.


Dei a sorte de não cruzar com nenhum Viper popular no meio
do caminho naquela manhã, mas assim que coloquei os pés no
andar do meu quarto, meu peito congelou, e todo meu corpo

paralisou. Havia uma grande plateia ali e um único canto do


corredor livre para passagem, e foi por ele que eu vi a frase no

fundo do corredor.

Nada é mais enganoso do que a aparência da humildade.

Era uma frase de Darcy, eu sabia, tinha decorado a porra do

livro favorito dele, e antes que desse por mim, minhas pernas
descongelaram. Meus passos até meu dormitório foram vacilantes,
meus olhos estavam cheios d’água, turvando minha visão, meus

dedos estavam segurando as alças da mochila com tanta força que


poderiam arrebentar a costura.

O cheiro de queimado atingiu meu nariz assim que cheguei à

porta, meus olhos viram a bagunça que era meu maior refúgio
dessa vida e eu quis morrer.

Abri a boca, meu grito mudo ficou preso.


As edições de O morro dos ventos uivantes que haviam
sumido da biblioteca agora pegavam fogo no chão do meu quarto,

dispostos como o desenho de chamas que Conrad tinha mania de


deixar por todo canto como sua assinatura, mas não era aquilo que
me preocupava. Ver meu colchão em pé no estrado da cama me

causou pânico, ver que meu caderno de desenhos não estava lá era
um belo soco na minha cara.

Toda e qualquer emoção que eu não tenha dito ou escrito em

todos aqueles anos estavam presas ali. Ele tinha tudo o que mais
me importava e ainda me fazia humana nas mãos.

Notei água vindo no banheiro também e, entrando um pouco,

consegui a visão do chuveiro faltando.

Que porra era aquela?

Eu não tinha mexido em seu quarto.

Eu não tinha invadido seu espaço.

Aquilo era além do permitido, era além das regras que eu


conhecia, mas tudo me fazia crer que agora não tínhamos mais um
limite e esse jogo era perigoso.

Encarei aquela bagunça toda, sabendo que não tinha escolha.


Como no passado, me lembrei da frase do livro favorito de

Conrad e meu peito queimou.

O contexto dela agora seria terrivelmente diferente, mas como


Darcy, eu não sabia como aquela merda toda havia começado, mas

estava no meio dela, enterrada até o pescoço e, de algum jeito


louco, não ia me permitir cair.

Não mais.
scarlet

eu sei todas as suas razões para me impedir de ver. tudo está


realmente uma bagunça, mas agora eu estou partindo. todos nós só
estávamos sonhando.

dreams, imagine dragons

cinco anos atrás

Aquilo era um encontro?

Eu não sabia dizer, mas parecia que eu tinha engolido uma

porção de grilos e eles não paravam de pular dentro do meu

estômago. Eu tinha quatorze anos, nunca havia sido beijada, ou


olhada e, de repente, estava sendo convidada para um passeio no

parque com Conrad Prince.

Será que ele sabia o quanto aquilo era diferente e especial

para mim? Eu não tinha ideia, mas sabia que ele já havia feito aquilo
algumas dezenas de vezes, afinal de contas, ele era ele, e eu não

era boba de achar que com todo aquele magnetismo e poder, o

garoto tinha se privado de qualquer experiência.

Pensar naquilo me colocava em um pequeno buraco dentro da

minha mente, e foi por isso e por saber que Susan seria algo para

lidar naquela noite que saí dele o mais rápido possível.

Não importava o antes, na verdade, não importava nem

mesmo o agora. Talvez Conrad tivesse me chamado porque ele


tinha o plano de ter uma amiga que tivesse gostos em comum.

Gostos dos quais ele não se sentia confortável em compartilhar com

outras pessoas.

É. Era só isso. Aquela ideia era mais fácil de aceitar.

A expectativa era o problema de quase todas as relações do

mundo, e se eu a mantivesse trancada em uma caixa, não

precisaria me decepcionar, caso Conrad só gostasse de mim por

perto para falar sobre desenhos ou romances do século passado.


— Repete. Como foi que ele te chamou para hoje? — Susan
me chamou de volta para a realidade quando chegamos ao parque

e não o vimos.

— Ele só perguntou se poderíamos aparecer. — Não dei

maiores detalhes.

— Fale como foi, palavra a palavra — ela insistiu e eu rolei os


olhos.

— Susan, pare, por favor. — Olhei em volta com as mãos nos

bolsos da jaqueta jeans que combinava com o short que vestia. —

Olha, Conrad quer fazer amizade, o irmão dele também vem…

— Eu não consigo acreditar que ele nos chamou por você. —


Era uma afronta, mas tentei não cair na dela. — Por que não deu

meu número para ele?

— Porque ele não pediu, caramba!

Eu já estava perto de perder a paciência e nossa troca de

olhares poderia ter causado uma explosão, mas, por sorte, em


segundos, vi cabelos loiros ao longe e mudei meu foco.

— Se comporte, Susan. Isaac Prince acabou de chegar —

avisei e a vi ajeitar a postura.


Minha irmã também não queria decepcionar, mesmo que a

maquiagem que ela tenha escolhido naquela noite a fizesse parecer


mais velha e menos bonita do que realmente era.

— Vocês estão esperando por Conrad também? — Foi assim


que Isaac Prince nos cumprimentou pela primeira vez. — Você deve

ser Scarlet. — Ele não me beijou, não me deu a mão, só me mediu


de cima a baixo. — E você, Susan. — Foi a vez da minha irmã ser

inspecionada pelo garoto que cheirava à colônia cara e escondia


alguma coisa no olhar.

— É isso mesmo. — Susan amoleceu o clima. — Achei que


vocês fossem viajar com Heather.

— Ah, a menina Simons, né? Ela até convidou, mas não vai

rolar. Minha mãe morreu no ano passado, então estamos todos


meio que de castigo este verão — ele comentou sem parecer sentir

tanto a morte da mãe.

— Sabemos como é perder alguém assim — minha irmã

completou.

— Sinto muito por sua mãe, Isaac. — Minha voz saiu num
sopro baixo.
— Está tudo bem, ela está melhor assim, sabe? O câncer a

pegou de jeito, foi rápido demais para que pudéssemos fazer algo.
O bom é que o foco se virou para o futuro, ir para a Prince

University, ser alguém na vida do qual ela se orgulharia. Vocês já


sabem para onde vão?

— Eu quero muito ir para a Prince. — O orgulho na voz da


minha irmã era um pouco exagerado.

— E você, Scarlet? — Os olhos verdes brilharam sobre os

meus de novo.

— Ah, eu não sei. Não temos tanto dinheiro…

— Scarlet, cale a boca — minha irmã rosnou entredentes,

naquela fé cega de que se não disséssemos que éramos pobres,


ninguém desconfiaria.

Pensei ter arruinado o humor dela cedo demais e que aquela

noite acabaria ali, mas, por sorte, a voz de Conrad acendeu a


chama dentro de nós.

— Desculpe o atraso — ele disse, ajeitando o cabelo ao parar


ao lado do irmão.

Os dois se cumprimentaram tocando as mãos e então, toda a

atenção de Conrad estava sobre mim.


Meu rosto queimou, minha garganta secou.

Eu nunca me acostumaria com ele me olhando tão

diretamente.

— Olá, Red.

Meu oi não passou de um sopro.

— Conrad. — A felicidade correu cada letra do nome dele na

língua de Susan. — Oi!

Ele não tirou os olhos dos meus.

— Oi — respondeu num tom desinteressado.

— Estávamos falando com Isaac sobre ir para a mesma

faculdade e agora que você chegou, Isaac e Scarlet podem ir buscar


algo para nós, não? Os mais velhos têm alguns direitos e… — A

frase estrangulou na goela dela.

Conrad estendeu a mão para mim.

Um convite, uma barreira a ser quebrada: o toque.

Não havia outra possibilidade. Ergui a mão, toquei a sua,

sentindo a pele macia, fria, tão bonita quanto qualquer desenho que
eu tinha feito. Quando meus dedos ficaram sobre os seus, ele os

cruzou e me puxou com gentileza.


— Até depois — ele disse para nossos irmãos e nos colocou
em movimento.

Susan me mataria.

Isaac ficaria bravo com ele.

Mas eu não teria feito diferente, e por seu meio-sorriso ao sair


de mãos dadas comigo, eu sabia que ele também não.

Conrad me levou em todas as barracas primeiro.

— No que você é bom e ninguém sabe? — perguntei.

— Muita coisa — ele admitiu sem falsa modéstia e eu gostei.

— Ok, mas algo que possa me mostrar agora?

— Minha mira — ele disse, indicando a barraca de tiro ao alvo.

— Prove. Faz um tempo que preciso de um pato de pelúcia no


meu quarto.

— Afinal de contas, você adora nadar, não é? — O tom cheio

de ironia me fez rir.

— Minha atividade favorita — falei, segurando o riso,

caminhando junto dele na direção das espingardas de mentira.


Conrad não disse nada quando nos encostou no balcão.

Soltou minha mão, fazendo meu estômago afundar ao sentir falta do


calor gerado entre nós, e sem me olhar, deu a ficha para o homem

que controlava a brincadeira.

— Cinco tiros. Se acertar todos, pode escolher um daqueles

brindes. — Ele indicou a fileira onde o pato que eu havia visto

estava.

Conrad se concentrou, ajeitou a espingarda apoiando-a no

ombro e mirou.

— Qual será o nome do pato?

Ele deu o primeiro tiro e o patinho de papel tombou.

— Hm, alguma ideia?

Ele sorriu e atirou mais uma vez. Um segundo pato caiu.

— Você pode chamá-lo de pato.

Mais um tiro, mais um acerto.

— É simples demais, não? — Tentei argumentar.

Ele riu, e acertou o quarto alvo.

— É, mas é assim que as melhores coisas são.


— Então você se considera uma pessoa de gostos simples? —

Eu não olhei para os alvos, olhei para ele, encantada.

Assisti como sua respiração controlava o momento em que o


dedo puxava o gatilho e como Conrad parecia saber que sua mira

não falharia.

— Na maioria das vezes. Para que complicar quando o óbvio é

simples?

— Nem sempre é assim.

— Na maioria das vezes, é. — O homem trouxe o pato para o

qual Conrad havia apontado e ele me ofereceu. — Você queria o


pato, se eu não tivesse uma boa mira, teria pulado lá dentro e

roubado ele para você, mas você teria o pato e ambas as formas

seriam fáceis.

— Roubar não é fácil.

— Lidar com o pós do roubo talvez não seja, mas roubá-lo é. O


problema das coisas são as consequências, e nunca se pode fugir

delas.

Conrad suspirou quando notou o peso que a conversa

ganhava e devolveu a espingarda para cima do balcão.


— Eu concordo — refleti depois de alguns segundos em

silêncio.

— É?

— É. Não dá para fugir das consequências. Você poderia

passar ileso do roubo, mas sempre saberia ao olhar para o pato que

não o ganhou honestamente, e talvez não o merecesse. Isso é pior

do que precisar pagar por ele.

O meio-sorriso de Conrad atingiu os olhos.

— Você entendeu. — Parecia que aquilo era algo estrondoso,

mas para mim era normal.

— E qual é a dificuldade disso?

Conrad balançou a cabeça e me guiou pelo ombro, já que

estava abraçada ao meu pato, para o próximo brinquedo.

Nós comemos algodão doce, giramos nas xícaras malucas,

brincamos nos carrinhos de bate-bate, andamos na montanha-russa

pequena, mas intensa, e eu precisei fechar os olhos e esconder o


rosto no ombro dele quando notei que íamos mais alto.

Foi como ir ao céu e voltar a ter o braço de Conrad ao meu


redor, me puxando para si, parecendo querer me proteger.
— Vamos na roda gigante? Tem um ponto que quero te

mostrar lá de cima.

— Lá de cima? — gemi e fechei os olhos depois de encarar a


altura que o brinquedo ir.

— Qual o problema?

— Eu realmente tenho um pouco de medo de altura, mas o

problema não é esse, é que… Odeio lugares apertados. Essas

cabines parecem sufocantes, e…

Eu não precisei continuar me explicando.

— Sem problemas. Não é nada de mais e tem outro lugar para

ir.

Conrad daquela vez não pegou minha mão, mas eu o segui


lado a lado, ainda encantada com tudo o que tinha acontecido

naquelas duas horas juntos.

Em um silêncio confortável demais para ser quebrado por

nada, fomos saindo da parte movimentada do parque e, sem

sombra da minha irmã, fui com o garoto de olhos pretos para trás do

prédio de quatro andares da administração.

— O que vamos fazer? — perguntei quando ele parou em

frente à escada.
— Me dê o pato — ele pediu e eu obedeci. — Agora suba.

— Não é proibido?

— Deve ser. — Ele jogou a cabeça um pouquinho para o lado

e deu de ombros.

Meu coração tropeçou e senti meu rosto esquentar, mas não

deixei Conrad notar.

Virei para a escada e comecei a subir.

— Não olhe para baixo. — Foi o conselho mais bobo que já


ouvi.

— É um pouco óbvio.

— Nem sempre. — Ele riu e eu quis ver, mas resisti ao último

até estar no topo do prédio.

Quando finalmente passei a perna para o telhado reto, relaxei

um pouco, ainda mais quando ele surgiu logo atrás de mim.

— Foi muito difícil?

Conrad se ajeitou no chão e deitou, colocando um dos braços

atrás da cabeça e batendo no chão ao seu lado para eu imitá-lo.

— Não — menti. Queria dizer que tinha sido difícil passar tanto

tempo sem olhá-lo, mas com certeza ele me acharia maluca.


— Ótimo.

Deitei ao lado dele e encarei o céu noturno estrelado.

Era bonito, calmo, silencioso e trazia paz.

Nosso silêncio de novo foi a maior e melhor conversa que

poderíamos compartilhar naquele minuto, até que ele o interrompeu.

— No que está pensando? — Sua voz veio em um sussurro.

— Que nunca mais parei para ver o céu desde que perdi meus

pais — confessei no mesmo tom baixinho — e você?

— Você não quer saber de verdade. — Mal sabia ele que eu


queria saber daquilo e de todo resto. Queria ser capaz de montar de

desmontar o quebra-cabeça Conrad Prince de olhos fechados.

— Me teste — provoquei-o e vi de soslaio o sorriso de Conrad.

Ele mordiscou o lábio pela milésima vez naquela noite e soprou.

— Gostaria de estar lá em cima.

— Flutuando?

— Morto.

Eu engasguei, quase me sentei, mas seu braço me impediu.

Conrad buscou minha mão e eu a peguei, chateada.

— Por que disse isso?


— Porque seria mais fácil. E eu desconheço alguém que tenha
voltado para dizer que há uma consequência.

— É porque na morte, seja lá o que tiver do outro lado, você


precisa enfrentar sozinho. E isso vai ser o futuro da sua alma. A

consequência da sua morte são os que ficam que sofrem. — As


palavras saltaram da minha boca e lágrimas se acumularam nos

cantinhos dos meus olhos. Minha voz embargou e Conrad pareceu


notar, ficando em silêncio de novo, apertou meus dedos com mais
força.

Encaramos aquele pano escuro cheio de brilhantes por mais

algum tempo antes dele me dizer baixo:

— Desculpe.

— Você não tem culpa — rebati rápido demais. — Ninguém

tem. — Minhas palavras se perderam no meio do nó da garganta.

Eu não me lembrava da última vez que tinha me permitido


chorar pelas perdas que havia sofrido, mas em segundos, a

possibilidade de perder o que eu nem tinha com Conrad me


destroçou e lembrou o quão pequena, indefesa e frágil eu era. Eu
odiava a possibilidade de perder tudo num piscar de olhos. Odiava a

morte, odiava o que ela dava e o que tirava.


— Red — ele me chamou depois de alguns minutos, falando
mais alto do que antes.

— O quê? — Funguei antes de perguntar, sem coragem de

virar o rosto.

— Eu gosto do seu cheiro. — Era algo inusitado e inesperado.

Quis rir e não resisti, virando para encará-lo.

Conrad já me olhava.

— E gosto do seu cabelo. — Cuidadosamente, ele tirou a mão


de trás da cabeça e pegou uma das mechas espalhadas pelo chão
do meu cabelo que era comprido. — A cor é como fogo-vivo. —

Depois de dizer isso, com os olhos ainda nos meus, Conrad


aproximou a mecha do próprio rosto e cheirou.

Meu corpo todo esquentou.

Aquilo era algo novo, eu nunca havia experimentado, mas era

bom.

Era como queimar, mas sem ser consumido pelo fogo. Eu


gostava.

— Quem é você, Conrad Prince? — perguntei em voz alta no


auge da minha loucura.
— Um erro — ele respondeu como se fosse normal.

— Isso é completamente impossível.

E mesmo minha resposta sendo a mais verdadeira possível,

ele suspirou como se fosse doloroso falar daquilo e tirou os olhos


dos meus, voltando a encarar a imensidão do céu noturno.

Eu não. Continuei ali, admirando-o secretamente, esperando

por mais, por qualquer coisa que ele ainda quisesse me dar.

— Você jamais vai conseguir entender como é nunca se


encaixar. — Amargo, ele deu uma risada sem graça. — Do que

adianta ser filho do cara mais rico da cidade e morar onde eu moro?
Ver minha mãe se foder em um emprego merda, ou… — Ele engoliu
e eu respeitei seu espaço, até perceber que ele não soltaria mais

nada, não naquela noite.

— Eu não sei sua história, Conrad. Mas se um dia quiser me


contar, ficaria honrada, e não contaria para ninguém. — Era uma

promessa.

— Eu sei, Red… — Pegando minha mão, ele a puxou para


cima do seu coração, e aquela foi a primeira vez, em anos, talvez

em toda a vida, que eu tenha me sentido em casa.


— Nós podemos pintar amanhã? — perguntei na inocência e

senti seu peito inflando, conforme ele acariciava meus dedos.

— Conrad, porra, sai daí! — Ouvimos alguém gritar.

— Caralho. — Ele fechou os olhos. — Já vou! — gritou de


volta.

Ele se levantou em um pulo e eu o imitei.

Indo para a borda atrás de Conrad, vi o carro conversível


parado lá embaixo, com Isaac de fora olhando para nós e um outro

homem no volante. Aquele devia ser o pai deles, não?

— O que faz aí em cima? E quem é essa garota? — O tom de


voz do homem me fez me encolher.

— Já estou descendo e é só uma amiga — o garoto de

cabelos escuros gritou lá para baixo e se virou para mim —


Precisamos ir… E amanhã não podemos ir pintar.

Foi algo rápido, esquisito e desconfortável precisar descer,

ainda mais porque Conrad não disse nem tchau, ele só subiu no
carro e como se eu não fosse nada, foi embora.

Doeu, mas engoli aquilo mesmo que sangrasse por dentro e

voltei ao parque para procurar por Susan, sabendo que minha irmã
acabaria comigo por todo o caminho para casa, mas nada poderia
me atingir, já que a surpresa do dia seguinte coroava tudo o que
aquela noite havia sido de boa e mais um pouco.

Estávamos limpando o quintal da frente, Susan, vovô e eu. A

manhã tinha sido baseada em Susan de péssimo humor, vovô


concentrado nas pequenas apostas matinais e eu com meu caderno
de desenhos, até que ele achou que arrancar ervas daninhas do

jardim seria uma boa ideia de trabalho em equipe. Mal sabia ele.

Quando o motoqueiro parou em frente à casa e desceu com


um buquê de flores laranjas enormes, eu pensei que fosse engano.

— Scarlet Wright? — o homem de meia-idade perguntou.

— Sou eu. — Levantei, tapando o sol com a mão para poder


enxergá-lo melhor.

— Isso é seu. — Estendendo o buquê para mim, não me deu

alternativa a não ser aceitá-lo.

— Quem mandou? — Susan gritou alto e eu não respondi,


vendo o cartão pendurado, sentindo minhas mãos tremendo demais

para soltá-lo do arranjo.

Quando finalmente consegui, abri o envelope e li.


❝ Não é o tempo nem a oportunidade que determinam a
intimidade, é só a disposição. Sete anos seriam insuficientes para

algumas pessoas se conhecerem, e sete dias são mais que

suficientes para outras. ❞[3]

Minha irmã surtou. Ela sabia de onde tinha vindo antes mesmo

de ver meu sorriso.

Mas Susan podia colocar a casa abaixo que eu não poderia


me importar menos.

Conrad não era indiferente a mim e aquilo era, sem dúvida

alguma, tão grandioso e intenso quanto o nascimento de uma


galáxia. Nada em mim poderia resistir à beleza do que crescia no
meu peito.
quando eu tinha 16 anos, os meus sentidos me enganaram. pensei
que tinha gasolina nas minhas roupas. eu sabia que alguma coisa
iria sempre me governar. eu sabia que esse odor era apenas meu.
tudo que você tem é o seu fogo e o lugar que você precisa atingir.

nunca dome seus demônios, mas sempre os mantenha em uma


coleira.

arsonist’s lullabye, hozier

Mais do que nervoso, eu estava queimando de ódio.

A humilhação de ver aquele porco podre envolto em uma faixa

com meu nome, passando no telão do campo, foi algo que pensei

que não sentiria. De fato, eu nem mesmo cogitei a possibilidade de


algum deles ter coragem de retalhar, mas quando cheguei à sala de

descanso dos Viper e vi a frase brilhando na parede, fiquei mais


desacreditado ainda por ver a mão de Scarlet naquilo. Se ela queria

brincar, eu estava pronto.

Passei aquela madrugada com um maço de cigarros e um livro

de química avançada na mão, mas volta e meia, quando olhava pela

janela, não conseguia deixar de pensar nela, na tensão entre nós,


em seu corpo… Toda santa vez que o corpo dela surgia na minha

mente, e minhas veias queimavam por outro motivo que não ódio,

eu me estapeava mentalmente.

Não era para ela ter qualquer tipo de controle sobre mim e o

recado estaria claro no dia seguinte. Scarlet podia achar que estava
no mesmo degrau que eu, mas perceberia logo que fugir era a única

opção já ficar para lutar só causaria mais dano. E eu soube

exatamente onde atingir graças ao presentinho que havia roubado

do quarto dela naquela tarde.


— O que é isto? — Bella esticou a mão para tentar pegar o
blackbook de mim naquela tarde de quinta, mas desviei dela,

erguendo o caderno, deixando longe do seu alcance.

— Não é da sua conta. — Não era minha intenção, mas sabia

que quem não me conhecia e ouvia nossa conversa me acharia

rude.

— Não é da minha conta? — Erguendo as sobrancelhas e

cruzando os braços, Bella me repreendeu: — O que é que você

quer com isso, hein? Achei que era só assustar a garota depois dela

fazer nossa sala de descanso um matadouro. — Encarando as

paredes em volta, ela franziu o nariz. — Ainda consigo sentir o

cheiro do porco morto.

— Reclame de novo e peça para a equipe de limpeza vir uma

segunda vez, porém, isso aqui não é problema seu, nem como eu

lido com Scarlet.

Dei as costas a ela e já ia para a porta que dava para o

corredor do meu quarto, quando ela me chamou e me obrigou a


parar.

— Conrad. — Olhei sobre o ombro.

— O quê? — respondi entediado e um pouco sem paciência.


— Achei que você estaria mais disposto a ferrar com seu irmão

do que com a garota Wright, e não sou a única…

Virei-me para a garota de cabelos curtos e escuros.

— O que você quer supor? — O mau humor pesou minha voz


e a envenenou com sarcasmo e ironia. — Acha que eu tenho algum
interesse nela?

— É você quem está dizendo. — Bella deu de ombros, tão

venenosa quanto eu.

— Eu odeio a Scarlet — rebati com urgência. — E se eu


acabar com ela, acabo com meu irmão junto. Ela é a única coisa
que ele tem que acha que pode me atingir, e é só isso.

Dei as costas a ela de novo, mas Bella não parou.

— Se quer mentir para si mesmo, vá em frente. Posso fazer o

papel de vadia malvada o tempo todo porque eu realmente sou


uma, mas quando estiver desfilando com Scarlet ao seu lado, não
espere que haja competição entre nós porque, antes de brigar com

uma mulher por causa de um bom pau, eu prefiro enterrá-lo. Sou


uma vadia má, mas uma vadia consciente.

Não voltei para respondê-la. Bella estava errada, não tinha


nada a ver com estar ou não com Scarlet, e eu provaria isso mais
tarde.

Meu caminho para o laboratório foi rápido e certeiro. Precisava

ajustar algumas coisas para a nova leva de mercadoria, mas o


caderno na bancada chamava minha atenção a cada cinco
segundos. Era realmente uma tentação não o olhar, e depois de

uma hora, eu não resisti. Larguei a bancada e, arrancando as luvas,


a máscara e os óculos de proteção, peguei o blackbook. Minhas

mãos queimaram com a memória da primeira vez que toquei o


antigo caderno de desenho de Scarlet.

Aquilo parecia ter sido em uma outra vida, e com uma


inquietação estranha no peito, fui o mais hesitante possível quando

ergui a capa dura.

De fato, eu não errei. Não estava preparado para ver aquilo,


ainda mais quando era um desenho de mim, logo na primeira

página.

Foi um soco na minha cara.


Por que ela tinha aquilo quando namorava meu meio-irmão por
tanto tempo?

Quando havia escolhido um lado?

A blusa de mangas compridas, o cabelo preto e rebelde… Não


tinha como confundir.

A frase “onde você está?” estava encaixada em todo o azul em


volta.

Ali, Scarlet ainda era boa com cores, mas foi só passar

algumas páginas que percebi o quanto ela havia se perdido no


próprio caos. Alguns desenhos tinham frases, palavras, mas boa

parte deles era uma completa bagunça laranja, vermelha e preta.

Eu sabia o motivo.

Eu era o motivo.

Outros desenhos eram só planetas, estrelas, casas no topo de

um morro. Tudo mais escuro, mais sombrio, mais triste, e me vi em


mais coisa do que deveria, do que ela gostaria que eu visse.

Ela ainda desenhava minhas mãos, mas não tinha mais nada
dos meus olhos por ali.

Será que eu a assustava? Será que ela tinha pesadelos com

eles?
Eu adoraria saber, e adorava a possibilidade de atormentá-la
tanto quanto ela fez comigo por tanto tempo. Criando coragem,
voltei ao primeiro desenho.

Era estranho como vê-lo me incomodava, apesar disso, me

forcei a analisá-lo.

Por que Scarlet havia deixado meu rosto em branco?

Ela perguntava onde eu estava, mas ela bem sabia.

Foi por ela que eu fui embora, e ela era uma mal-agradecida

do caralho, uma traidora.

Fiquei tempo demais analisando o caderno e só o larguei

quando ouvi água borbulhando para fora do recipiente. Quando

voltei para a obrigação, secretamente, sabendo que ninguém


poderia espiar dentro da minha mente, me senti quase glorioso ao

comprovar que, depois de todo aquele tempo, ela ainda pensava em

mim enquanto não havia nada de Isaac naquelas páginas.

Se ele achava que tinha ganhado, estava completamente

enganado. Aquele caderno era a prova.

Ele não conhecia Scarlet, e eu usaria aquilo a meu favor. Por

causa disso, no dia seguinte, sabendo que ela não havia consertado

o chuveiro que eu tinha quebrado, fui até ela.


O vestiário feminino do terceiro andar estava quase vazio. O
aviso de Bella correu rápido entre as garotas e, para minha sorte,

ninguém era amigo o bastante de Scarlet para avisá-la, ou se era, o

medo que Bella causava era maior do que qualquer pingo de

empatia. Por conta disso, quando adentrei pela porta no banheiro


revestido com pequenos azulejos brancos e armários de tom verde-

claro, cheio de vapor e do cheiro do xampu dela por todo canto,

soube que não teria nenhuma intromissão.

Era noite dela se exibir ao lado do meu irmão. Era dia de

engolir os dois sendo vendidos como o casal modelo por meu pai, e

obviamente eu não estaria presente, mas o gosto de deixar Scarlet


desestabilizada e pensando em mim pelo resto da noite foi mais

forte do que eu.

Ela estava lá. A única pessoa no vestiário. Envolta na toalha

de banho marrom, com os cabelos molhados, de costas para mim

enquanto abria o armário onde tinha colocado suas roupas, ela nem
desconfiava que estava correndo perigo e então, quando notou

minha presença, já era tarde demais.

Eu estava a um metro de distância quando seus ombros se


endireitaram.

Scarlet respirou fundo, surpresa, mas não se moveu.

Continuei em sua direção, ficando a um braço de distância.

Seu cheiro me enchendo os pulmões em uma dose cavalar, quase

demais para aguentar, e eu tentei não respirar tão profundamente.


Notei sua pele arrepiar, o nervosismo na tensão de seus braços, na

forma como ela respirava, e quando estava quase em cima dela,

Scarlet se virou.

Seu cotovelo esbarrou no meu peito quando ela o fez e a onda

de choque foi sentida por nós dois. Scarlet grudou as costas no


armário, e eu acabei com o último espaço que havia entre nossos

corpos, grudando meu quadril ao dela. A ruiva, tentando não

parecer assustada, manteve o queixo erguido para demonstrar que

não tinha medo.

Era um desafio.

— O que está fazendo aqui?

Não pude evitar, o instinto era mais forte do que eu.


Pousei ambas as mãos no armário, uma de cada lado da

cabeça dela, abaixando a cabeça para ficar o mais próximo possível


do seu rosto.

As bochechas dela ficaram vermelhas, sua boca entreabriu e vi


os pequenos dentes inferiores desalinhados surgindo antes dela

lamber os lábios e respirar fundo.

Scarlet se desarmou, manteve os olhos no meu pescoço,


encarando o novo desenho que tinha lá com muita atenção.

— Gostou? — provoquei.

— Se você não sair, vou gritar. — A ameaça saiu baixa

— Se você gritar, vou fazer uma cena, Red. — Com a mão


direita, toquei seu queixo com o indicador, fazendo com que ela

erguesse o rosto para me ver com clareza. Aquele toque ínfimo fez

toda minha mão formigar e, no meio daquela iluminação de merda e


do vapor, não sabia dizer se seus olhos eram verdes ou se estavam

naquele tom amarelo bonito que eu gostava quando mais novo. —

Já pensou que legal. meu irmão saber que você estava aqui comigo,

em uma situação dessa?

— Em qual situação você acha que… — Antes dela continuar

sua frase vociferada, tirei a mão de seu queixo e, violentamente,


puxei a toalha dela para baixo.

O tecido desceu fácil, Scarlet tapou os seios, enquanto eu

olhava para baixo e a prendia com a pressão contra seu quadril. A


visão daquilo, surpreendentemente, foi melhor do que antes, e seria

meu tormento por mais alguns dias. O corpo de Scarlet tinha se

desenvolvido bem até demais. Os seios cobertos pelo braço


caberiam perfeitamente nas minhas mãos, a barriga com dois

pequenos vincos estava encolhida e eu vi a joia do piercing no

umbigo brilhar. Não consegui resistir e abri um sorriso pela

novidade, mas saboreando canto a canto da visão que tinha,


sentindo a respiração dela acelerar e meu corpo vibrar numa

vontade alucinante de tocá-la direito, soube que era perigoso

continuar com aquele jogo, por isso fiz meu melhor para não encarar
demais a calcinha preta que abraçava o quadril dela tão bem.

— Meu irmão gosta dessas rendas? — provoquei, respirando

de propósito contra sua boca.

Scarlet engoliu seco, vi cada detalhe de sua garganta

afundando antes de mirar seus olhos e ver que ela queria me matar.

— Adora, mas acho que deve ser de família, você parece não

ter superado a última vez que me viu usando uma dessas. — Eu


não esperava aquela chicotada, mas gostei.

O sabor da provocação era doce na minha boca, e ver Scarlet

não correr do jogo me deixou com um tesão louco. Daquela vez,

não fiz questão de me segurar tanto, e conforme ficava duro, não a

poupei nenhum pouco de saber do meu estado.

— Talvez eu até goste — aproximei o rosto do dela a ponto de

roçarmos nossos narizes e soprei —, mas só porque é divertido


saber que você fode com meu irmão enquanto pensa em mim.

Scarlet me fodeu no segundo seguinte.

Sua boca se curvou num sorriso e depois se escancarou numa

gargalhada. Ela deitou a cabeça para trás, seu corpo pressionou o

meu, a pressão dentro da minha cueca aumentou.

— Conrad, você é tão prepotente. — Viperina, ela limpou uma

lágrima de riso, e quando afastei o rosto, foi ela quem encurtou a

distância. — Sabe qual é a única hora em que penso em você? —


Sua voz era um sussurro sedutor demais, e eu neguei com a

cabeça. — Quando percebo que Isaac é o melhor que eu poderia

ter.

Fui eu quem quis me afastar dessa vez. Ardeu no mais

profundo do meu ego ouvir aquilo. Mas Scarlet segurou minha


camiseta, me mantendo no lugar.

Seus seios mal eram cobertos pelo cabelo e notei a pele

arrepiada, quente… Eu não podia cair no jogo dela. Estava


esperando encontrar uma garotinha medrosa, mas ela ia me engolir

se eu não pensasse rápido.

Scarlet ficou na ponta dos pés e aproximando a boca do meu

ouvido, disse baixo:

— Você fodeu meu coração, mas seu irmão — ela riu —, eu


nem sei te dizer quantas vezes ele me fez esquecer que você

existia.

Aquilo foi demais para mim.

Minha mão foi direto para o seu pescoço, eu a empurrei contra

os armários, batendo com a cabeça dela contra o metal. Ela sufocou


um grito, mas me encarou como se estivesse adorando me ver

daquele jeito.

Isso só fez o fogo nas minhas veias ficar pior.

Aquela provocação toda, a vontade de dizer a verdade bem na


cara dela, de foder com Scarlet bem ali física e mentalmente era

grande, mas eu só sorri, da forma mais cruel que pude, e encarando


seus olhos, não medi minhas palavras.
— Você é uma mentirosa terrível, Red. Se ele é tão bom
assim, por que é que você ainda me desenha? Não vi menção
alguma do meu irmão naquelas páginas. — o sorriso dela morreu.

— E eu aposto que se eu te tocar, meus dedos vão escorregar


direto para dentro de você de tão molhada que está agora. Estou
errado,?

— Você não… — A frase não foi concluída e eu vi a guerra


dentro de seus olhos.

— Eu vou te tocar. Não aqui, mas vou. E quando fizer, você vai
implorar para eu não parar.

— Nunca — ela disse entredentes, seu corpo queimando


contra o meu.

Minha mente bifurcou.

Eu tinha duas opções.

A primeira era jogar a toalha por uma hora e foder com ela ali
com os dois cheios de ódio. Seria do caralho, provavelmente a
melhor transa de todas, mas eu ainda queria brincar com a cabeça

dela. Queria que Scarlet não conseguisse virar a esquina sem ter
medo de me encontrar do outro lado, tanto por sofrer uma
humilhação das grandes ou porque queria sentar em mim, e foi aí
que a segunda opção venceu.

— Nunca diga nunca, Red — soprei contra sua boca e fiquei

encarando-a.

Aquele minuto de tensão se estendeu pelo que parecia uma


hora.

Nós dois estávamos no limite. Os corações batendo como se


fossem saltar a qualquer minuto. As respirações queimando,
batendo uma contra a outra, mas eu não conseguia soltá-la, e ela

não conseguia deixar de corresponder.

Naquele segundo, quase me esqueci do motivo de estarmos


brigando. Quase esqueci que, por anos, fui privado de viver como
queria. Que ela havia me traído, me arruinado.

Quase deixei tudo de lado para beijá-la.

Ela fechou os olhos como no passado, sua boca se abriu um


pouco mais.

Ela queria, e de algum jeito errado, não deveria ser assim.

Ela não era mais a garota de quatorze anos bêbada no banco


do meu carro.
Ela era uma filha da puta que merecia pagar junto com o lado
que havia escolhido.

— Espero que meu irmão não se importe que todo mundo veja
melhor o que ele tem, já que você não pareceu nenhum pouco
desconfortável antes. — Minha voz saiu como um murmúrio, e ela

abriu os olhos. A mágoa brilhou neles, mas durou pouco, lá estava o


ódio de novo.

Ela me empurrou, não se preocupando nenhum pouco em se

cobrir, não pude deixar de notar algo brilhando nos mamilos e só


então notei os piercings.

Caralho, eu tô fodido — pensei. Seria impossível esquecer

aquela visão.

Tirei os olhos dela, e peguei a peça de roupa do armário antes


de pegar a toalha no chão.

O plano original não era aquele, mas com raiva, se tornou.

— Se você ainda não entendeu — falei quando notei que ela


não ia se mover —, é agora que você sai.

Ela fechou os olhos mais uma vez, tapou os seios com o braço
de novo mesmo eu já tendo visto tudo, e respirou fundo antes de me

encarar com o maior desdém do mundo.


— Deve ser uma merda para você saber que só vai poder

olhar mesmo, não é? E, se você está aqui para ver uma segunda
vez, é porque gostou muito do que viu antes. — Ela começou sua
caminhada, mas parou antes de sair, e mantendo o resto do orgulho

que tinha, disse: — Espero que saiba que não importa com quem
você transe, lá no fundo sempre vai se perguntar como seria
comigo, e se você quiser saber, só o seu irmão poderá te dizer.

Quando ela saiu do banheiro, ouvi os assobios e os gritos pelo


corredor, mas nem depois de tentar me conter a raiva foi embora.
Foi por isso que soquei a porta do armário dela e fiz questão de

deixar a merda do vestido laranja pegando fogo lá, junto de todo e


qualquer desejo que eu poderia ter por ela, como se meu ódio
pudesse consumi-la como as chamas faziam com o tecido, antes de

sair dali.

— Ei, Prince! — Uma garota de óculos de grau, cabelo azul e


que com certeza não era uma Viper me encontrou no corredor,
fumando meu terceiro cigarro seguido. Eu a medi de cima a baixo
enquanto a assistia tomar fôlego. — Seu pai está mandando te
chamar.

— Quem é você? — Minha cara de poucos amigos a fez


tagarelar.

— Amanda Rudson, sou uma Bird, estou participando do


comitê de organização do torneio e seu pai está tentando te ligar há

umas duas horas… Estamos em cima, a festa de abertura começa


em meia hora.

Meu celular estava no silencioso há um bom tempo.

— Ok.

— Certo, até depois, Prince. — E ela saiu correndo pelo


corredor.

Sabendo que o velho estava me procurando, tentei fugir,

porém quando cheguei à porta do meu quarto, encontrei-a aberta,


com meu pai sentado na cama, de braços e tornozelos cruzados,
parecendo achar tudo em volta medíocre.

— A decoração é por conta da casa — falei, pulando suas


pernas para ir até o banheiro lavar as mãos. — O que quer?

— Notei que precisamos conversar direito.


Parei, erguendo uma das sobrancelhas e querendo rir, o
encarei.

— Levou vinte e um anos para o grande John Prince perceber

isso? Parabéns. — Ele desaprovou meu tom sarcástico, para variar.

— Você tinha razão. Eu é quem tenho o maior interesse pela


Star. — Quase bati palmas pela evolução de admitir que eu estava

certo. — Mas, pela Supernova, não. Tem alguém maior e mais


perigoso próximo de nós que tem interesse nela, e eu não quero
você com mais problemas, é por isso que tomei a frente das coisas.

Apoiei o ombro no espelho ao lado da minha estante,


encarando meu pai, tentando ler a mentira em sua voz, mas não a
encontrei.

— Como essa pessoa me descobriu?

— Porque eu fui idiota o bastante para falar sobre você.

Meu pai me olhou com expectativa e, de fato, não achava ser


mentira. Ele gostava de se exibir nas horas vagas, eu só não

imaginava que meu nome estaria algum dia envolvido nesse papel.

— Eu acredito.

— Ótimo, porque estão cobrando mais.


— Sem chance, só vou ter mais daqui, pelo menos, uma
semana — me desarmei. — Meu laboratório é pequeno, sou eu

quem cuida de tudo sozinho, então não adianta querer aumentar a


produção e fazer alguma merda no processo.

— Prudente. — Ele parecia não esperar aquilo de mim. — Mas

eu estou aqui para outra coisa também.

— O quê?

— Vi que você se inscreveu nos jogos, e com a possibilidade

de um dos meus filhos ganhar, quero que você vá para a festa de


hoje à noite.

Encontrar Scarlet, meu irmão e meu pai em um mesmo lugar?


Sem chance. Neguei com a cabeça.

— Não quero.

— Não estou pedindo. Você indo, como um Prince na


Dangerous Viper, conseguirei investimento dos antigos membros da

sua fraternidade, então vim negociar.

Aquele sim era meu progenitor.

— E o que você tem a oferecer, John? — Tirei um cigarro de


trás da orelha e o acendi, sabendo que aquilo o irritaria.

— O que é que você quer?


— Uma foto da família estampada no jornal da cidade —

traguei e soprei antes de continuar — e usada no cartão de Natal,


comigo incluso nela, com todos os membros bem sorridentes, o que
acha? Acha que seu filho favorito pode obedecer a essa ordem?

— Farei o possível.

— Então, se eu achar que isso vale, te vejo daqui meia hora.


— Acenei para ele, indicando a saída, num sinal claro de que o

queria fora, e foi o que ele fez, saindo sem se despedir, fechando a
porta a suas costas, me fazendo anotar mentalmente que eu
precisava trocar aquela fechadura logo.

Toda a universidade parecia caminhar na mesma direção.

Todos estavam saindo para o gramado, indo para a parte de trás do


prédio, para a floresta que naquela noite tinha tochas amarradas no

tronco das árvores para guiar o caminho da multidão.

Segui com o resto dos alunos até a clareira, vendo o palco


armado, meu pai, meu irmão e Scarlet lá em cima conversando
entre si, ignorando o barulho em volta. O DJ já tocava algo no palco
onde eles estavam, o bar já estava abastecendo os alunos que
queriam aproveitar aquela sexta com tudo o que ela tinha para dar,

mas eu fiquei imóvel na plateia, observando o triozinho do ódio,


pensando como seria a sensação de ver em seus olhos que eu, o
indesejável número um, tinha colocado a casa abaixo.

Os três me varreram para debaixo do tapete. Cada um, ao seu


modo, me feriu. E eu devolveria cada uma das merdas com juros e
correção.

— Você veio mesmo? — O tom desacreditado de Thomaz me


chamou atenção.

— É, não aparecer faria me parecer fraco.

— Já estamos sabendo que todo mundo viu Scarlet atravessar

os corredores praticamente pelada. A essa hora, a foto da bunda


dela está rodando a internet — ele disse aquilo como se não fosse
nada, virando sua cerveja.

E eu também não deveria me importar, mas algo me cutucou.


Encarei a garota em cima do palco que sorria como se vivesse em
algum mundo perfeito e foi inevitável não a comparar com a pessoa

que encontrei mais cedo. Inteligente, provocante, que não queria


sair por baixo… respirei fundo e afastei o incômodo. Não era
problema meu.

— Preciso subir. Jurei que estaria aqui para essa merda,

depois encontro você.

Batemos as mãos e eu me afastei, indo para a pequena


escada, evitando encará-los tão diretamente até estar na mesma

altura. Quando os três me notaram ali, a conversa animada morreu.


Enfiei as mãos nos bolsos da jaqueta de couro e, ignorando meu pai
porque não tinha o que gastar de palavras com ele, e louco para

provocar meu irmão, encarei Scarlet que tentava se esconder num


meio abraço de Isaac. Descaradamente, medi seu o corpo da

maneira mais grosseira e sexual possível, não fazendo questão de


esconder que gostava muito de vê-la usando o vestido esverdeado
bem colado nos quadris, e não perdendo o detalhe dos seios

pesando no tecido graças às alças finas, dei um meio-sorriso


perverso.

— Esse vestido ficou melhor do que o que você ia usar. A cor

te favoreceu, Red. — Ela engoliu a respiração. — Só não é melhor


do que aquela calcinha preta, aquilo sim é um espetáculo. Você
ainda está usando ou trocou depois do nosso encontro?
Meu irmão se inflou como um pavão, ela o segurou no lugar.

— Não dê o que ele quer. Conrad é um idiota. — Scarlet mal

conseguia olhar para mim.

— Um idiota que quer perder os dentes — Isaac esbravejou.

Dei um meio-sorriso, tirando as mãos dos bolsos, erguendo as

mangas da jaqueta.

— Gostaria de te ver tentar. — A ameaça estava lá, a tensão, a


vontade de brigar.

Se ele me desse a brecha, eu o pegaria com todo o ódio que

nutri por todos aqueles anos e, com toda a certeza, se não me


tirassem de cima dele, seria capaz de matá-lo.

— Vocês dois, parem com essa merda agora mesmo — John

mal moveu os lábios quando nos repreendeu.

— Pensei que você manteria seu cãozinho e o brinquedinho


dele na coleira, John — provoquei sem tirar os olhos do meu irmão.

Seu rosto era uma máscara de ódio e frustração, seria de um prazer


sem fim quebrá-la.

— Conrad, por favor, se comporte. Temos um acordo, não? —


Meu pai se colocou entre nós e, depois de ponderar um pouco,

abaixei os braços e dei de ombros.


— Foda-se, tanto faz. O que é para fazer?

— Espere aqui, estou esperando o resto dos alunos chegar


para anunciar como as coisas vão funcionar.

— Ok, então. — Tirei o maço de cigarros do bolso. — Você

não vai se importar se eu fumar, não é?

Ele deu de ombros e, vendo que eu não seria mais um


problema, se afastou para ver algo com o DJ.

Scarlet não tirou os olhos de mim. Não do meu rosto, mas do

resto do corpo, como fazia antes. Claramente receosa, apreensiva,


parecendo esperar meu próximo golpe.

Mal sabia ela o que eu estava pensando em fazer.

Fumei meu cigarro em paz, mas completamente consciente


dos dois ali, observando a maneira como meu irmão a segurava
para si, e em como ela fugia do meu olhar toda vez que eu a

encarava diretamente. A tensão entre eles, a conversa baixa.


Cheguei a ler os lábios dela um pedido para que Isaac não fizesse
nada comigo ali e quis rir. Não precisava da proteção dela, não

queria que Scarlet o fizesse desistir, porém Isaac era covarde o


bastante para não me atacar em campo aberto. A maior prova de
sua covardia, inclusive, era estar com Scarlet em seus braços
daquela forma.

Peguei um segundo cigarro. Scarlet suspirou quando me viu

dar a primeira tragada e percebi que ela também queria fumar, mas
meu irmão geração saúde devia encher a cabeça dela e, mais uma
vez, eu quis rir. Era sério que a dependência dela deixava com que

ela fosse contida daquele jeito? Onde estava a garota que


começava a me peitar?

Enquanto a observava, meu pai bateu no microfone algumas


vezes. O som do DJ parou, todos os alunos olharam para ele, e
John Prince sabia fazer por merecer aquela atenção toda.

Assobios, aplausos e gritinhos o recepcionaram.

— Boa noite, alunos da Prince University! — ele cumprimentou


sua audiência com entusiasmo. — Estamos aqui esta noite, minha

família — ele apontou para nós no canto do palco — e eu, para


anunciar que os jogos mais esperados por vocês, chegaram! A
tradição nos colocou a oportunidade de disputar com honestidade,
hombridade e respeito entre as fraternidades desta casa tão
importante. — Ele indicou o emblema da universidade em seu peito.
— Quem está pronto para mostrar que sua casa é maior que as
outras?

O grito da plateia foi alto, a algazarra foi grande. John Prince, o


hipnotizador de massas, estava radiante e não pude deixar de notar
os olhares de Isaac e Scarlet. Meu meio-irmão sorria, admirando o
próprio pai como um espelho do seu futuro, comprando o discurso
dele como todo mundo lá embaixo, mas a ruiva? Apesar do sorriso

no seu rosto, me surpreendi com a clareza que vi em seus olhos.


Scarlet encarava meu pai sem uma capa de super-herói, e por quê?
Como poderia, se ele deu tudo a ela, se ela se manteve ao lado
deles por todo aquele tempo?

Algo me incomodou, mas não tive tempo de vasculhar minha


mente naquele segundo, já que fui anunciado.

— E temos aqui, meu sangue competindo! Isaac, venha. —


Meu irmão foi todo orgulhoso até ele, e meu pai ergueu sua mão,
como se ele fosse o campeão dentro de um octógono. Todos os
Lions e algumas outras garotas de fraternidades diferentes gritaram
para ele. — E, o primeiro Viper da linhagem Prince, Conrad! — Eu
não esperava por aquilo, mas todo mundo em volta, até mesmo

alguns Lions, gritaram por mim.


O que aquilo queria dizer? O ódio e a inveja brilharam no olhar
do meu irmão, e percebendo que a audiência seria minha aliada, me
aproximei do meu pai, dei meu melhor sorriso e peguei o microfone
dele.

— Finalmente este lugar parece decente. — Os risos vieram


acompanhados de gritos da plateia. — Vocês estão prontos para ver
como será essa disputa? Estão prontos para ver como se sai o
melhor dos Prince?

Meu pai, parecendo feliz pela minha provocação, desapontou


meu irmão que ficou sem fala e com cara de poucos amigos, e
puxou sua audiência novamente.

— Essa vai ser uma boa competição, mas vocês Birds e


Badgers têm chance de colocar o ego dos meus filhos no chão,
hein? E não se esqueçam, o aluno vencedor, que acumular maior
pontuação, leva cinco mil libras. Já a fraternidade que pontuar mais,

ganha a taça dos campeões e mil libras para o caixa da próxima


festa. — Foi unânime, todos comemoraram. — Lembrem-se que
desonestidade e trapaça são inaceitáveis nessa competição. Se
você for pego, será suspenso e sua fraternidade será multada. E,
sendo assim, que o torneio comece!
A música começou a tocar de novo, meu pai abraçou a mim e
meu irmão e se virou para chamar Scarlet para a foto, mas antes

que ela atravessasse, passando por mim e por meu pai para chegar
em Isaac, eu a peguei.

Passei a mão por sua cintura e prendi seu corpo ao meu lado,

não dando tempo de ela fugir quando o fotógrafo abaixo de nós


disse: “diga xis”.

A vitória no meu rosto de mostrar que só por eu chegar, as

coisas seriam diferentes, seria estampada no jornal e no cartão de


Natal dos Prince, e fiquei realmente ansioso para receber um
daqueles logo.

A sessão de fotos durou vinte segundos. Foi só o fotógrafo sair


da nossa frente que Scarlet tentou se afastar, mas meus dedos
foram rápidos em se ajustar no corte do vestido e eu a segurei pela
cintura, pele com pele, firme o bastante para fazê-la me encarar.

— Me solte. — Era uma ordem que ignorei com prazer.

Abaixando o rosto para a curva do pescoço dela, aspirei o


cheiro do qual secretamente senti falta demais para admitir em voz

alta e me mantive sorrindo, sabendo que meu irmão nos observava.


— Eu vou, mas antes quero saber, Red, vai pensar em mim
quando foder com ele hoje? Imaginando se sou maior, melhor…

Não consegui terminar minha frase, mesmo assim, fiquei feliz


por ver sua pele se arrepiar antes dela ser puxada por Isaac.

— Crianças, estamos em público — meu pai, ainda conectado

com a plateia, deu o lembrete de que não deveríamos envergonhá-


lo.

— Vem, Scarlet, porra. — O tom nervoso de Isaac fez o sorriso

no meu rosto se tornar genuíno, e eu assisti enquanto os dois se


afastavam discutindo.

Não conseguindo prestar atenção em mais nada, me enfiei no

meio da multidão, seguindo-os com o olhar, assistindo à briga do


casal. A chateação na cara de Scarlet, o jeito grosseiro como meu
irmão colocava as mãos nela, a forma triste e cansada como ela
discutia, como tentava se defender de algo que não tinha culpa…
Era lindo ver meu irmão caindo sozinho, colocando todo o peso nos
ombros de Scarlet, desgastando aquela bosta de relacionamento

que eles tinham. O negócio cresceu tanto que, uma hora depois,
com meu irmão e ela já tendo bebido um tanto considerável, ambos
gritaram um com o outro e ela foi embora.
Ele não ligou. Foi Scarlet desaparecer no meio da multidão
que Isaac começou a conversar com uma loirinha que com certeza
iria foder, e eu fui atrás dela sem pensar duas vezes, disposto a
começar minha tarefa de mostrar que, mesmo depois de todo
aquele tempo, mesmo depois de tudo desmoronar, Scarlet ainda
sentia algo por mim.
scarlet

e aqui estamos, nossa última noite vivos, e à medida que a Terra vai
queimando. oh, garoto, é com você que eu me deito enquanto a
bomba atômica se aproxima. oh, garoto, é você com quem assisto

TV à medida que, à medida que o mundo desmorona.

as the world caves in, sarah cothran.

cinco anos atrás

Eu estava feliz demais. Tão feliz que o surto de Susan após a

confirmação que as flores vinham de Conrad não me causou

nadinha, nem um pouquinho de culpa sequer. E mantendo aquele


bom humor como uma cápsula protetora, organizei a casa toda,

limpei a mesa do jantar, só eu e meu avô comemos, e na manhã


seguinte, não me importei de cuidar do café da manhã também.

Susan não resistiu à fome e estava sentada bem atrás de mim, com

a cara inchada, me encarando como se pensasse um meio efetivo


de esconder meu corpo e não levar a culpa. Apesar de achá-la

idiota, não podia julgá-la, já que eu me machucaria tanto quanto,

caso descobrisse o interesse de Conrad em outra pessoa. Não era


segredo algum para mim, depois de todo aquele tempo observando-

o de longe, que gostava dele, e agora conhecendo-o, as coisas

caminhavam numa crescente.

Ainda assim, fingi que sua cara de choro não era problema
meu, que seu olhar não me assustava, e organizei a louça limpa no

armário, liberando espaço no lava-louças para mais peças sujas.

Vovô entrou na cozinha pouco tempo depois. Se serviu de café

com as ferramentas presas em seu macacão tilintando a cada

movimento dele que era barrigudinho no espaço apertado entre os

armários e a mesa, e finalmente se sentou.

— Aqui — ofereci o pote de açúcar e ele agradeceu em um

grunhido preguiçoso.
— Filha, você pode me dizer quem foi que mandou as flores de
ontem? — A seriedade em seu rosto, o fato dele não olhar nos

meus olhos quando perguntou e o sorriso que surgiu no rosto de

Susan, me fizeram pensar que algo ruim estava chegando.

— Foi aquele garoto que me tirou do rio, vô. Conrad Prince,

você o conheceu.

— E você tem passado muito tempo com ele? — Ouvi a colher

raspar no fundo da xícara e quando notei, os olhos de meu avô

estavam nos meus, ansiosos pela resposta.

— Um pouco — admiti. — Fomos com ele ao parque naquela

noite…

— E Scarlet sumiu com ele. Eu te contei, vovô, ele é bastardo,

não é como o irmão que tem berço. Conrad é o rebelde, anda com

gente esquisita, fuma, não é boa companhia para Scarlet. Aposto

que foram fazer algo errado.

— Não minta, Susan. — Tentei me conter, mas ouvi-la sendo

venenosa daquele jeito me consumiu por dentro. — Vovô, nós não


fizemos nada de mais. Conrad me deu um ursinho, me levou aos

brinquedos e conversou comigo, foi só isso, eu juro!


— Esse rapaz… — Ele deu um gole no café, limpou a

garganta e juntou as mãos sobre a mesa. — Ele gosta de você?

— Eu não sei. — Queria gritar com toda certeza que sim, mas

eu não podia. Minha voz saiu fraca, baixa. — Eu acho que gosta…

— Ele é mais velho, você precisa tomar cuidado. — Ele não


conseguiu terminar de falar, pois Susan se aproveitou do momento

e, em um tom de desdém, soltou:

— Conrad Prince gostar de Scarlet? Por favor, o mundo ainda


não está acabando. — Ela riu da própria piada. — O máximo que
vai acontecer é ele iludi-la, se divertir e jogá-la fora. Afinal de contas,

o que é que ele ia ver em você?

O sangue me subiu como nunca, e não consegui me conter.

— Conrad não é esse tipo de garoto, e mesmo que fosse, não


sou burra a ponto de me deslumbrar por alguém só por ser rico ou
bonito, Susan. E se você quer saber o que ele viu em mim?

Simples, eu não sou uma vaca amarga que sempre que pode é
horrível como você. Me conte, qual é o prazer em sempre ser

alguém tão desprezível?

Meu avô ficou quieto, Susan calou a boca, ambos surpresos


pelo meu ataque.
Eu não ia pedir desculpas.

Larguei a louça como estava e saí da cozinha, atravessei a

porta de entrada, caí na rua e, com o peito fervendo e as lágrimas


queimando no rosto, saí sem rumo até me acalmar.

Aquilo não funcionou na primeira hora, já que comecei a


continuidade do diálogo ao qual eu tinha fugido na minha mente, e

falando sozinha, discursei para meu avô os motivos pelos quais


Conrad era uma boa pessoa, expliquei o que Susan queria com

aquele confronto, o porquê estava tão incomodada, e naquela


realidade alternativa, também colocava minha irmã no lugar dela.

— Droga — xinguei quando me vi longe demais de casa e


percebi que a oportunidade de ter aquele diálogo todo só existia na

minha cabeça.

— Ei, Scarlet, não é? — Eu não tinha parado para prestar


atenção nos carros que passavam na rua, mas quando ouvi aquele

tom de voz, parei para olhar quem me chamava.

De dentro de um carro branco que eu não tinha ideia do

modelo, loiro, perfeito e confiante, Isaac Prince me chamava.

— O-oi — gaguejei. — É, é isso.

Ele riu da minha falta de jeito.


— O que faz por aqui? Sei que você mora do outro lado da
cidade… — Ele olhou para frente, franzindo as sobrancelhas.

— Eu gosto de andar quando fico nervosa…

— Sério? Meu irmão tem dessas também. — Meu coração se


acendeu. — Escute, tem algo para fazer agora?

— Nada. — Neguei com a cabeça. — Por quê?

— Meu irmão está em casa, e acho que ficaria feliz de ver


você.

— Eu… — Tentei ser racional, mas pensar em Conrad me fez

tropeçar direto na ânsia de vê-lo. — Não sei.

— Vamos lá, é aqui perto e pelo menos você descansa um

pouco da caminhada sob esse sol. — Ele insistiu e, sabendo que


normalmente eu não faria aquilo, respirei fundo e concordei com a

cabeça, estava morrendo de sede.

— Está bem.

— Ótimo. — Ele apertou o botão para que a porta do

passageiro abrisse, fazendo o som das travas me tirar do lugar.

Atravessei pela frente do carro, abri a porta e apostei alto


quando entrei no carro.
Coloquei o cinto, respirei fundo e o encarei.

— Você já pode dirigir?

— Falta pouco para fazer dezessete. — Foi a desculpa que ele

me deu, mas com o pai dele mandando na cidade, duvidava muito


que alguém teria coragem de parar um Prince e dizer que ele não

podia fazer algo. Ele voltou a acelerar pela rua e puxou o assunto.

— Aquele dia, você e Conrad sumiram. Sua irmã ficou um


pouco…

— Ah, podemos não falar dela? — Meu tom de voz entregou

tudo.

— É por causa dela que você saiu andando pela cidade?

— É. Susan poderia facilmente competir pelo cargo de satanás

em dias em que está inspirada e hoje é um desses dias — lamentei,

me apoiando na porta.

— Entendo como é. Conrad às vezes é alguém difícil de lidar.

— Acredite, ele não chega aos pés de Susan.

— Você ainda não conhece Conrad. — Ele deu um meio-

sorriso, me desafiando a acreditar em sua versão.


— Você também não conhece Susan, mas em meia hora com

ela, o que foi que achou?

O sorriso amarelo que ele deu fez de mim a vencedora.

— Certo, você tem um ponto. Mas somos os caçulas, sempre

vamos sofrer mais na mão dos mais velhos do que o resto do

mundo.

— Talvez seja um tipo de treinamento — supus.

— É… E você e meu irmão?

— O que tem? — Tentei não olhar para o loiro.

— O que vocês têm?

— Sou amiga dele. — Era óbvio, não?

— Mas só amiga? Conrad não tem só amigas. — Ele pesou o

tom.

— Então eu sou a primeira. — Fui firme na minha resposta, e


até pensei em continuar, mas ao ver que o garoto parou em frente a

um portão preto todo ornamentado, com um grande P no alto, minha

voz sumiu. Foi bonito de ver ele se abrir automaticamente na nossa


frente, e eu me senti uma idiota de imediato por ficar encantada com

algo tão bobo.


Assim que cruzamos a entrada, tive a visão da casa de longe.

Era imensa, mas não foi isso o que me chamou mais atenção. A

estrada que levava até a mansão era de pedras e coberta pela copa
de árvores que se entrelaçam, fazendo um belo arco de folhas por

onde o sol brincava procurando por brechas para atingir o solo. Era

a coisa mais linda que eu já tinha visto.

O som dos passarinhos e de água corrente me encantou

também, e olhando pela janela, mal notei quando Isaac estacionou.

Caí em mim quando ouvi a porta do carro abrindo e corri para tirar o
cinto e acompanhá-lo logo, mas foi só sair do carro e olhar para a

casa suntuosa e imponente que me senti pequena, meio suja e

completamente inadequada para entrar ali. Estava de short jeans

escuro e uma blusa que quando nova era branca, mas agora era
meio amarelada, de um tecido levinho e que deixava meus ombros

e parte da barriga à mostra. Meu cabelo tinha sido preso no alto da

cabeça em voltas dele mesmo no meio da caminhada, e me sentia


suada, com meus tênis falsos nos pés. De fato, eu não era digna de

estar ali, e até cheguei a encarar o caminho bonito pelo qual havia

acabado de passar, pensando em quanto tempo correndo eu

atingiria os portões novamente e fugiria de Isaac sem maiores


explicações.
— Ei, é por aqui — o garoto, parecendo ler minha mente,

chamou, e tive vergonha demais para seguir meu plano de


arrependimento.

A entrada da mansão Prince tinha uma fonte d’água bem em


frente à porta principal, e eu segui Isaac pelos degraus de pedra da

cor da minha blusa. Ele passou por uma porta de vidro a qual eu

provavelmente teria dado com a cara se ele não estivesse me

guiando e a luz do hall de entrada se iluminou só pela nossa


presença graças a algum sensor.

— Isaac, será que eu posso usar o banheiro? — perguntei,


quando olhei sobre o ombro dele e vi a escada gigantesca à nossa

frente.

— Claro, tem um depois da sala de jantar. — Sem alternativa,


eu continuei seguindo o garoto.

Passamos por uma sala de estar enorme, com sofás de couro,


tapetes que custavam o valor da casa onde eu morava e obras de

arte das quais eu não entendia o conceito.

Tudo me fazia sentir insignificante, mas o pior golpe veio


quando viramos no final do corredor e tudo ao meu redor se

congelou.
A sala de jantar tinha um espelho no fundo, bem de frente para

quem entrava no ambiente, e eu me vi uma bagunça. Meu cabelo

emaranhado, meu rosto vermelho, minha roupa que não era nem de

longe a certa para estar ali, tudo isso somado a uma mesa de
almoço posta para três, com cada mínimo detalhe da decoração

ajeitado para fazer quem não se encaixava naquela roda íntima

desconfortável. Ainda assim, aquilo não foi o que me fez vacilar,


mas sim o olhar de Conrad quando me viu.

Seu rosto passou de entediado para surpreso, e não era como

se eu fosse uma boa surpresa. Sua testa se vincou, as


sobrancelhas se juntaram, os olhos escuros que podiam ver através

de mim me mediram de cima a baixo nada felizes por me ver. Todo

meu corpo esquentou e eu quis que a terra se abrisse aos meus pés
para eu poder pular dentro. Minha vontade era de chorar, de pedir

desculpas, mas não tive tempo de abrir a boca.

— Isaac, você não avisou que traria alguém para o almoço.


Quem é essa mocinha? — Minhas mãos estavam juntas na frente

do corpo e só quando a voz do pai deles soou, é que consegui me

libertar do olhar de Conrad.

— É uma amiga minha e de Conrad. Esta é Scarlet, pai. Você

a viu algumas noites atrás. Eu a encontrei caminhando e como ela


está longe de casa, a convidei para almoçar aqui, tudo bem?

— Isaac, não. — Minha voz saiu estrangulada. — Não precisa,

eu só queria mesmo usar o banheiro.

— Scarlet, não precisa ter vergonha. O banheiro é ali atrás —


o homem ao qual mal tive coragem de encarar direito indicou o

caminho com a mão, — mas faço questão que almoce aqui. Faz

tempo que não temos uma presença feminina nesta mesa.

— Eu… — e vendo de onde Conrad havia puxado aquele

olhar, aqueles olhos, não pude dizer não —... está bem.

Fitando o chão, forcei minhas pernas a caminhar em um ritmo

que não parecesse desesperado e que não me fizesse tropeçar e

cair, e quando abri a porta, ouvindo John Prince pedir mais um lugar
à mesa para algum empregado, me tranquei logo no lavabo e

encarei meu reflexo no espelho de novo.

Eu precisava melhorar aquela bagunça.

Abri a torneira, lavei o rosto com a água gelada, na tentativa de

acalmar a vermelhidão da pele, soltei o cabelo e o desembaracei


com os dedos da melhor forma possível.

Não fiquei muito melhor, mas era o que tinha.


Respirei fundo antes de sair dali e, reunindo cada mísera gota
de coragem, voltei à sala de jantar.

O pai se sentava na beirada da mesa, Conrad ao seu lado


direito, Isaac ao esquerdo, e meu prato estava ao lado do caçula

dos Prince.

Sem conseguir olhar para Conrad, me sentei ao lado de Isaac

e mordisquei o lábio inferior, pensando no que faria com mais de

três garfos para um almoço.

— Scarlet, de onde conhece meus filhos? — John me chamou

e ergui o rosto para encará-lo melhor. Não queria que ele pensasse

que eu era uma idiota.

— Estudamos na mesma escola.

— Estão na mesma sala? — o pai perguntou antes de levar a


taça com uma bebida clara cheia de bolhas à boca.

— Não. Eu sou mais nova — respondi e me assustei com o

braço que surgiu ao meu lado, servindo o prato de salada na minha


frente.

— Quantos anos você tem?

— Quatorze. Faço quinze em janeiro.

— E já sabe para onde vai na faculdade?


— Pai… — Conrad protestou pela primeira vez e ganhou
minha atenção.

— Não — respondi, depois de ver qual garfo estava na mão


dele. — Ainda não sei. Não temos dinheiro para estudar na Prince

University, então eu e minha irmã vamos tentar alguma bolsa fora


quando chegar a hora.

— Nós temos bolsas de estudo para bons alunos, como é sua

média? E o que mais você sabe fazer?

— Pai — ele disse uma segunda vez, mas foi ignorado.

— Eu tenho uma média boa, mas não sei se tenho algum outro

talento que interesse a você…

— Imagino que tenha. Seus pais são daqui?

— Meus pais faleceram há três anos. — O homem não me deu


uma pausa e comecei a sentir a tensão de Conrad adentrando

minhas veias.

— Sinto muito. Com quem você mora hoje?

— Meu avô.

— Em que parte da cidade? — Ouvi o tom sutil de julgamento

e parei, pensando em como responder. Apesar de mais velho, os


olhos de John não eram como os de Conrad.
Eu não conseguiria processar a pergunta, eu teria respondido
o garoto de primeira, mas não queria mais falar com o pai, e fui
salva no último segundo.

— Chega dessa merda. — Conrad empurrou a cadeira para


trás e se levantou. — Vem, Red.

Em meio segundo, eu estava de pé, com a mão de Conrad na

minha enquanto ele me levava para fora dali. Se eu tinha alguma


esperança de voltar à casa dos Prince, ou de achar que a família de
Conrad seria legal comigo, aquela experiência me colocou com os

dois pés na realidade.

Eu não pertencia ao mundo perfeito e endinheirado dos Prince.

Eu nunca viveria em uma casa como aquela.

Eu nem mesmo seria uma opção para o filho de John Prince, e

ficou bem claro naquele segundo. Foi por isso que quando Conrad
me guiou até o primeiro carro perto da porta, uma picape mais
antiga, não disse absolutamente nada quando ele me colocou para

dentro da porta do carona. Havia um bolo de constrangimento,


vergonha e culpa na minha garganta.

Conrad parecia furioso e aquilo não ajudava, não conseguia

entender se eu também era alvo da sua raiva naquele minuto.


Quando ele deu partida e manobrou o carro para passar pelo arco
de árvores, não consegui ver mais um pingo de beleza naquilo, até

porque minha vista estava completamente embaçada pelas lágrimas


gordas que se acumulavam nos olhos antes de caírem pelo meu
rosto.

Aquela foi a primeira vez que chorei por causa de um, ou todos
os Prince.

Demorou pelo menos cinco minutos para que Conrad

percebesse que eu estava chorando, estava concentrado no seu


silêncio furioso, mas assim que ele viu meu estado, finalmente
parou de acelerar feito um idiota e encostou o carro.

Conrad girou a chave, desligando o motor, e antes que eu


percebesse o que ele fazia, o braço dele veio e me puxou para si,
me abraçando, escondendo meu rosto no seu pescoço, fazendo

minha mente nublar ao sentir o cheiro vindo dele.

— Me desculpe, Red — ele pediu, acariciando meu cabelo, em


um tom de voz baixo e sério. — Eu não devia ter deixado isso

acontecer, e essa confusão foi o único jeito de te tirar de lá. Meu pai
não presta, acredite. Ele compra tudo em volta dele, e o que não
consegue comprar, ele destrói. Isso serve tanto para gente, quanto
para coisas. Não queria você exposta a ele tão cedo… — ele

lamentou ao mesmo tempo em que tremi no meio do soluço


choroso.

Foi o que bastou para ele me abraçar mais forte e me manter

ali mais tempo, e ele só me soltou um pouquinho quando teve


certeza de que meu choro havia cessado.

Olhando para baixo, ele moveu gentilmente meu rosto para

fora da curva do seu pescoço e me encarou. Minha pele queimou


sob seus dedos, será que ele percebia?

De rosto inchado, descabelada e vermelha como ficava


quando nervosa, eu devia estar horrível, mas Conrad não pareceu

notar.

— Está mais calma?

— Você está bravo comigo? — Minha voz foi quase um miado.

— Não. Estou furioso com meu irmão, irado com meu pai, mas

com você? Como poderia, Red? — O meio-sorriso de Conrad fez


meu coração acelerar, e quando ele acariciou minha bochecha,

pensei que eu fosse entrar em combustão em seus braços, até


fechei os olhos esperando por isso. — Quando eu puder, vou sumir
no mundo. — O prazer daquele momento durou pouco. Arregalei os
olhos para encará-lo, mas Conrad não me olhava. Na verdade,
apostava que sua visão estava em um futuro no qual ele havia
desenhado para si mesmo muito antes de eu chegar. — Para bem

longe deste lugar e dessas pessoas, uma vez que fora daqueles
portões, eu sou só mais um fodido. Não nasci para viver de
aparências, e não quero que você se suje com esse meio de merda.

Eu não sabia de nada, mas desconfiava que a ferida daquela


família era profunda e feia demais para que eu tentasse mexer,
ainda mais depois da tarde desastrosa.

— Está com fome? — ele perguntou depois de soltar um


suspiro e, infelizmente, me devolver ao meu banco.

— Não. — E era verdade. Havia uma pedra no meu estômago


naquele minuto.

— Então vou te levar para casa.

E ele seguiu pelo caminho, me deixando apreciá-lo, quieta,


tendo certeza de que o mundo do lado de fora poderia estar em

chamas, tudo poderia desmoronar, mas se ele me mantivesse em


seus braços, tudo ficaria bem.

Quando ele parou em frente à casa do meu avô, confundindo

ainda mais minha cabeça, ele não me tocou. Isso foi meu meio de
entender que havia um limite, e eu estava pronta para lidar com ele
quando abri a porta da velha picape.

Meus pés escorregaram para o chão e eu suspirei antes de

bater a porta, mas quando o fiz, Conrad me chamou de volta e me


virei para encará-lo.

— Você está livre amanhã?

Confirmei com a cabeça.

— Ótimo. Se prepare, vamos sair. Te mando mensagem


depois.

E ele partiu, me deixando na porta de casa com o coração

esperançoso, mas a mente nublada. Por que o meu primeiro amor


não podia ser simples?
Scarlet

eu sou louca, mas você gosta disso, eu mordo de volta.

d a i s y, a s h n i k k o

Eu estava no limite, completamente de saco cheio daquela


merda toda.

Queria gritar com Isaac, dizer que ele era um idiota por ficar

bravo comigo porque seu irmão me segurou, porque chegou perto


de mim, porque sorriu, porque me tocou, porque falou comigo. Eu

não podia controlar a porra dos Prince, nenhum deles! Era o pai
querendo me usar de exemplo como boa aluna dedicada, como

garota com a qual ele fez caridade e que descobriu que o filho mais
novo era seu par perfeito para a eternidade. Era Isaac querendo me

exibir como um troféu e Conrad no meio do caminho para foder com


tudo.

Eu não queria mais aquele joguinho, mas parecia mais presa


nele do que nunca, foi por isso que quando perdi a paciência junto

de um copo de vodca com suco de morango que me deixou um

pouco mais solta, eu deixei Isaac falando sozinho e saí andando.

Na caminhada de volta para o meu dormitório, o ano anterior

passou como um filme. A calmaria, a sensação de segurança, o

sossego no meu relacionamento. Tudo parecia por um fio naquele


minuto e eu sabia quem era o culpado de toda aquela confusão. A

ameaça que Conrad fez mais cedo ainda estava fresca na minha
mente e ele ainda tinha meu caderno de desenhos.

— Desgraçado! — xinguei quando me vi no andar do

dormitório dos Viper e, sem pensar direito, fui resolver meu

problema.

De estômago vazio, a bebida tinha me deixado mais mole do

que devia, e quando cheguei à porta do final do corredor, ignorando

se alguém tinha me visto ou não, fiquei feliz por ser a garota de

confiança do reitor. No meu molho de chaves, dentro da bolsa, eu


tinha a chave mestra dos dormitórios. A regra era nunca a usar a
não ser em caso de emergência, e para mim, aquilo era uma

emergência e tanto. Olhando em volta, conferindo se não vinha

ninguém pelo corredor, enfiei a chave na fechadura e a girei até

ouvir o trinco ceder.

Meu sorriso de vitória veio fácil, e rindo, abri a porta e entrei,

fechando-a nas minhas costas, trancando-a de novo, sabendo que


se fosse pega ali dentro, Conrad me mataria.

Foi só abrir o quarto dele e respirar fundo que o cheiro

esmagador ao qual senti falta por tanto tempo me afogou.

Secretamente, por anos eu tentei sentir aquele aroma exato, mas


nunca encontrei nada que se igualasse. Era uma mistura de

sabonete, amaciante e cigarros que só ele tinha e eu, não

resistindo, me joguei em sua cama, mergulhando a cara no

travesseiro, absorvendo ao máximo tudo o que podia.

Era bizarro odiar tanto alguém, mas se dar conta de que sentiu
sua falta de forma tão tremenda e significativa. Eu o queria longe,

mas era divertido poder ser a pessoa que devolvia o tapa que

tomava. Era ainda mais estranho me sentir de volta à minha pele


por conta disso. Verdade seja dita, aquilo ainda era um treino, mas

Conrad me forçava a ser forte, a ser eu. Se não fosse, ele já teria
me engolido logo no dia de sua volta.

A cama de lençóis verdes estava feita perfeitamente antes de


eu deitar nela. O banheiro de Conrad era maior que o meu pelo que

eu via da porta aberta, e ele tinha uma estante enorme de livros.


Agarrada ao travesseiro, me levantei para ler os títulos, e de algum

jeito foi decepcionante não ver nenhum romance. Aquele velho


Conrad parecia ter morrido mesmo. No lugar de boas histórias,

livros de química pesados e chatos lotavam as prateleiras. Um par


de óculos de leitura estava apoiado no calhamaço que ele estava
lendo na mesa de cabeceira ao lado da cama. Ele tinha alguns

maços de cigarro ali também, e não vi problema em roubar um, era


da mesma marca da qual eu fumava.

O computador tinha senha, as gavetas tinham camisinha,

lubrificante, cadernos de anotações com números que não diziam


nada para mim. Notas fiscais, chiclete, um cofre pequeno que
parecia cheio de moedas, uma garrafa de bebida sem identificação,

e várias coisas que não me importavam. Fechei a gaveta e abri o


closet dele, foi nessa hora, vendo o que tinha na prateleira de cima,
que ouvi o xingo do lado de fora enquanto a chave se enfiava na

fechadura.

Não tinha para onde correr, e com o travesseiro na mão, no


auge do meu desespero, me fechei dentro do armário o mais rápido

que pude, usando do objeto para abafar o som da minha respiração


e me drogar um pouco mais com o cheiro de Conrad.

Ele entrou parecendo saber que tinha algo de errado.

Meu estômago se afundou.

Conrad bateu a porta e olhou em volta, desconfiado e com a


cabeça girando, não entendi minha vontade de dar risada daquela
situação. A vontade durou menos de dois segundos, porque, de

repente, Conrad olhou na minha direção e parecendo me enxergar,


ele sorriu.

Meu corpo todo gelou achando que tinha sido pega, mas meio

segundo depois, ele me deu as costas, se livrou das botas e tirou a


jaqueta, jogando a peça de couro em cima da cama.

Ok, ele está no quarto dele, tudo bem tirar a jaqueta quando
não está tão frio, não é? — pensei, e logo depois o vi tirar a

camiseta.
Foi como voltar ao passado quando Conrad exibiu as costas
cheias de marcas. Meu ar faltou, eu quis chorar quando lembrei
como aquilo havia sido feito, quando me lembrei como foi cair dentro

dele e me apaixonar pelo garoto quebrado a ponto de nunca mais


tirá-lo do meu sistema. Ver as outras marcas cobertas me fizeram

ficar sem entender o motivo daquelas ainda estarem aparentes. Eu


quis abrir a porta e perguntar, mas quando ele se virou para mim,
perdi a coragem. O peito de Conrad era definido, os braços fortes, o

abdômen delineado, a cintura mais estreita.

Ele ainda era a porra de um deus grego.

Engoli em seco e senti o calor começar a tomar minhas


bochechas e pescoço. Os novos desenhos eram muitos, eu os vi na
nuca, nos ombros, no pescoço, na garganta, no peito, barriga, por

todo o braço. Conrad agora tinha muitas tatuagens e eu tive uma


vontade súbita de descobrir cada uma delas, queria vê-las de perto,

descobrir seus traços, seus significados...

— E como queria — falei baixo e tapei a boca com o


travesseiro logo em seguida quando ele prestou ainda mais atenção
em mim através da porta. Parecia que ele sabia que eu estava lá e,

por Deus, parecia que ele gostava.


O olhar no rosto de Conrad quando ele colocou as mãos no
cós da calça era de triunfo.

Ele não vai fazer isso — pensei.

Mas ele fez, e quando dei por mim, Conrad Prince estava
abaixando calça e cueca de uma só vez, ficando pelado bem na

minha frente.

É possível isso ser real? — não consegui controlar minha


mente.

Eu quis gritar, não acreditando que aquilo acontecia, mas tudo

o que fiz foi morder o travesseiro quando o vi duro, grosso e grande,


com algo inusitado bem lá.

A joia escura brilhava na cabeça do seu pau e apesar de num


primeiro momento meu pensamento ser “isso deve ter doído

horrores”, não pude deixar de imaginar como seria sentir aquilo nos

meus mamilos, ou na minha língua, ou entrando em mim.

Porra. Eu não conseguia parar de pensar como seria aquilo

entrando em mim, e me colocando contra a parede, Conrad deitou a

cabeça para trás e começou a se tocar. Sua mão forte e grande


envolveu boa parte do comprimento de seu pau e, gemendo baixo,

puxando o ar entre os dentes, ele se masturbou comigo de plateia.


Não consegui fugir da sensação, todo meu corpo esquentou e

meu ventre pulsou como há muito não acontecia. Meus seios


latejavam. Como era possível? Aquele tesão todo deveria ser

proibido, mas era impossível ignorar.

Esfreguei as coxas uma na outra, tentando buscar algum tipo

de alívio, mas não adiantou de nada. Queria mesmo era me tocar,

aliviar a pressão e o ódio que sentia por aquele ser de mais de dois

metros de altura, mas não podia ceder, nem em segredo.

Meu prazer nunca seria de Conrad Prince, não enquanto eu

ainda tivesse o mínimo de força para negá-lo e mantê-lo longe. Já


era difícil demais lidar com ele no meu sistema por anos daquele

jeito que era, se eu permitisse Conrad vencer mais essa barreira,

seria impossível não cair direto em sua armadilha, e eu não era

burra.

Mesmo assim, admirá-lo não era proibido, até porque eu não

tinha outra opção, ainda mais quando ele gemeu mais alto e
mordiscou o lábio inferior logo em seguida.

Seu pau brilhava de tesão, seu corpo parecia tenso na busca

do alívio, e enquanto eu apertava o travesseiro com toda minha


força para resistir, travando meu corpo em uma tensão nunca

sentida, Conrad abaixou a cabeça e olhou para onde eu estava.

Minha boca secou, meu coração parecia bater nos ouvidos, e


eu o vi diminuindo o ritmo de sua mão quando, fazendo cada parte

de mim vibrar, ele disse em um tom alto só o bastante para que eu o

ouvisse:

— Está gostando do que vê, Red?

Foi como cair dentro de um vulcão.

O filho da puta sabia que eu o espreitava!

Conrad se aproximou do armário e meu coração disparou com

medo dele abri-lo. Para minha sorte, ele não o fez. Ainda assim, não

mudou muita coisa, já que tão de perto, conseguíamos ver um ao

outro pelas frestas de madeira.

— Sabe no que estou pensando? No que tem me deixado duro

a cada cinco segundos? Em você hoje mais cedo… — Ele


continuou se tocando, dessa vez mais rápido.

Puta que pariu, era eu quem o deixava daquele jeito?

— Me conte, Red, como você acha que meu pau vai ficar entre

os seus peitos? — A pergunta foi quase um rosnado e me deixou

mole.
Eu nunca me imaginei em tal situação, nunca pensei que

aquilo me excitaria, mas conseguia imaginar muito bem a cena que


Conrad havia sugerido e não consegui me conter. O gemido baixo

que saiu da minha boca enquanto todo meu corpo se arrepiava

vendo-o ter prazer sozinho foi mais forte que eu.

Não era justo ele ser tão lindo, mais ainda do que quando

éramos mais novos.

Não era nada justo ele ser tão gostoso, ter um pau tão grande

e grosso, e ainda por cima ter aquele piercing! Não era certo eu

desejar Conrad daquele jeito, com aquela intensidade, não quando


eu sabia que seria seu próximo alvo para consumir e destruir, mas

ainda assim, eu não conseguia evitar. Eu era um grande ímã de

desgraças e Conrad era a pior delas porque era o veneno que eu

consumia pouco a pouco e porque queria, eu sabia disso.

Havia mil e uma alternativas para não o ver mais. Eu poderia

sim pedir transferência com as notas que tinha, podia chorar para
que John me mandasse para longe, podia me jogar de cabeça nos

trabalhos universitários para juntar mais dinheiro e tentar bolsa do

outro lado do oceano, mas não queria.

Queria estar ali.


Queria ver Conrad e seu meio-sorriso cretino.

Queria socá-lo e queria beijá-lo.

E eu era uma mentirosa, uma traidora do pior tipo por admitir

aquilo para mim mesma e não fazer nada para mudar o rumo das

coisas.

— Ah, Scarlet... — O prazer dele em gemer meu nome me

consumiu.

A mão livre se apoiou contra a porta do closet, a outra

continuou o movimento intenso de masturbação, e quando Conrad

gozou contra a porta, me senti a vadia mais suja do mundo quando


pensei que ele poderia fazer aquilo no meu corpo.

Caralho, eu estava muito fodida!

— Porra, Red. — O corpo dele tremia, a respiração pesada

entregava o quão intenso aquilo tinha sido, e eu mordi o lábio

inferior, sabendo que meu castigo seria não me aliviar de jeito


nenhum naquela noite. — Agora você sabe o que te espera. — Ele

deu um meio-sorriso, ainda me encarando pelas brechas da

madeira. — Já que eu sei o que você veio buscar, só vou dar a dica

de que você não vai achar tão fácil assim. E como sou um bom
anfitrião, vou para o banho para que você saia daí, e espero que

deixe meu travesseiro no lugar antes de ir.

Conrad se virou para ir na direção do banheiro, a bunda

perfeita foi a primeira coisa que mirei antes das antigas cicatrizes,

mas ele me puxou para longe daquele pensamento de novo quando


olhou sobre o ombro e avisou:

— E não volte mais aqui se não quiser foder comigo. Da


próxima vez, não serei tão gentil.

O aviso estava dado, e eu me vi facilmente voltando ali,

mesmo que fosse idiotice.

Aquele desgraçado estava começando a foder com a minha

cabeça e eu não sabia como fazer, ou não sabia se queria fazer,


aquilo parar.

Uma hora ou outra, nós dois colidiríamos e acabaríamos com

tudo em volta.
scarlet

estou andando rápido pelos semáforos, ruas lotadas e vidas


ocupadas e tudo o que sabemos é incerto. estamos a sós com
nossas mudanças de ideias, nos apaixonamos até que doa ou

sangre, ou desapareça com o tempo. você chega e a armadura cai,


atravessa o quarto como uma bala de canhão. agora tudo que

sabemos é não deixar passar. estamos sozinhos, só você e eu no

seu quarto e nossas fichas estão limpas. então você nunca foi um
santo e eu amei em tons errados. nós aprendemos a viver com a

dor, mosaico de corações partidos, mas este amor é valente e


selvagem. e eu nunca previ você chegando, e eu nunca mais serei a

mesma.

state of grace, taylor swift.


cinco anos antes

Estou na porta.
Pegou sua
toalha?

Eu nem respondi. Já tinha avisado meu avô que não estaria

em casa no dia seguinte, mas que levaria o celular e que não era
para ele se preocupar, ou dizer para Susan. Ele não tentou me

podar, só me pediu para ser cuidadosa e, se precisasse, ligar que

ele me buscaria em qualquer canto da cidade.

Eu o agradeci e subi as escadas na noite anterior, jurando que

conseguiria dormir, mas só de repassar as boas coisas daquele dia,

como o fato de Conrad me abraçar daquela forma e se importar

comigo, meu sono evaporou.

Por toda a madrugada, eu encarei o céu noturno pela brecha

da cortina, imaginando como seria viver uma vida toda com os

braços dele ao meu redor, e nenhuma possibilidade diferente

daquilo me pareceu tão perfeita.

Mesmo que Conrad só me visse como amiga, no final das


contas, mesmo que ele só quisesse me manter perto sem nenhum
motivo romântico, eu aceitaria só para ter mais dele, já que agora eu
me sentia um pouco mais preparada para encarar o quebra-cabeça

Conrad Prince. Por conta disso, se eu consegui cochilar por uma

hora inteira foi muito, mas o que importava era que estava com

minha mala pronta antes das nove, esperando por ele no sofá de

casa, tentando não parecer tão ansiosa por fora quanto estava por

dentro.

Eu nem consegui tomar café, e quando a mensagem apareceu

no visor, o mais silenciosamente possível, corri para a porta de

entrada e girei a chave com delicadeza, rezando para que minha

irmã não espiasse pela janela do seu quarto, ou a volta para casa

seria um inferno.

Quando finalmente tranquei a porta e desci os degraus da

entrada, encarei a picape preta e o vi com um dos braços apoiados

no volante. A blusa de mangas compridas de sempre, o rosto meio

inchado pelo sono e o cabelo bagunçado eram um charme à parte.

Naquela manhã eu não tive receio nenhum de encarar os olhos

escuros e intensos de Conrad, e quando eles sorriram para mim,

senti como se pudesse flutuar.

Cortei a distância entre nós em uma corridinha rápida e logo

abri a porta, pulando para dentro do carro, tomando cuidado para


não perder meus chinelos.

— Bom dia — eu o cumprimentei — Se importa se sairmos

aqui da porta?

Ele não respondeu, mas deu um meio-sorriso como se não


acreditasse naquilo e acelerou quando fechei a porta.

— Dormiu bem, Red?

Eu deveria mentir?

— Dormi o suficiente. — Era mentira, mas não havia um pingo


de sono no meu corpo naquele minuto. — E você?

— O de sempre. — Dando de ombros, ele avançou pelo bairro.


— Já entendeu aonde vamos hoje? — Conrad deu uma boa olhada

para minhas roupas e eu olhei para baixo também, conferindo a


parte de cima do biquíni que havia roubado de Susan, eu não tinha

nenhuma peça de banho que me servisse, o short, e a mochila com


toalha e coisas para comer, já que não tinha dinheiro para gastar em
canto nenhum.

— Algum canto com água? — chutei e o sorriso dele cresceu.

Conrad voltou a olhar para frente e concordou.

— É, mas você já foi pra Porty, certo?


— Hm… Se você está falando na praia de Portobello, não.

Nunca fui. — Olhei sem jeito, encolhendo os ombros. — Meu avô


nunca nos levou.

— Bom, espero que ele não se importe de eu levar você hoje,

então.

Conrad ligou o som, abriu as janelas e enquanto o vento

soprava e Papa Rouch tocava nos alto-falantes, eu o imitei


colocando uma das mãos para fora da janela e brinquei com o

vento, sabendo que fosse o que fosse, aquilo era só meu.

Meus momentos com o garoto com o qual eu sonhei por dois


anos.

Meus segundos de preciosa intimidade com o menino que


fazia meu coração bater mais forte. E estava conformada que o final

do verão podia ser o final daquilo, era mais do que óbvio que meus
os próximos amores poderiam ser intensos, mas nenhum deles

seria avassalador como o meu primeiro.

O trajeto foi rápido, e como Conrad gostava de correr, não

demorou muito para que eu finalmente pudesse ver o mar, escuro e


cheio de ondas, batendo contra a areia enquanto várias pequenas

barracas estavam erguidas na areia.


— Vai ter algo aqui hoje?

— O tempo ia firmar e o pessoal resolveu fazer uma festa. Vai

até à noite, provável que se torne um luau, mas você não vai poder
ficar, não é?

— É, meu avô não ia gostar muito da ideia de eu sair tão cedo

e não ter hora para voltar, ainda mais depois do que Susan disse da
última vez… — O final da frase era para ser um pensamento, mas
escapou pela minha boca.

Olhei para Conrad, com medo de sua reação e o vi fazer uma

careta desacreditada enquanto dava seta para estacionar.

— O que sua irmã disse?

— Ela não foi muito legal ontem, só para variar…

— Ok, mas o que ela disse? — ele insistiu, não parecendo

mais tão passivo.

— Que você só queria brincar comigo, que não era uma boa
influência, que me faria de idiota e que... — meu tom de voz
diminuiu, o nó voltou para a minha garganta como no dia anterior, e

eu soltei em um sussurro, desviando o olhar do dele —... que eu


não tinha nada de interessante para que você quisesse algo comigo.
Minhas bochechas pegaram fogo, quis que o banco me
engolisse logo em seguida, mas Conrad soltou o ar em uma bufada.

— Sua irmã é uma idiota. — O tom de voz sério me fez olhar


para ele, e que erro o meu. Tropecei nos olhos sérios de Conrad,

tão intensos e sombrios nos meus, que mal pude me recuperar


quando ele se aproximou e soltou meu cinto de segurança. Seu

rosto estava há cinco centímetros do meu, sua respiração tinha


cheiro de hortelã, e seu cheiro ainda era bom demais para ser

verdade. — Só alguém completamente insano não veria o que eu


vejo em você, Red.

Meu ar faltou. Eu queria gritar, mas não pude. Estava presa em

seus olhos, refém do seu próximo movimento, prisioneira de


qualquer vontade que ele tivesse.

Seus olhos deixaram os meus por um minuto e ele fitou minha


boca. Eu lambi os lábios.

O coração rasgando o peito, fazendo tudo em mim girar em

uma espiral irracional. Se ele não se afastasse, eu não resistiria e,


para minha sorte, ou completo azar, o cinto subiu entre nós e ele se

endireitou.
— Espero que goste de água gelada, essa daqui é de doer os

ossos.

Conrad Prince abriu a porta, pulou para fora do carro e eu me

joguei contra o banco, deitando a cabeça no encosto, não


acreditando que era real.

Ele me achava interessante.

Sorri feito idiota, abri a porta, passei a mochila pelo braço e

desci.

Nada poderia estragar aquele dia.

N a d a.

Com minha toalha estendida na areia não tão próxima ao resto

das pessoas, fiquei admirando Conrad que, com as mãos apoiadas

na cintura, encarava o mar. De bermuda e com aquela blusa, ele


parecia um surfista, porém, algo dentro de mim esperava que ele

fosse se livrar dela em breve.


— Quer? — ofereci o protetor solar que começava a passar

nos ombros.

— Não — ele negou e ergueu o braço, como se fosse óbvio


não precisar por causa da blusa. Mordi a língua querendo perguntar,

e ele notou. — Quer saber o porquê não vou tirá-la?

Só confirmei com a cabeça.

— Você nunca exibe os braços, ou qualquer parte do tronco.

Nem me deixa pegar em você nessas partes. — Fui direta demais e


isso o chocou.

— Não? Acho que já é automático. Me dê isso, vou passar nas


suas costas. — Ele pegou a embalagem do protetor e ficou atrás de

mim. Ergui o cabelo e senti um arrepio quando o produto gelado

tocou minha pele já quente. Conrad soltou um riso nasalado e eu


mordi o lábio com força, não querendo correr o risco dele se calar

de novo.

— Eu tenho algumas marcas que não gosto de exibir. — A


mão de Conrad era suave contra minha pele, esfregando,

espalhando, quase acariciando minhas costas. — Em sua maioria, a

dos braços são queimaduras. Acho que você já notou que eu gosto
de brincar com o que não devo, não é?
Confirmei com a cabeça, querendo que ele não parasse de se

abrir, nem de me tocar.

— E as outras… — Tentei forçá-lo quando o silêncio ganhou

espaço entre nós.

— As outras… As outras são assunto para outro dia. — Ele

terminou e se deitou ao meu lado, apoiando o corpo no cotovelo. —

E você?

— Eu o quê?

— Não tem nenhuma cicatriz para contar história, nenhuma

interna?

— Interna?

— É. — Sua cara de desinteresse não me ganhou. Seus olhos

foram longe quando ele disse: — O tipo de cicatriz mais feia que
existe.

— Ah — respirei fundo, abracei as pernas e encarei o mar —,

desse tipo eu acho que tenho aos montes.

— Além das que são sobre sua perda?

— Além delas. — Encarei a areia, que era rara em praias

europeias, e suspirei. — Acho que é por isso que me agarro na ideia

dos romances clássicos serem tão puros. Aquilo nunca poderia


acontecer de verdade, mas a paz de saber que alguém imaginou

algo daquele jeito me conforta.

— O morro dos ventos uivantes não é puro. Emily Brontë


explorou a capacidade do ser humano se perder no mais puro ódio

por conta de um amor não correspondido.

— Mas o amor foi correspondido. — Encarei Conrad. — O ódio

se instalou pela má comunicação, pelas meias-verdades, por causa

do sofrimento. O amor não teve nada a ver com aquilo, inclusive, ele

é a cura para os primos no final…

Ele fez uma careta, depois deitou com a barriga para cima e

tapou a testa com o braço.

— Prefiro Jane Austen. Ainda há falta de comunicação, porém

sinto que tem mais esforço dos personagens para resolver isso.

— Ainda assim, é um problema do ser humano não falar e

pecar pela imaginação. A expectativa pode destroçar qualquer um

— completei, olhando com casal que passava correndo na nossa


frente, rindo alto.

O garoto perseguia a menina e ela queria ser pega, mas ainda

gritava entre o riso para ele se afastar e corria dele.


— O exemplo está aqui. Ela quer que ele a pegue, mas a

graça toda é saber se ele está disposto a realmente pegá-la,


entende?

— Você tem só quatorze anos mesmo? — Quando voltei a

olhar para Conrad, ele não me olhava como se eu fosse um E.T.,


mas sim como se me admirasse.

— Tenho.

— Não deixe meu pai descobrir essa sua inteligência. Você

seria um ótimo ratinho no laboratório dele. — Conrad bufou e voltou

a esconder os olhos sob o braço.

— Seu pai e você… A relação não é boa?

— Nunca foi, mas fazemos o mínimo, assim ele continua a

bancar minha educação e minha mãe um dia vai ter a chance de

sair da vida que leva.

— Sua mãe é bonita — soltei baixinho e ele sorriu.

— Você devia ver as fotos dela do passado. Dezesseis anos


atrás, ela era a mulher mais linda desta cidade, tanto que meu pai

não passou impune.

Ajeitei-me para deitar ao lado de Conrad e o instiguei.

— Como ela conheceu seu pai?


— Minha mãe era dealer, dava as cartas na mesa e em uma
bela noite, John Prince, o rei do mundo, foi jogar.

— E ele se apaixonou — chutei e fiz Conrad soltar um riso


amargo.

— Antes fosse isso, ele só queria foder com ela.

Fiquei horrorizada pela forma que ele disse aquilo, mas me

segurei.

— Minha mãe era bonita, inocente demais, ele era tão bonito

quanto ela, e de um caso de uma noite, eu nasci. Meu pai era

casado, sua mulher vivia lutando para engravidar e conseguiu dois


meses depois que minha mãe descobriu a gravidez, quando o

assunto vazou e descobriram que havia um bastardo Prince por aí,

esta cidade caiu em cima da minha mãe como se ela fosse uma
criminosa. Ela perdeu o emprego, quase perdeu a casa em que

morava, e se não fosse um advogado meia-boca que conseguiu


com as últimas economias, ela teria chegado ao ponto de comer
lixo. — O desprezo na voz de Conrad fez os pelos do meu braço se

arrepiarem. Eu odiaria meu pai se ele tivesse feito o mesmo com


minha mãe. — Finalmente, ela conseguiu assistência, mas meu pai,
muito inteligente, enrolou minha mãe de novo. Hoje em dia ele
custeia minhas despesas, mas é só o que faz. Quando há algum
problema sobre falarem de onde eu moro ou coisas do tipo, tudo o
que ele diz é que eu já tenho capacidade de escolha e se quiser,

posso morar com ele, mas o que seria da minha mãe? Não posso
deixar Caroline, não posso sonhar em… — Ele suspirou. — Já falei
demais.

— Não, eu te entendo. Acho que odeio seu pai também.

Ele riu.

— Não é algo difícil. Ontem, quando ele começou a te


pressionar… Achei que fosse bater nele.

— Eu não valho uma confusão desse porte, mas obrigada por


me tirar de lá.

— O problema não foi você, Red. O problema foi meu irmão,


mas isso é assunto para outra hora.

— Certo, então é da sua mãe que você puxou o gosto para


leitura?

— É, eu ainda sei os clássicos, mas hoje prefiro as fantasias.

— Você sabe? — perguntei, sem entender.

— É, eu sei em um nível de que posso declamar qualquer


parte de qualquer livro que tenha lido para você. Dizem que minha
cabeça é boa em decorar coisas — ele disse como se não fosse
nada e eu o achei ainda mais incrível.

— Me prove.

Conrad limpou a garganta e virou a cabeça para mim.

Olhos nos olhos, próximos demais.

— Sei que é generosa demais para fazer pouco de mim. Se os


seus sentimentos são ainda os mesmos que manifestou em abril

passado, diga-me imediatamente. O meu amor e os meus desejos


permanecem inalterados; mas basta uma única palavra sua para
que nunca mais lhe fale no assunto. — Ele suspirou, esperando algo

meu, mas não consegui fazer nada além de sentir minhas


bochechas queimando e meu estômago tremendo. — Elizabeth,
sentindo, além do mais, a difícil e aflitiva situação em que Darcy se

encontrava, esforçou-se então por falar; e imediatamente, embora


de forma hesitante, lhe deu a entender que os seus sentimentos

tinham sofrido uma transformação tão substancial desde o período a


que ele aludira que a levavam agora a aceitar as suas declarações
com prazer e gratidão. A felicidade que esta resposta causou em

Darcy foi a maior que até então conhecera; e, na ocasião, ele


exprimiu-a nos termos mais calorosos que o seu coração de
apaixonado logrou encontrar. Se Elizabeth tivesse podido erguer os
olhos, teria visto toda a felicidade refletida no rosto dele, infundindo-

lhe uma animação que o tornava belo; mas, se ela não podia olhar,
podia ouvir, e ele contou-lhe tudo o que sentia, o que, ao provar a
importância que ela tinha para ele, valorizava a cada instante o seu

amor aos olhos de Elizabeth…[4]

— Você…— soprei contra seu rosto e o vi mordiscar o lábio


inferior, olhando para minha boca.

— Eu o quê? — Conrad respondeu.

— É completamente injusto com o resto do mundo que você


seja como é e ainda saiba esse tipo de coisa. — Minha boca secou,

eu queria me aproximar ainda mais dele, mas não sabia como fazer,
como seria, qual era o ponto em que estávamos.

Conrad abriu um sorriso enorme quando me ouviu e sua mão

se encaixou sobre a minha.

Uma pequena galáxia explodiu no universo naquele instante


tamanha minha felicidade.

— Talvez essa seja a única forma de competir com o meu lado

fodido. Se eu fosse só o amontoado de erros e problemas, você


nunca chegaria perto de mim.
— Conrad? — Ouvi um grito feminino vindo de longe e o vi se

sentar num pulo. — Conrad! — Me ergui rápido o bastante para ver


a garota de biquíni verde-limão e camiseta preta vir na nossa
direção junto de outro garoto que eu não sabia o nome, mas já havia

visto uma porção de vezes.

Eu não gostava muito deles, mas fiquei quieta, além de


precisar engolir a bola de ciúme que surgiu na minha garganta

quando vi o abraço cheio de intimidade da garota com Conrad.

— Quem é sua nova amiga? — Os olhos da menina de


cabelos escuros compridos me engoliram.

— Bella, Thomaz, essa é Scarlet. — Ele se virou para mim

como quem sentia muito por sermos interrompidos e disse: — Esses


são meus amigos.

— Oi. — Acenei sem graça e abracei os joelhos.

— E aí! — o garoto que fumava me cumprimentou, a garota


não.

— Você não confirmou se vinha! — ela continuou a dar

atenção a ele.

— É que eu e Scarlet andamos ocupados. — Gostei da forma


como ele me incluiu naquilo, mas ainda assim, o peso no meu peito
não sumiu. Tentei prestar atenção na conversa, mas me distraí
totalmente quando Conrad esticou a mão para o amigo e pegou o
cigarro dele, dando uma tragada longa antes de devolver.

— Estou tentando parar.

— Se conseguir, me avise. — Os outros dois tiraram sarro. —


Você fuma, menininha? — Thomaz perguntou, me oferecendo, e eu
neguei.

— Obrigada.

Ele deu de ombros.

A conversa girou em torno do que fariam naquelas férias


ainda, de lugares para ir, festas para dar e eu só assisti a tudo se

desenvolver sem mim. A vida de Conrad em breve voltaria à rotina


da escola, dos amigos, e talvez minha irmã tivesse razão. Talvez eu

não fosse mesmo interessante ao ponto de manter Conrad na minha


órbita por tanto tempo assim.

— Vamos para a água? — Bella sugeriu sem nem cogitar


minha presença.

— Scarlet não sabe nadar, acho que vou ficar por aqui. —
Conrad me olhou, preocupado.
Era nítido que ele queria cair no mar, e eu seria a última
pessoa a impedir.

— Não, relaxe. Eu vou ficar aqui um pouco, é bom ter alguma

distância de você. — Tentei sorrir.

— É mesmo? — Por um segundo, ele se esqueceu dos


amigos e focou de novo em mim.

— É, você faz minha mente nublar, Conrad Prince. Uma


overdose de você não me mata, mas pode me tornar uma viciada.

— Eu gosto disso. E, eu já volto. — Sem que eu estivesse


esperando, sem ligar que a praia estava começando a encher, sem

se preocupar com o que falariam, Conrad se curvou na minha frente


e beijou meu rosto.

Não era um beijinho inocente.

Foi um beijo demorado, segurando meu queixo como se fosse


para me impedir de fugir daquilo, e eu só soube sorrir.

— Volto logo — ele sussurrou na minha orelha, e eu quis

explodir em mil pedacinhos de tanta felicidade.

— Vou esperar. — Foi como me despedi sob os olhares todos,


principalmente os dos amigos dele. E sabendo que ele tinha feito
aquilo tão publicamente, a sensação de ser inferior diante de
qualquer outra pessoa, ou de qualquer relação de Conrad, evaporou
do meu sistema.

Conrad voltou para a areia três vezes, e vê-lo sorrir daquele


jeito me encantou tanto que não me importei de comer meus
biscoitos sozinha, ou tomar sol como precisava há tempos.

Eu até tentei molhar os pés, mas a água era tão gelada que na
primeira ondinha eu corri de volta para minha toalha e entendi que
meu lugar era ali, em terra firme.

Isso durou até perto das duas da tarde, foi quando Isaac me
descobriu.

— Scar, eu não tinha te visto aí. — Sorrindo, com uma garrafa


transparente cheia de um líquido vermelho na mão, ele veio até mim

com sua turma.

Eu me levantei e o esperei se aproximar um pouco mais para


poder responder.

— Oi, Isaac. — Meu tom não foi o mais dócil e ele percebeu.
— Queria te pedir desculpas por ontem. Meu pai é um pouco

sem noção, mas não era minha intenção ter tudo aquilo. Eu até
tentei pegar seu número com Conrad, mas ele não me passou e,
provavelmente, também não repassou minhas desculpas, não é?

— Não. — Neguei com a cabeça. — Não repassou.

— Droga. Você deve estar me achando um idiota, não é?

— Não — menti. — Você não podia prever o que seu pai faria.

— E acredite, ele mesmo não vê que fez algo errado. Logo

depois que vocês saíram, o papel de explicar para ele a merda que
tinha feito ficou toda nas minhas costas. — O sorriso faceiro no
rosto dele me amoleceu.

— Ok, me sinto um pouco melhor agora.

— Ótimo. Quer um gole? — ele me ofereceu a bebida da


garrafa.

— O que é isso?

— Alguma coisa com suco de morango. Não pergunte o que é


essa coisa.

Olhei em volta, Conrad se divertia na água, o pessoal em volta

de mim tinha a idade dos Prince e todos bebiam. Peguei a garrafa e


cheirei. Não era tão ruim, mesmo assim, tentei devolvê-la.
— Não sei se é uma boa ideia.

— Ah, Scar… Estamos de férias. — Ele pegou a garrafa, mas


logo em seguida, alguém ofereceu um copo de plástico e ele o

encheu quase até a boca.

— Ela está saindo com Conrad Prince e não aguenta um


copinho desse? — Ouvi a risadinha de deboche e, mesmo sendo

inteligente o bastante para não cair naquele tipo de provocação, eu


não queria ser vista como alguém não pertencente. Nem indigna de
Conrad.

— Vira, Scar! — Isaac começou a brincadeira e o coro de vira-

vira ganhou força.

Encostei o copo na boca um pouco incerta, e quando o gosto


de morango e álcool tocaram minha língua, entendi que seria melhor

engolir tudo de uma vez. Aquilo bateu no meu estômago e me senti


estremecer.

— É forte, né? — falei para Isaac que riu da minha careta e já

encheu meu copo de novo.

— Um brinde à Scarlet! — Ele puxou, e todo mundo bebeu,


inclusive eu.
Dois copinhos de trezentos ml cada para alguém que nunca
tinha bebido.

Minha mente nublou em menos de cinco minutos, meu corpo

ficou ainda mais quente, e eu quis rir muito quando Isaac fez alguma
piada que eu nem entendi direito. Ele me ofereceu outro copo, tinha

gosto de laranja, e quando eu ia virá-lo, Conrad chegou.

— Que porra é essa? — Ele parecia prestes a matar alguém.

Parei, me sentindo uma criminosa. O copinho caiu, eu ergui as


mãos.

— Eu só dei um golinho — menti em um tom mole demais e


todo mundo riu.

Sem entender direito, notei a proximidade do corpo de Isaac e


sua mão na minha cintura.

— Qual é, Scar é sua namorada? Desculpe, ir… — A palavra


não foi finalizada.

O punho de Conrad afastou Isaac de mim tão rápido que eu

nem tive tempo de ter uma reação. E então, rápido demais para
minha mente confusa entender, Conrad recolheu minhas coisas com
uma mão enquanto segurava meu punho com a outra, e me

arrastou de volta para o carro.


Senti-me estúpida vendo o quão bravo ele estava, e assim que

ele me ajeitou no banco do carona e prendeu o cinto na minha


cintura, eu o segurei pelos ombros molhados.

— Conrad. — O nome saiu com dificuldade, ver toda aquela


braveza nele me fez querer chorar e minha voz saiu um fio agudo.

— Me desculpe, eu me senti pressionada.

Ele respirou fundo, colocou ambas as mãos na minha cintura e


me apertou.

Aquilo doeu, mas foi absurdamente bom.

— Você é uma criança, Red. Não tem que beber. — Depois de


um suspiro, ele me soltou, fechou a porta e rodou o carro. Eu o

acompanhei com a cabeça e assim que o vi entrar no carro,


protestei.

— Eu não sou uma criança.

Pelo jeito que ele me encarou, sabia que minha voz estava

mole demais.

— Era responsabilidade minha cuidar de você. Que merda…


— Ele bateu no volante e eu me assustei.

Sem entender o motivo, meus olhos se encheram d’água e eu

comecei a chorar como se tivesse cinco anos de idade, escondendo


o rosto nas mãos, me sentindo culpada por tudo aquilo.

— Red, o que foi? — ele perguntou, mas não consegui. —


Red... — Conrad insistiu, mas continuei como estava. Eu o ouvi
suspirar, então seu cinto foi solto, o meu também e ele me puxou

para si como no dia anterior.

Eu poderia muito bem me acostumar com aquilo.

— Fale comigo, por favor, Scarlet — chamar pelo meu nome

fez efeito. Ergui o rosto para encará-lo e, tão perto, vi a exata linha
onde pupila e íris se fundiam. Conrad ficou em silêncio, me olhando
de cima e acariciou meu rosto, limpando as lágrimas do caminho.

— Eu amo seus olhos — confessei baixinho e o vi abrir um

sorriso.

— É mesmo?

— É. Mas tenho medo deles. Às vezes, quando você está

distraído, eles ficam sombrios demais. — O sorriso morreu, mas não


me parou. — O que te assusta tanto, Conrad?

Ele não me afastou, não fechou a janela, não me negou a

informação.

— Coisas que tirariam seu sono. — Ele continuou a acariciar


meu rosto, mas eu o fiz parar, peguei sua mão e a ergui, olhando
para cada detalhe que já havia passado horas observando e o
soltei.

— Mesmo tendo medo às vezes, eu te acho lindo — de novo,

Conrad riu — e eu te desenho o tempo todo.

— Você me desenha? — Sua voz era divertida.

— Desenho. O caderno não sai da minha bolsa, você quer


ver?

— Posso?

— Acho que pode. — Minha mente estava lenta, confusa,


parecia um sonho.

Sem me largar, ele se curvou e fez minha cabeça girar com o


movimento, mas quando trouxe meu blackbook para meu colo, eu o
abri e mostrei cada uma das folhas em que ele estava.

Conrad não disse nada, só observou e me aninhou melhor em


seu colo, depois embrenhou o nariz no meu cabelo e ficou ali até
não ter mais páginas brancas para eu mostrar.

— Viu? — perguntei, olhando para cima, para ele, quando


terminei de mostrar.

— Vi. Você é muito boa, pareço melhor nos seus desenhos do

que na realidade.
Foi a minha vez de rir.

— Nunca. Sua versão real é a minha favorita.

E tão próxima, concentrada na boca dele, com Conrad


concentrado em mim, eu jurei que ele me beijaria. Fechei os olhos

me preparando, juntei a boca em um biquinho ridículo e fiquei


desapontada demais quando, depois de longos segundos, ele beijou
minha testa e puxou meu rosto contra seu pescoço.

— É a primeira vez que você bebe, não é? — Seu tom de voz


era calmo, ele não parecia mais tão bravo agora.

Confirmei com a cabeça contra seu peito. Era tão óbvio assim?

— É normal ficar bêbada da primeira vez. — O tom de voz


mais suave me fez erguer os olhos e o tronco.

— Não estou bêbada. — Fiz meu melhor em mentir, mas não


ajudou em nada.

— Está.

— Não tô!

Como se eu fosse uma criança, ele me puxou de novo contra


seu peito e eu não relutei.
— Está. Eu sei que está porque na minha primeira vez
tomando essa merda batizada que o Isaac rouba do meu pai, passei
o dia todo vomitando depois. E não posso te devolver assim ou sua
irmã vai ter razão ao dizer que sou um péssimo amigo.

Amigo. Eu não gostava daquela palavra agora. Era algum tipo


de punição?

— Você está bravo?

— Estou.

— Comigo?

— Não.

— Isaac?

— É. Meu irmão ama competir comigo. Ele precisa sempre ter


a melhor roupa, o melhor carro, as melhores garotas… Babaca.

— Então quer dizer que eu sou mediana?

— Não, você é a melhor delas. É por isso que ele está fodido
de ciúme e inveja.

Quis rir, sonolenta.

— Não se preocupe.

— É? Por quê? — Eu o encarei como se fosse óbvio.


— Seu irmão não faz meu tipo.

— É?

— É, você é quem faz.

E feliz por estar ali com ele, minhas pálpebras pesaram demais
e, mesmo sem querer, eu adormeci.

Foi como estar presa dentro de uma onda. Minha cabeça foi
jogada de um lado para o outro algumas vezes e quando abri os
olhos, sabia que queria vomitar.

Conrad foi rápido, abriu a porta do carro, segurou meu cabelo


no alto da cabeça e me manteve segura até toda a mistura de
bebida e biscoitos sair do meu estômago.

— Aqui, toma — ele me ofereceu papel e, morta de vergonha,


limpei minha boca depois de cuspir, joguei o papel no chão e bati a
porta, apoiando a cabeça com cuidado no banco, morrendo de dor.

— Que merda aconteceu? — perguntei de olhos fechados.


— Sinto muito — podia saber que ele sorria pelo seu tom de
voz —, mas não vou te contar.

Forcei um pouquinho e abri os olhos, vendo que não


estávamos na praia.

— Onde estamos?

— No estacionamento da farmácia.

Minha careta o fez rir.

— Não é engraçado.

— Ah, é. É sim, agora espere aqui um pouco que vou atrás de


remédio, mas antes, preciso elogiar. Adorei os desenhos que você
fez de mim, me faz parecer melhor do que sou.

— O quê? — Ergui a cabeça e arregalei os olhos com tudo,


mas ele já tinha descido.

O mundo girou, me larguei sobre o banco de novo, gemendo


de dor e vergonha, e fiz o meu melhor para não vomitar antes dele
voltar.

Quando ele o fez, me fingi de boba e aceitei o remédio, a água


e mais alguma coisa de gosto meio amargo.

— É bom para o fígado — ele avisou e não discuti.


Conrad com certeza tinha um histórico de bebedeira maior que
o meu. Ele sabia do que falava.

Fiquei cinco minutos quieta até o remédio começar a fazer


efeito e quando abri os olhos, a primeira coisa que fiz foi roubar uma

bala de menta do pacotinho que ele tinha no porta-copos do carro.

— Está melhor?

— Não muito.

— Espere até amanhã…

— Isso não ajuda.

— Eu sei. — Ele deu partida.

Ergui as mãos para colocá-las sobre o rosto e notei estar com

uma blusa de moletom que não era minha.

— Que horas eu vesti isso?

— Ah, você estava com frio, então te vesti.

A farmácia era na rua de cima de casa, então me ajeitei para

tirar a blusa e devolvê-la, mas com a mão na minha perna, Conrad


me impediu.

— Não precisa, depois você me devolve.

— Ok.
Estava constrangida demais para continuar qualquer conversa
e me esforcei mais do que nunca naqueles minutos para tentar

lembrar o que fiz nas últimas horas. Os flashes vinham rápido, mas
tão inconsistentes que eu não sabia se era real ou imaginação.

Quando ele estacionou em frente à minha casa, eu não tive


coragem de abrir a porta e descer. Encarei o porta-luvas do carro e

suspirei.

— Conrad, eu não sei o que me deu, não sou de fazer isso…


Me desculpe.

— Eu já disse isso mil vezes, mas vou repetir, não foi culpa
sua. Só me preocupa que você tenha se sentido pressionada, e
acho que você precisa me fazer uma promessa agora. — Encarei-o

curiosa e ele continuou: — A de nunca mais fazer nada se sentindo


forçada, não importa se isso for comigo, seu avô, sua irmã ou outras
pessoas. Você pode, e deve, falar não, ok?

— Ok. Eu prometo.

Por um segundo, a vontade de correr para casa foi gigantesca.


Abri a porta, joguei as pernas para fora com cuidado e depois de

fechá-la, quando notei que Conrad ainda estava de olho, voltei para
encará-lo.
— Preciso fazer uma pergunta.

— O que é?

— Somos amigos?

— Acho que sim — ele me respondeu sem entender aonde


queria chegar.

— Então talvez eu não queira ser só sua amiga. — Usei cada

grama de coragem que tinha para ser tão verdadeira e direta, e a


resposta daquilo não podia ser melhor.

Conrad me encarou surpreso, abriu um sorriso que era digno

de outdoor, e me respondeu com os olhos escuros queimando


minha alma:

— Que bom, porque eu também não quero.

Quando me virei para entrar em casa, senti as borboletas no


meu estômago mais vivas do que nunca. Se aquilo realmente fosse
um sonho, eu nunca mais queria acordar.
conrad

se você vai me segurar, e não vai me deixar entrar nas paredes do


seu castelo, nenhum de vocês pode mantê-las porque se eu tenho
que queimar tudo, então vamos queimar tudo.

burn it all down, pvris.

Eu não conseguia ficar quieto, por isso, aquela merda de

torneio acontecendo era uma ótima distração. E verdade seja dita,


os Vipers precisavam de um braço forte no comando.

Thomaz era bom, mas boa parte do tempo estava chapado


demais para pensar racionalmente em como seguir com a liderança

e ele não se importava de me ver tomar a frente das coisas, já que


se beneficiaria com os resultados. Naquela noite, quando forcei o

treino de futebol e insisti na mudança das estratégias, ele não disse


nada, e como me seguiu sem questionar, os outros fizeram o

mesmo.

Era certo, eu não podia perder para o meu irmão em nada que

fosse individual, mas conseguir atropelá-lo junto de sua fraternidade

seria bom demais.

Depois de duas horas insanas e cansativas de treino, meu

uniforme estava encharcado de suor e eu começava a ficar satisfeito

em como os garotos estavam respondendo às mudanças de tática.

Observando o time todo concentrado, parei na beirada do

campo com a garganta seca e abri a caixa térmica atrás de uma


garrafa d’água.

— É, sua chegada realmente empolgou o resto deles. —

Sentado perto de onde eu estava, Thomaz também notava a

mudança de energia.

— Espero que seja o bastante para o jogo do torneio, mesmo

consciente de que se ganharmos, será um milagre.

— É, esse crédito aos Lions eu preciso dar. O time deles é

melhor que o nosso.


— Ainda assim, podemos dar algum trabalho. — Abri a garrafa
e estava pronto para beber, mas assim que encarei a lateral do

campo, todo meu corpo se tensionou quando vi meu irmão e três

dos seus amigos brutamontes vindo.

A água desceu gelada pela minha garganta e, se fosse capaz

de traduzir o calor do meu ódio fervilhando, ela sairia em vapor pelo

meu nariz.

— E lá vem confusão… — Thomaz cantou ao se levantar,

batendo as mãos para limpá-las, ficando ao meu lado, um passo

atrás. — O que você fez agora?

— Efetivamente com ele? Nada. Ainda. — Era verdade.

— E quando vai fazer algo?

Não tive tempo de respondê-lo. Meu meio-irmão já estava

muito perto.

— Que porra você fez com ela? — Isaac falou alto,

entredentes, com as mãos fechadas em punho.

Ele queria briga, mas não sabia o que o aguardava. Sua

postura também não me assustava, e fiz questão de deixar isso

claro quando o enfrentei de peito aberto.


— Eu vou te dar um único aviso — falei no meu tom mais

sóbrio, encarando-o sério, sentindo a adrenalina tomar conta das


minhas veias. — Se encostar em mim, vai se arrepender.

Ele parou a centímetros de mim, analisando se valia a pena.

— Você está passando dos limites, Conrad. Eu vim acertar as


coisas.

Eu sorri, provocando-o.

— E você acredita mesmo que trazendo seus amiguinhos vai

me obrigar a fazer algo?

— Quero você longe da Scarlet. — Eu quase gargalhei

ouvindo aquilo.

— Deixa eu ver se entendi direito... — Larguei a garrafa d’água


e me aproximei de Isaac, acabando com o espaço livre, ficando cara

a cara com meu irmão, evidenciando a diferença de altura entre nós,


eu o peitei. — Você veio até aqui querendo mandar em mim?

— Eu vim aqui te dar um aviso. — Entredentes, visivelmente


se segurando, Isaac não se intimidou. — Ou você deixa ela em

paz…

— Ou o quê? — Dei um passo para frente, fazendo-o recuar.


— Vai tentar mesmo mexer comigo? Não se esqueça do que eu
posso fazer.

— Você fala demais, Conrad.

— Falo? Então eu deveria aproveitar a proximidade com

Scarlet para contar uma versão diferente da história que ela


conhece, não é mesmo?

Seus olhos brilharam em reconhecimento.

— Se afaste dela. É meu último aviso. — Ele bufou, frustrado.

— Ou o quê?

— Não pague para ver.

Minhas veias queimaram. Queria socá-lo, arrebentar aquela

arrogância dele, mas humilhá-lo com toda aquela gente em volta


parecia melhor.

— Não me peça para ficar longe dela quando é ela quem não
sai do meu pé, inclusive, pergunte se ela pode me devolver meu

travesseiro.

Aquilo foi realmente mais eficiente que um soco. Meu irmão


deu um passo para trás, os olhos confusos, as sobrancelhas juntas.

— Não sabia que além de tudo, você era mentiroso. — Ele


tentou, mas me fez rir.
— Não é mentira, e se está duvidando, pergunte a ela.

A tensão durou mais alguns minutos.

— Nos deixe em paz, Conrad.

— Não. Não vou deixar, e é bom que vocês entendam isso de

uma vez por todas.

— Eu vou…

— Vai aguentar caladinho, porque se algo acontecer comigo,

no dia seguinte todo mundo vai saber o segredinho sujo dos Prince.
E conforme-se, ela nunca será sua — falei baixo essa última parte e

meu irmão entendeu que minha ameaça era real.

Eles não podiam contra mim. Não mais.

— Isso não acaba aqui. — Ele tinha perdido, sabia disso, mas

não queria sair por baixo.

— Não mesmo, ainda vou torturar vocês por algum tempo. E


faça o favor de tornar cada vez mais divertido, porque quando fico
entediado, você sabe, gosto de colocar fogo em lixo. Velhos hábitos

não mudam, e você pode ser o próximo a queimar.

Meu irmão me ignorou. Deu as costas, pronto para ir embora,


quando eu o provoquei mais uma vez.
— E é real, vê se pede para sua namorada me devolver o
travesseiro.

O esforço que Isaac fez para não vir para cima de mim custou
dele tudo de si, eu sabia.

Quando ele saiu do campo, os garotos do time olhavam

curiosos para mim e Thomaz se aproximou.

— Acho que seu plano está funcionando, não?

— Sério? E olha que eu nem me esforcei muito ainda… —

Olhei em volta, vendo a plateia e falei alto: — Vocês têm um jogo

para ganhar, não? Vai, todo mundo se mexendo. — Bati palmas,


espantando-os, e peguei minha garrafa d’água do chão.

— Bom, seja como for, podemos ver como o território está na


festa dos Birds desta noite, o que acha?

— Festa?

A possibilidade de encontrar com Scarlet lá acendeu uma

chama na minha mente.

— É, já deve ter começado. — Meu amigo conferiu o relógio

de pulso.

— Eu vou.
O laser azul do DJ brincava pelas paredes da sala dos Birds,
desenhando formas geométricas entre fumaça de cigarro, maconha

e gelo seco. A música estava alta, todo mundo que me via parecia

animado, e eu matei que aquilo tinha dedo meu indiretamente

quando uma garota mostrou a língua, exibindo uma Supernova se


dissolvendo.

Aquela era a primeira vez que eu a via solta no campus, e


assumi uma postura diferente. Não queria perder nada, queria

estudar como as pessoas ali se comportariam com ela, e pegando

um copo de cerveja de cima do balcão, fugi de Bella e de Thomaz,

indo sozinho para o fundo da sala, fazendo um garoto visivelmente


deslocado se levantar de uma das poltronas para poder sentar.

Com a mão livre, tirei o cigarro que havia pegado do maço de


Bella de trás da orelha e o apoiei nos lábios antes de conseguir

pegar meu isqueiro do bolso da jaqueta e acendê-lo.


A primeira tragada, no silêncio da minha mente, foi para

aplacar a frustração.

Eu sabia o motivo de ter ido até ali, e a procurei de forma


insana com os olhos enquanto atravessava o ambiente só para

descobrir que Scarlet não estava lá.

Matei meu copo de cerveja de uma vez, apoiei-o sobre o braço

da poltrona e coloquei os pés sobre a pequena mesa de centro,

cruzando os tornozelos, ignorando os casais se pegando nos dois


sofás em volta. Meu foco era outro.

Mais uma tragada profunda e, enquanto observava o grupinho

que eu sabia ter consumido da minha droga para se divertir, girei o


isqueiro entre os dedos por um tempo.

Nada parecia fora de ordem. As garotas beijavam entre si,


beijavam os garotos que passavam, dançavam animadas e

pareciam em outro mundo. Uma menina mais alta, de cabelo escuro

cheio de mechas coloridas era a que mais chamava minha atenção.

Com um copo de bebida na mão, ela suava mais que o normal.

— Ei, você. — Bati nas costas de um dos caras que se

amassava com uma garota e ele me encarou meio aéreo. Sua


expressão mudou rápido, em um minuto, ele estava pronto para me

xingar, no outro, ele tinha me reconhecido.

— Prince?

— Eu mesmo. Faça o favor, traga aquela menina aqui. —

Apontei para a morena alta e ele acompanhou o movimento.

— Agora? — ele lamentou.

— Agora.

Completamente frustrado, ele se levantou. A menina de

cabelos curtos embaixo dele sorriu para mim, mas ignorei, fingindo

não ver, me deitando de novo contra a poltrona.

Não levou cinco minutos até o garoto fazer o que eu tinha

mandado, e na minha frente, sorrindo como se acreditasse na

possibilidade de eu querer algo com ela, a garota alta sorriu


completamente convidativa.

— Oi. — Ela acenou e depois passou a mão nos cabelos,

jogando-os para o lado.

— Oi. Qual seu nome? — perguntei, pousando os pés no chão

e me ajeitando no assento.

— Peggy. Você é o Prince, não é?


— Sou. Peggy, você pode se sentar aqui por um minuto?

— Claro! — Animada, ela sentou onde antes eu estava com os

pés apoiados, bem na minha frente.

— Ótimo. — Me aproximei dela, segurei-a pelo queixo, e

usando a lanterna do celular, iluminei seu rosto. As pupilas dilatadas


quase tomavam conta da íris e ela, de fato, estava mais quente do

que deveria. — Me conte, o que você usou esta noite?

Ela riu.

— Ou o quê? Você é tipo um policial?

— Não, mas você parece um pouco alta demais, e talvez eu

queira ficar igual — menti.

— Ah, sim… Nós bebemos muito, então alguém trouxe


maconha, e quando passou o efeito, alguém enfiou uma estrelinha

na minha boca. Eu gostei tanto que roubei uma segunda beijando

minha amiga ali. — Ela indicou com a cabeça.

Mesmo parecendo sã, ela estava acelerada demais, me

tocando os joelhos e coxas, passando a mão pelo jeans como se a

textura do tecido fosse algo muito bom de ser tocado. Seus dentes
também estavam rangendo enquanto ela ficava em silêncio e o

corpo não parava quieto, balançando de um lado para o outro.


— Bom, eu tenho uma missão para você agora, será que pode

me ajudar?

— Claro que sim, você é um Prince. — Ela tentou tocar meu

braço, mas puxei de volta, num reflexo que eu não devia mais ter.

— Ok, Peggy. Preciso que você coloque esse pirulito na boca

por um tempo. — Era emergencial, mas eu sempre levava alguns no

bolso. E quando ofereci um deles para a menina, ela pareceu ver


ouro. Seus dentes massacraram o doce quando o colocou na boca.

Aquela fissura toda não era bom sinal. — E a outra coisa é que,

quero que me leve até o seu quarto.

— Oh, meu Deus! Conrad Prince quer ir ao meu quarto! — ela

comemorou.

— Isso, agora, pode ser?

Ergui-me, Peggy fez o mesmo e eu a segurei pelo ombro,

guiando-a para fora da sala lotada. Do lado de fora, ela andou


rápido e animada para o quarto, mas eu não deixei de observar seu

pescoço e rosto muito vermelhos. Sua íris, mesmo sob a claridade,

ainda era muito escura. O sistema daquela menina ia colapsar a


qualquer segundo.
Ela não conseguia pegar a chave no próprio bolso, seus
movimentos pareciam travar e eu a ajudei, colocando-a para dentro

tomando cuidado para ninguém em volta nos ver e, assim que

entramos, ela tentou me agarrar.

— Peggy, não foi para isso que eu te trouxe aqui — avisei,

tentando afastá-la sem machucá-la.

— Não? Mas nós podemos, não? — O tom pidão dela não me

conquistou, só me fez ter dó.

— Não, não podemos. Você está sobrecarregada. — Ela me

olhou sem entender. — É, a droga que você usou, você está

começando a ter os efeitos colaterais.

— Mas eu me sinto tão bem! — Começando a pular, eu

precisei pegá-la pelos ombros e colocá-la na cama mais próxima,


que imaginei ser a dela, pois sua foto em família estava na mesa de

cabeceira.

— É, mas em alguns minutos, aposte, não vai estar.

E antes que eu pudesse fazer algo, ela parou, segurou o


estômago e disse:

— Conrad, acho que você tem razão.


O jato de vômito colorido molhou todo o chão e, por sorte, não
pegou em mim.

Ajudei a garota a terminar de colocar tudo para fora, lavei seu


rosto e a obriguei beber uma garrafa inteira de água gelada

enquanto o corpo se acalmava.

— Isso vai passar? Sinto meu corpo queimar — ela reclamou,


querendo tirar a roupa.

Eu a contive com um pouco de força bruta.

— Vai, mas você precisa descansar. E se você se lembrar, me


conte o que mais você tomou, porque a Supernova não costuma

agir assim no organismo, mesmo que em uma dose maior…

— Ah, um garoto trouxe um cogumelo e disse que era legal…


— E antes dela terminar, apagou contra o travesseiro.

Cogumelos? Pelo amor de Deus, estávamos em que ano?

Cobri a garota, deixei a recomendação do que tomar no dia


seguinte anotada embaixo de mais uma garrafa d’água e saí do
quarto.

Aquela noite parecia ser um completo desastre, e eu faria meu

pai conter o comércio de plantas naquela porra. Quando voltei para


a sala dos Birds, Thomaz e Bella haviam sumido. Os dois
provavelmente haviam saído para transar, e em uma frustração sem
fim, voltei para o meu quarto. Eu precisava de uma boa noite de
sono, o dia seguinte seria cheio, ainda mais se eu quisesse fazer

meu irmão comer aquela bola de futebol pelo rabo.

Eram quinze para às sete da noite. Estávamos todos no


vestiário.

Os uniformes verde e preto do time dos Viper tinha um brasão


que brilhava no peito, além da cobra envolvida nos números na
parte de trás. O estádio estava lotado, a música que tocava do lado

de fora também saía dos alto-falantes dali de dentro, e acima dela,


nós conseguimos ouvir os gritos.

— Ok, todo mundo junto — Thomaz chamou e o time se

ergueu. — Nós ainda não somos tão bons quanto eles, mas vamos
para cima. Nada de facilitar, certo?

Todos concordaram.

— E não se esqueçam, deixem meu irmão para mim — avisei.


Não houve protesto.

We will rock you começou a tocar alto de repente, e aquela era

nossa deixa.

Saímos pela porta para o corredor e, de cara, encontramos


com o time adversário.

Meu irmão e eu nos vimos, seu olhar no meu dizia que ele

estava pronto para me matar.

O meu era só uma correspondência. Se precisasse, eu


quebraria suas pernas.

Fizemos uma fila indiana, seguimos lado a lado com o inimigo


para fora da cobertura, e quando entramos no gramado, o público
foi à loucura. Todo mundo sabia que aquele jogo era vida ou morte,

o começo do desafio, Prince contra Prince.

Girei para ver o mundo de gente que prestava atenção em nós,


vi a organização dos Vipers na torcida e me surpreendi

positivamente. As líderes de torcida também não decepcionaram,


agitando a arquibancada com danças e refrões decorados, mas
entre toda aquela gente, eu só parei de procurar quando finalmente

a encontrei.
Scarlet estava lá, envolta em seu casaco, uma touca na

cabeça, parecendo querer se esconder não só do frio. Comprovei


que era real quando ela se encolheu ao sentir meus olhos em seu
rosto.

Suas mãos saíram do casaco, e se concentrando muito no ato


de tirar um cigarro do maço e o acender, ela me evitou. Não
consegui conter o impulso de lamber os lábios imaginando o gosto

de sua língua depois da primeira tragada.

O hino da Prince University começou a tocar nos alto-falantes


e eu voltei a me focar no que acontecia à minha volta. Com as mãos

para trás do corpo, mantive a postura ereta e esperei meu pai


terminar de falar suas baboseiras quando a música acabou. Seu
discurso durou pouco, inflamou os espectadores, e me deu ainda

mais vontade de ganhar, mesmo que por um milagre.

Quando o time adversário passou para nos cumprimentar,


nenhum dos Viper deu as mãos.

— Preparado para perder? — meu irmão provocou quando

chegou sua vez de me cumprimentar.

Encarei Isaac de cima a baixo, sem sorrir, e cuspi em seus


pés.
— Está preparado para sair do campo em cima de uma maca?

Ele estreitou as sobrancelhas e ficou parado na minha frente,


pensando se minha ameaça era real ou só uma provocação.

— E parece que teremos um embate daqueles, Conrad e Isaac

Prince parecem prontos a se esbofetear! — o narrador animado


comentou.

— Vem, Isaac! — algum amigo dele gritou e meu irmão

demorou para obedecê-lo, mas finalmente me deu as costas,


desconfiado.

— Nossos três atacantes vão ter que fazer um grande esforço

— Thomaz disse antes de ir até o centro para disputar pela bola.

— Que seja, eu só não vou entregar isso daqui de bandeja.

Antes de ir para minha posição, inevitavelmente, eu a procurei


mais uma vez.

E que surpresa agradável foi pegá-la no flagra, com os olhos


nos meus.
O primeiro tempo foi intenso. Thomaz perdeu o cara ou coroa,
mas roubou a bola em cinco segundos do jogador adversário. Ele

avançou bem, dividindo a bola em um bom passe para o atacante


mais próximo, e o garoto não poupou força no pé ao mirar no gol.

O goleiro precisou se esforçar para pegar aquela primeira bola

e o estádio todo gritou.

— É, meus amigos! Parece que os garotos da Dangerous


Vipers tomaram uma boa dose de ânimo com a presença do Prince.

Se essa primeira jogada ditar o resto do jogo, esse será o melhor da


temporada!

E ele tinha razão, já que com vontade de revidar, o outro time

contra-atacou pesado.

Em menos de quinze minutos de jogo, eu já sentia os pulmões


queimando e o suor escorrendo pelo couro cabeludo. Meus passes
eram bons, minha marcação em cima de Isaac o irritava e nós já

havíamos nos empurrado alguma porção de vezes.

Seus amigos bem que tentaram me tirar de perto dele, mas


além de alto, eu não era leve, e sabia como usar o corpo para

afastá-los.
Foi graças a um desses trabalhos que meu passe entrou na
área direto no peito de um jogador Viper, e quando ele dominou a

bola, era tarde demais para qualquer um entrar em seu caminho.

Ele chutou, a bola sacudiu a rede adversária, o estádio e o


locutor foram à loucura.

— E COM UM PASSE FENOMENAL DE CONRAD PRINCE,


JORDAN MOODY MARCA EM CHEIO!

O time se aglomerou para comemorar. Jordan, mais baixo do

que eu, pulou nas minhas costas. O choque do toque físico me fez
parar no lugar. Meu rosto se transformou em uma máscara, o ar
faltou no fundo do peito, mas em meio aos gritos, eu me recuperei

rápido e ninguém pareceu notar meu incômodo.

— Vai, caralho! — Thomaz ergueu a mão para que eu batesse


nela e nós voltamos à posição para cuidar da raiva que o time

adversário traria para o nosso lado.

E eles vieram implacáveis.

Foi difícil marcar meu irmão, afastar a bola da nossa área, mas
no sufoco, conseguimos segurá-los até o intervalo. Quando o placar

anunciou os primeiros quarenta e cinco minutos de jogo, me juntei


ao pequeno bando de jogadores para beber alguma coisa e

entender como seguiríamos.

— Nós marcamos! — alguém comemorou.

— É, mas eles não estão para brincadeira — outro disse.

— E eu tô morto, cara — mais um completou.

— Ei, vocês estão indo bem. Se conseguirmos marcar mais


um, teremos alguma folga — Thomaz puxou.

— E se não conseguirmos, tentem impedi-los de continuar —

rosnei quando consegui umedecer a garganta. — Ninguém está


para brincadeira aqui, ou está?

Ninguém discutiu. E se tinha uma coisa que os garotos da


fraternidade não se importariam em fazer, era ser bruto com alguém

dos Lions. Era isso que eu faria com meu irmão.

O juiz apitou, nós voltamos ao campo, e agora correndo para o

lado que havíamos defendido, as coisas estavam diferentes. Parecia


que aquele segundo tempo era mais difícil, que o ar estava mais

pesado, que os jogadores do time adversário não estavam tão


castigados quanto nós, mesmo assim, ninguém entregou a toalha e
nós os seguramos por quase meia hora.

Meu irmão recebeu três passes, em dois deles eu consegui

roubar a bola, no terceiro, não consegui evitar um bom passe. Ele


me empurrou quando passou correndo por mim para acompanhar o
time que crescia no campo, e o narrador gritou:

— E agora, finalmente, Isaac parece conseguir se livrar um


pouco da muralha que é seu irmão! E os Lions estão avançando
com força, e olhem lá, lá vem o lance!

O segundo seguinte foi de um desespero ensurdecedor.

Aquela bola girando dentro do gol me fez raivoso.

Meus olhos foram direto para a arquibancada, quando vi


Scarlet comemorando, tudo dentro de mim queimou. O ódio ferveu,

minha mandíbula travou e eu vi tudo em vermelho.

— E lá vai Conrad para cima de Isaac. Ele passa por Ned,


Robert, e finalmente chega na bola. Conrad domina, Thomaz está

perto, Nial também. Ele vai fazer o passe, mas O IRMÃO ROUBOU
A BOLA! E os Lions estão reagindo, meus amigos! Mas, esperem,
NOSSA, ISSO DEVE TER DOÍDO PRA CARAMBA!
Meu irmão tentou dar de esperto para cima de mim. Seu
sorriso de satisfação ao tirar a bola de mim foi o estopim, e quando

me vi, estava no chão junto dele. Eu o derrubei, fazendo uma falta


das feias.

Meu corpo não desacelerou, a dor me satisfez.

Minha vontade era de quebrar a perna dele, e eu não tinha

vergonha alguma de assumir isso, tanto que quando o juiz veio com
o cartão amarelo na minha cara, nem gastei tempo discutindo.

— E o avanço de Conrad Prince contra Isaac Prince gerou

uma falta! Será que é isso que vai definir a partida, meus amigos?

Naquela hora, mirei a cabine onde o locutor estava e o fitei.

Se estivesse ao seu lado, o faria engolir o microfone.

Ele pareceu entender o recado ficando quieto, e eu me

conformei que tinha me fodido quando um atacante adversário


marcou a falta no lugar do meu irmão e, na confusão dentro da área,
o gol dos Lions saiu.

Os garotos ainda reagiram, mas a pressão que o time


adversário fez em cima de nós não deu margem para uma reação
mais expressiva, e antes que eu me desse conta, mesmo com todos

os acréscimos, quando o fim do jogo foi anunciado e a bagunça


começou na arquibancada e no campo, meus olhos só conseguiram

enxergar uma coisa.

Era Scarlet, descendo da arquibancada para correr na direção


do meu irmão.

Ele a recebeu no colo e os dois se beijaram na frente de todo

mundo, esfregando na minha cara aquele namorinho de merda


deles. Me obrigando a saborear mais uma vez a solidão e o gosto
amargo das cinzas de um passado onde me vi posto de lado.

O beijo apareceu no telão. Toda a arquibancada vibrou, e foi


como se tivessem jogado gasolina nas minhas veias. Meu ódio
cresceu, dominando meu coração como uma massa viscosa e

escura, me fazendo querer que aquilo acabasse de vez, mas não


sem toda a humilhação que ambos mereciam.

E eu daria, mais do que nunca.

Eu os faria queimar antes que se dessem conta,

principalmente Scarlet.

Com ela seria diferente. Quando o fogo a consumisse, eu a


faria pedir por mais.
scarlet

lendas nunca morrem. elas estão escritas na eternidade, mas você


nunca verá o preço que isso custa, as cicatrizes coletadas ao longo
de suas vidas.

legends never die, halocene.

— Baby — Isaac me chamou enquanto eu olhava para o e-

mail secreto que vinha acumulando cada vez mais pedidos de


trabalhos urgentes. A grana era alta, eu estava pronta para aceitar

cada um deles para sair daquele inferno.

— O quê? — Ergui os olhos, distraída, mas quando notei a

perturbação em seu rosto, bloqueei a tela e descansei o aparelho no


colo. — O que foi?

Isaac parecia preocupado e isso nunca era bom.

Eu sabia que não estava no meu melhor desde nossa última

discussão, e depois de ter visto Conrad como vi, de sair do quarto


dele como saí, não consegui voltar à falsa normalidade. Estava

distante, fria, pensativa, e era involuntário, mas tudo aquilo me

consumia de um jeito sobrenatural.

— Eu fui atrás de Conrad antes do jogo. — Minhas

sobrancelhas se ergueram.

— É? Por quê?

Estávamos do lado de fora, o ar gelado e úmido era a única


testemunha daquela conversa esquisita, e enquanto minha bunda

congelava sobre o banco de cimento e ele estava em pé na minha

frente, firmei as solas dos pés no chão, pronta para me defender de

qualquer merda que Conrad tivesse contado sobre aquela sexta-

feira.

— Desde que ele chegou, você está diferente. E não é o que

eu esperava… — Os olhos verdes analisavam meu rosto como um

predador. — Você ainda o odeia, não é? Por tudo o que ele

causou…
— Sempre. — Fui firme. A raiva daquela desconfiança
arranhando minha garganta. — Nunca vou perdoar Conrad, por tudo

o que você sabe… — E pelo que não sabia também.

— Certo, mas… Ele realmente não mexe com você, não é? —

Isaac deu um passo para frente e desviou os olhos dos meus,

engolindo algo difícil antes de não me deixar responder. — Porque

você teria que ser uma vagabunda sem coração para sentir
qualquer coisa que não fosse raiva daquele fodido.

A ofensa bateu na minha cara, mas me segurei com firmeza no

lugar.

Eu não discordava dele.

Aquela sensação desgraçada que tomava conta de mim

quando Conrad chegava e se escondia lá atrás depois do ódio, da

raiva e do medo, era algo que só interessava a mim.

— Impossível, amor. Seu irmão só tem de mim o mais puro

desprezo. — Como boa jogadora, suspirei enquanto erguia o rosto e

colocava as mãos em suas coxas, trazendo Isaac para ficar entre


minhas pernas, eu o obriguei a me encarar. — Não existe

possibilidade de isso mudar. Olha só o que ele veio aprontando

comigo desde o dia em que chegou. Só se eu fosse louca.


Talvez eu fosse.

— É mesmo? Então, por que ele me mandou falar para você

devolver o travesseiro dele?

— Oi? — Dei um meio-sorriso bobo, perdida. — Que


travesseiro?

— É o que eu gostaria de saber, Scarlet. Você foi até o quarto


dele?

— Não! Nunca. — A mentira saltou da minha boca tão

automaticamente que até eu me surpreendi. — Isaac, você não


pode estar falando sério sobre isso. Vai mesmo cair na do seu
irmão? De provocar você publicamente só para tentar causar

problemas entre nós? Amor, fala sério, por que eu roubaria um


travesseiro, ainda mais o dele? Não é o meu tipo de vingança.

O minuto em que ficamos nos encarando durou o mesmo que


uma longa hora, mas finalmente os olhos verdes cederam. Isaac

relaxou um pouco e ergueu a cabeça, olhando para longe enquanto


me abraçava.

— É, pode ser isso.

— Não pode ser. É. Não desconfie de mim. — Meu tom


ofendido fez efeito.
— Não, você tem razão. Desculpe, Scar… Esse desgraçado

mexe com a minha cabeça e nós temos uma corrida amanhã…

— É, eu sei. É bom você ganhar, eu apostei em você. — Tentei


deixar o clima mais leve como a namorada perfeita, mas mesmo

que por fora parecesse que tudo estava bem e eu fosse muito
segura, dentro de mim tudo era vermelho, laranja e amarelo,
rodopiando, trovejando e quebrando.

Conrad tinha sido muito filho da puta por me colocar naquela

posição, então era óbvio que eu precisava mantê-lo longe. Era óbvio
que, mesmo tendo visto uma brecha sobre como ele se sentia sobre

mim, ele não era confiável e eu não deveria abusar da minha sorte
ou trair a confiança de Isaac.

Nós nos separamos naquela tarde, ele resolveu levar o carro


para ser testado e eu tinha trabalho a fazer. E deixando ainda mais

as minhas coisas de lado, não recusei um só e-mail daquela lista


sequer, pensando que aquela conversa seria só a primeira de
muitas, e uma hora eu não aguentaria mais. Eu precisava dar um

jeito de me livrar dos Prince. De todos eles. Mesmo que me doesse


e me fizesse pó.
Aquela vida era uma grande prisão.

Na manhã do dia seguinte, antes do nascer do sol, saí da

frente do computador única e exclusivamente para me livrar do


travesseiro. Caminhei como uma fugitiva pelos corredores até estar

fora do castelo e, quando finalmente encontrei as lixeiras, segurei o


travesseiro contra o peito e, com raiva e vergonha, como se eu
enterrasse o garoto do passado, o que ainda mexia comigo, inalei

profundamente o cheiro e o larguei dentro de um dos tambores.

Que apodrecesse, assim como o interior de Conrad tinha feito.

Minha cabeça estava limpa.

Eu podia jurar que o ritual de me livrar do travesseiro tinha feito

meu cérebro entender que não importava o quanto o Conrad adulto


fosse bonito e atraente, ele nunca mais seria o garoto pelo qual meu
coração pertenceu no passado. Mesmo me achando um pouco

burra por só entender aquilo tanto tempo depois, tentei ser gentil
comigo mesma. Eu sabia que a marca que Conrad tinha deixado em
mim nunca seria completamente apagada, era por isso que eu
agora reforçaria cada mínima ação negativa dele e me manteria

longe.

Sem revanche, sem brigas, sem gasto de energia


desnecessário e, principalmente, sem contato físico, ou situações

em que eu ficaria sozinha com ele. Não. Eu evitaria tudo isso,


focaria em juntar dinheiro e, com certeza, depois do meu aniversário

já teria dinheiro o bastante para ir embora. Eram só mais alguns


meses daquela merda toda, e então, nunca mais.

Pensar em me afastar de Isaac era doloroso, mas ele

superaria mais rápido do que eu.

Ele era bonito, inteligente e forte. Meu namorado, quando

virasse ex, ficaria bem.

Engoli aquele sentimento amargo conforme caminhava para a

cafeteria, e deixei de me achar uma grande filha da puta quando

pensei que, finalmente, cortando os Prince da minha vida, eu


poderia começar a viver de verdade.

E depois de tanto tempo, eu merecia.

Merecia muito.
De repente, por um momento utópico, me imaginei do outro

lado do oceano não sendo mais a garota fodida. Lá, do outro lado,

eu seria quem quisesse ser e ninguém poderia me parar.

Foi esse pensamento, e a fé cega de que tinha resolvido os

problemas que me cercaram nos últimos cinco anos em cinco

segundos, que me fizeram ficar pronta e encontrar com Isaac perto


da uma da tarde.

Meu namorado, apoiado no capô de seu Tesla junto dos


amigos, se levantou quando me viu e veio me abraçar, parecendo

orgulhoso por me ver vestida como ele tanto gostava.

Mesmo com roupas de frio, eu tinha caprichado na maquiagem


e colocado o batom vermelho que não saía nem por um decreto,

não importava o quanto ele me beijasse.

Isaac me puxou pela jaqueta de couro, e quando estava perto

o bastante, me abraçou pela cintura e me beijou.

— Que bom que você veio — ele sussurrou contra a minha


boca.

— Eu falei que viria. — Encarei seus olhos e pousei as mãos


em seus ombros. — Apostei uma grana alta em você, não me
decepcione.

— Nunca. — Selando os lábios nos meus, ele se afastou e

pegou minha mão.

— Como vai funcionar? — perguntei, inocente.

— A corrida não tem como ser aqui. Vamos até a cidade,

naquele velho aeroporto que meu pai tinha, lembra.

Minha coluna congelou.

— C-claro — engasguei para responder e limpei a garganta —,

eu lembro.

— É, meu pai mandou reformar a pista. Lá tem espaço de

sobra para correr e ele mandou instalar proteção em volta dos

muros, assim, se acontecer algum acidente, ninguém se machuca.

— Acho ótimo. Aquilo está abandonado há tanto tempo…

— É, por mim ele detonava o lugar, ou vendia, mas até que

não foi uma má ideia transformar em pista de corrida.

— Não, não foi. — Meu estômago embrulhou.

Ir até lá, encarar as memórias do passado…

Você superou isso, você superou — jurei para mim em


silêncio.
Aquela seria a porra de um grande teste, mas não tinha como

fugir.

Entrei pelo carona do carro de Isaac, que fez questão de

acelerar sob os gritos dos amigos que nos seguiriam pela estrada,
sabendo que precisaria aguentar no personagem só até voltar para

o meu quarto, só até cair de cara no próximo trabalho.

Só até ter a chance de sair daquela merda de país e nunca


mais olhar para trás.

O Tesla de Isaac ia de 0 a 100 em menos de 2 segundos, e ele


provou que era o candidato perfeito para ganhar aquela corrida com

os pés nas costas acelerando pela estrada até a cidade.

Meu estômago doeu quando passamos pela placa de boas-


vindas, e pareceu ter um alien dentro dele conforme Isaac fazia o

caminho para o velho aeroporto particular.

Eu queria vomitar, mas não o faria, não quando precisava

passar naquele teste.


Quando finalmente avistei o lugar, quase não o reconheci. O

galpão estava lá, como sempre esteve, intocado pelo tempo com

seu telhado verde e paredes externas brancas, mas o lado de fora?

Tinham aproveitado toda a borda do terreno livre, que não era


pequeno, para fazerem as pistas.

No centro de tudo, dentro das proteções, estavam as torcidas,


barracas de bebidas e a mesa do locutor. Os carros dos

competidores estavam em fila, do lado de fora, prontos para entrar

na pista, e foi inevitável não ter o coração pulsando ao ver Conrad

apoiado contra o capô, quieto, sozinho, analisando tudo em volta.

Concentrado daquela maneira, com os braços cruzados e cara

de poucos amigos, eu senti medo como quando era adolescente,


até porque, daquela vez, seus olhos não estavam procurando por

mim, mas vidrados no galpão, e eu sabia o motivo.

Engoli em seco, fingi não o ver e me concentrei em Isaac e sua


conversa leve. Tentei me render ao assunto, mas quando ele

enfileirou o carro, eu não tive opção que não fosse sair dali.

Controlando meu corpo para não tremer de nervoso, respirei

fundo e abri a porta olhando para o chão. Sabia que nossa chegada

não tinha passado despercebida, ainda mais com o show que as


buzinas dos amigos de Isaac fizeram ao nos verem passar. E foi só

colocar o pé para fora que senti aquela queimação louca que


sempre acontecia quando ele me olhava.

Supere — avisei meu cérebro, mas meu corpo não parecia

disposto a obedecer.

Firmei o passo para colocar o corpo para fora e ergui o rosto,

encarando o lugar para onde teria que ir, buscando uma rota
alternativa para não passar por Conrad que estava no meio do

caminho.

— Ei, Scar — meu namorado chamou quando eu já ia me


afastando, sem pensar muito. — E meu beijo de boa sorte?

— Opa — amoleci, tentando sorrir o mais naturalmente


possível —, quase esqueci.

Apesar das últimas discussões girarem em volta de Conrad, eu

sabia que ele me esfregaria na cara do irmão de propósito, e


daquela vez, eu não achei nenhum pouco ruim.

Como no pós-jogo de futebol, Isaac e eu caminhamos na


direção um do outro, e em frente ao Tesla e a toda a plateia atenta à

nossa chegada, ele se preparou para me pegar no colo e eu prendi

as pernas ao redor de sua cintura antes de tomar sua boca.


Os gritos e assobios começaram. Alguns xingamentos
também, mas não me importei.

A mão de Isaac veio pesada para minha bunda, me apoiando,


e eu fiz questão de brincar com sua língua e fazê-lo da forma mais

sensual possível.

Sabia que Conrad olhava, e aquilo era um recado.

Meu relacionamento não era algo que ele pudesse tocar e

destruir como tudo em volta dele.

Eu não ia permitir.

— Boa sorte — soprei quando Isaac riu contra o beijo e selei a


boca na dele.

— Eu vou ganhar. — Só um idiota correria contra aquele carro.


Ele sabia.

— Eu sei que vai.

Saber que todo mundo me encarava não melhorava o peso de


saber que Conrad continuava lá, mas foi fácil ignorá-lo como fiz com

todos os outros quando passei perto dele.

Segui para junto dos Lions, para perto de John que me deu um
sorriso de aprovação, ele havia acabado de assistir a toda a zorra
que havia provocado junto de Isaac, e depois de abraçá-lo, meu
tutor me segurou pelos braços, me olhando de cima a baixo e sorriu.

— Querida, como está?

— Bem, John. E você? — Fui dócil.

— Muito bem… Ainda não me acostumei totalmente sem você


e Isaac em casa, por causa disso tenho trabalhado mais. Gostou do
que fiz aqui? — Olhei em volta, fingindo admiração e sorri para ele.

— Adorei.

— É, foi o que deu tempo. O plano era derrubar aquele galpão


— meu coração doeu miseravelmente quando ele disse aquilo —,
mas acho que posso usá-lo ainda, vamos ver o que o futuro reserva,

não? — Ri sem graça, tentando me conter.

Minhas mãos estavam geladas, eu estava doida por um


cigarro.

— E como vão os estudos? Seus professores me disseram


que suas últimas semanas foram conturbadas… Espero que os
meninos não estejam te perturbando.

— Ah, não. Não… Conrad é seu filho, ele tem direito de estar

aqui. Isaac sempre é o melhor, você sabe.


— Sei. — Havia orgulho em sua voz, mas algo mais em seu
olhar. — Mas me chateia ver uma das minhas melhores alunas
perdendo o fôlego logo no começo do semestre. Eu tenho algumas

coisas que podem ajudar, que tal você dar um pulo no meu
escritório quando puder?

— Claro.

Aquilo era tudo o que eu não precisava, mas fingi que estava
tudo bem, mais uma vez.

Era quase fácil. Pelo menos costumava ser antes de Conrad

voltar.

— Ótimo, te vejo depois, querida. — Depois de dar alguns


tapinhas nos meus ombros, ele me deixou e foi pegar o microfone.

De fato, John Prince merecia a fama que tinha. Sua língua era

mágica e os alunos, além de respeitarem sua autoridade, o


admiravam. John era tudo o que eles queriam ser no futuro.
Magnata, inteligente, poderoso e muito seguro de si.

Sua elegância era sentida no ambiente, sua presença era


imponente… Talvez, anos atrás, quando ele veio para resolver todos
os nossos problemas, eu tivesse dito sim só porque era o que ele

queria que eu dissesse.


E, mais uma vez, eu o vi hipnotizar a plateia e conforme o sol
caía naquela tarde, acompanhei a mudança em sua postura ao

anunciar que a próxima corrida seria entre Conrad e um garoto


chamado Lucio. Os dois eram Vipers, o que dividiu a torcida a um
pequeno grupo de amigos do garoto desconhecido, contra todo o

resto de pessoas que torciam pelo Prince bastardo. Ainda assim,


mesmo as pessoas fiéis a Isaac estavam atentas, era impossível

passar por aquele segundo sem ansiar por ver o desempenho de


Conrad, e no momento em que eu o vi entrar com seu carro na
pista, com Last Resort explodindo nos alto-falantes, todas as

borboletas do meu estômago resolveram bater asas.

Respirei fundo, me contendo para não demonstrar mais do que


devia, e vi o garoto adversário parar com o carro vermelho ao lado

do de Conrad, depois da primeira volta de reconhecimento da pista.

Uma garota Viper ficou responsável por erguer a bandeira, e


enquanto ela caminhava para ficar em frente aos carros e o locutor
reforçava as regras, o motor de Conrad rugiu, fazendo com que

todos duvidassem do que ele guardava sob o capô.

Melhor do que ninguém ali, eu sabia o quanto ele gostava de


correr quando era mais novo. Sabia que ele tinha roubado os carros

do pai na madrugada uma porção de vezes só para correr pela


estrada e se sentir vivo junto do motor. Sabia que ele era bom

naquilo, e que com certeza não deixou aquela paixão de lado ao


longo dos anos que passou afastado. Seu carro era muito bonito e
bem-cuidado, mesmo não sendo novo, e com certeza daria trabalho.

Eram doze carros naquele dia. Oito estariam fora quando a fila
rodasse, e aquela era a sexta corrida. Isaac correria a última volta
daquela etapa. Rezei para um dos dois perder antes do final chegar,

mas quando a garota desceu os braços e os carros avançaram,


quando Conrad passou por nós como um raio e cresceu em
distância na primeira curva, tive a infeliz certeza de que não me

livraria de ver irmão contra irmão até o final do dia.

Como esperado, com folga, e sem preocupação, Conrad


passou pela linha de chegada e todo mundo comemorou, menos eu.

Encarei-o contra o vidro, seus olhos estavam nos meus.

Ele sorriu, eu lhe dei o dedo e me virei para entrar no meio da


multidão. Precisava de um cigarro antes de Isaac correr, e não podia
fumar na sua frente.
Depois de me acalmar um pouco com a nicotina no sistema,
bebi um copo de Coca-Cola e mastiguei como louca dois pacotes de

bala de morango. Nesse tempo, vi meu namorado vencer sua volta


tão sossegado que a preocupação deixou meus ombros por alguns
instantes. Na verdade, o relaxamento durou até a segunda volta de

Conrad. Daquela vez, ele correu contra um garoto dos Birds e seu
Volvo polido. Conrad foi tão desaforado na pista que brincou em
ziguezague numa velocidade muito reduzida depois da segunda

curva, impedindo o adversário de avançar, fazendo graça. Quando


ele cruzou a linha de chegada, sua plateia bateu palma. Eu odiei,
mas não mais do que sua terceira volta.

Sem gracinhas, Conrad avançou como um louco para a linha


de chegada.

Ele estava tão concentrado que nem mesmo seus olhos


queimaram em mim como da última vez, e eu soube, quando Isaac

cruzou a linha de chegada em sua terceira volta, que a próxima


seria um combate de gigantes.

Engoli em seco ao lado de John, que ao contrário de mim,

parecia alucinado para ver qual dos filhos se sairia melhor.


— E a disputa final aqui será de Prince contra Prince. Lions
contra Vipers, e quem será que leva?

Já estava escurecendo. As luzes em volta das grades estavam

acesas e todo mundo estava vidrado na pista. O que será que


aconteceria?

Fiquei em pé, com as mãos nos bolsos da jaqueta, observando

atentamente enquanto os carros de Conrad e Isaac paravam lado a


lado. Meu coração doeu, meus pés estavam gelados como pedras
de gelo dentro das botas, mas me mantive firme.

— Temos um problema — o garoto que veio para a mesa do


locutor alertou, e eu e John nos viramos para ver o que era ao
mesmo tempo.

— Que problema?

— O carro de Conrad é manual, o de Isaac é a porra de um


Tesla. É automático, ele quase não precisa dirigir… É injusto, não?

John colocou uma das mãos sobre a ponte do nariz e respirou

fundo.

— E vocês não pensaram sobre isso antes? — ele reclamou,


mas não era para os alunos e sim para a secretária que seria
escorraçada quando encontrada. — Chamem os dois aqui — o
reitor mandou e o recado correu.

Vi quando ambos desceram dos carros, se encararam e


seguiram na minha direção.

Cada passo que davam encurtando a distância, meu coração

parecia desacelerar a ponto de não querer mais bater. Eu morreria a


qualquer segundo.

— O que foi? — Isaac perguntou, os olhos desviraram do rosto

do pai para o meu por um minuto.

— Seu carro é um problema. Seu câmbio automático facilita as


coisas… Você precisa trocar de carro — John respondeu, nada feliz.

— O quê? — meu namorado se ofendeu muito. — Não havia

uma regra sobre isso antes.

— Eu sei, e a falha foi minha — o reitor lamentou.

— Esperem… — Foi a hora de Conrad abrir a boca, e eu, mais


uma vez, caí na besteira de prestar atenção nele. Seus olhos

escuros e intensos tinham ideias perversas, eu soube quando o


meio-sorriso cruel surgiu em sua boca. — Estão achando que vou

perder para ele? Nem que ele estivesse pilotando um avião. — Ele
riu. — Mas, para resolver as coisas, vamos deixar assim, eu
concordo em correr mesmo com esse problema, desde que você —

ele se dirigiu ao meio-irmão — bata uma aposta comigo.

— Qual? — Isaac parecia realmente interessado.

— Se você ganhar, com o seu carro, não será uma novidade,

não é?

— É. — Meu namorado deu de ombros.

— Então, se eu ganhar, sua namorada vai me beijar, bem aqui,


na frente de todo mundo.

O ar que estava nos meus pulmões sumiu.

Eu soltei um grito engasgado.

— Não! Isaac! — Tentei, mas quando os olhos de Isaac vieram


para o meu rosto, havia algo que eu não conhecia lá.

— Eu…

— Isaac, nem pense. — Dei um passo em sua direção, mas a


mágoa do dia anterior surgiu em seus olhos. O filho da mãe não
havia superado a provocação do irmão.

Isaac ia me testar.

Ia me jogar no fogo e assistir enquanto eu queimava.

— Eu topo — Isaac Prince respondeu.


Todo e qualquer sentimento que eu pudesse ter naquele
segundo sumiu.

Por um longo momento, fiquei suspensa, processando o que

ele dizia.

Isaac estava abrindo mão de mim para uma aposta ridícula


com Conrad.

— Ótimo. Você ainda tem gosto de bala de morango, Red? —

Ouvi Conrad provocar já voltando para o carro, mas Isaac veio até
mim.

— Baby, ele não vai ganhar. — Sua mão tentou tocar meu

rosto, mas meu primeiro reflexo foi repeli-la com um tapa.

— Não! — Dei um passo para trás, negando com a cabeça,


sendo consumida pelo mais puro ódio. — Você me colocou em

risco. Com ele. Isaac… — Seu nome saiu num rosnado que nem eu
reconheci da minha voz. Eu queria chorar, eu me senti traída, mas
estava na cara que ele não entendia.

— Scarlet, eu não vou perder.

— O problema não é esse... — Engoli em seco a vontade de


chorar e de bater nele, e quando notei que não estávamos sozinhos,
respirei fundo, tentando me conter. — Você me traiu.
— Amor, deixe de ser louca, eu… — Ergui mais a mão,
fazendo-o calar a boca.

— Louca? Isaac, volta pra merda do seu carro e ganha essa

porra, ou você vai se arrepender muito do que acabou de fazer.

Meu namorado não tentou discutir mais.

A música alta estourou na pista enquanto eles se ajeitavam e

eu precisei me abaixar, ficando de cócoras no chão enquanto me


lembrava de como era respirar sem sufocar por causa das lágrimas
presas na garganta.

Eu não podia beijar Conrad. Simplesmente não podia.

Aquilo seria trair minha família, seria trair Isaac, seria trair a
mim mesma.

Fechei os olhos e afastei a memória de quando fiz aquilo pela

primeira vez. Deus, como doeu! As lágrimas, as restantes, saíram


pelos cantos dos meus olhos e eu, no desespero, fiz uma promessa.

— Se Conrad perder, eu juro que vou embora amanhã. Eu

juro. Me ajude com isso, Deus, ou qualquer santo, por favor — falei
baixinho, para mim, com toda a fé que restava nos meus ossos.

Respirei fundo algumas vezes, segurando o ar nos pulmões

um pouco antes de soltar, e quando me senti bem o bastante, me


ergui a tempo de ver a garota abaixar a bandeira na frente dos

carros.

Foi algo fora de série ver como Conrad estava focado, e


mesmo com um carro inferior, os dois correram quase que lado a
lado antes da primeira curva. Naquele segundo, eu tive certeza de

que Isaac ganharia, mas do nada, um rugido mais alto que a música
ganhou o ar, fogo saiu dos escapamentos estilizados do Mustang, e

o carro voou na pista.

— Ele é louco de fazer isso na curva? — John gritou,


parecendo preocupado pela primeira vez em todo o tempo em que
eu convivia com ele.

E o pai não era o único impressionado. O Prince mais velho


ganhou a pista e fez questão de humilhar o caçula. O Mustang
impediu o Tesla de avançar cortando qualquer chance que meu

namorado tinha, e a cada curva perigosa, meu coração parecia que


ia sair pela boca.

Eu não queria nenhum dos dois machucados, verdade fosse

dita, mas também não queria precisar cumprir minha parte numa
aposta a qual eu não tinha entrado.
No auge da loucura, fechei os olhos e abaixei a cabeça. Não

queria a confirmação de que Conrad havia ganhado. Não queria


lidar com Isaac frustrado. Não queria cair do precipício quando o

beijasse. E consegui ficar daquele jeito, mesmo com todos em volta


gritando o nome dele, mesmo ouvindo os gritos dos Vipers, mesmo
com o som do carro acelerando em provocação.

Talvez, se eu me mantivesse daquela forma, ficaria invisível.

Acreditei que aquilo era possível até sentir o primeiro


empurrão.

— Ela está aqui! — Um garoto dos Viper me pegou pelo ombro

e gritou. Eu o empurrei com um solavanco.

— Me solte!

Alguém riu.

Aquilo era divertido para a plateia.

Onde estava Isaac? E John?

Eu não enxergava nenhum deles no meio daquela confusão.

— E senhoras e senhores, vai acontecer! Isaac Prince perdeu


para Conrad Prince, e enquanto um é consolado pelo pai em seu

Tesla, o dono do Mustang envenenado está aqui para receber seu


prêmio! E ele é Scarlet Wright, a namorada do irmão!
O olhar que eu dei ao locutor o fez perceber a merda que havia
feito.

Eu não conseguia parar, mesmo que minhas botas tenham

riscado o chão, as pessoas pareciam ansiosas por aquele momento.


Todo mundo me empurrava, e quando olhei para frente, lá estava
ele.

Conrad, em sua perfeição cruel, completamente vestido de


preto, como sempre, com os cabelos rebeldes, a pele claríssima sob

os holofotes, e o isqueiro na mão, sendo aberto e fechado enquanto


me encarava, só esperando.

Engoli em seco, mas de uma hora para outra, entendi que

queria evitar aquilo porque, de um jeito sujo e vergonhoso, eu queria


beijar Conrad.

Queria esfregar na cara de Isaac que ele havia feito uma

cagada homérica.

Queria provar que Conrad não mexia comigo.

Queria me mostrar superior.

E foi por isso que engoli toda e qualquer vontade de fugir,

sentindo as borboletas no meu estômago piores do que nunca,


assumi a postura que precisava.
Fechei os olhos de novo, tirei as mãos dos bolsos, girei os
ombros para tentar relaxar e, num último suspiro pesado, tomei
coragem, abri os olhos encarando-o, e enquanto queimava, dei o

primeiro passo na sua direção.

Conforme a distância entre nós diminuía, o som da turba em


volta também era apagado.

De repente, não fazia diferença se estávamos ali, em um


estádio lotado, ou sob um telhado no meio da noite escura.
Importava que Conrad me encarava sério, e eu o correspondia de
igual para igual.

Quando cheguei à sua frente, inevitavelmente, o cheiro dele


me atingiu.

Esforcei-me para me fingir de indiferente.

— O que é que você quer, Conrad? — Meus olhos nos seus


eram desafiadores, e naquela claridade artificial toda, eu, mais uma
vez, não sabia dizer o que era íris e o que era pupila.

Conrad guardou o isqueiro no bolso, suspirou perto demais de


mim e veio me tocar. Suas mãos subiram para o meu rosto, o toque
quente, firme, tentador. Quando as palmas envolveram parte do
meu pescoço e mandíbula, meu coração foi de zero a cem mais
rápido do que qualquer motor naquela tarde. Ele sentiu. Meu rosto
queimou. Eu o encarei.

Estávamos perto demais. Não havia nada entre o meu peito e


o dele que não fossem as roupas, ainda assim eu não o toquei.

— Está disposta mesmo, Red?

— Acabe logo com isso. — Foi tudo o que consegui dizer, e o


vi sorrir.

Com os olhos nos meus, Conrad se abaixou para acabar com


a última distância que havia entre nós e eu aguardei, sabendo que
ele podia ouvir muito bem as batidas do meu coração insano
naquela pouca distância.

E não tive vergonha daquilo. Meu real problema era com o que
acontecia no resto. Minha pele parecia queimar onde ele tocava, e
quando ele desviou da minha boca para roçar os lábios cheios nas
minhas têmporas, me afogando com o cheiro do seu pescoço, meu

ventre pulsou. Conrad arrastou a boca contra minha pele devagar,


como se provasse algo ali, causando uma expectativa desgraçada.
Meus mamilos reagiram e a simples pressão do tecido pareceu ser
insuportável.
Eu tremi sob aquele ataque baixo e tentei reclamar, mas o som
que saiu da minha garganta quando eu entreabri a boca foi quase

um gemido.

— Ah, Red… Posso sentir o cheiro da bala de morango — ele


disse tão baixo que me causou arrepios.

Seus olhos vasculharam meu rosto, então desceram para


minha boca e eu o imitei.

O desgraçado já tinha provado que me queria, e era inevitável


querê-lo de volta.

Seus dedos acariciaram minha pele devagar, ele voltou a


encarar meus olhos e quando finalmente desceu para minha boca,
quando seus lábios roçaram os meus, Conrad caiu numa
gargalhada tão cruel que tudo em mim pareceu morrer.

O único idiota que ainda sobrevivia era meu coração, batendo


desesperadamente, suplicando para que Conrad não o machucasse
mais.

— Você achou mesmo que eu ia beijar você? — isso ele disse


alto, para que todo mundo ouvisse.

Minha respiração acelerada machucou meus pulmões, mas

nada foi pior do que o riso em volta.


— Scarlet, você é fácil demais. — Perdi o controle do meu
corpo e não consegui me afastar, mas Conrad o fez, e ficou
parecendo pior do que já era. — Não tem um pingo de diversão
aqui. Volte correndo para o seu namoradinho de merda e continue

pensando em mim enquanto fode com ele. Garanto que eu faço


melhor…

— Conrad… — soprei seu nome com tanta dor, mas não vi um

pingo de compaixão em seu rosto. — Você é cruel.

— E você é uma traidora mentirosa, mas quem está contando


pecados por aqui?

Naquele segundo, com toda a certeza, Conrad ouviu meu


coração, aquele que demorou anos e anos para conseguir se
recuperar pelo menos um pouquinho, terminar de se quebrar. Cada

maldita borboleta no meu estômago se transformou em vespa, e


elas me picavam com tanta força que doía, e com isso, mesmo que
minha vontade fosse de socá-lo, mesmo que eu quisesse reagir, não
conseguia.

Era realmente demais para mim. Eu estava farta.

— Hoje é meu último dia aqui. Espero que tenha aproveitado.


— Foi tudo o que consegui soprar para ele antes de sair pelo lado
contrário da multidão, mais dilacerada e cansada do que nunca.

Eu odiava John Prince.

Eu odiava Isaac Prince.

Mas mesmo odiando, eu ainda amava Conrad Prince, e era

uma idiota por não ter visto isso antes.


conrad

meus maus hábitos levam a olhos arregalados encarando o


espaço e eu sei que vou perder o controle das coisas que eu digo.
é, eu estava procurando uma saída, agora não posso escapar. nada

acontece depois das duas, é verdade, é verdade. meus maus


hábitos levam a você.

ed sheeran, bad habits

Eu ouvi seu coração partir. Tive certeza disso quando vi os

olhos verdes cheios d’água transbordarem em mágoa, raiva e

descrença enquanto a plateia se acabava de rir dela.


Porra, eu teria beijado Scarlet. Eu queria beijar Scarlet, mas

ela não merecia.

Não depois de esfregar mais uma vez seu relacionamento com

meu irmão de propósito na minha cara. Ela não queria dar show?
Então, eu só armei o palco.

Ainda assim, não conseguia me livrar de seu cheiro na minha

mente, ou da sensação de sua pele contra a minha. Ver tão de perto

aqueles olhos claros salpicados dos tons de verde mais diversos


fazia com que cada vez mais eu quisesse mantê-la na minha vista.

Caralho, só de pensar em pegá-la ali, na frente de todo mundo,

meu corpo respondia da forma mais óbvia e eu não tinha nem como
disfarçar.

— Filha da puta — xinguei mais uma vez, olhando para o

caminho onde ela tinha ido, imaginando a garota sozinha rodando

pelas ruas que ela caminhou um milhão de vezes no passado. Será


que estar ali mexia tanto com ela quanto comigo?

Talvez eu nunca fosse descobrir, ainda mais com a frase dela

martelando na minha cabeça.


Encostado no meu carro, sozinho, fumando o terceiro cigarro
pós-confusão, com os olhos fixos na chama do meu isqueiro, fiquei

imaginando se ela realmente iria embora.

Logo agora? Não.

Eu não queria Scarlet longe.

Tinha demorado muito tempo para conseguir voltar, para

conseguir a permissão de fazer o que eu quisesse com ela, e eu

não ia perder.

Meu pai agora era controlável, meu irmão era frágil, fácil

demais de quebrar, e ainda que isso não fosse livrá-lo de um ataque

futuro, o melhor jeito de comer sua mente era mexer com o que ele
se vangloriava tanto de ter roubado de mim. Além de que, Scarlet

era a única forte o bastante para aguentar tudo o que eu tinha, tanto

antes quanto agora. E eu a levaria ao limite, tanto por ter me traído,

quanto por ter se vendido.

Como ela podia me julgar cruel quando era ela quem deitava

na cama de quem deveria odiar? Quando comia na mesma mesa do


homem que comprou sua vida toda em troca de silêncio?

Ela era a última que poderia me julgar naquela merda de lugar.


— E cadê meu campeão? — meu pai surgiu do nada e o

encarei como se fosse um estranho.

Isso não abalou John, e ele veio com as mãos no ar, pronto

para me dar um abraço.

Eu não me movi, e isso não o impediu de tentar.

Ele bateu nos meus ombros como podia e se afastou, dando


um tapinha na lataria do carro antes de encostar ao meu lado.

— Não imaginei que fosse capaz de ganhar daquele carro.

— Você nunca imaginou que eu fosse capaz de qualquer coisa


que não fosse foder com tudo, mas te perdoo, sua mente é

realmente limitada, John Prince. — Soprei a fumaça dos pulmões,


joguei a bituca no chão e pisei sobre ela antes de me apoiar ainda

mais contra o capô.

— Conrad, Conrad… Você não sabe do que está falando. —


Ele tentou fazer graça, sorrindo para parecer próximo de mim para
qualquer um que espiasse de fora. — Seu irmão não está

acostumado a perder.

— E eu queria saber onde está escrito que me importo. — Meu


tom de desinteresse não o atingiu.
— Você não é tão esperto quanto pensa, filho. Armar aquela

cena toda com a pobre da Scarlet? O que foi? Ainda gosta dela ou
só quis mexer com seu irmão?

Sorri, e dessa vez eu sabia que parecia o gato de Cheshire.

— Está abalado porque atrapalhei seu plano de família


perfeita, pai? — provoquei também.

— Não, estou preocupado porque você está mexendo em algo

que talvez não possa controlar, e vá se arrepender.

Virei a cabeça para encará-lo.

— O que quer dizer?

— Quero dizer que seu irmão pode ser mais vingativo do que

você espera, e isso pode recair sobre ela também.

Dei de ombros.

— Não me importo. Ela não escolheu vocês? Que aguente as

consequências… Ainda assim, ela disse que vai embora.

— Ela quer ir? — Meu pai não pareceu surpreso. — Acho até
que demorou muito.

— É, mas você não vai permitir.

— Não? — Ele me testava, e por isso, desviei o olhar.


— Não.

— O que você tem planejado, filho?

Neguei com a cabeça, tirando o maço de cigarros do bolso

para pegar mais um.

— Não é problema seu, mas até onde eu sei, dos favores —


pesei o tom, usando toda minha ironia — que você me deve, um
deles é manter Scarlet bem aqui. Ela não vai embora.

— Conrad, seja lá o que você planeja fazer com ela…

— É problema meu. E você trate de se manter longe, ou vai

sobrar para o seu rabo também.

Ficamos em silêncio um ao lado do outro por um tempo,

observando os alunos que nos cercavam com medo de se


aproximar, já que o reitor estava bem ao meu lado, e quando meu

pai percebeu que não era mais bem-vindo, se levantou.

— Verei o que posso fazer por você…

— Antes de ir — minha cabeça deu um estalo e John parou,

me encarando —, você mexeu no galpão?

— Não. — Uma ruga surgiu em meio à sua testa. — Por quê?

— Quero as chaves. — Eu não tinha que justificar.


Dando um suspiro pesado, desistindo de ser o bom pai
naquele teatrinho ridículo, John sacou o molho de chaves, separou
uma delas e jogou na minha direção.

Ergui a mão, peguei-a no ar e guardei no bolso, sentindo o

peso triplicado que o objeto tinha.

— Não entro lá há anos.

— Ótimo.

— O que está pensando? Quer trazer o laboratório para cá?

O pensamento dele estava em uma única coisa: dinheiro,


como sempre.

— Te aviso, caso precise de paitrocínio.

— Juízo, Conrad.

— Até mais, papai. — Acenei, num claro recado que nosso


papo tinha se encerrado.

John me deu as costas, e foi só ele se afastar que Bella e

Thomaz chegaram.

Ela grudou no meu pescoço, daquele jeito expansivo de


sempre e comemorou.
— Você tinha que ver a cara dele! Enquanto você tava lá

fazendo a ruivinha passar vergonha, Isaac assistiu a tudo, e meu


Deus, ela realmente ia beijar você na frente de todo mundo! — Ela

já estava bêbada e sua fala era meio mole. — Você é um sádico

louco, Conrad. Fez o casal brigar sem nem mesmo colocar a boca
na dela.

— O que não é verdade, já que você quase a beijou mesmo,

não foi? — Thomaz também não parecia sóbrio.

— Eu não ia. — Tentei convencê-los, mas não me esforcei

muito. Provavelmente, eles não se lembrariam daquilo mais tarde.


— Vocês vão ficar aqui?

— Vamos! Não temos hora para ir, e você?

— Preciso resolver uma coisa ou duas na cidade. Como vão

voltar?

— Fique tranquilo, a gente se vira.

— Ótimo. Vejo vocês depois.

Bella se soltou no meu pescoço depois de beijar minha

bochecha com muito esforço.

Thomaz bateu o braço no meu e despenteou ainda mais meu

cabelo.
— Fiquei orgulhoso de você hoje, correu como um profissional.

— A risada solta dele me fez quase sorrir também.

— Não vai perder a consciência e acordar pelado e sozinho


aqui, hein?

— Até vou acordar pelado, mas não aqui. — E ele abraçou


Bella que só sabia rir.

Com a minha volta, achei que ela seria a primeira a se jogar

em mim, mas de alguma forma, Bella parecia ter amadurecido o


bastante para entender que, talvez, eu só fosse seu amigo e nada

mais, pelo menos naquela fase da vida.

Não foi algo desagradável, mas foi esquisito entrar no carro e

deixar os dois para trás naquela noite. Quando, ao som de gritos,

assobios e aplausos, eu saí da pista, soube que precisava


mergulhar minha cabeça em trabalho, ou acabaria fazendo uma

besteira.
Rodei um pouco pela cidade, fui perto da casa da minha mãe,

me lembrando de como foi encontrar uma boa casa para ela depois
de todos os anos embaixo do teto do meu padrasto, passando por

tudo o que passei só para ela ter onde morar… Por um minuto,

pensei em descer, mas decididamente não queria encontrá-la


naquele humor desgraçado piorado pelas lembranças todas. Até

mesmo perto da casa do meu padrasto, onde cresci, eu fui, mas

quando percebi que poderia descontar nele toda aquela espiral de

raiva que sentia dentro de mim, estacionei o carro e bati no volante.

— Merda! — xinguei alto antes de apoiar a testa onde havia

batido.

Respirei fundo algumas vezes, tentando organizar os

pensamentos, tentando me sentir vitorioso pelo que havia causado,

mas lá no fundo, parecia que o monstro que vivia dentro do meu


peito queria mais.

Com Scarlet longe, sem seu cheiro, sua pele, sua boca, seu
corpo sendo tentação, era muito difícil enxergar qualquer outra

missão que não fosse magoá-la tanto quanto ela me magoou. Que

não fosse rasgar seu peito como ela fez com o meu.
Que não fosse trair sua confiança, como ela havia feito com a

minha.

Meu irmão era um lixo, mas ela era pior.

E era questão de vida ou morte fazê-la enxergar que, por todos

aqueles anos, cada dia em que ela acordou e olhou para eles,
comeu na mesa deles, viveu a vida deles, ela cravava uma estaca

no meu peito, fazendo juras e mais juras de completa maldade.

Agora, comigo liberto, eu estava pronto para fazê-la pagar, e


era culpa dela, e só dela.

A chave no meu bolso voltou a pesar quando meus dedos


bateram nela, procurando meu isqueiro, mas me senti um covarde

de merda. Não queria entrar no galpão. Não queria ver o que o

passado tinha de bom.

Aquelas memórias, aquela garota, tudo havia sido destruído.

Nada era igual, e ver provas de que o passado existiu, sentir


que ele realmente tinha sido tão bom, me fez jogar a chave no

porta-luvas do carro e largá-la lá.

Eu não queria nada da parte boa, era o caos que me


alimentava, e era nele que eu me refugiaria.
Mais calmo, com a cabeça um tanto quanto mais limpa, dei

partida e saí dali, pegando o rumo da Prince University de uma vez,


já que aquela madrugada seria longa.

Já era quase meia-noite, estava escuro e uma garoa contínua


e fria caía na estrada vazia. No rádio do carro, Metallica tocava alto,

e eu mal pude acreditar no que meus olhos viram.

No canto da pista, Scarlet estava abraçada a si mesma, com


cara de poucos amigos, andando na mesma direção que eu ia.

Meu cérebro pensou “vá, siga em frente”, mas tudo o que eu


fiz foi reduzir a velocidade e abaixar o vidro da porta do carona.

— O que está fazendo andando essa hora por aqui? —

perguntei.

— Vá embora, Conrad. — Ela tremia de frio.

Eu a encarei, vendo as pequenas gotas de água pingando de

seu cabelo, molhando seu rosto.


— Se você pedir com jeitinho, posso te dar uma carona —
provoquei.

De repente, aquilo era mais divertido do que qualquer outra


coisa no mundo.

— Nem morta.

— Você também falou algumas coisas mais cedo, e quase me

beijou. Ou seja, para as duas coisas, carona e beijo, você vai

precisar pedir.

Scarlet parou no lugar e eu pisei no freio vendo-a se virar

lentamente para mim.

Quando conseguiu uma visão decente do meu rosto, a ruiva

me encarou como se fosse capaz de colocar fogo em mim só pelo

pensamento e disse:

— Quero que você vá tomar no cu. Que me deixe em paz.


Prefiro comer lama a beijar você, Conrad. Prefiro dar uma volta

inteira no mundo a pé a entrar nessa porcaria de carro.

Levou um minuto para eu processar o que ela dizia. Conseguia


ver o nó se formando em sua garganta, e conhecia Scarlet bem o

bastante para saber que ela estava se esforçando para não chorar.

— É sua última chance.


— Vá para o inferno, Conrad. Prefiro ir embaixo de chuva para
qualquer lugar do que até a esquina com você.

Era aquele jogo que ela queria jogar? Ótimo.

Respirei fundo, medi-a de cima a baixo e dei um meio-sorriso.

— É, até porque — olhei em volta — essa é a única opção que


você tem. Está brava comigo, mas foi seu namorado que te colocou
na merda e ainda te largou aqui. Mas você é interesseira, não é,

Red? Uma vadia interesseira. — Os olhos dela queimaram, mas eu


estava cansado de ser legal. — E amanhã, mesmo com Isaac te
tratando que nem merda, você vai estar embaixo do pé dele. Eu

deveria saber…

— Como é que você ficou tão podre? Sério, como?

— Eu fiquei podre? — Não pude segurar a risada amarga. —


Você é a porra de uma hipócrita, Scarlet. — O nome dela queimou

na minha língua.

— E você é um monstro! Antes era só um garoto assustado,


mas hoje é a porra do monstro dentro do meu armário! — ela gritou,

descontrolada. Tinha certeza de que se tivesse ao seu lado, ela teria


me batido.
— Então tome cuidado, e não fique no escuro, porque eu vou
te pegar. — Os olhos dela se arregalaram e ela parou com a boca
entreaberta, absorvendo o que eu tinha acabado de dizer. Respirei

fundo, mudei a marcha e encarei a estrada com a mandíbula dura


de tanta raiva. — Aproveite a caminhada.

No segundo seguinte, eu já estava longe, não entendendo por

que o buraco que havia no meu peito queimava tanto, ou, na


verdade, até entendia, mas nunca diria em voz alta.
scarlet

minha, minha garotinha triste, eu estive pensando em você. minha,


minha garotinha triste, você ficou tão insensível e fui eu quem a
deixou assim.

jaded, aerosmith

Eu nunca havia chorado tanto. Parecia que o choro acumulado

de todos aqueles anos resolveu sair de uma vez, e enquanto as


lágrimas rasgavam seu caminho pelo meu rosto entre as gotas de

água vinda do céu, eu caminhei até não poder mais.

Quando entrei no castelo, meu rastro molhado ficou pelo

caminho, e eu chorei ainda mais ao ver a quantidade de degraus


que precisaria subir até chegar ao meu quarto.

Ainda assim, era bom quase não ter testemunhas daquilo.

Era eu e todo o meu desespero, toda minha tristeza, toda a

minha decepção, sozinhos pelos corredores, e quando a chave


girou na fechadura, eu me arrastei para dentro, e tudo o que fiz foi

cair na cama.

Não me importei em tirar a roupa ou os sapatos.

Não me importei com a água.

Não me importei com nada além daquela dor gigantesca em

cima do meu peito.

Encarei a pintura no teto do quarto, pensando em como

aquelas sombras tinham feito de mim tão pequena e insegura, tentei

entender como os sentimentos bons por Conrad conseguiram

sobreviver por todo aquele tempo, mas não tinha uma resposta.

Tudo o que sobrava quando eu encarava o que carregava no

peito era vergonha, e por isso, tapei o rosto e continuei a chorar o

mais silenciosamente possível, sabendo que o dia seguinte seria o

dia da despedida.

Eu não aguentava mais. Eu iria embora.


E me convencendo de que aquilo era o melhor a fazer,
consegui me livrar dos sapatos e das meias, joguei as roupas para

fora da cama de qualquer jeito, e agarrada ao meu travesseiro,

sabendo que acordaria moída, me encolhi nua embaixo da coberta e

adormeci, esperançosa de que aquilo tinha data marcada para

acabar.

Como eu sabia que aconteceria, meu nariz acordou tapado,

minha cabeça doendo, e apesar do frio, sentia meu corpo suado.

Meu quarto estava claro, graças ao sol que batia contra a janela que

tinha as cortinas abertas, e eu pensei se não era melhor deitar e

dormir mais, porém o medo de entrar em um sonho lúcido com


Conrad era tanto que pulei da cama direto para o chuveiro.

O banho morno me ajudou a despertar, mas meu coração

ainda continuava pesado, coisa que, depois do choro da noite

anterior, eu pensei que melhoraria. Encarei o celular sem bateria e o

coloquei para carregar. Quando a tela finalmente abriu, foi um misto


de decepção e conformismo ver que não havia nenhuma mensagem

ou ligação de Isaac sequer.

Ele havia me colocado em jogo como se eu fosse um objeto,

tinha se ofendido por me perder, e não tinha movido um dedo para


cuidar de mim.

Aquilo também era traição.

Respirei fundo, largando o aparelho no quarto, entendendo

que não queria nenhuma desculpa da parte dele e saí para resolver
o que precisava.

A primeira parada foi a enfermaria. Depois de um analgésico


forte e uma garrafa de isotônico tomada em goles gigantes, conferi

meu cigarro no bolso canguru da blusa que eu vestia e meus pés


foram certeiros e raivosos pelo caminho da reitoria.

Eu não ia esperar o dia seguinte para uma conversa definitiva


com John Prince.

Eu não queria passar mais nenhum segundo dentro daquelas

paredes.

Eu ia embora, e treinando mais uma vez o discurso que faria


para o meu tutor, subi até a ala mais alta do castelo.
— Scarlet, quanto tempo! — A secretária de John, Maressa,

me acolheu com um sorriso discreto. Seus lábios cheios e escuros


escondiam um sorriso de dentes perfeitamente brancos e alinhados.

Seus cabelos crespos estavam presos em um coque no alto da


cabeça e seus grandes olhos me analisavam sobre as lentes meia-

lua dos óculos que pairava na ponta do nariz. — Está precisando de


alguma coisa?

Ela ajeitou o terno azul-escuro e fez como quem ia se levantar.

— Ah, não se preocupe. — Ergui a mão, impedindo-a. — Eu


só vim conversar com John… Ele está disponível?

Na mesma hora, a porta da sala dele se abriu e dela surgiu o


reitor.

Seus olhos espertos me mediram de cima a baixo e, como o

pai esforçado que ele fingia ser, sua mão se ergueu na minha
direção.

— Scarlet, querida. Ia mandar te chamarem agora mesmo.


— Até mais, Maressa — soprei antes de ter chance de dizer
mais alguma coisa e a secretária acenou com a cabeça. Havia algo
sombrio, mas não tive tempo de me concentrar em qualquer

mensagem secreta. Não quando minha mente reforçava o discurso


pré-pronto que havia feito para me despedir daquela vida.

Assim que John me abraçou e me passou para dentro de sua


sala quentinha, fechou a porta e veio indicar a poltrona próxima à

sua mesa para que eu sentasse.

— Vi que você passou na enfermaria, está tudo bem? —


Quase engasguei.

— Viu?

— É, você e meus filhos têm um pequeno diferencial do resto


do campus. Recebo um alarme cada vez que vocês faltam às aulas,

vão à enfermaria ou recebem uma advertência. Sabe como é, os


pais precisam tomar conta dos filhos. — Ele piscou e sorriu para

mim.

— Ah, bem… Noite passada foi uma pequena bagunça — com

as mãos juntas dentro do bolso da blusa, encarei meu colo —,


acabei tomando chuva e peguei um belo resfriado.
— Conrad foi um idiota de provocá-la como fez, mas Isaac
jamais poderia ter colocado você em jogo, não é mesmo?

Segurar o choro naquele minuto fez meus ouvidos doerem, e


eu só consegui confirmar minha decepção com a cabeça.

— Eu imaginei… Foi um erro meu trazer Conrad de volta sem

conversar com você antes, querida. — O tom paternal de John


podia não ser cem por cento verdadeiro, mas ele me pegou de jeito,

até porque, desde que meus pais haviam morrido, ele era o mais
próximo que eu tinha.

John foi mais meu pai que meu avô um dia conseguiu, e era

por isso que eu o amava. Ainda era um fantoche em suas mãos?


Era. Ainda tinha a sensação de que ele me usava constantemente?

Tinha. Mas não podia jogar fora e excluir as partes boas da nossa

relação, e por conta disso, não consegui me conter.

A primeira lágrima teimosa e pesada avançou pelo meu rosto.

Desviei o olhar para a janela e a limpei como se não fosse nada

antes de conseguir encarar o homem que cuidou de mim nos


últimos anos.

— Não se desculpe. — Limpei a garganta. — Ele é seu filho e


tem tanto direito de estar aqui quanto eu.
— Ainda assim, eu deveria tê-la preparado. — O tom

compreensivo dele me confortou um pouco. — Não é de hoje que


venho notando você se esquivando. Sei que Isaac é temperamental,

eu o criei e confesso que o mimei muito. Namorá-lo não deve ser

uma tarefa fácil. E trazer Conrad de volta… Acho que é por isso que
você não tem dado conta das entregas, não é? — Meu olhar de

dúvida foi respondido logo em seguida. — Você é uma aluna nota A,

Scarlet. Nunca ficou abaixo disso, nunca me deu trabalho e eu

queria muito que Isaac aprendesse isso com você, mas seus
professores se queixaram das entregas atrasadas, das faltas…

— Eu não ando muito bem… — Estava pronta para dizer que


precisava ir embora, mas ele me interrompeu.

— Eu sei, e por isso queria conversar com você.

— Minhas notas estão abaixando porque eu não consigo mais

lidar com a pressão que a presença de Conrad vem causando —

desabafei, encarando os olhos do reitor, em um tom de voz mais


alto para ser ouvida. — E não acho que isso vá melhorar. — Ri sem

graça e não parei mais nenhuma lágrima. — Sei que é infantil vir até

você para me queixar disso, e como falei, Conrad é seu filho e tem
até mais direito do que eu de estar aqui, mas… — suspirei —... eu

não consigo mais. — Minha voz saiu em um sussurro.


Engoli o nó na garganta e continuei:

— Ele afeta minhas notas, minha saúde mental, meu

relacionamento, e sinceramente, John, estou aqui porque, apesar de


ser grata demais a tudo o que você fez por mim e por minha família,

eu quero ir embora. Não consigo me concentrar, não consigo me

divertir, tenho medo do que ele pode fazer e…

— Não precisa continuar, Scarlet. — Os olhos dele eram

benevolentes, e se era uma farsa, era uma farsa muito, mas muito
boa mesmo.

John suspirou e continuou:

— Eu sei que Conrad é difícil, mas eu o trouxe de volta

porque… — seus olhos desviaram para a mesa por um segundo,

ele franziu os lábios e suspirou, se dando por vencido antes de me


encarar de novo —... estou doente.

Meu coração estrangulou no peito.

— O quê? — As palavras saltaram da minha boca e eu me

inclinei para frente. — O que você tem?

— Um nódulo apareceu na bexiga… Estamos investigando,

procurando um bom tratamento que não me definhe fisicamente,

mas é isso. Esse é o motivo de eu ter trazido meu filho bastardo de


tão longe mesmo sob todo o falatório. Conrad não é fácil, mas é

meu filho, e você, apesar de tudo, também é. Sei que quer ir


embora, que a pressão é demais, e que o pedido deste velho não

deveria ser tão levado em conta, mas aqui e agora, Scarlet, eu

gostaria de manter minha família unida durante esta guerra. Você


acha que consegue aguentar um pouco mais por mim? Só até eu

me recuperar, ou até seu aniversário? Não gostaria de perdê-lo.

Meu aniversário era em janeiro. Ainda tinha todo o final de


outubro pela frente, um novembro e dezembro intensos…

Mordisquei o lábio, encarei a janela por alguns minutos e perdida,

entreguei os pontos.

— Claro, John. É claro que posso ficar por você.

As palavras amargaram minha boca, mas que opção eu tinha?

— Obrigado, Scarlet. Isso significa muito. Vou tentar controlar

Conrad, eu prometo. E, para te ajudar, conversei com um amigo


meu, psiquiatra, e ele indicou isso aqui. — Ele abriu a gaveta de sua

mesa e tirou um pote laranja de lá, esticando na minha direção.

Ergui-me, indo até ele e peguei o potinho para ler a


embalagem, mas não havia nada, nem etiqueta, nem uma marca.

— O que é? — perguntei depois de girá-lo na mão.


— É um medicamento novo, para concentração. Ele me

garantiu a eficácia, mas como é algo ainda muito novo, gostaria de

contar com sua discrição. Tome uma pílula a cada doze horas e

vamos ver o que acontece. Qualquer coisa, me ligue ou venha até


aqui, ok?

— Ok. Mais alguma coisa?

— Quando é que você viu seu avô?

Fiz uma pequena careta, mordiscando a língua, feliz por não


estar mais chorando.

— Faz um tempo…

— Menina, por favor — o tom brincalhão de John me relaxou

—, não demore muito para vê-lo, e mande minhas lembranças.

— Farei meu melhor nisso — concordei. — E você, por favor,

não deixe de me dar notícias.

— Não se preocupe com isso, agora vá descansar.

Colocando o medicamento no bolso junto dos cigarros, me

despedi de John com um abraço forte e saí da sala com um


sentimento que não sentia há muito tempo, aquilo era

pertencimento.
Ok, que ele era uma pessoa extremamente racional, por

vezes, muito frio e arrogante, mas John Prince tinha me dado tudo e
além do que precisava para me recuperar, para ter uma boa vida, e

sim, de algum jeito torto e esquisito, eu era parte da família.

Quando voltei ao quarto naquela tarde, mesmo cansada,

resolvi testar a medicação que ele havia me dado, e quando meu

cérebro pareceu acordar para a vida, me perdi pela madrugada

colocando meus trabalhos e o dos outros em ordem.

Apesar da promessa de ficar pelo menos até o meu

aniversário, não tinha como relaxar. Eu precisava de dinheiro, e


continuaria juntando cada mísero centavo que conseguisse, sem

distrações, e o mínimo envolvimento entre Conrad e Isaac.

Na segunda-feira, quando saí do meu quarto para assistir à

primeira aula, me surpreendi com um Isaac recém-saído do banho,


em frente à minha porta, com um copo imenso de café na mão.

Por um minuto, eu não soube o que falar, mas com a

movimentação em volta de nós, fechei a porta e o encarei.

— Mais efetivo que um buquê de flores, mas não vou ser

comprada com um copo de café. Tenha um bom dia. — Dei as


costas para ele, mas o conhecia bem para saber que ele insistiria.

— Scar, Scar, amor, porra, eu errei. Eu não deveria ter…

Como se alguém tivesse colocado gasolina nas minhas veias e

Isaac fosse a fonte de calor mais próxima, eu explodi.

— Não deveria o quê? Ter me testado? Ter me apostado? Ter


me largado depois de ter sido humilhada mais uma vez pelo seu

irmão? Ter me deixado voltar para a universidade a pé, debaixo de

chuva? O que você não deveria ter feito, Isaac? Me conte qual era a
dificuldade de ser um namorado decente em vez de ficar lambendo

suas feridas? — Eu estava quase gritando com ele, e a plateia do


corredor gostou muito do que via.

— Me desculpe, por tudo isso. — Ele se encolheu.

— Ah, pelo amor de Deus. — Revirei os olhos e voltei a andar,

mas ele pegou meu braço.


— Scarlet, me escuta, por favor… Eu não quero terminar. —
Dei um puxão violento, me livrando de suas mãos e ele estranhou.

— Você não tem que querer nada, porque eu já decidi por nós.
Posso não ir embora, mas não quero um relacionamento assim.

— Ir embora? Que história é essa?

— Eu não aguento mais você e seu irmão! Não dá mais, e


você ainda desconfia de mim… Isaac, chega. E eu não quero

conversar, ou brigar mais. Minhas notas estão indo pra merda,


preciso ir.

— Espere! — Ele tentou mais uma vez, mas era tarde demais.

Fiquei tentada a roubar o café, mas foi mais legal sair andando

e deixá-lo ali, pensando em tudo o que tinha causado, em como me


machucava. Era bom que ele sentisse minha falta, eu não queria
mais correr atrás do rei do mundo.

Antes de entrar na aula, feliz por começar a colocar as coisas


no lugar, levei mais um daqueles comprimidos à boca. Queria correr
atrás do tempo perdido e, de fato, eu não me lembrava de uma aula

tão bem aproveitada quanto aquela.


conrad

não é do seu feitio pedir desculpas. eu estava esperando por uma


história diferente. dessa vez eu estou errado por entregar a você um
coração que valesse a pena partir e eu estive errado, eu estive

deprimido. estive no fundo de todas as garrafas, estas cinco


palavras dentro da minha cabeça gritam: nós ainda estamos nos

divertindo?

nickelback, how you remind me

Aquela era a porra da minha manhã favorita desde que eu

tinha colocado os pés naquela merda de lugar.

— Conta de novo — mandei.


— Todo mundo viu, ela terminou com ele ou, pelo menos, ele

ficou sabendo que ela não queria mais nada agora de manhã.
Scarlet gritou sobre ser humilhada, ser deixada para caminhar até

aqui debaixo de chuva e Isaac não soube nem mesmo responder,

só ficou lá como um palhaço pedindo desculpas, é isso que estão


dizendo — Bella contou.

Eu sorri, apoiando os braços atrás da cabeça, esperando um


dos dois aparecer no refeitório para almoçar.

— E ela compete hoje à noite, vocês estão sabendo? —

Thomaz disse ao meu lado.

— Hoje? Eu também, mas…

— Dizem que ela joga bem.

— Do que eu me lembro, não é tudo isso. — Tentei não me

preocupar. — Agora que eles estão separados, talvez seja divertido

mexer com a insegurança do meu irmão com mais afinco…

— Qual o plano?

Eu já tinha terminado de comer e precisava ir para a próxima

aula.

— Vocês vão saber em breve.


Levantei-me da mesa, passei a mochila pelos ombros e saí,
sabendo que a noite seria mais divertida do que nunca.

O refeitório tinha mudado completamente. As mesas estavam

alinhadas mais para o centro do salão, os telões estavam

distribuídos nas paredes em volta para todos verem, mas o jogo


aconteceria em uma televisão de sessenta polegadas do outro lado

da sala. O jantar naquela noite seria servido nas salas de descanso

das fraternidades e eu entrei pelas portas com Bella e Thom às

minhas costas, encarando todos os possíveis competidores, mas

buscando por ela.

Senti a tensão no ar se intensificar, principalmente, quando a

vi.

Encontrei-a com os cabelos soltos em ondas bem-feitas,

sentada sobre uma das mesas, com os pés apoiados nos bancos,

distraída no celular enquanto o cigarro queimava entre os dedos.

Qualquer um que não a conhecesse acharia Scarlet segura, mas vi


de longe a postura rígida e a mandíbula marcada quando ela notou

minha presença.

Não consegue fingir, não é? — pensei.

— O que vocês vão jogar? — Bella perguntou, meio


desinteressada, avançando para dentro do salão.

— Algum jogo de luta, provavelmente Mortal Kombat, pelo que


vi — comentei.

— Hm… chato. — Ela segurou o riso junto de mim e Thomaz.

— Mas tente ganhar fazendo aquelas mortes legais, tá?

Ela e Thomaz foram sentar e eu fui até o final da sala

confirmar minha presença.

Encostei-me na parede, observando de longe com um cigarro


na boca e o isqueiro nas mãos, e depois de vinte minutos,

conferindo que meu pai não tinha se dado ao trabalho de aparecer


onde eu não competiria com Isaac, o locutor daquela noite começou
a explicar as coisas. Não demorou muito até chamarem Scarlet, e

ela e uma garota Bird, vestida de azul dos pés à cabeça, foram
competir.

A ruiva escolheu Mileena, a outra o Cage. E eu assisti,


interessado, enquanto Scarlet colocava o controle sob a blusa, algo
que eu ensinei, anos atrás, para os dedos deslizarem melhor sobre

o controle.

Eu a vi fechar os olhos, respirar fundo, fuçar com a mão no


bolso e levar algo à boca. Ela mastigou rápido e engoliu, me

causando estranheza, mas não tive tempo de olhar mais nada além
dos olhos dela muito concentrados na tela, pronta para o primeiro
golpe assim que o jogo começou.

Foi lindo ver o primeiro fatality, Mileena arrancando a cabeça

de Johnny Cage e devorando sua língua. A garota Bird soube


perder bem, cumprimentou Scarlet e virou as costas, meio

decepcionada, indo para o fundo da sala. Notei o olhar de Thomaz


no meu, parecendo preocupado por ver o que Scarlet era capaz de
fazer, e dei uma longa tragada, negando com a cabeça, mostrando

que aquilo não me preocupava.

Outras disputas aconteceram, até me chamarem e contra um


garoto Badger, eu escolhi propositalmente Kitana. Era um recado

direto para Scarlet, já que Mileena era um clone da princesa a qual


eu tinha escolhido.

A luta foi boa, mas nada que me fizesse suar.


Por quatro rodadas, eu joguei; Scarlet também, até que, na
semifinal, fomos chamados.

— Scarlet Wright e Conrad Prince! — anunciaram, e dessa


vez, eu a esperei aparecer primeiro.

Levou alguns minutos e, no meio deles, pensei que ela

desistiria, que fugiria pela memória que aquele ato traria para sua
mente. Que, como a maldita mentirosa que era, correria da
possibilidade de me enfrentar e encarar o passado.

Repetiram nossos nomes, e nada dela, mas no último

segundo, quando achei que Scarlet tinha mesmo ido embora, ela
finalmente surgiu, abrindo caminho e pegando o controle. Só então
fui para o lado dela.

— Olha só, como nos velhos tempos… — provoquei quando

percebi que ela não queria papo.

— Me deixa em paz. — Ela encarava a tela.

— Acha que consegue ganhar de mim, sem que eu deixe? —

debochei.

— Tenho certeza que sim. — Raivosa, sua voz era firme.

— Eu aposto que não.

Então ela parou, olhou para mim e sorriu diabolicamente.


Eu nunca tinha visto Scarlet daquele jeito.

— É isso. Vamos apostar.

— Só se valer a pena. — Parei tudo, me virando para ela

também.

Os olhos verdes tinham as pupilas dilatadas e me encaravam


como se naquela noite eu fosse a caça e ela, o caçador.

— Se eu ganhar, você me deixa em paz.

— E se eu ganhar, você fica sem poder me dizer não.

Ela franziu as sobrancelhas, não entendendo.

— Nem fodendo.

— É pegar ou largar. A chance de eu nunca mais te perturbar

contra a chance de eu mandar em você igual meu irmão fez todos

esses anos, e aí?

Era óbvio que eu não cumpriria com a minha parte do acordo,

mas ela não precisava saber.

— Eu topo. — Levou menos de um minuto para ela decidir.

— Ótimo.

— Esperem aí! — o locutor avisou. — Nessas duas últimas

rodadas, vocês vão trocar de personagem.


Procurei algum desconforto no rosto de Scarlet, mas não achei

nenhum.

Ela, na verdade, foi mais rápida do que eu para escolher o que

queria, e quando vi que selecionou Kung Lao, eu escolhi Shao


Kahn.

A atmosfera à nossa volta ficou densa, e assim que o jogo

começou, fui para cima dela sem pensar duas vezes. Scarlet
defendeu bem, tomou pouco dano do que eu esperava e então veio

devolver o que eu tinha dado com muito mais intensidade.

Eu tentei muito, mesmo, mas ela era implacável.

Nos segundos finais, quando nossas vidas estavam descendo

na mesma proporção, a filha da puta acertou o golpe e eu joguei o


controle longe.

— Desgraçada! — xinguei enquanto ela dava o fatality de


Kung Lao.

O chapéu do personagem virou uma serra no chão e ela me

rasgou no meio.

— Porra! Melhor de três, agora! — gritei, exigindo aquilo dela.

E do alto do seu orgulho, me olhando como se fosse superior,

Scarlet sorriu da forma mais doce que pôde, jogou o cabelo sobre o
ombro e disse:

— Até nunca mais, Conrad.

Ela não ficou para jogar a final. Ganhar de mim bastou.

E dando as costas, ela foi embora, me deixando louco de ódio,


com as veias queimando para pegá-la pelos cabelos. Eu só não

sabia se queria matá-la ou fodê-la. Talvez os dois, mas não

conseguiria descobrir, não tão cedo.


scarlet

você pode me segurar em seus braços?

can you hold me, nf

cinco anos antes

Aquele era o verão mais quente da minha vida, eu tinha


certeza.

Minhas coxas suavam na parte de trás, onde ficaram em


contato com banco do carro do meu avô naquela tarde e eu fiz o

melhor que pude para me manter fresca com o vento da janela, o

que foi por água abaixo quando ele estacionou seu carro antigo em
frente a uma casa nada parecida com a nossa, um pouco mal-

acabada, no final da nossa longa rua.

— Precisa que venha te buscar? — Vovô estava me dando um

voto de confiança, apesar de todo o pandemônio que Susan vinha


fazendo, tanto que, naquele dia, com o convite de Conrad para

conhecer sua mãe, ele havia me incentivado a colocar aquele

vestido. O tecido era pardo, cheio de girassóis distribuídos pela saia


e dorso. Não havia decote. Os botões meio que me sufocavam e ele

me cobria bem até o limite dos joelhos, mas ainda assim, era

decente e eu achava ser uma boa escolha.

Nos meus pés, não havia uma segunda opção, e os tênis de

sempre estavam lá.

Assim que os bati sobre a calçada ao descer do carro, me

arrependi de não ter prendido o cabelo, mas não tive tempo de fazer

qualquer coisa, já que quando encarei a fachada da casinha

novamente, lá estava ele na janela, dobrado sobre o parapeito.

Perfeito, com o cabelo ainda molhado do banho, camiseta

preta de manga comprida e cara de bom moço, ele esticou a mão

para cumprimentar meu avô e só depois olhou para mim. Quando

ele o fez, foi difícil respirar.


Será que alguém conseguia sentir a magnitude de tudo o que
eu sentia quando estava perto de Conrad? Será que alguém, algum

dia na Terra, poderia ser tão apaixonado por outro ser como eu era

por ele?

Eu duvidava muito.

— Conrad, é sua amiga? — Ouvi uma voz feminina vindo lá de


dentro e imaginei ser de sua mãe.

Mais uma vez, aquela palavra amargou nos meus ouvidos.

— Sim, Scarlet chegou. — Ele também não gostou da palavra,

mas se ergueu, parecendo medir minha reação ao vê-lo responder

daquele jeito.

Umedeci os lábios e joguei o cabelo por cima do ombro

esquerdo, antes de ir para a porta, sabendo que, quando ele sumiu

da janela, estava fazendo o mesmo que eu, e foi estranhamente

bom e engraçado vê-lo parado no portal, me esperando.

— Se eu disser que ela não é minha amiga, você vai implicar,


caso eu a leve para o meu quarto? — ele disse para a mãe com os

olhos em mim e eu quase tropecei no degrau da entrada.

— O quê? — a mãe perguntou, por não ouvir com clareza,

mas Conrad não repetiu.


O sorriso que ele deu quando viu minha reação foi um dos

mais lindos que eu já tinha visto.

— Olá — ele sussurrou quando me viu perto o bastante.

— Oi — respondi em um sopro.

Era estranho vê-lo depois da troca de mensagens insana

daquela madrugada.

Tínhamos deixado claro que não queríamos ser só amigos,


mas com a minha falta de experiência, eu não fazia ideia do que

havia no meio do caminho depois disso.

— Gostei do vestido. — Conrad tirou os olhos dos meus e me

analisou de cima a baixo. — Combinam com você.

Era sobre os girassóis.

— Gosto muito deles — assumi, dócil, realmente ansiosa para


ver Caroline.

E ela também parecia querer me conhecer.

— Conrad, entre logo com ela. — Ouvi a chamada de atenção


em tom carinhoso e notei, na respiração de Conrad, que havia algo

errado.
— Por favor, tente não dizer nada sobre… — Sua voz saiu em

um sussurro, eu precisei me esforçar para ler seus lábios, mas ele


não conseguiu terminar o recado.

— Filho… — A mão de sua mãe surgiu em seu ombro, e então

o rosto de Caroline, a qual eu não sabia o sobrenome, surgiu ao seu


lado, e precisei de tudo de mim para controlar a língua e não
perguntar se estava tudo bem.

Ela era mais baixa que ele, mas ainda mais alta do que eu.

O cabelo escuro estava na altura dos ombros e uma franja

meio infantil cobria sua testa.

Seus olhos eram claros, muito diferentes dos do filho, mas eu

conseguia ver Conrad no desenho de sua boca cortada, e talvez o


veria melhor se a maçã direita de seu rosto não estivesse tão roxa e

inchada.

— Você deve ser Scarlet — animada, como se não houvesse


nada de errado, ela me cumprimentou com um sorriso caloroso.

— Caroline? — Ela confirmou com a cabeça.

— Entre, por favor.

Tentando manter meu sorriso e evitando o olhar de Conrad,


passei pelo portal e fui engolida pela casa que, por dentro, era tão
ruim quanto por fora. Engoli em seco, quando pensei sobre Conrad
vivendo entre dois mundos completamente diferentes.

A mesa da cozinha era pequena, de madeira, e tinham três


cadeiras em volta dela. Uma branca, bem antiga, com almofada

vermelha no assento. Uma de madeira mais escura que a da mesa,


com estofado azul, e uma de ferro com marcas de ferrugem. Os
eletrodomésticos eram brancos, antigos, as paredes de madeira

pareciam nada seguras para o inverno, e os armários da cozinha


estavam, em sua maioria, sem portas.

A sala, ao lado, tinha um sofá de dois lugares com a espuma

aparecendo e uma poltrona grande com o couro gasto. A mesa de


centro abrigava alguns romances em pilha, um gato preguiçoso
dormia ao lado e a televisão de tubo estava passando o programa

da tarde em volume mínimo. Porém, apesar de muito simples, tudo


parecia limpo e organizado, e não me importei com mais nada, a

não ser o fato de que Conrad confiava em mim o bastante para me


colocar para dentro daquele modo.

Não consegui me conter, meu sorriso foi de orelha a orelha e


eu não conseguia relaxar o rosto para desfazê-lo. O garoto de olhos

escuros pareceu notar e soltou uma risada nasalada que sua mãe
não entendeu.
— É a primeira vez que meu filho chama alguém para eu
conhecer — Caroline disse, orgulhosa, e Conrad a repreendeu em
um tom carinhoso.

— Mãe…

— O quê? É verdade. — Ela parecia feliz por fazê-lo passar

por aquilo pela primeira vez.

Caroline bagunçou o cabelo do filho antes de voltar para o


fogão e anunciou:

— Vão lá para dentro. Eu já vou terminar isso daqui e chamo

vocês… — Conrad e eu trocamos um olhar cúmplice, mas Caroline


completou sua fala: — Porta do quarto aberta, ok?

— Mãe… — Conrad reclamou de novo, mas não houve


discussão.

A alguns passos de distância da mãe, ele parou ao meu lado e

ofereceu a mão.

Encarei o gesto com o coração flutuando e, sem pensar duas

vezes, a peguei. Foi o tempo dele se aproximar e sussurrar:

— Obrigado.

Eu tinha entendido, mas isso não significava que não queria


perguntar, mesmo entendendo que talvez não fosse a hora de
saber.

Havia uma porta que dava na sala que, por um momento,

pensei ser o banheiro, porém, quando olhei para o corredor e vi a

porta do banheiro aberta, desconfiei que fosse o quarto da mãe. E


se era assim, a outra porta, preta, era dele. Se não houvesse nada

segurando, meu estômago teria saído voando quando ele colocou a

mão livre na maçaneta e a girou.

Esperei ansiosamente conforme o lugar tomava forma diante

dos meus olhos, e me surpreendi por ser tudo tão claro.

As paredes eram de madeira como o resto da casa, a cama de

Conrad era simples como a minha, de solteiro, com uma colcha

azul-claro por cima, apoiada de lado bem embaixo da janela. Em

frente a ela havia uma mesa com o computador e o videogame em


cima, e o chão era de carpete verde-escuro. Pronto, aquilo era o

quarto de Conrad Prince.

Parecendo inseguro pela primeira vez, Conrad parou sob o

batente da porta e me colocou para dentro, soltando meus dedos

para que eu pudesse olhar as coisas mais de perto.

Vi uma estante no fundo do quarto com alguns títulos que não

conhecia, algumas fotos com a mãe quando mais novo, um pote


cheio de isqueiros de plástico e algumas medalhas de ouro, prata e

bronze falsos.

Enquanto eu olhava tudo, sentia o peso do olhar dele na minha


nuca, e aquela energia esquisita entre nós. De repente, o quarto

parecia abafado, o cheiro dele intenso e delicioso parecia capaz de

grudar na minha pele e, sabendo que a cabeça de Conrad devia


estar a um milhão naquele minuto, eu tentei invadi-la.

— Não sei se algum dia vou te levar em casa, principalmente,


ao meu quarto — falei, tocando nos pequenos objetos dele,

sabendo que isso o provocaria de alguma forma.

— É mesmo? — Notei quando se moveu e ouvi o colchão


gemer quando se sentou sobre ele. — Por quê?

— Porque, antigamente, ele era um armário. Quando nós


viemos morar com meu avô, a casa já era pequena e cheia de

coisas, mas Susan foi mais esperta e reivindicou o único quarto

disponível. Vovô, já sabendo que não seria fácil, ou seguro para

mim, manter duas adolescentes no mesmo ambiente, liberou o


armário do corredor.

— Foi injusto — Conrad julgou.


— Não acho. — Suspirei, largando a fotografia que olhava

atentamente e indo me sentar ao seu lado, continuei: — Era isso ou


uma cama de montar no quarto do meu avô. E, acredite, ele ronca

tão alto que conseguimos escutar de qualquer canto da casa,

imagine no mesmo quarto? Além disso, ganhei uma janela enorme.


A casa não foi projetada como as outras, alguém se confundiu e,

graças a isso, tenho uma visão privilegiada do parque lá de trás e do

céu.

— Eu tenho sorte por esta casa ser a última da rua. Consigo

uma visão boa do céu daqui também — ele indicou a janela —, mas

raramente me lembro de olhar.

— E você mora aqui há quanto tempo? — A pergunta causou

desconforto.

Percebi quando ele encheu os pulmões de ar e soprou, como

se tentasse se livrar de alguma memória ruim.

— Desde os cinco anos. É o mesmo tempo em que minha mãe

está com meu padrasto. Esta casa é dele. — O tom de Conrad era

morto e fiquei sem saber para onde ir com a conversa.

Juntei as mãos sobre o colo, não querendo abrir uma porta a

qual ele não se sentia confortável para compartilhar e encarei


minhas unhas.

Por alguns segundos, pensei que Conrad tinha se arrependido

de me levar até lá, mas não conseguia encontrar palavras para dizer
que eu estava feliz por ser a primeira ali.

Quando tentei formular uma frase decente, ele suspirou ao


meu lado, escorregou para a beira da cama e abriu a gaveta

embaixo da mesa.

— Já jogou videogame antes, né?

Até então, ali dentro, ele não havia me encarado, e continuou

assim quando colocou o controle no meu colo.

— Na verdade, não. — Ele riu e me olhou sobre o ombro.

— É sério?

— É. — Confirmei com a cabeça. — Nós não temos um

computador em casa, quem dirá um videogame. Outra que, minha


irmã não é muito disso, né? E eu prefiro passar o tempo lendo…

nunca senti a necessidade de aprender, e nunca tive ninguém para

ensinar.

— Ok. — Ele não me julgou, mas se aproximou e indicou os

botões. — Com esses, você anda, com esse você pula, esse você
bate. Na verdade, aperte esses aleatoriamente e veja o que

acontece.

— Certo. — Empolgada, me sentei na beirada da cama junto

dele e aguardei mais instruções.

Conrad me ajudou a escolher o personagem menos terrível do

joguinho de luta e me deixou ganhar a primeira rodada.

— Isso é injusto. Você me deixou ganhar! — O cutuquei com o

cotovelo, rindo.

— Não, claro que não. — Tentando ser sério, Conrad juntou as


sobrancelhas. — Vamos de novo.

Mas eu não era tão boba. Tinha usado a primeira vez para ver
que comando fazia o que, e via como Conrad combinava botões

para conseguir golpes com poder. Minha segunda rodada foi usada

para descobrir isso. Na terceira, eu realmente dei trabalho e ele

resolveu reagir. Dessa vez, ele não me deixou ganhar e, apesar de


ter entendido como funcionava, não tinha um décimo da sua prática.

— Você é espertinha, não? — Seu tom de voz me fez


mordiscar o lábio inferior e o encarei pelo cantinho do olho.

— Não era você que não tinha me deixado ganhar? Eu só

estou tentando fazer por merecer. — Virei o rosto, apoiando o


queixo no ombro, não fugindo dos olhos escuros que, naquele dia,
pareciam ainda mais sombrios. — O que foi que aconteceu?

Ele sabia do que eu perguntava e, perto demais, negou com a


cabeça.

— Você não vai querer saber.

— Você não sabe… — Eu queria tudo dele.

— Sei. E dessa merda, ainda quero te manter fora.

Conrad não foi desrespeitoso, nem grosseiro. Eu enxerguei em

sua fala, em seu olhar, nada mais do que proteção.

Ainda assim, continuei a encará-lo, e ele não cedeu.

— O que foi? — Tão próximo, senti sua respiração contra o


meu rosto e não me movi.

Minha pele toda arrepiou de uma vez, meus pés pareciam

formigar, e quando neguei com a cabeça, ele, tão lentamente quanto


podia, girou o corpo para ficar de frente para mim.

Eu era uma pequena mariposa naquele segundo. Conrad era a

luz que confundia meu radar. Eu queria chegar até a lua, mas havia
encontrado algo muito mais quente, mais brilhante, mais intenso e,
mesmo que me queimasse no processo, não conseguia desviar.
— Você devia corrigir sua mãe — apontei quando notei que ele
não ia se afastar.

— É mesmo? — Ele largou o controle do videogame e como


se pedisse permissão, me dando tempo de recuar, veio com a mão

sobre o meu pescoço.

Não me movi. Nem me atreveria.

— É.

— Por quê?

— Não suporto mais a palavra com A — respondi tão de


imediato que o fiz rir.

O meio-sorriso que Conrad abriu teria me derrubado se eu

estivesse em pé.

— Eu também não. Não mais. — Pouco a pouco, ele veio para


perto.

Seu nariz estava a cinco centímetros de distância, seus olhos

nos meus pareciam ter me enfiado em um transe sem volta, e eu


suspirei profundamente esperando pelo meu primeiro beijo.

— Red. — Ele ajeitou a mão em mim e seus dedos

acariciaram parte da minha nuca.


— Hm… — Meus olhos escaparam para sua boca.

— Você tem certeza disso? — Mais uma vez, ele colocava a


responsabilidade na minha mão, e só então eu recobrei a sanidade.

Depois daquilo, não teria volta. Depois daquilo, nada


conseguiria tirar Conrad Prince do meu sistema. Depois daquilo, não
importava quantos viessem, ele sempre seria o primeiro.

— Eu…

E a minha resposta, o nosso momento foi quebrado ao meio,


assim como o som do vidro se partindo na cozinha.

— Você não deveria estar aqui! — Ouvi Caroline gritar e então,

o olhar de Conrad se arregalou. Sua mão na minha nuca pesou.

— Scarlet, promete não sair daqui?

— O que tá acontecendo? — Tentei espiar, o som de uma voz


masculina que não era a de Conrad começou a xingar na sala, mas

o garoto de olhos escuros que parecia pronto para erguer uma


guerra, me chamou de novo.

— Não saia daqui. — Era uma ordem séria demais para

alguém de só dezesseis anos dar.

E eu era uma idiota por não conseguir obedecer.


Conrad se afastou e saiu do quarto tão rápido, que eu não
entendi o que acontecia até estar de pé, seguindo-o, preocupada.

— Vagabunda, a casa é minha! Acha que pode enfiar esse


bastardinho aí aqui dentro e brincar de casinha com as minhas
coisas? — Ouvir aquilo e ver a cena seguinte me desestabilizou por

completo.

Caroline estava encolhida na quina dos armários, sem ter para


onde fugir, e o homem que devia ser seu marido, padrasto de

Conrad, erguia a cadeira de assento azul para jogar nela.

O ar me faltou, eu quis correr, mas só consegui me encostar


contra a parede, assistindo a Conrad interferir para ajudar a mãe.

— Sai daqui, seu bêbado! — Conrad se jogou contra o

padrasto, recebendo o impacto da cadeirada. Ele aguentou bem,


mas sua careta de dor entregava que tinha algo errado.

— Moleque folgado, por que não manda aquele seu pai me

pagar para aguentar você e a puta da sua mãe? — E o homem não


parou. Com os punhos e pernas, mesmo alterado pela bebida,
atingiu Conrad como dava.

— Pare! PARE! Pelo amor de Deus! — Caroline se jogou entre


eles, ganhou um soco, empurrou o marido. — Ah, meu Deus! — Ela
agarrou Conrad, havia sangue em sua mão, eu quis gritar, mas mal

tive tempo.

No segundo em que o homem me viu, me tornei um alvo.

— E quem é essa putinha? — Ele cambaleou na minha


direção.

Eu não consegui correr, e para onde eu iria?

Juntei-me à parede, querendo ter algum poder mágico nas


mãos para me tornar parte dela, mas nada aconteceu. Ele lambeu

os lábios como se eu fosse suculenta e arrancou o cinto que prendia


suas calças com dificuldade. De algum modo insano, por nada, ele
queria me bater também e, por um triz, achei que faria.

Foi quando Conrad se jogou mais uma vez contra o homem.

Os dois caíram no chão aos meus pés e, finalmente, consegui


gritar.

Minha garganta ardeu, meu coração pareceu voltar a bombear

sangue, mas nada me preparou para ver Conrad tão descontrolado


sobre o outro, socando-o de uma forma quase animalesca.

— Você não vai tocar nela! — A frase saiu entredentes, quase

rosnada.
— Filho, pelo amor de Deus! — Caroline se aproximou para
tentar tirar o filho de cima do marido.

A coisa toda era tão caótica que, quando o padrasto parou de

reagir, Conrad pareceu se acalmar, empurrou a mão da mãe e me


encarou.

Havia vergonha, medo e raiva em seu olhar, mas nada disso


me afastou.

Assim que ele se levantou, me joguei contra ele, abraçando-o


com tanta força, tão assustada, que quando percebi, ainda estava
agarrada a ele, mas do lado de fora da casa.

Levou, pelo menos, meia hora antes de eu me afastar o


bastante para olhar para o seu rosto, e nele eu não consegui ler
nada. Com medo do que viria a seguir, grudei de novo a cabeça

contra seu peito e agradeci por ele não dar nenhum indício de que
iria me largar.

— Você… — sua voz saiu mais grossa e ele limpou a garganta

—... está bem? — Sua pergunta era baixa, dura, distante, ainda
assim, queimou nos meus ouvidos.

— Não. E você?
— Ninguém se importa. — De novo, a versão morta de Conrad
deu as caras e, outra vez, afastei o rosto de seu peito para poder

encará-lo.

Sem pensar muito, minhas mãos foram parar em suas


bochechas, meus olhos nos dele eram sérios, inquisidores, reais
demais para ele tentar ignorar.

— Eu me importo. Eu sempre vou me importar. — Minha voz


também não deixou dúvidas, mas ele não quis acreditar.

Conrad me largou, desviou o rosto do jeito mais brutal que

poderia fazer, e como se não se importasse, tentou me ferir.

— Vá em frente, Red. Vá embora e amanhã espalhe para a


cidade toda. A casa miserável que vive o Prince bastardo, conte o

que viu aqui…

Em um primeiro momento, aquilo me fez dar um passo para


trás, mas no seguinte, com as lágrimas queimando pelas minhas
bochechas, voltei a colocar as mãos em seu rosto e o obriguei a me

olhar, mais uma vez.

— Se você acha que eu faria algo do tipo, você não me traria


aqui. Acha que eu me importo com sua casa? Acha que vou te

abandonar depois de ver o que eu vi? Você só pode estar louco.


Você me conhece, Conrad. Você me conhece melhor do que
qualquer uma das pessoas com quem eu vivi nos últimos anos, e

não é isso que vai me afastar de você.

Os olhos dele estavam naquele modo em que eu não sabia


onde começava uma coisa e terminava outra. Conrad lia minha alma

naquele segundo e, mesmo assim, ele me testava.

— E o que vai?

— Você — soprei a resposta com tanta sinceridade que doeu.

— Só você pode me afastar agora. É isso o que quer? — Tão


próxima quanto podia estar, meu nariz quase roçava o dele e eu
estava na ponta dos pés, esperando desesperadamente por uma

resposta.

— Diga agora que me quer longe, que isso tudo foi um erro,
que vou embora nesse instante, mas não pense que isso tudo lá

dentro poderia me machucar mais do que ficar sem você.

— Você tem quatorze anos, Scarlet. — Eu odiei ouvir meu


nome naquele minuto. — Não sabe o que diz.

— Eu não sou criança! — Foi minha resposta raivosa.

Foi aí que tudo girou. Conrad me afastou e, mesmo no meio da


rua, mesmo evitando fazer isso por todo o tempo em que eu o
observava secretamente, Conrad tirou a blusa e eu vi o horror que

haviam feito dele.

Os braços tinham tantas marcas, tantos roxos, tantas


cicatrizes… E elas subiam pelos ombros, peito, abdome...

Meu horror não o conteve. Conrad, evitando olhar para o meu


rosto, girou, e então se ainda havia em mim alguma lágrima presa,
ela se soltou ali.

Suas costas eram marcadas na parte de cima com várias e

várias outras cicatrizes. Alguns machucados eram recentes e se


tornariam novas marcas muito em breve.

Aquilo não era obra de uma ou duas surras. Aquilo era a prova

de uma vida inteira de agressões. Era feio, doloroso, pesado.

E explicava muita coisa.

— Meu Deus — o protesto saiu baixo.

— Não há Deus nenhum nisso. — Foi a resposta mais dura

dele naquela tarde.

Conrad colocou a blusa e, visivelmente, abalado, tentou se


afastar de mim.

Ainda assim, me coloquei à sua frente e não o deixei seguir.


— Vai, Red. Você não precisa ficar por pena de mim. — Ele
evitou me encarar daquela vez, mas eu vi as lágrimas se
acumulando nos seus olhos.

— Não! — gritei, finalmente chamando sua atenção. Uma


única lágrima caiu pelo rosto dele. — Eu vou ficar porque eu amo
você.

E eu beijei Conrad Prince pela primeira vez, e diferente de tudo


o que eu havia imaginado para o meu primeiro beijo, aquele, em
particular, tinha gosto de cura.
scarlet

você está contando isso da forma como vê, como se a verdade


fosse o que você decide. algumas pessoas vão acreditar e algumas
vão ler nas entrelinhas.

skin, sabrina carpenter

Estava trancada no meu quarto, com os fones no ouvido,

impedindo qualquer ruído externo de me perturbar. Era quase meia-


noite, quase a hora da entrega dos trabalhos, e eu estava

aproveitando os últimos minutos dentro da minha bolha segura.

As cinzas do meu cigarro estavam indo para dentro do copo de

café vazio que eu tinha largado sobre a mesa, mas sentada na


cadeira do computador, com as botas apoiadas na cama, minha

mente não conseguia deixar de trazer uma sensação que achei que
havia sepultado dentro de mim.

Isaac tentou contato o dia todo. Precisei desligar o celular


quando ele sugeriu que eu queria beijar Conrad e isso o magoou.

Eu não queria mentir, mais uma vez, então esperei que o meu

silêncio me acobertasse da verdade, mas lá no fundo, esfregando


suavemente meu lábio inferior com os dedos, quase conseguia

senti-lo na minha língua.

Nosso primeiro beijo foi caótico, me senti no céu, fui guiada por
um anjo mesmo que ele estivesse no meio do inferno. E ainda que a

memória estivesse fresca como se eu ainda estivesse lá, conseguia


ver a linha onde minha lealdade a Conrad ainda teimava em existir.

Mesmo depois de tanto tempo, eu nunca tinha aberto a boca

sobre aquele dia para ninguém. Eu nunca contei sobre seus

segredos, sobre seus medos, sobre toda aquela loucura da qual ele

tinha vergonha.

Eu nunca o expus ao ridículo, nem faria. Não era o meu jogo,

ao contrário do dele.
A qualquer segundo, eu imaginava que ia abrir a porta e ter
alguma pegadinha me esperando, que ele me machucaria mais e

mais, até realmente não sobrar nada.

— Falta pouco — repeti para mim mesma no escuro e dei mais

uma tragada no cigarro.

A fumaça entrou pelos pulmões e, quando a segurei, senti o


corpo relaxando enquanto a música tocava suas últimas notas,

anunciando seu fim, anunciando que eu teria que me jogar de volta

à realidade caótica.

Pelo menos, ela tinha um prazo para acabar, e eu não gastaria

mais tempo com aquela loucura de família. Quando o relógio no

meu pulso vibrou às 23h50, apaguei o cigarro com mais força do


que o necessário na sola da minha bota, e pegando os papéis que

precisava, saí para a entrega daquela noite.

A Prince University tentava burlar o que eu fazia de todo jeito.


Cada trabalho deveria ser entregue em um determinado papel,
escrito à mão. Era uma sorte nem todos serem tão extensos. Era

por isso que eu sempre pedia dos meus clientes uma amostra de
suas letras e me esforçava para copiá-las. Chegou um tempo que

eu não sabia mais como era a minha própria letra, e talvez isso
tenha afetado minha personalidade em algum grau. Aquela
facilidade de me adaptar ao ambiente em que estava para

sobreviver tinha que ter algum limite, eu começava a desconfiar que


o meu estava próximo de me engolir. Ainda assim, cobri a cabeça

com o capuz, escondendo o cabelo, e sem a jaqueta dos Lions,


escondi os trabalhos embaixo da blusa e saí. Não tinha alternativa,

eu precisava do dinheiro, e foi essa a justificativa que repeti


mentalmente quando saí do meu quarto, feliz por não encontrar
ninguém do lado de fora.

O caminho pelos corredores foi rápido, quando cheguei até a

porta de entrada, que sabe lá Deus o motivo continuava aberta,


desci pela grama molhada tomando cuidado para não escorregar e
corri até o primeiro ponto de entrega.

O garoto dos Badgers, que já havia comprado comigo algumas

vezes, não falou nada quando me viu. Separei seu trabalho, ele me
passou o dinheiro e eu dei as costas em silêncio depois de conferir
o valor. Cinquenta pratas por cinco páginas de um resumo bem-feito

da Primeira Guerra Mundial com ênfase nos conflitos políticos e


uma bela crítica ao capitalismo. Eu devia ter cobrado mais.

A segunda entrega era para um garoto do outro lado do

campus. Na porta da pequena capela, ele me esperava fumando um


baseado e quando tentou se mover para ver meu rosto contra a luz,
quase gritou.

— Você não é namorada do filho do reitor? — Ele parecia em

pânico.

— Costumava ser, e é por isso que ninguém vai acreditar se


você abrir a boca, entendido? — Meu tom mais ameaçador saiu no
automático, e os olhos claros dele pareceram entender o recado.

Ele me passou o dinheiro, entreguei o trabalho e dei as costas sem


dizer mais nada.

A última entrega era no dormitório de uma garota que havia

ficado doente e eu não tive alternativa, a não ser entregá-lo em


mãos, dentro do prédio.

Eu a fiz jurar que estaria na frente do quarto, que não


precisaria bater, e assim que entrei pelo corredor, encontrei Peggy.

Ela era uma Bird, e apesar de parecer inteligente, era alguém que
sempre pedia ajuda extra bem no final do semestre. De tudo, eu não
podia reclamar. Minha taxa de urgência era alta, mas quase pensei
em ignorá-la para todo o sempre quando virei o corredor e a vi lá, de

camisola, cabelos soltos, bem-arrumada, acompanhada por Conrad.

— Eu juro que não sei, mas posso te ajudar nisso — ela


flertava baixinho com ele e eu quis vomitar. Era uma pena não
conseguir voltar pelo caminho que havia feito, já que pelo som dos

meus passos, ambas as cabeças giraram na minha direção.

— Caralho — xinguei baixo. Não dava para fugir.

Os olhos escuros dele pesaram sobre meus ombros e eu parei


no lugar.

— Você trouxe? — A garota alta girou o corpo na minha


direção e abriu um sorriso enorme.

Tentei realmente ignorá-lo e focar no rosto de Peggy.

— Uhum. — Droga, ela não podia ser mais discreta? —


Podemos ir até ali? — Indiquei o outro lado do corredor, longe dele,

para fazer aquilo.

— Ah, não se preocupe com Conrad, ele é meu amigo.

Por um mísero segundo, desviei o olhar para o rosto dele,


querendo ler sua reação.
Ele era mesmo amigo dela? Pela sua falta de expressão, eu
diria que não, mas e se fosse isso ou algo a mais? Meu peito
queimou. A vontade de picotar o trabalho dela virou um pequeno

monstrinho dentro da minha cabeça, mas me contive quando a vi


vindo na minha direção, balançando os cabelos castanhos,

parecendo no céu por ter a atenção de Conrad Prince.

Eu a invejei, e tive dó dela naquele segundo, porque eu sabia


exatamente como ela se sentia. Sabia exatamente como era a

sensação de tê-lo sob a pele e não conseguir escapar, mesmo com


muito custo.

— Achei que estivesse doente. — Meu tom de voz foi duro

com a menina.

— Estou melhor, graças ao Conrad… Peraí, vocês se

conhecem, não? Ele é, tipo, seu cunhado. — Eu não estava olhando


para ele, mas sabia que ele sorria em provocação.

— Ele não é nada meu. — Tentei ser o mais neutra possível.

Como eu poderia fazer aquela garota calar a boca e não contar

nada para Conrad?

— Mas eu fiz aquele nosso trabalho. Vim te trazer agora que

terminei, leia, faça algumas correções, se quiser, te encontro


amanhã na aula — falei alto para que ele ouvisse e não achasse

que tinha algo de errado.

— Nosso trabalho? — A garota olhou para mim e eu a encarei

como se fosse capaz de matá-la. — Ah, sim, nosso trabalho! — Ela


não sabia disfarçar. — Obrigada por fazer isso.

E burra o bastante para não entender que eu realmente não

podia me foder com Conrad mais do que já estava fodida, ela me


ofereceu o dinheiro na frente do desgraçado.

Fechei os olhos, aceitei, e jurei por Deus e todos os santos que


nunca mais aceitaria nenhum trabalho dela.

Quando dei as costas para Peggy naquela noite, sabia que as

consequências viriam, e tão certo quanto poderia ser, meu celular


vibrou antes mesmo de eu entrar no meu quarto.

Vendendo
trabalhos esta
hora da noite,
Red?

Não é da sua
conta.

Foi inevitável não responder.


Queria cortá-lo em mil pedaços.

Ah, mas tudo o


que você faz é da
minha conta.
Espere até meu
pai saber disso.

Minha garganta fechou lendo aquela mensagem. Precisei

parar no corredor e pensei em voltar para enfrentá-lo,


pessoalmente, mas sabe lá Deus onde ele estaria naquele minuto, e

depois de tudo, não queria ficar sozinha com ele. Não quando não

conseguia ter dimensão do que sentia, e como sentia, por Conrad.

— Filho de uma puta — xinguei, enquanto digitava a

mensagem.

O que você quer


para manter essa
merda de boca
fechada?

Está tentando
negociar, Red?
x
Como você disse,
é pegar ou largar
Quis morrer ao digitar aquilo.

Vou pensar em
algo divertido, não
se preocupe.
Continue
trabalhando na
ilegalidade,
combina com
você, trapaceira.

Se eu não precisasse do aparelho, naquele segundo, o teria

jogado contra a parede.

O ódio por Conrad ganhou naquele segundo, e precisei ser

rápida para voltar ao meu quarto e gritar contra o travesseiro todos


os palavrões que conhecia, antes de haver possibilidade de eu bater

em sua porta.

Por dois dias inteiros, eu vivi no limite da ansiedade.


Todo segundo, eu esperava algo ruim acontecer, fosse uma

mensagem de Conrad, fosse John me chamando até seu

escritório… Se ele fosse me expulsar, não acharia de todo ruim,

porém ficaria terrivelmente devastada por desrespeitá-lo depois de


tudo o que ele já havia feito por mim, ainda mais naquele momento

delicado.

Também descobri da pior forma que o remédio que ele havia

me dado tinha um efeito esquisito. Se eu começasse a estudar

depois de tomá-lo, aquele seria meu único foco, mas se minha

cabeça puxasse qualquer outra distração, ficaria presa nela, e


naquele minuto, eu estava arrependida de ter abusado da dose,

tomando um comprimido a cada quatro horas, para desperdiçá-lo

encarando o teto.

Na minha cabeça, eu já tinha tudo ensaiado. O bom e o ruim.

Eu só não imaginava ter que colocar algum deles em prática


naquela noite.

Não eram nem seis da tarde quando meu celular tocou e meu
estômago pareceu mais pesado que um saco de cimento quando

atendi a ligação de John Prince.

— Alô? — perguntei, esperando pelo tom de voz duro.


— Scarlet, querida. Como vai? — Consegui soltar o ar dos

pulmões quando notei o tom descontraído.

— Bem, e você? Precisa de algo? — Minha preocupação

tomou conta da ligação.

— Não se preocupe, estou perfeitamente bem. Escute, estou

ligando para saber se você tem algum compromisso esta noite.

Gostaria de chamar você e meus filhos para um jantar em família,


acha que pode fazer isso por mim?

Meu estômago que já estava pesado resolveu queimar.

— Hm, um jantar hoje?

Porra, quanto eu estaria na lista de espera para o inferno, caso


recusasse o convite de um doente?

— Acho que posso sim. — As palavras pularam da minha boca

ao mesmo tempo que o arrependimento subiu nos meus ombros.

— Ótimo. Espero você daqui a uma hora.

— Certo, até.

Quando a ligação encerrou, fiquei encarando o telefone como

se fosse um objeto alienígena. Que merda eu tinha na cabeça por


não conseguir dizer um simples e pequeno não? John Prince era um
cara ocupado o bastante para entender quando outras pessoas
recusavam convites feitos em cima da hora, certo?

— Merda — soprei o palavrão pulando para fora da cama e


indo para baixo do chuveiro, sabendo que não teria alternativa que

não fosse fazer o papel da garota agradecida e gentil, mesmo que

minha vontade fosse mandar meio mundo à merda naquele dia frio
de outubro.

Muito a contragosto, gastei algum dinheiro com o táxi e,

atrasada vinte minutos, adentrei a alameda da mansão Prince. A


copa das árvores estava alaranjada e mesmo sob a luz artificial das
luminárias do caminho, era bonito de se ver.

E eu já tinha passado estações demais dentro daqueles muros


para entender que, mesmo no inverno, quando tudo virava um
emaranhado de galhos pelados, eu ainda podia ver beleza ali.

Quando adentrei pela porta de vidro e cruzei a casa para


chegar à antiga sala de jantar dos Prince, decorada como anos
atrás, respirei fundo pela volta da memória a qual eu fugia sempre
que me via refletida no espelho atrás da mesa.

— Scarlet, filha. Bem-vinda. — Levantando-se, John abriu os


braços para me receber e eu fui abraçá-lo.

— Como vai? — perguntei, depois de abraçá-lo e beijá-lo.

— Bem. Sente-se onde preferir. — Ele indicou os três lugares


vagos. — Quem chega primeiro tem preferência de escolha.

— Isaac e Conrad vêm? — Foi impossível não perguntar

quando puxei a cadeira do seu lado direito, ficando de frente para a


entrada da sala.

— Estou chegando ao ponto da vida onde acredito que fui um

péssimo pai e um ótimo administrador. Veja, não te criei, mas cuidei


da sua vida, e você é a única aqui. — Ele serviu minha taça com o
espumante que estava bebendo.

— Bom, eu ainda sou menor de idade — avisei, vendo a taça


sendo enchida até a boca quase.

— E fuma e bebe desde nova, pelo menos, essa parece ser

uma tradição nesta casa e uma falha na minha administração. É,


talvez eu não seja nem bom pai, nem bom administrador. — Ele riu
sem graça.
— Não é verdade, você fez muito por mim. O apoio, a
acolhida…

— Era minha obrigação.

— Não. Não era. — Peguei a taça e dei longo gole, resolvendo


ser um pouco honesta. — Mas você cuidou de mim, mesmo que
isso tenha sido só uma contenção de danos.

O olhar que ele me deu foi o único que eu imaginava que não
ganharia.

John Prince parecia orgulhoso de mim.

— Era o que eu tinha para oferecer.

— E me salvou — admiti com o sabor do prosecco apertando


minha língua. — E sempre serei grata.

— Mesmo que não seja mais uma garotinha inocente, a qual


desconfio que você nunca foi, não é?

Meu sorriso para John o fez relaxar na cadeira.

— Ótimo. O que acha que errei como pai, se me permite


perguntar?

— Com qual dos filhos?


— Hm… Isaac primeiro? — Ele pegou sua taça, cruzou os
braços e esperou.

— Acho que seus filhos são muito parecidos, John. Os


defeitos… Nenhum dos dois gosta de esperar, nenhum dos dois
aceita ser contrariado. Eles odeiam a possibilidade de alguém

comandá-los, gostam de mostrar que são bons, não, que são os


melhores…

— E o que os difere?

— Os motivos para fazê-lo. — Era real, e foi duro ouvir o que

veio em seguida.

— É por isso que você se apaixonou por eles?

Ri sem graça, tentando encarar aquilo com uma leveza que

não tinha.

— Não. — Era uma meia-mentira. Era não para um deles, mas


pelo outro? Foi por isso e muito mais. — Conrad sempre esteve lá, e

Isaac... — Sorri, lembrando em como ele veio ganhando terreno, se


esforçando para conquistar seu espaço, sabendo que competia com
o irmão dia e noite, mesmo sem o outro estar presente. — Isaac fez

por merecer.
— Talvez eu precise conversar com meu filho, para saber

como fazer um relacionamento durar — ele brincou, mas eu não ri


daquela vez.

— Bom, no momento, não sei dizer o status do que temos…

— Você terminou com ele depois do que ele fez? Se sim, eu

não a julgo.

— Não conversamos — confessei.

— Porque ela não quis, que fique claro. — A voz de Isaac me

chamou para prestar atenção na porta.

Seus olhos estavam um pouco fundos, mas, de resto, meu não


sei se ex ou atual namorado, estava perfeito. A blusa de mangas

compridas de tecido fino se agarrava aos músculos dos braços, sua


barba estava começando a dar o ar da graça e os cabelos estavam
perfeitamente arrumados.

— E não será agora, na frente do seu pai. Olá — cumprimentei

e terminei com a bebida da minha taça.

Ele veio até mim e, por trás da minha cadeira, se curvou para
beijar minha bochecha.

— Olá. — Seu tom era carinhoso e imponente. Eu sabia que


não escaparia de uma conversa com ele naquela noite. — E oi, pai.
John se ergueu para abraçar o filho e indicou o lugar à sua
esquerda para que Isaac se sentasse.

— Conrad não vem? — ele encarou o lugar vazio e perguntou,

olhando para mim.

— Sei dele tanto quanto você. — Tentei meu melhor tom de


desprezo.

— Eu o convidei, mas se vai aparecer…

— Melhor que não venha — Isaac soprou, dando de ombros.

— É, falhei mesmo como pai. — John me imitou, zerando o


conteúdo de sua taça. — Vocês acham que devo esperar para servir
o jantar?

— Não — respondemos, eu e Isaac, ao mesmo tempo.

— Que seja, então.

E em um passe de mágica, o primeiro funcionário da casa


apareceu, trazendo mais bebida e as saladas de entrada.

A noite foi mais agradável do que eu jamais havia sonhado.


Todos falamos um pouco sobre como ia o torneio, John falou dos
filhos com orgulho, e na ausência de Conrad, alimentou o ego de

Isaac. Falei um pouco da minha jornada de estudos, expliquei que


estava querendo focar em melhorar minhas notas de novo e Isaac
contou as novidades do campus que o pai não sabia.

Falamos sobre música, esportes, a última viagem em família

que havíamos feito e, finalmente, sobre o meu avô.

— Você vai visitá-lo? — John perguntou.

— Estou tão relapsa… A última vez que o vi, foi pouco depois

do começo do semestre. Já faz um mês que não apareço. — A


culpa junto do álcool marejou meus olhos.

Eu deveria ser uma neta melhor, mas depois de tudo, como


poderia?

— Você é ótima, querida. Ele entende que sua vida é agitada


agora. Me deem licença por um minuto? — O patriarca Prince se
levantou e foi na direção do lavabo, deixando a mim e Isaac

sozinhos na mesa.

— Se quiser, amanhã não vou usar meu carro. Me ofereceria


para ir com você, mas terá um jogo em outra cidade, vamos jogar

contra outra universidade e, como você odeia isso e não vou poder
implorar para me acompanhar desta vez, acho que seria legal visitar
seu avô.

Dei um meio-sorriso e o olhei com carinho.


Sabia que Isaac fazia aquilo de bom coração.

— Obrigada. Acho que vou fazer isso mesmo…

— E quando voltar, podemos conversar?

Suspirei e deitei a cabeça para trás, não querendo lidar com


aquilo.

— Podemos — concordei e voltei a encará-lo. — Mas não

pense que isso é uma volta.

— Então terminamos, mesmo?

Era errado, mas só de pensar em não ter a segurança que


Isaac me proporcionava, meu estômago doía. Ainda assim, aquela

era uma falsa sensação, já que, desde a volta de Conrad, eu nunca


estava segura.

— Você quer uma afirmativa para sair galinhando por aí? —

Tentei brincar, mas o tom de voz dele era sério.

— Não. Quero fazer você ficar.

— Isaac… — Suspirei. — Preciso pensar.

— E eu vou te esperar. — Não era uma fala inocente, jogada

ou dita com compreensão.

Era uma decisão firme.


— Você… — Eu ia dizer que ele também podia usar seu tempo

para analisar a situação, mas ouvi a porta do banheiro destrancar e


soprei: — Estamos em um tempo, certo?

— E acabaremos com ele logo.

— Conversaremos sobre isso depois. — Ajeitei-me na cadeira


antes de John se sentar de novo.

— De onde paramos?

E o papo continuou normalmente, mesmo que os olhos de

Isaac não desgrudassem de mim.

Horas mais tarde, depois da minha sobremesa favorita ser


servida, John anunciou que precisava se recolher e Isaac disse que

me levaria embora. De qualquer modo, eu não recusaria a carona,


mas sabia que a viagem de meia hora seria cheia de uma conversa

que não sabia se queria ter. Para minha sorte, quando entrei no
carro, Isaac quis me comprar com memórias e todas as músicas
importantes do nosso namoro tocaram durante o caminho e eu não

consegui não cantarolar algumas melodias. Quando a mais


apaixonante delas começou a tocar, estávamos entrando no terreno
da faculdade e assim que ele parou na vaga de sempre, desligou o
carro, fazendo o som morrer e me fitou com os olhos brilhando.

— Eu sei o que você está tentando fazer… — Meu tom de voz

era baixo, e apesar do meu sorriso, era um alerta.

— Eu sei que você sabe, mas preciso te mostrar que temos


mais boas memórias do que ruins. Sei que falhei, e que vou falhar

muito mais, Scarlet, mas não quero desistir de você. — Ele suspirou
e, com cuidado, pegou minha mão que estava pousada no colo e,
entrelaçando nossos dedos, a levou para o seu rosto. — Por favor,

não desista de mim, ainda.

— Isaac… — Suspirei mais uma vez e recolhi a mão que ele


havia pegado, soltando o cinto de segurança e me ajeitando para

ficar de frente para ele. — Eu amo você, isso não se perde do dia
para a noite, mas realmente preciso de um tempo. Preciso
respirar…

— Acho que eu posso esperar — ele se moveu, me imitando

—, mas... — Seu corpo inclinou na direção do meu e nós dois


sorrimos. Era difícil dizer não quando ele assumia aquela postura e
parte de mim gostava muito daquela sensação de controle. Só por
isso, permiti que ele chegasse perto o bastante para tocar o nariz no
meu. — Não demore. Sinto muito sua falta.

E, se não fosse por Conrad, eu também sentiria a dele.

Se não fosse aquele maldito sentimento que eu não conseguia


fazer desaparecer ou controlar, nós ainda estaríamos dentro da
nossa bolha. Naquele segundo, não consegui dominar minha mente

e a memória do primeiro beijo com o Prince bastardo veio


alucinadamente. Ele chorava, eu chorava, nossas bocas se
chocaram e eu lembrava como se aquele fosse meu filme favorito

ao qual eu havia passado pelo menos um mês assistindo em


looping. Suas mãos na minha cintura, então uma delas no meu

rosto. O corpo quente grudado ao meu. O coração disparado, a


sensação dos lábios dele contra os meus, a naturalidade com que
nossas línguas se tocaram, a surpresa pelo sentimento de

pertencimento, a ausência do medo de errar, o instinto vindo do


encaixe perfeito, a descoberta do gosto, de como respirar, de como
viver depois daquilo…

Isaac estava perto demais, e de um jeito ruim, ele era minha


âncora.

Ele e nosso relacionamento eram meu lembrete do depois.


E quando dei por mim, quando os lábios do garoto loiro

roçaram nos meus, tentei expulsar Conrad do meu sistema e beijei


seu meio-irmão.

Beijei o garoto que permiti entrar, que se esforçou dia e noite


para ter sua chance, que batalhou contra a merda de uma memória

forte demais para ser superada e que agora voltava para nos
assombrar.

Naquele segundo, beijando Isaac, eu quis que desse certo.

Eu quis amá-lo acima de tudo, e por causa de tudo, mas não


era algo que eu pudesse comandar. O coração tinha suas regras e,
para o meu azar, o meu era insanamente louco e gostava do perigo,

ainda mais quando ele vinha acompanhado por um par de olhos


escuros mais profundos do que qualquer abismo.

— Isaac — interrompi o beijo quando percebi que ele

avançaria a base, e o empurrei com a mão em seu peito —, espere.

— Scarlet, por favor.

— Não é tão simples… — Não tive coragem de encará-lo.

— Eu já pedi desculpas. — E lá estava o garoto que não sabia

esperar.

O tom de voz frustrado me azedou.


— E eu estou tentando aceitá-las. Não deveria ter beijado

você. — Não parei para me despedir, virei o corpo para abrir a porta
e, do mesmo jeito que tudo tinha começado bem, terminava em

completa ruína.

Eu não entendia o motivo de querer chorar tanto.

Não entendia aquele sentimento de luto por alguém que ainda


estava vivo.

Mas sabia que, por causa do que sentia, se Isaac


desconfiasse, com certeza eu morreria para ele, e eu não tinha
certeza se conseguiria sobreviver sabendo que machucava a única

pessoa que se preocupou em me fazer inteira de novo, depois de


tudo o que havia acontecido.
scarlet

eu ainda escuto sua voz no trânsito, nós dois rindo por cima de todo
aquele barulho. deus, eu estou tão triste, sei que terminamos, mas
eu ainda te amo pra caralho, amor.

drivers licence, halocene.

Na manhã seguinte, em frente à porta do meu quarto, havia

um copo de café e a chave do carro em um envelope. O café já


tinha esfriado, mesmo assim, eu não o recusei. Era um pedido de

desculpas dele trazer a bebida, e foi um meu bebê-la.

Aquele outono parecia determinado a sugar qualquer gota

dourada de felicidade em seus dias molhados, mas, pela primeira


vez eu vi o sol ganhar força naquele outubro, e a primeira coisa que

fiz foi vestir uma das minhas saias favoritas. Ela era curta, preta com
riscas brancas, rodada e de cintura baixa. Junto de uma regata

simples mais curtinha que exibia meu piercing do umbigo, caso eu

me mexesse muito, joguei a jaqueta de couro por cima, coloquei as


botas mais pesadas que tinha no armário, e depois de tomar uma

das — carinhosamente apelidadas de — estrelinhas da

concentração, peguei minha bolsa, acendi um cigarro e desci para o


estacionamento.

O Tesla de Isaac estava estacionado no mesmo lugar de onde

fugi na noite passada, e eu precisei me livrar do cigarro antes de


entrar pela porta do motorista. Sorri ao ver dois pacotinhos de balas
de morango sobre o painel do carro.

Era mais um pedido de desculpas.

Depois de colocar uma bala na boca, ajustei o banco, os

retrovisores, coloquei o cinto e dei partida. O motor não fez nem um

mínimo barulho e eu agradeci.

Odiava dirigir e só fazia aquilo quando não tinha opção.

E por mais que inventasse um bilhão de histórias para justificar

meu problema com o volante, aquela era só mais uma coisa na


minha vida a qual Conrad tinha arruinado.

Ainda assim, eu não tinha outra opção naquela manhã. Me

adaptando aos vidros escuros, tirei o carro da vaga sem dificuldade

alguma e, quando passei pelo lugar que sabia que Conrad parava o

carro, espiei a vaga vazia um pouco decepcionada, um pouco

aliviada, e me senti idiota.

Será que existia alguma magia, algum feitiço, que pudesse

fazer aquele sentimento desaparecer? Será que um dia, de tão

machucada, eu só o olharia com o desprezo que ele merecia?

Esperava que sim, àquela altura, ele não havia me chantageado e

eu não sabia se era porque tinha esquecido ou porque estava

armando algo maior e mais maligno do que antes.

O rádio do carro me fez companhia por uma hora e meia de

viagem, e quando o GPS indicou o portão cheio de flores e plantas

ganhando as paredes da entrada, dei seta e subi com o carro no

caminho de pedras da entrada do asilo onde meu avô morava.


Estacionei na vaga mais próxima da entrada, peguei minha

bolsa e suspirei, reunindo toda coragem que havia dentro de mim


antes de descer.

Sentia-me uma neta relapsa, mas meu avô entendia que eu


tinha mudado. Ele não era do tipo de forçar, e eu sabia que, apesar

de tudo, sua vida naquele lugar era muito boa.

Ele tinha muitos amigos, vivia fazendo passeios, tinha


enfermeiros preparados para qualquer emergência, vinte e quatro

horas por dia, se alimentava bem e finalmente podia descansar de


uma vida cheia de trabalho e perdas.

Quando avisei na recepção que estava ali para vê-lo, o


recepcionista me pediu um minuto e enquanto eu rodava pelo

saguão, foram avisar meu avô. Levou ao menos vinte minutos até
alguém dizer que eu podia seguir para o quarto dele, e sabendo

onde era, não precisei de ninguém para me guiar.

Vovô não tinha os joelhos tão bons quanto quando era novo, e

eu sabia que ele às vezes acabava dormindo na sala da nossa


antiga casa porque tinha dores para subir as escadas. Ali, seu

quarto era no térreo, e para ajudar, agora ele usava uma bengala
vez ou outra.
Quando bati na porta de seu quarto e a abri um pouquinho,

coloquei a cabeça para dentro e me anunciei:

— Cheguei…

— Entre, menina. — Vovô, apesar de tudo, não havia mudado.

Ele ainda era o militar de coração mole que eu amava e que

nunca sabia direito como começar uma conversa, mas que


demonstrava em atitudes o quanto se importava.

Com a permissão dada, passei para dentro do quarto,

analisando tudo em volta e segui até a varandinha. Meu avô estava


sentado, de pijamas, enrolado em um roupão azul que quase não
fechava em sua barriga redondinha. Curvei-me para beijá-lo e enfiei

o nariz em seu cabelo, aspirando o cheiro de sabão. O jeito dele


retribuir foi dando dois tapinhas no meu braço.

Afastei-me e ele me deu uma boa olhada.

— Como estão as coisas?

— Um pouco corridas…

— Sente aqui. — Ele bateu com a bengala na cadeira ao seu


lado e eu me sentei. — Já almoçou? Vão servir daqui a pouco.

— Não — neguei. — O que vai ter hoje?


— Algo melhor do que sopa enlatada. — Ele ainda se
lembrava e eu sorri.

— Perfeito.

— Você sempre avisa quando vai vir, por que não fez isso
hoje?

— Ah… — Olhei para frente, para vista bonita que o terreno


verde e cheio de árvores tinha, tomando coragem de contar para o

meu avô o que precisava. — Eu só quis vir. Precisava te ver —


encarei minhas mãos no colo e brinquei com a chave do carro —,

não quero falhar com você mais do que já fiz.

Ele ergueu a mão e a girou no ar, como se eu falasse alguma


besteira.

— Pare com isso. Você é boa, é jovem, precisa superar o


passado e viver sua vida.

— Não é assim, vô.

— É assim, sim. Nada vai mudar o que aconteceu, não é


mesmo?

— Não. — Nada mudaria, estávamos partidos para sempre.

— Então siga em frente.


— Até gostaria, mas Conrad está de volta.

Ele suspirou, me encarou e ficou em silêncio por um tempo.

— Eu já sei — vovô assumiu aquilo com tanta naturalidade que

eu me engasguei.

— C-como?

— Ele veio aqui. — Foi a vez dele encarar a paisagem.

— E? — Meu timbre foi agudo.

— E nada, falei para o menino que estava tudo bem.

— Quando foi isso?

— Acho que meia hora antes de você chegar.

Minha mente entrou em pane.

— Espere. Você está dizendo que Conrad Prince esteve aqui,

hoje?

— Sentado nessa mesma cadeira. — Ele fez que sim com a


cabeça. — Ele foi minha visita da manhã.

Um misto de raiva, incredulidade e revolta se apossou do meu

peito.

— Achei que ele estivesse proibido de te ver.


— Eu posso estar velho, mas ainda estou lúcido. — Ele tocou

com a ponta dos dedos na cabeça. — John Prince pode mandar na


sua vida enquanto você deixa, mas não manda na minha. O garoto

não é um monstro.

Ele não sabia do que falava.

Vovô estava ficando doido!

— E eu não acho que nem ele, ou você, deveria se culpar pelo

resto da vida pelo que aconteceu.

— Eu não me culpo. — Tinha mágoa na minha voz, e eu não

entendia o motivo.

Como assim, meu avô estava perdoando Conrad?

— Se culpa sim, menina. E cuidado, quando contamos uma

mentira muitas vezes, passamos a acreditar que ela é a verdade.

Eu não tinha o que responder.

Eu não conseguia responder.

Minha garganta ganhou um nó, meu estômago parecia prestes

a colocar todo o café que eu tinha tomado para fora, minha cabeça
doeu.

— Vô…
— Quer ir pensar? Eu não planejo sair daqui tão cedo.

O bichinho me conhecia de cima a baixo mesmo sem conviver

comigo diariamente, há mais de três anos. Eu precisava pensar,


precisava entender e, quem sabe, confrontar Conrad para saber que

tanto ele foi encher meu avô.

Será que ele tinha ido atrás de perdão mesmo?

Será que ele realmente tinha se redimido?

— Eu volto para te ver. — Foi o que consegui dizer quando

abracei meu avô.

— É bom que volte mesmo, menina. — Dando mais tapinhas

carinhosos nos meus braços, ele me liberou para ir.

E achando que não podia ficar pior, saí do quarto meio tonta,
fora de mim, até chegar à beira do corredor, de frente para a

recepção, e dar de cara com Conrad.

Não tá nem dando uma cuspidinha, né, universo? O dedo no

meu cu vai entrar no seco — pensei.

— O que você faz aqui? O que veio falar com meu avô? — eu
o ataquei sem pensar duas vezes, e ele, que estava de costas, me

olhou sobre o ombro com tanto desprezo naqueles olhos pretos que

quis arrancar minha própria pele.


— Está com a chave daquela merda de carro aí? — Ele não

estava no melhor humor.

Sua voz fez minha pele se arrepiar e eu concordei com a

cabeça.

Ele suspirou, virou de costas para o balcão e mirou o chão por

um segundo antes de decidir me pedir algo.

— Preciso de uma carona.

Oi?

— Quê?

— Ficou surda? Eu preciso de uma carona. — Não havia um


pingo da evolução que meu avô fez propaganda, dois minutos atrás.

— E o que faz você pensar que vou dar? — Seus olhos


engoliram minha resposta atravessada e ele sorriu daquele modo

cruel ao qual eu odiava.

— O que te faz pensar que pode recusar qualquer coisa que


eu pedir? Ou esqueceu que eu sei do seu esqueminha sujo?

Engoli o nó em minha garganta, sentindo ser rasgada por


dentro.
— Vamos logo, eu não posso me atrasar. — Conrad desviou o

olhar do meu, a mandíbula marcada, o mau humor exalando de

cada poro.

E ele foi para fora, não me dando alternativa a não ser ir atrás.

Conrad desceu as escadas com as mãos no bolso da jaqueta

de couro. O símbolo da serpente em suas costas me causou nojo.

Ele estava no lugar certo mesmo, era uma víbora venenosa. Suas
botas pesadas fizeram barulho contra os pedregulhos do caminho e

ele me olhou sobre o ombro para ver se estava atrás dele.

Gostaria muito de não estar.

Quando viu que eu o obedecia, vi a sombra de um sorriso em

seus olhos antes dele voltar a me ignorar e ir em direção à porta do


motorista.

— O que pensa que está fazendo? — perguntei, indo para o


mesmo lado que ele.

— Acha mesmo que vou deixar você dirigir? — A arrogância

em seu tom me fez querer socá-lo. — Vamos, passe a chave logo.

— Não posso. — Engoli em seco. — Isaac vai me matar se

descobrir que você dirigiu este carro.


Aquilo só tornou ainda mais divertido para ele.

— Em quantas línguas você quer ouvir que não me importo

com isso, Red? — Era nítido que ele se divertia. E com a mão

esticada na minha direção, voltou a me apressar. — As chaves.

Encarei os dedos, agora tatuados, ainda tão brancos e bonitos

quanto antes, e suspirei.

— Você é um lixo — soprei antes de me dar por vencida. —

Aonde vamos?

— Para a cidade. — Ele não podia parecer mais entediado.

— Cadê seu carro? — questionei, querendo saber mais e ele

revirou os olhos, impaciente.

— Está parado não muito longe daqui. Preciso de um guincho,

alguma merda aconteceu, acho que meu radiador furou. Vamos logo

ou quer passar o dia todo aqui? — Bufando, o garoto de cabelos


escuros agitou os dedos, pedindo outra vez a chave.

— Vai me contar o que veio fazer aqui?

— Talvez. Vai me dar o que em troca?

— As chaves.
Conrad recolheu a mão, girou para ficar com o corpo de frente
com a porta e apoiou os punhos em cima do carro. Sem me encarar,

ele cumpriu com sua parte.

— Vim pedir desculpas para a única pessoa nesta cidade a

qual eu devia alguma coisa.

— Então meu avô não enlouqueceu… Você realmente veio

fazer isso. Uau. — Soltei um riso cheio de ironia. — Não sabia que

você era capaz de sentir remorso.

A cabeça dele deitou um pouco para trás, e diferente de antes,

Conrad me mediu pelo canto do olho. Seus lábios se entreabriram

um pouquinho, e depois dele os umedecer com a ponta da língua,


abriu um sorriso maligno.

— Parece que temos a mesma opinião um sobre o outro. Por


que está com o carro do meu irmão hoje? Deu a boceta em troca da

chave, já que vocês não são mais um casal? — Ele queria me


ofender como o troco por se sentir ofendido.

— Não só a boceta, idiota. E você não sabe se somos um

casal ou não, inclusive, não é da porra da sua conta. — Dei um


sorrisinho irônico. Se ele queria me pintar como uma puta, que
fosse, não me importava mais. Ou, pelo menos, não deixaria ele ver
que me afetava. — É bom você não causar nenhum acidente. —
Joguei a chave na direção dele com força, queria que pegasse na
cabeça e o machucasse, mas Conrad foi rápido ao mover o braço,

pegando a chave no ar.

— Existem algumas coisas que não mudaram, uma delas é a


minha mira. Então tenha cuidado, Red, você é um alvo muito fácil de

atingir.

Quando ele entrou pela porta do motorista, todo meu corpo


doeu, mas era pegar ou largar, eu não tinha escolha, ou até tinha,
mas queria pagar para ver.
conrad

apenas me dê tempo e espaço para perceber que você estava


ocupada mentindo, dormindo com outros caras. e o que diabos a
gente era? não me diga que éramos apenas amigos, isso não faz

muito sentido. mas eu não estou magoado, estou tenso porque eu


vou ficar bem sem você, querida.

friends, atlantic

— Então, você voltou mesmo com meu irmão tendo te feito de

palhaça? — perguntei, assim que manobrei o carro para fora do

estacionamento. Aquilo seria insuportável, o cheiro cítrico dela


estava forte demais para ignorá-la ali dentro.
— Eu já disse, não é da sua conta. E nós não vamos para a

cidade? É para o outro lado. — Scarlet parecia disposta a me evitar


o máximo que podia, mas ciente de que talvez eu devesse fazer o

mesmo, não conseguia evitar, ainda mais com ela vestida daquele

jeito.

Ainda que ela mantivesse suas pernas juntas, o comprimento

da saia não escondia muita coisa e minha imaginação não perdoou.


Era uma distração e tanto, e precisei me repreender porque aquele

dia estava completamente fora de mão.

— Tem uma cidadezinha aqui pra cima, mais próxima. Não vou
ficar mais do que meia hora com você, Red. Não adianta implorar.

— Ela bufou, cruzando os braços e as pernas, balançando o pé


erguido, completamente desconfortável enquanto encarava a janela,

na tentativa de me ignorar.

Eu planejava visitar Charlie Wright assim que coloquei os pés

em Edimburgo de novo, mas com toda a merda de produção, o

drama familiar e todo o resto, eu simplesmente o deixei passar. Foi


depois da ligação do meu pai, na noite passada, dizendo que

Scarlet iria até ali, que vi que não poderia adiar mais. Saí o mais

cedo possível para não precisar cruzar com ela e fui até seu avô

para que qualquer coisa que ela fosse lhe contar, não influenciasse
sobre quem eu era agora. Naquilo, eu tinha dado sorte. O velho
parecia feliz de me ver, e além de me achar homem por voltar e

pedir desculpas por arruinar sua família, me concedeu seu perdão.

O que ainda pesava na minha cabeça eram suas últimas palavras

para mim naquela manhã.

— Acho que Scarlet também precisa dessa conversa com você

— o senhor que não se levantou nem mesmo para se despedir de


mim, disse quando eu ia saindo pela porta.

— Perdão? — Voltei a encará-lo, sem entender.

— Minha neta. Aquela pela qual você invadiu minha casa uma

vez às três da manhã, se lembra?

— Acho que tem algo de errado aqui. — Voltei para dentro do

quarto e fechei a porta. — Scarlet, ao contrário do senhor, se

vendeu ao meu pai. Me virou as costas, me repudiou…

— E isso você tirou de onde? — Ele suspirou diante do meu

silêncio. — Filho, escute esse velho, minha neta sofreu muito com

tudo o que aconteceu, mas ela te esperou.

E por causa daquela fala, do respeito que eu tinha por aquele

homem, eu quase pensei em sentar com ela e perguntar se era

verdade a fala de seu avô. Quase mesmo.


O término com Isaac era um sinal de que ela não era

completamente vendida, ou se era, algo tinha mudado, mas assim


que eu a vi com o carro dele, toda e qualquer vontade de tentar

descobrir o que havia acontecido foi quebrada.

— Pode ir mais devagar, por favor? — A voz de Scarlet me

puxou de volta para a realidade.

Quando vi, ela tirava a blusa de frio e abria um pouco o vidro.

— Não posso, estou com pressa. — Olhei em volta na pista


pelos retrovisores e, me aproveitando do piloto automático do carro,
tirei as mãos do volante para acender um cigarro.

— Não faz isso aqui! — Ela bem que tentou me impedir, mas

fui mais rápido, afastando o cigarro dela, abrindo minha janela


também.

— Ou o quÊ? Fala sério, você não fuma mesmo perto dele?

— Ele odeia o cheiro — ela lamentou. — E diz que peguei


essa merda de vício de você.

— E foi?

Pela primeira vez, eu a encarei com o muro baixo. Os olhos

verdes se perderam nos meus.


— Não… — Meio trêmula, em um tom baixinho, sua mentira

me fez sorrir.

— Tem certeza? — Não tirei os olhos dos dela, tragando meu


cigarro e soltando a fumaça pelo nariz enquanto a analisava

intensamente.

— Não restou nada de você em mim, Conrad…

— Nada? — instiguei só por diversão.

— Não. — Ela endireitou a postura, tentando se recuperar.

Aquilo só me atiçou ainda mais. — Temos raiva, ódio e decepção no


cardápio. Algo mais? — Era verdade que aquilo existia, mas não era
só, senão ela não pressionaria as coxas uma contra a outra, ou sua

pele não ficaria arrepiada como estava, nem seus mamilos


marcariam daquele jeito contra a blusa.

Mordisquei o lábio quando a medi de cima a baixo. Até onde

aquilo iria?

Era inevitável, meu corpo todo respondia quando Scarlet

estava perto.

Sentia o coração acelerado, o tesão batendo tão forte que meu


pau ficava pesado na calça, mas sabia que aquilo era tudo
alimentado pela maldita tensão por um passado mal-acabado, por
um sentimento mútuo corrosivo.

Nós nos odiávamos e aquilo era intenso demais para o cérebro


compreender totalmente.

Traguei algumas vezes, acabando com metade do cigarro em

segundos e fiz questão de jogar a fumaça ali dentro, fingindo prestar


mais atenção na estrada do que nela, até então.

— Me conte, como é conviver todo santo dia com uma cópia


inferior e mal-feita de mim? — provoquei, vendo pela visão periférica

os olhos dela mudando da minha boca para os olhos em um ritmo


lento.

Era bom ver que eu não era o único sofrendo o efeito daquela
atmosfera desgraçada, já que nem as janelas abertas ou a fumaça

do cigarro fez o cheiro dela ficar menos delicioso.

— Isaac não tem nada a ver com você. — Foi a vez dela
avançar. Scarlet ficou tão próxima a mim que sua respiração bateu
contra meu rosto. Sua voz era macia, orgulhosa, ela queria me

machucar também. — E acredite, ele é muito melhor do que você


jamais foi, do que jamais será um dia. — E aquela provocação foi

demais.
Meus olhos escaparam para o visor do GPS. O lugar que eu
precisava ir ficava a cinco minutos de caminhada, e do que faria, eu
realmente precisaria caminhar.

Sem pensar duas vezes, desliguei o piloto automático, dei seta

e parei no acostamento.

— O que está fazendo? — ela me perguntou, mas já era tarde.

Soltei meu cinto e o dela. Scarlet não se moveu, paralisada


pelo medo, ou pelo choque, também não resistiu quando a peguei

pela nuca.

Grudei sua testa na minha, a respiração dela pesou. Não a


julguei, pois, estava igual.

Seu corpo era quente, seu hálito ainda tinha o mesmo cheiro
de morango de antes.

Hipnotizante, fodidamente tentador.

— O que você disse? — Estava furioso de um modo

inexplicável.

Fui de 0 a 100 como o motor do carro.

— E-eu — ela gaguejou —, você sabe.


— Repita. — Embrenhei os dedos melhor no cabelo de sua

nuca e a imobilizei, forçando Scarlet a olhar nos meus olhos. — Se


tiver a mínima coragem, repita o que disse — ordenei entredentes,

vendo suas pupilas dilatando.

Ela arfou.

— Conrad... — era quase uma súplica.

— Repita. — Trouxe seu rosto mais para perto do meu, e

parecendo tomar coragem, ela suspirou e, com tanta raiva quanto

eu, cuspiu as palavras:

— Você é inferior, Conrad. Você é mau. — Seus olhos

encheram d’água, mas ela resistiu. — É cruel. É terrível. Seu irmão

é muito melhor que você como amigo, como namorado, como


parceiro. Como pessoa. — Ela me esbofeteou sem se mover. — Me

fodendo, me beijando e me amando…

E eu não deixei que ela terminasse.

Irracional, envenenado, girei o corpo de Scarlet e a coloquei

sentada no apoio de braço entre os bancos. Puxei suas costas para


o meu peito e com a mão esquerda, a imobilizei pelo pescoço.

Toquei sua coxa nua com a mão livre e ela não se moveu. Seu
coração batia alucinadamente, e eu senti sua veia pulsando contra
os meus dedos.

Aproximei a boca de sua orelha e rocei os lábios por ela, rindo

para provocá-la.

— Se eu sou tão podre assim… — Mordisquei o lóbulo, ela

mordeu o próprio lábio. Minha mão deslizou pela pele lisa, subindo
para baixo da saia curta. Ela fechou os olhos, engolindo com

dificuldade, apreensiva. — Por que é que você não grita? Por que é

que não foge?

Ela não disse nada, nem se moveu. Entendi que não era a

fuga que ela queria.

— Sabe por que você não vai me pedir para parar? —

Avancei, tocando a parte interna de sua coxa, sentindo a pele

quente, sabendo que aquilo era o mais puro combustível para mim.
— Porque, Red — avancei com os dedos sobre a calcinha e sorri,

vitorioso, quando senti o fundo quente, absurdamente úmido, contra

meus dedos —, você é tão podre quanto eu.

Ela segurou o gemido que daria quando a massageei sobre o

tecido preguiçosamente. Deslizando os dedos sobre seus lábios

inchados, decidido a fazê-la perder o controle, ergui a saia e vi o


tecido branco, visivelmente molhado. Não houve uma conversa, um
pedido, mas ainda assim, ela ergueu o quadril e eu abaixei a

calcinha. Havia maior consentimento que aquele? Eu duvidava.


Tirando a peça de roupa dela com sua ajuda, larguei o pedaço de

pano em cima do banco e, afastando bem suas coxas, deslizei a

mão por seu monte liso e escorregadio, me sentindo duro feito


pedra por vê-la daquele jeito pela primeira vez na vida.

— Caralho, Red… — rosnei com a boca contra sua bochecha

e ela arfou quando, com o dedo anelar e o médio, a abri ao meio e


esfreguei toda sua extensão.

Ela estava tão encharcada que mal tive atrito fora o clitóris
inchado, implorando por atenção. O corpo de Scarlet estava tenso,

seu quadril dançou procurando alívio contra minha mão e eu apertei

ainda mais seu pescoço antes de me ajeitar no banco para ter

acesso a ele com a boca.

O cheiro da sua pele junto do da sua boceta naquele carro

fechado me nocauteou.

Mordisquei a pele clara, lambi e a chupei com força,

marcando-a propositalmente enquanto voltava ao seu clitóris. E

como se ela fosse o instrumento mais fácil do mundo de ser tocado,


eu a masturbei.
— Geme pra mim, Scarlet. Geme, como a putinha que você é

— exigi dela, mas aquilo a desgraçada não quis me dar com

facilidade.

Sua boca entreabriu, ouvi quando arfou e senti sua mão que

estava apoiada na minha coxa me apertando com força. Ela tentou

resistir, e talvez, se eu não fosse tão baixo, ela teria conseguido,


mas minha mão escorregou de seu pescoço e envolveu seu seio

esquerdo sobre a blusa. Ele coube na minha mão perfeitamente e,

sentindo o piercing contra o tecido, eu o apertei e estimulei, ao

mesmo tempo em que meus dedos tocavam o ponto inchado dela


com mais intensidade.

Ela tentou se segurar. Deitou a cabeça para trás, mordeu o


lábio, mas nada ajudou. Quando lambi do pescoço à base de sua

orelha, Scarlet abriu a boca e gemeu alto, tão gostoso que eu seria

capaz de gozar só de ouvi-la daquele jeito.

Sem vergonha, sem conseguir se conter, ela jogou a toalha e

colocou a mão sobre a minha que estava em seu seio, me fazendo

apertar mais forte. Aquela não era uma ordem para eu recusar. O
rosto dela veio para o meu. Scarlet buscou minha boca no meio

daquela insanidade e eu quase, por muito pouco, tendo visão do

seu rosto no meio do prazer, cedi.


O cabelo era selvagem, as mechas descoloridas envolviam a

face cheia de sardas, de bochechas vermelhas e sobrancelhas


claras. Seus olhos fechados, os cílios longos, a boca inchada de

tanto ela morder, o nariz fino e empinado com o piercing prateado

de argola… Tantas mudanças e ela ainda era a garota que tinha me

quebrado.

Consciente do que fazia, tentado demais para deixar passar,

peguei minha dose de pecado e mordi seu lábio com força. Ela
quase gritou, mas desistiu quando escorreguei dois dedos para sua

entrada e a invadi sem cuidado algum.

Ela deu um gritinho contra minha boca e deitou a cabeça para


trás. Seu lábio rasgou entre meus dentes e o gosto do seu sangue

preencheu minha língua. Ainda assim, não parei. Ajeitei seu corpo

no meu colo de modo que conseguisse estimulá-la por dentro e


quando meus dedos encaixados dentro dela começaram o atrito

contra a parede interna, Scarlet choramingou algo ininteligível.

— Eu vou fazer você gozar aqui, Red. Vou entrar tão fundo na

sua mente que você nunca vai me tirar de lá, não adianta para onde

tentar correr.

— Não…— Isso eu ouvi muito bem.


— Quer apostar? — Meu tom de graça não atingiu.

Ela estava em outro planeta naquele segundo, assim como o

meu juízo.

Suas pernas estavam escancaradas, seu corpo suado, sua

boceta pingando. O barulho que ela fazia contra os movimentos da


minha mão era a única coisa além dos seus gemidos, e quando seu

ventre começou a se contrair, ela ficou tão apertada que tentou

expulsar meus dedos. A garota no meu colo se desesperou.

Eu tinha certeza de que o bostinha egoísta do meu irmão

nunca a tinha feito gozar feito um homem de verdade, mas lá estava

eu, mostrando que era superior em tudo, inclusive, na cama.


Quando a pressão do jato interno de Scarlet me empurrou, foi quase

profano ver a garota que eu pensei um dia ser um anjo, gozando


daquele jeito.

— Caralho! — O grito dela foi quase rosnado conforme, sem


conseguir se controlar, ela molhava tudo.

O vidro, o banco, o chão.

Eu a mantive nos meus braços só até seu corpo parar de

tremer, extremamente satisfeito por deixá-la daquele jeito, encarei


seu rosto ao vê-la abrir os olhos e levei os dedos molhados com o
gosto dela até a boca e os chupei.

— Quase melhor que o gosto de morango. — Ela piscou


algumas vezes, não acreditando no que via. — Que desperdício,

Red.

E então, parecendo se dar conta do que havia acontecido, ela


me empurrou.

Foi uma pequena confusão para ela voltar ao seu lugar, mas
conseguiu. Olhando para baixo, morta de vergonha, sem entender o
que tinha acontecido, se apertando contra a porta do carro para ficar

longe de mim, o arrependimento estava escancarado em seu rosto.

O personagem que ela tentou sustentar estava quebrado.

Quis rir daquilo.

Aspirei uma última vez aquele cheiro, sabendo que minhas

bolas ficariam doloridas, e abri a porta do carro.

— Ah, antes que eu me esqueça — sentindo sua bunda contra


as costas da minha mão quando a enfiei atrás dela, peguei a

calcinha e a girei no ar —, isso é meu.

— Conrad… — Ela tentou, mas claramente estava uma


bagunça.
— Fique tranquila, Red. Isso foi só uma amostra para te
mostrar que sim, em muitas coisas, eu sou superior ao meu irmão.
Seja sendo cruel, seja sendo o melhor que você um dia vai chegar

perto. — O sorriso no meu rosto era difícil demais de dissolver. —


Aproveite para se lembrar disso quando for encontrar com ele. Eu

sou melhor em tudo, e as provas estarão para sempre aqui. —


Indiquei onde ela havia esguichado. — Aproveite as fodas medianas
com Isaac, Red. Até mais.

Quando desci do carro, não demorou dez passos para ouvir o

grito dela.

Era raiva, frustração, mas também compreensão.

Ela me queria. Ela viria até mim. E eu aceitaria, não por querer

machucá-la, mas porque não via a hora de me enterrar nela.


scarlet

sentimos a vibração. amor, você vem dar um passeio? quando eu


olho em seus olhos, só quero te segurar a noite toda.

meet me at ot our spot, willow

cinco anos antes

— Você pode me passar o vermelho? — perguntei, sentada no

alto da escada, encarando a parede que havíamos começado a


pintar naquele verão.

Fazia exatamente sete dias desde que eu havia beijado

Conrad.
E há exatos sete dias, nós só nos desgrudávamos para dormir,

e ainda assim, a troca de mensagens até o sono ganhar era


intensa.

— Depende, o que vou ganhar com isso? — Conrad ganhou


minha atenção junto de um sorriso.

— Como é? Esqueceu que estou trabalhando de graça aqui?

— Indiquei toda a pintura.

— Não é de graça. — Orgulhoso, ele piscou.

— Ah, não? — questionei, quando o vi escalar a escada para


ficar entre minhas pernas. O rosto na mesma altura do meu, as

mãos apoiadas nas minhas coxas, as borboletas imaginárias

voando dentro de mim e em volta de nós. Como eu poderia resistir?

— Não. — Convencido, ele se aproximou. — Seu pagamento é

ter tanto tempo livre comigo. — Sua voz quase se transformou em

um sussurro quando os olhos mais negros que a noite mirou minha

boca.

— Você não acha que é um pouquinho folgado? — ponderei,

depois de um grande suspiro, me afogando no cheiro peculiar de

Conrad, sabendo que quando me afastasse dele, não conseguiria


pensar em nada além de chegar até a manhã seguinte para
encontrá-lo.

— Acho. — Ele continuou encurtando a distância até sua boca

estar contra minha. — Isso é um problema, Red?

Aquele apelido em sua boca fazia todo meu corpo se aquecer.

Ele e as mãos de Conrad em mim. Suas mãos e a boca. Sua

língua na minha.

Nem em mil anos, pensei que aquilo pudesse ser tão bom,

mas era. Na verdade, era melhor. Macio, quente, intenso. O beijo de

Conrad parecia fazer surgir uma espiral dentro de mim e tudo me

consumia, inclusive, o desconhecido.

Meu corpo formigava, quase doía, queimava. Eu queria que

ele me tocasse, que me abraçasse, que se apertasse contra mim, e

quando avancei, trazendo mais seu rosto para o meu e o abracei

com as pernas, fui brecada.

— Hey — ele chamou minha atenção. — Não sou de ferro. —


Rindo, ele afastou o quadril do meu e eu evitei olhá-lo, sentindo

minhas bochechas fervendo, sabendo que devia estar vermelha

como um pimentão.

— Eu… desculpe. — Não tinha muito por onde fugir.


Eu sabia que Conrad já tinha saído com muitas garotas, e que

provavelmente fez sexo com algumas delas. Ele tinha muito mais
experiência do que eu, e por mais que adorasse beijá-lo, e algum

dia quisesse que ele fosse meu primeiro em outras coisas também,
naquilo eu concordava com ele. Quatorze anos parecia cedo demais
para uma experiência daquela dimensão.

— Você não tem culpa. Na verdade, nenhum de nós tem, mas

é o que eu te disse…

— Tudo tem seu tempo — repeti o que ele disse da primeira


vez em que me colocou contra a parede e eu fiquei com medo das
expectativas dele sobre mim.

— É… — Não consegui olhá-lo e Conrad, visivelmente

desconfortável, suspirou e se afastou um pouco.

— Red, quer falar sobre isso? Meio que, é química… — Meu


constrangimento foi embora e eu caí no riso.

— Química?

— É o que temos. E o que acontece aqui — ele tocou a


têmpora com os dedos médio e indicador —, quando você quer

muito ficar com alguém…


— Eu tive educação sexual. — Fiz com que ele parasse com

aquele papo constrangedor. — Eu sei o que acontece, só… A gente


pode mudar de assunto? — Engoli em seco, não porque fosse

tímida demais para falar sobre sexo, mas sim porque a ideia de falar
sobre sexo com Conrad não era nada confortável.

— Não estava falando de sexo, Red. — Ele riu, pronto para


descer. — Estava falando sobre química.

A provocação em seus olhos me pegou de jeito, e quando dei

por mim, tinha passado o pincel no rosto de Conrad, deixando uma


risca vermelha em suas bochechas e nariz.

— Mas, que porra? — Ele ficou sem fala por meio segundo,
me olhando de boca aberta, sem acreditar. — Espera aí, que você

vai sair daqui realmente vermelha.

Conrad começou a descer e eu, rindo no desespero, desci


junto.

— Não, não, não! — gritei, meio rindo, pulando em suas costas


antes de ele alcançar o balde de tinta, impedindo-o. Ainda assim,

Conrad girou comigo presa a ele, e quando conseguiu se soltar, me


segurou na sua frente e passou o rosto sujo na minha blusa,

pescoço e contra o meu rosto também.


— Ridículo! — reclamei com a boca dele contra a minha,
segurando seu rosto.

— Abusada. — Foi um sussurro baixo feito com um sorriso nos


lábios, mas foi o bastante para me render.

Conrad me beijou de novo, da forma mais apaixonada

possível, comprovando que me queria mesmo, só parando quando


ficamos sem fôlego.

— Você é um veneno, Scarlet — ele me alertou quando


afastou o rosto do meu. Conrad me encarou com uma das

sobrancelhas erguidas e com a expressão séria, respirou fundo e


concluiu: — Seu efeito começa devagar, pequeno o bastante para
ser ignorado e, de repente, está espalhado por todo canto,

corroendo tudo por dentro.

— Está me dizendo que sou perigosa? — Quis rir.

— Estou dizendo que é perigosa para mim. Ou que eu sou


para você agora que não posso deixá-la ir. — E ele me abraçou de
novo.

Colei a testa na de Conrad, puxando-o pela cintura, e fechei os

olhos, feliz por aquele pequeno segundo de paraíso nosso.


— Estou disposta a correr o risco. — Subindo as mãos para
abraçá-lo, passei sem querer pelo caminho machucado e notei
quando seu corpo se enrijeceu de repente, claramente incomodado

pelo toque.

— Porra — ele xingou baixo e negou com a cabeça.

— Me desculpe. — Afastei as mãos rapidinho dali e encarei


nossos sapatos. — Está doendo?

— Não tanto. — Conrad se mantinha de olhos fechados e eu

esperei.

Quando ele os abriu, eu soube que nosso tempo ali tinha


acabado.

— Pegue suas coisas, vou te deixar em casa…

Ele não me soltou de forma brusca, e senti como se tivesse se

enfiado em uma redoma de vidro a qual eu precisaria quebrar, e foi

isso o que fiz.

Suavemente, conforme o carro avançava pelo asfalto, me

aproximei de Conrad e apoiei a cabeça em seu ombro, ficando em


silêncio enquanto o pôr do sol beijava a cidade. Em alguma hora,

ele amoleceu só com o contato e beijou o topo da minha cabeça, me

fazendo sorrir. Graças a isso, não segurei minha boca.


— O que vai fazer depois de me deixar?

— Levar o carro até a casa do meu pai e, provavelmente,

dormir lá. Amanhã é dia de almoço em família. — Seu tom de voz

estava mais maleável. — Por quê?

— Porque vou conseguir dormir em paz, sabendo que você

terá uma noite segura.

— Red… Você pode esquecer o que viu? — Era a segunda

vez que ele me perguntava aquilo.

— Não. — Ergui a cabeça e apoiei o queixo em seu ombro

quando Conrad parou o carro em um semáforo. Seus olhos escuros

pesaram nos meus.

— Você precisa esquecer.

— Você se esqueceria se fosse comigo?

— Não, mas é diferente. — Ele olhou para frente, visivelmente

incomodado. — Não tenho escolha, Red. Não tenho como deixar

minha mãe sozinha lá…

— Posso tentar ajudar — observando-o, ofereci.

Conrad riu de um jeito triste, então me fitou e, ignorando que o

sinal havia ficado verde, pegou meu rosto com ambas as mãos e me
segurou como se fosse a coisa mais preciosa do mundo conforme

se aproximava.

Eu me perdi nas ônix brilhantes que eram seus olhos.

— Será que você realmente ainda não entendeu? — Seus

polegares acariciaram minhas bochechas.

— O quê?

— Qualquer pessoa, seja homem ou mulher, que não souber

apreciar um bom romance deve ser insuportavelmente estúpido [5]

— ele citou Jane Austen mais uma vez. — E eu não sou idiota, Red.

Você é toda a ajuda que preciso. Você é o meu lugar seguro.

Quando ele me beijou daquela vez, foi diferente.

Tinha sim aquela paixão adolescente louca, tinha sim toda a


intensidade que só Conrad Prince parecia capaz de carregar, mas

havia mais, e eu não sabia o que era, só que estava disposta a

enfrentar o universo todo para proteger.


conrad

oh, a miséria. todo mundo quer ser meu inimigo. poupe a simpatia,
todo mundo quer ser meu inimigo.

e n e m y, i m a g i n e d r a g o n s .

Que porra eu tinha feito? Com toda a certeza, eu seria

massacrado no tribunal das boas almas, mas não havia sequer um

pingo de arrependimento. Sentado no banco do carro, atrasado por


mais de uma hora, já que meu carro precisou de um conserto que

me levou uma boa grana pela urgência, estava com a calcinha já

seca na mão e deslizei os dedos pelo tecido. Olhando em volta,


conferindo se não seria pego, me lembrei da cena de horas atrás e

precisei fechar os olhos e respirar fundo para me controlar.

Era inevitável, como a colisão entre dois carros

desgovernados, não reagir à memória da visão de Scarlet se


contorcendo nos meus braços, não conseguindo lutar contra, me

permitindo deixá-la daquele jeito… Seu cheiro era outro problema,

qualquer dose dele seria insuperável, e depois de prová-la daquele


jeito, de sentir seu gosto agridoce ganhando minha língua, tudo o

que conseguia pensar era a próxima vez que a teria daquele jeito.

Não.

Da próxima vez seria melhor, mais intenso.

Eu a faria gritar, implorar para eu não parar.

E não haveria gentileza.

— Conrad? — Ouvi de longe a voz da minha mãe e abri os

olhos a tempo de voltar a guardar o tecido pequeno no bolso da


jaqueta. — Finalmente, filho.

Não demorou para minha mãe entrar pela porta do carona e eu

a cumprimentei com um abraço apertado, recebendo seu beijo na

bochecha esquerda.
— Foi mal, mãe. Meu carro deu problema, por isso me atrasei.
— Me afastei, girando a chave na ignição.

— Não tem problema. — Ela parecia feliz naquele conjunto de

saia e camisa azul. — Liguei para o corretor quando percebi que

teríamos problema com o horário e ele remarcou. Podemos pegar

as chaves na imobiliária e… — Minha mãe entrou em um monólogo

profundo e longo, mas minha mente só pescou algumas palavras.

E enquanto isso, minha mente vagou pelas esquinas,

pensando em como eu e Scarlet corremos aquelas ruas quando

mais novos, limitados, cegos, idiotas… será que se ela soubesse do

futuro, teria vivido o passado?

Será que teria me deixado entrar sob sua pele? Será que teria
permanecido mesmo vendo toda a merda que eu já carregava

naquela época? Pelo nosso encontro de mais cedo, eu podia jurar

que sim, mas naquele ponto, quem era eu para julgar?

O ódio bateu firme quando me lembrei dela naquele carro.

Era um claro sinal de que Isaac ainda estava no radar, que ele
ainda a queria, mas eu esfregaria com tanto gosto em sua cara que

Scarlet nunca lhe pertenceu mesmo comigo longe que, só de

imaginar o que faria mais tarde naquele sábado, não pude deixar de
ficar ansioso. E fumando em toda oportunidade, aproveitando os

momentos em que minha mãe entrava e saía de possíveis casas


futuras, acabei cedo demais com meu maço de cigarro e, no meio

de uma visita, precisei voltar para o carro para pegar mais.

Abri o porta-luvas, vendo o maço fechado bem ao lado da

chave e repensei sobre mudar o caminho daquela tarde. Bem


naquele momento, meu celular apitou.

Já temos mais
produto?

Meu pai era um canalha mesmo.

Peguei material
novo hoje. Até
quarta devo ter
algo.

Ótimo. Me deixe
informado.

A ideia de visitar o velho galpão foi engolida de repente.

De um segundo para o outro, a vontade de ir até lá evaporou.


Se eu precisava seguir odiando Scarlet. Se precisava de força

para não pensar na possibilidade de perdão para nenhum deles, me


conectar com velhas memórias não era a melhor opção.

— Conrad, eu gostei muito dessa — mamãe me chamou da

porta e virei-me para vê-la, com meu cigarro na boca. — Não quer
entrar para ver?

Analisei toda a estrutura externa da casa. As belas portas de


vidro cheias de detalhes brancos que não permitiam ver o interior

direito eram bonitas. O jardim bem ajeitado, a garagem tinha um


bom tamanho e depois de uma boa análise e algumas tragadas,

neguei com a cabeça.

— Você gostou?

— De todas, esta foi a que mais me agradou. Não é tão perto

da cidade, mas não me importo de andar… — parecendo insegura,


ela argumentou.

— Então eu vou pagar por ela — falei com os olhos no rosto


da minha mãe e esperei ansiosamente ela processar a informação.

Pouco a pouco, o sorriso quis ganhar seu rosto, mas ela o tapou.

— Conrad, como?
— Eu posso, mãe. Não pergunte como, só acredite, eu posso.
— Ela veio até mim, para me abraçar e chorar, e eu quase fiz o
mesmo.

Só nós dois sabíamos o valor de ter um teto seguro.

Só nós dois tínhamos noção do que significava não ter medo

de ficar na rua.

Só nós dois entendíamos o alívio de deitar e descansar sem

precisar acordar ao som de qualquer barulho no escuro.

E por tudo aquilo, por todos os anos de dor, a segurei firme e


soprei baixinho em seu ouvido:

— Conseguimos, mamãe. Este será o nosso lugar seguro.

Aquela era, de longe, a minha maior conquista.

Morrer no dia seguinte não seria um problema, desde que ela


ficasse bem.
Depois que minha mãe conseguiu parar de chorar, assinou
alguns documentos, acertou com o vendedor como seriam os
próximos passos e veio feliz da vida para o carro.

— Vamos almoçar fora? Eu pago hoje. — Comemorando, ela

segurou a bolsa contra o peito e fechou os olhos apoiando a cabeça


contra o banco do carro.

— Sério? Estou com saudade da sua comida — resmunguei,

mas segui o caminho do seu restaurante favorito.

— Acha que agora vai poder vir dormir comigo alguns dias?

— Se você voltar a cozinhar, aposte com isso. Vou ter um


espaço na garagem?

— Na garagem, na sala, na cozinha. Onde você quiser, meu


filho. É a nossa casinha. — Encantada, minha mãe bateu no meu

ombro com carinho e riu do nada, para o nada, como se não

houvesse momento mais feliz em sua vida.

— E como vai ser descer para o trabalho? Aliás, você ainda vai

querer trabalhar? — Curioso, olhei para ela de canto. — Eu já disse

que você não precisa mais. Já tenho o suficiente para cuidar de


você.
— Conrad, filho — acariciando meu rosto, minha mãe sorriu

gentilmente e negou com a cabeça —, não quero ser um peso.

— E nunca seria, mãe.

— Mas errei muito com você, meu menino — mamãe lamentou

em um suspiro.

— Você fez o que podia — rebati.

— O que foi muito pouco. Se eu pudesse ressuscitar aquela

mulher para…

— Não, mãe… — Balancei a cabeça, evitando que aquelas

memórias me pegassem. — Não pense nisso agora.

— Seu padrasto também. Como eu pude deixar que ele te

machucasse por tanto tempo?

— Porque tinha que ser, porque o pai que eu tenho seria capaz

de me colocar para dentro, mas te deixaria na rua, e eu nunca

deixaria você para trás. Você é a única que nunca mereceu nada

disso. Agora, se não quer acabar com nosso dia feliz com mais
memórias fodidas, podemos mudar de assunto?

— Certo. — Ela limpou as bochechas, afastando as lágrimas.


— Você tem razão. Essa casa nova, esse passo, é só a certeza de

que o futuro é adiante, e não vai se construir olhando para trás, não
é? — Confirmei com a cabeça. — Ótimo. Vai ser ótimo me mudar,

assim Philip não vai mais me incomodar.

Minha mente girou em vermelho.

— E ele tem feito isso? — Ela notou a mudança no meu tom

de voz.

— Eu te disse… A vida dele é deprimente, Conrad. Acho que é

Deus, punindo-o por tudo o que fez…

— Não conte com a justiça divina nisso… — Se Deus se

importasse, tinha me poupado de duas costelas quebradas, dedos

luxados, surras de fivela de cinto e muitos olhos roxos quando mais


novo. — Se ele voltar a te procurar, me avise.

— Não se preocupe, ainda mais que agora, com esse passo,

tudo ficará ainda mais enterrado no passado.

Demorei alguns minutos para engolir aquilo.

— Tem razão. É nosso tempo de prosperar.

E o assunto cheio de pesar foi encerrado com minha mãe

perguntando como eu gostaria do meu quarto novo.

Nosso almoço foi leve, deixá-la em casa com a promessa de

que voltaria para ajudá-la a empacotar tudo me deixou


verdadeiramente feliz, e quando voltei para o carro, pronto para

voltar para a universidade, recebi mais uma mensagem.

Tá sabendo de
hoje? Vai rolar
uma festa pré-
Halloween.

Era Thomaz.

Não fazia
ideia.

Ótimo. Sua sorte


é que Bella já
cuidou de tudo.
Até depois.

Carreguei sozinho, discretamente em uma mala, boa parte do

material que usaria para a produção das Supernovas e das Stars, e


quando coloquei tudo para rodar, parei observando o pequeno

ambiente, sendo chamado para o caderno de capa preta em cima


de uma das mesas como se ele fosse um ímã. Eu o havia deixado

ali, escondido, como um tesouro que não deveria ser descoberto,

mas, mais uma vez, meus dedos correram aquelas páginas e eu só

segui o curso de analisar os desenhos um a um.

Minha única vontade de devolver aquilo era para descobrir o

que Scarlet pintaria em seguida, e quando meus dedos terminaram


de rodar as páginas com desenhos, lembrei-me de como era bom

naquilo, de como nunca mais me atrevi a desenhar desde que a

ação me lembrava ela e nosso projeto juntos.

Ainda assim, para o plano perverso daquela noite, eu

precisava voltar a tocar naquela memória, naquele dom secreto que

escondi sob uma pilha de outros hobbies. E enquanto minha


produção ia a todo vapor, busquei os lápis que havia comprado

quando a ideia do que faria bateu na cabeça e tratei de me esforçar

para forçar o traço ser o mais próximo do dela.

Se era um empurrão que ela precisava para se livrar do meu

irmão e cair no meu colo, era isso que eu daria.


— Pare de se mexer, porra. — Bella beliscou meu braço

enquanto eu brincava com o isqueiro na mão. Sentada no meu colo,

ela que já havia pintado a si e a Thomaz como caveiras, fazia o

mesmo em mim.

— Você sabe que vou esquecer essa merda e vou me coçar

alguma hora — resmunguei, provocando-a e ganhei mais um


beliscão.

— Se você borrar todo esse meu trabalho espetacular, mato

você. — Seu sorriso perverso era pura brincadeira, mas qualquer


um que ouvisse seu tom de voz e não a conhecesse, acharia ser

verdade. — Estou quase terminando, fique parado só mais um

pouquinho.

Seus dedos esfregavam tinta preta por todo lado e eu

imaginava o estado da minha toalha de banho depois que tentasse

me livrar daquilo. Sem camisa, tinha tinta por todo meu torso, braços
e mãos, preta para a ilusão de falta de carne, branca para delimitar

o desenho dos ossos.

Suspirei pesado, evitei encarar Bella tão perto e enquanto

Thomaz fuçava na minha estante, esperei ansiosamente ela acabar


o que fazia.

— Pronto! — ela comemorou, batendo palmas. — Eu sou

muito boa mesmo.

O engraçado era que Bella tinha tanta segurança daquilo que

não importava se alguém dissesse que estava uma merda. Na


verdade, ela provavelmente faria a pessoa derreter só com um

olhar, mas ainda assim, aquilo nunca abalaria sua autoestima.

— Ok, levanta, vai ver no espelho. — Saindo do meu colo, ela


me pegou pela mão com cuidado para não estragar seu trabalho e

eu obedeci. Fitando o meu reflexo, o dela e o de Thomaz, agradeci

a Bella com o olhar e girei para roubar um dos cigarros de Thom.

— E aí, vamos? — Ele foi para a porta.

Confirmei com a cabeça e, sem ser muito discreto, ergui a mão


e peguei o blackbook que estava no alto da estante.

— O que é isso? — os dois perguntaram ao mesmo tempo.

— Isso? — Não consegui conter meu meio-sorriso. — Bom,


isso — sacudi o caderno no ar — é uma bomba, meus amigos. E
estamos atrasados para vê-la explodir.

Meus amigos se entreolharam e, atiçados pela minha ideia de


vingança, foram logo para a porta.
— Bella — eu a chamei, sério, e enquanto Thomaz saía, ela
me encarou.

— O quê?

— Tenho um favor para pedir, posso?

— Depende… vai causar confusão? Se sim, estou dentro.

A festa era um mimo da faculdade para os alunos. Feita no


subsolo, a entrada era por um alçapão de onde a luz negra saía
acompanhada da música alta. Qualquer conversa ficou impossível

naquele volume, mas eu não precisei abrir minha boca. Quando


botei o pé para dentro daquele lugar, vendo o tamanho, o agito e a
confusão de corpos, fui notado mesmo sob toda aquela tinta. As

fantasias eram as mais variadas. Garotas se vestiam da forma mais


sexualizada que eu já tinha visto, os garotos não pareciam tão

preocupados, e sabendo que tinha ido ali para causar, assim que
meus olhos acharam Scarlet e Isaac naquele caos, o caderno pesou
na minha mão.
— Vamos para o bar! — Bella gritou, cutucando meu ombro e
indicando o amontoado de gente. Como era cedo, apesar de não
conseguir tirar os olhos dela, fui junto da garota morena que, assim

como eu, não tirava os olhos do seu alvo.

— Seu irmão tentou vir de zumbi? — minha amiga desdenhou.


— E o que Scarlet está vestindo? É uma versão de pernas da Ariel?

De top, minissaia e uma bota plataforma azul, de um tecido


que brilhava muito, os cabelos ruivos estavam presos em duas
marias-chiquinhas baixas, ela também tinha aquele mesmo tecido

enrolado nos pulsos e dançava sensualmente em volta do meu


irmão.

Com toda certeza, ela tinha bebido, já que o copo em sua mão

estava pela metade e o sorriso no seu rosto era de alguém que não
se lembrava daquela manhã.

— Não faço ideia. — Dei de ombros, não querendo admitir que

a ver daquele jeito me incomodava.

— Bom, seja como for, aquela graça vai acabar rapidinho.

Parando no bar, cada um de nós tomou três shots de bebida e


fomos para longe. O plano precisava ser colocado em prática e

enquanto Thomaz reuniria um grupinho para brincar de verdade ou


desafio, Bella atrairia o projeto de casal que era Scarlet e meu meio-
irmão.

Não levou mais de vinte minutos até a rodinha estar formada


no fundo do salão com uma garrafa no chão. Meu irmão e sua
namorada apareceram para participar e só depois disso que me

aproximei, ficando bem de frente para a garota que ainda não tinha
me visto e batia palmas, animada, enquanto outra menina que eu
não conhecia abria a boca para receber bebida.

— VIRA, VIRA, VIRA! — era o coro animado em volta e


quando a menina tirou o rosto, ganhando um banho de álcool, todo
mundo riu.

Foi naquele segundo que peguei a garrafa e ela me viu.

Seus movimentos morreram aos poucos, mas Scarlet era


inteligente o bastante para não dizer nada. Quando girei a garrafa e
ela parou exatamente onde eu queria, entendi que era o destino me

incentivando.

— Ora, ora… — Foi inevitável não sorrir de canto para


provocá-los.

Era lindo ver a insegurança expor seus tentáculos e abraçar


Isaac e Scarlet.
— Seu…— Ele ia me xingar, mas Scarlet apertou seu braço,

fazendo com que Isaac se calasse.

— Verdade ou desafio, Red? — flertando abertamente com ela


enquanto fazia a pergunta, prendi seus olhos nos meus, querendo

forçá-la a se lembrar do que havia acontecido mais cedo.

— Verdade. — A resposta veio depois de alguns minutos


pensando.

— Ótimo. — E então, ergui a mão escondida nas minhas

costas, exibindo seu blackbook. — De quem é este caderno e o que


tem dentro dele?

Ela engoliu em seco, me encarando como se eu fosse o maior

filho da puta do mundo.

— Eu…

— Se mentir, sabe que eu posso mandá-la fazer o que eu


quiser, não é? — me gabei e vi o ódio brilhando em seu rosto.

— É meu. São meus desenhos. Você os roubou.

— Não roubei — me defendi. — Eu só peguei emprestado,


mas estou devolvendo. Amei ver seus desenhos sobre mim da

primeira vez, queria ver como eles estariam depois de tanto


tempo…
Ergui a mão e encarei Isaac, sabendo que meu irmão cairia na
minha armadilha e antes que os dedos de Scarlet sonhassem em se
erguer, seu namorado arrancou o caderno da minha mão com muita

brutalidade.

Eu só sorri.

A plateia em volta de nós estava animada acompanhando


aquela briga silenciosa.

O olhar de Scarlet em mim era de descrença antes de se virar


para Isaac.

— Você desenhou isso mesmo? — O tom de incredulidade do

meu irmão enquanto ele passava as páginas era palpável.

— Eu… — Ela tentou se defender, mas ele chegou até a última


página.

— Scarlet, que porra é essa? — A agressividade dele me fez

querer socá-lo, principalmente quando Isaac girou o caderno e


quase o enfiou na cara de Scarlet. Até dei um passo para frente,
não entendendo aquele instinto protetor surgir.

Ela encarou a página, o meu desenho de mim cheio de “quero


você” escritos, como no primeiro desenho do caderno.
— Não fui eu que fiz isso! — indignada, ela gritou e me
encarou. — Você é podre, Conrad!

— Podre é aquele Tesla horrível de dirigir. — O choque no

rosto de Isaac chegou com força e eu me diverti muito. — Não


acredito que meu irmãozinho ainda não sabe que você me deixou
dirigir hoje cedo… Ele já sentiu o… — Os olhos dela se arregalaram

quando percebeu que eu entregaria o que havia acontecido, e me


surpreendendo, Scarlet voou para tentar me bater, mas um dos

garotos amigos do namorado a segurou pela cintura.

— Uou, a leoa tem garras — fiz graça e a plateia riu. Eu ri


também, mas ela parecia prestes a me matar, assim como meu
irmão, que olhava de mim para ela, não sabendo em que acreditava.

— Scarlet, isso é sério? Você…

— Não! Para, não! Eu não sinto absolutamente nada por esse


desgraçado, Isaac. Eu não fiz nada… — Ela engoliu a mentira. —

Por favor, não quero brigar aqui, não quero mais isso. — Ela ia
chorar. Estava quase…

— Não sente? Você jura? — provoquei.

— Conrad, seu filho da puta… — Meu irmão se virou para

mim, direcionando toda sua raiva.


Eu adorei.

— Peça para ela me beijar, então, e veja com seus próprios

olhos se ela mente ou se sou eu que estou mentindo. Você não


conhece sua namorada? E sobre seu carro, aquele detalhe
quadrado do painel é meio zoado, não? — provoquei ainda mais e

ele não se aguentou.

Pegando Scarlet pelos ombros, ele a fitou sério. Ela parecia


com medo, mas não resistiu.

— Você vai beijá-lo.

— Não — ela se negou.

— Vai. Vai beijá-lo agora, e se eu desconfiar que gostou…

— Não me peça para fazer isso! — ela gritou, tentando trazer

meu irmão para a racionalidade. — Eu não quero beijá-lo!

— Mas você vai.

E eu fiz o próprio Isaac colocar Scarlet na minha frente, sem


opção.

Seu peito subia e descia rápido antes mesmo de eu tocá-la.


Seus olhos queimavam nos meus. Vi sua pele se arrepiar e os
mamilos marcarem no top colado.
Meu corpo vibrou. Eu a queria.

— Eu te odeio — ela sussurrou para mim, fazendo questão de


que eu sentisse sua raiva vibrar em cada letra dita, e mesmo com a
música alta, eu ouvi e senti perfeitamente.

— É assim que se ganha uma guerra, Red…


scarlet

e lá estamos nós outra vez, quando ninguém precisava saber. você


me manteve como um segredo, mas eu te mantive como um
juramento, oração sagrada, e nós juramos que iríamos lembrar

disso tudo muito bem.

all too well, taylor swift

cinco anos atrás.

— Isso não vai causar problemas? — cogitei quando Conrad

desarmou o alarme do carro já com a mão na maçaneta.


— Só se não conseguirmos sair antes do meu pai notar que fiz

isso de novo, ainda mais com este aqui… Seu novo Maserati é o
brinquedo favorito do momento. — Abrindo a porta para mim, ele

indicou com a cabeça para que eu entrasse logo.

O carro vermelho, bonito e com cheiro de novo me abraçou

quando entrei e fiquei ligeiramente incomodada com aquela

sensação, mas não tive muito tempo para processar, já que Conrad
escorregou pelo capô para assumir o lado do motorista e em menos

de dois minutos estava na estrada.

Em silêncio, sem música, ele forçou o motor e quando o carro


acelerou quase sem fazer barulho, o garoto de olhos escuros

pareceu decepcionado. Me segurei na porta quando ele forçou o pé


um pouco mais, com a noite caindo e a estrada vazia, usei de toda

minha fé em Conrad para confiar de que ele não nos mataria só por

estar frustrado com o carro que valia mais que minha casa.

Em geral, aquele dia tinha sido esquisito. Mais cedo, com

Isaac por perto tentando puxar assunto, Conrad não pareceu feliz
quando me viu nos bons termos com o irmão, mas eu realmente

acreditava que todo mundo merecia uma segunda chance e que,

impondo limites, alguma hora o garoto ia cair em si e se afastar de

mim com segundas intenções.


Minha irmã era outra que parecia começar a desistir de me
ignorar. Deve ter sido realmente doloroso para Susan entender que

eu e Conrad éramos algo, mesmo que sem um título. Eu ouvi seu

choro antes de dormir nas noites em que Conrad me levava até a

porta de casa e sabia que não devia ser fácil. Eu mesma, se

estivesse no lugar dela, não conseguiria ser tão boa. Ainda assim,

mesmo com a sensação de que a qualquer segundo ela me afogaria


na tigela de cereal com leite, aos poucos ela começava a falar pelo

menos o mínimo comigo e eu achei que, em breve, com aquela

evolução, poderia começar a trazer Conrad para dentro de casa.

Pensando sobre aquilo, aproveitei a decepção de Conrad com

o carro e dei um suspiro profundo.

— Nós vamos ficar muito? Vovô me deixou ficar até às vinte e

uma na rua, graças a sua promessa de me levar para casa.

— Não se preocupe, vou cumprir com a minha palavra. Só

quero que você conheça melhor meus amigos. — O desejo era

genuíno e, por um minuto, apreciei a inocência de Conrad em achar

que aquilo teria alguma liga.

Eu não tinha o mesmo apreço por seus amigos como tivera por

ele nos últimos anos.


Para mim, Thomaz era só cruel e desinteressado demais no

resto do mundo, já Bella… Ela era a representação de tudo o que


me deixava insegura, até porque eu sabia que a amizade dela e de

Conrad ia além do convencional.

Lembrava-me perfeitamente de vê-lo beijando a garota de

cabelos escuros e isso não fazia meu coração se acalmar, ou as


coisas ficarem mais fáceis. Na verdade, como eu não tinha ninguém

e estava acostumada com aquilo, não entendia a necessidade de


Conrad ter aqueles dois já que, em toda a cidade, eles eram

considerados péssima companhia, mesmo que os pais tivessem


dinheiro o bastante para bancar toda a educação possível.

— Como vocês se conheceram? — Tentei procurar alguma


linha que fizesse sentido.

— Estudamos juntos desde sempre, meio que aconteceu. E,

apesar de tudo, somos meio parecidos.

— Não te acho cruel. — Foi mais forte do que eu e quando

botei os olhos nos dele, notei o desconforto.

— Então, talvez você ainda não me conheça totalmente. — A


sugestão dele revirou meu estômago.

— Ou você se veja pior do que realmente é.


O silêncio pesou entre nós e eu encarei a estrada pela janela.

— Está longe?

— Não muito.

E, menos de cinco minutos depois, Conrad diminuiu a


velocidade e parou no acostamento.

— Agora precisamos andar.

Sem questionar, tirei o cinto de segurança e não esperei por

ele para abrir minha porta.

Atravessei a frente do carro até ele e, levando embora minhas

inseguranças sobre nós naquele segundo, Conrad pegou minha


mão e entrelaçou nossos dedos. Erguendo-as, ele beijou o dorso da

minha mão e suspirou contra meus dedos.

— Sei que eles não são o melhor exemplo da boa moral, mas
são os amigos que me acolheram quando precisei, e que estão
comigo mesmo com toda a merda que você sabe. E acredite, eles

não sabem de tudo como você. Eles nunca viram…

— Suas marcas?

— Sim — ele afirmou.

— Mas eles sabem o que acontece?


— Sabem. — Concordou com a cabeça, me deixando
indignada. — Também entendem que não há nada que possa ser
feito.

— Podemos matar seu padrasto e esconder o corpo aí. —

Indiquei a floresta atrás de nós.

Conrad riu e negou com a cabeça.

— Pensei que meus amigos é que eram perigosos.

— Eu posso ser, se quiser. — Ele não me levou a sério quando

me puxou para perto para selar a boca na minha, mas tinha mais
verdade nas minhas palavras do que qualquer vez antes.

Depois do pequeno beijo, Conrad me guiou pela trilha escura e


logo surgiu luz à nossa vista. Bella e Thomaz estavam sentados em

volta de uma fogueira, cada um com seu cigarro, ambos partilhando


uma garrafa de vidro transparente com um líquido que eu

desconfiava não ser água dentro.

— E aí — Conrad os cumprimentou.

— Conrad! — Bella sorriu para ele, e apenas para ele,

animada.

— Demorou, hein? Pegou o carro? — Thomaz perguntou sem


nem mesmo erguer os olhos do fogo.
— Peguei, está lá na estrada perto do seu, mas… achei uma
merda. Gosto de câmbio manual. — Ele deu de ombros.

— Porque você é um velho de noventa anos aí dentro. Quem é


que gosta de deixar o carro morrer ao trocar de marcha? Carros

automáticos são mil vezes melhores.

— Mais práticos? Sim — Conrad rebateu, nos levando para


mais perto. — Melhores? Nunca. Scarlet estava comigo, ela pode

provar. — Ele tentou me incluir na conversa, mas tudo o que ganhei


foi o olhar desinteressado daqueles dois.

Encaixando-me na minha insignificância, me sentei perto do

fogo com Conrad e não falei muita coisa. Os assuntos deles iam
longe demais para alguém como eu. Eles falavam de viagens que

tinham feito juntos, das próximas que fariam. Relembraram coisas

específicas dos três, riram dos momentos chapados que se


lembravam, e desses eu ri um pouco também, mas me senti

invadindo algo muito privado quando os outros dois me encararam.

Era nítido que, por mais que Conrad fosse tentar fazer aquilo
funcionar, não aconteceria tão cedo, e a prova veio quando Bella,

depois de matar quase toda a garrafa de vodca sozinha, me


encarou quando Conrad e Thomaz voltaram até os carros para

pegar mais bebida e cigarro, e perguntou:

— E qual é a sua, ruivinha?

— A minha?

— É. Você é muito nova para estar aqui. E sabemos que

Conrad é Conrad. Ele nunca se envolve com ninguém de fora por


tanto tempo… — Era uma direta. Ela era a única, eu era uma

intrusa, passageira.

— Bem, eu gosto dele. E acho que ele gosta de mim.

— Só até a próxima festa, se posso te ajudar. — Ela tragou

seu cigarro e soprou a fumaça na minha direção. — Cuidado para


não se machucar na queda.

— Está dizendo isso porque você já se machucou?

Ela não gostou da minha pergunta. Seu sorriso era amargo.

— Você não faz o tipo dele, estou só avisando.

Minha vontade era revidar, mas encarei o fogo e me concentrei

nas chamas, sabendo que os olhos dela estavam em mim.

— É sério, garotinha. Quando ele quiser se divertir, Conrad

não é o tipo de cara que gosta muito de controle, ou de celibato,


sabe? O histórico dele não deixa. — Minha vontade era de calar a

boca dela com meu pé, mas, por sorte, Conrad vinha com Thomaz

pela estrada e, assim que eu o vi, me coloquei de pé.

— O que foi? — O sorriso que ele dava sumiu quando viu meu

rosto.

— Meu avô ligou — menti. — Preciso voltar.

Ele conferiu o visor do próprio celular.

— Mas ainda são oito horas… temos tempo, Red. — Ele

parecia chateado e me doeu mentir daquele jeito, ainda mais com

Bella sabendo que eu só queria ir embora por estar incomodada


com ela.

— Não temos mais. — Tentei não ser tão desagradável. —

Obrigada, Bella, Thomaz. A gente se vê. — Passando por eles, fui


para o carro sem esperar por Conrad.

Não demorou cinco minutos para que ele viesse até o Maserati
e liberasse o alarme para eu poder voar para o banco do

passageiro. Quando ele entrou pela porta do motorista, seu rosto

era uma máscara a qual eu queria muito quebrar.

Levou alguns minutos na estrada até ele perguntar:

— O que aconteceu?
— Nada — menti.

— Impossível. Eu conheço você, também conheço Bella. O

que ela disse?

— Basicamente? O que você está se negando a ver.

— E o que é?

Eu me negava a admitir o que ela tinha dito e, com a garganta

presa em um nó esmagador, suspirei e, de olho na estrada, coloquei

para fora o óbvio.

— Eu não gosto dos seus amigos.

— Por quê? O que eles fizeram? — Incomodado, ele encostou


o carro para me encarar.

— Não é de hoje, não esqueça que eu observo você e quem


está na sua órbita há tempos, e eu sei o quanto aquela garota pode

ser cruel, ou ele, e… Eles não são bons. Sinceramente, se fossem,

já teriam dado um jeito de te ajudar, não ficar no meio do mato

fumando aquela erva fedida.

Conrad suspirou, pousou uma das mãos no volante e negou

com a cabeça.

— Vocês precisam funcionar, ou…


— Ou o quê? — Minha mente nublou, meu coração se apertou

e a vontade de chorar ganhou meu peito.

— Ou não vamos funcionar.

— Espera… — me virei para ele, tentando ser lógica —... eu

posso arranjar briga dentro de casa por você, mas não posso não
gostar dos seus amigos?

— Sua irmã é um saco, Scarlet.

— Mas ela ainda é minha irmã! — me exaltei.

— E eles são meus amigos! — ele devolveu.

— Então passe bem com eles. — Sem pensar duas vezes, abri

a porta do carro e desci.

Verdadeiramente, enquanto dava os primeiros passos na

direção de casa, no escuro, eu esperei que ele fizesse algo, mas

Conrad não fez. Ele só me assistiu afastar, e assim que tive certeza
de que ele não faria nada, as lágrimas desceram quentes pelas

minhas bochechas. Eu quis gritar, mas segurei a mágoa na garganta

e a única coisa possível que fiz foi correr.

Queria distância dele, dos amigos que não eram verdadeiros,

daquela versão que parecia colocar o que tínhamos em aprovação

de outras pessoas.
Eu não queria ser aceita por eles. Eu não queria passar na

merda de um teste.

E, definitivamente, não queria ter o coração quebrado por um

Conrad que não enxergava a dimensão do que eu sentia por ele.

— Scarlet — vovô me cumprimentou assim que passei pela

porta. — Está atrasada.

— Eu sei — minha garganta rasgou quando respondi —, me

desculpe.

Meus pés doíam muito, mas não mais do que meu peito, e

quando minha irmã ergueu os olhos de sua revista para me encarar,

vendo meu rosto inchado pelas lágrimas, deu um sorriso cruel.

— Ué, ele já te magoou? — Esticando o pescoço, tentou olhar

atrás de mim. — Veio a pé? O carro dele não é tão silencioso.

Ela se sentia vitoriosa, e eu não tinha uma resposta para dar.


Quando passei por ela, pronta para subir as escadas, ouvi
Susan dizer:

— Finalmente, você vai enxergar seu lugar.

De todo o coração, eu queria ter forças para responder, para

brigar, para dizer que Susan estava errada. Mas não tinha.

Tudo o que me sobrou foi correr escada acima e me trancar no

meu quarto, deitando sobre a cama com os pés doloridos, coração

em frangalhos e lágrimas nos olhos, encarando a lua crescente lá


fora, sabendo que ainda não estava pronta para perder Conrad e

que, talvez, nunca estaria.

A madrugada entrou, o sono não veio, mas a imagem dele me

deixando ir grudou na minha mente com garras e dentes afiados,

fazendo com que as lágrimas descessem em uma naturalidade


brutal. E eu quase pensei que poderia me dissolver em água sobre

a cama quando, de repente, algo bateu na minha janela.

O barulho me fez ficar alerta e duvidar da minha sanidade,


mas menos de meio minuto depois, de novo, um cascalho bateu no

vidro.

Incerta do que veria, me levantei da cama e me aproximei da


janela, vendo Conrad lá embaixo, na parte de trás de casa, com as
mãos no bolso, olhando para cima.

Neguei com a cabeça e voltei para sentar na minha cama.

Eu não ia sair por ele naquela noite.

Não depois dele ter me abandonado na estrada, não depois de

me sentir tão insignificante.

De novo, mais um cascalho bateu na minha janela e eu


ignorei.

Meu celular vibrou logo em seguida e eu também o deixei de

lado.

Deitei na minha cama e fechei os olhos, fingindo não ver


nenhuma de suas tentativas de me chamar atenção às duas e meia

da madrugada.

Contei mais sete cascalhos na janela e três mensagens no


celular.

Quando ele percebeu que eu não responderia ao seu

chamado, tudo silenciou e meu coração se escureceu. Ele tinha


desistido, e tudo bem.

No final das contas, eu não sabia o que mais doía, eu ter

confiado em Conrad ou as falas da minha irmã fazerem sentido.


Meu peito tremeu quando suspirei, e tentei me consolar
sozinha como já tinha feito tantas vezes antes, mas enquanto me
abraçava, encolhida na cama, de olhos fechados, ouvi uma batida

forte na janela e me sentei, assustada.

Quão surpreendente não foi abrir os olhos e encontrar Conrad


Prince do lado de fora, no telhado, determinado a falar comigo? Meu

estômago e suas milhões de borboletas deram sinal de vida e, sem


alternativa, me levantei, abri a janela empurrando-a para cima e
enfiei a cabeça para fora.

— O que faz aqui? — Estava brava, magoada, e fiz questão de


deixar claro em cada mínimo sinal, fosse na voz, nos olhos e na
postura de não o deixar entrar.

— Vim te pedir desculpas, Red. Você pode me deixar entrar?


— Seu tom de voz era baixo como o meu, mas muito mais manso.

Encarei Conrad por um longo minuto, divino, perfeito, lindo…

Seus olhos nos meus eram sérios e intensos. Ele não se

colocava como inferior, mas era óbvio que queria me convencer a


perdoá-lo.

— Você não merece, pelo menos, não hoje. — Suspirei, não

aguentando a pressão de manter seu olhar e encarei o chão, pronta


para mandá-lo embora.

— Encontrei você. — Ele foi rápido quando viu minha intenção

de fechar a janela. — Você é minha afinidade. — Meus olhos se


ergueram para seu rosto, reconhecendo o que ele fazia, o que
citava. Meu coração foi a milhão e precisei morder o lábio inferior

com força para não chorar mais. — Meu melhor lado, meu anjo
bom. — Conrad não era mais tão silencioso, e pegou minha mão
direita, colocando sobre seu peito, se aproximando o bastante para

que eu sentisse seu calor, as batidas que seu coração dava, quase
alucinado. Encarei seus olhos, vendo a verdade naquele poço negro
e brilhante. — Estou ligado a você por laços muito fortes. — Ele se

ajeitou para ficar estável apenas pelas pernas e sua mão livre veio
para minha nuca, me puxando para fora até minha testa encostar

com a sua. Seu hálito bateu contra o meu rosto, era uma mistura
confusa de bebida, cigarro e hortelã. — Acho-a boa, talentosa,
adorável. — E então, segurando meu rosto com ambas as mãos, ele

se afastou um pouquinho e me encarou de novo, como se eu fosse


a única coisa que importava antes de declamar a parte que fez meu
coração parecer como novo. — Uma paixão fervorosa e solene

surgiu em meu coração. Ela se inclina para você, traz você para o
centro e para a fonte da vida, envolve minha existência em torno de
você e, através de uma chama pura e poderosa, nos funde. — Eu já

chorava de novo, e vendo seus olhos, apostaria que, se não fossem


os anos de autocontrole sob o que ele vivia, Conrad também estaria

chorando. Chorando por mim. — A você e a mim, num só ser.[6]

— Conrad… — sussurrei seu nome de forma tão profunda que


doeu nos meus ossos.

— Scarlet, por favor, foi estupidez da minha parte fazer o que

fiz mais cedo. Não sou dado a pedir desculpas, nunca precisei, mas
não sei como acordar amanhã sem você lá.

Num impulso, eu o abracei e ele se desequilibrou. A queda

sobre mim foi inevitável e fizemos um barulho absurdo quando


batemos no chão.

— Ai — reclamei, sentindo minha cabeça doer.

— O que está acontecendo aí? — A voz de Susan veio

acompanhada dela abrindo minha porta. — SCARLET? — meu


nome foi gritado, então ela acendeu a luz, processou a cena e,
como uma criança desesperada, berrou: — VOVÔ! TEMOS UM

INTRUSO!

— Merda. — Conrad se levantou, xingando, e me ajudou a


ficar de pé.
— O que está acontecendo? — Ouvi quando meu avô veio
pelo corredor e chegou até a porta do quarto.

— ELE E SCARLET ESTÃO APRONTANDO! EU SABIA! —

Susan continuou gritando perto de nós, parecendo querer anunciar


para o bairro todo o que tinha flagrado.

Ainda assim, me colocando de pé, limpei o rosto, nervosa o


suficiente pelo dia estressante e disse com firmeza, enquanto

percebia que, antes de tomar qualquer decisão, meu avô tentaria


me ouvir:

— Vovô, eu juro, não foi nada disso. Conrad veio me pedir

desculpas, ele estava para fora do quarto, mas eu o abracei, ele se


desequilibrou e caiu.

— Claro que não! Ela é uma vadiazinha safada e estava

colocando o namorado para dentro para fazer… — Minha irmã não


teve tempo de terminar a frase.

Minha mão voou pesada sobre seu rosto, o tapa a fez virar a

cabeça e silenciar.

Quando Susan se deu conta do que acontecia, virou para mim


cheia de ódio e gritando como se estivesse possuída, resolveu

revidar.
Eu não fugi. Enquanto suas mãos vinham para me unhar o
rosto e puxar o cabelo, eu dei um belo soco em um dos seus olhos e

um chute certeiro na canela. Foi um pandemônio, e mesmo com


Conrad tentando me segurar e vovô fazendo o mesmo com Susan,
nós ainda gritamos ofensas pesadas uma contra a outra.

— Vagabunda!

— Invejosa! Você é podre! — gritei, me debatendo, querendo


acertá-la.

— Você é só um brinquedinho para ele. — Meu avô finalmente

conseguiu nos separar. Eu fiquei sem um pouco de cabelo e a pele


machucada no processo.

— Mesmo assim, eu sou algo para ele, coisa que você nunca

vai ser, sua idiota! — gritei de volta, conforme ela era arrastada para
fora.

— Red, pelo amor de Deus, se acalme, se acalme! — Conrad


tentou me conter no lugar e eu finalmente consegui voltar à

racionalidade quando meu avô jogou Susan para dentro de seu


quarto.

— Eu não aguento mais ela! Não aguento mais esse inferno!

Queria que… — E a frase ficou presa na minha garganta. Não


porque eu era boa demais para dizer em voz alta que gostaria que
minha irmã estivesse morta no lugar dos meus pais, mas porque eu

sabia que não era hora de dizer.

— Se acalme. Vem aqui. — E não me deixando fugir, ele me


abraçou, acolhendo minha raiva, meu coração agitado, meu

cansaço e minha dor. Apoiei a cabeça contra seu ombro e ficamos


em silêncio enquanto a casa toda parecia tentar se estabilizar.

Eu, pelo menos, só consegui isso com a cabeça contra o peito

dele, ouvindo seu coração bater, tentando ajustar meu ritmo ao dele.

Isso durou pouco, muito pouco, já que menos de dois minutos


depois, meu avô apareceu na porta e, com sua voz grossa, cansada

e aparentemente decepcionada, ele me chamou:

— Scarlet.

Eu não fugiria da minha responsabilidade.

— Eu sei, vovô — com toda a sinceridade do mundo, eu o

confrontei. — É sério, eu não sabia que ele viria. E eu também não


o colocaria para dentro.

— É verdade, senhor — Conrad acrescentou, depois de limpar

a garganta, não me deixando sozinha naquilo. — Eu não ia entrar, a


verdade é que ela me ignorou e eu queria ser notado.
Depois de um suspiro profundo e de nos analisar friamente,

meu avô ergueu as sobrancelhas e soltou:

— É, quis ser notado e, com certeza, foi, não só por Scarlet,


mas como por toda a rua. Rapaz, por favor, me acompanhe até a

saída e vá para casa. Scarlet, deitada. Se eu ouvir algo vindo daqui,


vou te deixar de castigo.

— Certo. — Confirmei com a cabeça.

— Tchau — Conrad soprou quando passou por mim e, sem

abaixar a cabeça, ele passou por meu avô, me deixando sozinha


depois de toda aquela confusão.

Deitei contra a cama, com a luz apagada de novo e fechei os

olhos, deixando a tensão escorrer do meu corpo, dando lugar à


vontade de rir.

Mordi o lábio inferior, lembrei-me do que Conrad havia dito e

me enrolei nos lençóis como uma boba apaixonada. Que Susan se


trancasse em toda sua fúria e decepção, eu não ligava mais. Tudo o
que importava era que, até o final daquele verão, eu viveria um dia

de cada vez, porque, inevitavelmente, meu coração era de Conrad,


até depois do dia que ele não o quisesse mais.

Era dele e ponto.


Fechei os olhos, tentando dormir, forçando o corpo a relaxar
depois daquela carga toda de adrenalina e, quando achei que fosse
conseguir, um ruído me fez abrir os olhos de novo.

Mais uma vez, a sombra preta e alta estava na minha janela.

— Você está doido? — sussurrei exasperada quando o vi


passar pela abertura e tirar os sapatos.

— Não. — Ele parecia se divertir com aquilo e, antes que eu

pudesse expulsá-lo, Conrad se enfiou na minha cama.

Meu coração disparou. Qualquer gota de sono evaporou do


meu sistema.

— Mas não ia embora tão facilmente assim. Já perdi muito


tempo longe de você.

E eu não tive tempo de correr, de pensar em pará-lo.

Quando a ponta dos seus dedos acariciou minha bochecha,

com ele tão perto invadindo meu cérebro com seu calor, sua
presença, seus olhos escuros hipnotizantes e sua boca cheia e
tentadora, não me afastei.

O beijo de Conrad naquela noite foi casto, diferente, e eu


entendi que aquilo mudaria tudo quando ele se afastou por um
segundo depois de puxar meu lábio inferior entre seus dentes e
soprou contra minha boca.

— Eu acho que amo você, Red.

Não houve chance de resposta. Ele não deixou, e acho que


nunca precisou.

Eu o amava, o amava com cada pedaço meu. Com cada fibra

e célula do meu corpo.

O tipo de amor que quebra cadeias, move montanhas e vem


de outras vidas.

O tipo de amor que ou me ressuscitaria, ou me mataria

E eu nunca me arrependeria.
scarlet

estou paralisado, estou com medo de viver, mas estou com medo de
morrer. e se a vida é dor, então eu enterrei a minha há muito tempo
atrás, mas eu continuo vivo.

paralysed, nf

cinco anos atrás

— Tem certeza de que quer fazer isso? Te convidei porque,


você sabe, é importante ter você comigo, mas… — Ele tentou me

convencer de desistir da ideia mais uma vez, mas peguei sua mão

em meu colo e sorri, mostrando que estava tudo bem.


— Não se preocupe. Quero fazer isso. Quero estar com você.

— Ok. — Ele suspirou, se curvou para beijar meus lábios e

sussurrou: — Você está linda nesse vestido roxo.

Era um achado do brechó do centro da cidade, assim como a


sandália que eu usava.

Achei que aquilo era melhor do que a roupa na qual apareci da


primeira vez na mansão, e como era aniversário de John Prince,

achei que aquilo merecia uma atenção especial.

— Obrigada. Gostei da sua roupa também.

Aquilo não era bem uma verdade. Eu tinha amado, adorado,

ficado completamente encantada com Conrad de social. A gravata


preta de cetim não estava justa como deveria. Em seu pescoço,

uma corrente grossa prateada aparecia graças ao primeiro botão da

camisa aberto e, apesar das calças também serem naquele estilo

engomadinho, suas botas pesadas no pé diziam que, de fato,

aquele era o filho problema. O cabelo meio bagunçado também não


era algo dentro do código, mas caía tão bem em Conrad que

ninguém se atreveria a tentar mudá-lo.

— Ok — ele suspirou —, é um chá da tarde idiota. Vou te

mostrar a casa, ficamos por meia hora e depois te levo para comer
hambúrguer em algum lugar legal do outro lado da cidade, certo?

— Certo — confirmei e esperei quando ele desceu do carro e

veio para o lado do passageiro para me ajudar a descer.

— Está atrasado. — A voz de Isaac chamou nossa atenção e

erguemos o rosto ao mesmo tempo para cima, vendo o outro

herdeiro Prince na sacada do que deveria ser seu quarto. — Olá,


Scarlet — ele me cumprimentou, erguendo dois dedos no ar.

— E por que não está lá atrás? — Conrad ignorou a interação

de seu irmão comigo. Eu realmente não tinha ideia de como eles

estavam desde o episódio da bebedeira na praia, e aquilo fazia mais

de três semanas.

— Gente velha é um saco. Estão se revezando no piano, me

faz lembrar minha mãe, não gosto. — Isaac fez uma careta. — Mas

você deveria ir tocar, o velho vai ficar feliz e possivelmente ignore

você ter trazido uma amiga.

— Scarlet não é minha amiga.

— E o que ela é?

Eu também queria saber, mas Conrad não disse, só pegou

minha mão e me tirou da vista do irmão.


— Vocês estão bem? — perguntei baixinho quando passamos

para dentro da casa.

— O de sempre. — Ele deu de ombros — Mas nunca espere

completa paz entre nós. É impossível, Isaac é muito babaca para


isso.

— E você está sempre certo? — provoquei, vendo Conrad dar

um meio-sorriso divertido, me provocando de volta.

— Como sabe, é impossível eu errar.

— Aham… — Meu tom o fez dar risada e eu também queria rir,


mas logo nos viramos para encontrar o mundo de gente espalhado
no quintal da mansão e meu estômago ferveu de nervoso.

Apertei a mão de Conrad com um pouquinho mais de força e

ele retribuiu, mas era o que era, e por estar de mãos dadas com o
filho bastardo de John Prince, todos olharam para nós.

Talvez eu tenha entendido Conrad ser como era naquele


minuto. Ele nunca ia se encaixar naquela casa enorme e cara, mas

também nunca pertenceria à casa precária que vivia com a mãe. Ele
viveria constantemente em dois mundos sem nunca se sentir

pertencente a nenhum deles. Era triste.


— Ah, o mais velho de John chegou. — Ouvimos uma senhora

muito elegante dizer. — Está bonito, filho.

— Obrigado.

— Quem é sua amiga? — Aquela palavra de novo.

— Essa é Scarlet Wright.

Conrad repetiu isso uma centena de vezes, até que seu pai

nos viu e encerrou a conversa com amigos que vestiam bermuda e


camiseta polo.

— Prepare-se — ele me avisou discretamente quando beijou


minha bochecha e soltou minha mão para poder abraçar John.

— Feliz aniversário — Conrad disse sem muita emoção.

— Obrigado. Fico feliz que tenha vindo com... Scarlet, acertei?

— Seus olhos de águia, intimidantes como os do filho, me fitaram.

— Isso — confirmei. — Olá, senhor Prince. — Ergui a mão. —

Feliz aniversário.

— Obrigado, querida. — Ele aceitou meu cumprimento, seus


olhos brilhando, cheios de interesse.

— Não vamos ficar muito — Conrad avisou, pegando minha


mão logo que ficou livre e roubando a atenção do pai de volta para
si.

— Imaginei que não, ainda assim, você poderia tocar para

mim? Sinto uma falta enorme do talento de Giana.

— Eu não gosto. — Senti como o garoto ao meu lado ficou


gelado de repente e a aura em volta de nós mudou.

— Por favor, filho. Aposto que Scarlet adoraria vê-lo tocar, não
é mesmo, mocinha?

E eu não podia negar.

— Eu não sabia que ele tinha mais esse dom…

— Conrad? Ele é o superfilho que tive a honra de ter. — O


sorriso de John parecia genuinamente orgulhoso. — Vamos, toque

— ele pediu de novo para o garoto ao meu lado, que parecia que ia
quebrar a mandíbula a qualquer segundo pela tensão em seu rosto.

— Me ajude, Scarlet.

— Não. — Estúpido como eu nunca tinha visto, Conrad


respirou fundo, tentando se controlar. — Não precisa usar ela. O
que quer ouvir?

— Mozart?

— Alegre demais. — A voz séria, mais baixa e rouca dele

arrepiou cada centímetro do meu corpo.


Conrad soltou minha mão, e encarando o pai com as
sobrancelhas baixas, em um embate mental com seu genitor que
sabia disfarçar muito bem, ele abriu os botões da camisa nos pulsos

e exibiu os braços marcados.

O pai encarou-o como se algo o incomodasse, mas não disse


nada, e depois de uma bufada claramente nervosa, Conrad disse

para mim entredentes:

— Eu já volto, fique perto, por favor.

E eu o obedeci.

O quintal estava cheio de gente espalhada. A decoração era

meio rústica, com várias mesas cheias de comida e bebida


espalhadas pelo gramado. Crianças correndo em volta de uma

fonte, e de longe eu via um coreto. Mais próximo de nós, sobre um

tablado de madeira, estava um piano esperando por Conrad, e

quando o herdeiro bastardo se aproximou da peça, todos pararam


para olhar.

Primeiro, o garoto que eu amava apoiou um dos braços


superbrancos sobre a parte alta do instrumento e testou algumas

teclas.
Ele não parecia confortável e, como se de propósito, parou,

estalou os dedos, e me surpreendendo, sacou um cigarro do bolso e


o colocou atrás da orelha.

Seus olhos passaram pelo rosto do pai antes dele sentar no


banco e, como o resto daquelas pessoas, notei quando a respiração

de Conrad mudou.

Ele encarou as teclas, umedeceu os lábios e mordiscou o


inferior antes de começar.

A canção pesada e triste soou primeiro meio baixa, e então foi


ganhando corpo. Os dedos de Conrad não se distanciavam muito

uns dos outros, e seus olhos de repente estavam fechados

conforme a melodia mudava. Ficou devagar, as notas quase

sumiram, até que uma nota forte preencheu o ar e depois morreu.

Ele tomou fôlego, hipnotizando todos nós e encarou o nada.

Não tinha acabado.

A música mudou.

O ritmo era diferente do começo, mas não era menos

melancólico, e ele se derramou enquanto suas mãos dançavam em

cima das teclas avidamente.

Era arte. Pura arte.


Ele tinha mesmo talento, e não era só eu quem via isso.

Não havia ninguém impune à beleza daquilo, mas era doloroso

também.

Tão doloroso que eu quase conseguia tocar a dor de Conrad

toda hora que a música mudava, que via sua concentração contra
as teclas, sua feição, sua respiração.

Sua dor parecia ser um monstro que crescia em suas costas,

que o rasgava a cada nota emitida.

Como ninguém o impedia de continuar?

Como ninguém o segurava no colo e cuidava daquele horror?

Meus olhos estavam cheios d’água quando ele finalmente

encerrou a música e todos em volta bateram palmas, menos eu e


seu pai.

— Por que você fez isso com ele? — As palavras saíram


baixas da minha boca.

— Porque ele precisa superar. — A resposta de John Prince

não fez sentido algum, mas quando Conrad cambaleou na minha


direção com os olhos vermelhos, só aceitei sua mão massacrando

minha cintura, enquanto entrávamos na casa sem dizer nada.


Enquanto ele me guiava, não disse uma palavra e eu também

não. Minha mente estava concentrada em me manter em pé e


andando na mesma velocidade que ele. Quando subimos as

escadas, me surpreendi com corredores superbrancos, bem-

iluminados e portas gigantes, mas não tive tempo de notar nada


com muita atenção já que Conrad quase arrebentou a quarta porta à

direita e me jogou para dentro.

O lugar não tinha janelas e, de forma sufocante, estar no


escuro sem saber o tamanho daquele ambiente fez minha

claustrofobia dizer olá. O ar ficou ainda mais denso, eu quase gritei

por ajuda, mas os dedos dele foram rápidos em apertar um botão e,


imediatamente, a lareira acendeu.

A luz laranja e seu calor invadiram o lugar, exibindo paredes de

madeira escura e muitas e muitas prateleiras de livros. Aquilo não


era uma simples sala com estantes. Do que eu conseguia ver em

volta de nós, além de uma mesa grande, no que devia ser o andar

de cima, cadeiras de leitura estavam espalhadas e havia um espaço


vago que eu imaginava pertencer ao piano que estava do lado de

fora.

Verdade fosse dita, não estava frio para justificar o fogo, mas
eu sabia que não tinha nada a ver com a temperatura.
— Aquele filho da puta… — rosnando, Conrad me deu as

costas e socou a parede com tanta força que eu engoli o choro e

corri para segurá-lo.

Seu corpo sacudiu num soluço alto, em um grito meio preso.

Abracei suas costas, envolvi suas mãos com as minhas e pedi:

— Não. Por favor, não — implorei no meu tom mais doce. —

Não precisa se machucar.

— Preciso. — Irado, Conrad tentou brigar. — Essa merda. —

Ele se movimentou e percebi que ia dar uma cabeçada contra a

parede, já que não podia socá-la sem arrebentar meus dedos no


caminho.

Fui mais rápida, e mais baixa, com agilidade, me enfiei entre

ele e a parede, amortecendo sua tentativa, acolhendo-o para o meu


ombro.

Foi absurda a mudança dentro daquele ambiente, a energia


entre nós.

Em um segundo, eu achei que ele fosse colocar a casa abaixo,

então no segundo seguinte, foi Conrad quem desmoronou. O som


dos seus joelhos contra o chão de madeira me assustou, mas sem

alternativa, fui junto dele para o chão.


Meu menino quebrado gritou contra minha pele, então cravou

os dentes contra o meu ombro e me mordeu com força. Eu segurei


o grito, e chorei com ele quando seu corpo se sacudiu junto dos

soluços.

Chorei pela dor física, pela que ele carregava, pela minha.

Chorei por nós, por querer curá-lo, por saber que, talvez, eu

fosse incapaz de fazê-lo.

— Está tudo bem. — Tentei acalmá-lo. — Shiiii. Está tudo bem.

— Acariciei suas costas, sua nuca, e pouco a pouco, ele começou a

relaxar.

Levou pelo menos meia hora para sairmos daquela posição,

mas quando ele se recuperou e se ergueu, evitou me olhar, limpou o


rosto contra o antebraço e foi para frente da lareira. Eu não me

movi. Observei Conrad lá, encarando as chamas, inerte,

visivelmente exausto e perdido. Por mais de meia hora, ele ficou

daquele jeito e eu esperei, vendo que havia sangue em meu vestido


onde ele havia me mordido.

— Eu odeio este lugar. — Ergui o rosto para medi-lo


novamente. — Odeio esta casa, odeio esta sala, odeio cada uma

das pessoas que viveu ou vive aqui. — A confissão foi tão baixinha
que eu só ouvi por estar concentrada nele, e por vê-lo começar a
falar, entendi que ele queria colocar para fora.

Talvez, aquela fosse a peça que faltava no quebra-cabeça que


era Conrad Prince. A mais escura e dolorosa peça daquele quebra-

cabeça de cinco mil peças. Me coloquei de pé o mais

silenciosamente possível e fui até ele.

Não houve a mínima resistência de sua parte quando o abracei

por trás e achei que aquilo era um bom sinal.

Aspirei seu cheiro, toquei seu abdômen e peito, ouvi seu

coração.

— Se quiser, você pode me contar. Eu nunca falaria para

ninguém, você sabe — incentivei.

Ouvi o peito de Conrad se encher de ar e senti quando ele


tremeu ao colocá-lo para fora.

Doeu dentro de mim, mas nós dois juntos éramos mais fortes.

— Você vai me achar sujo. — Sua voz era baixa, cruel.

— Nunca — neguei.

— Você viu lá embaixo, ninguém acredita em mim… Mesmo


depois daquela desgraçada morrer, ninguém... — Ele segurou o

choro de novo.
— Eu não entendo. — Tentei de novo.

— Meu pai era casado. A mãe de Isaac, Giana. Vaca


desgraçada que deve estar queimando no inferno — ele rosnou,
cheio de ódio. — Essa mulher fez o que podia para foder com a

minha mãe, mas o que ela fez comigo… Sabe aquele piano lá
embaixo? Eu costumava adorá-lo. Com quatro anos, Giana fingia

gostar de mim e me ensinou a tocá-lo, então aos seis, ela disse ao


meu pai que eu era muito talentoso e que queria me dar aulas. —
Conrad tremeu, mas pegou minha mão e, erguendo a camisa,

passou meus dedos por cima de uma textura estranha. — Essa foi a
primeira vez que ela me queimou por errar. — O horror prendeu o ar
na minha garganta. — Os abusos físicos não pararam aí. Em casa,

eu tinha que lidar com meu padrasto bêbado batendo na minha


mãe. Aqui, eu tentava me esconder, mas Giana sempre me achava
e sempre dava um jeito de me punir quando eu não a agradava.

Isso durou até os doze. Fiquei bons seis meses sem dar as caras
por aqui, depois de uma briga feia com meu pai, e quando voltei,
com meu corpo mudando, de repente, ela começou a me agradar.

Presentes, viagens, dinheiro… — Ele suspirou, notei a vergonha em


sua voz. — Eu achei que ela estava começando a se arrepender da
merda toda, mesmo que suas últimas punições fossem piores. Ela
esquentava a ponta de uma bengala esquisita que usava para cima
e para baixo e marcava meus braços com a ponta em forma de lua
nova. — Ele ergueu o braço nu para que eu pudesse ver direito e,

contraluz, Conrad parecia um tigre malhado, cheio de pequenas


marcas de texturas diferentes. — No meio da confusão de

hematomas que eu já tinha por coisas que você já sabe, ninguém


desconfiou dela. Foi então que, do dia para noite, ela começou a me
elogiar, e um dia, aqui nesta biblioteca, ela me tocou…

Imediatamente, quando meu cérebro entendeu o que tinha

acontecido, meu coração se rachou. Eu pude ouvi-lo. Eu senti


sangrar.

Agarrei Conrad com mais força, meus dedos pressionando sua

carne, meus olhos arregalados, o pânico daquela situação me


sufocando.

— Não. — Meu espanto ganhou voz, mas ele não me poupou.

— Eu não entendi o que aconteceu da primeira vez, ou fingi


não entender, mas continuou discreto, até que ela me pegou
roubando. — Ele não parecia orgulhoso de me contar aquilo. — Meu

padrasto mandava eu levar coisas daqui para que ele vendesse e


pudesse colocar comida na mesa, eu não tinha como dizer não. E
após esse maldito dia — suspirando, com a voz quase falhando,
Conrad assumiu — fui obrigado a consumar o ato. Fui obrigado a

transar com ela. — Seu peito inflou quando ele tomou fôlego e notei
que prendia minha respiração. Precisei respirar, mas a sensação era
que não conseguiria. Na minha mente, a mulher que eu já tinha visto

em revistas era o monstro que corrompia meu amor. — Conforme fui


crescendo, eu aprendi a gostar. Foder com Giana na cama do meu

pai era o auge do meu prazer. Ouvi-la dizer que eu era em uma
versão melhorada, era divertido. Machucá-la, dominá-la, tudo isso
parecia bom. Eu quase me viciei na sensação que causava, quase

não conseguia parar de procurá-la… até entender que isso ia me


corromper ainda mais e não sobraria nada de bom. — Conrad
parou.

Eu precisava de uma pausa tanto quanto ele.

Fechei os olhos com força, pedindo para que Deus, o universo


ou qualquer outro ser divino ouvindo pudesse ajudar e nos tirar
daquele sonho horrível, mas nada aconteceu. E pior, ele continuou a

falar:

— Quando Giana ficou doente, consegui me libertar, mas


ainda me sinto sujo, ainda me sinto… — Conrad escondeu o rosto
entre as mãos e chorou. Seu corpo todo tremeu, ouvi-lo cortou

minha alma em pedaços.

— Não, por favor, não. — Girei em volta dele e o abracei,


envolvendo-o novamente nos meus braços, querendo que ele

soubesse que ali era seguro, que ali era o seu lugar.

— Porra! Eu não deveria tocar em você, Scarlet! — de repente,


Conrad gritou e me pegou pelos ombros. — Eu não deveria chegar

perto de ninguém, eu sou podre, fodido. Eu deveria morrer toda vez


que te beijo, toda vez que tenho vontade de te tocar e… —
Conforme ele avançava, eu dava passos para trás, até não ter para

onde fugir, ficando contra a parede ao lado da lareira. Minhas costas


doeram com o impacto, seus dedos massacraram minha carne, mas
engoli qualquer reclamação. Não podia. Não conseguia. Encarando-

o sem nenhuma barreira, seus olhos eram mais selvagens do que


nunca, sem aquela maldita divisão de íris e pupila. O rosto em uma
máscara assustadora de dor e ódio, sua postura era de quem

poderia me matar. — Me mande sair da sua vida! — ele exigiu.

— Não. — Neguei com a cabeça.

— AGORA! — Conrad me soltou por um segundo, socou a

parede bem ao lado da minha cabeça e voltou a me segurar.


Eu mal me movi. Meu coração parecia prestes a abrir meu
peito e pular fora dele.

Mas, calmamente, da forma mais suave possível, eu repeti:

— Não. — E continuei: — Eu não te acho sujo, ou imoral, ou

qualquer coisa ruim. Você é só uma vítima de um monte de gente


doente, Conrad. Você é uma criança sem lar, um garoto abusado,
um menino perdido. E ainda assim, você é a coisa mais maravilhosa

que eu já vi. — Ele desdenhou, mas foi a minha vez de obrigá-lo a


encarar como eu o via. — Te observei por dois anos. Dois longos

anos percebendo que havia algo a mais por trás daquela postura de
garoto sombrio, e nunca vou saber dizer quando e onde é que a
curiosidade se transformou, mas eu me apaixonei por você tão

cedo, tão fácil… Como alguém indigno de amor poderia causar


isso? Como alguém errado poderia despertar isso? É real, você
sabe que é real. — Segurei o rosto de Conrad entre as mãos e

acariciei suas bochechas. — Não me peça para ir embora de novo.


Eu não quero te deixar, eu não quero ficar sem você.

Parecendo se acalmar, Conrad encostou a testa na minha e

me manteve ali por minutos, parecendo ponderar o que seria feito.


— Você vai ser engolida por toda essa merda uma hora. —
Quando ele disse isso, voltou a erguer os olhos para medir os meus,

analisando minha reação.

— Eu não me importo, desde que você fique.

— Eu vou ficar — finalmente ele cedeu. Seu quadril prendeu o


meu contra a parede e ele me abraçou. — Eu vou ficar, Red,

enquanto você quiser que eu fique.

— Prepare-se para nunca ir embora, Conrad Prince. — Seu


sobrenome morreu na minha boca quando, inesperadamente, ele

me beijou.

Sua língua invadiu minha boca com tanta vontade, com tanto
desejo, que a única coisa que pude fazer foi aceitar. Deixei que

Conrad me guiasse pela espiral conflituosa de seu peito, que me


mergulhasse no fogo das suas veias, que me despedaçasse no
meio dos sentimentos tempestuosos. Permiti que ele me levasse até

o mais profundo abismo do que éramos, do que poderíamos ser, e


eu, que tinha tanto medo de água, nunca mais quis voltar à
superfície.

Tudo era ele.

Tudo era dele.


Era para ser assim desde que o vi pela primeira vez.
scarlet

envenenados até a raiz, qual de nós dois enfim vai sucumbir?


somos uma tragédia anunciada, vender minha alma ainda parece
nada. peço perdão pois prefiro esse caos a um amor mortal.

caos, camaleoa - música feita para Bad


Prince

Eu ainda não tinha me recuperado do que havia acontecido


mais cedo. Quando Conrad saiu levando minha calcinha, quando

entendi o que tinha permitido acontecer, como tinha permitido… A


vergonha me comeu por dentro, a vontade de arrancar meu coração

do peito também. Sequei o carro o melhor que pude, corri de volta


para casa com as janelas abertas e prometi que nunca mais

encostaria no Tesla, que nunca mais ficaria sozinha com Conrad,


que fugiria daquele monstro dentro do meu peito que implorava por

mais.

Eu não podia.

Eu não devia.

Mas queria muito.

Achando-me o pior tipo de gente, não consegui me esquivar de

Isaac naquela tarde. Parecia que a consciência pesada era o pior


carrasco e foi por isso que prometi que ficaria com ele naquela

festa, mas de frente para Conrad, depois dele ser tão baixo, depois

de colocar aquilo na mesa…

— É assim que se ganha uma guerra, Red. — Sua voz ardeu

na minha pele, assim como o calor do seu corpo me atraiu feito um

ímã.

Vê-lo pintado daquela forma era perceber que, se a morte

tivesse aquela aparência, aquele magnetismo maldito, se eu fosse

passar pelo véu e não voltar mais, eu aceitaria. Mas aquela não era

a realidade e eu me conhecia muito bem para saber que beijar

Conrad foderia com tudo. Nada do que tinha acontecido até ali era
tão perigoso quanto beijá-lo porque, por todos aqueles anos, eu não
havia superado. Por todos aqueles anos, todo e qualquer beijo que

dei em seu irmão nunca chegou aos pés do mínimo beijinho que

Conrad já tinha me dado antes. Não tinha competição, nunca teve.

Sempre foi ele, e eu temia que sempre seria.

— Estou cansada de ser seu alvo, Conrad. Eu não vou beijar

você. — Tentando me manter firme, estava pronta para dar as


costas a ele e causar o pandemônio antes de encerrar as coisas de

vez com Isaac. Para o inferno se ele achava que era meu dono para

ordenar daquela maneira.

E, de fato, me conhecendo, neguei com a cabeça quando notei

Conrad vindo para perto, dei meio passo para trás e estava pronta
para girar o corpo e ir embora. Aquilo devia ser só mais uma graça

dele para me deixar como na pista de corrida. Eu não ia cair

naquela armadilha de novo. Mas, antes que eu pudesse processar o

que acontecia, antes que pudesse ir embora, senti o peso na minha

nuca. Sua mão era firme, seus dedos exigentes, e quando ele me

puxou violentamente contra si, não tive como correr.

O encaixe foi rápido demais para que eu processasse, já que

em um minuto eu estava indo embora e, no outro, minha boca


estava colada à do garoto que era meu tormento, minha ruína, meu

inferno.

— Eu não vou… — Tentei me defender de novo, mas Conrad

ignorou.

Quando ele forçou o rosto contra o meu e sua boca se abriu


junto à minha, todo meu corpo endureceu. Meu cérebro emitiu o

alerta vermelho, e mesmo um pouco alterada pelo álcool, quando o


gosto de cigarro e hortelã se alastrou pela minha língua, eu caí. Caí

como quando coloquei os olhos nos dele pela primeira vez, depois
de todos aqueles anos. Caí como quando senti seu cheiro. Caí
como quando me dei conta de que não o havia esquecido, que não

o odiava, que não o queria longe. E, por um erro que nunca poderia
ser evitado, o correspondi. Envolvi sua língua com a minha

conforme uma das suas mãos corria pela minha cintura e, quando
no quadril, passou para as costas, pressionando meu corpo contra o

dele, suguei seu lábio inferior antes de avançar com a língua para
dentro de sua boca, matando a sede, a vontade, a saudade. Eu não
era mais uma garotinha perdida e quando o dominei, quando impus

meu ritmo sentindo meus seios dolorosamente sensíveis contra seu


peito duro, movimentei a cabeça, segurando sua nuca com uma das

mãos como ele fazia comigo e, propositalmente, para mostrar que


não era a única atingida, a única a cair, ergui a mão livre e a

encaixei sobre a divisa da sua calça no quadril, roçando as unhas


nas entradinhas que ele tinha ali, provocando-o como o diabo dizia

que devia fazer.

Ele não aguentou. Sua mão desceu para minha bunda e ele
apalpou com força, gemi contra sua boca, ele me puniu. Conrad
pareceu disposto a me devorar e sugou minha língua, meu lábio,

meu queixo e voltou a me beijar a boca como se o mundo todo


tivesse parado naquele segundo.

Éramos nós dois sozinhos no meio daquela festa lotada.

Não havia música. Não havia Isaac. Não havia uma plateia
fofoqueira.

Havia o cara para o qual eu tinha dado meu coração e tinha

me devolvido em frangalhos.

Que me viu gritar por ele na rua e não virou para trás.

Conrad era o meu maior tormento, mas também era a única

ponte para uma versão minha a qual eu sentia falta demais para
esquecer.

— Chega! — Ouvi Isaac gritando, mas não parei. Não queria

parar. Nem Conrad. — Chega, caralho! — Meu não mais namorado


enfiou os braços entre nós e nos afastou. — Scarlet, que porra é
essa?

Quando ele nos afastou, meu peito sujo de tinta preta subia e
descia rápido. O de Conrad também. Seus olhos não conseguiam

deixar os meus, e eu tinha certeza de que a mesma dúvida que


rondava minha cabeça o perturbava também.

Qual era o controle que aquela merda de sentimento ainda


tinha sobre nós?

O que é que havia sobrado?

Como matar aquilo?

— É a merda da sua insegurança — me dirigi a Isaac, ainda


respirando com dificuldade. — E eu não te devo nada, nem a você

— falei apontando para Conrad. — Chega. Eu cansei. Não aguento


mais os Prince. Fodam-se os dois.

E sem esperar uma resposta, sem querer uma também, eu dei


as costas àquela cena ridícula, caminhando direto para o banheiro,

com a vista embaçada pelas lágrimas que queriam descer.


Assim que me olhei no espelho, tratei de esfregar a tinta preta

do meu rosto e corpo. Qualquer coisa de Conrad que estivesse do


lado de fora precisava sair, mesmo que o veneno contido em sua

saliva já fizesse efeito sobre mim.

Eu não conseguia controlar meu coração, nem minha mente.

Minha boca tinha seu gosto, meu corpo sentia o rastro de seu
toque e, como o inferno, minha pele queimava onde ele havia

encostado.

— AH! — gritei, me debatendo feito louca. — SAI DA MINHA


CABEÇA!

— Nossa, essa tá pior que a gente… — Meu olhar foi direto


para a dona do comentário e, quando viu que havia sido pega, a

garota arregalou os olhos. — Droga. Esconde! — ela disse para

outra.

— Esconde o quê? — Indo até elas, me metendo como nunca

faria antes, em uma fúria que poderia colocar aquele castelo abaixo,

peguei a mão que a garota tentava esconder e, segurando seu


pulso tão forte que seria capaz de machucar, a obriguei mostrar o

que escondia.
Dentro dela, quatro estrelinhas roxas apareceram. Parecia

uma versão maior do que eu havia ganhado de John.

— O que é isso?

— Chama Supernova. É tipo um MD, só que mais legal.

— Ótimo. — Peguei duas e larguei as garotas para trás.

— Ei! — Ouvi uma delas reclamar, mas já era tarde.

Meus pés me levaram direto para o bar.

Estava cansada de ser a boa menina de sempre.

— Me dá qualquer coisa forte — pedi quando chegou minha


vez. O cara do bar não negou.

Virei três doses da bebida que queimava minha garganta e


esperei que o gosto dele na minha língua diminuísse. Erro meu.

Joguei-me na pista de dança, tentei extravasar, mas mesmo

com a cabeça rodando e a mente lenta, não consegui esquecê-lo.

Beijá-lo era a única coisa que eu não podia fazer.

Era a única merda que eu tinha que evitar.

E agora não tinha jeito.

Enfiei duas das Supernovas na boca. Esperei se dissolverem.

Tudo ficou mais intenso e eu quis gritar.


Minha mente girava em uma espiral.

Conrad, Conrad, Conrad.

Eu o queria.

Eu precisava dele.

E quando senti aquela queimação esquisita na nuca e procurei

em volta, quando encontrei os olhos negros sobre mim, entendi que

não era a única afetada. Conrad estava a metros de mim, ao lado de


uma porta, os braços contra o peito, um dos pés apoiados na

parede contra a qual ele se apoiava.

Seus olhos em mim eram cruéis como sempre, mas havia

mais. Um mais tão cheio de coisas e sentimentos que me consumiu.

Parei de dançar e encarei-o de volta abertamente, e cansada de

lutar contra, cansada de me conter, cansada de ter medo, fui na


única direção possível. Conforme atravessava o salão cheio de

gente, desviando dos corpos, sabia que em algum lugar, a marcha

fúnebre tocava. Sabia que assinava meu atestado de burrice. Que


era cega, fraca e idiota.

Que nunca haveria perdão nem volta.

Mas Deus sabia que, quando ele esticou a mão para pegar a

minha, eu não tinha um pingo de arrependimento no corpo.


Era só desejo.

Era só eu.

E ele.

Para sempre.
scarlet

Você não sabe que eu chorei lágrimas de ouro por você?

tears of gold, daneliya tuleshova

cinco anos atrás

Conrad estava atrasado, não era comum.

Mandei quase dez mensagens ao longo daquela hora e,

quando ele não respondeu nenhuma delas, não tive alternativa e o


liguei.

Ninguém atendeu.

Havia algo errado e meu coração sabia.


Coloquei a mochila nas costas, calcei os tênis e saí sem dar

satisfação para Susan que me olhava, curiosa.

O primeiro destino sob o sol do meio-dia foi até sua casa.

Estranhei quando vi as janelas fechadas e não tive coragem de


bater. Dei a volta no terreno, subi nas latas do quintal e consegui

uma bela visão de seu quarto. Tudo parecia normal. A cama estava

desfeita, a porta fechada… nada diferente.

E mesmo esperando por alguns minutos, não vi nenhum sinal

da presença de Conrad.

Voltei a caminhar e, meia hora depois, cheguei à velha pista de

pouso.

O carro dele não estava lá, nem a porta do galpão aberto.

Tentei mais uma vez seu celular.

Nenhuma mensagem, ninguém atendeu a ligação.

Quis chorar. Tinha alguma coisa acontecendo e eu precisava

descobrir o que era.

Prendendo o cabelo no alto da cabeça, graças ao calor, forcei

os olhos para conseguir enxergar adiante enquanto minha pele

queimava na árdua caminhada até o outro lado da cidade. Quando


bati na porta da mansão dos Prince, precisei parar para recuperar o
fôlego.

— Quem é? — A voz no interfone me assustou.

— Ah, oi. Eu… Sou Scarlet, amiga de Conrad. — Na falta de

título melhor, usei o mais próximo. — Gostaria de saber se ele está.

Houve um minuto bagunçado até que alguém pudesse me

responder.

— Entre, senhorita Wright, o rapaz Prince irá recebê-la.

Não consegui descrever o alívio que senti ouvindo aquilo.

Meu corpo todo pareceu relaxar e lágrimas se acumularam nos


cantinhos dos olhos.

Ergui o corpo, coloquei as mãos sobre o coração, e ainda que

não gostasse daquele lugar, nunca me senti tão feliz por percorrer a

pé o caminho bonito sob as árvores.

O carro de Conrad não estava em lugar nenhum ali, o que


estranhei de primeira, mas sabia que nem sempre o pai o deixava

desfilar com a picape e ela podia muito bem estar guardada na

garagem. Avancei cuidadosamente perto dos funcionários que

cuidavam do jardim, os cumprimentei e, desconfiada, subi os

degraus e passei pela porta de vidro.


Não havia vida vindo dali de dentro. E eu não entendia o

motivo de Conrad estar lá sem ser nos dias em que era obrigado.
Ainda assim, avancei melindrosa para a sala de estar e olhei em

volta, estranhando não ser recepcionada por ninguém.

— Olá? — chamei, me esticando para ver se alguém vinha de

algum dos corredores. Um morador, um funcionário, ou, de


preferência, Conrad. Mas ninguém me respondeu.

— Está procurando meu irmão? — A voz de Isaac não era tão

convidativa como sempre, e todo o suor que escorria pela minha


nuca, de repente, congelou.

— Eu… — Engoli em seco quando o vi descer as escadas de


calça de moletom, tênis nos pés, mas o peito nu, parecendo recém-

acordado. — Estava — concordei com a cabeça. — Sabe dele?

— Por que deveria? Conrad só aparece aqui quando é


obrigado.

— Mas — olhei confusa para trás e apontei sobre as costas —,


disseram que ele estava aqui.

— Não. — Ele negou com a cabeça. — Disseram que eu tinha

te deixado entrar.
Ah, então esse era o rapaz Prince em questão — pensei,

incomodada com aquele jogo de palavras.

— Se Conrad não está aqui, vou continuar procurando. — Dei


as costas, ignorando sua chegada ao térreo, mas ele me chamou:

— Scarlet, espere. Posso ir procurar com você, mas preciso


comer algo antes. — Parei no lugar e virei só um pouquinho do

corpo para vê-lo. — Tenho hipoglicemia, é meio que um saco. —


Não me movi, ainda encarando-o. Isaac tirou uma mecha do cabelo

loiro do rosto e jogou para trás, voltando ao tom de voz que usava
para tentar me amansar. — Vai, vem comigo. Aposto que vai ser

melhor do que rodar a pé por aí sem saber aonde ir.

— E você sabe?

— Sei. Posso não ser o melhor amigo dele, mas conheço meu

irmão. — Sabendo que havia me pegado pelo ponto fraco, ele


seguiu para uma área da casa que eu não conhecia, e não me

restou nenhuma opção a não ser ir atrás.

Segui a uma distância segura de Isaac e quando ele entrou na

cozinha, parei embaixo do batente, encarando a grandiosidade do


ambiente. Uma ilha realmente grande ficava em frente à pia. O

conjunto de armários brancos, os eletrodomésticos de aço


escovado, as grandes janelas que davam visão a uma varanda e ao
quintal… Aquela não era nem de longe a minha realidade se fosse
comparar com a cozinha escura e apertada do meu avô.

— Está com fome? — Ele perguntou enquanto ia na direção da

geladeira.

— Não — neguei no automático. — Obrigada. — Forcei


minhas pernas a se moverem para sair do ponto de passagem.

— Pelo menos, beba alguma coisa.

— Água — incisiva, ganhei seu olhar por alguns segundos e


percebi que ele notou a diferença no meu tom.

— Já aprendi a lição. Nada de álcool para a… amiga íntima —


ele achou o termo e o disse com um sorriso de escárnio no rosto,

enquanto colocava a pilha de coisas que ia comer sobre o balcão —


do meu irmão.

Suspirei e rolei os olhos. Não estava com tempo para


brincadeiras.

— Você já aprendeu a não gostar de mim tão rápido? Conrad

já te contaminou desse jeito? — ele perguntou, espalhando


manteiga no pão, rindo de alguma piada que eu não conhecia,

concentrado em suas mãos.


— Conrad não disse nada.

— Então, de alguma forma, você não gosta de mim

naturalmente?

— Eu não tenho o que gostar ou não gostar, Isaac. — O que


eu disse em seguida, o atingiu: — Eu nem te conheço.

O garoto riu para si mesmo antes de dar uma mordida em seu

lanche.

Enquanto mastigava, largou o pão sobre a mesa, foi até um

dos armários altos e arranjou dois copos, servindo com água

gelada. O meu, ele empurrou sobre o balcão e eu o parei com a


mão, molhando um pouco da bancada.

— Obrigada.

— E daria a chance de me conhecer agora?

Foi minha vez de rir.

— O quê? — me fiz de desentendida enquanto levava o copo

à boca.

Eu realmente tinha sede.

— Agora que já tem uma visão pré-fabricada de mim, com


Conrad, com as infelizes experiências anteriores, acha que
conseguiria me conhecer?

Entendi aonde ele queria chegar e abaixei o copo quase vazio,

um pouco ofegante, tentando processar aquela informação.

— Para não haver um erro de comunicação aqui — encarei a

pedra cinza, preta e branca —, está me perguntando se eu quero

ficar no meio de uma competição entre você e Conrad? — Neguei

com a cabeça. — Não, muito obrigada.

— Eu não sou o irmão ruim. — Ele assumiu a postura

defensiva e eu, erguendo as sobrancelhas, disse baixinho, só para


mim:

— Eu duvido muito. — Queria ter mais água para enfiar na

boca e fugir daquilo.

— Bom, se Conrad não te envenenou, mas você tem essa

opinião…

— É o que tenho visto desde que cheguei, Isaac — fui clara,

cristalina, sobre o que pensava dele.

— Então não vê muita coisa com clareza. O que meu irmão

inventou para você? Que meu pai é péssimo? Que minha mãe era

uma vaca? Que eu sou um idiota mimado? — Fiquei quieta,


engolindo o preço do segredo. — Podemos ser tudo isso, mas

Conrad não é nenhum santo. Sabia que ele já tentou me matar?

— O quê? — Minhas sobrancelhas se juntaram em total


descrença.

— É, e não foi só uma vez. Meu irmão tem problemas com


controle de raiva, o médico disse que é por isso que ele passa por

um processo dentro de sua cabeça onde inventa histórias…

— Não. — Ergui a mão, fugindo daquela tentativa de lavagem


cerebral. — Nem comece.

— Tudo bem, Scarlet. Vamos fazer o seguinte. — Ele mordeu


seu sanduíche mais uma vez, mastigou e me encarou numa

profundidade absurda. — Vamos aguardar. Conrad vai acabar com

você, eu não dou mais um mês para esse conto de fadas sobreviver,
e aí, quando você precisar de um amigo de verdade, estarei aqui.

A raiva me pegou de jeito.

— Você está errado. — A ameaça estava intrínseca nas

minhas palavras.

— Espero que sim, porque, do jeito que está apaixonada por

ele, será uma tristeza sem fim ver você se machucar.


Fiquei parada, absorvendo as palavras de Isaac, sem acreditar

no que ele dizia.

— Eu… — Mas antes que pudesse falar qualquer coisa, o som

de algo sendo destruído, gritos e buzinas vieram do lado de fora.

— Que porra é essa? — O garoto Prince foi mais rápido do

que eu e correu para a entrada comigo nos seus calcanhares, e

nenhum de nós estava pronto para ver aquilo.

Em um conversível prata, Bella, a amiga de Conrad, tinha

arrebentado o portão.

O carro estava amassado, todo mundo que trabalhava no

quintal estava assustado, Isaac parecia furioso e eu não entendi o

que acontecia, até olhar para a cara dela.

— Seu filho da puta! — A garota de cabelos compridos desceu

do carro de punhos fechados e veio na direção do herdeiro Prince.


— Cadê o bosta do seu pai? Eu vou matar vocês!

— Você é maluca? Olha o que fez com o portão, porra! —

Isaac não se escondeu dela, o que eu achei ser uma péssima ideia,
porque quando a distância entre os dois se encurtou, Bella desceu

um tapa forte, estalado, grosseiro e certeiro no rosto dele. Suas


unhas deixaram um pequeno rastro de sangue no rosto angelical e

perfeito do Prince.

— Como é que vocês o deixaram chegar naquele estado? —


ela gritava ensandecida e fez meu coração pulsar dolorosamente.

Ela falava de Conrad?

— Onde ele está? — Não tive coragem de ir em sua direção,

mas finalmente ganhei sua atenção.

— O que é que você faz aqui? — Eu seria a próxima vítima de


sua raiva.

— Vim procurá-lo. Ele não me encontrou hoje como tinha dito


que faria, não o achei em sua casa, nem onde marcamos de ir,

pensei que ele estivesse aqui…

— Conrad nunca teria vindo para cá sem ser obrigado a isso.


— Era uma bronca, mas ela não parecia mais querer me bater.

— Bella, que porra aconteceu? Como você se acha no direito


de invadir minha casa deste jeito? — Poderosa como eu um dia

gostaria de ser, Bella jogou os cabelos escuros e voltou a encarar o

loiro.

— Escute bem o que vou dizer — com o dedo apontado na

cara do meio-irmão de Conrad, ela abaixou seu tom de forma tão


ameaçadora que até eu tive medo —, se seu pai não começar a

cuidar direito de Conrad e da mãe dele, vou fazer um inferno nesta


cidade até que todo mundo saiba o quanto John Prince é um lixo,

entendido? Não vão conseguir pisar em lugar nenhum sem que

vejam o que vocês permitem acontecer. O preço de arrumar essa

bosta de portão vai ser pouco perto do que ele vai ter que pagar.

— Mas… — Isaac bem que tentou dizer algo, mas ela não

deixou.

— Mas nada. Eu cheguei ao limite. Se seu pai acha que tem

poder, minha família tem ligação direta com a porra da rainha, então

não me provoquem mais! — ela voltou a falar alto, engolindo


qualquer intenção de Isaac dizer algo.

Quando ela percebeu que seu recado foi entendido, voltou


para o carro e assim que abriu a porta, me viu parada sem saber o

que fazer.

— E você aí, cabeça vermelha, se quiser ver Conrad, te dou


dois segundos para entrar no carro.

Eu não esperei um segundo convite. Corri para obedecer Bella


e vi a raiva e decepção nos olhos de Isaac quando me viu partindo.

Era meio que um lembrete de sua previsão, como o predador que


sabe que sua presa, inevitavelmente, vai cair em sua armadilha,
cedo ou tarde.

Rezei silenciosamente para ele estar errado enquanto a garota


alucinada ao meu lado manobrava o carro e voltava para a estrada,

correndo feito louca, visivelmente nervosa.

— Você foi burra — Bella disse, depois de cinco minutos

imersas no silêncio. — Nunca mais procure por Conrad dentro

daquelas paredes. Se ele estiver lá, ou será na obrigação, ou

porque foi sequestrado.

— Ele não atendeu ao celular, eu não sabia mais aonde ir…

Ela bufou, engolindo mais alguma ofensa.

— Não quero te odiar de graça, mas já sei que você sabe. —

Ela olhou pelo retrovisor por um minuto antes de me olhar de


soslaio. — E me surpreende que você ainda esteja aqui.

— O quê? Achou que eu abandonaria Conrad depois de tudo?

— Achei. — Ela confirmou com a cabeça. — E até agora eu


não entendo o que ele viu em você. — Seu tom era tão comum
naquela frase que nem chegou perto de me ofender.

— Nem eu — concordei, olhando para o caminho, me sentindo


uma tola. — O que aconteceu com Conrad?
— Desta vez? — Engolindo o ódio que sentia, ela socou o
volante antes de parar o carro atrás da caminhonete, me fazendo
entender aonde iríamos. — Veja com seus próprios olhos. É melhor

ele te contar essa parte antes que eu acabe falando o que não devo.
— Soltando o cinto, ela desceu rápido, me deixando para trás.

Encarei a entradinha escondida para o velho moinho acabado

e respirei fundo, descendo do carro também, sabendo que talvez


não estivesse preparada para ver o que me aguardava.

Segui pé ante pé, vendo de longe Bella abaixada ao lado de


Thomaz.

O garoto tinha uma garrafa d’água na mão e, pela primeira vez


na vida, tinha uma expressão que não era blasé na cara. Isso me
alarmava muito, mas meus pés continuaram seguindo, até que ele

entrou no meu campo de visão e eu não consegui me mover,


sufocando no lugar.

Minhas mãos estavam na boca, tapando meu grito. Meus olhos

encheram d’água, evitando que eu visse o resto dos machucados.


Daquela distância, a única coisa que via era o único olho meio
aberto de Conrad, me notando bem ali.
— Merda. — Eu o ouvi xingando. — Por que a trouxe? — ele
brigou com Bella.

— Cale a boca, não é hora disso — ela desconversou. —

Quero saber dessa história direito, o que aconteceu… Já acabei


com um portão hoje, não acho que vá ser um problema atropelar
alguém.

— O quê? — Conrad olhou para ela sem entender. Consegui


ver isso porque as lágrimas liberaram meus olhos, escorrendo
quentes pelo meu rosto.

— Invadi a porra da casa do seu pai. Arrebentei o portão, e


bati no seu irmão — ela completou com nenhum peso na
consciência.

— Caralho, Bella. — Conrad não tinha forças para brigar.

— Ah, cale a boca. Inclusive, se não tivesse feito isso, não


tinha salvado a princesa ali.

A atenção dos três rostos veio para mim e, engolindo em seco,

consegui me mover.

Ignorei os amigos de Conrad e me joguei de joelhos ao seu


lado, mergulhando na terra, sem saber se poderia tocá-lo. Em um
primeiro momento, até ergui a mão, mas desisti e voltei a tapar
minha boca.

— Meu Deus, o que fizeram com você? — Meu tom


embargado e baixo o fez virar o rosto.

Ele parecia com raiva por eu vê-lo daquele jeito.

O cabelo dele estava sujo, muito sujo, de suor e sangue seco.

Eu conseguia sentir o cheiro.

O rosto de Conrad estava desfigurado. Seu olho esquerdo


estava tão inchado que não abria e, corajosamente, toquei seu

queixo com muito cuidado e o obriguei a me mostrar a obra


completa. Seu olho esquerdo era uma mistura preta e vermelha.
Alguma veia tinha estourado. Havia um corte no supercílio, outro na

maçã do rosto. Seu nariz, por um milagre, parecia intacto e precisei


soltar o ar dos pulmões para continuar vendo os hematomas.

Sua boca estava machucada, inchada, cortada no lábio

superior e no inferior. O pescoço tinha marca de mãos, como se


tivessem tentado sufocá-lo, e os braços com as mangas da
camiseta erguidas, exibiam mais e mais marcas, tão roxas, que

eram quase pretas. Tive muito medo de ver o que ele escondia sob
o tecido daquela vez.
— Conrad… — A lágrima mais grossa que eu já havia

produzido na vida voou direto para o chão antes de eu erguer a


cabeça. — O que é isso?

— Noite passada, o padrasto dele chegou bem mal em casa —

era Thomaz quem respondia, e ainda assim, meu olhar não


conseguia deixar o rosto do garoto que eu amava. — Começou a
bater na mãe dele, mas Conrad se meteu e…

— Eu devia tê-lo matado — o garoto de cabelos pretos rosnou.

— Onde está sua mãe? — Não entrava na minha cabeça que


ela deixasse o filho passar por isso, que ela aguentasse viver
naquele inferno de agressão e brigas.

— Caroline me ligou. Até estranhei, mas o celular de Conrad


foi quebrado no meio da confusão. Ela pediu para que eu fosse até
lá buscá-lo antes da polícia aparecer.

— A polícia? — foi Bella quem perguntou. — Seu padrasto vai


ser preso, finalmente?

— Não — de novo, não foi Conrad quem respondeu. —

Caroline não prestou queixa, com medo do que John faria quando
ligassem o nome dela e de Conrad ao dele.
— Como assim? — Aquilo não fazia nenhuma lógica no meu
pensamento.

— Se meu pai tiver problemas comigo nesse ponto, minha

guarda é dele. Minha mãe vai ficar sozinha, não posso deixar.

— Mas… você não está bem. Já foi até um hospital? — Ele


deu um riso sem graça e segurou as costelas. Ver aquilo me
enfureceu e eu aumentei o tom de voz: — Você precisa de um

médico!

— Não. — Seu tom de voz frio, distante e seco me calou por


dois segundos.

— Você é um idiota, Conrad! — reclamei, agoniada.

— NÓS NÃO TEMOS OPÇÃO, PORRA! — quando ele


avançou gritando na minha cara, minha única reação foi chorar. —

Caralho, que merda você tinha que trazer ela aqui? — mudando seu
foco, ele brigou com sua amiga, que, me surpreendendo, se colocou
de pé e veio me puxar para si.

— Ela só colocou em palavras o que todos nós estamos

pensando, há anos.

— Vocês são surdos? Não ouviram meus motivos? — Ainda


que eu não conseguisse enxergá-lo porque meu choro magoado
não queria cessar, conseguia ouvi-lo muito bem.

Frustrado, ele buscou apoio nos amigos.

— Cara… Elas têm razão. Quando te peguei desacordado,

achei que estivesse morto.

Nós três, o grupo improvável de pessoas, estávamos do


mesmo lado.

Será que, com isso, Conrad estava feliz?

— Vocês não entendem… — Puxando o ar entre os dentes por


causa da dor, Conrad juntou as pernas, erguendo os joelhos e,
apoiando a cabeça nas mãos, escondendo o rosto, ele confessou:

— Não tem o que fazer.

Quisesse ele dizer algo ou não, tivéssemos nós alguma ideia


ou não, não tivemos tempo de dizer. O som do carro de polícia

encheu o ar. Conrad não teve coragem de erguer o rosto, e nós


sabíamos, não dava para fugir.

Então, surgindo no mato com seu terno bem-cortado, com o

policial à sua esquerda, e Isaac à sua direita, John Prince apareceu.


Seus olhos nos analisaram e só depois caiu sobre o filho.

— Conrad — o pai o chamou e ele respirou fundo, bufando de


raiva.
Com todo o esforço que podia fazer, o garoto continuou a olhar
para o chão, conforme tentava ficar de pé sozinho, recusando a

ajuda do amigo.

Ele se ergueu como uma montanha, endireitou a coluna e, por


último, o rosto.

— Odeio vocês. — Sua frase baixa nos bateu como um


chicote. Não era um amontoado de palavras vazias, e quando digeri,
no segundo seguinte, senti meu coração se desmanchando em

cinzas.

O garoto seguiu para longe e o policial o acolheu, seu pai


ainda ficou encarando-nos e avisou:

— Senhorita Mountbatten — era com Bella que ele falava, e a

garota não se intimidou —, ligarei para o seu pai para conversarmos


sobre o portão.

— Ligarei para o conselho tutelar sobre sua paternidade — ela

devolveu, mas o homem a tratou com a insignificância com que


tratava todo mundo, nos dando as costas, deixando a mim, Bella e
Thomaz para trás.

— O que vai acontecer com ele agora? — perguntei baixinho


quando consegui achar minha voz.
— Não sei, cabeça vermelha, mas é bom rezar. Conrad vai

querer nos matar — foi Bella quem disse.

— Ninguém aqui chamou a polícia — Thomaz tentou se


defender.

— Isso importa? No fundo, essa não era nossa vontade? —


Ela fechou o assunto e nós três ficamos cada um em um ensaio
mental em como seria a próxima conversa com Conrad.

Dos três, eu achava ser a menos apta para aquilo naquele

segundo.
conrad

agora você me pegou porque estou drenado. tento tanto que meu
cérebro está ficando dormente. mais do que eu posso aguentar,
esperando aqui, eu sei que está longe de ser luxúria. muito fodido

para dizer que você é quem está controlando nós dois. por que você
tenta jogar? todas as palavras que eles dizem se alinham. você

aparece quando estou sozinho, quando estou preso nesta zona,

quando estou caindo mais rápido do que respiro.

apareça quando eu estiver preso nesta zona. agora, você me pegou

porque é fraca. eu posso ver como você mudou, sentindo todo o


peso do mundo, nunca pensei que esse fosse o seu destino.

n u m b , k i i a r a , p v r i s & d e a t h b y r o m y.
Eu sabia que aquela seria a queda dela.

Quando a vi na pista de dança, quando percebi seu desespero

para me tirar do sistema, tudo o que precisei fazer foi esperar,


ansiosamente, por aquele minuto.

Então, como sempre, ela me notou.

Minha mão estendida foi um convite. Meu pau duro feito pedra

desde a hora que ela tinha colocado a boca na minha era outro, e

quando seus dedos deslizaram delicadamente sobre os meus,


aceitando, meu coração bateu tão forte dentro do peito que precisei

me repreender mentalmente.

Ela sabia, eu não era o cara de foder por foder. Não era do tipo

que me exibia com números, mesmo que gostasse muito do ato,

pelo meu histórico, por ser doente, por aceitar que minha natureza

me puxava para aquilo, de qualquer forma. Medi o corpo de Scarlet

de cima a baixo. O tecido que cobria seus peitos só fazia ser pior o
relevo dos piercings e do mamilo, denunciando sua excitação. Ela

estava suada, acelerada, podia ver pela sua íris fina que havia algo

a mais no seu sistema, mas o modo como ela me olhava não

deixava brechas para saber que aquela decisão era sóbria.


Envolvi seus dedos com os meus, me afastei da parede e
dando um passo para o lado, com a mão livre, abri a porta da sala

precisamente abandonada ali embaixo. Scarlet tomou fôlego,

desviando o olhar do meu para encarar a escuridão que era

oferecida e, depois de ponderar, soltou o ar dos pulmões e deu o

primeiro passo.

Não tinha mais volta.

Lembrei-me de sua claustrofobia e percebi que, se ela resolvia

encará-la, as coisas estavam realmente fora do eixo.

Fechei a porta logo que entrei atrás dela e antes que pudesse

fazer qualquer coisa, foi ela quem me grudou contra a porta. No

escuro, suas mãos não foram tão delicadas quando me bateram


contra a madeira, ou quando ela agarrou minha nuca e me puxou

para baixo, sedenta por continuar de onde havíamos parado.

Sua boca tinha um gosto diferente, um pouco mais amargo,

muito álcool, mas ainda era ela.

Meu coração disparou, minhas mãos seguiram sem pudor


algum para sua bunda e eu a apalpei sem dó, sabendo que era

doloroso o que fazia quando Scarlet deu um gemido incômodo e

mordeu meu lábio com força. Puxei seu corpo contra o meu,
colocando a ruiva no meu colo e inverti as posições, conforme suas

pernas se prendiam em volta da minha cintura.

Massacrei-a contra a porta, alisando sua bunda onde a

sustentava no alto e resvalei os dedos no fundo de sua calcinha. Era


quente, tanto quanto sua boca naquele segundo e, comemorando

que a provaria em breve, envolvi sua língua com a minha em uma


sintonia fodida, entregue, nossa.

Porra, eu não lembrava quando um beijo tinha encaixado

tanto. Não me lembrava de alguém ter aquela porra de poder sobre


mim. E achei que teria superado, que estaria ali minimamente para
quebrá-la até que não houvesse nenhuma proteção que evitasse

que ela visse a verdade, que visse que sempre fora minha e que
ainda me amava.

Queria torturá-la por suas escolhas.

Queria puni-la por cada vez que deixou meu irmão tocá-la,
beijá-la, fodê-la.

Queria machucá-la tanto quanto ela me machucou, mesmo

quando não tinha ideia do que fazia.

Suas unhas roçaram meus ombros, nuca e cabeça. Ela me


pegava alucinadamente enquanto forçava as pernas ao meu redor,
me prendendo feito uma cobra. Eu gostei.

Mordisquei seu lábio inferior de propósito, senti o gosto do seu

sangue na minha língua e depois de sugá-lo, beijei seu queixo,


traçando uma linha cega até o pescoço.

Seu cheiro me atingiu, minhas bolas pulsaram. Que caralho de


mulher era aquela?

Sustentei-a no alto com meus quadris, e sabendo que seu

corpo estava um pouco acima do meu, avancei por sua garganta.


Suguei sua pele ciente de que a marcava, lambi preguiçosamente

conforme minhas mãos subiam desenhando sua cintura, tocando


suas costelas, precipitando seus sentidos do que queria fazer em
seguida.

A ansiedade dela foi transmitida pela pele. Senti sob meus

dedos quando ela se arrepiou e ri contra a curva do seu pescoço.

— Quer tanto assim que eu te mostre como sou melhor, Red?


— Minha voz era baixa, grave, e minha respiração contra sua pele
fez com que ela tremesse.

— Acho melhor você fazer do que falar — no mesmo tom de

voz que o meu, muito mais ofegante, ela respondeu.


— Você se lembra do meu aviso? — Subindo para perto da
sua orelha, mordiscando o lóbulo direito de Scarlet, ganhei um
gemido baixinho conforme ela confirmava com a cabeça. — Ótimo.

— Afastei o rosto dela para tentar enxergar meu próximo passo.

Subi ambas as mãos, seguindo o desenho de suas costelas,


até invadir o espaço entre o top e sua pele, e o puxei para baixo,
avançando logo em seguida para seus seios que, naquela

escuridão, eu só conseguia ver o contorno perfeito e os enfeites de


metal brilhando. Foi impossível não os envolver, medindo como

cabiam perfeitamente nas minhas mãos, sentindo a textura da pele


arrepiada, quente, perfeita. O coração de Scarlet batendo forte

também não era algo que pudesse ser ignorado.

Engoli em seco quando lembrei que, antes, causar aquilo nela

era minha motivação diária.

Agora, havia se tornado uma vingança que consumiria a nós


dois.

— Ele ainda está valendo — avisei pela última vez e voltei a


beijar seu pescoço enquanto meus dedos atingiam seus mamilos

excitados. E tomando cuidado com os piercings, pincei-os e puxei,


ganhando um grito de dor e prazer vindo dela.
— Conrad… — ela choramingou meu nome.

— Shiiii. — Mantive um dos bicos apertado entre meus dedos

e com a mão livre, a peguei pelo pescoço, batendo sua cabeça


contra a porta, voltando minha boca para a sua. — É para doer

mesmo, Red. É para você sentir o que fez comigo quando me


destruiu.

E tomei sua boca de novo, ganhando uma mordida enquanto

ela me socava o peito.

Soltei seu corpo quando senti algo molhado e ela foi para o

chão. Dei meio segundo para ela me soltar, mas brutal, em uma

raiva que nunca pensei ser capaz de vir dela, Scarlet me empurrou
enquanto mantinha a boca na minha, me jogando para trás.

Batemos em uma cadeira, eu caí praticamente sentado, ela


ficou em pé entre minhas pernas, mas suas mãos arranharam todo

meu peito com raiva e desceram até o cós da calça. Seus dedos

brigaram com os botões e o zíper, e quando ela desceu o tecido de

calça e cueca de uma vez, envolveu meu pau com ambas as mãos.
A sensação daquele mínimo toque me fez pegar fogo. Tentei puxá-la

para sentar no meu colo, para fodê-la de uma vez e acabar com

tudo, mas ela não deixou. Me apertou com força, fazendo com que
eu gemesse contra sua boca e, quando ela, desgraçada e mortal,

roçou os dentes pelos meus lábios e se afastou, soube que tinha


caído na minha própria armadilha.

Eu daria o mundo para ver aquela porra de cena no claro.

Daria minha vida para não perder os olhos de Scarlet quando

ela se ajoelhou, quando seus dedos espalharam a prova da minha

excitação pela cabeça do meu pau. Quando a desgraçada,


mostrando ser experiente no que fazia, me encaixou em sua boca e

brincou com a língua contra meu piercing, tentando atingir o freio do

meu pau. Eu não aguentei.

— Filha da puta — xinguei, pegando seus cabelos sem o

mínimo cuidado, com raiva por saber que ela tinha treinado tudo

aquilo com meu irmão, e me forcei contra seu rosto.

Ela não fugiu. Senti a cabeça do meu pau bater no céu da sua

boca, mas ela se ajeitou e o colocou mais para dentro. Nem assim
conseguiu ir até o fundo, não aguentando todo meu tamanho. Ela

me deu um tapa forte na coxa, eu a liberei e a vi tossir.

— Não tá acostumada, é?

Ela não respondeu. Afastou minhas mãos de si e fui obrigado a

segurar na parte de baixo da cadeira, dependendo quase


completamente dos meus sentidos para acompanhar o que ela

fazia. Scarlet cuspiu em mim, o som daquilo me deixou mais duro.

Uma corrente quente e intensa percorreu as partes de dentro das


minhas coxas e desceu por minhas pernas quando ela massageou

minhas bolas. A outra mão me masturbou onde sua boca não

chegava, e sua língua quente e maleável brincou no meu

comprimento todo, me deixando ansioso e arrepiado até ela decidir


me colocar de novo dentro de sua boca. Dessa vez, eu não

atrapalhei. Seus dentes roçaram a cabeça do meu pau e, naquela

sensibilidade fodida, quis gritar.

— Vai, caralho. — Até ergui a mão para pegá-la de novo e me

forçar, mas Scarlet foi esperta, bateu na minha mão e apertou

minhas bolas, me fazendo obedecer e desistir da minha intenção.

Pouco a pouco, seus lábios molhados foram me envolvendo.

Em momento nenhum, sua língua parou de brincar com meu


piercing, e me vi deitando a cabeça para trás quando ela acertou o

ritmo com que sua mão acariciava minhas bolas e o vaivém com a

boca continuava firme.

Scarlet não parecia ter pressa, ora tentava me forçar mais, ora

brincava com a cabeça do meu pau com lábios, língua e dentes, me

surpreendendo por não causar um acidente mesmo no escuro, e foi


na sua última tentativa de me colocar completamente na boca que,

puto por não ter uma visão real daquilo, só a sensação e o contorno
dela entre minhas pernas, a puxei para mim.

Claramente, ela não esperava, mas quando a sentei contra o


meu quadril, com meu pau batendo contra sua bunda, tão duro que

seria capaz de parti-la ao meio, a ruiva tentou me beijar.

— Espera. — Meu tom de voz a fez parar completamente.


Senti quando ela tremeu, incerta. E, porra, eu não deveria perguntar.

Eu jurei que não me importaria, mas aquilo ia contra tudo. — Tem

certeza?

O silêncio dela em seguida fez todo meu corpo tensionar. Se

ela dissesse que não, nem um banho no gelo acalmaria meu pau.

Nem dez anos longe a arrancaria, seu cheiro, seu gosto e seu corpo
do meu sistema. Ainda assim, por tudo o que passei, eu não podia

forçá-la. Não estava ali para isso.

Queria que ela caísse. Queria que ela enlouquecesse.

Mas a queria consciente, porque no dia seguinte, ela teria que

encarar suas escolhas como nunca.

O corpo dela se curvou para frente, sua boca encontrou a

minha, suas mãos vieram para o meu rosto e ela acariciou minhas
bochechas. A memória de um tempo diferente tentou me atingir,

mas eu era bom em expulsá-las, mesmo que aquela fosse

resistente. Apesar disso, eu não estava preparado para o que vinha

a seguir.

Eu imaginei que ela diria um simples sim. Que me deixaria

fazer o que queria, porque era assim que tinha que ser, mas senti
quando ela ergueu o quadril e tirou as mãos do meu rosto.

— Ele está sempre, sempre, no meu pensamento. — Sua fala

contra minha boca era pesada, dolorida. — Não por prazer, tal como
eu não sou um prazer para mim própria, mas como parte de mim

mesma, como eu própria[7] — ela citou contra os meus lábios antes

de me morder e eu senti seu movimento ao mover a calcinha para o


lado. — Eu te odeio, Conrad. — Sua voz estava embargada de novo

quando Scarlet pegou meu pau e, me desarmando completamente,

esfregou-me contra si. Era molhado, quente, tão bom que fechei os

olhos e segurei o palavrão. — Mas uma parte gigante e indomável


dentro de mim ainda quer você. E estou aqui, neste momento, para

matá-la. — Scarlet suspirou quando me encaixou em sua entrada.

Todo meu corpo formigou. Meu coração disparou.

Eu a amava.
Eu a odiava.

Eu a queria. Desesperadamente. Eu a queria.

— Então, por favor, faça doer. — O pedido dela morreu na

minha boca.

Envolvi seus lábios com os meus de forma bruta, firme,

alucinada. Minhas mãos no seu quadril foram perversas. Apertei sua


carne e, enquanto a puxava para baixo, fui de encontro com o

quadril, entrando de uma vez.

Scarlet berrou. Eu dei o que ela pediu. Era pura dor.

As mãos dela agarraram meus ombros, sua boca implorou por

afago da minha, mas não era isso o que eu tinha para dar. Não era
isso que ela tinha acabado de pedir para mim.

Se ela queria que eu fosse o carrasco, o desgraçado, eu seria

pior.

Suas lágrimas molharam meu rosto, sua boca procurou por ar,

e eu não parei de meter por nenhum segundo. Seu quadril cedeu


contra mim, sua boceta massacrou meu pau. Tão apertada, tão

quente, tão dolorosamente boa. Eu a ajeitei no meu colo, sua boca

saiu da minha e eu encaixei o rosto contra seu ombro. Ela cravou as

unhas no meu torso, eu cravei os dentes em seu ombro como anos


atrás. Bati em sua bunda com força. Ela tentou segurar o grito. Suas
unhas rasgaram minha pele, meu pau invadiu sua boceta mais uma

vez até o fundo.

Ela gemeu pesado e eu a abri para me receber melhor, e

quando meus dedos resvalaram em seus lábios externos

pressionados por conta da minha grossura, suguei onde eu havia


machucado e desci com a boca para seu seio.

Eu lambi, chupei, suguei. Marquei sua pele conforme

comandava o vaivém gostoso e barulhento dentro dela. Melada,


apertada, surreal de tão boa, Scarlet aos poucos se acostumava

comigo e minha raiva dava espaço ao tesão avassalador.

Seus gritos e gemidos de dor davam espaço para arfadas

irregulares de prazer. Ela mal conseguia respirar, mal conseguia se


manter em pé. Seu corpo suado sobre o meu exalava cheiro de

sexo misturado ao seu de capim limão. Eu queria prová-la com a


boca, queria consumi-la por inteiro e enquanto ela voltava a tocar

meu pescoço e rosto, roçando as unhas entre meus cabelos num


incentivo carinhoso para eu continuar a chupar seus peitos e brincar
com a língua com os piercings, tive um medo do caralho de ficar

refém dela de novo. O ódio aqueceu minha garganta, larguei sua


bunda para pegá-la pelos cotovelos e os prendi para trás enquanto
sugava com uma pressão desnecessariamente forte um dos seus
peitos.

Ela berrou, mas não me pediu para parar.

E enquanto eu a machucava daquele jeito e aumentava as

investidas do meu quadril contra ela, enquanto sentia o atrito de


nossos corpos um dentro do outro, quente, íntimo demais,
intensamente perigoso, quase não me aguentei quando fui pego de

surpresa.

Queria que tivesse a porra de uma luz acesa para que eu


pudesse enxergá-la naquele segundo. Queria ter filmado para

assistir para sempre quando Scarlet ergueu o peito tentando fugir,


mas não teve tempo de fazê-lo.

Seu grito foi mais alto do que a música que vinha de fora.

Nada me preparou para ouvi-lo, assim como nada me preparou para


senti-la tremendo daquele jeito, me apertando tanto que quase me
expulsava.

Larguei seus braços e ela caiu sobre mim, ainda encaixada no


meu pau.

Scarlet choramingou, mas não tive dó.

Por mim, aquele seria só o começo.


Envolvi meus dedos nos cabelos de sua nuca e bati de leve
em seu rosto. Ela tremeu.

— Relaxa, Red. — Minha voz era quase um rosnado, mas ela

não atendia. Seu peito descia e subia, ofegante, e eu podia sentir


seus olhos queimando sobre os meus, mesmo que não os visse
direito.

— Conrad — ela balbuciou meu nome baixinho e eu soube


que precisava dela gritando-o tão alto quanto pudesse comigo
dentro de si. — Não aguento… — Seu corpo parecia perto de um

colapso, dava para sentir a energia no ar.

— Ah, mas vai aguentar. — Puxei sua boca para minha e a


ergui de novo no colo. Tinha visto uma mesa de relance atrás de

nós e com Scarlet encaixada em mim, me segurando com toda força


que tinha, limpei um canto empurrando as quinquilharias que tinham
largado ali e apoiei sua bunda contra o tampo. — Vai aguentar

porque, se você quer matar o que sente por mim, eu vou fazê-lo
viver.

— Não… — ela soprou, me segurando pela cintura, tentando

me impedir quando comecei de novo o movimento de vaivém dentro


dela ainda mais melada por seu gozo anterior.
— Vou fazer isso te corroer, meu amor — disse contra sua
boca, prendendo seu rosto contra o meu. — Vou fazer você sofrer, e

vai doer, como doeu para mim.

— Por favor… — ela choramingou, tentando puxar meu rosto


para encostar a boca na dela. — Eu não aguento mais, eu não

aguento mais…

— Estou ligado a você por laços muito fortes — citei o texto


que havia declamado para ela, anos atrás, pendurado do lado de

fora da sua janela, e senti suas lágrimas molhando meus dedos que
agora estavam em seu rosto. Sua boceta me apertou dolorosamente
conforme seu corpo tremeu. — E você será minha para sempre.

Curvei-me um pouco, obrigando a garota a deitar para trás e,


enquanto mantive o pescoço de Scarlet preso com uma das mãos,
controlando a quantidade de ar que ela podia respirar, desci com a

outra vasculhando sua boceta até achar seu clitóris.

Esfreguei-a com a ponta dos dedos lentamente junto do


movimento de vaivém. Ela arfou e se abriu mais para me receber.

Intensifiquei meu toque. Ela escancarou a boca para soltar um


gemido estrangulado. Seu corpo reagiu cedo e foi como se o fogo
que corresse em minhas veias invadisse as dela.
Scarlet brigou para me beijar, eu deixei.

Queria seu gosto na minha língua mesmo sabendo que


demoraria uma vida toda para me livrar dele. Voraz e intensa, seus
lábios cobriram os meus, suas mãos puxaram meu corpo para frente

e seu quadril dançou contra meu pau, contra minha mão.

Ela queria mais e eu daria mais.

Investi pesado contra ela, saindo quase no limite e voltando


até o fundo. Sua boca na minha se revezava em gemer, beijar,

morder e sugar. Era uma bagunça e eu a imitava. A mesa batia


contra a parede com violência, minha mente me recriminou por
gostar tanto de me enterrar nela daquele jeito, mas lembrar que

Scarlet tinha feito aquilo mil vezes antes com meu irmão, que trepou
feito uma puta suja com Isaac, que deixou ele marcar seu corpo por

dentro e por fora, me enfureceu de tal forma que precisei me afastar.

Saí dela e, segurando com força em sua cintura, a apertei e


apoiei a cabeça sobre seu ventre. O cheiro de sexo dela me pegou
de jeito. Eu o aspirei como um viciado.

Scarlet se sentou e me ergueu, não entendendo o que


acontecia.
Queria ver seus olhos. Queria desesperadamente ver seus
olhos.

E queria chorar por perceber que ao longo de todos aqueles

anos, meu coração destruído continuava a bater por aquela


desgraçada.

— Desgraçada — repeti em voz alta, pegando seu rosto entre


as mãos com força, sabendo que a machucava, esfregando meus

lábios nos dela. — Eu te odeio — soprei em um tom agoniado.

— Não mais do que eu — ela completou, arranhando meu


peito, não sabendo se me atraía ou se me afastava.

Então decidi por nós.

Desci Scarlet da mesa, virei seu corpo de costas para mim e


pegando em sua nuca, abaixei sua cabeça contra o tampo. Afastei

seus pés com o meu, notando que aquilo não seria o suficiente, com
a mão livre, ergui seu joelho e, segurando meu pau na base,

esfreguei o prince albert [8]contra seu clitóris, me masturbando

enquanto isso.

— Conrad — ela gemeu meu nome e apoiou as mãos nas


nádegas, se abrindo para que eu entrasse logo.
— Peça — ordenei. — Peça pra que eu te foda. Diga que me
quer.

— Eu quero, você sabe. — Era a confissão mais vergonhosa

do seu mundinho frágil. — Termine com isso logo, por favor.

— Vou terminar, Red. — Me encaixei em sua entrada e


brincando de um vaivém lento, vendo Scarlet se remexendo sob

meu aperto, me curvei sobre ela para que a música externa não a
impedisse de me ouvir. — E vou gozar em você, bem no fundo. Vou
encher você com a minha porra e você nunca vai esquecer de como

adorou, de como pensou em pedir por mais, em como eu sou o


melhor que você já teve.

E sem mais esperar, me fundi com Scarlet. Duro, forte,

grosseiro.

Meus dedos se afundaram contra seu pescoço e sua cintura.

Seus gemidos acompanharam as estocadas e quando a


velocidade aumentou, eles se transformaram em gritos. Seu corpo

me acolheu, engoliu. Sua boceta parecia ainda mais apertada


daquele jeito, e inchada, com o atrito de pele contra pele, do

piercing contra sua carne, ela não teve para onde fugir.

— Conrad! — finalmente ela gritou meu nome.


Com raiva, como aviso, e então me apertou como se fosse
capaz de me despedaçar.

O gozo de Scarlet veio junto do meu e eu me grudei nela,


fundo, sentindo meu pau pulsar a cada jato de porra que vinha.
Precisei fechar os olhos, minhas mandíbulas travaram com força

antes que eu conseguisse abrir a boca e gemer.

— Caralho — xinguei, dando uma última investida com o


quadril nela.

Respirando fundo, acalmando o fogo que corria pelo meu


corpo daquele orgasmo insano, eu a larguei. O corpo trêmulo de
Scarlet foi ao chão e ela caiu sentada.

Pensei em abraçá-la, em confortá-la, mas não podia, não

devia.

Ergui as calças que estavam nas canelas, ajeitei meu pau


dentro da cueca e me recompus.

Quando coloquei a mão na maçaneta, olhei para trás e lutei


muito com tudo o que passava pela minha mente.

Pegue-a.

Perdoe-a.

Nunca — rosnei aos meus pensamentos insanos.


— Espero que tenha te machucado o bastante, Red. — Foi

tudo o que pude dizer antes de sair, sabendo que ela não aguentaria
levantar pela próxima meia hora, pelo menos.

Foi só quando entrei no meu quarto, que me dei conta de que

havia algo de errado. Thomaz estava deitado sobre a minha cama,


fumando um baseado, olhando para o teto.

— O que faz aqui? — perguntei no meu pior humor.

— Esperando Bella voltar. Não acredito que pediu para ela…

— A frase morreu no ar.

— Está com ciúme? — perguntei, fechando a porta e


acendendo a luz.

— Porra. — Ele tapou os olhos com uma das mãos e forçou a


vista para me encarar — Não… Conrad, você se machucou?

— Quê? — Olhei para baixo e então notei.


Meu peito estava cheio de arranhões, alguns sangravam, mas
eram meus dedos que preocupavam. Havia sangue nas minhas
mãos já sem tinta.

— Porra. — Um alerta gritou na minha cabeça. — Não —


sussurrei. — Não, não, não! — Meu tom mais urgente fez Thomaz
se sentar para me encarar e entender o que acontecia.

Corri para o banheiro, encostei a porta e desabotoei minha


calça.

Dito e feito.

Minha cueca, antes branca, estava vermelha.

Meu pau também estava sujo de sangue.

Minha reação foi a pior possível.

— PORRA! — gritei, acertando o espelho do armário.

— O que foi? — Meu amigo, curioso, tentou entrar, mas não

deixei.

Das duas uma, ou meu irmão tinha o pau muito pequeno, ou


Scarlet era virgem.

E eu apostava na segunda opção.

Não podia ser. Não podia ser.


Desgraçada! Que alma amaldiçoada eu seria agora que sabia
como ela era?

Como eu conseguiria acalmar minha mente sabendo que,

durante todos aqueles anos, ela tinha mesmo me esperado?


scarlet

quando você esteve aqui não conseguia te olhar nos olhos. você é
como um anjo, sua pele me faz chorar. você flutua como uma pena
em um mundo tão belo. eu queria ser especial, você é especial pra

caralho, mas eu sou uma aberração. eu sou um esquisitão. que


diabos estou fazendo aqui? eu não pertenço a este lugar.

creep, glee cast.

cinco anos atrás

Cada dia era um inferno.

Cada segundo era uma tortura.


Ainda assim, eu sobrevivi daquela forma por duas longas

semanas.

A cidade estava enlouquecida pelo acontecido e ninguém

falava sobre outra coisa, era por isso que eu sabia que Caroline
estava dormindo em uma pensão barata no centro da cidade e

tentando se equilibrar em dois empregos, enquanto se recuperava

de um nariz e uma costela quebrados. O padrasto de Conrad estava


preso, e pelo que eu sabia, continuaria assim até John Prince

mandar soltá-lo. Já do meu garoto de olhos escuros, eu não tive

notícias.

Eu não conseguia comer.

Não conseguia rir.

Nem mesmo ler.

Quando me lembrava do estado de Conrad, da raiva em seu

único olho bom, nas suas palavras, meu coração se despedaçava.

Eu só queria chorar, e achei um milagre minha irmã me deixar em


paz. Finalmente, Susan parecia ter achado algo interessante para

fazer e, saindo cedo e voltando tarde, não incomodava nem a mim

ou ao meu avô.

Sendo assim, minha única distração virou desenhar de novo.


Se eu não tinha o talento de colocar meus sentimentos em
palavras, nos desenhos eles fluíam que era uma beleza, e eu perdi

a conta de quantos desenhos dele eu fiz. De quantos pedidos de

desculpas silenciosos eu fiz, mesmo sabendo que não tinha culpa

de nada.

A falta dele, do seu cheiro, dos seus beijos, dos seus braços,

me consumiu e quando achei que não suportaria mais, naquela


quinta, quando minha irmã saiu pela porta, desisti de esperar.

Eu era uma covarde, e admitir isso para mim mesma enquanto

descia pela rua em direção à estrada aliviou o peso no meu

coração. A verdade era que, em vez de procurá-lo pelos cantos da

cidade, ou ir até sua mãe, ou enfrentar de novo a mansão Prince, eu


procurei por seus amigos.

O medo de Bella voar no meu pescoço, ou Thomaz ser tão

indiferente quanto antes, corroeu meu estômago, mas quando vi o

conversível dela intacto parado no acostamento, soube que não

tinha alternativa.

Segurando o nó na garganta, encarei o chão como se fosse

morrer, caso erguesse os olhos, e avancei cegamente até não ter

como fugir.
— O que você faz aqui? — Foi a voz desinteressada de

Thomaz que me chamou primeiro.

Respirei fundo e ergui o queixo, fitando-o com o coração

martelando meus ouvidos.

— Conrad não está — ele completou.

— Não vim vê-lo. — Meu tom de voz era nada além de um


ruído.

— Então veio fazer o quê? — Bella bateu seu cigarro, e

sentada, abraçou os joelhos e continuou me encarando, curiosa.

— Vim perguntar dele.

Os dois riram e abaixaram a cabeça depois de trocarem um

olhar.

— Ele não quer saber de visitas.

— Mas…

— Scarlet, não é? — Meu nome na boca de Thomaz parecia

errado. — Acho que é melhor você esquecer Conrad.

— Não — neguei.

— Então vá lá — Bella disse como se eu fosse burra. — Bata


na casa dos Prince e deixe que ele pise na sua cabeça. Garota,
Conrad no momento nos odeia, os três. Isaac disse que a culpa da

polícia ter aparecido é nossa, e por algum maldito efeito daquela


surra, Conrad parece ter acreditado.

— O quê? Não faz o mínimo sentido. — Fiquei tão confusa que

dei um passo para frente.

— É, mas é o que ele disse. — Bella me fez parar no lugar,

completamente furiosa.

— Como? Vocês o viram? — indaguei, ainda sem estar


convencida e ela sacou o celular do bolso.

— Tome, aqui. Leia, eu não me importo. — Dando de ombros,


antes de tragar seu cigarro, ela me ofereceu o aparelho.

Chamar a polícia
foi a pior merda
que poderiam ter
feito. Nunca mais
quero olhar para
vocês.

— Isso não se parece com Conrad. Digo, por que é que ele
não me mandou nada? Como é que…

— Garota — o olhar dela no meus quando pegou o celular da


minha mão, gritava sua opinião sobre mim —, se poupe. Se ele não
te mandou uma mensagem é porque…

Então minha ficha caiu.

— Porque ele não se importa.

Ninguém disse nada.

Ninguém mal respirou.

E por isso, acreditei que eles foram capazes de ouvir a


rachadura que surgiu no meu coração se formar.

Não consegui me despedir. Não pude fazer isso.

Meus pés seguiram enquanto meus olhos estavam cegos.

Minha mente nublou. Mil e duzentos pensamentos,


possibilidades e conversas que nunca existiriam surgiram na minha

mente, mas nenhum deles era seguro, ou bom, ou serviu para me


acalmar.

Quando dei por mim, o sino da porta que eu abria anunciou


minha chegada e os olhos claros de Caroline encontraram com os

meus. Não consegui nem mesmo dizer oi.

— O que aconteceu? — perguntei, vendo seu rosto com os


claros sinais de recuperação da agressão.
— Eu não sei também. — Percebi que ela queria chorar. Sua
voz embargou.

A mulher fungou, ajeitou o cabelo e olhou em volta,


confirmando que estávamos sozinhas na loja de conveniência do

posto de gasolina.

— Não posso falar ou ver meu filho sem supervisão. E não


posso tê-lo de volta até ter um canto decente para morar… — A

mulher encarou as próprias mãos, desconfortável, derrotada, em


uma dor que eu nunca pensei ser capaz de entender.

— Você o viu?

— Por quinze minutos, na semana passada — ela admitiu

depois de limpar a garganta.

— Ele está bem?

— Melhor. O pai tem dinheiro para pagar por bons médicos. —

Havia mágoa naquela declaração.

— E quando vai vê-lo de novo? — erguendo a cabeça para me

fitar, Caroline respondeu.

— Amanhã. Às quinze. Quer que eu dê algum recado?

— Não. — Neguei com a cabeça. — Eu vou com você. — Não


era uma pergunta, era um aviso, e eu não dei tempo dela me dizer
que não.

— Vai sair? — Susan, milagrosamente de bom humor, me

perguntou quando me viu indo em direção à porta.

Respirei fundo e a respondi da melhor forma que podia:

— Vou. Você vai?

— Não agora. — O sorriso que ela deu era quase bom demais

para ser verdade, mas com tudo o que vínhamos passando, não

tinha a mínima vontade de saber o motivo.

Deixei minha irmã para trás e caminhei até estar na frente da

mansão dos Prince, antes das quinze. Não queria perder a chance
de entrar.

Não podia arriscar e perder a chance de vê-lo.

Encostei-me contra a muradinha de pedra, limpei o suor que

escorria pela minha testa com as costas da mão e encarei o céu tão

bonito de verão. Desejei de todo meu coração que aquele fosse um


bom presságio do que enfrentaria a seguir e, antes que pudesse

pensar em qualquer outra coisa, o portão novo da mansão se abriu.

Era um convite?

— Oi? — chamei pelo interfone, mas ninguém respondeu.

Daquela vez, não tinha uma alma viva para que eu desse um

oi no meio do caminho, e atravessei a alameda de folhas verdes

achando que meu corpo entraria em curto quando, apesar do calor

que sentia, tudo em mim congelou.

Tentei conter minha respiração. Tentei controlar as batidas do

meu coração, mas saber que eu o veria assim que cruzasse aquelas
portas, levou todo meu controle pelo ralo.

Quando cruzei a porta de vidro, acostumada com a recepção

pouco convidativa daquela casa, e encarei à minha frente, quis


chorar.

Conrad estava lá, sentado no sofá, recém-saído do banho e


muito menos machucado do que da última vez que eu o vi.

Entediado, como se aquela parte morta dele tomasse conta do

corpo, ele mudava os canais da televisão gigantesca à sua frente,


parecendo desinteressado em qualquer coisa ali, até que me notou.
A mudança de canais parou em um programa de reforma de

casas. Ele recolheu o braço e, como se fosse um robô, virou o rosto


na minha direção.

Eu, na minha gana de chegar até ele, apressei o passo, mas


assim que desci o primeiro degrau para a sala, precisei parar. Seu

olhar era raivoso, acusador, terrivelmente cruel, e colocou em volta

de si uma barreira que, no primeiro choque, não consegui

atravessar.

— Conrad… — disse seu nome numa mistura de alívio e

medo, mas ele não ouviu.

— O que faz aqui? Quem te deixou entrar? — Aquilo era raiva

na sua voz?

— Eu… — me desarmei. Não havia como lutar contra ele. —

Precisava ver você. O portão abriu e pensei que…

— Pensou o quê? Que pudesse invadir propriedade privada?

— Seu desdém me acertou em cheio e o ar me faltou. Travei a

mandíbula, tentando conter o nó na garganta e a vontade de chorar.

Não funcionou por muito tempo. — Se queria me ver, já viu. Agora


pode ir embora.
— Eu não entendo. Por que está me tratando desse jeito? —

Meu tom magoado não o atingiu e eu tentei dar um passo para trás,

me afastando daquela versão de Conrad que eu não gostava. Ele se

ergueu em resposta e deu um passo na minha direção, me deixando


ver com mais atenção os machucados dos mais variados tons de

amarelo na pele clara.

— Por que isso não é a porra de um conto de fadas, Red.

— Você está magoado por tudo, eu sei, mas…

— Você não sabe de nada. — A grosseria dele me cortou em

duas.

Definitivamente, eu não estava pronta para aquilo.

— Você acha mesmo que nós chamamos a polícia? Acha que

queríamos separar você e sua mãe?

— Não importa o que vocês queriam. Importa o que está feito.

— Conrad, para — balbuciei, enquanto a primeira lágrima

descia pelo meu rosto e avancei para perto dele. — Por favor, não

faz isso.

Suas mãos foram para o bolso da calça de moletom, mas as

minhas o envolveram.
Eu o abracei, morta de medo daquela ser a última vez, e me

senti absolutamente frágil quando não senti seus braços em volta de


mim.

— Scarlet — sua voz foi dura —, me solte.

— Não — neguei. — Não importa o que você diga ou faça

agora. Eu sei que você está machucado, que está magoado. Sou

capaz de virar as costas agora e fingir que este encontro aqui nunca
aconteceu, mas, por favor, por favor, diga que vai ficar tudo bem. —

Minha voz se tornou um sussurro enquanto minhas lágrimas

molhavam sua blusa.

O coração dele batia tão forte quanto o meu. Conrad suspirou.

Eu sentia que estava quase atingindo-o, que estava quase


encontrando a versão dele que me deixaria entrar de vez, mas

assim que ele tocou minhas costas, ouvimos passos de todas as

direções e ele se retraiu de novo.

Ergui o rosto o mais rápido que podia, sabia não estar no meu

melhor, mas não fugi.

Seus olhos brilharam por um segundo. Era uma mistura de

mágoa, insegurança, medo que logo foi levada por sua versão morta

ao ouvir a voz do pai.


— Achei que sua visita seria mais tarde, não sei se Conrad…
— E então, John parou, acompanhado por mais alguém que eu

desconfiava ser Caroline.

— Eu estou pronto — a voz sem nenhuma emoção disse e ele

ergueu o rosto, encarando onde o pai estava.

Recolhi meus braços, limpei as lágrimas e tentei me recompor.

— Scarlet? — o Prince pai me chamou.

— Olá, senhor Prince — o cumprimentei sem realmente

encará-lo.

— O que faz aqui? — Ele também não parecia muito feliz com
a minha presença.

— Vim ver se Conrad estava bem.

— Ela está de saída — o garoto que maltratava meu coração


anunciou.

Eu o perdoei e fiz que sim com a cabeça.

— Te vejo depois? — Minha pergunta baixinha não teve

resposta, até porque, todos os pescoços, menos o meu, se viraram


para ver quem vinha pelas escadas.
— O que está acontecendo aqui? — Isaac perguntou quando
notou o clima esquisito.

— Scarlet está de saída, a mãe de Conrad veio vê-lo — John


explicou. — E você?

— Vou sair. — Isaac, pela primeira vez, pareceu preocupado


comigo. — Scarlet, está tudo bem? Estou indo para o seu lado, se
quiser, posso te dar uma carona.

Funguei, ainda sem desviar o olhar do rosto de Conrad,


implorando qualquer migalha de atenção, mas não ganhei nada.

— Não se preocupe. — Minha voz saiu trêmula. — E-eu vou a

pé.

— Não, é loucura. Isaac, faça isso. Leve a garota. — Era uma


ordem direta, e naquele momento, eu não tinha força alguma para
contestar.

Foi como ter meu coração esmagado quando Conrad me deu


as costas e saiu pelo outro lado do sofá. Não consegui nem mesmo
ver para onde ele ia.

Fiquei parada, processando tudo aquilo.

— Scar? — Isaac colocou a mão no meu ombro sabe lá Deus


quanto tempo depois. Seu tom gentil ainda não me inspirava
confiança. — Ei, eu sei que você não está bem. Vamos sair daqui,
ok?

— Ok. — A afirmativa saiu da minha boca com alívio.

Eu queria mesmo sair dali. Queria nunca mais voltar. Queria,


na verdade, ser capaz de apagar aquela tarde toda da cabeça.

Isaac me guiou para fora com a mão no meu ombro. Eu me

abracei, e enquanto ele me colocava no carona do seu carro, minha


mente não conseguia deixar de tentar desvendar o que eu tinha lido
no olhar de Conrad, minutos atrás.

Por todo o caminho, enquanto via o tempo fechar, fiquei

trancada na minha mente, e só quando Isaac desligou o carro em


frente à minha casa, é que suspirei, parecendo que todo o ar que
tinha respirado dentro da sala dos Prince só tinha sido solto ali.

— Obrigada — soprei, tirando o cinto.

— Scar, não leve tudo isso para o pessoal. Meu irmão está
machucado e…

— Eu sei. — Minha vontade de chorar quase me dominou,


mas engoli tudo, quase estourando minha garganta e soltei: — Eu o
perdoo.

— Mesmo? — Ele parecia não acreditar no que ouvia.


— Sempre. — Olhei de soslaio para Isaac, tentando entender
seu tom de voz. — Por que é que você mentiu que nós chamamos a

polícia?

— Quem inventou isso? — Pela indignação de seu tom, não


parecia mentir.

— É o que dizem por aí.

— A polícia foi acionada pelos funcionários da casa, eu não fiz


absolutamente nada, nem falei de vocês, mesmo que Bella
merecesse.

Eu o medi por longos segundos, até ver que ele não tinha
motivo para mentir.

— Esqueça. — Suspirei e meneei com a cabeça. — Acho que

todo mundo precisa de um tempo para digerir essa droga.

— Não, não esqueço. Quem disse isso?

— Bella. — Não vi mal algum em dizer o nome dela.

— Ah, isso explica muita coisa, aquela vadia louca… — Não

gostei do tom de voz dele. — Sabe que ela mentiu, não é?

— Como assim? Eu falei com ela ontem, ela disse…


— Seja lá o que ela disse, mentiu. Bella saiu de casa hoje, lá

pelas três da manhã, e se está duvidando da minha palavra, posso


provar.

— Como?

Bufando por não gostar que eu duvidasse da sua palavra, ele

mexeu no celular e me mostrou o vídeo da garota de cabelos


escuros cruzando o corredor.

— Isso pode ter sido de qualquer outro dia, Isaac. — Não o

levei a sério.

Não podia.

Se pensasse na possibilidade de ser verdade, nunca mais me

recuperaria.

— Quer que eu procure nas câmeras de segurança de casa


para doer mais? Todo mundo sabe que eles têm um lance meio fixo
há anos.

Afastei aquele pensamento.

— Está tentando me envenenar? — Franzi as sobrancelhas,


não querendo aceitar qualquer hipótese de Conrad me… Como ele

poderia me trair, se eu não era nada sua?


— Não, mas odeio a forma como você duvida da minha
palavra.

— Que motivo eu tenho para confiar? — Meu desafio na mesa

foi recebido com um sorriso cafajeste. Eu não gostei.

— Relaxe, Scarlet. Eu agora tenho outros planos, e eles estão


vindo aí.

Ouvi a porta de casa bater e uma Susan bem-arrumada e feliz

saiu jogando os cabelos.

— Vocês estão…

— Saindo — Isaac completou. — É. Depois de um tempo


conversando, ela não é tão irritante.

— Meu Deus…— Não consegui esconder o espanto. — Boa


sorte. — Pulei para fora do carro antes dela pensar qualquer coisa
errada e surtar comigo ali.

Meu emocional precisava de um descanso, mas minha irmã


mal se importou de eu estar com Isaac.

— O vovô avisou que vai demorar hoje — Susan me avisou

quando passei por ela.

— Você demora para voltar? — Encarei o sorriso perverso


dela.
— Não me espere acordada.

Quando eles saíram pela rua, me deixando sozinha, não pude


dizer o quanto me senti aliviada. Queria chorar. Queria gritar. Queria

entender. E seria muito melhor sem ninguém dizendo “eu avisei” nas
minhas costas.
scarlet

Porque eu te amava naquela época e te amo agora e não sei


como… acho que é difícil saber quando ninguém mais vem por aí,
se eu estou te superando ou apenas fingindo que estou me

convencendo de que te odeio.

m a l e f a n t a s y, b i l l i e e i l i s h

Erguer-me daquele chão foi a coisa mais difícil que eu já tinha


feito na vida.

Sentia Conrad escorrendo pelas minhas coxas, em cada parte


dolorida do meu corpo, ardendo. E ainda assim, apesar de toda a

dor física, nada poderia doer mais do que o meu coração.


A dor era dilacerante. Queimava. Estava em carne viva.

E não havia droga ou bebida que fosse capaz de diminuir, de

aliviar, de melhorar um pouquinho aquilo tudo.

Ajeitei a roupa sobre o corpo, tateei no escuro atrás da


maçaneta e, sem nem olhar em volta, caminhei silenciosamente de

volta para o meu quarto. Sem coragem de ver o estado do meu

corpo, não acendi a luz, não olhei para baixo. Passei os dedos no
maço de cigarros e no isqueiro sobre minha mesa de cabeceira e fui

direto para o banheiro.

Eu só me livrei das botas.

Entrei no boxe, girei o registro para a pressão máxima, e

quando a água gelada caiu sobre a minha cabeça, abri minha boca
e gritei.

Gritei alto, com tudo de mim.

Quando finalmente consegui me livrar da agonia, dei olá para a


vergonha, a tristeza e o arrependimento.

Bati a testa contra a parede algumas vezes, querendo ter

coragem de fazer com mais força. Querendo ser capaz de rachar

meu crânio ao meio e arrancar Conrad, seu olhar, suas mãos, seu
gosto, seu sexo e seu cheiro dos meus pensamentos, das minhas
memórias mais cruéis.

Queria que ele continuasse a ser só o garoto pelo qual eu me

apaixonei de tanto observar, que não tivesse entrado na biblioteca

naquele dia, que não tivesse pulado no riacho para me salvar.

Queria mesmo que ele não estivesse lá para me salvar, porque


estar morta significaria não sentir, e eu odiava o que sentia naquele

segundo.

Na verdade, eu odiava o que sentia por todos aqueles últimos

cinco anos.

A pressão de ser alguém que eu não sabia se queria ser me


corroía. A sensação de dívida eterna com os Prince, o medo de ser

taxada de ingrata… Por que eu só não conseguia seguir em frente?

Por que era tão difícil odiá-lo, mesmo com todos os motivos do

mundo?

Eu o odiava por me fazer querê-lo, e o odiava por ter aceitado

minha mão naquela noite, mas não podia dizer que ainda o odiava
quando o beijei, quando revivi a única época feliz da minha vida,

quando o tive da forma mais brutal e significativa que alguém

poderia ter.
Ele era meu primeiro beijo.

Ele era meu primeiro homem.

E eu era uma vagabunda amaldiçoada.

Suspirei, com o peito tremendo, não sabendo como ainda


conseguia chorar.

Enquanto a água gelada descia, esfreguei meu rosto, meu

peito, os braços. Tentei me lavar entre as pernas, pensando se


aquilo seria o suficiente para evitar um acidente ainda pior, e entendi

que não era hora de me punir ainda mais pensando em uma


possibilidade tão remota quanto uma gravidez acidental.

Arranquei a roupa molhada, joguei para o canto do boxe e, no


escuro, me sentei no chão. Procurei pelo meu cigarro, e mantendo a

cabeça fora do fluxo de água, fumei um atrás do outro na vã


tentativa de que as lágrimas diminuíssem. Até que a vontade de ir
atrás dele e pedir mais deixasse meu sistema.

Conrad tinha me machucado, mas eu nunca amei tanto sentir

dor.

Conrad tinha me marcado, muito, mas eu nunca pensei que


poderia ser diferente.

E era isso que me fodia.


Quando o assunto era Conrad Prince, eu nunca sabia dizer

não.

Quando era com ele, eu sempre abriria uma exceção.

Eu só não sabia se isso me tornava louca ou masoquista.

Se isso me tornava tão cruel quanto ele.

Se me fazia ser exatamente todas as merdas as quais ele

acusava.

Traidora, mentirosa, vagabunda — sua voz queimou minha


cabeça.

Eu era, eu era, eu era. Mil perdões, mas eu era.

E o que faria com isso?

Não sabia.

Então fiquei ali, eu e meu cigarro. Eu e o escuro.

Eu e as mil e uma possibilidades de futuro que nunca

existiriam, porque o amor da minha vida nunca me amaria de volta.


E mesmo que amasse, nunca poderíamos parar ou conter aquele

ódio.

E eu não podia, e nem queria, machucar quem esteve comigo


por todos aqueles anos.
A lealdade, a amizade e o cuidado de Isaac foram o que
fizeram meu corpo sobreviver.

E, fosse ele o que fosse, mimado, difícil, arrogante, era tudo o


que eu tinha.

Era a minha família, pelo menos, nos últimos cinco anos.

Meu maço de cigarros acabou. Eu não tive coragem de sair


dali.

Queria que o chão me engolisse.

Que meu coração parasse.

E ele quase parou, quando, de repente, Isaac abriu a porta do


banheiro e acendeu a luz.

A fofoca devia ter se espalhado. Eu sabia que todo mundo

estava de olho em mim e em Conrad entrando naquela salinha. Que


meu corpo exibia marcas demais depois de eu sair dela.

— Scar… — O peso de sua decepção bateu no meu rosto.

E eu assisti conforme a compreensão baixava sobre ele.

Isaac Prince, o loiro atlético e perfeito, o único amigo que tive


durante todos aqueles anos, estava quebrado. A fúria o fez entrar

embaixo do chuveiro e erguer meu corpo do chão.


Suas mãos massacraram meus braços já doloridos, enquanto
ele revistava meu pescoço, peitos e todo o resto. Quando os olhos
dele voltaram ao meu rosto, arregalados, horrorizados, vi um ódio

genuíno brilhar neles.

— Ele te forçou?

Não tive coragem de responder em palavras e neguei com a


cabeça.

— Valeu a pena?

E, daquela vez, por mais que eu fosse muito boa em mentir,

tudo o que saiu da minha boca foi:

— Eu sinto muito.

As mãos de Isaac me jogaram para trás. Minhas costas

bateram contra o registro.

Ele me machucou fisicamente, mas nada doeu mais do que o


nojo em seu rosto.

— COMO VOCÊ PÔDE? COMO? — gritando, ele saiu do


banheiro e, enquanto me xingava de todos os nomes conhecidos,

quebrou todo meu quarto em seu acesso de fúria.

Sabendo que não tinha o que fazer, me encolhi no cantinho do


boxe, me escondendo, esperando tudo acabar logo. Quando
finalmente ele saiu pela porta, desliguei o chuveiro e, pisando sobre

vidro quebrado, sentindo a dor massacrar meus pés, achei o resto


da cartela de comprimidos para dormir jogada e tomei os últimos

três de uma vez, triste por não ter mais.

Eu podia provocar uma overdose.

Podia entrar em um coma profundo.

Qualquer coisa seria melhor do que lidar com a realidade, e foi

convencida disso que deitei e apaguei, querendo nunca mais

acordar.
conrad

despedacei meu coração, eu me fechei. minha fraqueza é me


importar demais e minhas cicatrizes me lembram que o passado é
real. despedacei meu coração só para sentir.

scars, papa rouch

Minha garganta arranhava.

Queria colocar as mãos em Scarlet no claro. Queria olhar em


seus olhos para entender, mas assim que virei no corredor do seu

dormitório, o que encontrei fez todas as minhas boas intenções


apodrecerem.
— O que está fazendo aqui? — perguntei, parando a alguns

passos dele.

Meu meio-irmão encarava a parede à sua frente, indignado,

sentado com as costas contra a porta dela.

— Como foi? — Seu tom sugestivo me dizia muito.

— Não é da sua conta — rebati, mas ele continuou, me


ignorando:

— Esperei por ela por cinco anos. Cinco longos anos. E você

nem mesmo chegou direito e já a tomou de volta… Como? Depois


de tudo, como você conseguiu? — Erguendo o rosto para o meu,

Isaac parecia inconformado.

— De novo, não é da sua conta.

— Ah, é… — Isaac se ergueu, batendo as mãos uma na outra

e, endireitando sua roupa, se virou para mim. — É da minha conta,

sim. Scarlet não para de chorar, com aquelas marcas todas no


corpo, a perda da virgindade, o histórico de vocês… Sabe o que

aconteceu? Eu a convenci de que você abusou dela.

— O quê? — Dei um passo para frente, minhas veias

queimando conforme eu fechava os punhos. — Você o que, seu

filho da puta?
Isaac sorriu, tão cruel quanto qualquer outra vez.

— Você acabou com ela, Conrad. Você é o vilão. Quando

sugeri o que poderia ter acontecido, ela enlouqueceu, quebrou o

quarto todo. Só conseguiu se acalmar quando prometi que estaria

ao seu lado, caso ela quisesse te denunciar. O que acha? Será que

desta vez você se livra da prisão?

Ameacei ir para cima dele e meu irmão deu um passo para

trás, rindo.

— Isso, me bata. Bata muito. Vai ajudar na hora de dizer que

fui defender Scarlet e você me agrediu. Mais uma queixa na sua

ficha.

— Seu…

Ele queria que eu perdesse a razão. Ele queria que eu me

descontrolasse.

Isaac queria, de todo jeito, sair por cima.

— Você sabe que o que te deu a chance de ficar com ela, de

se aproximar, foi eu ter ido embora, não é? — provoquei também. —

Que você é e sempre será o prêmio de consolação.

— E, mesmo assim, você terá que suportar que é com o

prêmio de consolação com quem ela vai ficar, com quem um dia vai
se casar. — O sorriso de Isaac estava pedindo para perder alguns

dentes. — Ela te odeia, Conrad. Você, além de todo o mal que já


causou a ela, a estuprou.

— NUNCA! — rosnei, me segurando no limite para não


avançar sobre Isaac. — Eu nunca faria isso.

— Mas agora é o que ela acha que aconteceu, até porque,

você tem noção de quão delicada é a pele de Scarlet? Seu controle


de raiva não está em dia, está? Acho que não, ou você não teria

feito tudo aquilo com ela… E se você duvida do que eu contei, a


porta está aberta. Volte aos seus joguinhos de perturbá-la, eu não
ligo, isso só vai fazê-la te odiar mais. E se você não se importa,

estou indo porque deixei uma amiga em comum na minha cama,


completamente nua. — Ele passou por mim e parou antes de

continuar: — O que será que você tem feito de errado que todas as
garotas que tinham algum tipo de paixão por você, agora estão

todas comigo?

Quando Isaac sumiu pelo corredor, precisei respirar fundo

algumas vezes.

De fato, eu tinha problemas com a minha raiva.


Não seria nada difícil ir atrás dele e socar seu rosto até

quebrar cada mínimo osso. Dar com sua cabeça na parede ou


esganá-lo até que ele parasse de respirar…

Seja racional — pensei.

Não podia deixar Isaac entrar na minha mente daquela forma.

Não podia permitir que ele vencesse quando, no dia seguinte,


a minha vingança poderia acabar com ele.

Porém, depois de tudo, aquela ameaça… Ele tinha mesmo

feito a cabeça de Scarlet?

Caí na tentação.

Minha mão foi direto para a maçaneta de seu quarto. Meus

dedos gelaram, mas eu a girei. A porta rangeu quando abriu e, pela


luz da lua do lado de fora, precisei engolir a seco minha vontade de

xingar, de gritar comigo mesmo.

O quarto estava uma bagunça. Havia sangue no chão, cacos

de vidro, livros e roupas por todo lado, mas não era aquilo que me
preocupava.

Na cama, de costas para mim, deitada de lado, nua e

descoberta, estava Scarlet.


O cabelo meio úmido estava uma bagunça, mas não foi ele
quem chamou minha atenção.

Seu corpo era uma mistura de cores insana.

Os braços, a cintura, as costas, a bunda… até a altura das


coxas, não havia um canto de Scarlet onde minhas mãos não

tinham apertado, batido, machucado.

Que porra tinha acontecido dentro daquela sala?

Que demônio tinha se apossado do meu corpo?

Passei a mão nos cabelos, perturbado.

Como ela não me pediu para parar?

Mas mais do que isso, como é que Scarlet, me pedindo por


aquilo, tinha acreditado na ideia louca do meu irmão?

Eu…

Respirei fundo, encarando de novo o corpo nu da menina


adormecida ali e, como ela não tinha se movido, cruzei o portal e me

aproximei cuidadosamente de sua cama. Toquei seu braço. Queria


ver o restante dela.

Para minha sorte, ela não acordou. O máximo que Scarlet fez

foi deitar de barriga para cima, me dando uma visão perfeita de


tudo. Foi então que entendi que não importava o que eu dissesse.
Se ela realmente caísse na besteira de ir na de Isaac e me acusar
de estupro, ninguém duvidaria.

— Caralho… — xinguei baixo, tentando entender a confusão

em que tinha me metido por não controlar o sentimento que achei


não existir e saí daquele quarto.

O cheiro dela me chamava. O corpo, o gosto… Era tudo puro

veneno.

— Desgraçada — soprei mais uma vez quando bati a porta do

quarto e senti o sabor da derrota na boca. Era amargo demais,

assim como perceber que o que a garota tinha tentado matar


naquela sala escura quando fodeu comigo estava vivo.

Mais vivo do que nunca.

E, para piorar, dentro do meu peito também.


scarlet

olhos castanhos culpados e pequenas mentiras. sim, eu me fiz de


boba, mas sempre soube que você falava com ela, talvez tenha feito
pior ainda. eu fiquei quieta para poder manter você. e não é

engraçado como você correu para ela no segundo em que


terminamos? e não é engraçado como você disse que eram

amigos? agora com certeza não parece isso. você me traiu e eu sei

que você nunca vai se arrepender pelo jeito que me machucou.

t r a i t o r, o l i v i a r o d r i g o

cinco anos atrás

O que está
fazendo?

A mensagem chegou enquanto eu olhava para o teto naquela

sexta esquisita.

O número era diferente, um que eu nunca havia visto.

Conrad?

Meus dedos estavam duros no teclado.

Olá, Red.

Meu coração estava tão machucado, eu tinha tantas perguntas

para fazer que, antes de respondê-lo, olhei para o céu noturno. Já


passavam das oito, meu avô não estava em casa e Susan cantava

no chuveiro.

Nada. E
você?

Queria vê-la.
Acha que pode
me encontrar no
parque?

Agora?
É.
Precisamos
conversar

Algo não estava certo.

Meu coração sentiu. Pesou. Mas ainda que eu soubesse,

meus dedos teimosos e ansiosos responderam rápido.

Estou
indo.

Era a primeira vez que eu estava de calças naquele verão e eu

não me preocupei de trocá-las quando coloquei os tênis. Bem


naquele segundo, minha irmã apareceu na porta do quarto, me

olhando, desconfiada.

— Aonde vai?

— Ao parque. — Tentei não discutir, ou dar brechas para ela

causar. — Quer ir?

— Vai encontrar alguém lá? — A curiosidade dela me irritou

um pouco.
Saindo com Isaac, ela sabia muito bem da minha situação com

Conrad.

— Se está esperando que eu diga, para fazer algum alerta…

— séria, disse aquilo já me colocando de pé.

— Não. Espero que se divirta…

— Obrigada. Eu volto antes do vovô — avisei quando ela saiu


do caminho.

Naquela sexta, meu avô ia usar a marcenaria de um amigo

depois do horário de funcionamento e acabaria jogando baralho e


bebendo alguma coisa por lá.

Nós nunca o julgamos, ele tinha direito de continuar a ter uma


vida, mesmo depois de assumir a responsabilidade de criar a mim e

a Susan, mesmo que aqueles momentos de diversão agora fossem


menos frequentes.

Quando caí na rua e enfiei as mãos nos bolsos da calça, me


encolhendo contra o vento de chuva, tomei aquilo como um aviso.

Mãos geladas e coração frio, Scarlet. Você precisa descobrir

como as coisas estão — pensei.

Aquele era um bom caminho para seguir, ainda que eu tivesse


certeza que ao colocar os olhos em Conrad, cada célula minha
pegaria fogo.

Mesmo com o anúncio de chuva, o parque estava lotado. A

música do carrossel enchia o lugar, o riso, as conversas animadas.


As crianças correndo, os adolescentes rindo, os adultos fingindo que
não tinham responsabilidade depois de uma semana intensa de

trabalho, e eu no meio deles, perdida, procurando pelos olhos


escuros aos quais eu era viciada.

Vasculhei cada centímetro do lugar, cada fila de brinquedo,

cada atração que sabia que ele gostava, até que, foi só olhar para
cima que, milagrosamente, eu o vi.

No alto da roda-gigante, Conrad estava com Bella.

Os braços dela em volta do pescoço dele, e de onde eu via,


com certeza aquilo era um beijo.

As lágrimas brotaram nos meus olhos.

Eu quis gritar. Jogar algo neles. Mostrar que estava ali.


E parecendo ouvir meu desespero silencioso, ele moveu a
cabeça, tirando a boca dela da dele e olhou para baixo. Seus olhos
queimaram em mim, mas Conrad não disse nada.

Não que isso importasse muito.

Quando corri dali, achei que meu corpo não fosse suportar a

dor.

Aquela era eu, o pequeno Heathcliff correndo com o coração

quebrado por Catherine Earnshaw. A diferença era que não havia


meias-verdades. Eu tinha visto tudo.
scarlet

o que eu senti, o que eu soube, nunca refletiu no que eu demonstrei.


nunca livre, nunca eu mesmo, então eu vos nomeio os
imperdoáveis.

the unforgiven, metallica

Eu não sei por quanto tempo dormi, mas quando acordei com

as batidas violentas na porta, já estava escurecendo.

— Acha que ela está bem? — alguém perguntou.

— Scarlet, se você não abrir, vou entrar. — Reconheci a voz

John e eu dei um pulo, sentando e fazendo tudo girar.


— Espere — falei o mais alto que podia e voltei a fechar os

olhos, tentando me localizar no mundo.

Respirei fundo algumas vezes, esfreguei o rosto e me

espreguicei.

Ao abrir os olhos e ver a bagunça do ambiente, soube

exatamente onde estava. Por que estava. Como estava. E a tristeza

me abraçou.

Sem conseguir me olhar direito no espelho quebrado, sabendo

que estava uma bagunça, prendi o cabelo no alto da cabeça, tentei


tomar mais cuidado onde pisava e me enrolei na colcha da cama.

Aquela era a única possibilidade de atender a porta antes de

invadirem e verem o estado do meu quarto.

Tentando o meu melhor para esconder as marcas que sabia

ter, abri uma fresta da porta e vi os olhos de John mais aflitos do

que nunca sobre mim.

— Você está bem?

— Eu… — Movi um pouco a cabeça, não entendendo o que

acontecia, vendo Maressa ao seu lado. Ambos pareciam muito

preocupados. — Estou. O que aconteceu?

O alívio dele ao ver minha confusão foi imediato.


— Estão dizendo por aí que Conrad te…

— John — eu o interrompi —, não quero falar disso, mas —

desviei o olhar por um segundo, repensando se deveria dar aquela

satisfação, e sabendo que para ele eu realmente precisava, encarei-

o como nunca na vida e completei — tudo foi consensual.

— Tem certeza?

Comprimi os lábios, confirmando com a cabeça.

— Certo. Precisa de algo?

— Não — menti.

Precisava de outra vida, mas ele não queria me dar uma.

— Então, por favor, se arrume e desça. Você é um dos nomes

inscritos para a última prova do torneio.

— Eu? — Fiquei confusa. — Mas não me inscrevi em nada…

— Não, mas eu inscrevi meus três filhos na caça ao tesouro.


— Não era algo negociável. — Te vejo depois.

John saiu andando pelo corredor antes que eu tivesse tempo

de pensar em fechar a porta.

Por sorte, Maressa ficou ali. A mulher de pele negra e grandes

olhos sábios se aproximou da fresta da porta e me perguntou:


— Scarlet, querida?

— Oi… — Minha voz saiu flácida. Eu queria chorar.

— Você precisa de alguma ajuda?

— Não preciso, eu já… — Ela me interrompeu:

— Ajuda feminina, sabe?

— Ah. — Ergui o rosto, entendendo o que ela me oferecia. Abri


um pouco mais a porta para vê-la melhor e confirmei com a cabeça

enquanto a lágrima muda rolava pela minha bochecha.

— Vocês usaram proteção?

— Não. Na hora, eu nem pensei nisso… — Mais uma burrada

para a lista interminável.

— Ah, menina. — Doce como sempre, ela sorriu para mim,


tentando me confortar. — Não se preocupe. Mais tarde, encontro
você com ajuda.

— Certo. Obrigada. — Tentei sorrir de volta. — O que eu devo

vestir?

— Roupas de banho e algo atlético por cima. Vocês vão para a


floresta.
— Ok… E — antes de fechar a porta, precisei perguntar —

quem foi até John? Quem inventou isso?

— Isaac. E eu sinto muito, mas parece que todos estão


comentando.

Meu estômago revirou.

— Obrigada. — A palavra saiu num ruído maldito da minha


boca antes de eu fechar a porta e voltar para a cama, me sentando

sem saber o que fazer.

Eu não podia conversar com Conrad. Não me atrevia ficar


sozinha com ele de novo.

E não queria mais falar com Isaac. Sabia que aquele boato
ganhava vida pela minha traição à sua confiança, mas também tinha

dedo do seu ego quebrado por saber que eu tinha dado ao irmão
algo que sempre neguei a ele.

Completamente consciente de que ao sair do meu quarto,


enfrentaria uma batalha, tentei meu melhor. Escovei o cabelo como

dava, prendi tudo no alto da cabeça em um rabo de cavalo e tentei


esconder as marcas mais aparentes que a gola da cacharrel preta

não dava conta com maquiagem. Não me preocupei com a roupa de


banho, já que não entraria de jeito nenhum no lago, pois não sabia
nadar, e então quando chegasse a hora, choraria para John me
deixar voltar ao meu quarto com a desculpa de que estava com dor

de cabeça e aquele inferno de parecer uma família feliz ao lado


daqueles três acabaria.

Vesti a calça preta de tecido sintético, meus tênis, joguei a


jaqueta dos Lions por cima de tudo e saí do meu quarto evitando

qualquer olhar, qualquer conversinha fiada.

Não queria alimentar a história de ninguém. Nem deixar que


me machucassem mais.

Quando, finalmente, coloquei os pés no jardim, agradeci por


outubro estar indo embora, mesmo que molhado e implacavelmente

frio.

Parecia meu coração, e eu não fiquei parada ali para me ver


congelar e quebrar como ele.

Avancei escondida na multidão para atravessar o gramado e


descer para a floresta, seguindo a trilha iluminada que os troncos

tinham, sabendo que para uma última prova, John tinha se


esforçado para fazer-nos suar.
Por sorte, o palco não estava armado naquela noite, e apesar
de eu ver Isaac perto de seu pai na pequena clareira, me mantive
longe o bastante para mostrar que não queria aproximação. Meus

olhos estavam aflitos por outro motivo, e foi um misto de alívio e

frustração não ver Conrad lá.

— Finalmente, a última noite! — John chamou nossa atenção

com seu megafone. Havia muita gente mesmo ali, e a algazarra que
fizeram quando ele chamou pelo público foi ensurdecedora. — Eu

agradeço por ter os melhores alunos, os mais inteligentes, os mais

atléticos e capazes que qualquer universidade europeia já viu. São

vocês que fazem esta casa ser uma das mais disputadas e, por
anos, a melhor e mais tradicional instituição de ensino deste

continente.

Houve mais gritos e palmas.

— Hoje mudaremos os moldes porque, apesar de suas

fraternidades estarem competindo, descobriremos como será


trabalhar em grupo. Vinte alunos estão inscritos, o restante de vocês
está aqui para apoiar seus colegas, e verão como eles se

comportam dando as mãos para outras fraternidades. — A plateia


se dividiu. Parte aplaudiu, parte vaiou. — Garotos, pensem… —

John os tinha na palma da mão. — Podemos competir entre nós,

mas lá fora — e os olhos escuros de John Prince vieram sobre mim,


fazendo a vontade de ser invisível ser mais forte do que nunca

quando ele completou — somos uma família.

Somos porra nenhuma — quis gritar, mas não o fiz.

— Se você está inscrito nesta noite, saiba que vantagens

foram adicionadas ao desafio. O time vencedor da noite leva cinco


mil libras extras, cedidas por velhos patrocinadores. O jogador que

liderar melhor seu grupo, ganhará duas mil libras a mais. —

Ninguém mais pareceu achar aquela coisa de se misturar ruim. —

Então, caso você seja um dos competidores, venha até aqui para
que encontre seu grupo e receba sua missão. Há itens escondidos

nesta floresta e vocês precisam encontrá-los fugindo das armadilhas

e de sabe lá mais o que se esconde no escuro — John tentou fazer


graça e ser minimamente assustador, mas ninguém levou aquela

parte a sério.

De algum jeito, todo mundo, inclusive eu, estava focado no

dinheiro.
Certa de que faria meu melhor, fui para a fila de espera como

qualquer outra pessoa, sabendo que havia olhares demais

queimando nas minhas costas, e esperei minha vez.

Maressa me deu o número, um envelope e piscou para mim.

— O que faço?

— Procure outras pessoas com esse número. Elas serão seu

grupo. Cada uma de vocês terá um envelope com dicas e o objeto

que precisa ser encontrado.

— Ok — agradeci antes de me afastar, encarando a plaquinha

na minha mão com um cinco desenhado de um lado e o logo do


leão dos Lions do outro.

— Scarlet? — A voz fria de Isaac me chamou e,

instintivamente, ergui o rosto.

Meu peito se aqueceu com raiva.

— Eu… — ele tentou.

— Não tenho nada para falar com você. — Meu tom de voz

cortou suas intenções ao meio. Isaac esfregou o queixo, inflou os


pulmões e concordou com a cabeça.

— Boa sorte. — O desejo dele era o mesmo que nada, e sem


mais explicações, ou querer continuar perto de Isaac, dei as costas,
fugindo dele, e agradeci por não o ver insistir.

Alguma hora, eu conseguiria ser racional e gritar com ele por

saber que a mentira tinha se espalhado por sua culpa, mas aquele

não era o momento.

Meu foco era outro, e usei dessa energia para procurar meu

grupo.

E assim que eu vi o número cinco brilhando em fundo verde,

nas mãos de alguém que eu odiava, não pensei duas vezes.

— Como troco isso? — Foi a primeira coisa que perguntei,

erguendo a plaquinha para Thomaz e duas meninas que nunca

tinha visto na vida.

Ele deu um sorriso debochado.

— Não pode trocar, Scarlet. — O deboche em sua voz me


consumiu.

— Tem certeza?

— Terá que me suportar pelo resto da noite. — Havia orgulho

em sua voz e eu fiz a maior cara de nojo possível.

— Não se puder evitar. — Ignorando-o, deixei-o de lado e olhei

para as outras duas pessoas que nunca tinha visto na vida. — Sou

Scarlet, como se chamam?


— Lilian. — A menina de cabelos pretos presos como os meus

exibindo uma águia no peito pareceu mais disposta a fazer as

coisas darem certo. — E essa é Sammy.

— Ótimo. O que vocês pegaram? — Precisei incluir Thomaz

na pergunta quando ergui o envelope.

Quanto mais cedo aquilo acabasse, mais cedo eu poderia dar

no pé.

Todo mundo do grupo rasgou o pedaço de papel e arrancou


dele um card.

— O meu é o desenho de uma chave pendurada em uma


árvore. Tem um mapa atrás… — Lilian respondeu, intrigada.

— O meu é uma caixa dentro da água. — A garota Badger,

Sammy, ajeitou os óculos e me perguntou: — Teremos que nadar?

— Provavelmente, só um de nós. — E eu ia fazer o escolhido

ser Thomaz. — E você? — perguntei para o garoto que nunca me


desceu direito.

— O seu primeiro.

— É uma faca. — Mostrei o card entre os dedos, girando para

que ele visse o pequeno mapa atrás.


— O meu é uma tocha. Mas qual a ordem disso? — Seu

cérebro não parecia ter sido derretido depois de tanta droga, no final
das contas.

Naquele segundo, um apito chamou nossa atenção.

John voltava a nos chamar.

— Competidores, se coloquem em suas posições.

Apontando para seguirmos um pouco mais para baixo de onde

estávamos, chegamos às grandes árvores com os números

referentes aos grupos pendurados nelas.

— Vocês têm duas horas para terminar a prova, e isso significa

que precisarão correr. As trilhas estão sendo monitoradas, então


tentem não se perder. Se, por acaso, isso acontecer, cada um de

vocês agora vai receber um apito. — Uma garota de boné azul veio

distribuindo de mão em mão o objeto. — Soprem apenas em caso

de emergência, e isso se enquadra em membro ferido ou perdido.


Entenderam?

— Sim — o murmúrio foi geral.

— Certo. Boa sorte até a fogueira. Até lá, vocês estarão juntos,

e depois… — O tom misterioso dele daquela vez conseguiu causar

arrepios na minha nuca. — É, boa sorte.


Por um mínimo segundo, não me segurei e olhei para as
outras equipes.

Se John tinha inscrito seus dois filhos, onde estava Conrad?

Meus olhos não captaram os seus naquele minuto, mas aquela

queimação maldita de quando ele estava perto não parava de me


incomodar.

— Corram! — o reitor mandou.

A plateia gritou.

Nós corremos.

E, naquele segundo, entendi que não havia alternativa.

Eu precisava ganhar, como competidora e como líder.

Aquele dinheiro todo seria meu passe para a liberdade.

Ignorei a dor dos pés feridos e tive plena certeza de que ainda

havia estilhaços de caco de vidro neles. Mesmo assim, não parei de


correr por nenhum segundo. Meus pulmões reclamaram daquele
esforço já que eu não era dada a exercícios e fumava feito uma
chaminé, porém, nada me fez parar de correr na direção da grande
fogueira que brilhava há vários e vários metros à nossa frente.

Thomaz também tinha a desvantagem de ser fumante, e

mesmo que praticasse esportes, não parecia confortável em correr


no escuro, precisando desviar de raízes que poderiam quebrar seus

tornozelos, monte de folhas que podiam abrigar animais


peçonhentos, ou moitas com bichos que não daríamos conta.

Essa sensação só piorou quando algo grande uivou e fez


todas as equipes pararem no lugar. Eu mesma fui uma que

desacelerou bruscamente para ouvir melhor.

— Isso é… — Nem terminei minha pergunta.

— Um lobo, eu acho — a garota Bird respondeu, tão atenta

quanto eu.

— Bom, se vocês quiserem ficar aqui paradas, eu vou indo. —


Thomaz foi o primeiro a se recuperar. Outros o imitaram e eu não

me deixei ficar para trás.

Era óbvio que competiríamos pelo lugar da liderança.

Depois de quase meia hora de corrida intensa, chegamos


aonde as tochas estavam.
Fomos o segundo grupo no meio da balbúrdia e conseguimos
acendê-la com rapidez.

— Certo, agora, pra onde? — a menina dos Badgers que eu já

tinha esquecido o nome perguntou e me esforcei para analisar o


pequeno mapa atrás do meu card.

— Acho que é a faca. Com ela, nós vamos cortar a corda da

chave e então vamos para o lago.

— Vamos precisar entrar na água? — O tom desanimado da


garota me confortou.

— Acho que um de nós já basta, e eu voto que seja o homem.

— Eu não vou entrar naquela porra. A água vai estar mortal,


além de que é fundo. — Ele tentou fugir.

— Eu voto pelo homem — a Badger disse.

— Eu também — A Bird a seguiu.

— Ótimo. A maioria vence. — Encarei Thomaz, devolvendo


todo deboche dele sobre mim ao longo daqueles anos e, da forma
mais ameaçadora que podia, disse: — Não se constranja de nadar

na água gelada. Ninguém liga muito para o que você esconde


dentro das calças. — Dei as costas, já caminhando para onde
achava que devia ir.
Sete mil libras me deixaram corajosa, e assumindo o posto na
marra, segui na frente na direção que o mapa indicava, sabendo

que ele estava carregando a tocha bem atrás de mim com as


garotas que, infelizmente, estavam no meio de um fogo cruzado.

Secretamente, eu sabia exatamente aonde ir.

Alguns anos atrás, logo quando Isaac entrou na universidade e


eu ainda não podia frequentá-la, fui visitá-lo e resolvemos caminhar.
Isaac e eu nos enfiamos na floresta por achar que seria uma boa

ideia acender uma fogueira perto do rio e acabamos descobrindo


uma caverna no pé de uma das paredes de rocha que sustentavam
o terreno do castelo que ficava no alto.

Aquele desvio nos faria atrasar, era como se estivéssemos


voltando todo o caminho em ziguezague, pois a chave ficava para o
outro lado e o píer do lago um pouco mais para frente de onde

iríamos buscar a faca.


Parecia que John queria nos manter entretidos dentro de um

perímetro seguro, e eu não o julguei. Se alguma merda


acontecesse, era ele quem responderia por ela.

Ninguém do meu grupo era realmente muito atlético e quando

finalmente descemos pelo terreno mais íngreme e encontramos o


que eu queria, pedi a tocha de Thomaz, enquanto todo mundo
aproveitava a pausa para recuperar o fôlego.

— Olha lá — indiquei. — O facão.

— O reitor é doido de colocar uma arma dessa nas nossas


mãos? E se um de vocês vira um tipo de serial-killer? — A Badger,
ofegante, se sentou, tirou os óculos embaçados e, limpando a testa,

se virou para ver nossos olhares incrédulos em sua direção.

— Quem vai subir? Não conte comigo. Sou uma merda em


escalada — Thomaz avisou.

— Eu também acho que não aguento — a garota com


camiseta de águia falou, e eu não esperei mais uma recusa.

Dei a tocha para a garota mais próxima e indiquei para

Thomaz que precisaria de ajuda.

Ele não recusou. Me dando o impulso que precisava, consegui


encaixar as mãos entre pedaços da rocha fortes o bastante para içar
meu peso por elas e comecei o maldito exercício, pensando no
porquê havia começado a fumar.

Eu sabia o motivo. E aquela era mais uma coisa que Conrad

Prince direta ou indiretamente tinha estragado para mim.

Com muito custo, completamente concentrada e com medo de


enfiar a mão onde poderia ser picada por aranhas, ou ter uma bela
queda ao escorregar, ganhei alguns arranhões, mas finalmente

meus dedos roçaram o cabo da faca pendurada no alto.

— Consegui! — avisei. — Saiam de baixo, vou jogar! — Mas


não ouvi uma devolutiva. Por um segundo, um frio desgraçado

passou pela minha espinha e eu soube que havia algo errado. —


Gente? — perguntei e me atrevi a olhar para baixo.

Eu estava há pouco mais de cinco metros do chão, mas vi

perfeitamente a tocha queimando presa à terra e ninguém,


absolutamente ninguém, lá embaixo.

— Porra! — xinguei alto, derrubei a faca e tentei fazer o

processo de descida o mais rápido possível.

No último metro, eu caí.

Minha bunda bateu com força no chão e eu segurei o grito na


garganta.
Xinguei mais uma vez e fechei os olhos.

O que faltava acontecer?

Levantei-me em um pulo, sentindo todo meu corpo dolorido e

bati com as mãos uma na outra antes de limpar meu traseiro cheio
de terra. Durou menos de cinco segundos de distração, mas quando
ergui o rosto de novo, lá estavam os três.

— Aonde é que vocês foram?

— Pegar umas coisinhas — Thomaz avisou, um meio-sorriso


rasgando sua boca e, de repente, ele veio para cima de mim.

Eu caí mais uma vez sem entender direito o que acontecia, e

quando processei, era tarde demais.

Eles iam me matar. Eu tinha certeza. Eu ia morrer.

O ar me faltou, a sensação de tudo pequeno, sufocante,

apertado, tomou conta da minha mente e dos meus pulmões


quando um saco preto veio parar na minha cabeça.

— Que porra é essa? — Tentei afastá-lo, me debati, chutei e


soquei o ar quando consegui, mas com a ajuda das outras duas, ele

amarrou minhas mãos e meus tornozelos.

As cordas arderam contra a minha pele.


— Ótimo. — Senti um tapa pesado contra minha coxa e ouvi a
voz de Thomaz. — Você deveria odiá-lo mesmo, menina. Seria mais

fácil para todo mundo.

Quando meu corpo foi erguido como se eu fosse nada sobre o


ombro de alguém, tentei me acalmar. Conrad não me faria mal. Ele

não podia me fazer mal. Não tinha a mínima condição de alguém


fazer o que tínhamos feito na noite passada e a consequência
daquilo ser um assassinato, mas, minutos depois, quando fui jogada

no chão, pensei que estava errada. E não era porque, quando o


pano preto saiu da minha cabeça, eu vi uma multidão segurando

velas e me encarando como se eu fosse um bicho.

Nem porque em volta de nós, eu vi quadros enormes de Isaac


pelado, com outras meninas, com a minha maior insegurança em
forma de mulher na face da Terra que era Bella. Foi porque, lá na

frente, no único vão da multidão, estava Conrad. E na sua frente,


uma cova aberta me esperava.

Como eu sabia que era minha?

A lápide tinha o meu nome.

E eu podia ler mesmo naquela distância: Aqui jaz a mentirosa


Scarlet Wright.
— Isso não é engraçado. — Olhei em pânico para Thomaz, o

rosto conhecido mais próximo e o vi rir.

— É engraçado sim, mas não para você.

Ele tinha razão.

Nunca era.
scarlet

eu não me identifico com você porque eu nunca me trataria tão mal.


você me fez odiar esta cidade e eu não falo merda sobre você na
internet. nunca disse nada de ruim a ninguém porque essa merda é

constrangedora. você era tudo para mim e tudo o que você fez foi
me deixar triste pra caralho, então não desperdice o tempo que eu

não tenho e não tente fazer com que eu me sinta mal.

h a p p i e r t h a n e v e r, b i l l i e e i l i s h

Meu pequeno grupo traidor tinha se desfeito. As garotas

sumiram de vista e ao meu lado, depois de soltar meus pés, estava


Thomaz me puxando como se eu fosse um cachorro pelas cordas

presas no meu pulso.

— Isso dói — reclamei, tentando me manter em pé, mesmo

que meu corpo tremesse tanto que mal conseguia dar um passo.

— Dói tanto quanto noite passada? — ele me provocou e,

inevitavelmente, a mágoa me calou.

Meus olhos foram direto para Conrad, e minha mente nublou.

Por que é que ele fazia aquilo? Por que é que, depois de tudo,

ele ainda vinha tirar mais e mais de mim?

Naquele segundo, não me importava aquele meio mundo de

gente apontando o dedo para mim, pronto para ver algum


espetáculo ao qual eu seria a atriz principal sem nem ter feito teste

para o papel, pronto para rir da minha desgraça.

Só me importava que, se Conrad não parasse o que tinha

planejado naquele segundo enquanto eu era obrigada a me arrastar


em sua direção, ele acabaria com a última fagulha que restava

dentro de mim.

Quando eu fui obrigada a parar em frente a Conrad, minha

visão embaçou graças às lágrimas acumuladas. Eu nunca tinha

chorado tanto quanto desde que ele havia voltado.


— Por que você está fazendo isso? — com toda a dor que
conseguia traduzir na voz, perguntei, inquisidora.

O rosto dele era uma máscara. Seus olhos dois abismos

negros, frios demais para qualquer compaixão, profundos demais

para que eu conseguisse colocar os pés em algo que não fosse ódio

e crueldade.

Conrad não me respondeu. Na verdade, tudo o que ele fez foi

desbloquear o celular em sua mão e me mostrar algo pelo qual eu

nunca me recuperaria.

O vídeo era de Isaac. Eu reconheceria aquela bunda em

qualquer lugar.

Meu ex-namorado estava entre as pernas de uma garota a

qual, graças a Deus, não dava para ver o rosto.

— Nós não estamos mais juntos. — Engoli o orgulho. — Isaac

pode dormir com quem quiser. — Com as mãos juntas, limpei o

canto dos olhos.

— Olhe de novo — Conrad mandou, e eu notei a data do vídeo

no cantinho.

Aquilo era de mais de um ano atrás.


Meu peito tremeu. Tentei olhar para o lado e ignorar, mas

Conrad quis me humilhar ainda mais, colocando vários e vários


vídeos em sequência.

— Eu… — engasguei. Não tinha desculpas.

Isaac havia me traído mais vezes do que eu poderia contar e,


no fundo, eu sabia.

Eu realmente sabia.

Eu sempre soube.

Eu só não podia tomar uma decisão.

Eu só não podia ver.

— Por que está me mostrando isso? — Minha voz era menos


que um sopro, que um ruído.

Tudo doía, principalmente minha garganta.

— Porque você escolheu um lado. — Conrad parecia não ter


emoção nenhuma naquele minuto, e quando ele puxou a corda que

me segurava das mãos do amigo, me trouxe para mais perto. Ali eu


podia sentir seu cheiro, o calor do seu corpo, a porra da magnitude

de nós. Seu olhar baixou para minha boca por um segundo, e


quando seu rosto se aproximou do meu, o gosto dele surgiu na
minha língua sem nem mesmo tocá-lo. Mas Conrad parou. Sua
respiração bateu contra mim, e quando ele disse aquelas palavras,

sua crueldade me fez cair como nunca: — Só estou te fazendo


colher as consequências das suas escolhas, Red.

Em um movimento rápido, ele me empurrou e eu caí de costas

na cova cheia de terra.

— Aqui jaz uma mentirosa — ele gritou para a plateia, com os

olhos nos meus, absorvendo todo o meu choque por não entender
aonde aquilo chegaria. Ele me enterraria viva?

Conrad apertou a tela do celular e jogou para mim.

— Veja o que seu eleito disse sobre você, depois de te


convencer que eu a estuprei ontem…. — Quando o aparelho caiu

na minha barriga e eu consegui olhar a tela, era Isaac gemendo, o


som de corpos batendo, e lá estava Bella.

A minha insegurança em forma de gente.

Mais velha, mais experiente, mais bonita.

Mais rica, mais legal, mais descolada e que tinha acesso


ilimitado a Conrad Prince.

— Não está com saudade da ruiva? — ela perguntava.

— Scarlet é uma vadia… — Me livrei das cordas que prendiam


meus pulsos e consegui desligar o celular.
As lágrimas no meu rosto eram tantas.

O ódio, a raiva, o constrangimento, a dor.

Tudo me dominava. Tudo acabava comigo.

E em um último sopro sobre a brasa que restava de coragem

no meu ser, enquanto terra vinha sobre mim e o riso das pessoas lá
fora acompanhava alguma piada sexista e baixa feita para me ferir
mais, eu gritei tão alto e tão agudo, que tudo parou.

Todos olharam para mim enquanto, ainda gritando, eu me

colocava de pé.

Até Thomaz parou de jogar terra na minha cova para assistir


enquanto eu saía dela e ia para Conrad.

— VOCÊ É INSANO! INSANO, CONRAD! — Não havia mais


nada contido dentro do meu peito. — Não há nada mais para você

quebrar aqui, porque, de fato, eu sou mesmo uma filha da puta. Eu


sou mesmo a merda de uma mentirosa, de uma traidora, de uma
idiota. Sou burra! Mas não pense que eu sou qualquer uma dessas

coisas porque vivi sob o teto do seu pai, ou porque namorei seu
irmão enquanto ele me botava todos os chifres possíveis. —

Avancei para cima dele, o rosto tão próximo que podia ver cada
mísero detalhe das íris escuras sob a luz das tochas, e quando ele
deu um meio passo para trás, eu avancei, não dando brecha alguma
entre nós. — Eu fui tudo isso porque eu esperei por você, porque eu
lutei por você, porque pintei você e escrevi para você um bilhão de

cartas que você, covarde, nunca teve coragem de responder. Eu


realmente esperei você. EU LUTEI POR VOCÊ, CONRAD. — Bati

contra seu peito com o dedo indicador, seus olhos eram ilegíveis,
suas sobrancelhas franzidas não me diziam muita coisa, mas nada
importava naquele segundo. — E eu não deixei de amar você por

nenhum segundo, mesmo quando você partiu meu coração naquela

merda de roda-gigante, ou quando incendiou minha casa e


assassinou minha irmã! — O choque foi geral. A plateia segurou a

respiração. Conrad engoliu em seco, mas eu não me calei. Não

aguentava mais. — É por isso que eu não comprei, nem de longe,

essa ideia de estupro. Eu nem mesmo sabia dela. Fiz porque quis,
porque de algum jeito maldito, você ainda está em mim, porque,

mesmo depois de todos esses anos, eu guardei tudo o que era

nosso, todos os seus segredos, todas as boas memórias. Fiz porque


acreditei no seu amor com uma fé inabalável, mas isso tudo era

ilusão. Você não pode ter me amado um dia, Conrad, porque

quando se ama, não se quebra, não se destrói, não se machuca o


outro como você fez comigo.
Ofegante, parei encarando-o, tão brutal quanto ele.

— Eu… — Não deixei que ele terminasse de falar.

Ergui a mão e dei com tudo o que tinha e o que não sabia ter.
O tapa estalado em seu rosto deixou a marca dos meus cinco dedos

contra a pele branca.

— Vou dar uma referência clara, que você vai entender. Aqui,
nessa história, na nossa história, você não é o amável e injustiçado

Darcy, você é o merda do Wickhan! O único traidor aqui, o único

covarde, é você. E eu cansei! Estou te expulsando de vez da minha


vida, Conrad Prince. Estou agora acabando com você tudo e

qualquer coisa que um dia achei que pudesse ter, porque você é

podre. Você não tem coração. Você é realmente o pior dos Prince.

— E eu corri, porque por mais que minha boca dissesse aquilo, por
mais que eu quisesse que a magia daquelas palavras fizesse algo

de imediato, elas não faziam.

Era eu e meu coração partido, morto, acabado.

E eu não tinha mais razão nenhuma para continuar tentando.


scarlet

não é adorável estar completamente sozinha? Coração feito de


vidro, e a mente feita de pedra, rasgue-me em pedaços, da pele ao
osso. olá, bem-vindo ao meu lar.

l o v e l y, b i l l i e e i l i s h , k h a l i d

— Vadia Prince, vadia Prince! — o coro de pessoas gritava

vindo atrás de mim.

Nossa distância, minha e daquela multidão, era pouca, já que

graças às velas que eles erguiam, eu conseguia ver o caminho até o


píer.

Naquele segundo, quando olhei sobre o ombro, odiei o fogo.


Mais do que qualquer vez na minha vida.

Mais do que cinco anos atrás.

Tentando não tropeçar, sentindo meu tornozelo doer mais do

que poderia demonstrar, andei o mais rápido que pude para a água
e, inevitavelmente, as memórias que tentei repelir por todo aquele

tempo, me acertaram como um soco, uma punição.

Quando vi Conrad beijando Bella, precisei me esconder. Subi

no alto daquele maldito prédio onde ele me levou para ver o céu

noturno. Ali, sozinha, encarei as estrelas que ainda brilhavam


mesmo com as nuvens cinzentas prontas para apagá-las e gritei.

Gritei tão alto, tão forte, que minha garganta arrebentou.

Ardeu.

Machucou.

Mas o choro não cessou.

Bella era a forma física da minha insegurança e não porque eu

queria competir com a garota, mas sim porque, por anos, eu a

observei tendo o que eu tanto queria. De todo o coração, eu nunca

pensei sobre estar roubando Conrad dela, mas naquele momento,

não podia deixar de me achar pequena e insuficiente ao vê-la junto

de Conrad de novo.
Eu deveria ter acreditado em Isaac.

Eu deveria ter sabido que, com tudo, eu nunca bastaria para

alguém como Conrad Prince.

E o desgraçado me puniu dia após dia, mesmo depois de ir

embora, porque quando eu cruzava com Bella pelos corredores,

quando pensava que ela ainda mantinha algum contato com ele,
que ela tinha o acesso que me foi negado, eu morria de inveja por

ainda querer estar no seu lugar.

Eu só desci daquele telhado quando tive certeza de que

conseguiria caminhar de volta para casa. Isso foi quase uma hora

depois, e eu me lembrava do resto do caminho ser uma confusão

escura na minha mente, estava concentrada em acertar o caminho


de casa. Porém, quando virei a esquina, naquele dia, não sabia o

que pensar, o que sentir, o que dizer.

Meu peito doeu quando o soluço o atingiu, igual naquela noite

quente de verão.

Naquele segundo, no tempo real, eu encarava o lago escuro,


quieto e profundo.

Naquela noite, anos atrás, eu encarava minha casa pegando

fogo.
Caminhei pelo píer, o rosto molhado, a última fagulha de força

apagando.

Caminhei pela rua, não acreditando no que via, querendo

poder salvar alguma coisa.

Em passado e em presente, meu ser parecia pronto para ser


quebrado.

A eu do presente parecia ter mais coragem de acabar com

tudo, já que não havia coisa nenhuma pela qual lutar. Arranquei os
tênis enquanto a multidão atrás de mim ria, assobiava e me xingava.

Cada olhar um chicote.

Cada incentivo a pular era um pouco menos de coragem de


me manter em terra firme.

Eu só queria que acabasse logo e, fechando os olhos, pedindo

perdão aos quais eu havia traído, aos quais eu poderia ferir por
desistir, eu pulei.

Quando me aproximei do meu antigo lar, o fogo me repeliu.

Quando caí na água gelada, o ar foi expulso dos meus


pulmões.

Eu pensei que lutaria, que tentaria desistir da ideia, mas ali era
silencioso.
Confortável.

Fechei os olhos, me lembrando de ver Conrad pulando para

fora pela janela lateral.

Seus olhos estavam assustados. Era a primeira vez que eu os


via tão profundamente com medo. Nós nos encaramos, eu não
entendi.

— Conrad? — chamei, no passado e no presente.

Ele não atendeu nem na lembrança, nem na realidade.

O garoto ergueu-se com dificuldade e então correu.

Correu como se sua vida dependesse daquilo, e talvez, ela


dependesse mesmo, já que indo embora, ele assinava seu atestado

de culpa.

Conrad Prince havia colocado fogo na minha casa, logo após


quebrar meu coração.

— Scarlet! — Ouvi a voz do meu avô de fundo não sei quanto


tempo depois, e quando me virei no escuro do lago, lembrei a

expressão de pânico em seu rosto. Ele me abraçou e perguntou,


exasperado: — Onde está sua irmã?

— Susan? — Minha ficha caiu aos poucos, então encarei a


fogueira que iluminava toda a rua e queimava cada madeira e
lembrança daquela casa, sabendo onde ela estava.

— Deus… — Seu nome divino na minha boca era uma prece.

— SUSAN! — Tentei desesperadamente chegar até a porta, mas


vovô me jogou no chão e me segurou. — ELA ESTÁ LÁ DENTRO!

ELA ESTÁ LÁ DENTRO!

Como se ouvisse o meu chamado, ela gritou.

O som daquilo era poderosamente doloroso e inesquecível.

A agitação dos bombeiros na rua fez com que eu percebesse

momentaneamente o caos que se seguia em volta de mim, mas ali,


com a cabeça contra o gramado, vendo todo mundo tentando lutar

contra o fogo, eu chorei.

Imbecis. Não se pode lutar contra ele — pensei naquela hora,

no auge da minha inocência.

Idiota, você não pode lutar contra ele — minha mente me


corrigiu, e a visão de Conrad entre as chamas com seu isqueiro me
atingiu.

E era verdade. Eu não podia lutar.

Foi por isso que quando apaguei, sentindo a água entrando

pela minha garganta, me senti feliz pela primeira vez, em anos.


Se aquilo confortava Conrad Prince, que ele ficasse com a
vitória da guerra.

Eu só queria paz.
conrad

Pensei ter encontrado um caminho, pensei ter encontrado uma


saída, mas você nunca nunca se vai, então eu acho que tenho que
ficar agora.

l o v e l y, l a u r e n b a b i c

Eu queria afastá-la.

Queria matá-la, verdade fosse dita.

De vergonha ou de ódio, no final das contas, eu não me


importava.

O plano daquela noite era parte disso.


Feito para ela quebrar, para ela enxergar — pensei, enquanto

cavava aquela cova mais cedo.

Eu só não esperava que, naquela merda toda, eu fosse

atingido junto.

Quando Scarlet se ergueu, quando se aproximou, eu nunca a

vi tão furiosa.

Seus olhos queimavam em mim, sua voz era clara, mas suas

palavras trouxeram muita confusão. Ela me acusava de ser insano,

e aquilo eu realmente era. Mas onde é que havia perdido todo o


resto?

De repente, eu me senti burro.

Você realmente não sabe? — o diabo soprou na minha orelha

enquanto a multidão avançava pelo terreno, me deixando ali

sofrendo pelo tapa verbal e físico de Scarlet, enquanto o nome de

meu irmão brilhava em vermelho na minha mente.

— Filho da puta — xinguei baixo e me virei para procurar por

ela.

Nós tínhamos, finalmente, muito para conversar.

Uma conversa que John Prince e seu filhinho amado fizeram

de tudo para não acontecer no passado, que minha mãe havia sido
o maior peso para isso, que minha idiotice e rebeldia tinha falhado
em deixar ver a necessidade.

Caralho, se o que ela dizia fosse realmente verdade, se fizesse

sentido…

Não quis pensar na possibilidade de não ser.

Queria muito, pela primeira vez na vida, estar errado.

Ela ainda era minha.

Ela ainda me esperava.

E eu corri atrás dela.

Desci pelo terreno, abri caminho entre os idiotas que seguiam

minha ideia de acabar com a vida de alguém, e quando vi a cabeça

ruiva na ponta do píer, tirando os tênis, gritei:

— SCARLET, NÃO!

Meu grito não superou o coro de “vadia Prince” da multidão.

Eu ainda estava muito longe e ela ia pular sob aquela

acusação.

Ela ia se matar porque eu arranquei tudo dela.

E eu não podia deixar.


Precisava impedir, precisava ser rápido, mas nem todo o

controle do mundo me daria o poder de desacelerar o tempo, ou


revertê-lo. Foi por isso que quando ouvi o baque do corpo na água e

a comemoração em volta, o desespero me consumiu.

No mesmo segundo, achei o rosto do meu melhor amigo na

multidão.

— Que… — Cortei a pergunta de Thomaz que me olhava sem


entender.

— CHAMA A PORRA DA AMBULÂNCIA, ELA NÃO SABE


NADAR!

Minha ordem não abriu nenhuma brecha para discussão.

As pessoas com velas nas mãos pararam de aplaudir quando

me viram correndo desesperadamente entre elas.

Eu não pensei no que fazia.

Avancei o mais rápido que meus pés podiam para perto do

píer.

Não, não, não — minha mente repetia continuamente — por


favor, não.

Mesmo rápido, quando a madeira do píer reclamou sob meu


peso, eu sabia que era tarde.
Qualquer segundo respirando aquela água era demais.

Vasculhei com os olhos a superfície escura, procurando

qualquer ponto laranja e não encontrei, ainda assim, quando deu


espaço, peguei impulso e mergulhei de cabeça.

Eu precisava encontrá-la, precisava salvá-la.

Porque se não fizesse, aí sim eu realmente seria um


assassino.
conrad

todas estas palavras não são da boca para fora e nada mais
importa.

nothing else matters, metallica.

cinco anos atrás

Ela era um sopro de vida no meio de toda a merda onde eu

vivia.

Scarlet, com suas sardas, bochechas rosadas e coração leve

me trouxe vida.

Mas só durou um instante.


Minha carga era demais para que a garota que tinha um

caleidoscópio verde no lugar dos olhos pudesse entender. Que


pudesse abraçar.

E quando ela apareceu, oferecendo um minuto de paz em


meio a toda aquela confusão que era minha vida, não resisti.

Estava cansado, precisava parar, precisava me fortalecer para

aguentar mais e mais.

Então, eu a puxei de cabeça para o meu mundo. E assisti tudo

morrer.

Eu era só uma criança perdida quando as coisas começaram a

se perder.

Passei a ser um adolescente quebrado. Fúria, sexo, bebidas e

cigarro foram minhas alternativas de fuga. E o fogo. Mas o fogo era

quem eu era, quem eu queria ser, na verdade. Quando apanhava no

lugar da minha mãe, ou quando Giana me beliscava com suas

unhas enormes e vermelhas, ou me queimava com a ponta daquela


merda de bengala, tudo o que eu queria era ser fogo para queimá-la

de volta, para machucar Philip. Para consumi-los e fazer gritar.

No final das contas, eu nunca consegui fazer quem tinha me

machucado sofrer.
Em compensação, sobre quem tinha me dado a mão…

Quando acordei daquele pesadelo, daquela última surra, sabia

que era sorte estar vivo.

— Cara, você precisa ir para o hospital. — Thomaz parecia

preocupado.

— Não — consegui falar, mesmo com o peito doendo. — Não

fode.

— E se você quebrou alguma coisa? Se estiver sangrando por

dentro? — Ele dirigia meu carro, assustado. Minha cabeça pendia

para a janela aberta e o vento contra o meu rosto era quase um

carinho.

— Eu vou dar um jeito.

— Conrad…

— CARALHO, NÃO! — Me esforcei mais do que deveria.

Minha costela doeu.

É, eu acho que tinha quebrado algo mesmo daquela vez.

Apoiei a mão no lugar machucado, acreditando que aquilo

ajudaria e me sentei o melhor que pude.


— Se você chamar a polícia, se isso se espalhar, você sabe o

que acontece.

— Sua mãe perde tudo.

— Mais do que isso. Eu perco. — Era verdade, e eu queria


chorar, mas segurei a vontade, sentindo a garganta inchar. — Se
meu pai for exposto, se alguma merda desse nível acontecer, Philip

vai preso e, com certeza, vai nos tirar de casa. Se ele fizer isso,
minha mãe vai perder o lar, minha guarda, e sabe lá como vai

sobreviver com a condição dela. Eu já te disse, não posso…

— Me odeie agora, cara, mas eles são adultos. Eles que se

virem.

— Não. — Neguei com a cabeça. — Não é tão simples. Eu


não posso deixá-la…

Mamãe e a severidade do seu transtorno a fazia perder muitos


empregos. Ela não podia ficar sem um teto, não podia ficar sem mim

e o dinheiro que eu ainda conseguia arrancar do meu pai para


ajudá-la.

Era absurdo que o todo poderoso John Prince não cuidasse da

mãe do seu filho, mas eu era só um bastardo indesejado, que


arranjou problemas demais no seu casamento e ainda comeu sua

mulher.

Não. Meu pai era bem vingativo, e por mais que fingisse não
ver, ele sabia.

Ele sempre soube.

— Merda — Thomaz reclamou quando viu seu celular


vibrando. — É Bella. Liguei para ela antes de te pegar.

— Não conte nada.

— Tarde demais.

— Porra. — Fechei o único olho bom e tentei acalmar o


coração dentro do peito.

Antes que pudesse dar conta, cansado, minha mente apagou.

Estavam os três ali.

Bella, Thomaz e Scarlet.

Meus amigos não sabiam mais o que fazer.


A garota pela qual me apaixonei chorava.

Eu odiava que eles estivessem envolvidos naquela merda.

Eu odiava o olhar de pena vindo deles, mas não era tarde para

acabar com tudo.

Não era tarde para evitar um futuro pior.

— Eu odeio vocês. — Foi tudo o que consegui dizer enquanto

a raiva corroía meu peito, enquanto via meu pai imponente, pronto
para acabar com minha mãe, mais uma vez.

Enquanto via meu irmão testemunhar meu fracasso.

Enquanto caminhava com o policial, que cedo ou tarde, eu


descobriria como foi parar ali, pensando em uma mentira palpável

para que conseguisse salvar quem tanto precisava de proteção.

Quando fui colocado no carro do meu pai pelo policial,


estranhei.

— Aonde vamos?

— Você? Ao hospital. Existem procedimentos a serem feitos,


mas não se preocupe, sua mãe e seu padrasto já estão presos,

eles…
— O QUÊ? — Meu corpo dolorido foi a única coisa que me
segurou no lugar.

— Entenda, garoto. Você assim…

— Minha mãe não fez nada. Philip não fez… — interrompi o


policial com mais uma mentira, mas meu pai, que se aproximou sem

que eu pudesse ver, colocou a mão na porta e tirando o homem da


lei de perto de mim, me calou a boca.

— Chega, Conrad. Essa história já foi longe demais. — Seus

olhos revistaram meu rosto. Sua expressão não era das melhores.

— Olhe seu estado. Sabe lá Deus se não quebrou algo, se não tem

uma hemorragia interna, se vai conseguir enxergar direito desse


olho fodido. — Ele raramente falava palavrão. Aquilo significava

muito.

— John, eu… — Tentei me defender, defender minha mãe,

achar uma solução, mas fui interrompido.

— Pai — ele me lembrou. — Meu título aqui é pai. E não me


peça para acreditar em mais uma mentira sua. Essa brincadeirinha

de vocês acabou aqui. Depois do hospital, você vai para casa e eu,

para a delegacia.

— Mas minha mãe…


— É adulta. — Ele bateu a porta.

A dor daquelas palavras me bateram em cheio.

Meu peito parecia sangrar, mas eu não podia nem mesmo me


encolher para chorar.

Travando com tudo o que podia, fazendo o maior esforço do

mundo, sendo capaz de quebrar alguns dentes no processo, apertei


minha mandíbula e deitei a cabeça contra o banco. Fechei os olhos,

tentando ter um pouco de fé. Um pouco de calma.

Nada vinha, além do velho e confortável sopro do diabo nas

minhas orelhas.

Eu não avisei? Você é um erro — sua voz macia tomou meus


pensamentos, e eu concordei.

— Não adianta ficar com raiva de mim. Você é um Prince,


goste disso ou não. — Meu pai rompeu minha bolha e, naquele

minuto, virou minha cabeça.

Se eu era um deles, por que nunca me senti como um?


Uma semana se passou.

Eu não tinha mais um celular.

Eu não tinha mais nenhuma distração.

Ninguém apareceu para me ver, mas, de alguma forma, isso

me deixou mais confortável dentro da decisão que tomei. Scarlet

precisava ficar livre. E mesmo quando ela, seus beijos, seu cheiro e
nossas boas memórias dançavam pelo meu quarto tarde da noite,

eu entendia que não podia mais sustentar aquilo, ainda mais depois

de Isaac dizer que a ruiva tinha ido até a casa do meu pai falar que
estava preocupada comigo pelas agressões, que Bella também

tinha falado uma parcela de coisas que não deveria.

Nenhuma das duas soube calar a boca, mas só consegui me


chatear com Scarlet.

Meio que, Bella e Thomaz sempre estiveram lá, sempre


souberam de tudo.

Scarlet não. Para ela, eu apresentei meu mundo. Para ela, eu


tinha aberto a porta.

E junto disso, tinha cometido o erro de acreditar que o segredo

estava guardado.
Quando a irmã dela apareceu em casa naquela semana, eu

quase não acreditei.

Ela e Isaac estavam conversando na cozinha e pararam assim

que entrei.

Susan me encarou de cima a baixo, comprimiu os lábios e

suspirou.

— Nossa, minha irmã disse que estava ruim, mas não imaginei

que era tanto…

Meu olho já tinha desinchado, o pior agora eram os roxos e,

ainda, as dores musculares.

— Sua irmã disse? — Foi a única coisa que consegui pegar


daquela frase.

— É, Scarlet contou para todo mundo como você apanhou do


seu padrasto, de como sua mãe é uma fraca desregulada que…

Eu virei as costas. Mais do que raiva, a decepção me

consumiu.

— O que eu disse de errado? — Ouvi a garota perguntar

inocentemente ao meu irmão, mas não fiquei por perto para ouvir o
resto.

Como Scarlet podia?


Engoli a raiva à prestação naquela tarde.

Eu a enfiei para dentro em pedaços, junto com as palavras que

deveriam sair quando cruzei com meu pai, mas só consegui fazê-lo
depois de um jantar servido no quarto.

Ouvi o toque na porta e pensei ser uma das empregadas, mas


quando olhos escuros como os meus surgiram, procurando alguma

resistência no meu rosto, suspirei, afastei a bandeja e pedi:

— Entre. — Não tinha outra opção. Estava na casa dele.

— Como está? — Meu pai entrou, fechou a porta e puxou a

cadeira que ficava em frente à mesa de estudos.

— Melhorando.

— Ótimo. Precisamos alinhar algumas coisas. — Seus olhos


sob as sobrancelhas mais grossas que as minhas pareciam

cansados. — Você não é mais uma criança, não é mesmo?

Perguntei a mim mesmo se algum dia eu realmente fui uma.

— Não — respondi, prontamente, mantendo o tom de voz o

mais estável possível. — Mas não é algo que você não saiba, é?

O olhar dele me respondeu. Havia ódio lá, mas nada que me

abalasse já que era completamente e intensamente recíproco.


— Sua mãe está livre da cadeia. Achei que você merecia

saber. — Jogando o corpo para frente, ele apoiou os cotovelos nos


joelhos e juntou a ponta dos dedos enquanto me encarava como se

aquela fosse uma notícia ruim.

— Para começo de conversa, ela não deveria ter sido presa e


você sabe.

— Conrad, tudo o que eu sei é que ela vem te usando como


escudo há anos.

— Não. — Tentei calá-lo.

— E que ela o fez acreditar que eu sou um monstro…

— Minha mãe nunca falou um A de você — rebati, sentindo a


raiva sufocar minha garganta, mais uma vez.

— E, mesmo assim, te fez achar que eu sou o pior pai do

mundo. — Minha respiração ficou ofegante e eu neguei com a


cabeça ao ouvir aquilo.

— Não. Você é quem me mostrou que é isso. Eu não deveria


ser seu filho.

— Então deveria ser de quem? Daquele bêbado falido que te

espancou? Porque, eu juro, dentre todos desta cidade, eu era a


melhor opção. — A calma de John me irritou profundamente. Joguei
os pés para fora da cama e o encarei.

— O que veio fazer aqui?

Ele endireitou a coluna e me encarou daquela forma superior

que eu odiava.

— Vim avisá-lo que, se você quiser, permitirei que sua mãe

venha visitá-lo.

O desgraçado me desarmou.

— Como?

— Primeiro, eu quero que você se afaste daquela ruivinha. —

Nada viria de graça.

— Scarlet não é mais um problema. — Eu ainda estava

magoado e as notas disso saíram na minha voz.

— Ótimo. Segundo, eu quero você saindo deste quarto.


Convivendo com todos como um membro dessa família de verdade,
como deve ser.

— E o que mais?

— Você vai chamar seus amigos, conversar com eles e


desmentir todas as histórias mirabolantes que tem contado sobre
mim.

— Eu… — Tentei falar, mas John me interrompeu:

— Não terminei. — Apoiando os cotovelos sobre os braços da


cadeira dessa vez, ele voltou a juntar seus dedos e continuou: —

Você vai voltar a conviver em sociedade, com nomes que importam


para o seu futuro. Vai mostrar orgulho do sobrenome que carrega.
Vai ser um filho modelo.

— E minha mãe? — Fui inocente em perguntar.

— Eu já não disse? Ela poderá vir vê-lo. Uma vez por semana,
de forma assistida no começo…

— E quando vou poder morar com ela?

— Quando Caroline tiver capacidade de ter um teto por conta


própria. E, garantir que você será bem-cuidado. Até lá, você fica
aqui.

— Como prisioneiro?

— Como convidado.

Quis rir.

Convidado a uma casa que nunca seria meu lar.


— É pegar ou largar. O que vai ser? — Havia excitação no
meio-sorriso que meu pai deu, e eu não pude acreditar que aquela
conversa era real.

Como um pai pode negociar aquelas coisas com o filho? Não


era obrigação que ambos cuidassem de mim, do meu bem-estar?
Engoli a vontade de gritar com ele.

Não era daquele jeito que eu ganharia de John Prince.

Não era daquele jeito que eu faria as coisas melhorarem.

— Me avise a hora. Ficarei pronto, esperando por ela. —


Entreguei os pontos, sabendo que não teria oportunidade melhor.

Quando John passou por mim, saindo do meu quarto se


sentindo o melhor pai do mundo, o vencedor, minha vontade foi
bater com a bandeja na sua cabeça. Só não fiz porque aquilo não

me ajudaria em nada, e eu não tinha mais espaço para guardar as


lágrimas que acumulei.

Tranquei a porta, me ajeitei sob as cobertas e, no escuro,

sabendo que ninguém poderia ver, eu chorei.

Chorei por me sentir indefeso.

Por tudo o que tinha perdido, e por tudo o que nunca mais
poderia ter.
Chorei pela raiva que queimava nas minhas veias, pelo
pensamento impuro de como resolver isso em um curto prazo.

Pensei em Scarlet. Pensei em Bella. Mas só faria algo quando não


conseguisse mais lidar com o monstro dentro do meu peito.

Por que é que ela tinha que aparecer?

Depois daquela tarde, de ela me abraçar, de pedir uma


resposta que eu não tinha para dar, de deixar seu cheiro na minha
roupa, Scarlet dominou minha cabeça.

Definitivamente, eu quase cedi.

Quase, por muito pouco, não coloquei as mãos em volta de


sua cintura.

Não desci o rosto para o dela, beijando sua boca mentirosa,

tentando entender por que é que ela tinha falado aquelas coisas
sobre mim, sobre minha mãe… Por que é que ela não tinha
guardado o meu segredo se dizia que me amava?

O cheiro de capim limão não saiu da minha camiseta.


Seus olhos não deixaram minha mente por nenhum segundo

desde que minha mãe tinha saído, e eu não conseguia dormir.

Algo forte, escuro e terrivelmente poderoso se alastrava pelas


minhas veias.

Queimava.

E eu sabia o que era.

Não — rosnei para o monstro que havia crescido dentro de


mim. — Não posso.

Na minha mente, eu vi a cena do demônio que tinha meus

olhos, sorrindo, enquanto arrancava a blusa de Scarlet.

Não — reclamei mais uma vez. — É cedo demais para ela.

Eu não podia negar que queria. Era real, e eu era de carne e

osso, mas sabia dos limites.

Era cedo para você também, mas ninguém ligou, por que você
liga? — era verdade, mas eu não podia acabar com ela só porque

tinham acabado comigo antes.

Porque, por mais que ela tenha me traído, eu não posso


quebrá-la, não posso machucá-la. Eu a amo — doeu admitir aquilo,
mesmo na minha mente.
Então arranque esse amor daí — o monstro respondeu, e
como em um passe de mágica, o corpo, o rosto e o cabelo de quem
ele abraçava também mudou.

Era Bella.

E eu conhecia bem o bastante cada curva dela.

Nossa relação era intensa, de carinho e amizade. De sexo,


desejo e cumplicidade.

E mesmo que parte dela ainda teimasse em insistir em algo


além da amizade, nós nunca seríamos mais do que aquilo. Transar
com Bella era divertido e me ajudava a não acabar com mais

ninguém. Eu precisava da fúria, do alívio. Ela precisava do sexo, do


carinho.

Era isso e nada mais, e eu nunca menti sobre isso.

Éramos amigos com benefícios. E, depois de tudo aquilo, eu

precisava muito daquele benefício. Fosse para matar Scarlet dentro


de mim, fosse para aliviar a tensão toda que vinha se acumulando.

— Ok. Eu vou fazer isso.

O monstro sorriu em meio às chamas.

Eu me conformei.
No fundo, Scarlet não merecia, e não aguentaria tanta sujeira,
tanta desgraça.

E, eu tinha avisado, eu era um erro.

No dia seguinte, no café da manhã, pedi o celular do meu


irmão emprestado.

O número de Bella estava gravado nele.

Conrad aqui. Me
encontre no
parque mais
tarde, perto das
dezenove.

Por que eu faria


isso?

Porque eu
preciso. E você
ainda é minha
amiga com
benefícios.
Esperei cinco minutos para receber uma resposta, mas ela não
veio.

Estarei lá.
Mandei só para confirmar que a esperaria.

Mais cinco minutos de silêncio.

Idiota — me xinguei, apaguei as mensagens e devolvi o celular


para o meu irmão.

Ainda assim, eu estaria mesmo lá.


conrad

venha deitar-se ao meu lado, isso não machucará, eu prometo. ela


não me ama, ela ainda me ama, mas ela nunca vai amar de novo.
ela se deita ao meu lado, mas ela estará lá quando eu me for?

the unforgiven II, metallica.

cinco anos atrás

Eu estava certo de que aquilo podia funcionar.

Fumando um cigarro e brincando com a chama do isqueiro

enquanto via Bella vindo na minha direção, fui surpreendido quando


ela, rompendo qualquer barreira que eu tivesse colocado antes, se

jogou contra mim, me abraçando.

— O que é isto? — perguntei, antes de afagar sua cabeça.

— Senti sua falta, desgraçado. — Ela me mordeu o peito e eu


ri, me afastando.

— Eu sei.

— Está melhor? — As mãos dela vieram para o meu rosto e

ela se afastou o bastante para me revistar inteiro. — Meu Deus,

achei que você nunca mais ia abrir esse olho.

— Estou como novo. — Abri os braços, me exibindo como

podia.

— Certo. E o que quer? O que quis dizer sobre ser sua única

amiga com benefícios? Achei que você me odiasse, ainda mais

depois daquela mensagem.

Franzi a testa, não entendendo.

— Que mensagem? A de hoje?

— Não. — Ela cruzou os braços. — Está falando sério que não

sabe do que estou falando?

— Eu juro. Que mensagem, Bella?


Ela abriu o celular e me mostrou, quase que esfregando-o na
minha cara.

— Eu não escrevi isso. — Fui firme. — Estou sem celular.

— Mas é do mesmo número que me enviou as de hoje, como

não eram suas?

Coloquei o cigarro na boca, traguei profundamente e,

encarando o céu, neguei com a cabeça. A fumaça saiu pelo meu

nariz, a raiva adentrou quando respirei de novo.

— Esse número é do meu irmão.

— Isaac… Filho da puta! — Bella xingou. — O que ele queria?

— Eu não sei. — Neguei com a cabeça. — Só sei que quando

encontrá-lo, ele vai precisar ter uma boa história para contar.

— Tá sabendo que ele e a irmã da Scarlet estão saindo?

O incômodo de ouvir o nome dela me acertou. Cocei a nuca e

tentei me manter neutro.

— Eu a vi esta semana lá em casa, a irmã, no caso.

— E a ruiva? Ela estava desesperada atrás de você também, e

se eu fizer as contas direito, você não quis nada comigo desde que

começou a sair com ela, então se me chamou…


— Foi fogo de palha. — Dei a última tragada e joguei a bituca

longe, soprando a fumaça para o lado, antes de passar o braço em


volta dos ombros dela e começar a caminhar. — Já acabou. Ela é

muito…

— Nova? Ingênua? — Bella chutou.

— Isso. Não ia funcionar.

— E aí eu sou o prêmio de consolação? Conrad, você é um

filho da puta — quando ela disse aquilo, sorriu.

— Você nunca é um prêmio de consolação, nosso acordo


sempre foi claro.

— Estou brincando. Não ligo de você me usar como alívio para


sexo. A verdade é que você também é o meu, mesmo que eu ainda

goste de você. Sei separar as coisas, sou prática. Aproveite isso


enquanto não decido se transo com outra pessoa quando você
estiver ocupado.

— Certo, aonde quer ir? — Não queria prolongar o papo e

entrar em assuntos sobre nossa relação que poderiam esbarrar em


sentimentos que eu não tinha para dar.

— Lá. — Ela indicou a roda-gigante. — Posso me aproveitar


de você lá em cima, sem ninguém encher o saco.
— Que seja, então.

Era aquilo que eu mais gostava em Bella. Ela era decidida, e

eu não tinha mais tempo para perder.

— Vamos.

Nós entramos na fila e ela me contou sobre o pai brigando com

ela por causa do carro, falou sobre como arrebentou o portão da


mansão, de como bateu em Isaac e o ameaçou. Me falou sobre

como Thomaz estava chateado com a minha ausência, mas que ele
era fechado demais na bolha dele e que sua casa também não ia

bem. Quando foi nossa vez de entrar na cabine, Bella parecia mais
ansiosa do que eu. Passou pela minha frente, se sentou e bateu no
banco ao seu lado.

Soprei o ar dos pulmões, tentando me livrar daquela sensação

esquisita de estar cometendo um erro, e fui junto dela. Quando a


trava foi puxada para nos prender, de repente, eu não sabia mais se

queria aquilo.

Meu estômago embrulhou e uma sensação de peso se alojou

nos meus ombros.

— Tudo bem? — Bella perguntou quando nos movemos,


subindo.
— Está — menti. — Me fale mais sobre o que fez enquanto
não estávamos juntos nessas férias.

— Não quero conversar. — E direta como era, ela colocou os


braços em volta de mim, me puxando para si.

Primeiro, minha melhor amiga beijou meus olhos, depois meu

nariz.

Seu cheiro era quente, bom, mas eu esperava sentir algo

fresco e cítrico…

Sai da minha cabeça, porra — xinguei Scarlet mentalmente e


abracei Bella de volta.

— Eu não vou ficar me declarando, mas — ela disse baixo,


confessando — eu senti sua falta. E senti ciúme. Não deveria, eu

sei, mas senti. Ainda assim, eu sabia que você voltaria.

— Bella… — Queria acabar com o papo.

— Não, espere. Eu sei que o que temos não é algo fixo, mas
você pode me preparar para quando for se apaixonar por alguém?
Pode avisar antes? — A boca dela estava contra a minha.

O pedido era justo.

Fechei os olhos e concordei.


— Posso.

— Ótimo. Agora vamos ao que interessa.

Já conhecia a boca de Bella. Seu gosto, suas manias, o modo

como ela ronronava quando o beijo a deixava excitada.

Eu só não esperava aquele choque esquisito e incômodo.

Aquela sensação de que era um erro.

Que porra estava acontecendo comigo?

Eu insisti. Segurei a cabeça dela, aprofundei minha língua na


sua e agradeci por ela corresponder meu empenho, mas a reação

de sempre, do meu corpo, da minha mente, não aconteceu.

Porra. Será que eu estava quebrado?

— Conrad, o quê? — ela reclamou quando eu a afastei.

Era muito tarde para desistir?

Encarei a altura em que estávamos e, para minha surpresa, lá


embaixo, eu a vi.

Os olhos verdes tinham uma grande mistura de tristeza e

decepção.

Eu poderia culpá-la?

Nunca.
— Ah, porra… — Bella xingou quando viu o que eu via.

Scarlet saiu correndo.

Eu a segui com os olhos, me retraindo, apoiando os braços


sobre a trava que nos segurava ali em cima.

— Você está gostando dela, não é? — Bella riu de nervoso. —

Essa história de que acabou, que superou e que não é para ser, é
mentira.

— Eu… — Não tinha o que dizer.

— Ah, Conrad, faça-me o favor. — Minha melhor amiga

estapeou meu ombro. — Larga de ser idiota. Você gosta dela!

— É, mas eu não posso — admiti, perdendo o cabelo ruivo de

vista. — Então, preciso matar isso.

— Você terminou com ela? Disse que não queria mais? —

Neguei com a cabeça. — Então tenha a decência de terminar o que

começou. Scarlet não é minha pessoa favorita no mundo, mas

merece isso. O que aconteceu com você? Está convivendo muito


com seu pai?

— Bella… — avisei que aquele não era um bom terreno pela


mudança do meu tom de voz.
— Desculpe, Conrad. Mas se você vai começar a agir como

ele, não precisa mais me procurar. — Erguendo o corpo para fora,

ela fez um X com os braços.

— O que está fazendo?

— Te dando a chance de não ser um idiota e ir corrigir isso.

Pelo sinal de Bella, a roda-gigante se moveu rápido para que

pudéssemos descer.

— Me ligue quando essa merda estiver resolvida. Vou adorar

compensar o tempo perdido, mas faz isso direito, tá? — Se

colocando na ponta dos pés, ela beijou minha bochecha e acariciou


meu rosto. — Até depois.

Quando Bella se afastou, enfiei as mãos no bolso e encarei o

céu noturno.

Vinha um temporal por aí e, sabendo que tinha feito merda,

não tive alternativa, a não ser andar logo, fazendo o caminho da


casa de Scarlet, prevendo que a volta para casa seria um caos

molhado, já que meu pai não tinha me liberado o carro.


Aquela sensação no meu peito não passou. Nem o peso sobre

os meus ombros.

Minha mente tentava ser lógica. Eu daria adeus à Scarlet e

ambos seguiríamos em frente.

No futuro, ou ela ou eu não estaríamos mais naquela cidade, e


tudo o que aquele verão tinha proporcionado faria parte de

memórias que gostaríamos de esquecer por saber que, de qualquer

modo, nunca teria futuro.

Eu já estava no quarto cigarro quando cheguei em frente à

casa dela, mas antes que pudesse chegar até a porta, estranhei o

carro parado do outro lado da rua.

Era o carro de Isaac.

E por mais que ele e a irmã de Scarlet estivessem saindo, o

que ele fazia na casa delas sem o avô por perto?

Pronto para pegar meu irmão fazendo algo errado e colocá-lo


contra a parede com alguma moeda de troca na mão, eu não fui

direto para a porta de entrada. Primeiro rondei as janelas do andar

de baixo, vendo que tudo estava apagado e que a luz vinha do


andar de cima, do quarto de Scarlet.
Se meu irmão estava lá, consolando-a…

Tentei engolir o monstro do ciúme e, como já tinha feito antes,

escalei a casa por fora, tomando cuidado para ser o mais silencioso
possível, enquanto ia na direção do quarto ao lado do de Scarlet, o

que devia pertencer à Susan. A janela aberta me ajudou muito e

quando me sentei nela com as pernas para dentro do cômodo, fiquei


quieto, ouvindo o que vinha do quarto ao lado.

— Meu Deus, uma hora dessa minha irmã deve estar em

prantos. Você tem certeza do que aconteceu?

— Eu tô te falando, eu a fiz ir até o parque e fiquei espreitando.

Sua irmã viu Conrad e Bella se beijando. Não fiquei para ver o
depois, vim direto para cá. Queria ser o primeiro a recepcioná-la. —

Ele riu.

— Que tanto vocês estão interessados em Scarlet? — A


garota parecia irritada.

— Não é por ela. É por ele. — A raiva na voz de Isaac me fez


ficar ainda mais atento e meus dedos coçaram, fazendo com que eu

pegasse meu isqueiro do bolso e o abrisse o mais silenciosamente

possível para assistir a chama dançando enquanto o ouvia. — Eu vi


algo que não devia, anos atrás, e Conrad é o culpado de muita

merda.

— O que você viu? — Curiosa, ouvi o som dela sentando ao

lado dele, forçando as molas da cama.

— Não posso dizer, baby. Mas sua irmã odiando Conrad para

o resto da vida será uma pequena parcela do pagamento.

— Você acha que ela acreditou naquele vídeo? Eu tenho a

mesma altura de Bella, a peruca que compramos está bem

escondida na minha gaveta de calcinhas, ela nunca vai descobrir…

— Imediatamente, eu me ergui e abri a primeira gaveta da cômoda


com cuidado. Afastei as peças de roupa íntima e encontrei a tal

peruca. Ergui aquilo na mão e senti meu sangue ferver. — Espero

que o que ela viu hoje, junto do vídeo, a faça achar que eles
estavam juntos.

Foi automático colocar aquela peça maldita sobre o fogo.

Demorou para pegar, mas logo a chama ganhou força e eu

taquei o cabelo dentro do lixo cheio de papel bem embaixo da

janela. A fogueira crepitava e eu saí do quarto para acabar com


aquela festinha.
O plano do meu irmão era sujo demais, e assim que eu saí no
corredor, o ouvi dizer:

— Espero que sim. Consegue ligar para ela? Quero ver logo
sua cara ao descobrir quem é Conrad e que eu não estava errado

sobre ele.

Apoiei o braço no batente da porta aberta, vendo Isaac e

Susan sentados na cama de Scarlet como imaginei que estariam, e

quando abri minha boca, os dois se levantaram em um pulo.

— Como você pode dizer quem eu sou, se vai descobrir isso

agora? — Brincando com o isqueiro na mão, olhando para eles dois

assustados, dei um meio-sorriso. — O que foi, Susan? Cansou de


tentar chamar minha atenção e resolveu chupar meu irmão?

— C-conrad — ela gaguejou meu nome. — Não. Quer dizer,


não é o que você está pensando.

Ainda que ela falasse, meus olhos estavam sobre o rosto de


Isaac.

Apesar de ser pego no flagra, ele sorria também.

— E você, Isaac? O que acha que está fazendo?

— Eu não tenho que te dar satisfações.


Sua voz, a provocação, a raiva que senti dele, tudo foi ao
limite.

Eu não estava em um bom dia.

Eu não conseguia mais me controlar.

Quando respirei fundo, fechei os olhos e tapei a chama com a


tampa do isqueiro, soube que um de nós poderia morrer, mas não
estava mais nem aí.

Abri os olhos, encarando meu alvo e, sem esperar, voei para

cima dele, acertando seu corpo, jogando-o no chão.

A irmã de Scarlet gritou.

O meu irmão riu debilmente depois do primeiro soco.

E eu não parei.

Isaac reagiu, tentou me tirar de cima de si, e como era forte,


conseguiu.

Ainda assim, eu não desisti.

Destruímos o quarto de Scarlet, mas cego pela raiva, eu mal vi

o que acontecia.

Eu só queria machucá-lo. Eu só queria acabar com ele.

E, felizmente, ele tinha a mesma gana de foder comigo.


Ele me jogou contra a janela, senti minha cabeça cortando,
mas aquilo só me alimentou. Acertei um soco de direita no rosto de
Isaac e o empurrei com o pé para cima da cama. Subi em cima dele,

ganhei um soco na costela, mas não parei de acertá-lo.

O mundo ficou em tons de preto e vermelho sob os meus


olhos. Eu queria mesmo matá-lo.

Nem o grito de Susan avisando que a casa estava pegando


fogo nos parou. Quando a parede do quarto de Scarlet começou a
escurecer e as chamas avançaram para engoli-lo, eu e Isaac

caímos para o corredor que também brilhava em laranja.

Sem conseguir ver outra coisa que não fosse o rosto dele,
vacilei sendo empurrado contra a parede e ele tentou me enforcar.

— DESGRAÇADO! EU SEI O QUE VOCÊ FEZ COM A MINHA

MÃE!

Para me salvar, tentei enfiar os dedos em seus olhos. Não


adiantou muito, até que Susan se meteu.

Isaac tentou afastá-la, ela lutou contra ele e a resposta que


ganhou foi um soco forte no rosto. Sua cabeça bateu contra a
parede e ela amoleceu no chão. Consegui me soltar pela distração
dele, mas meu irmão queria acabar comigo tanto quanto eu com ele
e Isaac avançou sobre mim, me empurrando pela escada.

Nós rolamos, caímos, mas mesmo machucados, ninguém


parou.

Ele foi o primeiro a se erguer, indo na direção da cozinha.

Quando voltou, estava com uma cadeira na mão e a quebrou contra


minhas costas que ainda não estavam cem por cento. Isaac me
chutou, eu segurei seu pé. O calor era alucinante dentro daquela

casa, o ódio também. Puxei o pé do meu irmão e o virei.

Ouvi o som do osso quebrando e, quando caiu, ele caiu me


batendo e me xingando.

Nós ficamos cegos.

Nós perdemos o tempo hábil daquilo.

Quando percebemos, a casa começou a desabar.

Isaac foi mais esperto do que eu, o desgraçado aproveitou que


me afastei da primeira viga que desceu sobre nós em chamas e,

mancando, saiu pela porta. Eu não tive essa sorte. Bem na hora que
ele saiu, o teto da sala desabou.

— Porra, Susan — lembrei-me da garota escada acima, mas

não tinha o que fazer, eu não podia subir. — Porra!


Ainda tentei brigar com o fogo. Pela primeira vez, quis que

aquela minha fascinação fizesse com que eu fosse imune ao calor


arrebatador, mas não.

Não era.

Queimei o braço no corrimão, olhando as chamas descendo,

comendo o carpete, dominando tudo. Olhei para cima, sentindo uma


angústia e um desespero sem fim, mas não tinha como eu fazer

nada.

Não tinha como salvá-la sem morrer junto, mesmo que parte
de mim estivesse morrendo lá com ela. Tive certeza disso quando
pulei pela janela e vi Scarlet.

Os olhos dela faiscaram.

Fogo e fumaça.

Uma única lágrima rolou marcando o caminho úmido na


fuligem em sua bochecha.

Foi então que eu soube: Scarlet me odiava.

Ela me odiaria para sempre.

E não havia nada que eu pudesse fazer a não ser odiá-la de


volta.
Então eu corri.
conrad

se eu não posso deixar você ir, a escuridão se dividirá? pois, a


ficção do amor é a verdade de nossas mentiras. estávamos jogando
para valer, mas nós dois sabíamos o custo. agora, a única saída

está na sua caixa em forma de coração, mas odeio que parecia que
você nunca foi o suficiente. estávamos quebrados e sangrando, mas

nunca desistimos e eu odeio ter feito de você o inimigo, e eu odeio

que seu coração foi a vítima. agora odeio que eu preciso de você.

another life, motionless in white

O choque da água gelada no meu corpo não foi nada


comparado ao meu desespero por encontrar Scarlet. Mergulhei
fundo, meu pulmão reclamou, mas quando vi os cabelos ruivos

espalhados na água, as mãos estendidas e os olhos dela fechados,


me esforcei ainda mais para pegá-la. Passei o braço ao redor da

cintura de Scarlet e nos impulsionei com tudo o que tinha de força

para cima. Quando tirei seu rosto da água, ela não se mexeu.

— Porra, porra, porra! — xinguei, enquanto envolvia seu

pescoço com o braço e nadava para o raso. Fiz o melhor que podia
e quando meus pés alcançaram o chão de lama, eu a peguei no

colo, caminhando para fora do lago com o corpo inerte nos braços.

Atrevi-me a olhar para fora e nunca senti tanto medo antes.

Nunca pensei que a veria daquele jeito, fria, sem reação.

Eu não podia deixá-la morrer.

Scarlet não podia me punir daquela maneira.

Thomaz me encontrou no raso, eu vi meu pai correndo com

uma lanterna na mão na nossa direção. Isaac vinha também. Eu o


ignorei. Não podia encará-lo e perder a cabeça naquele minuto.

Precisava fazê-la viver.

Precisava trazê-la de volta.

Meu melhor amigo me ajudou a levar Scarlet para fora d’água


e eu a coloquei no chão.
— Ela tem pulso. — Thomaz conseguiu sentir.

— Mas não está respirando. — Dava para sentir meu

desespero em cada palavra.

— Tente respiração boca a boca, vai! — ele me incentivou e eu

obedeci.

— O que está acontecendo? — Meu pai se aproximou. —

AQUI, MÉDICOS, AQUI!

Não consegui prestar atenção nele, nem no meu irmão

chamando por ela.

— Vamos, Red. Vamos. Reaja — pedi depois de inflar o ar por


sua boca.

Ela não se moveu.

Thomaz continuou o que fazia e eu tentei mais uma vez.

Água brotou da sua boca, nós tentamos colocá-la de lado.

— VOCÊ A MATOU! — Ouvi Isaac chegar, mas não olhei para

ele.

Meus olhos estavam vidrados no rosto branco, molhado,

inerte.
Tentei forçar o ar em seus pulmões mais uma vez, mas fui

afastando.

Um homem de branco chegou ao lado de Thomaz, outro veio

para perto de mim.

— Afogamento — os dois se comunicaram e começaram a


trabalhar.

Caí de bunda no chão molhado, botando as mãos no rosto,

completamente descontrolado enquanto eles expulsavam a água do


pulmão dela.

Você não pode morrer — pensei. — Não agora. Por favor, não
agora.

Tudo parecia muito rápido ao meu redor, mas o meu tempo

mental corria devagar.

Assisti enquanto colocavam a máscara de oxigênio em Scarlet,


quando a moveram para cima de uma maca de remoção, e me
levantei no primeiro movimento que fizeram.

Eu iria junto dela para o hospital, não tinha nem mesmo o que

ser conversado.

— SE AFASTE, AGORA! — Isaac gritou, vindo meter o peito


contra o meu.
Não pensei duas vezes e o soquei no rosto. O impacto o fez

cambalear e meu pai se meteu entre nós.

— VOCÊ A MATOU! VOCÊ MATOU SCARLET! TODO


MUNDO VIU!

— Cale a boca. Cale a boca. Cale a porra da sua boca! —


comecei em um tom de voz baixo e fui aumentando, até que estava

perto dele, com o punho erguido novamente.

— Conrad — meu pai se meteu, a mão levantada, tentando me


parar. — Scarlet pode mesmo morrer, não é hora disso.

— Eu vou com ela — teimei.

— Não é uma boa ideia agora.

— Vai tentar matá-la no hospital? Vai terminar o serviço,


Conrad? — Isaac voltou a provocar.

Naquele segundo, era demais para mim. Ignorei meu pai,


empurrando-o, e caí matando em cima do garoto loiro que já tinha

sangue na boca. Aquele desgraçado havia fodido a única coisa boa


que eu tinha. Se o meu ódio por Scarlet havia sido alimentado por

todos aqueles anos, se ela era o meu alvo constante, a culpa era
dele.

Dele.
E minha.

Consegui acertá-lo mais três vezes antes de nos separarem.

Thomaz me pegou por trás e me puxou.

A raiva me dominava, sentia o ar denso queimando nos meus

pulmões. Eu queria mais e meu irmão também, mas seus amigos


deram um jeito de contê-lo.

— Eu não tenho tempo para isso agora. Conrad, você tem


explicações a dar.

Eu tinha?

É, eu tinha.

A visão da última meia hora fodeu com a minha cabeça e só


isso me acalmou.

Isso e ver Scarlet sendo colocada dentro da ambulância que,

por um milagre, tinha conseguido descer até o lago.

— Ela vai ficar bem, não vai? — Foi a pergunta mais inocente

que fiz na vida quando meus olhos cruzaram com os do meu pai.

— É bom que ela fique, porque temos testemunhas demais


desta vez para a sua ficha continuar limpa. — Como sempre, cruel,

John Prince não me poupou.


Eu estava fodido, e não porque tinha medo de ser preso.

Tinha medo de realmente me tornar um assassino e, pior

ainda, saber que tinha matado a única pessoa que me amou com
tudo o que tinha para dar, e além.

Eu ainda estava molhado. Ainda tinha o sangue fervendo, mas


estava abrindo meu carro e me jogando na estrada. Precisava saber

que Scarlet estava bem. Precisava estar lá, caso…

Eu não queria pensar no pior.

Os olhos dela nos meus, sua boca, seu corpo, sua risada que

há tanto eu não ouvia, seu cheiro, suas mãos, tudo dela que
bloqueei por anos, tudo o que evitei lembrar, ver ou sentir, veio

como uma avalanche nos minutos mais tortuosos da minha vida.

Imaginei seu corpo na ambulância. O que diriam ao ver as

marcas que eu tinha causado?

Quando perguntassem o porquê de ela ter caído na água, o

que ela responderia?


Eu precisava estar lá para, pela primeira vez na minha vida,

dizer que sentia muito.

Precisava estar lá para receber minha parcela de culpa.

Daquela vez, eu não correria como uma criança assustada, e

quando acelerei tanto a ponto de encontrar com a ambulância, eu a

segui até o hospital sem pensar duas vezes.

Quando nós viramos na entrada da emergência, parei meu

carro de qualquer jeito, abri a porta, deixando a chave no contato, e

desci.

— Preciso saber dela — falei, me aproximando do paramédico

que abria a porta.

— Rapaz, para trás — ele avisou, mas eu não queria

obedecer. Queria ver o rosto de Scarlet.

— Ela está bem? Está viva? — insisti, tentando ver algo além

de Scarlet imobilizada, quieta, com um monte de coisa sobre a

boca. — O que é aquilo?

O homem tentou me barrar e logo dois seguranças tentaram

me afastar.

— Garoto, você não pode parar o carro ali. Deixe os

socorristas fazerem seu trabalho. — Ganhei um empurrão como


aviso.

— Mas…

— Mas nada. — Ouvi a voz do meu pai surgindo da

ambulância. — Eu vou ficar com ela, Conrad. Scarlet está viva.

Agora vá se ajeitar, tirar essa roupa molhada… Te ligo se for para


voltar aqui. — Os olhos escuros nos meus eram sérios, cansados,

punitivos.

— Pai… — saiu sem que eu percebesse.

— Eu entendo. Mas vá. Se ajude.

Engolindo a contragosto, soquei a lataria do carro mais

próximo e, sabendo que os seguranças estavam de olho em mim,

ergui as mãos e dei meia-volta, indo direto para o carro.

Manobrei no curto espaço que tinha ali, saí do estacionamento

puto, cantando pneu, e dirigi para a velha casa da minha mãe.

Precisava de um banho, de roupas limpas, e então voltaria até ali e


ninguém conseguiria me tirar de lá até que Scarlet acordasse para

me dizer pessoalmente que não queria me ver.

Estacionei o carro na frente da portinha da casa dela, que no

momento era um apartamento sobre uma loja de condimentos, e

querendo fugir do silêncio, peguei o molho de chaves no porta-


copos do carro e desci. Não pedi permissão, não avisei que estava

indo, e quando terminei de subir as escadas, quis muito acreditar


que estava alucinando.

A porta lá de cima, que dava para a sala, estava entreaberta.

Na mesa de jantar redonda, no apartamento claro e bem-

ajeitado, estava minha mãe com uma taça de água nas mãos e ao

seu lado, Philip.

Eles riam de algo.

— É bom ver que você está bem — ela disse, galanteadora.

— Eu precisava melhorar, por você, Caroline.

Quê?

Sem acreditar no que via, meti a mão na porta e a escancarei.

— Que porra é essa? — A pergunta entredentes veio tão cheia

de raiva, de mágoa, que minha mãe se atrapalhou e deixou a taça

cair.

— Filho, eu…

— Calada. — Ergui a mão com o indicador levantado para ela.

Era a primeira vez que eu sentia algo ruim por minha mãe e

não sabia se aguentaria mais aquela decepção, ainda mais naquele


dia de merda.

— Você — mudei meu foco para Philip —, o que faz aqui?

— Vim visitar sua mãe, como costumo fazer, garoto.

— Phill… — Ela tentou, mas meu ex-padrasto se empertigou.

— Nós ainda nos gostamos, e eu estou tratando o problema

com a bebida…

Eu não conseguia acreditar nisso.

Minha vontade de chorar, como não fazia há anos, cresceu no


meu peito.

Eu ia explodir.

— Mãe… — Minha voz saiu baixa, eu mal conseguia olhar no

rosto dela. — Que porra é essa?

— Conrad, eu ia te explicar, eu ia…

Fechei os olhos e dei dois passos para trás, saindo do

pequeno apartamento, batendo com as costas contra a parede, já


trazendo as mãos para a testa.

— Não pode ser, não pode ser — falei baixo, querendo que

uma mágica acontecesse, que aquilo fosse efeito de muita droga,


que qualquer merda pudesse justificar aquele circo, mas quando ela

falou de novo, eu sabia que era real.

Era real pra caralho.

— Conrad, por favor… — Abri os olhos a tempo de ver o rosto


da minha mãe esculpido em tristeza e solidão. — Eu…

Ela havia me matado.

Meus braços caíram, algo dentro de mim desligou.

Eu não me sentia humano.

— Você é uma puta. — Minha crueldade a atingiu. Ela cobriu a

boca com as mãos. — E eu odeio você — completei, sabendo que a


machucava ainda mais.

Quando desci as escadas, tão rápido quanto entrei, ninguém

tentou me impedir.

Entrei no carro, pronto para ir para lugar nenhum, só sabendo

que não podia continuar ali.


Segurei aquele peso no peito e na garganta até que meu carro
fez o caminho que eu andava evitando. Nem pensei direito quando

abri o porta-luvas, pegando a chave que parecia queimar contra

meus dedos e desci com o corpo molhado contra o vento frio.

A pista de corrida que meu pai havia mexido estava vazia,

escura, mas eu acertei o caminho até a porta do galpão.

O metal rangeu quando eu o empurrei e, ao acender a luz, o

impacto do que vi foi demais.

Na parede onde eu tinha construído uma história com Scarlet,

havia um desenho novo.

Ela não havia apagado o de trás, mas tinha construído sobre

ele.

Eram nossos rostos em tons de laranja, vermelho, amarelo e


preto juntos em um beijo.

Como característico da arte dela, sempre havia um texto, uma

palavra junto, e daquela vez, raspado com a espátula por cima do


que deveria ser nós, pequenos infinitos de “eu te amo” estavam
espalhados. Se não bastasse aquele soco que fez a primeira

lágrima rolar no meu rosto, a data era ainda pior. Aquilo tinha quatro
anos.
Eu já tinha ido embora há um bom tempo, mesmo assim, ela
ainda estava lá por mim.

— Que porra eu fiz?

Passei as mãos pelo cabelo, atordoado e me agachei.

As memórias me fuzilaram.

As vezes em que fui mais adulto do que todos em volta de mim


eram infinitas, mas foi Scarlet quem pagou quando minha
arrogância prevaleceu. Eu a deixei para trás por mil e um motivos

que o meu eu, de dezesseis, achava válidos.

Eu a odiei por anos, por nada, por um erro meu.

E talvez, agora, fosse tarde demais para recuperar o que eu

tinha arruinado.

O que, possivelmente, eu tinha matado.

Se não Scarlet, o seu amor por mim.


scarlet

eu quero você e sempre vou querer. eu gostaria que eu valesse a


pena, mas eu sei o que você merece. você sabe que eu prefiro me
afogar do que continuar sem você, mas você está me puxando para

baixo.

oceans, seafret.

Eu estava em choque.

Lembrava exatamente da sensação do meu cérebro dizendo

"Conrad te traiu. Conrad colocou fogo na sua casa. Conrad matou


sua irmã". Mas não conseguia reagir. Não conseguia falar, nem

andar, nem chorar.


Era como se tivessem jogado cimento dentro do meu corpo e

tudo se solidificasse rápido demais para que eu agisse.

"Susan está morta." Ouvi minha mente dizer, mas não

conseguia processar.

A sensação era de que aquilo era um sonho lúcido, um

pesadelo intenso, um estado de alucinação desconhecido e, por

isso, quando me afastaram do meu avô para o colocarem na


ambulância e examiná-lo, fiquei parada na rua, junto do resto dos

vizinhos, olhando para os bombeiros que não conseguiam apagar o

fogo de jeito nenhum.

Foi naquele momento, em que eu me dei conta de que não

sabia onde ia passar a noite, que a mão de John Prince pesou no


meu ombro.

— Scarlet, querida. Eu sinto muito. — Lembro-me de erguer os

olhos e vê-lo concentrado no fogo. — Podemos conversar em

particular?

Que opção eu tinha? Concordei com a cabeça.

John Prince me guiou para o outro lado da rua, minhas pernas

só seguiram, tanto que eu mal notei quando entramos em seu carro.


— O que aconteceu? — ele disse, após um suspiro, tentando
buscar minha atenção.

Encarei primeiro a traseira do encosto de banco do passageiro

e vi a cena queimando diante dos meus olhos.

— Eu vi Conrad saindo pela janela. A casa já estava em

chamas. Minha irmã morreu lá dentro. — Minha voz era robótica


diante do processo de buscar informações.

Sentia-me uma estranha no meu próprio corpo.

— Você contou isso para mais alguém? — O tom terno e

preocupado na voz do homem ao meu lado não me comprava, mas

ele também não me assustava.

— Não. — Suspirei e encarei o pai de Conrad sentado com as

pernas cruzadas e o braço apoiado no banco, meio virado para mim,

me analisando como se eu fosse um grande experimento que podia

dar errado a qualquer segundo. — Não contei — sussurrei.

— E você vai contar?

Franzi minhas sobrancelhas ao ouvi-lo.

— Minha pergunta é clara. Você vai contar? Porque, se o fizer,

Conrad não tem escapatória. Se souberem o que ele fez, de colocar


fogo em sua casa e causar essa fatalidade com sua irmã, ele será

preso.

— Não entendo… — Encarei o que restava da minha casa

para o fogo terminar de consumir. — Por que ele fez isso? Por que
Conrad… — Eu nem mesmo terminei a pergunta. A confusão dentro

da minha cabeça fazia tudo doer. Cérebro, rosto, garganta, peito e


estômago. Tudo doía. Principalmente o coração.

— Scarlet, escute. Sei que está magoada, mas preciso da sua

ajuda agora. Pense no seu futuro, no do seu avô. Sei que Charlie
não tinha um seguro, que mal recebe do governo. Sei que você é
uma aluna exemplar, uma garota bem-educada…

— O que quer, John? — Virei o rosto com os olhos

desconfiados, analisando o rosto do patriarca Prince e o vi dar um


meio-sorriso. Seus olhos brilhavam na fraca iluminação, e por onde

ele levava a conversa, sabia que viria algo pesado.

— Não quero que isso vaze. Não posso deixar meu filho ir

preso, e vim perguntar se você está disposta a aceitar esquecer que


viu Conrad aqui hoje por uma ajuda. — Ele ajeitou o paletó e voltou

com a mão para perto do meu cabelo, pegando uma mecha entre os
dedos, me causando estranheza. — Estou aqui oferecendo ser seu
tutor. Seu avô e você terão um teto, e quando chegar a hora, Charlie

terá à sua disposição enfermeiras, ou uma casa de repouso da


melhor qualidade, o que ele e você acharem melhor. Para você, eu

serei como um pai. Ou melhor do que isso, já que talvez tenha


falhado na missão com pelo menos um dos meus filhos.

— Está disposto a assumir essa dívida só por causa do meu


silêncio? — Eu podia estar abalada, mas não era burra.

— Quero o bem do meu filho, assim como você também quis

um dia, estou errado? Se firmarmos este acordo aqui, se você


disser que aceita, Conrad estará fora da cidade na primeira luz do

dia e você e seu avô estarão seguros.

Meu coração se apertou de um jeito tão doloroso que quis me

estapear.

— Eu… — Os olhos de Conrad, suas mãos, seu último beijo,


tudo passou pela minha mente naquele minuto e eu me curvei,

escondendo o rosto entre as mãos, querendo ser capaz de não


sentir o impacto do que falaria em seguida. — Eu aceito. Só... só me
deixe falar com ele antes dele ir.

— Farei o meu melhor, mas você o conhece…


— Certo. — Respirei fundo, não acreditando que era naquele
maldito segundo que carimbava o meu futuro, e olhei para fora,
vendo meu avô cambaleando para fora da ambulância. — Eu tenho

dois pedidos para agora. Tire meu avô daqui em segurança antes
que ele tenha um ataque do coração e cuide para que Susan tenha

um funeral decente.

— Seu pedido é uma ordem. Vou mandar arrumar os quartos

de vocês também.

Eu não agradeci.

Quando desci daquele carro, sabia que não fazia aquele


acordo por mim, ou por meu avô.

Eu fazia por Conrad, para livrar sua cara. Para tentar amenizar
as coisas e dar a chance de ele explicar o que tinha acontecido, já

que, nem com ele acabando com tudo, meu coração conseguia
amá-lo menos. Nem com ele colocando fogo em tudo, não

conseguia transformar meu amor por ele em cinzas.

E depois do mergulho naquela memória desgraçada, depois de

encarar o ponto de virada do meu destino, do que me levou até ali,


eu acordei.
— Scarlet, acorde. Respire. Você está no hospital, estamos
extubando você. Você me ouve? — A voz feminina era da mesma
pessoa que segurava minha mão. — Scarlet?

Forcei-me a abrir os olhos, me forcei respirar.

Doeu e eu franzi as sobrancelhas.

— Scarlet, respire. Continue respirando, vamos puxar agora.

E então alguém arrancou o tubo do meu corpo.

A sensação desconfortável me fez chorar. Eu ainda queria

dormir, mas colocaram algo no meu rosto. Tentei afastá-la, tudo

incomodava.

— É uma máscara de oxigênio, querida. Você precisa acordar

um pouquinho, precisa respirar por conta própria.

Que sonho esquisito era aquele?

Eu conseguia respirar, não?

Tentei puxar o ar. Doeu. A garganta incomodou muito. Minha

boca secou.
Sentia-me pesada, grogue. Pior do que qualquer vez em que

usei drogas ou bebi demais.

Ainda assim, quis obedecer a moça tão gentil e tentei de novo.

— Isso. Mais um pouquinho disso e você pode dormir de novo.

E eu queria muito dormir.

Aos poucos, me acostumei com a sensação do ar passando

pelos meus pulmões e quando ela me liberou para dormir, voltei a

descansar, mas aquilo não durou muito.

Pelo menos, não para mim.

Eu não sabia se já tinha passado uma hora ou quatro desde o


momento que tentaram me acordar, se aquilo era verdade ou um

sonho. O que sabia era que estava cansada de ficar deitada, e

incomodada com aquela dor na garganta. Quis me forçar a acordar


e, aos poucos, minha mente ficou mais consistente.

Minha última memória era da cova.

Terra em cima de mim.

Eu ia morrer? Eu ia ser enterrada viva?

O pensamento me fez sentir o peso do pânico sobre o meu

peito e eu abri os olhos, arregalando-os, buscando por ar. Minha


garganta doía, eu tentei levantar.

— Calma, calma, calma. — Eram as mãos da enfermeira

tentando me manter no lugar. — Senhorita Wright, por favor, se


acalme! A senhorita está no hospital, isso é uma máscara de

oxigênio. Você se afogou.

E então, mais rápido do que eu gostaria, a memória veio forte.

O rosto de Conrad, cruelmente belo, acabando com o que

restava de mim.

A caminhada humilhante até a praia, os xingos, os

julgamentos, o desespero… O fim.

Foi quando parei de brigar com a mulher e me abracei a ela,

agarrando-a o mais forte que podia, que comecei a chorar.

As lágrimas quentes, grossas e incessantes desceram pelo

meu rosto, minha respiração ficou difícil, minha garganta parecia em

brasa, mas o desespero era tanto que não conseguia me conter,


não conseguia me segurar.

Eu não queria morrer. Não mais.

Eu só queria que a dor parasse.

Eu só queria me sentir bem de novo, algum dia, mesmo que


agora achasse impossível aquilo acontecer.
— Está tudo bem, está tudo bem — disse a mulher de branco

que eu nem mesmo vi a face e me acariciou os braços. Mas ela não


sabia de nada.

Não estava nada bem, nunca estaria de novo, e a culpa era


toda minha.

Levou muito tempo até que eu me acalmasse. Avisei que não

queria dormir de novo, mas ninguém se importou em me ouvir.


Quando aplicaram a medicação no acesso da minha veia, foi difícil

brigar com a força quase sobrenatural que fazia minhas pálpebras

se fecharem.

Acordei de novo mais tarde. Sabia que era noite porque só

tinha uma luz mais fraca acesa no meu quarto e não tinha claridade

nenhuma vinda das persianas. Minha boca estava seca, minha


língua parecia uma lixa, e respirar continuava sendo esquisito,

dolorido.
A dor na minha garganta não era muito melhor, mas daquela

vez, minha mente confusa não me permitiu pensar muito em nada

do presente, principalmente, quando meus olhos focaram nos

girassóis ao lado da minha cama, espalhados pelo chão do quarto,


em cima do sofá.

Tentei suspirar, mas acabei tossindo no processo e, do


corredor, surgiu John.

— Você acordou — ele constatou quando viu meus olhos

abertos. — Como se sente?

— Dói. — Minha voz saiu mais grossa do que o normal e eu

me incomodei, apontando para a garganta.

— É, eu sei. — Aproximando-se da minha cama, com uma

mão no bolso da bermuda e a outra segurando um copo de café, ele

avisou: — Precisaram te entubar, é por isso que a garganta dói. E


você precisa ficar com isso no rosto mais um pouco, precisamos ter

certeza de que vai ficar bem…

— Eu… — queria perguntar.

— Não chegou a morrer, mas quase. E eu te proíbo de me

assustar assim de novo. Está sedada há quase quatro dias, ganhou


uma pneumonia de brinde… — Era a bronca mais carinhosa que já

o vi dar, e tirando a mão do bolso, ele pegou na minha perna.

— Me desculpe… — soprei.

— Não precisa se desculpar, só não… Só não tente outra vez,


ok? Faço o que precisar, mas quero minha filha bem.

— John… — Eu não era sua filha.

— Não discuta. — Bebericando seu café, ele tirou a mão de

mim e eu quis sorrir.

— Talvez você devesse ter tido mais meninas.

— Seriam terrivelmente mimadas. — Sentando-se na


beiradinha do colchão, ele suspirou. — Ainda bem que você veio

pronta.

— Sou só uma suicida em potencial, não? — Desviei o olhar


do dele e voltei a encarar os girassóis.

— Quer falar sobre isso agora?

— Não. — Neguei com a cabeça, engolindo com dificuldade.

— Eu posso beber água? Minha boca...

— Vou ver com a enfermeira. — Ele já ia se erguendo, quando

perguntei:
— De onde vieram essas flores?

— Ah, isso… — O suspiro dele era uma repreensão. — Foi

Conrad.

Eu não respondi. Tudo o que saiu de mim foi o pouco ar que

minha respiração curta aguentava manter nos pulmões junto de um


tremor que ganhou meu peito.

Era sério?

Em algum momento da minha vida, aquilo funcionaria.

Para ser mais exata, até aquela última humilhação, aquilo

funcionaria.

Mas agora, sobre a cama hospitalar, nem que ele

transformasse meu quarto em um campo de girassóis, eu


conseguiria perdoá-lo.

Não dava mais.

Eu precisava me libertar.

Quando John voltou acompanhado da enfermeira, eu precisei

perguntar:

— Sabe onde ele está?


— Sei. Na sala da recepção, lá fora. — A informação me fez
arregalar os olhos. — Eu não o deixei entrar, e não vou, a não ser
que você queira. — A sensação de alívio e ansiedade conviveram

dentro do meu peito naquele segundo.

— Não quero. — As palavras pularam da minha boca.

— Então ele não entra. — A cumplicidade que veio de John


naquele momento foi maior do que qualquer outra vez.

Eu não podia negar, era uma merda estar entre os Prince, mas
era muito bom quando me sentia pertencente.

Por longos dez dias, eu fiquei internada.

A pneumonia me fez ganhar uma tonelada de medicações e

exames, mas não podia reclamar.

— Isso é bem comum em casos de afogamento, Scarlet. — O


médico da família Prince me atendia naquele momento. — Ainda

mais, depois de ser entubada. Seu potássio que era o mais


preocupante está ok, o edema pulmonar está sob controle, mas a
água suja daquele lago…

— O tratamento fez efeito? Quanto tempo mais ela precisa

ficar aqui? — John perguntou.

— Bom, pelos últimos exames, ela já pode ir para casa, mas é


bom não abusar. Nada de cigarros, certo? — A olhada acusadora

dele na minha direção me fez encolher os ombros. — Se não cuidar


desses pulmões, você realmente pode complicar as coisas, menina.

Concordei com a cabeça.

Faria mesmo o meu melhor para ficar bem.

— E eu posso mesmo ir?

— Poder, pode. Mas quero você aqui para refazer os exames


na semana que vem. Também vou passar uma medicação para

casa, e quero você seguindo tudo à risca e descansando.

— Eu vou — concordei na hora e John me ajudou.

— E eu mesmo a trarei.

— Ótimo, até porque vou indicar que ela faça fisioterapia

pulmonar se não ver melhora nos próximos exames — o médico


disse rabiscando algo no bloco de papel em sua mão. — Vou deixar
as medicações prescritas e cuidar das coisas para a alta.
Deitei a cabeça contra o travesseiro, relaxando os ombros,
sentindo o peso indo embora.

Finalmente, eu seria gente de novo.

E mesmo que ficar sem fumar estivesse me matando, até


aproveitaria aquela oportunidade para tentar parar de vez.

— Vou sair para você se arrumar. Suas roupas estão ali. — Ele

indicou a bolsa em cima do sofá. — Se agasalhe porque está frio. —


Foi o último recado antes dele sair e a enfermeira entrar.

Livre de tudo sobre minha pele, do acesso em minha mão,

finalmente pude sair da cama. Me levantar rápido fez o mundo girar,


apesar disso, me segurei firme no lugar e percebi que o cansaço,
até ficar boa de novo, seria meu novo companheiro por algum

tempo.

Lentamente, respeitando o limite, me vesti, penteei os cabelos


e, quando olhei em volta, pensando no que podia ter acontecido, do

que eu tinha me livrado, decidi sair dali alguém que pudesse me dar
orgulho no futuro.

Meu primeiro passo foi abrir a lixeira e enfiar todas as flores lá

dentro.
Girassóis significavam felicidade, lealdade e coisas positivas

demais.

Girassóis não combinavam mais comigo e com Conrad.

Eu sabia que o veria. Só não sabia que seria naquele estado.

Ao passar pelas portas automáticas que davam para a

recepção do hospital, precisei parar.

Conrad e John discutiam baixo entre si, e quando me viram,


pareciam pegos em algo que eu não deveria ver.

Os olhos de Conrad estavam fundos. A pele, que antes era

clara, estava escura sob os olhos. Quanto tempo será que ele tinha
ficado ali?

Meu coração reagiu de imediato, mas não me permiti cair.

Não me permiti ceder.

— Scarlet, vamos? — John veio para mim, a fim de pegar a


mala na minha mão.
— Vamos — respondi sem tirar os olhos do rosto de Conrad. E
quando consegui fazê-lo, ele me chamou.

— Viu as flores que mandei? — Estava a poucos passos de

distância.

Eu só queria ir embora, mas não consegui.

Sua voz era séria, baixa, inquisidora, e seus olhos queimavam


na minha nuca.

— Vi. — John me encarou, preocupado, mas minha expressão


o tranquilizou. Virei de lado e encarei Conrad em uma fúria que
desconhecia, até então. — E só não recusei porque estava

desacordada quando chegaram.

— Scarlet… — Odiava ouvir meu nome em sua boca, ainda


mais depois de tudo.

— O que você pensou? — Minha voz era fria e mesmo quando

seus olhos estavam nos meus, demonstrando pela primeira vez a


guarda baixa, eu não o poupei. — Que depois de jogar um balde de
água e merda em mim, me fazer atravessar a faculdade pelada

duas vezes, destruir meu quarto, me aterrorizar psicológica e


fisicamente, me humilhar em público tantas vezes, que até perdi a

conta, e tentar me enterrar viva, eu ia te perdoar por causa de


merda de uma lembrança sobre como você achava que girassóis
combinavam comigo? — Ri, nervosa, sendo cruel como nunca em

toda minha vida. — Eu não tenho mais quatorze anos, Conrad.

— Eu sei que não, mas me ouça… precisamos conversar.

— Não. — Ergui a mão, impedindo-o de dar mais um passo na


minha direção. — Não temos nada para conversar. Você me deu

tudo o que tinha para dar e eu entendi o recado. — Virei


completamente o corpo para ele e busquei fôlego. Tremendo por
dentro, com o coração martelando forte contra o peito e o rosto

aquecendo pela vontade de chorar, minha voz ficou mais baixa e


intensa. — Você não merece meu tempo, não merece meu amor,
não merece nada de bom que eu ou qualquer pessoa tenha te

oferecido. — O choque no rosto do garoto que tinha meu coração


era visível. Ele não esperava, mas eu estava cansada. — Você é

egoísta e cruel, mas também é triste e vai acabar sozinho, e sabe o


porquê? Porque todo mundo que te ama, você só sabe machucar.

— Eu… — perdido, Conrad balbuciou, mas não deixei que ele


continuasse.

— Você se parece com um anjo, mas é um demônio. Acreditei


uma vez que você era um deus do Olimpo, mas se isso for verdade,
você seria como Hades — a raiva me fez soltar, entredentes,
enquanto uma única lágrima caía pelo meu rosto. Eu a limpei. — E

eu não vou ser a porra da sua Perséfone. Você queria me odiar, não
queria? Então estou te dando uma oportunidade concreta. Vá, faça

de mim a pior de todas. Me odeie pelo resto da vida, mas me odeie


no seu canto, longe de mim.

— Quem é você? — Ferido, seus olhos se estreitaram e ele


deu um passo para trás.

— O monstro que você criou. Agora lide com isso.

Quando dei as costas a Conrad, sabia que tinha terminado.

Que finalmente tinha colocado para fora o que deveria antes


de perder o controle, antes de deixá-lo tomar conta dos meus

sentidos.

E doía. Doía pra porra, mas eu não voltaria atrás.

Passei cinco anos escolhendo-o em vez de olhar para mim.

Suas chances tinham acabado.


conrad

nós perseguimos mentiras mal contadas. nós enfrentamos o


decurso do tempo e eu ainda luto, e ainda luto essa batalha
completamente sozinho. sem ninguém com quem chorar, sem

algum lugar para chamar de lar. meu próprio dom é violado, minha
privacidade é revirada e eu ainda encontro repetindo na minha

mente: se não posso ser eu mesmo, eu me sentiria melhor morto.

nutshell, alice in chains

cinco anos atrás.


Quando forcei a janela do meu antigo quarto e pulei para

dentro, não imaginei que seria ali o lugar onde buscaria por abrigo,
por proteção.

Vivi um maldito inferno por anos, aguentei calado, suportei o


insuportável dentro daquelas paredes e jurei que na primeira

oportunidade que tivesse, nunca mais colocaria os pés lá, mas lá

estava eu, enrolado nas cobertas da cama onde dormi por anos,
assustado como nunca, revivendo todo o espetáculo desastroso que

havia acabado de viver.

Como eu poderia esquecer que no andar de cima daquela


casa, uma pessoa morria e eu não podia fazer nada? Como poderia

engolir o olhar de Scarlet e encará-la quando descobrisse tudo?


Merda, eu precisava colocar a cabeça no lugar. Precisava respirar,

pensar, descobrir o que faria em seguida.

Meu braço ainda latejava pela queimadura e uma bolha

ganhava forma nele.

Quando finalmente me acalmei um pouco, a primeira coisa que

fiz foi ir até o banheiro e me lavar na pia. Aquela merda ia ficar feia,

mas era só mais uma cicatriz no meio de tantas outras.


O peso dela é diferente, idiota. Dessa vez, é o lembrete de que
você errou. De que você é feito da mesma matéria dos que tanto

odeia — o diabo soprou nos meus ouvidos, e com as mãos contra a

porcelana branca, vendo a água ficar escura conforme eu limpava a

fuligem do corpo, não consegui desmentir. Não consegui me

defender daquelas acusações.

Encarei meu reflexo no espelho, tomando coragem de olhar


nos meus próprios olhos e tentei me redimir da culpa.

— Respire fundo, você só precisa explicar o que aconteceu.

Foi tudo acidental. Não foi você quem matou a garota… — disse

para mim mesmo, como se fosse meu melhor amigo, e tentei me

obedecer.

O ar entrou pelos meus pulmões, fechei os olhos e aos poucos

os nós no meu estômago foram se soltando.

— Ok, pense — insisti, mas não vinha nada.

Nenhuma possibilidade decente de me livrar daquilo tudo.

Antes que eu conseguisse me desesperar de novo, ouvi as

batidas na porta da frente e fiquei alerta quando a voz do meu pai

chamou por mim.


— Conrad, eu sei que está aí. Abra. — Ele não parecia nada

amigável.

Qual era a chance de eu fingir não estar?

— Conrad, se você não quer se meter em mais problemas,


abra essa merda. — Raramente John Prince falava palavrão, e
impelido pela ideia de que, daquela vez, ele poderia ser um pai

decente, eu abri.

Seus olhos escuros como os meus foram mais cruéis do que


nunca.

— O que é que você fez? — O julgamento, o desprezo, o nojo.


Tudo impresso em seus olhos, em sua voz, em como passou por

mim medindo a casa. — Sente-se. — Não tive tempo de me


recompor para rebater. Quando ele puxou uma das cadeiras, eu já

estava sentado na outra à sua frente.

Na luz vinda do banheiro, nenhum detalhe do rosto do meu pai

me escapava.

Era esquisito vê-lo ali. Ele não combinava de jeito nenhum com
o cenário.

John Prince nunca devia ter colocado os pés em algum lugar


onde o piso não fosse mais caro do que toda aquela construção.
— Conte, do começo. Preciso saber exatamente o que

aconteceu.

— Você já se encontrou com Isaac? — consegui perguntar.

— Estou perguntando sua versão dos fatos. Aproveite


enquanto ainda tem a chance de me contar.

Engoli o medo em seco e juntei as mãos no colo, evitando o


olhar dele.

— Fiz uma merda, achei que pudesse resolver as coisas com

Scarlet, com Bella. Mas parece que seu outro filho estava
determinado a fazer as coisas mais difíceis. Ele e a irmã de Scarlet
estavam saindo e trabalhando juntos em uma história insana

querendo me foder. Eu acabei saindo com Bella, Susan e Isaac


deram um jeito de Scarlet ver e quando fui até a casa dela para

encerrar as coisas como deveria ter feito, vi o carro de Isaac lá. —


Ri, sem graça, pensando que deveria ter esperado Scarlet do lado

de fora da casa. Idiota. — Tinha algo estranho e eu escalei a casa…

— Já tinha feito isso antes? — Ergui a sobrancelha ao encarar

meu pai.

— Qual a relevância disso?


— Responda. — O tom exigente sob os olhos impacientes me
fez ficar em silêncio por alguns segundos.

— Já. Mas não fiz nada de errado.

— Conrad, pelo amor de Deus, essa garota tem quatorze


anos! — Meu pai levou aquilo para um lado que eu não gostaria de

entrar.

— E eu não fodi com ela! — Aumentei o tom de voz também,

rebatendo. — Não faria isso, eu… — e quase em um sussurro,


completei —... eu realmente gosto dela.

Nós dois suspiramos.

— Entrei pela janela de um dos quartos, ouvi toda a conversa


de Isaac com Susan, e acabei colocando fogo em algo… Foi no

impulso, sem querer. — Afastei a cadeira, me curvei um pouco,


apoiando os cotovelos nos joelhos e massageei minhas têmporas.

— Juro que coloquei fogo só na lixeira, mas deve ter pegado em


algo que não vi. — A raiva dominou minha voz. — Pelas coisas que
ouvi, estava nervoso e não pensei direito antes de ir até os dois.

Acabei brigando com Isaac. O fogo se alastrou enquanto isso, a


garota tentou nos separar na hora que Isaac tentava me enforcar e

ele a socou também. Sua cabeça bateu tão forte contra a parede
que ela desmaiou na hora. Depois disso, nós rolamos escada
abaixo, foi uma loucura do caralho… — Eu não queria mais falar.

— E?

— E seu filho tentou me matar — ergui os olhos para encarar


meu pai —, ele me culpa por coisas que aquela sua mulher imunda

fez. Ele sabe, pai.

Foi a vez dele engolir em seco.

— Continue.

— Se eu não tivesse machucado o pé de Isaac, ele teria


largado a mim e a garota lá para o fogo queimar, mas não. Ele

conseguiu se arrastar para fora da casa antes de algumas vigas do

teto desabarem e fugiu. Eu ainda fiquei lá, eu ainda tentei salvá-la…


— Ergui o braço, mostrando a queimadura. — Mas não tinha como

subir sem morrer também. — Havia lágrimas nos meus olhos, mas

eu não as repeli. Ajeitei a postura, limpei o nariz e fitei meu pai. —

Quando consegui sair pela janela, vi Scarlet.

— É, ela te viu também.

— Eu sei.

— Que bom que sabe. — Ele soprou o ar e apoiou os

cotovelos na mesa. — Porque agora, Conrad, você vai precisar ir


embora.

— Como? Eu não tive culpa, foi tudo um acidente! Eu não

matei ninguém! — Me ergui, me afastando da mesa, me sentindo

encurralado.

— Como vou explicar isso? A garota te viu lá, ela só sabe que

você, que adora brincar com fogo, estava na casa dela em chamas,

e que a irmã dela morreu lá dentro. No momento, ainda está em


choque, mas o que você acha que vai acontecer quando passar? O

que acha que vai acontecer com nosso nome, com nossa honra,

quando você for acusado por todos os crimes que ela era a única
testemunha?

— Mas eu…

— Alguém viu Isaac saindo de lá? — meu pai me interrompeu.

— Não sei…

— Então você não tem como provar ser inocente. Isaac vai

dizer que estava em outro canto da cidade, que quebrou o pé, que

nunca poderia fazer nada do tipo. A garota morta não vai poder te
defender agora. Scarlet está processando, e quando a raiva

chegar…

— Ela não faria, você não a conhece. Me deixe falar com ela.
— Eu não a conheço? — A risada amarga dele me atingiu e

matou minha última esperança. — Conrad, se eu não a conheço,

como é que consegui um acordo com a menina antes de vir até


você?

— Oi?

— É. Acabei de fazer um acordo com Scarlet. Ela se mantém

em silêncio para o resto da vida e eu serei seu tutor. Cuidarei do

futuro dela e do avô em troca de ela nunca abrir a boca sobre você.

Meu pai me bateu da forma mais crua e poderosa que poderia.

Aquilo doeu mais do que qualquer machucado físico.

Nem que ele tivesse arrancado meu coração do peito, poderia

doer mais.

— Mas…

— Não tem mas, nem mais. Temos uma adolescente confusa,


órfã, que acabou de perder a irmã em um incêndio causado pelo

namoradinho que quebrou seu coração mais cedo. O que é que

você acha que vai sair disso?

Minha mente viu em vermelho e eu virei de costas, apoiando

as mãos na pia, trazendo o rosto de Scarlet enquanto via tudo

pegando fogo.
Seu olhar tinha tristeza, tinha raiva…

Minhas pernas quase perderam a força quando aquilo me

atingiu.

Meu pai tinha razão.

— É só mais alguém que tem interesses em jogo, sorte sua

que pude brincar com eles — John Prince, o carrasco, anunciou


quando se levantou.

Ele não viu a última lágrima, a mais dolorosa, escorrer pelo


meu nariz e pingar sobre a pia.

— O que eu faço agora?

— Você fica aqui. Tome um banho, faça suas malas. Amanhã

sua vida nova começa.

— Não — briguei, a raiva ganhando espaço no meu peito

quando me virei para vê-lo.

— Não?

— Antes de eu ir embora, antes de eu contar o que seu filho

bonzinho realmente fez e levantar a suspeita, você precisa cuidar da


minha mãe.

— Conrad, eu…
— Isso não tem negociação. Ou você cuida dela, ou todo

mundo vai saber de tudo, inclusive, do que eu passei por todos os

anos aqui e na sua casa. — A ameaça era genuína.

— Nem todo mundo vai acreditar.

— Eu não preciso que acreditem, só pela possibilidade,


imagine como vão falar da sua falecida esposa nas rodas da alta

sociedade, onde ela era um membro tão querido?

Vestindo a máscara que usou por todos aqueles anos quando


ficava desconfortável, ele ajeitou a gravata e o terno antes de me

responder:

— Farei o possível.

— Então amanhã, seja lá a hora que precisar ir, me avise.

Ele ia sair sem dizer nada, mas da porta, se lembrou de algo e

parou.

— Scarlet pediu para ver você antes de ir.

— Não quero. — Era real, firme, a melhor decisão a tomar. —

Se ela aceitou sua proposta antes de falar comigo, ela sabe que não
há chance de eu ouvi-la.

— Boa noite, Conrad. — Com as mãos no bolso, sem


paciência para mais problemas, ele foi embora.
E em dezesseis anos, aquela foi a pior noite da minha vida.

Eu preferia mil vezes nunca ter olhado nos olhos de Scarlet.

Preferia mil vezes nunca ter sentido absolutamente nada das

coisas boas, se fosse para perder tudo daquele jeito.


scarlet

se você me disser que está indo embora, eu facilitarei. vai ficar tudo
bem. se não podemos parar o sangramento não temos que repará-
lo, não temos que ficar.

i t ’ l l b e o k a y, s h a w n m e n d e s

cinco anos atrás

Meu avô não lutou contra a ajuda de John Prince.

Sinceramente, nem eu. Estávamos cansados, destruídos,

consumidos pelo fogo junto da casa. Porém, ao contrário de Susan

que tinha partido, éramos nós que sofreríamos as consequências.


Passei a noite em claro na mansão Prince, pela primeira vez em um

quarto que disseram que se tornaria meu, mas levantei antes do sol
raiar e caminhei sozinha até os escombros do que era minha casa.

A equipe do corpo de bombeiros ainda trabalhava.

Tinha fumaça saindo do que sobrou da casa, mas não havia

nada em pé.

Parei na calçada, observando de longe, enquanto os últimos

homens trabalhavam e ouvi quando um deles finalmente achou o

que sobrou da minha irmã.

Não consegui derrubar nenhuma lágrima quando o corpo de

Susan foi movido para um pedaço de plástico preto. No fundo, me

recusava a acreditar que aquilo era real, que aquilo era culpa minha.

Se eu não tivesse provocado, se eu não tivesse me envolvido

com Conrad naquele verão, ele não teria motivos para ir até a minha

casa e acabar com tudo daquele jeito.

Mas, por mais que doesse, algo em mim gritava,

desesperadamente, alucinadamente, alto como só os sinos de igreja

são capazes de ser, que Conrad merecia o benefício da dúvida. Que

ele precisava disso.


Quando os bombeiros finalmente deixaram a cena, a polícia
não se preocupou em ficar no lugar. E sem ninguém para me barrar,

atravessei a faixa amarela de atenção e avancei por entre a

confusão escura que agora era minha antiga casa.

Meus olhos vasculharam em volta, procurando qualquer coisa

que tivesse sobrado, qualquer coisa que restasse, mas não havia

nada além de fuligem e desastre.

Meu coração se apertou. A dor quase física me atingiu.

Eu resisti.

Engoli a vontade de chorar, engoli a memória de Conrad

pulando para fora da janela, das escadas que rangiam, do sofá onde
vovô me cobriu um bilhão de vezes e as enfiei em um canto

escondido da mente, onde fosse difícil acessar, onde sentia que

aquilo não me destruiria.

— Scarlet? — Ouvi uma voz conhecida e, tão parecida com a

voz de Conrad, não pude deixar de atender. Infelizmente, quando

meus olhos fixaram Isaac, o desânimo me atingiu.

Ele ergueu a mão e, com muito custo, me obriguei a caminhar

até ele. Foi nesse minuto que me senti pisando em algo

escorregadio e quando olhei para baixo, vi a prova do crime.


Escondido sob uma pilha de cinzas, estava o isqueiro de

Conrad.

O fogo não o havia danificado por um milagre, e sutilmente, eu

o escorreguei para dentro do bolso do casaco maior que eu que


usava. Respirei fundo, tomando coragem, e me ergui, voltando a

caminhada na direção de Isaac.

— Oi — cumprimentei baixinho, mantendo as mãos no bolso


quando cheguei perto dele, com o isqueiro bem apertado entre os

dedos. — Fiquei sabendo do seu acidente, como está sua perna? —


Franzi os olhos graças ao sol que castigava meu rosto com sua luz.

— Uma torção grave, vou precisar ficar imobilizado, mas como


meu carro é automático, não estou tão ferrado assim. — Ele abriu a

porta do carro, com dificuldade pousou a bota preta no chão e se


ergueu. Isaac não me deu tempo de dar um passo para trás.

Quando sua mão firme me puxou para si pelo braço, fui encaixada
em seu peito e fiquei imóvel ali. — Eu sinto muito por sua irmã,
Scar…

— Susan deve estar gritando com Deus neste minuto, dizendo

que Ele levou a irmã errada. — Ri sem graça e senti as lágrimas


escapando silenciosamente pelos cantinhos dos olhos. — Mas tudo
bem, talvez ela tenha razão desta vez. — O embargo da minha voz

fez Isaac me apertar contra si.

— Vai ficar tudo bem…

Concordei com a cabeça e, quando me controlei, fazendo o


choro parar, consegui me afastar.

— E, você sabe do seu irmão? — Desviei os olhos para os


meus sapatos. Era o único par que eu tinha agora. — Sabe de

Conrad? — A vergonha de perguntar me atingiu. Minhas bochechas


ferveram.

— Eu ouvi algo… — Ele pareceu incerto em me dizer.

— O quê? — Meus olhos, esperançosos, grudaram em seu


rosto.

Isaac parecia preocupado. Olhou em volta na rua, tendo

certeza de que ninguém mais nos ouvia e sussurrou para mim:

— Ele foi atrás do meu pai ontem. Disse coisas absurdas de

você, coisas… — Ele parecia com vergonha de repetir.

— O quê? — Estrangulada, a pergunta saiu da minha boca


mesmo sem eu querer realmente saber.

— Ah, Scar. Eu sinto muito.


— Isaac — engoli qualquer medo e endireitei a coluna,
firmando minha postura —, me conte. Me conte agora.

— Eu acho que seria melhor ele te dizer, mas meu irmão


assumiu que foi ele quem matou sua irmã, que colocou fogo na

casa… E foi por isso que meu pai veio aqui, foi por isso que veio
fazer o acordo com você. Neste momento, acho que Conrad já está
de malas prontas para ir embora e se livrar das consequências de

ter, você sabe, arruinado tudo.

— Não. Ele não… — Parei antes de continuar negando.

Ele sim, Scarlet. Ele fez — minha mente assumiu e fechei os


olhos, engolindo aquilo com o sabor mais amargo que já havia
sentido na boca.

Minhas lágrimas mais grossas molharam meu rosto e eu

precisei de alguns minutos em silêncio antes de cair. Quando desisti


de tentar segurar tudo, Isaac me abraçou.

— Está tudo bem, garota. Está tudo bem. Nós vamos cuidar de
você. Vamos te deixar inteira de novo, ok?

Eu achava impossível ele conseguir, já que sempre faltaria um

pedaço meu.

Um pedaço que pertencia a Conrad, e sempre seria dele.


— Como você tem tanta certeza de que ele vai estar lá? —

perguntei mais uma vez, incerta de como tudo seguiria se aquele

plano desse certo.

— Você não me viu ligando para o meu pai? Ele disse que

Conrad está se despedindo da mãe. É sua chance. — Isaac estava


acelerando mais do que devia pela via, mas não reclamei.

Ele realmente precisava ir rápido, se eu quisesse ter uma

chance.

Alisei o cinto de segurança um bilhão de vezes no trajeto,

incerta do que aconteceria.

Outras bilhões de situações possíveis passaram pela minha

cabeça. Diálogos, ações, olhares e toques. A ansiedade fez as

borboletas no meu estômago se agitarem como nunca, ainda assim,


eu rezei.

O carro de Isaac entrou pela rua de pedras cantando pneu.


O posto de gasolina onde a mãe dele trabalhava estava vazio,

a não ser por um carro preto parado ao lado da porta da


conveniência, e chegamos perto o bastante para ver Caroline

abraçando o filho.

O rosto dela era uma máscara inquebrável, molhada pelas

lágrimas de tristeza, da validade de sua incapacidade de ser uma

boa mãe para o meu menino quebrado. Eu teria começado a chorar

naquele segundo, compartilhando aquela dor, se meus olhos já não


estivessem molhados demais de tudo antes.

Isaac não foi discreto quando estacionou, e pude ver o olhar


de Conrad atento a nós quando se afastou da mãe. Aquele olhar…

Tentei soltar meu cinto, mas paralisei vendo o alerta ali. Era um

claro “não se aproxime” no rosto machucado de mandíbula travada,

lábios comprimidos e sobrancelhas franzidas.

Havia desprezo em seus olhos. E, surpreendentemente,

quando fitou a mim, ódio.

Engoli em seco o medo, querendo muito o poder de ler mentes

naquele minuto, mesmo que a de Conrad parecesse ser resistente a

qualquer força sobrenatural.

A crueldade em seus olhos escuros me consumiu.


Parte da minha coragem desapareceu.

Conrad saiu de perto da sua mãe, e só depois disso minhas

pernas pareceram querer responder ao comando de se mover.

Abri a porta do carro, mas já era tarde. Enquanto eu descia,

Conrad se ajeitava no banco do passageiro do outro carro e


Caroline ficava lá plantada.

Como ela conseguia?

Era ELE indo embora!

Aproximei-me da janela dele, não conseguindo ver nada do


lado de dentro, graças ao vidro fumê, mas não desisti.

— Conrad… — chamei baixinho, quase num sopro.

Minha visão nublou graças às novas lágrimas. Minha garganta

ardeu violentamente por tudo o que segurava. Meu peito queimou.

— Por favor, precisamos conversar — choraminguei um pouco

mais alto, mas ele não me deu uma chance.

Ele nem mesmo abriu o vidro.

— Conrad, por favor — implorei, dessa vez tentando abrir a

porta trancada.
O carro começou a se mover e, sem pensar em uma

alternativa, caminhei ao seu lado, batendo no vidro escuro.

Eu faria aquilo até meus pés sangrarem ou ele decidir parar.

Eu esperava que a segunda opção acontecesse antes da

primeira.

— Não vá embora, por favor, não vá embora — insisti,


acelerando o passo junto da velocidade do carro.

Mas não adiantou.

O motorista não parou.

Conrad não desceu.

E quando dei por mim, estava correndo o mais rápido que

aguentava. O máximo que minhas pernas podiam, tudo para vê-lo


continuar como se eu não valesse nada, como se não se

importasse.

Ele nem mesmo olhou para trás…

— CONRAD! — meu grito era agudo, alto demais para

qualquer um ignorar.

Menos para ele e seu coração inexistente.


Aquilo doeu. Doeu mais do que quando meus pés falharam, do

que quando caí no chão e o vi desaparecer pela estrada.

Ele foi embora — pensei, desesperada. — Eu estou sozinha,


abandonada por Heathcliff.

Não consegui me levantar, não consegui pensar em nada além


de quão desgraçada eu era.

Não conseguia dimensionar o quão acabada eu estava.

Só sabia chorar.

Só sabia que não havia nada depois daquilo.

E que se ele precisava ir embora, mesmo depois de me

machucar como ninguém antes, tudo bem.

Eu o esperaria.

Esperaria para sempre, se precisasse, se tivesse a certeza de


que o veria de novo.

Essa foi a única coisa que me fez levantar.


conrad

Então eu afogo isso como sempre faço dançando pela nossa casa
com o seu fantasma, e eu o persigo, com um tiro de verdade.
dançando pela nossa casa com o seu fantasma.

ghost of you, 5 seconds of summer

— Chega disso, pelo amor de Deus. — Bella arrancou a

coberta de cima de mim. — Vai, levanta. O mundo tá lá fora girando


e você vai ficar aqui tendo pena de si mesmo até quando?

Como um furacão, ela partiu para abrir as cortinas e a janela


do quarto.
O vento frio do meio de novembro arrancou minha última

parcela de bom humor.

— Porra, me deixa quieto. — Escondi a cabeça embaixo do

travesseiro novo.

— Não! — gritando, Bella veio para cima de mim. — Vai,

levanta. Você tá podre, precisa de um banho, de um copo de café e

de uns tapas na cara. Se não levantar em dois segundos, a ordem


vai ser invertida. Anda, Conrad!

Empurrei a garota magricela de cima de mim com uma mão


só, mas ela aproveitou a deixa e me mordeu. Seus dentes cravaram

com força no meu braço.

— Caralho, isso dói, porra! — reclamei nervoso enquanto me


sentava.

— Foda-se. Pelo menos está acordado. — Vi Bella cruzando

os braços, impaciente como se eu fosse uma criança.

— Vai decidir viver ou vai continuar aí lambendo suas feridas?

— Você não sabe do que está falando. — Minha voz mais

grossa a fez erguer as sobrancelhas.

— Ah, não sei? Espera, vamos ver o que eu perdi. —

Contando nos dedos, começou: — Primeiro você foi enganado por


seu irmão, depois deixou seu irmão e seu pai manipularem todo
mundo junto da cabeça vermelha. Aí você teve que ir embora e

quando voltou, começou a se vingar, a garota não aguentou, tentou

se matar e aí, como em um passe de mágica, você, o cara que

nunca dá para trás, se enfia neste quarto e parece que morreu e

esqueceram de enterrar. O que está faltando aqui?

— Bella, me dá cinco minutos?

— Dois. — Ela recuou. — Vá escovar os dentes e tomar um

banho antes de me explicar o que está acontecendo.

Esfreguei o rosto, bufando, sem opção, e olhei em volta.

— Onde está Thomaz?

— Cuidando da vida dele, mas eu não tinha nada mais

importante, então vim cuidar da sua. — Ela deu de ombros. — Vai,

anda logo, chuveiro. — Apontando para a porta onde eu deveria ir,

minha melhor amiga me fez sentir com três anos de idade.

Mas ela não estava errada. Eu não conseguia mais me


encaixar, não conseguia entender.

Estava quebrado. Brutalmente fodido. E não queria ver.

Não queria encarar.


As últimas palavras de Scarlet ainda dançavam na minha

cabeça, assim como o fantasma do passado, do que fomos um dia.


Era demais pedir para voltar lá e acabar com tudo, antes que um

fosse capaz de magoar o outro da forma como aconteceu?

Sabia que era.

Escovei os dentes no chuveiro e tomei o banho mais gelado

possível. Quando saí com a toalha enrolada na cintura, Bella me


encarou, medindo meu corpo de cima a baixo e suspirou.

— Sua versão adulta está de parabéns. — Ela foi a única


capaz de arrancar um sorriso meu. — Deixe de besteira, venha,

sente aqui.

Sem alternativa, fui em sua direção e fiz como ela pediu,


apoiando os cotovelos nas coxas, sem ânimo para nada.

— O que quer saber?

— Tudo. Thomaz disse que você virou uma chave, do nada.


Quero entender o que aconteceu desde vocês terem transado.

Aliás, você tem certeza de que ela era virgem? — Os olhos


castanhos estavam vidrados no meu rosto, mas eu não conseguia

encará-la.
— Scarlet não fez o que achei que tinha feito. — Dizer aquilo

em voz alta me fodeu. Suspirei pesado, meu peito tremeu. — Na


verdade, estou certo de que tudo o que joguei em cima dela por

todos esses anos, nunca foi realmente sua culpa.

— Conrad, a garota usou o que aconteceu para subir na vida.


Você precisou deixar sua mãe, precisou mudar de país, tudo por
causa dela… — Bella não entendia, e foi nessa hora que eu a

encarei.

— Não, Bella. Você não percebe? — Ri de desespero. —


Scarlet nunca abriu a boca para falar sobre mim, ou sobre minha

mãe. Scarlet nunca contou a ninguém sobre ter me visto saindo da


casa, e mais do que isso, ela não tentou subir na vida. Isaac a
amarrou. — Como eu podia ser tão burro? — Naquela noite, eu

realmente tirei a virgindade dela. Isaac estava puto do lado de fora


do quarto antes de ir até você. E ele disse tanta merda… — Minha

boca amargou. — Não sei se fui mais idiota de acreditar nele ou de


descontar tudo nela. — Escondi o rosto nas mãos e inflei as
bochechas na hora de soprar o ar. — Meu cérebro parece que vai

explodir.

— Ok, vamos jogar com a possibilidade de Scarlet ser — ela


fez aspas com as mãos — “inocente”. Você fez tudo isso pela sua
mãe, Conrad.

— Mãe que, na noite em que Scarlet se afogou, descobri que

ainda sai com o cara que nos espancou minha vida toda.

— O quê? — Foi a vez dela entrar em choque. — Tem certeza


disso?

— Bella, eu os vi. — A raiva na minha voz entregava tudo.

— Puta que pariu… — Minha amiga me abraçou e ficou quieta


por alguns minutos, pensando junto comigo. — É, você se fodeu.

Quis rir.

— Obrigado. — O sarcasmo na minha frase quase a queimou.

— Ok, não sei dizer o que faria agora. Provavelmente, eu teria


batido na sua mãe.

Olhei para ela de soslaio, mas Bella não ligou.

— Porém, finalmente, você está livre.

— Como?

— Conrad, pelo amor de Deus, você não é burro, ou é? Chega

de se sacrificar pelos outros. Sua mãe é adulta, tem livre arbítrio, e


se ela prefere sair com o cara que quase matou o filho dela… Bom,
é escolha dela, e não sua. Você fez sua parte. Na verdade, muito
mais que sua parte, né? Porque, de onde eu vim e do que entendo,
os pais é quem devem cuidar dos filhos, não o contrário. Você não
pode mais ser o super-herói da sua mãe, nem de mais ninguém.

Você é maior, vacinado, o que sua mãe tinha de obrigação com


você já foi, já era. Vocês fizeram o melhor com o que tinham e, cara,

olha só pra quem você se tornou, mesmo no meio da merda?

— Você não entende…

— Não. Quem não entende é você. Todo mundo na vida vai


arcar com as consequências das escolhas, Conrad. Deixa sua mãe

viver as delas e cuide das suas. Inclusive, chega disso de brincar de

Breaking Bad, né? Você já fez dinheiro o bastante para se manter

pelos próximos anos. Que tal se formar, ir atrás de um laboratório


que invista em pesquisa decente, que te dê respaldo para ser o

novo garoto de ouro do mercado farmacêutico? Porque, apesar de

você hoje controlar seu pai e sua mãe pelo poder que isso te traz, a
longo prazo, você vai desperdiçar tudo se for preso.

— Quando é que você ficou tão inteligente?

— Eu sempre fui. — Ela fez charme, batendo os cílios. —

Fiquei mais ainda quando deixei de ser apaixonada por você. — Era

brincadeira, mas tinha um fundo de verdade.


Bella sabia o que queria e mandava em seu coração como eu

nunca vi ninguém fazer.

— Sério, você sabe que tem tudo o que precisar de mim,

sempre.

— Obrigado. — Deitei a cabeça sobre a dela quando a garota

se apoiou no meu ombro.

— E agora, o que vai fazer?

— Ceder um estoque grande ao meu pai, pegar o dinheiro da


venda e tomar um rumo na vida — desabafei.

— Que seria?

— Não sei… — Encarei nosso reflexo no espelho.

— Você ainda gosta dela, não gosta?

— Isso importa?

— Só se você quiser que sim.

Dei um meio-sorriso e acariciei a coxa de Bella.

Ela era a certeza de que família e parente eram coisas


absurdamente diferentes.
Tentei me manter fora do radar de todo mundo enquanto não

conseguia controlar a raiva no meu peito. Ignorei cada uma das


tentativas de contato da minha mãe. Cada ligação, cada mensagem,

cada pedido para que eu fosse vê-la.

Não conseguia suportar a ideia de olhar para ela, não depois

de tanto… Aquilo sim era traição. Aquilo sim era agressão. Ela

deveria saber das consequências.

Meu pai me pressionava sobre mais mercadoria e eu avisei

que trabalharia para entregar tudo o que tinha, e que precisava de

uma reunião antes.

Já Scarlet…

A cada pausa que dava no laboratório ou entre as aulas, meus


dedos coçavam para digitar algo, para tentar descobrir como ela

estava, mas era estranho que agora eu a visse como igual. Antes,

era como se ela estivesse bem em se manter submissa, que eu


fosse o sol do seu universo, mas depois daquelas palavras raivosas,

do que forcei ela a se tornar, não sabia se estava pronto para


encará-la sem estar pautado sobre a pilha de mentiras na qual me

apoiei nos últimos anos para justificar querer destrui-la.

A verdade era que, talvez ela tivesse sido o meu alvo principal

porque ela sempre havia sido. A polaridade havia mudado, já a


pessoa, a intensidade? Não.

Sempre seria ela e isso me fez tirar o resto de novembro para

cuidar das coisas como precisava, antes de pensar no próximo


passo, antes de resolver colocar parte de coisas inegociáveis

minhas no chão.

Foi na tarde mais fria do ano até ali, depois da primeira neve

do ano aparecer antes do esperado, que saí com quatro malas de

viagem cheias do meu quarto com a ajuda de Thomaz e me dirigi

até a reitoria.

— Te vejo depois? — ele perguntou, tocando minha mão.

— Te ligo quando sair daqui.

— Fechado.

Quando meu amigo deu as costas, Maressa já estava de pé,

limpando a garganta e ajeitando o conjunto violeta.

— Olá, Conrad. No que posso ajudá-lo? — Ela tinha um tom

mais duro sobre mim.


— Ele está aí? — perguntei, indicando as portas do escritório

dele fechadas.

— Está, em uma reunião privada.

— Com quem?

— Bem… — Ela suspirou antes de anunciar, juntando as mãos

em frente ao corpo. — Sua mãe.

— O quê? — Não a esperei dizer mais nada.

Fui direto para a porta e meti a mão na maçaneta, pegando

John e Caroline, próximos demais um do outro. Ela, sentada na


poltrona em frente à lareira. Ele, em pé, apoiado ao lado do fogo.

— Que porra mais eu não sei? — vociferei, fazendo minha

mãe pular da poltrona e meu pai dar um passo para trás.

— Conrad, isso é uma reunião privada. — A voz de John se

manteve serena, mas firme.

— Foda-se. Você sabia que ela ainda trepa com o cara que me

espancou a infância toda? Que me fez roubar da sua casa para

pagar contas? — O olhar do meu pai saiu do meu rosto e foi para o
de Caroline, inquisidor.

Minha mãe quase entrou em pânico enquanto as portas às


minhas costas se fechavam.
— Caroline?

— Não é isso…

— Ah, foda-se — explodi. — O que ela faz aqui?

— Estávamos falando sobre você, sobre seu futuro.

— Ótimo. Eu também vim falar sobre ele. — Me larguei sobre


a outra poltrona mais distante. — Vamos lá, o que o papai e mamãe

do século tem planejado para o filhinho bastardo?

— Conrad, não fale assim! — Magoada, minha mãe com os


olhos cheios d’água, tentou me repreender, mas eu só tinha ódio

para dar de volta.

Sacudindo a perna direita sem parar, ansioso, nervoso, um

meio-sorriso maligno cortou meu rosto.

— E quer que eu fale como, mãe? Quer que eu te dê


parabéns? Quer que eu diga que a casa que comprei, depois de

anos de abuso do meu pai sem te dar um tostão, uma ajuda, um

nada, é um presente para seus anos de ouro com Philip? Quer que
eu perdoe as vezes em que com um tempo pior do que este —

apontei pela janela — ele me colocou nu para fora de casa antes

das seis da manhã quando chegava bêbado e me pegava dormindo

na sua cama com você? Eu tinha o que, uns seis, sete anos? — Ela
tremia, olhando para o meu pai com medo e eu estranhei, mas não
me contive. — Quer que eu finja que nunca me coloquei entre

vocês, enquanto ele se descontrolava, enquanto tentava te matar?

Que apanhei, que passei fome algumas vezes, que fiz de tudo para
você porque acreditava que, se não tivéssemos aquele teto,

estaríamos na rua e eu teria que viver com meu pai sem coração e a

mulher amiga do diabo que ele tinha e nunca mais veria você?

Quando me calei, minha mãe chorava e, no meu rosto, uma

única lágrima escorreu.

Eu não a limpei. No fundo, queria que ela soubesse que havia

quebrado a única coisa sagrada que tinha.

— Caroline? — O tom do meu pai era frio, lento. — O que

Conrad acabou de dizer, é verdade?

— John…

— É. — Não deixei minha mãe falar mais nada.

Éramos meu pai e eu contra ela naquele minuto, coisa que


nunca pensei ter possibilidade de acontecer.

Vi minha mãe se encolher, com medo, insegura, quase

desesperada. Suas mãos subiram para o rosto e, aparentemente


magoada comigo, ela começou a chorar alto, soluçando, tremendo.
Pela primeira vez na vida, eu não tive um pingo de dó.

— Conrad, sua mãe nunca te contou que eu a ajudava com


três mil euros, mais as suas despesas? — Os olhos de John
estavam sobre ela tão julgadores quanto os meus.

— O quê? — Aquilo era uma novidade e tanto, já que ouvi a


vida toda que meu pai não ajudava, que a massacrava e tudo mais.

— O combinado era que eu daria isso para o resto da vida

dela, cuidaria dos seus gastos e ela não me pediria mais nada. Era
por isso que todas as vezes em que você dizia algo, eu falava que
você podia ir morar comigo, se preferisse. — Meu pai olhou para

mim, entendendo boa parte das coisas que começavam a fazer


sentido para mim também.

Minha boca se abriu e fechou sem que eu soubesse o que

dizer.

Meus olhos foram dele para ela uma porção de vezes, e


quando eu finalmente processei tudo, vi a imagem de super-heroína

da minha mãe se partir bem na minha frente.

Aquilo doeu como a pior surra que tomei.

— Mãe. — Minha voz saiu mais baixa e ela continuou tapando


o rosto enquanto chorava. — Caroline — falei mais alto, em um tom
que ela sabia que se ignorasse, teria problemas.

Suas mãos se mantiveram no rosto, mas os olhos azuis, que


estavam avermelhados pelo choro, foram descobertos e me

encararam de volta.

Ali ela sabia que tinha me perdido.

— Esqueça a casa. Esqueça tudo. A partir de hoje, eu não sou

mais seu filho. Fiz o que fiz, por você e por mim. Achei que fosse
seu herói, achei que fosse importante, e agora vejo que não. Que
não passei de um idiota, mais uma vez. — Aquilo me quebrou. —

Suas escolhas foram feitas e as consequências delas chegaram. Se


meu pai ainda quiser te ajudar, é um problema dele. De mim, não
espere nem mesmo um oi se estiver cruzando a mesma rua.

O silêncio que se seguiu foi pesado. Meu corpo todo parecia

rejeitar a ideia de falhar.

Como tudo podia virar daquele jeito em dois meses? Quando


pisei naquele lugar, tive certeza de que destruiria tudo e todos, que

acabaria com cada um dos que me feriram, e agora eu repudiava a


única pessoa pela qual era capaz de me sacrificar. Agora eu tinha
certeza de que havia falhado com a única pessoa que tinha me
amado dentro de todos os absurdos e acidentes no meio do
caminho.

Tinha entrado naquela sala vazio. Ia sair sem menos ainda.


Como isso era possível?

Enchi os pulmões de ar, minha respiração cortou o silêncio

além do choro de Caroline que não conseguia dizer nada, nem um


sinto muito. Mas era porque, talvez, no fundo, ela não sentisse
mesmo.

— Conrad, acho melhor você deixar eu e sua mãe sozinhos

por um momento.

— Façam o que quiserem. — Limpei, finalmente, as lágrimas


do meu rosto. — Passei aqui para avisar que estou fora daquele

negócio de família também. O que você precisa de material, para


usar como bem entender, estão nas malas lá fora.

— Conversamos sobre isso depois. — O tom alerta dele me

deu a entender que John tentaria me convencer de continuar.

— Não tem um depois, pai. — Encarei-o com muito custo. — A


única conversa que teremos depois é para descobrir como você vai

me pagar, e se ainda me quer como estudante nesta merda.


E poupando a eles e a mim de mais humilhação, me levantei e

saí, batendo as portas e ouvindo o choro da minha mãe se libertar.

Maressa estava sentada, fingindo prestar atenção demais em


um documento antes de me olhar.

— Precisa de algo, querido? — O tom amável entregava que

não tínhamos sido nada silenciosos da porta para dentro.

— Você não conhece alguém que queira brincar de roleta-


russa agora, não é mesmo? — Meu tom de brincadeira não a

enganou.

— Acho que você precisa de uma boa cerveja e dos seus


amigos. — O conselho dela foi feito em tom maternal e eu dei um

sorriso sem dentes, com os lábios comprimidos e fiz que sim com a
cabeça.

— Até depois.

Eu sabia aonde ir.

E não era para nenhum bar.


scarlet

gritando para o céu, gritando para o mundo, querido, por que você
foi embora? eu ainda sou sua garota. me mantendo firme, com a
cabeça nas nuvens. só o céu sabe onde você está agora. como eu

amo de novo? como confio novamente? eu fico acordada a noite


toda, digo a mim mesma que estou bem. querido, você é mais difícil

de ver do que a maioria. eu coloco música para tocar, espero até eu

ouvir a nossa música. toda noite eu danço com seu fantasma.

dancing with your ghost, sasha sloan.

Largar o cigarro quando decidi ficar em casa foi uma péssima


ideia.
Apesar de Conrad e Isaac estarem proibidos por John de

colocarem os pés na mansão Prince, eu ainda tinha a sensação de


que, a qualquer hora, um dos dois invadiria meu quarto e, por causa

disso, ficava acordada até o sol dar os primeiros sinais de vida pela

janela. As madrugadas insones me lembravam o tempo em que o


abajur ao lado da minha cama projetava estrelas no teto e o meu eu

de quatorze anos, esperançoso, imaginava Conrad voltando.

Imaginava a possibilidade de tudo ser um pesadelo em uma cama


macia.

Mas dia após dia, conforme tudo se tornava real, eu me

permitia fugir de tudo e deixar as memórias boas dançando pelo


quarto, bebendo delas ao máximo para suportar o dia seguinte, e o
dia seguinte, até que não sobrou nada para se aproveitar.

Amar Conrad era como se jogar de cabeça em um vulcão.

A adrenalina era alucinante, a beleza daquilo nunca seria

apreciada por todos, mas quando batesse no fundo, quando

mergulhasse na lava, nada te salvaria e o resto do trajeto seria


agonizante até sua morte.

Eu senti isso com tanta intensidade no passado que,

inevitavelmente, pintar não era mais o suficiente. Por isso, escrevi


cartas aos montes, por um ano inteiro.

Isaac foi meu parceiro nisso, e quando todas as cartas

voltavam com o carimbo de devolução ao remetente, foi ele quem

aturou meus choros todos.

Não tive coragem de jogá-las fora, e naquela manhã, quando

abri meu closet e meus dedos tocaram as caixas do fundo do


armário, me senti um pouco mais corajosa de encarar meus

sentimentos encapsulados.

Antes de enfiar as botas e ir caminhar no frio, eu as puxei para

fora e coloquei sobre a cama.

Eram duas caixas grandes, lotadas até a boca de coisas que


me lembravam Conrad.

A primeira tinha todas as cartas que escrevi, as letras de

música que copiei, os devaneios, os sonhos quebrados, a decepção

pela ausência de resposta, por ele nem mesmo querer ler o que eu

tinha para falar, mas em nenhuma delas houve cobrança.

Em nenhuma delas, o meu amor por ele foi menor.

Naquela época, eu ainda acreditava que o tempo podia curar

tudo, mas como eu estava enganada. O que Conrad sentia por mim,
com o passar dos anos, se transformou no mais puro ódio, desprezo

e, por Deus, eu não queria mais pensar sobre aquilo.

Ainda assim, quando abri a segunda caixa, vi a blusa de frio

dele que tinha sido largada na casa do pai e foi meu travesseiro por
quase dois anos, até uma empregada desavisada lavar e tirar o

cheiro de Conrad dela. Folhas do quintal, uma para cada estação do


ano em que ele ficou longe. Minha primeira caixa de cigarros,

porque sim, eu sabia que tinha começado aquela merda de vício por
causa dele. Alguns desenhos que fiz em guardanapos dos lugares

onde ele costumava me levar. Um potinho com areia da praia onde


fomos juntos e, escondidos, como meu maior tesouro proibido, o
isqueiro antigo dele. O que fez com que eu me apaixonasse por

suas mãos, o que queimou minha casa.

Pressionei os dentes contra o lábio inferior e fechei a caixa.

Era muito claro o que eu precisava fazer, e quando vesti


minhas botas, passei os dedos no telefone e liguei para John.

— Scarlet, algum problema? — O tom de alerta dele quando


me atendeu foi recebido com um riso nervoso.

— Oi, não. Está tudo bem aqui, e aí?

— Um pouco conturbado. O que você precisa?


— Eu pensei em sair… Posso pegar um dos carros?

— É claro que pode. Só tente não voltar tarde, ok? E me ligue

se precisar de algo.

— Certo.

Despedi-me dele, peguei as caixas e desci para a garagem.

O sensor fez com que a luz acendesse assim que passei pela

porta e quando vi os quatro carros estacionados lá, meu coração


clamou para pegar a velha caminhonete de Conrad esquecida lá no

fundo.

Como antes, quando eu ia até ali escondida para deitar no

banco e chorar até adormecer, passei os dedos nas chaves, abri a


porta do motorista e, depois de um suspiro saudoso, entrei. O carro

ainda tinha o cheiro dele, mesmo depois de tanto tempo, e todas as


lembranças presas nas costuras dos bancos. Coloquei as caixas no

lugar do passageiro, girei a chave e, ao ouvir o motor rugir, senti


meu coração acelerar, revivendo as vespas que viviam no meu
estômago agora.

Se acalme — pedi, colocando a mão sobre a barriga. — É só

um carro — menti para mim mesma.


E como Conrad me ensinou, pisei na embreagem, coloquei na
ré e saí da garagem, tentando organizar os pensamentos para o que
ia fazer a seguir.

Consegui comprar um buquê de flores amarelas, álcool e


fósforos, corri do café quente, já que ele me traria ainda mais

vontade de fumar e, quando finalmente entrei no cemitério, agradeci


por todas as vagas estarem livres naquela manhã.

Parei com a picape o mais próximo da calçada e quando desci,

abri a porta do carona, peguei tudo o que precisava. Caminhei


lentamente, sozinha pela pequena rua de concreto, beirando às
lápides grandes e já meio apagadas. Com a touca do blusão sobre a

cabeça para me proteger da garoa fina que teimava em cair,


rezando para não ficar tão frio a ponto de nevar de novo como na

noite passada.

O cemitério era antigo, com uma aparência meio acabada


proposital, mas a cada estátua que passava, a cada mausoléu que
via, notava a beleza daquilo.

Talvez Susan estivesse feliz em algum outro mundo, talvez

estivesse dormindo, ou reencarnado, ou sabe lá a resposta do que


acontece após a morte.

Eu só esperava que, de tudo, minha irmã não estivesse presa

eternamente naquela casa em chamas como em um filme de terror.

Quando achei sua lápide, precisei me segurar ao máximo para


não começar a chorar antes do tempo. Me aproximei dela,

segurando as caixas encaixadas no quadril, levei a mão livre até a

pedra bem ao lado do nome de Susan entalhado lá, e suspirei.

— Olá, irmã — falei baixinho, antes de escorregar e me sentar

no chão, mesmo sabendo que aquilo arruinaria minhas calças.

Coloquei minhas coisas de lado, as caixas, a vergonha, a

culpa e, em mais um suspiro profundo e sôfrego, deixando a

primeira lágrima cair, apoiei a cabeça contra a pedra como se ela

fosse um portal para que Susan pudesse me ouvir e falei baixinho:

— Hoje eu vim aqui te pedir desculpas. Hoje, vim dizer que eu

gostaria de nunca ter tido vontade de ter outra vida e, por isso,
precisar mergulhar nos livros. Hoje, vim te dizer que eu trocaria toda

essa dor, todas as minhas escolhas erradas, para te manter viva. —


Lambi os lábios quando minha voz falhou, tentei me recompor, mas

de olhos fechados, imaginava Susan do outro lado da lápide, me


ouvindo, analisando se eu merecia ou não ter uma chance,

continuei: — Eu sei que você me odiou muito, e por muito tempo.

Mas eu também sei que você me amou. É uma droga pertencer ao


mundo que você tanto amava, que tanto queria. Acredite, não é tão

bom estar aqui. Dinheiro pode te deixar dormir aliviado por não

precisar pensar nas contas, mas ele não consegue limpar a culpa

dos erros do passado ou trazer a leveza de um lar unido. Nós


tivemos isso, lembra? Faz muito tempo, mas tivemos e eu sinto uma

falta absurda. Acho que foi isso que nos separou, Susan. Acho que,

quando papai e mamãe se foram, eu senti muito medo de ficar


sozinha e isso me fez me trancar e não tentar abraçar sua dor e

frustração. Me questionei seiscentas vezes sobre isso no último ano,

acredite, e eu sinto que deveria ter tentado mais. Não podia ter
desistido de você… E eu sei que sua última mágoa minha, o motivo

mais recente para você me odiar, foi o mesmo que te matou. Eu sei.

— O choro era tão intenso que sacudia meu corpo. — E eu te juro

que se soubesse, se pudesse… Mas nunca pude. Essa é a verdade.


Por mais que eu queira voltar no tempo e desfazer todos os laços

que me levaram até Conrad, hoje, vítima deles, eu não consigo nem
mesmo suportar a ideia de tirar esse amor de dentro do meu peito.

É ele quem sustenta parte do ódio que sinto, mas também é ele

quem me faz ficar viva — confessei. — Irmã, eu juro. Eu tentei me


livrar disso. Eu me esforcei muito, mas por mais que lutasse contra,

por mais que o repudiasse, ele aparecia nos meus sonhos, nas

pequenas vontades, nas comparações involuntárias… Me pergunto

se, se você estivesse aqui, conseguiria entender a magnitude do


que eu sinto. De carregar esse amor amaldiçoado e perpétuo por

alguém que só me machucou, que me tirou tudo, que tem prazer em

me destruir. — Coloquei uma das mãos livres sobre o coração. —


Me pergunto se você teria uma solução para arrancá-lo do meu

peito. Se conseguiria entender que nunca foi por dinheiro, por

beleza, por coisas superficiais. Sempre foi por ele ser Conrad, e não

por ser Prince… Será que se você estivesse aqui, se visse com
seus próprios olhos o quanto isso me mata pouco a pouco, será que

conseguiria me perdoar? Será que conseguiria olhar para mim e ter

piedade? Porque, de tudo, esse amor só me apodreceu, e eu não


tenho mais ninguém, Susan… Eu não tenho amigos porque nunca

consegui me ligar a ninguém com medo de todos irem embora,

como foi antes. Não tenho Isaac porque, de tudo, eu sei que o

magoei mais do que poderia explicar e que ele me manteve por


perto porque se sentia um rei. Não tenho o vovô, porque acho

minhas cargas pesadas demais para ele carregar. Não tenho John,
porque apesar de ser como um segundo pai, algumas vezes eu

consigo ver perfeitamente os números da matrix se movendo atrás

dele enquanto suas palavras são calculadas e os seus atos muito


bem pensados. E, eu acho que, depois de tudo, eu nunca tive

Conrad.

Eu não aguentava mais chorar.

— Eu acho que, depois de tudo, Susan, não sobrou nada.

Sem forças depois daquela confissão, juntei os joelhos e

abracei minhas pernas, escondendo o rosto enquanto terminava de

colocar para fora aquela merda toda que parecia prestes a me

matar.

Eu, definitivamente, não queria morrer. E ia brigar por isso.

Eu só não esperava que precisaria ficar pronta para a briga tão

rápido.

Quando abri os olhos, quando limpei o rosto nas mangas da


blusa, algo se moveu no meu campo de visão e eu ergui a cabeça

para olhar.
Atrás da lápide de Susan, com os olhos escuros queimando

nos meus, estava Conrad.

E eu não sabia há quanto tempo ele podia estar ali.

Há quanto tempo ele estava ouvindo tudo.


conrad

eu viverei para sempre.

f o r e v e r, l a b r i n t h

A garota caiu para trás, assustada.

Com as mãos na terra, Scarlet me encarava com os olhos

verdes inchados e o rosto molhado de tanto chorar.

— O-que você faz aqui? Há quanto tempo está aí? — Apesar

de parecer confusa, ela não estava.

— Acabei de chegar — menti.

O impacto de cada uma das suas palavras me pegou, mas se


ela se achava boa em fingir, era porque não me conhecia direito. A
chuva estava mais grossa, meu cabelo começava a pesar e eu o

afastei do rosto.

— O que é que você faz aqui sozinha?

Scarlet pareceu demorar meio segundo para processar que


não precisava me responder, e o fez se sentando direito.

— O que eu faço não te interessa. — A frieza de suas palavras


não me atingiu como ela esperava.

Apesar de não me agradar, agora eu sabia até onde ir. E

descobriria como ir.

De repente, se dando conta de que eu não me moveria, a

garota tirou os olhos dos meus, esticou as pernas, mas se manteve


abaixada. Colocou o buquê aos pés da lápide, voltou para as caixas

e para a sacola largadas no chão, as ajeitou no colo e as ergueu.

— Está indo embora por minha causa? — provoquei.

— Não — ela ainda respondeu, me dando as costas.

Querendo acreditar que o destino não tinha me puxado para

aquele lugar à toa, eu a segui.

— Ficou óbvio que está.


— Então — Scarlet me olhou rápido sobre o ombro, conferindo
que estava bem atrás dela —, se você é inteligente o bastante para

ver isso, se afaste. — Era uma ameaça.

— É mesmo? E se eu não quiser?

— Ah, Conrad. Pelo amor de Deus, você é inacreditável. —

Bufando, a ruiva não se preocupou em cobrir de novo a cabeça,


mas apressou o passo e eu a imitei.

O rosto de Scarlet ficou vermelho, conforme ela se esforçava

para manter alguma distância.

Eu não permiti, até chegarmos ao estacionamento.

Precisei parar ao vê-la indo na direção da minha antiga picape

e comecei a rir.

Scarlet estava colocando as caixas em cima do capô para

poder pegar as chaves em seu bolso, e me encarou com as

sobrancelhas juntas, cruzando os braços, parecendo brava e

curiosa.

Linda.

— Do que você está rindo?

— Fala sério, Red. — Me aproximei dela, ignorando a chuva,

ignorando sua raiva, e qualquer coisa que pudesse me parar. Fui tão
atrevido que fiz Scarlet recuar e a prendi, apoiando as mãos na

lataria do carro, uma de cada lado dos seus quadris.

Scarlet não se moveu, mas sua respiração se tornou ofegante,

seus olhos nos meus eram intensos. Um alerta para eu parar, ainda
assim, não me importei.

A boca extremamente bem-desenhada e de lábios cheios, se

entreabriu.

— Não — era um sopro baixinho.

Fingi não ouvi-la.

— Você me odeia, Red? — Olhando para baixo, para o rosto

mais bonito que já havia visto na vida, acompanhei a confusão


nublar sua expressão.

— Quer isso desenhado ou por escrito? — A sombra de um

sorriso surgiu na minha boca.

— Acho que usar meu carro antigo não é bem um atestado

concreto de ódio. — Forcei o corpo um pouco para frente e prendi


seu quadril com o meu. Scarlet bufou.

— Não, idiota. Mas as lágrimas que derramei no banco dele

por sua causa são. — Ela não abaixou a guarda, não se moveu. —
Mais alguma coisa?
Vistoriei o corpo de Scarlet com o meu. Ela era a única fonte

de calor interessante naquela droga de cidade, naquela merda de


mundo. Minha pele, minha mente, meu pau, tudo a queria. Negar

era burrice, nós dois já tínhamos tido a prova e eu podia jurar que
seus mamilos estavam duros junto da pele arrepiada por baixo

daquele moletom maior que ela.

Seus braços entre nós eram a única coisa que me impedia de

senti-la.

— Sim. — Pressionei o peito contra o seu até que Scarlet


abaixasse os braços e suas costas também tocasse a lataria.

— Conrad… — ela me alertou, mais uma vez.

— Diga que não me ama.

Seus olhos nos meus vacilaram por meio segundo. As


sobrancelhas se ergueram ao mesmo tempo em que umedeceu os

lábios e quando ela soltou o ar, soprando forte, encarou meu


pescoço.

— Não… Eu não vou cair nesse jogo. Me deixe ir embora.

— Ou o quê? — Procurei seu rosto com o meu e ela fechou os


olhos.

— Conrad, não. — Era uma ordem a qual eu não obedeceria.


O cheiro da pele de Scarlet me acendeu. Movi minhas mãos
para o rosto molhado, segurando com firmeza, obrigando-a a me
encarar.

Ela não deu um pio. Seu coração acelerou.

Quando acariciei suas bochechas com os polegares e desci

um deles para esfregar seus lábios, ela me mordiscou.

— Red, eu não sou de pedir — rosnei baixo, naquela porra de

tensão que fazia todo o ar em volta de nós parecer elétrico.

— Você não pode, esqueceu? — Scarlet soprou contra meus


dedos, contra minha boca, e ergueu os olhos verdes, me matando

no último segundo. — Eu não tenho nada para te dar.

— Você é tudo o que eu quero.

A confusão a atingiu, mas a garota não teve tempo de

processar.

Quando juntei nossas bocas, seus braços imediatamente me


abraçaram, me puxando contra si. Ela me queria tão dolorosamente
quanto eu precisava dela.

Scarlet envolveu minha língua com a sua brutalmente. Seu

ódio todo foi traduzido quando se afastou de mim e seus dentes


vieram sobre meu lábio inferior. Ela me machucou, mas era bom.
Não permiti que se afastasse e a busquei, indo com os dedos para
sua nuca, segurando os cabelos, mantendo seu rosto erguido e
parado para que eu a beijasse mais.

As mãos dela invadiram minha pele sob a blusa, tatearam todo

meu corpo que, sob o toque mais frio e molhado, reagiu de imediato.
Me pressionei contra o ventre de Scarlet, mostrando que a queria,

mostrando seu efeito desgraçado sobre mim.

Ela me devorou no segundo seguinte, sua boca na minha era


esperta, hábil, gostosa demais para eu pensar em parar.

Queria colocá-la dentro do carro e fodê-la. Queria amá-la.

Queria fazer tudo o que tínhamos sido impedidos de fazer. Ser tudo
o que não pudermos ser.

Será que existia, em algum lugar da Terra, alguém que fosse


capaz de traduzir aquilo em todas as línguas para que ela

entendesse que eu sentia muito e a queria de volta?

Ela me arranhou e me puxou para si. Eu só obedeci.

Meu pau doía contra a pressão da calça, contra a pressão

nela.

Era praticamente impossível beijá-la daquele jeito e, sabendo

como seria estar dentro dela, não querer mais. Ainda assim, Scarlet
parecia lutar contra, tentando me empurrar sem tirar a boca da

minha.

Era caótico.

Ela me queria.

Ela me odiava.

Ela me mantinha.

Ela me afastava.

A chuva piorou.

Eu não me distanciei nenhum milímetro sequer.

Nem queria. Mas precisei erguê-la para cima do capô quando

percebi que era capaz de transar com ela bem ali, ignorando a hora,
o local, a situação.

Ela também não parecia disposta a parar.

Até que suas caixas caíram no chão e ela, em um tranco

esquisito, como se tivesse tomado um choque, se afastou.

— O quê? — Olhei para baixo, para a bagunça que tinha


dentro das caixas rolando pelo chão. — O que é isso?

Eram cartas? Tentei pegar algumas, mas notei outras coisas


lá, como um moletom meu. Era antigo e eu só usava na casa do
meu pai…

Quando me levantei e a encarei, Scarlet parecia de volta à

realidade.

Suas lágrimas se misturavam com a chuva e ela nem tentava

mais disfarçar.

— Isso, Conrad, é a prova de que eu tentei. E agora, depois de

tudo, é injusto você fazer isso comigo.

— Isso são cartas? — Eu realmente não entendia, mas Scarlet

parecia ter esgotado toda sua paciência. Ela revirou os olhos, bateu

no meu peito, me afastando e desceu para o chão.

— Não se faça de idiota. Você as rejeitou, lembra? Enviei cada

uma delas, de novo e de novo, mesmo quando você nem mesmo as

recebia. Gastei todos os meus papéis bonitos e as melhores


músicas que ouvia com você, e por mais que eu te ame, e eu acho

que amo muito, não posso esquecer que você jogou isso no lixo. —

Sua mão já estava na porta do carro. — Eu não posso, Conrad.


Sinto muito, mas não dá…

— Por que você está com isso aqui? — Foi a única pergunta
que fiz.
— Porque eu ia pedir perdão para minha irmã e ia queimar.

Mas Deus tinha outros planos, e agora a água destruiu. O resto é


seu, fique. Inclusive, seu velho isqueiro, aquele com que você

colocou fogo em casa, está nas coisas. Eu nunca entreguei para a

polícia, nem contei para ninguém que tinha achado. — Quando ela
entrou no carro e o ligou, bati em seu vidro.

— Eu nunca recebi carta nenhuma sua, Scarlet.

— Não minta. — Ela riu, desacreditada, enquanto já dava ré.

— Eu juro pela vida da minha mãe. — Era a única coisa que


me importava naquela época.

Scarlet parou, me encarou pelo vidro e negou com a cabeça.

— Não sei se posso acreditar em você. Ainda assim, agora

você sabe delas. Adeus, Conrad. É a minha vez de sair andando e

te deixar para trás.

Quando ela saiu acelerando pela rua, minha mente explodiu.

Como é que eu nunca tinha recebido nenhuma daquelas


cartas?

Como é que tinha deixado isso passar?


conrad

o que eu sou agora? e se eu for alguém que não quero por perto?
estou caindo de novo, estou caindo de novo, estou caindo. e se eu
estiver disposto? E se eu desistir? e se eu for alguém de quem você

não falará? estou caindo de novo, estou caindo de novo, estou


caindo. e eu tenho a sensação de que você nunca mais precisará de

mim novamente.

falling, harry styles

Tentei salvar tudo o que estava no chão, mas assim que entrei

no carro e espalhei as coisas no banco do passageiro, percebi que


havia perdido muito. Era a mesma sensação de quando o correio
não entrega algo e você precisa ir buscar, mas quando chega lá, o

pacote já voltou para o remetente.

O foda era, eu não reconhecia nenhum daqueles envelopes,

eu não recusei nada, mesmo que o endereço estivesse certo. Como


podia?

Boa parte das cartas estavam encharcadas. Se forçasse para

tentar abri-las ali, o papel ia se desfazer na minha mão e não


sobraria nenhuma palavra, nenhuma frase para eu tentar desvendar.

Tentei escolher as menos afetadas, as que ainda pareciam inteiras e

liguei o ar-condicionado do carro, colocando-as sobre a saída de


vento em cima do painel.

Com resto, eu não tinha muito o que fazer.

Na outra caixa, onde meu moletom antigo e que nem cabia

mais em mim estava, vi guardanapos com os logotipos de onde já

tinha ido com Scarlet e, infelizmente, pela chuva, os desenhos que

ela fez sobre eles viraram borrões.

A compreensão daquilo me bateu aos poucos.

De repente, eu não podia mais esperar.

Abri cada uma das cartas do painel com o maior cuidado

possível e, até a penúltima, todas estavam estragadas. Ainda assim,


conseguia ler vários “sinto sua falta”, “volte”, “me perdoe”.

Sinceramente, havia algo pelo qual eu precisava perdoá-la?

Eu era um idiota e Scarlet só me ajudou a ver isso com maior

clareza quando abri aquela carta entre as centenas que ela

escreveu.

Conrad, eu não sei até quando vou ter forças para isso.

Já escrevi em algumas cartas antes que elas seriam as

últimas, e eu realmente diminuí a frequência, mas em dias como


hoje, tarde da noite, quando olho pela janela do quarto da casa que

você aprendeu a odiar e se tornou meu lar, me pergunto se algum

dia vou ter a chance de ver você entrando pelos portões e

atravessando o arco das árvores nesse outono monótono para fazer

tudo voltar a ter vida para mim.

Hoje faz oitocentos e cinquenta e dois dias que você se foi, e

apesar de todos os medos, todas as coisas que ficaram

entreabertas, todas as dores que você me causou, eu ainda não

consigo te odiar. Eu ainda não consigo aceitar que o garoto de olhos


ônix pelos quais eu me apaixonei tenha sido capaz de tanto para me

machucar, ainda mais de propósito.

O quão mal-agradecida sou ou louca e fora de mim, eu devo

estar para admitir que sou apaixonada pelo assassino da minha


irmã, ou o assassino da minha própria alma?

Quantos romances eu vou precisar ler para entender onde nos

encaixamos? Talvez, por nunca conseguir encontrar uma resposta,


eu venha deixando meus livros de lado.

Droga. Estou chorando de novo. Estou caindo de novo,


Conrad.

Desta vez, acho que não posso me levantar.

Desta vez, memória nenhuma nossa, das boas, parece ser

suficiente já que eu as usei todas. Elas estão velhas, puídas, sem


brilho. Não são mais tão resistentes para me segurar quando eu
caio.

E eu caio quase todos os dias quando, antes de dormir em

uma cama que ainda não sinto cem por cento como minha, sinto
sua falta.

Espero que um dia você volte.


Espero que quando isso acontecer, eu ainda seja capaz de te

perdoar como sou agora, já que eu preferia morrer naquela casa em


chamas do que sentir a dor da sua perda dia após dia.

Espero que eu ainda tenha coragem de te enviar esta carta, e

espero muito mais que, finalmente, você a receba. (Se aceitá-la,


saiba que outras centenas te esperam.)

Por favor, volte enquanto eu ainda me sinto… eu.

Com amor, sempre sua, Red.

PS: acho que consegui algo. Acho que, agora, sou Heahtcliff.

“E o que não me faz recordá-la? Não posso olhar para este

chão, pois seus traços estão impressos nas lajes! Em cada nuvem,
em cada árvore…enchendo o ar à noite, e vislumbrada em cada

objeto de dia… Estou cercado pela sua imagem! Os rostos mais


comuns de homens e mulheres, meus próprios traços, debocham de
mim com alguma semelhança. O mundo inteiro é uma terrível

coleção de recordações de que ela existiu, e de que eu a perdi!”[9]


Fui destroçado em minutos. Li e reli a carta, fincando mais
fundo no meu peito aquela faca.

Ela realmente me esperou. Ela realmente achava que eu ia


voltar, até que não suportou mais…

Soquei o volante quando percebi o abismo em que tinha caído.

Meus sacrifícios, minhas atitudes, meus medos… tudo tinha


me levado até ali, e como minha mãe, agora era eu quem colhia as

consequências das minhas escolhas.

Fui eu que escolhi afastar Scarlet.

Fui eu que tentei apagá-la primeiro.

Fui eu que nem mesmo pensei na possibilidade de dar a

chance de ela dizer algo.

E a condenei primeiro quando ela, depois de sabe lá quando,


decidiu fazer o mesmo comigo.

Que tipo de amor era resistente àquele tipo de dúvida?

Ela sabia que eu podia ter mesmo matado sua irmã.

Ela me viu saindo da sua casa em chamas e era óbvio que a


culpa era minha.
A prova estava ali, guardada por ela há anos, escondida para
me proteger além do combinado com meu pai, além do peso do seu
sangue, além da minha possível traição.

De tudo, eu realmente tinha sido o pior para ela.

E agora, mesmo querendo vingança, eu não podia justificar os

meus erros com os erros dos outros. Eu precisava ser adulto. Eu


precisava tomar uma decisão.
scarlet

sinto como se dormisse com um fantasma, eu te liguei pra te avisar:


eu realmente gostaria que pudéssemos ter dado certo.

w i t h o u t y o u , m i l e y, k i d l a r o i

Era hora do jantar, e apesar de ter beliscado a tarde inteira,

sem o cigarro para ajudar na ansiedade, me sentia faminta.

Sentada, esperando John terminar de lavar as mãos para servirem a


refeição, brinquei com os talheres, pensando naquela manhã, em

Conrad, na surpresa em seu rosto quando falei das cartas.

— Como foi seu dia? — John me chamou de volta para a Terra

e me desarmei.
Com a sombra de um sorriso no rosto, tirei as mãos de cima

da mesa, alinhei a coluna e inflei os pulmões antes de respondê-lo.

— Bem — menti. — E o seu?

— Caótico. — Suas sobrancelhas se ergueram conforme


colocava o guardanapo no colo, claramente cansado.

— A faculdade tomou muito de você? — sondei.

— Um pouco. Inclusive, me diga, acha que consegue voltar?

Neguei com a cabeça.

— Sinceramente, não queria…

— Então fique o tempo que precisar. Você sabe, é seu lar.


Entregando os trabalhos em dia, podemos dar um jeito de você

assistir às aulas on-line.

— Seria perfeito. — Sorri um pouco mais, mas não consegui

evitar perguntar: — Estava pensando… — Pausei quando serviram


nossos pratos de salada, mas enquanto esperava, os olhos de John

brilharam sobre o meu rosto, completamente atento com os punhos

apoiados sobre a mesa. — Você se lembra do endereço de Conrad

em Paris?

— Lembro. O mesmo que te dei. Por quê? — Seu olhar era


estranho, sedento por informação, mas escondia algo.
— Eu — suspirei antes de contar e pausei o caminho do garfo
até minha boca —, vi Conrad hoje, e no meio da discussão, falei

sobre cartas que enviei, mas ele disse que nunca chegou a receber.

John deu de ombros.

— Devo acreditar? — Enfiei a salada na boca e o encarei,

forçando uma resposta.

— Acho que deve. — As borboletas no meu estômago alçaram

voo. Mas como? — Isso foi hoje, mesmo? — Meu tutor parecia

surpreso. — Como ele estava?

— Não sei, na verdade, foi bem rápido.

— Hm… — Pausamos um minuto enquanto tentávamos comer

e ele engatou na pergunta: — Como estamos neste assunto,

Conrad falava muitos absurdos sobre mim quando mais novo, não

é?

Minhas bochechas coraram e eu me esforcei para engolir a

alface que ganhou gosto de plástico.

— Eu... é... — Mordisquei o lábio inferior, com vergonha. — Ele

tinha suas questões.

— Uma delas era achar que eu era um pai relapso, não? — ele

desabafou. — E não nego. Fui mesmo, mas não adianta lamentar


agora.

Tentei ficar em silêncio, sentindo o peso que aquela conversa

começava a ganhar.

John me respeitou, até que nossos primeiros pratos


estivessem limpos e a boa e velha lasanha fosse servida.

Ainda assim, foi esquisito assistir John Prince começar sua


tormenta interna e trazê-la para fora daquela maneira. A raiva com

que cortou o primeiro pedaço e o meteu na boca ainda quente o fez


ficar com os olhos cheios d’água.

Não esperei um pedido, passei para ele um copo de suco e


depois dele beber e respirar fundo, segurando o copo com mais

força que o necessário, ele soltou:

— Eu fui um pai de merda, mas não como vocês pensam,


sabe?

— John, eu não posso… — Tentei fugir daquela conversa. Não


era problema meu.

— Escute, menina — ele me interrompeu e eu me recolhi,

escutando. — Eu errei muito, mas nunca deixei Caroline viver


naquela espelunca por falta de dinheiro. Hoje eu entendi o motivo de
nunca a encontrar quando Conrad era mais novo. Entendi o porquê
dela sempre fugir dos encontros triplos. Era só assim que poderia

fazer a cabeça do garoto.

— Do que você está falando? — Queria entender melhor, mas


as informações jogadas não completavam o quebra-cabeça.

— Conrad descobriu, no dia do seu acidente, que a mãe ainda


tem contato, ou uma relação mais íntima, se é que me entende, com

o homem que quase matou o próprio filho no passado.

O choque me atingiu em uma velocidade inesperada.

Meus braços caíram, grudando no corpo, e meus olhos se


arregalaram.

— Como? O homem, Philip, que quase matou Conrad? — E


que eu vi xingá-la e tentar bater nela também? Como podia?

— Esse. — John ergueu o copo, validando minha fala e

terminou sua bebida.

— Mas… Ela não vivia com ele porque não tinha onde morar?

— A indignação na minha voz fez John dar um meio-sorriso amargo.

— Então você também sabia dessa história? — Ele não


pareceu surpreso.

— Eu…
— Não precisa se explicar, Scarlet. A falha foi minha. Eu
deveria dizer que dava dinheiro para a mãe dele, devia ter deixado
claro como as coisas funcionavam, mas achava que ele era criança

demais na época.

— E Conrad agora sabe disso?

— Sim. Na verdade, ele descobriu hoje cedo e…

— E foi até o cemitério. — As informações finalmente foram se

alinhando na minha mente.

Pedaço por pedaço.

E naquele segundo, eu me senti vazia, em um buraco escuro.

Conrad tinha perdido o chão. Eu sabia, eu tinha visto,

presenciei tudo o que o amor pela mãe o fez passar, e nem


imaginava como é que ele devia estar se sentindo depois daquela

descoberta.

A vontade de levantar-se e ir até ele foi grande, mas dessa


vez, não tinha o que fazer.

Eu não podia.

Eu não conseguia.
Então fiquei e engoli a comida que, misteriosamente, tinha
ganhado gosto de cimento e acabado com minha fome.

Depois de dar boa noite a John, escovar os dentes e tomar

meu remédio para a ansiedade que agora ocupava o lugar ao lado

das estrelinhas da concentração que eu tomava todo dia, tirei os


chinelos, liguei meu abajur, e antes de deitar, fui para perto da

janela, encarar o céu noturno enquanto trançava os cabelos.

Eu nunca imaginei que gostaria daquela casa.

Eu nunca imaginei me sentir protegida dentro daqueles muros.

Mas era tudo o que eu tinha.

Encarei a entrada da propriedade, o túnel de galhos que

tinham ainda poucas folhas grudadas neles, resistentes demais ao


frio e à chuva que vinham anunciando um inverno rigoroso. Talvez

naquela noite nevasse de novo, mas nada disso amorteceria o

choque das revelações daquele dia.


Apesar de tudo, e talvez por causa de tudo, eu não conseguia

pensar em outra coisa a não ser em como Conrad estaria. Nossas


memórias gastas e esgarçadas apareceram para dançar em volta

de mim mais uma vez e eu desisti de afastá-las. Prestando atenção

nelas, conseguia ouvir o timbre de sua voz magoada no passado,


conseguia me lembrar perfeitamente do aniversário de seu pai, de

toda a dor que ele carregava. Via em detalhes a cadeira sendo

quebrada em seu corpo, ouvia com clareza os xingos do padrasto, a

mãe que não sabia o que fazia enquanto eles se atracavam…


Lembrei-me dos minutos antes do meu primeiro beijo, de como

Conrad se escondeu atrás de muros altos, em como desconfiou de

mim, em como tentou me afastar. Revisitei com tristeza e desespero


sua pele machucada, marcada, fodida. E fechei os olhos quando vi

claramente o conformismo com que o seu eu de dezesseis anos

levava aquela vida.

Ele achava que não tinha escolha, e aquilo quase o matou.

Naquele segundo, meu coração queimou de raiva por Caroline


deixar Conrad ser abusado a vida toda.

Não é mais um problema seu — minha mente soprou, e então,


como se alguém tivesse apagado a luz, as memórias

desapareceram.
Engoli aquela verdade com dor de estômago e me deitei,

encarando o teto.

Eu esperava que alguém estivesse abraçando Conrad depois


de todo aquele dia conturbado. Que algumas das minhas cartas

tivessem sobrevivido à chuva.

Que as coisas ficassem cada vez mais claras.

Naquela pequena fé cega, quando fechei os olhos, fiz um

pedido esquisito, feito com todo meu coração.

— Se há alguém por mim do outro lado. Se há alguma chance

de isso ser mais do que uma lembrança, me dê um sinal.

O sono me pegou desprevenida, e quando acordei com o sol

invadindo meu quarto graças às cortinas abertas e a gritaria no

corredor, levantei desperta, como se soubesse que alguma resposta


tinha chegado.

Saí da cama, esfregando os olhos e abri a porta do quarto para


entender o que acontecia.

— Me deixe, porra! É o meu quarto! — Isaac gritava, driblando


a empregada.

— O senhor Prince avisou que não era para você estar aqui,

menino! — Ela tentou convencê-lo, mas Isaac a desprezou. Sua


mão bateu na porta quase em frente à minha do outro lado do

corredor e então, antes que eu tivesse o reflexo de me trancar, seus


olhos fixaram em mim.

— Vai me dedurar? — O desafio era para mim.

— Não é para falar com menina! — A mulher baixinha e

gordinha tentou mais uma vez, mas eu já estava vendo a hora que

Isaac a empurraria para que ela saísse do caminho.

— Está tudo bem. — Mesmo sabendo que não deveria, saí do

quarto e fui até eles.

Pousei a mão no ombro da senhora que eu não sabia o nome,

já que o rodízio de funcionários naquela casa era absurdo e a

confortei.

— Isaac só vai pegar o que precisa e ir embora. Não é? —

Encarei o garoto que agora era um estranho para mim.

Vendo que aquilo era um acordo de cavalheiros, ele demorou

um pouco para admitir que não teria como fugir e concordou com a

cabeça.

— Pronto. Pode descer e esperar lá embaixo, por favor. —

Meu tom de voz amável e dócil fez a senhorinha confiar que podia ir.
Quando a mulher sumiu pelo corredor, Isaac voltou a me

encarar e rosnou.

— Não vou te perdoar.

Foi minha vez de debochar, vendo-o entrar em seu quarto.

— E, em qual viagem ácida você se meteu, para achar que eu

quero seu perdão? — perguntei, impressionada pelo ego nas alturas

realmente ser algo de família e segui logo atrás dele.

— Você fodeu com Conrad, Scarlet — me acusando, enquanto

largava uma mala vazia em sua cama, Isaac não me viu sentar

sobre a mesa do computador vazia, e cruzando os braços e as


pernas, testemunhei aquele espetáculo digno de circo, assistindo-o

abrir os armários para pegar roupas como um garotinho revoltado.

— Você nunca me deixou…

— Nunca deixei você me comer — completei, para seu

completo horror. — É isso que é para você, né? — Ri, amarga,

vendo Isaac como o que ele realmente era: um mimado. — É, não


teria valor, não é mesmo? Ou até teria, já que você encararia minha

virgindade como um troféu. Mas ficou muito claro que, para você,

isso só seria sexo. Assim como você fez com todas aquelas garotas

que vi nos vídeos…


— Eu sou homem — me interrompendo, ele se ergueu depois

de jogar algumas blusas na mala e, finalmente, se virou para mim,


me encarando.

Ele suspirou e, pela sua cara, parecia realmente acreditar

naquela justificativa.

— Você é um idiota. — Minha fala foi tão séria que o fez

arregalar os olhos. Eu nunca fui minimamente grosseira com ele ao


longo daqueles últimos cinco anos. — E eu preciso ir até uma igreja

e agradecer que não entreguei minha virgindade na mão de um

imbecil que acredita que por ter um pau é justificável trair.

— Se está tão nervosa assim, se o que fiz foi tão grave, o que

acha que vão pensar de você ter dado para o assassino da sua

irmã?

A ofensa não doeu como pensei que faria, mas ativou um lado

meu tão cruel quanto poderia.

— Vão achar bom, já que ele me fez gozar de primeira. Duas

vezes. — Ergui os dedos, contando — Três, se a gente contar a vez

do seu carro.

Isaac veio na minha direção. Eu não me movi.


Seus olhos nos meus eram violentos, seu corpo todo gritava
que ele queria poder me agredir, mas não tive medo. Ele não era

louco, ou até podia ser, mas até gente doida sabia com quem podia

extrapolar, e no meu estado atual, eu não era uma boa opção.

— Por que a gente não resolve isso indo para longe? — O

choramingo de Isaac não me ganhou. — Porque, porra, esse filho


da puta acabou com tudo, acabou com você e acabou com a

gente… — Estendendo as mãos na minha direção, querendo me

abraçar, ele veio tentando nublar minha mente.

— Não! — cortei, erguendo a mão, toquei seu peito e o

mantive longe. Meus olhos nos seus eram um alerta ao qual ele

odiava receber. — Nem tente. Seu irmão só teve brecha porque


você abriu.

— Ou porque você nunca o esqueceu — Isaac soprou a

verdade na minha cara.

Aquilo sim me bateu.

Meu coração acelerou, o dele contra os meus dedos também.

Fechei os olhos por um segundo, respirei fundo para me

recompor e neguei com a cabeça antes de encará-lo de novo.


— Isso não muda o fato de que você foi quem me entregou de
bandeja para ele toda vez que me deixou sozinha, ou quando me
apostou, ou quando me traiu.

— E você não me traiu, Scarlet? — Ele alterou o tom de voz e

tentou chegar mais perto.

Forcei a mão contra seu peito, mantendo Isaac ainda distante.

— Sinceramente, Isaac? Traí a mim mesma achando que isso

aqui daria certo. — Fitei os olhos do cara que tinha tentado me fazer
superar nem que fosse à força o que sentia por Conrad e, naquele
minuto, me senti burra.

Nunca, nem em mil anos, ele conseguiria.

Isso não anulava o carinho, o amor que cultivei por ele, mas se
colocado lado a lado com o que sentia por Conrad, era a mesma
coisa que querer comparar o volume de uma gota contra o oceano.

Suspirando, ele parou de se forçar contra mim e me deu uma


folga enquanto ia revirar suas gavetas.

— Você está cometendo um erro — ele disse, abrindo uma

após outra, jogando coisas para fora em busca de algo específico.


— Conrad vai acabar com você e desta vez eu não estarei lá. —
Suas narinas infladas e o rosto começando a ficar vermelho
entregava que Isaac se esforçava para não chorar.

— Não é mais da sua conta. Na verdade, isso nunca foi e…—

Eu teria continuado a colocar Isaac em seu lugar, mas isso foi só até
que meus olhos grudaram em uma caixa girando para o chão, com
o selo do correio. — O que é isso?

Abaixei-me antes que ele pudesse me impedir.

— É meu, deixe isso aí! — Isaac até tentou, mas fui ágil em
abrir a caixinha de papelão bem ali, liberando o carimbo e a

almofada. A palavra que marcava todas as cartas que ele deveria


ter levado até os correios brilhou à minha vista e, somando um mais
um, quando ergui os olhos para Isaac, não podia ter uma atitude

diferente.

Minha mão voou firme, com dedos juntos, direto para o seu
rosto.

O estalar foi alto.

— Você é um maldito — rosnei.

— Scar, espera, eu posso explicar.

Mas eu não queria, nem precisava de explicação nenhuma.


Antes que ele pudesse encostar em mim, eu estava na porta,
gritando pelos seguranças.

— ESPERA, PORRA! — O limite havia sido quebrado.

Isaac ia enlouquecer, mas ele não me conhecia.

Nunca conheceu, para ser sincera.

Meus olhos foram direto para sua mão segurando meu braço
com força e então para seu rosto.

— Me solte — ameacei baixo, em um tom de voz mortal.

— Scarlet, me deixe explicar, não é o que você está pensando.

— O que eu estou pensando? — perguntei no meu tom mais


distante, não sentindo um pingo de dó quando o vi perdido, sem

saber o que dizer. — Você fala tanto de Conrad, mas é muito pior
que ele, Isaac.

O nojo impresso nas minhas palavras o atingiu e ele me soltou

antes que os seguranças chegassem. Quando o primeiro homem de


terno apareceu, vesti a capa de Prince que aprendi a usar ao longo
daqueles anos e anunciei:

— Senhores, Isaac vai pegar o que precisa e sair. Por favor,

acompanhem-no até a saída e depois comuniquem o senhor Prince


que ele esteve aqui.
Que ele se fodesse.

Eu tinha cansado de ter pena dos outros e não pensar em


mim.

Voltei ao meu quarto sabendo que os olhos dele queimavam


nas minhas costas e quando fechei a porta, encostei nela e

escorreguei para o chão, enfiando os dedos na raiz do cabelo,


soltando todo o ar dos pulmões.

Eu não sabia dizer o quão triste estava por descobrir aquilo.

Mas também não entendia a felicidade por, finalmente,


entender que Conrad não tinha mentido.

Ele nunca havia recebido nenhuma das minhas cartas porque,

de fato, elas nunca tinham sido enviadas.


scarlet

é agridoce pensar sobre os danos que causamos porque eu estava


me afundando, mas eu estava fazendo isso com você. sim, tudo que
quebramos e todos os problemas que criamos, mas eu digo que te

odeio com um sorriso no rosto. oh, olhe o que nos tornamos. todas
as coisas que eu fiz, só para eu poder te chamar de meu. todas as

coisas que você fez, bem, espero que eu tenha sido seu crime

favorito. porque, amor, você foi o meu.

favorite crime, olivia rodrigo

Uma semana se passou.

Uma semana insana.


Vi a saúde de John realmente piorar a ponto de acordar no

meio da noite e ouvi-lo tossir por minutos seguidos. Ele, em um


desses ataques, chegou a vomitar.

Briguei com ele, tentando obrigá-lo a diminuir seu ritmo, mas


ele sempre vinha com a história de que não era mais jovem como

eu para que pudesse perder tempo. Aquilo era um carinho, até

porque, depois da briga que o ouvi ter ao telefone com Isaac,


imaginava que só lhe restava a mim.

E, mesmo sem tocarmos o nome de Conrad, ele me dava um

vislumbre ou outro do que se passava na universidade envolvendo-


o, o que me corroeu por dentro a cada segundo que pensava em

pegar o celular e ligar, ou mandar uma mensagem. Mas só pela


possibilidade de fazer aquilo, meu estômago doía e eu desistia no

segundo seguinte. Havia algo estranho lá no fundo, como se, apesar

de remover um item da lista de coisas que Conrad fez para me

magoar, ainda existiam muitos outros, e como tentava me proteger,

sabia que precisava ir com calma.

Aquele momento chegou em um dia nublado, com a neve na

altura dos tornozelos.


Praticamente todas as minhas roupas de frio estavam na
faculdade, e apesar de eu não precisar delas dentro de casa,

precisava do meu computador, de anotações e outras coisas

deixadas para trás.

Outro problema que precisava ser resolvido era que fiz John

prometer que ninguém entraria no meu quarto enquanto estivesse

fora e eu precisava limpar aquela bagunça maldita.

Era meio que meu ritual de passagem. Ou, pelo menos, fazia

parte dele. Por isso, naquela quinta, conferi os pneus da picape e,

sem pensar muito, joguei as malas vazias na traseira dela, limpei a

neve do vidro e esperei o motor aquecer o bastante para sair pelos

portões.

Dirigi com cuidado, o tempo não estava dos melhores,

cantarolei minhas músicas na busca de paz, mas minha mente,

insana, forçava a visão de encontros mágicos pelos corredores.

Parecia que, depois da ideia de não ser completamente

rejeitada por Conrad, minha eu de quatorze anos tomava conta do


corpo da pessoa de dezenove. Não era justo, mas era incontrolável.

Estacionei o carro na vaga mais próxima da entrada do prédio

que encontrei e, com as duas maiores malas nas mãos, fiz um


esforço sobre-humano para subir até o andar dos dormitórios

femininos dos Lions.

O primeiro choque veio ao entrar no corredor e ver que, em

frente à minha porta, tinha uma porção de velas apagadas, flores e


post-its com bons votos.

Dizer que desejava o meu bem depois de tentarem acabar

comigo era fácil, né?

Fiquei tentada a fazer uma pequena cena, mas não valia a


pena.

Abri a porta, sentindo meus dedos pesarem demais contra a


maçaneta e conforme a empurrava e enxergava o caos lá dentro, o

desânimo quis me pegar.

Parecia que um furacão tinha passado por ali.

Girei, observando cada coisa fora do lugar e suspirei, tirando o


casaco.

Não tinha por onde fugir.

Mantendo a porta encostada, abri as janelas para correr vento


ali dentro e comecei a limpeza. Joguei muita coisa nas malas, tirei

tudo o que precisaria levar embora e, o que sobrou, organizei em


um cantinho do armário para pegar depois ou não passar vergonha,

caso alguém precisasse pegar para mim.

Tirei o lençol da cama e o dobrei, colocando sobre a mesa do


computador para levarem para lavar e comecei a cuidar do chão,

quando, de repente, ouvi alguém tocar na porta.

Ergui o corpo rápido demais, com os cacos de vidro na mão,

sem entender o que ela fazia ali.

— Oi, cabeça vermelha — Bella me cumprimentou e todo meu


corpo formigou. — Posso falar com você?

— Como soube que… — Ela nem me deixou terminar a frase,


abriu a porta em um sorriso que podia ser considerado maligno e

me olhou como se eu fosse burra.

— Garota, todo mundo achou que você tinha morrido. É óbvio


que quando você apareceu lá fora, todo mundo comentou sobre

também. — Entrando sem convite, Bella veio para perto de mim e


me mediu de cima a baixo.

— E o que você quer?

— Me justificar, mesmo que não precise, e dar a chance de


Conrad cortar meu pescoço. — Seus olhos castanhos brilharam

com a possibilidade de confusão.


A curiosidade me comeu por dentro.

Eu deveria mandá-la embora, mas só esperei, e parecendo

satisfeita por eu escolher ouvi-la, Bella se abaixou, jogando as


mechas curtas para trás enquanto começava a recolher os cacos de

vidro.

— Anos atrás, no dia em que sua casa pegou fogo, você me


viu com Conrad, não é?

Aí, era aquilo? Meu corpo todo tremeu, rejeitando a sensação


que se repetia só de lembrar da cena.

— É. Eu vi — respondi sem olhar para ela, me abaixando para

pegar mais cacos de vidro.

— Por que você foi até lá? — A pergunta de Bella fez minha eu

de quatorze anos chorar.

— Porque Conrad me chamou. Recebi uma mensagem dele


pedindo para me encontrar no parque…

— Filho da puta. — Bella parou, xingando enquanto rolava os


olhos, parecendo descrente.

— É, nisso concordamos — soltei baixinho.

— Não, garota. Pense! — Ela pegou no meu pulso, chamando

minha atenção, fazendo com que eu a encarasse — Conrad estava


sem celular. Usou o do irmão para mandar mensagens para mim, ou
seja…

Mais uma peça no quebra-cabeça se encaixou.

— Foi Isaac — meu tom cansado a atingiu —, mas que


caralho… — Lambi e mordisquei o lábio inferior, processando a

informação. — Bella, ainda que tenha sido armado, isso não muda o
que eu vi.

— Não — ela nos forçou a levantar —, não muda. Conrad

realmente tinha me chamado lá para conseguir se aliviar de algum

jeito, para tentar tirar você da cabeça. Você conhece do histórico

dele e, infelizmente, ele cresceu achando que sexo também era


uma forma de punição ou de extravasar. Nada saudável, mas

incrivelmente interessante, você sabe. — O comentário dela fez

minhas bochechas ferverem. — Mas, o ponto é, ele mal me deixou


beijá-lo naquele dia, e quando vimos você, quando eu entendi o que

acontecia… Conrad foi até sua casa para ajeitar as coisas, Scarlet.

— Ou para acabar com tudo de uma vez… — desabafei.

— Você, algum dia, já tentou ouvi-lo? — Quando notei o tom

de desconfiança dela, ergui um muro. Quis rir diante daquela


acusação.
— Conrad é quem nunca quis falar comigo, Bella.

— Acho que vocês finalmente merecem essa conversa. — Ela

soltou meu punho e me ofereceu os cacos de vidro que tinha

recolhido.

— Acho que você não tem que se meter, até porque, para que

eu ouça, ele vai ter que fazer por merecer.

Ela demorou um segundo para analisar o que eu dizia, mas

assim que entendeu, deu de ombros e fez um biquinho estranho.

— Justo.

Ela já ia dando as costas, quando parou e voltou.

— Ah, desculpe ter transado com Isaac também. Nem foi bom,

eu juro. Me esforçar para não ter meu rosto vazado na sextape me

obrigou a ficar numa posição desconfortável. Fora que, né? Meio


mixuruca o negócio.

— Eu não estava mais com ele. — Foi tudo o que consegui

responder diante daquela naturalidade toda.

— Que bom. Porque, transando com os dois, posso te garantir,

fica só com Conrad. É mais vantajoso, viu? — Ela demonstrou o


tamanho da vantagem com as mãos e eu quis rir, mas me segurei.
— Ok, Bella. Obrigada pela ajuda. — Sacudi a mão com os

cacos no alto.

— A gente se vê, cabeça vermelha. — E como chegou, ela se


foi, deixando minha cabeça ainda mais confusa e meu coração

ainda mais magoado com Isaac.

De tudo o que vivi, o que era real e o que era armado?

Mais do que isso, por que tanto empenho em me afastar de

Conrad?

Depois de limpar toda a bagunça naquele quarto e as

homenagens falsas da porta, joguei tudo dentro de sacos de lixo e


separei o que consegui para que a equipe de limpeza não tivesse

tanto trabalho assim. Peguei todos os meus itens de higiene do

banheiro, minhas maquiagens, enfiei dentro de uma das malas e


percebi que a missão de descer com duas malas cheias seria muito

pior do que a de subir com elas vazias. Descobri isso quando eu as

arrastei pelo corredor e encarei o caminho de volta até o carro. Foi


enquanto tentava pensar em como faria para descer com todo

aquele peso, procurando qualquer alternativa que não fosse dividir


tudo em duas viagens cansativas, que a voz profunda, que fez todos

os pelos do meu corpo se arrepiarem, surgiu.

— Quer ajuda? — Eu parei, em completo choque.

Era ele, eu sabia que era ele.

Mordisquei o lábio inferior, tomei fôlego, procurando coragem e

me virei aos pouquinhos para ver Conrad bem atrás de mim. Seus

olhos queimaram nos meus e precisei engolir em seco.

Eu poderia recusá-lo. Poderia inventar qualquer desculpa.

Poderia dizer que desceria pelas escadas fazendo snowboard em

cima das malas, mas tudo que saiu da minha boca foi um simples e
sonoro:

— Sim.

Ao ver que eu não recusava, Conrad se aproximou. Seu cheiro

bateu em mim brutalmente, mas tentei ser firme, observando o

homem de mais de dois metros não ter dificuldade alguma para


segurar as malas e começar a descer.

— Achei que não veria você aqui tão cedo — ele disse, me
olhando de soslaio, e eu não soube entender de onde vinha a
naturalidade daquilo.

— É que eu precisava de algumas coisas que tinham ficado

por aqui, como meu computador…. — Parei de tentar me justificar e,


depois de um suspiro pesado que fez meu peito tremer, eu o encarei

abertamente. — E, de verdade, vamos mesmo fazer isso? — Minha

pergunta fez um sorriso surgir no canto do seu lábio.

Meu coração errou uma batida.

— E como você quer que isso aconteça? — A pergunta me


tirou do eixo, mas não paramos de nos mover, descendo mais um

lance de escadas.

— Não faço ideia — neguei com a cabeça —, só é estranho…

Bella acabou de sair do meu quarto como se fôssemos melhores

amigas, e eu acabei de descobrir mais uma coisa que não era como

eu pensava que fosse, então, estou em estado de alerta, esperando


qual vai ser o próximo choque. Fico me perguntando, o que mais eu

não sei de cinco anos atrás?

Conrad ficou quieto por alguns minutos, então foi sua vez de

ficar desconfortável.

— Você quer mesmo falar sobre isso agora? — Sua pergunta


era genuína.
— Sinceramente não, porque, por mais que existam

interferências externas no meio do caminho, você fez sua escolha.


Foi você quem foi embora, e foi você que não tentou me ouvir… —

Meu peito doeu com a memória e eu não o poupei. — Nunca vou

conseguir me esquecer da sensação de cair no chão depois de

tentar te acompanhar e, mesmo assim, saber que você não parou…


ainda lembro perfeitamente do carro sumindo pela estrada.

Conrad não discutiu. Nem tinha o que tentar. Mas continuou ao


meu lado, me acompanhando em silêncio até a saída do castelo.

Assim que chegamos ao gramado, ele tentou de novo:

— Como está sendo dirigir meu carro? Achei que você não

gostasse dele. — A pergunta foi tão natural que a resposta saiu

pulando da minha boca.

— Eu prefiro mil vezes a caminhonete ao Tesla, se você quer

saber… — Quis dar risada assumindo aquilo, mas antes que

começasse um assunto tão genérico, o som de batidas e vidro


rachando fez com que nós dois parássemos no lugar para assistir a

Isaac transtornado, revoltado, alucinado, em cima do capô da

caminhonete, estraçalhando o vidro e a lataria com um taco de


beisebol, gritando a plenos pulmões para quem quisesse ouvir,
principalmente sua plateia animada em volta.

— É assim que você vai ficar, Scarlet. É isso que meu irmão
vai fazer com você. Está preparada? Sua hora está chegando.

Foi sufocante ouvir e ver aquilo. O medo me paralisou de um


segundo para o outro, junto da vontade de chorar e a sensação de

que eu morreria.

E eu odiava pensar naquela possibilidade.

Era inevitável, eu tinha medo da morte. Eu tinha um medo

fodido da morte, e ter Isaac perto de mim fez com que isso só
piorasse. Se ele era capaz de mentir, de inventar, de manipular

como ele havia feito durante todos aqueles anos, ele também seria

capaz de me matar só para mostrar o que poderia acontecer


comigo, caso eu continuasse perto do seu meio-irmão.

Quando notou o pânico no meu rosto, Conrad largou as malas


no chão e fechou os punhos com força. Vi os nós de seus dedos
ficando ainda mais brancos e seu rosto se fechar em uma máscara

de ódio. Ele estava prestes a ir lá e piorar tudo.

Isaac achou graça. Girou o bastão no ar e provocou:

— Pode vir! — o caçula dos Prince gritou.


E quase conseguiu o que queria. Vi Conrad dar o primeiro
passo, mas, por sorte, a voz de John desarmou todo mundo. Ele,
naquele minuto, era o reitor e o pai zangado.

Sua aparição cortou toda e qualquer ação naquele segundo. A

plateia apareceu murchar, Conrad parou no lugar, e Isaac com taco


de beisebol no ar encarou o pai, sabendo que estava ferrado.

Em cinco anos, sob os tetos dos Prince, eu nunca tinha visto

aquilo, mas quando Isaac colocou os pés no chão e tentou começar


a se explicar, John o interrompeu, pegando-o pela orelha, punindo-o
na frente de todos, enquanto anunciava:

— Scarlet, Conrad e Isaac. — Sua voz continha muita raiva. —


Os três, no meu escritório, agora.

Meu corpo pareceu descongelar e a troca de olhares que tive

com Conrad naquele segundo, me fez lembrar do passado. Houve


uma espécie de cumplicidade que eu não sentia há anos com mais
ninguém e, lado a lado, seguimos atrás de John e Isaac na direção

da reitoria.
conrad

nunca nos libertaremos, cordeiro para o abate, o que você vai fazer
quando houver sangue na água? o preço da sua ganância é seu
filho e sua filha, o que você vai fazer quando houver sangue na

água?

b l o o d / / w a t e r, g r a n d s o n .

Scarlet tremia ao meu lado, mas isso não a impediu de

continuar a caminhada até a reitoria. Meu pai realmente parecia


nervoso e, chegando finalmente ao seu gabinete, apontou para uma

cadeira vazia perto da janela e, só com o olhar, deu a ordem à


Scarlet de sentar nela. A garota ruiva não discutiu, na verdade, meio

em choque, ela nem piscou. Assisti enquanto ela se sentava,


completamente desconfortável, brigando com algo dentro de sua

cabeça conforme encarava os anéis em suas mãos sobre o colo.

Tentei algum contato visual, mas ela não ergueu a cabeça de

jeito nenhum, parecendo acuada. Isso se devia ao show de puta que

Isaac continuava dando, chutando e resmungando, tentando se


manter dentro de um padrão que meu pai aceitava, já que ele sabia

que o pior estava por vir.

Ele foi o primeiro a entrar no escritório, John entrou logo em


seguida e eu fui o último, fechando a porta depois de dar uma última

conferida em Scarlet, a qual Maressa, agora, dava alguma


assistência.

Virei-me a tempo de ver meu irmão dando um chute na

poltrona e encarei-o, cruzando os braços, esperando ver até onde

meu pai permitiria aquele desrespeito.

— O que pensa que está fazendo, garoto? — John Prince,

naquele segundo, era o reitor não nosso pai. Seu tom de voz frio,

sério e cheio de repreensão agoniou Isaac.


Meu irmão parou por um minuto, fitou meu pai com olhos
vidrados, mãos em punho e veias do pescoço saltadas. Ele era pura

raiva e gritou em resposta:

— ISSO TUDO É CULPA SUA! E SUA TAMBÉM, SEU

DESGRAÇADO! — A última parte da frase era direcionada a mim, e

veio acompanhada de dedos apontados na minha direção.

— Minha? — perguntei, debochando.

— É, você arruinou tudo desde que chegou, mas eu sei como

você vai voltar para o buraco de onde saiu. Quer que eu conte, ou

você conta para o papai sobre o seu negocinho ilegal? O sorriso que

cortou meu rosto naquele minuto confundiu Isaac.

— Está falando das drogas? — Gargalhei de forma cruel

quando ele confirmou com a cabeça e apontei para John.

— É, de fato, eu sou um exímio produtor, mas aqui está o meu

traficante, então reclame com ele sobre o pós-venda, irmão. — Meu

tom ácido foi um bônus.

A cara de Isaac foi ao chão. Ele não conseguia acreditar e, por

quase um minuto, ficou calado, olhando do meu rosto para o do meu

pai.
— Pai? — ele soprou, os olhos enchendo d’água. Ele parecia

um garotinho perdido. — Como assim? Você sabia disso? Você está


ajudando esse desgraçado? — Apontando para mim, inconformado,

Isaac se aproximou de nosso pai que parecia cansado.

— Isaac — mandão e grosseiro, meu pai mandou —, cale a

boca!

O clima gelou como se todas as janelas não existissem. Eu


não me movi, só assistindo ao circo pegar fogo.

Meu pai suspirou, esfregou o rosto e passou as mãos pelos


cabelos. Em seguida, se sentou e encarou a mim e ao seu outro

filho.

— Vocês dois não sabem a merda em que estamos metidos. É


melhor para todo mundo que essa conversa não saia daqui.

— Ou o quê? — Isaac fez birra, parecendo ter cinco anos de


idade.

— Você é idiota ou o quê? — perguntei, desacreditado. — Não

é óbvio? Se descobrirem que o reitor da faculdade e sua família


estão metidos com isso, o nome, o status, o poder que os Prince

têm… Vai tudo para a lama. E o nome é a coisa mais importante


para ele, ou você se esqueceu que o papai do ano aqui — indiquei
John com o indicador e o dedo médio — só se mexeu para me tirar

de casa quando houve possibilidade de os jornais estamparem algo


negativo sobre ele?

De repente, meu irmão lembrou que tinha cérebro.

Isaac fez contas mentais e encarou o pai, surpreso.

— É por isso que você o trouxe de volta!

— Meu Deus, como você é inteligente! — voltei a debochar do


meu meio-irmão e rindo, cruzei os braços e me sentei sobre a única

poltrona no lugar, enquanto observava o loiro engolir as informações


todas. — O que foi, Isaac? Está triste por não ser o filho inteligente?
Está magoado pelo seu papaizinho não ter contado nada, por você

ser um imbecil? Um burro sem noção do caralho?

Com as ofensas, ele considerou vir para cima de mim.

Na hora em que percebi, me ajeitei na ponta do assento.

— Isaac… — Meu pai tentou repreendê-lo e eu ergui a mão

em alerta para que John ficasse fora daquilo.

— Venha — chamei o desgraçado que tentou de todo jeito tirar


tudo o que era meu. — Mas saiba que eu só vou parar quando você

não estiver mais respirando.

De repente, eu não era mais um alvo interessante.


— Covarde do caralho — disse entredentes, mas Isaac me
ignorou, virando para nosso pai, como um bebê chorão.

— Como você pôde? Ele arruinou tudo! Você sabe! A minha


mãe, você, Scarlet… Ele acabou com todos nós! — Meu irmão

enfiou as mãos no cabelo, os puxando pela raiz, completamente


fora de si.

Meu pai trocou um olhar tão piedoso com meu irmão que me
fez pensar que houvesse ainda um pedaço humano dentro dele.

Quando ele abriu a boca, quis saber mais daquela mudança, mas fui
impedido.

Limpando a garganta, ele ajeitou a gravata e apoiou os punhos


na mesa à sua frente, sendo polido como nunca.

— Conrad, por favor, saia para que eu e Isaac possamos ter

uma conversa.

— Ah, eu vou perder o show? — provoquei, mas nenhum dos


dois olhou para mim.

Estavam focados um no outro, em seus segredos, em suas


histórias as quais eu não fazia parte, onde eu era um completo

estranho, um forasteiro.
— Que seja. — Soprei o ar pela boca. — Continue a quebrar
tudo, Isaac. É lindo ver você agir como uma criancinha mimada.

— Filho, por favor, agora não — quando John falou, eu não


sabia se era para mim ou para Isaac, mas respeitei.

Nenhum dos dois me olhou ou se despediu quando me ergui,

mas quando abri as portas, pronto para sair, meu pai avisou:

— Mais tarde, nós conversamos.

Encarei a cena dos dois se medindo sobre o ombro e respondi:

— Você sabe onde me encontrar.

Saí do escritório um pouco decepcionado por não poder ver

mais daquilo. O que era uma caminhonete quebrada, perto de ver a


humilhação que Isaac passava ao perceber que o papaizinho dele

era meu cúmplice?

Não pude esconder o sorriso no rosto quando cruzei o portal,


mas foi só ver Scarlet lá, ainda tremendo, com copo d'água entre as

mãos com Maressa ainda ao seu lado, que fui atingido. A garota não

merecia nada daquilo, e a culpa dela estar envolvida até o último fio
de cabelo era minha. Fui eu quem achou Scarlet interessante, a

trouxe para o meio da bagunça e, infelizmente, soltei sua mão

quando ela mais precisava ser protegida.


Um gosto amargo tomou minha boca junto da vontade de

fumar. Meus dedos tocaram meu isqueiro no bolso só pela


segurança de tê-lo ali.

A verdade era uma só, ela estava presa naquilo por culpa
minha e eu precisava encarar que, no final das contas, era muito

mais fácil lidar com as consequências dos meus atos quando elas

só batiam em mim.

Os olhos verdes focaram pouco a pouco no meu rosto, meio

arregalados, meio dispersos, ela parecia não saber o que fazer.

Respirei fundo, pensando que deveria levá-la para a casa do

meu pai, mas no primeiro passo que dei em sua direção, meu

telefone tocou.

Era muito raro Thomaz me ligar e não pensei duas vezes em

atendê-lo.

— Alô?

— Cara… — sua voz do outro lado da linha era desesperadora

—... eu fiz uma merda.

— Onde você está? — Tentei manter o tom calmo.

— Eu… — Ele respirou fundo. — Você consegue vir até a casa

dos meus pais?


— A casa dos seus pais? — O que Thomaz foi aprontar a uma

hora e meia dali? — Posso, mas o que aconteceu?

— Cara, não consigo falar agora, mas se você puder, traga um


pouco de Supernova com você.

Aquilo estava muito estranho, mas ainda assim, eu confiaria


minha vida a Thomaz.

— Certo. Me dê alguns minutos, estou saindo daqui.

Com uma sensação esquisita dentro do peito, pesada, e a

previsão de que alguma merda grande aconteceria, me aproximei

de Scarlet e lutei contra a vontade de tocá-la, abraçá-la e protegê-la.


Era tão intenso que meus dedos pareceram queimar e precisei

enfiar as mãos nos bolsos da jaqueta.

—Você está bem? — Mantive meu olhar sobre o dela,


estranhando a fragilidade que ela não demonstrou comigo até que

eu a quebrasse.

— Acho que sim. — Sua voz era baixinha, meio que um sopro.

Definitivamente, ela não estava bem.

— Precisa que eu faça algo?

Ela negou com a cabeça.


— Já vai passar. — Seu olhar se fixou no copo d'água nas

suas mãos.

— Certo, mas se precisar, você tem meu número.

Scarlet não processou o que eu dizia, mas concordou com a

cabeça.

— Até mais, Red. — Não havia mais nada que eu pudesse


fazer ali.

Foi desconfortável sair dali daquele jeito, mas não tive escolha.

Quando entrei no meu carro para ir até Thomaz e vi minha

antiga picape toda fodida, pensei em descontar aquilo, mais cedo ou

mais tarde, na cara do meu irmão.

A casa dos Craig era gigantesca. Envolta em um muro cheio

de grades escuras e lanças afiadas, as paredes brancas da fachada


estavam acinzentadas. Apesar de meio falidos, o senhor e a

senhora Craig ainda tinham muito poder e influência, ainda mais

quando, nos últimos anos, Thomaz Craig pai começou a participar


ativamente do conselho da universidade. Ele e meu pai eram

próximos, mas não melhores amigos, e eu não podia dizer que não

entendia o motivo. Aquele casal era cruel e não tinha problema

nenhum em esconder isso.

Vi meu melhor amigo crescer sob o olhar de pais rígidos, que o

puniam ignorando sua existência sempre que ele os desagradava.


Thomaz criou uma resistência enorme a falar de si e contar seus

problemas, graças aos pais. Por isso, aquela visita era ainda mais

intrigante e eu estar envolvido tornava tudo suspeito.

Quando parei com o Mustang em frente ao portão, ele se abriu

imediatamente para receber meu carro e me acolher dentro dos

terrenos da propriedade. Querendo não me demorar mais que o


necessário, estacionei próximo à porta de entrada, onde era livre de

neve, e fui recepcionado na porta por um Thomaz aflito, de olhos

vidrados.

— Cara, o que foi que aconteceu? — perguntei, pousando uma

das mãos em seu ombro, falando baixo.

— Conrad — ele falou mais baixo do que eu —, porra, eu não

sei como ele soube, mas me pressionou tanto que eu não tive como

mentir.
— Sobre o que você está falando? — Deu um leve tranco para

ver se aquela agonia acabava.

— Meu pai, ele sabe sobre a Supernova, sobre a Star, e eu

fodi tudo quando disse que era você quem produzia.

Meu corpo gelou. Meu instinto não estava errado.

O choque no meu rosto foi recebido com ainda mais desespero


por Thomaz e fui pego no meio do caminho, enquanto pensava em

uma solução rápida.

— Ah, Conrad, querido! — A voz feminina cantarolou. — Entre


logo, está muito frio aí fora.

A senhora Craig era muito elegante, e surgiu em um vestido


verde de mangas compridas e cabelos pretos muito escuro, como

os meus, presos no alto da cabeça. Ela sorriu abertamente. Era a

mesma coisa de ficar frente a frente com um crocodilo. A única

diferença era que do crocodilo, eu não tinha medo, já daquela


mulher…

Respirei fundo, tomando coragem e troquei um olhar cúmplice


com Thomaz. Ele não precisava de mais julgamentos sobre suas

costas, e confiando que tudo daria certo, adentrei a casa dos Craig.
— Vou mandar colocarem mais um prato, você fica para o
jantar. — Não era uma pergunta e eu odiei aquele tom. — Thomaz,

por que você não leva seu amigo até seu pai? Como você bem

sabe, eles têm muito a tratar.

Ele não conseguiu respondê-la, mas soltou baixinho para mim

um “venha”.

Sem outra opção, segui com ele, atravessando a sala em

direção à escada que corria pelos dois lados da parede até o andar

superior.

Se eu tinha pisado ali na adolescência três vezes foi muito. A

verdade era que eu sempre fui muito bem-tratado por ser um Prince,
mas nunca valorizado o bastante por ser bastardo, ainda assim, a

casa continuava sendo impressionante com suas esculturas em


mármore espalhadas pelos corredores, tapetes de couro,

ornamentos de diferentes culturas, sombras de um tempo em que a


família ainda tinha muito dinheiro para gastar com tanta

superficialidade.

Eu conseguia ver o suor se acumulando na testa de Thomaz,


mas não tive tempo de tentar acalmá-lo. Quando ele virou comigo
no corredor, indicando com a cabeça que aquela próxima porta era
o escritório do seu pai, confirmei em um aceno que estava pronto
para qualquer coisa ao seu lado.

Isso pareceu ajudar.

Ele tomou fôlego e eu o imitei antes que sua mão trêmula

girasse a maçaneta, revelando um senhor Craig de sorriso


pretensioso no rosto. Foi um choque quando entrei, ser recebido
com um abraço. Aquele ganhava na lista dos mais falsos que já

havia recebido.

— Conrad, quanto tempo garoto! — Não devolvi os tapinhas


camaradas que ele me deu nas costas e tentei me afastar o mais

rápido possível. — Meu filho disse que você está empreendendo. —


Foi a primeira coisa que o Thomaz pai disse quando me largou.

Direto, reto, sem tentar nenhuma curva.

Aquele homem conseguia ser pior do que meu pai.

— Defina empreendendo — pedi quando ele ofereceu as


poltronas para que eu e seu filho nos sentássemos.

— Você sabe — ele acendeu um cigarro —, negócios de

homens grandes. — Sua primeira tragada me fez desejar fazer o


mesmo.
— Hm, não. Não faço ideia do que você está falando — me fiz
de desentendido, e ele sorriu como se fosse Don Corleone.

— Não se preocupe, estamos entre amigos. Inclusive, trabalho

com isso junto do seu pai. Ele nunca comentou? Sou eu que
distribuo para fora das portas da universidade a sua criação divina.

Sentando-se na poltrona atrás de sua mesa como o chefe de

alguma máfia muito grande, Thomaz Craig pai fez os pelos da


minha nuca se arrepiarem.

— Bom, o meu trabalho é bem diferente do de vocês — meu

corte foi frio — e o que o senhor trata com meu pai, é um problema
dos senhores.

— Conrad, Conrad, Conrad… — Ele não pareceu gostar de


me ver tirar o corpo fora. — Acho que você não entendeu o motivo

de eu pedir educadamente que meu filho te convidasse para hoje.


— Ele se curvou sobre a mesa, se aproximando o máximo que

podia de mim enquanto dava mais uma tragada. — Estou aqui —


ele soprou a fumaça — para te fazer uma proposta. Uma mais
vantajosa do que a que seu pai tem oferecido.

— E essa seria?
— O dobro de lucro, um investimento em um laboratório
próprio…

— E o que mais?

— Seu pai fora da jogada, e o desenvolvimento de novos


meios de diversão… — Ele voltou a se encostar e pensei que, a

qualquer segundo, um gato pularia em seu colo. — O que acha?

Fiquei em silêncio, pensando em tudo até ali, e quando


respondi, meu tom de voz era mais do que frio, era perigoso.

— Acho que — fiz uma pequena pausa e considerei antes de

responder — não.

— Está pensando direito, menino? — Lá estava a rachadura


na máscara de amigo.

— Perfeitamente. Acredito que o senhor não precisa lavar as

orelhas para entender o meu não.

Meu melhor amigo se segurou na cadeira ao meu lado, mas


nem eu pude rir da minha piada feita fora de hora.

— Thomaz me contou que você poderia ser mais resistente,


mas você não deve fidelidade ao seu pai com tudo o que o passado
nos reserva, não é mesmo?

— O que quer dizer?


— O que todos sabem, ou aquela garotinha ruiva, Scarlet,

ganhou na loteria só pela bondade Prince em acolhê-la? Ela não era


sua namoradinha?

Aquilo sim me tirou do sério.

Soprei o ar dos pulmões, meus dedos ficaram brancos

conforme a pressão contra o braço da poltrona e eu me levantei.

— O passado não interessa ao senhor. Nem Scarlet. E caso


tente usar ela ou Thomaz para me coagir, acredito que vai perder

um filho, ou algo mais.

O olhar que dei a ele naquela ameaça aberta não era nenhum
pouco dócil e o homem recuou.

— Acho que estamos muito exaltados, não?

— Acho que o senhor deveria saber quais palavras usar na


tentativa de uma negociação. Depois disso, não tenho mais nada
para fazer aqui.

— Não acho que terminamos, Conrad.

— Terminamos, sim. Minha resposta continuará sendo não.


Boa noite.

Thomaz seguiu meus passos até estarmos fora da casa.


Eu sabia que seu pai nos observava da janela do escritório e
só por isso não dei um soco na sua cara.

— Você deveria ter calado a boca — dei uma bronca sutil,

tentando não descontar nele meu nervosismo.

— Você não conhece meu pai… — Thomaz tentou se justificar.

— Não, mas você o conhece e precisa me avisar se alguma


merda for acontecer.

Vendo o medo nos olhos do meu melhor amigo como eu nunca


vi antes, recuei para entrar no carro. Manobrei na direção da saída e
parei ao seu lado, abaixando o vidro para o último aviso.

— Saia dessa merda antes que ela te consuma igual me

consumiu. A única família que presta aqui é de Bella e você sabe


disso.

— É, eu sei, mas eu preciso ficar até depois do jantar…

— Você é adulto, Thomaz. Dependendo do lado que escolher,


sabe bem o que vai ter.

Eu não estava ameaçando o meu melhor amigo, eu estava

alertando-o para que ele não jogasse no time adversário.

Aquela merda começava a ir longe demais, e mesmo com


todos os meus contatos, dependendo do que acontecesse, eu não
poderia salvá-lo.
scarlet

agora, de repente, você está pedindo para voltar. você pode me


dizer onde conseguiu essa coragem toda? É, você pode dizer que
sente falta de tudo o que tínhamos, mas eu realmente não me

importo com o quanto dói quando você me quebrou primeiro, você


me quebrou primeiro.

you broke me first, tate mcrae

Bati na porta entreaberta e espiei pela brecha.

— Queria me ver? — perguntei quando John ergueu a cabeça


do livro que lia.
Eu raramente entrava na biblioteca. Fugia das memórias de lá,

principalmente das que não eram minhas.

— Sim. — Ele se ajeitou na cadeira. — Entre, por favor.

Obedecendo ao meu tutor, já de pijamas naquela noite fria,


sabendo que o inverno dava seu melhor naquele final de dezembro,

pisei descalça contra o chão de madeira e me sentei em uma das

poltronas perto dele. O calor da lareira aquecia a sala de forma tão


aconchegante que, se não fossem as memórias, eu passaria todos

os dias trancada ali.

— Está tudo bem? — perguntei, notando os títulos dos livros

sobre a mesinha entre nós.

Eram todos livros de medicina.

— Está… — John esfregou os olhos e me fitou. — E com

você?

— Tudo sob controle.

— Ótimo. Queria te perguntar sobre o Natal. — Relaxei sem

perceber que, até aquele minuto, tinha medo de alguma bomba

explodir entre nós.

— O que tem?
— Como você sabe, Isaac não estará presente. O enviei para
férias antecipadas e prolongadas com uma tia por parte de mãe,

mas temos um pequeno problema.

Ah, lá estava a bomba.

Ele nem precisou citar o nome do problema e as borboletas no

meu estômago ganharam vida.

— Conrad brigou com a mãe, e soube que está sozinho nos

dormitórios da universidade. Ele é meu filho, e você, a única que

sabe do meu estado de saúde, entende que eu não posso deixá-lo

lá, não é?

— Com certeza, John. — Engoli a borboleta que tentava voar


pelo meu esôfago. — Acho que você realmente deve chamar

Conrad para passar a semana aqui. — Tentei meu tom mais calmo

e, pela feição dele, havia funcionado.

— Pensei que você também poderia convidar seu avô. Sei que

talvez ele se sinta desconfortável pelas escadas, mas podemos dar

um jeito no quarto lá de baixo e, minimamente trazê-lo para o dia do


Natal, o que acha?

— Acho muito bom.


— E você pode cuidar da casa para esta data? As coisas são

tão mórbidas que…

Ele realmente queria tentar algo, e eu faria aquilo por John. Eu

lhe devia.

Estiquei-me na sua direção, peguei em sua mão, estranhando


os dedos tão gelados e os apertei de levinho.

— Ei, não é trabalho nenhum. Vamos tentar fazer um ano

diferente. Se quiser, convide alguns amigos para o almoço de Natal.


Vou me reunir com o pessoal da cozinha e descobrir o que fazer.

— Acho que este ano não quero ninguém de fora. — A


resposta veio fácil.

— Então, assim será.

— Você é um anjo, menina. — Sorrindo para mim, coisa rara

de acontecer, vi os traços compartilhados com o filho que eu tanto


amei.

Como é que os dois podiam ser tão iguais, mas tão diferentes
ao mesmo tempo?

Contudo, analisando o último mês em que ele ficava meio

esquecido e tirava pelo menos um dia de folga na semana para


descansar, me forcei a ficar com John mais algum tempo na
biblioteca, passando os olhos pelos meus trechos destacados

favoritos de Emma e, quando ele se cansou, ajudei-o a se erguer e


fomos cada um para o seu quarto.

A ansiedade me acompanhou até a manhã do dia vinte.


Naquela segunda, quando John desceu para tomar café, eu já

estava de pé e pronta para ir às compras.

— Ei, esqueci de avisar, Conrad disse que, se vier, vem dia


vinte e três e fica só até o almoço do dia vinte e cinco.

— Ah… — Minha decepção me pegou desprevenida. — Ele


disse o motivo?

— Disse que tinha trabalho a fazer. — John não me deu muita

atenção. — Tenho uma consulta às onze hoje, você precisa de


algo?

— Não, tenho seu cartão, lembra? — Ergui o adicional que


ganhei dois anos atrás e nunca usei mais do que o necessário. —

Vou comprar o Natal — brinquei.


— Espero que sim. Faça o papai Noel aparecer com aquele
saco mágico, por favor — ele disse em um bom humor raro antes de
matar sua xícara de café e sair pela porta.

Coitado do velho John Prince — pensei. — Será que ele não

entende que só boas crianças ganham brinquedos? Todos nós


naquela casa, com exceção talvez do meu avô, ganharíamos
carvão.

Terminei meu café da manhã, peguei a droga do Tesla de

Isaac que era o único carro que eu me atrevia a dirigir na garagem,


já que a picape ainda estava toda quebrada, saí para as compras e

tentei ao máximo encher minha cabeça naqueles dias para fugir da


ansiedade que era pensar que eu e Conrad ficaríamos a um
corredor de distância do outro.

Controle-se. Você não aprendeu ainda? — minha consciência

me repreendeu.

E eu até tinha aprendido, só não queria colocar em prática.

Depois de uma noite de insônia pesada, como não tinha há

muito tempo, desci descabelada e de mau humor para tomar café


com meu avô e, me sentindo idiota, ainda sonolenta, tomei um
susto.

E esse susto era Conrad, perfeito como sempre, entrando pela


porta, vindo na minha direção.

— Bom dia, Red — ele disse, parando ao lado do sofá.

Meu coração disparou, meus olhos se abriram ainda mais.

Qualquer sono havia evaporado do meu corpo.

— Achei que você só viesse dia vinte e três. — Tentei meu

melhor para não gaguejar.

— Hoje é vinte e três. — O tombo foi grande.

— Ah, neste caso, eu vou voltar para a cama. — Ergui a mão,

acenando de forma robótica.

— Belo cabelo — ele zombou e, na minha mão, só sobrou o


dedo do meio erguido enquanto eu voltava pelo caminho que tinha

vindo.

Merda, merda, merda — xinguei mentalmente, me escondendo

embaixo das cobertas.

Não tinha como ser pior?


conrad

e bem diante dos seus olhos estou desmoronando, sem passado,


sem motivos, apenas você e eu. esta é a última vez que estou te
pedindo isso, coloque meu nome no topo na sua lista. esta é a

última vez que eu pergunto o porquê você parte meu coração num
piscar de olhos.

the last time, taylor swift

Eu ainda não sabia como tinha aceitado aquele convite, na

verdade, sabia.

Trabalhei que nem um filho da puta durante todo mês, tentei

acabar com todo o estoque de matéria-prima que tinha para


entregar logo nas mãos do meu pai e me livrar de uma possível

ameaça vinda do pai do meu melhor amigo, além de querer fugir de


um possível futuro tenebroso, ao qual só então depois daquela

conversa com Bella, me dei conta de que poderia ter. Ainda assim,

quando estacionei em frente à mansão do meu pai e entrei pela


porta daquela casa, onde não pisava há anos, vendo Scarlet

descendo as escadas com os cabelos rebeldes e cara de sono,

percebi que o trabalho não era nada perto da minha vontade de


estar ali. Eu ainda tinha as minhas obrigações a fazer, ainda

precisava dar conta daquilo que tinha deixado maturando no meu

laboratório, mas era Natal e para não pensar em minha mãe


possivelmente passando a data junto daquele desgraçado, quando

meu pai fez o convite, pensei estar resolvendo dois problemas com
um único tiro depois da recepção calorosa que tive por parte da

ruiva.

Caminhei desconfortavelmente pela casa e cumprimentei o

avô dela, que terminava de tomar café um pouco mal-humorado na

sala de jantar.

O velho Charlie me encarou, querendo rir, e soltou:

— Também foi obrigado, menino? — Foi inevitável não sorrir.


— Culpa da sua neta — respondi antes de roubar um pão da
mesa e voltar para sala.

Encostei-me em uma das grandes janelas que davam para o

quintal, abri uma brecha, e vendo a imensidão branca que era o

jardim, coberto de neve, acendi um cigarro.

Era estranho estar de volta.

Era estranho não ter Isaac para brigar, pior ainda, estar ali com

um objetivo completamente diferente do que tinha quando voltei

àquela cidade.

Tentei tirar minha cabeça daquilo, ou começaria a pirar antes

do tempo. Voltei para o carro, peguei minhas coisas, e sozinho subi


para o meu antigo quarto, fazendo as contas involuntariamente na

minha cabeça sobre a distância da minha porta até a porta de

Scarlet.

Foi uma surpresa ver meu quarto praticamente intocado por

todos aqueles anos.

Apesar de limpo, não tinha nada de diferente, nem os antigos

posters de bandas que eu ainda ouvia nas paredes. Se não fosse

por nenhuma das roupas do meu closet estarem pequenas para

mim, ninguém desconfiaria que eu tinha ficado tanto tempo fora. E


aquilo foi outra coisa que me chocou em uma análise interna: eu

tinha passado muito tempo longe, mas alguns hábitos permaneciam


os mesmos, como as roupas pretas, o gosto musical e a

organização, vide os CDs antigos guardados nas gavetas da


cômoda em ordem de preferência, e o meu velho e saudoso
videogame, que quando toda a merda estourou, acabou ficando na

casa do meu pai.

Como ainda era cedo e minha noite anterior foi regada a


energético e trabalho, liguei a TV em um canal qualquer, deitei sobre

o colchão que havia sido trocado depois daqueles anos todos e mal
notei quando o sono me pegou.

Acordei de repente, sabe-se lá quanto tempo depois, com uma


batida seca na minha porta. Em um pulo, estava pronto para abri-la

e, como esperado, peguei a ruiva do outro lado, com a mão erguida,


pronta para bater de novo.

Os olhos de Scarlet vieram na direção dos meus, surpresos,


logo em seguida suas bochechas coraram. Eu sabia que ela tinha

se enrolado em algum diálogo mental que não aconteceria.

O cabelo dela dessa vez estava arrumado, solto, tão comprido


quanto qualquer outra vez que eu tinha visto. Ela vestia calças jeans
e, para ser um pecado na Terra, como se feita para me castigar,

usava um daqueles croppeds que estavam na moda, preto de


mangas compridas. Para variar, a filha da mãe não usava sutiã e,

talvez, eu tenha demorado mais do que o tempo socialmente


aceitável analisando seu corpo. Quando parei nos pés descalços,

com unhas pintadas de preto, ela limpou a garganta, me obrigando


a voltar a encarar seu rosto.

A pergunta saltou da minha boca.

— Com quantos anos você fez esses piercings todos? — Fui


tão direto que a assustei.

— O quê? — Ela estranhou, mas piscou algumas vezes e


disse meio, confusa: — A-acho que faz uns dois ou três anos. —

Sem me dar espaço para pensar, ela perguntou também: — E suas


tatuagens?

— Algumas eu fiz logo que saí daqui.

— Hm… — Seus olhos baixaram para o meu pescoço que era


o único lugar fora minhas mãos, exposto. — Alguma tem, você sabe

— de repente, senti seu nervosismo —, algum significado


importante? — Scarlet girou os anéis de seus dedos, claramente

desconfortável.
Vendo sua reação, dei um meio-sorriso, apoiei o braço na
porta e me aproximei dela em uma distância confortável.

— Posso ficar pelado e te contar a história de cada uma delas,


se preferir.

A maneira como ela reagiu foi divertida.

Scarlet revirou os olhos enquanto bufava, cruzando os braços,


jogando o peso do corpo para um dos pés.

— Acorda, Conrad. Vim te chamar porque preciso de alguém

mais alto do que eu, e você é praticamente uma escada humana.


Será que pode me ajudar? — O modo impaciente havia sido

ativado. Eu gostei.

— O que vou ganhar com isso, Red? — provoquei.

— Não sei, tipo, admiração? Parabéns? Espírito de trabalho

em equipe? — Seu tom sarcástico me fez rir.

— É um começo… — E ela não me esperou confirmar.

Quando Scarlet virou as costas para me deixar sozinho, fechei

a porta e a segui pelo corredor, descendo as escadas a uma


distância segura do cheiro dela.

Se me mantivesse muito perto, sabia que em alguma hora não

me controlaria.
— Onde está meu pai? — perguntei quando chegamos à sala.

— John está descansando. Ele não anda muito legal. —

Discreta, ela não se aprofundou no assunto.

— E seu avô?

— Vovô também está descansando. Segundo ele, a velhice


pesa. — Nós dois meio que sorrimos, e aquilo foi estranhamente

bom. Muito bom.

— Ok — soprei a respiração pela boca —, o que você precisa

de mim?

— É que, na verdade, eu comprei cortinas novas. — Se

ajoelhando entre as sacolas todas que estavam no chão da sala,

procurando pela certa, Scarlet me olhava como se tivesse aprontado


alguma. — E é Natal, ninguém vai conseguir instalar uma cortina tão

em cima da hora. — Segurando o tecido vermelho nas mãos, ela fez

uma cara de piedade tão eficaz como se fosse um filhote de

cachorro.

Levei a mão ao rosto, apoiando a outra na cintura, e segurei a

ponte do nariz, enquanto processava a informação.

— Você está falando que comprou cortinas para uma sala que

tem um pé direito de quatro metros e quer trocá-las agora?


— É — ela respondeu como se eu fosse burro ou surdo.

— Ok. — Cruzei os braços, encarando-a, ainda acreditando

que havia uma pegadinha envolvida. — Como você planeja que eu

escale essa merda? Porque, até onde sei, eu ainda não sei voar.

Bufando, impaciente, Scarlet se levantou e colocou as mãos

na cintura.

— Não precisa voar. — Seu tom correspondente ao meu era

excitante. — Existe um negócio chamado escada, que nesta casa

tem várias. — Cruzando os braços, ela se sentiu superior. — E eu


pedi para os meninos que cuidam do jardim separarem uma.

Inclusive, eles já devem trazer.

Neguei com a cabeça.

— Se tem funcionários na sua casa, pra que caralho você quer

que EU suba para trocar a cortina?

Scarlet realmente me atestou como burro.

— Porque, apesar de ter um milhão de funcionários na SUA


casa, nenhum deles é MEU funcionário.

Aquela troca de farpas fez seus olhos faiscarem.

Como pude me manter tão longe?


— E eu sou?

— Não — tentando conter um sorriso divertido, ela continuou,

dando de ombros —, mas é o que está tendo.

O argumento dela não era o melhor, mas me convenceu.

— Ok. Só não vai dizer que você vai querer montar a

decoração de Natal toda hoje…

Ela arregalou os olhos, colocando as mãos nas bochechas,


dramática.

— Como você adivinhou? Meu Deus, você é mesmo um gênio


da lâmpada!

Encarei aquela piada esquisita dela e não me contive.

Segurei seus olhos nos meus, e abaixando o tom, flertando

abertamente, avisei:

— A diferença é que, se você me esfregar, dependendo do

lugar, não são três desejos que você vai ganhar.

Scarlet revirou os olhos, fugindo de mim, sem conseguir


responder.
De fato, deu um trabalho da porra fazer tudo que ela queria,

mas, no final das contas, ficou tudo muito bom. Levamos pelo

menos três horas para trocarmos as cortinas todas e montar a base

da árvore de Natal.

Como não era escravo, parei para almoçar, mas ela nem isso

fez.

Quando voltei até a sala, ela se esforçava para passar o pisca-

pisca em toda árvore de Natal no alto de uma escada menor que a

que usei para trocar as cortinas.

Sentado no sofá, ignorei as regras de etiqueta e acendi um

cigarro, ignorando que estávamos em um ambiente fechado, e fiquei


observando-a, quieto.

Depois de alguns minutos naquele completo silêncio, Scarlet

me deu uma olhada de rabo de olho e soltou:

— Pode voltar para ajudar, seu intervalo já acabou. — Ela era

minha nova chefe?


— Estou na sobremesa. — Indiquei o cigarro na minha mão e

ela suspirou, parecendo saudosa. — Você parou de fumar mesmo?

— Parei. — Ela não parecia tão feliz sobre aquilo. — Meu


pulmão ficou meio fodido depois do... — pausando, desconfortável,

ela parou —... você sabe. E eu também estou tentando ser mais

saudável. — Ela deu de ombros e logo em seguida se esticou ao


máximo, fazendo o tecido que cobria seus peitos subirem, me dando

uma ótima visão do que escondia ali.

Fiquei quieto, só observando, e ela notou.

Scarlet tentou se cobrir e fingir que nada tinha acontecido, mas

ao mesmo tempo que ela fazia isso, minha mente não colaborava.

Terminei meu cigarro, tentando manter o controle sobre meu

corpo e, enquanto pensava em coisas aleatórias para que a ereção

não ficasse evidente, voltei a trabalhar.

— Olha só, isso está ótimo! — meu pai elogiou quando entrou

pela porta da sala carregando alguns presentes. — Já posso colocar


sob a árvore?

Scarlet desceu da escada que usava para terminar de

pendurar os enfeites e, depois de olhar tudo em volta e se dar conta

de que não havia nada fora do lugar, fez que sim com a cabeça.

— Acho que vou colocar os meus agora também... — ela

comentou mais para si e eu perguntei:

— Eu posso também?

Tanto ela quanto meu pai me fitaram, surpresos.

— Você trouxe algo? — Não era uma provocação vindo dela e

sim pura surpresa.

— Trouxe — provoquei, me aproximando — e olha só como eu

sou bonzinho, não é nenhuma bomba. — Apesar da minha ideia de

fazer graça, nem ela ou meu pai riram.

— Certo. — Ela juntou as mãos, meio desconfortável. — Acho

que vou acordar meu avô e nós podemos jantar… O que acham de

pedir comida hoje?

— Acho que uma pizza cairia bem — meu pai me incentivou.

— Eu vou fazer o pedido, e vocês dois estão liberados. Aviso


quando chegar.
A garota sumiu corredor adentro e eu a segui com os olhos,
não disfarçando o interesse.

— Demorou muito tempo para que eu me permitisse ver —


meu pai falou baixo, só para mim —, mas conforme os anos foram

passando, cada vez mais eu entendi o que você viu nela.

— E o que vocês tentaram tirar de mim — quando respondi,

nem mesmo me preocupei de olhar para ele.

Só atravessei a sala e subi as escadas, de volta para o que era


o meu quarto.

Sinceramente, eu não estava tão a fim de participar daquele


teatrinho de família feliz e quando Scarlet bateu no meu, quarto

horas mais tarde, eu não atendi.

Ela deve ter pensado que eu tinha dormido ou qualquer coisa


do tipo, mas a verdade é que passei boa parte da noite jogando

videogame como não fazia há muito tempo.

Quando o relógio marcou 23h, larguei o controle do


videogame, tomei um banho decente, me lembrando do quanto era
bom o chuveiro daquele banheiro, e vesti as calças de moletom. A

verdade é que eu tinha me acostumado a dormir só de cueca, até


por causa do piercing, e mesmo no frio não conseguia ficar com
tanta roupa. Achava que aquilo era resquício de uma infância vivida
em uma casa sem tanta proteção térmica. Aquela experiência tinha
endurecido meus nervos.

Antes de deitar, não pude negar que me arrependi de não

descer para comer, e contrariando a ideia de adolescente rebelde


que dorme com fome para contrariar os pais, do jeito que estava,

resolvi descer.

A casa toda estava em silêncio.

A árvore de Natal era a única coisa iluminando o andar de


baixo, e passei por ela, admirando o trabalho em conjunto com

Scarlet antes de chegar até a cozinha.

Nada tinha mudado, e por isso não foi um problema, no


escuro, abrir a geladeira e tirar de lá os restos do jantar.

Peguei um grande pedaço de pizza de queijo, um copo de


refrigerante, e no escuro, me apoiei no balcão para comer.
Estava quase no final quando, de repente, a luz acendeu.

Meus olhos arderam e quando finalmente consegui me


recuperar do choque de luz nos meus olhos, ver Scarlet com o

cabelo para cima, em uma blusa colada e calças largas, me atingiu


em cheio.

— Porra! — ela gritou, colocando a mão no coração. — Que

susto! O que você está fazendo aí, parado no escuro?

Ergui o resto da pizza e o copo de Coca para ela.

— Desci para comer. — Minha voz tinha ficado profunda de


repente.

— Hm, certo. — Ela, de repente, pareceu desconfortável. —


Me deu sede e minha garrafa do quarto está vazia… — ela justificou
como se me devesse alguma explicação conforme se aproximava.

Meus olhos não conseguiam focar em outra coisa que não


fosse seu corpo, e para minha surpresa, ela também não parecia
mais tão imune a mim. Me olhando de soslaio, como eu fazia com

ela, Scarlet mordiscou o lábio inferior algumas vezes, enquanto


tentava ver melhor minhas tatuagens.

A tensão entre nós cresceu.

Scarlet coçou sua nuca.


O calor nos atingiu.

Virei-me um pouco, o mais discretamente possível, para

conseguir vê-la melhor depois dela passar por trás de mim. Scarlet
demorou mais do que o normal para conseguir achar o que queria, e
parecendo ser de propósito, ficou pelo menos dois minutos com a

bunda erguida enquanto caçava uma garrafa d'água na parte de


baixo da geladeira.

Aquela porra era uma tortura.

Minha vontade era de pegá-la com força, beijar sua boca, seu

corpo, foder aquela bunda gostosa… Mas me segurei, mesmo com


o desejo queimando nas minhas veias e afastei aquela ideia. Não

queria queimar largada. Quando Scarlet se ergueu, respirei fundo e


ela me imitou, e como quem não queria nada, soltou numa voz meio
baixa e rouca:

— Acho que vou comer alguma coisa também.

A desgraçada se curvou novamente, ainda mais do que da


outra vez. O rabo para cima, praticamente me chamando.

Desviei o olhar, tentei brigar com meu corpo enquanto passava

as mãos no rosto e no cabelo, mas era tarde demais.


O efeito daquela porra de provocação já estava marcado nas

minhas calças.

Fechei os olhos, achando que aquilo era uma piadinha de mau


gosto do destino.

Eu tinha jurado que ia tentar levar as coisas de um outro jeito

com Scarlet. Que ia tentar ser minimamente decente, mas era


impossível, ela não se ajudava!

Parando perto de mim, a uma distância de um braço, ela

largou cinco morangos sobre o balcão, abriu uma garrafa d'água e


deu um golinho enquanto me olhava.

Involuntariamente, mordi o lábio, claramente querendo morder

outra coisa.

Scarlet largou a garrafa aberta sobre o balcão, e como se


fosse a coisa mais sensual do mundo, mantendo os olhos nos

meus, pegou um dos morangos e o levou até a boca. Ela o mordeu,


mastigou lentamente e engoliu, lambendo os lábios no final,
assinando meu atestado de loucura.

Meu pau chegou a doer conforme a imaginava envolvendo os


lábios em volta da cabeça dele. Quis socar minha cara contra o
balcão.
— Caralho — xinguei baixo, tentando ignorá-la.

— Hm — se fazendo de idiota, ela soprou —, desculpa, você


quer?

Hipnotizado, assisti enquanto ela virava a garrafa de água na

boca e me oferecia o morango com a mão livre. A água escorreu


pelo seu queixo e deslizou pela garganta. Minha respiração pesou,
vendo a gota se perder pelo decote.

Scarlet, naquele segundo, acabou com qualquer chance que


tinha de se livrar de mim.

Em um movimento rápido, afastei meu copo e o resto da pizza,

peguei seu braço esticado e puxei seu corpo violentamente para


mim.

— O quê? — Ela tentou entender o que acontecia, mas minha

boca sobre a dela impediu qualquer diálogo e erradicou qualquer


dúvida.

Suas mãos deslizaram do meu peito para minha nuca, as


minhas não perderam tempo. Mergulhei em sua bunda, puxando-a

para cima do balcão, me forçando entre suas pernas, ao mesmo


tempo em que devorava a sua boca. Scarlet era uma bruxa, a porra

da maior tentação, eu era fraco demais para resistir.


Eu não queria mais resistir.

Sua língua tinha gosto de morango mais intenso do que


qualquer outra vez e aquilo acabou comigo. Nosso beijo não era

gentil, principalmente seus dentes contra meu lábio, mas eu devolvi


na mesma moeda. Apertei suas coxas, pressionei meu pau contra
sua boceta, mesmo com todo aquele tecido entre nós, envolvi os

cabelos de sua nuca com a mão e forcei sua cabeça a ceder


conforme mordia seu lábio inferior. Ela gemeu contra minha boca e

me vi enlouquecendo. Desci para o seu queixo. Trilhei um caminho


de beijos por sua garganta, seu pescoço. Scarlet arfou, nossas
peles se arrepiaram num claro recado: não dava mais para ficar tão

perto sem as malditas consequências.

Ela era macia, seu cheiro me enlouquecia.

Eu queria Scarlet e queria naquele segundo, não aguentava


mais esperar.

Mas, como um balde de água fria sendo jogado tanto nela


quanto em mim, antes que eu pudesse descer a boca sobre seus
seios, ouvimos um ataque de tosse vindo do quarto onde seu avô

estava.
— Caralho! — ela xingou e me empurrou, me dando uma
bronca sussurrada: — Você não pode fazer isso!

E parecendo ter ganhado um choque, ela pulou do balcão e


correu. Dava para ouvir seus passos na escada enquanto eu me
segurava com as mãos espalmadas sobre o balcão, tentando conter

o fogo em minhas veias.

Contei até dez, mas nada aliviou, e eu desisti de esperar.


Desisti de fugir.

Apaguei a luz da cozinha, tentando ser racional sabendo que,


se aquilo acontecesse, anteciparia ou arruinaria meus planos,
mesmo assim, eu estava apostando alto.

Passei no meu quarto, única e exclusivamente para pegar o

pacote de camisinha e a primeira parte do presente dela, e saí pelo


corredor, pronto para deixar para trás toda e qualquer mágoa que

um dia pude sentir dela. Pronto para lutar duas vezes mais se fosse
eu preciso, caso ela me colocasse para fora.

Acreditando que a surpresa seria a melhor escolha, que eu


não estava disposto a negociar o que queria, não bati na porta. Eu

só entrei.

Eu nunca tinha visto o quarto dela dentro da casa do meu pai.


Tudo era branco, mas parecia quente sob a luz da luminária

infantil que reproduzia estrelas amarelas que dançavam pelo teto e


paredes.

Deixei o que havia trazido sobre a mesa do computador,

ouvindo o chuveiro ligado, e espiei pela porta aberta, Scarlet atrás


do boxe de vidro, de olhos fechados embaixo do jato de água.

Pela cara dela, era um banho frio.

Eu entendia muito bem a situação e esperei, arrancando minha

calça e cueca de uma vez, até que ela abrisse os olhos.

Quando ela o fez, o choque e a surpresa não foram suficientes


para que se cobrisse.

Seu corpo molhado e arrepiado gritava por mim.

Dei um passo na sua direção, e mais um.

Ela não disse nada, até que eu abri o boxe.

— O que você faz aqui? — Era a pergunta de um milhão de

libras.

— Vim te dar parte do seu presente de Natal. Vim foder você.

Quando caí sobre Scarlet, ela não teve como correr.


scarlet

nunca existiu neblina nos meus olhos, insanidade é nosso


purgatório. peço perdão, pois eu pequei, eu acho que eu me
entreguei, ao rei mau. virei rainha do meu próprio caos. a linha é

tênue entre o amor e o ódio. posso sangrar pra mostrar que me


importo, mas não se engane ao duvidar, que eu também posso te

fazer sangrar, somos espelho, peça perdão, você pecou primeiro.

caos, camaleoa - música feita para Bad


Prince

Eu juro que pensei em sair como estava no quintal e me jogar

na neve, de cabeça.
Aquilo pareceu ser a única coisa capaz de fazer meu corpo

esfriar, de mandar aquela vontade, aquele desejo insano, embora.

Mas era tarde demais para colocar aquele plano em prática.

Eu já tinha subido para o meu quarto, e se descesse agora, se


passasse perto dele, eu cairia. Cairia profundamente, sem chance

alguma de levantar.

Aquele dia era prova viva disso. Funcionar tão bem ao lado de

Conrad me fazia pensar que, talvez, se ele tivesse outra chance, se

eu fosse capaz de dar outra chance, as coisas dariam certo.

Enfiei as mãos na raiz do cabelo e puxei, duvidando da minha

sanidade enquanto andava de um lado para o outro dentro do meu

quarto. A única solução me pareceu um banho gelado.

Sem pensar demais, arranquei a roupa, me enfiei no chuveiro

e segurando a respiração para não gritar na hora do choque

térmico, ativei a alavanca, liberando a queda d'água.

Eu realmente quase gritei, mas não por causa do frio. A culpa

era daquela porra de vontade desgraçada que não ia embora. Eu

ainda queria descer. Ainda queria ser devorada por ele.

Como eu conseguiria fugir?

Resistir?
Não tinha ideia. Nada parecia capaz de ajudar.

Continuei embaixo da água, sentindo o efeito na minha pele,

não conseguindo deixar de imaginar qual seria o efeito de Conrad

pelo meu corpo, do tanto que foi intenso da última vez. De como

pareci estar no paraíso cinco minutos atrás, beijando sua boca,

desbravando seu corpo, matando uma vontade que eu já sabia que

nunca passaria.

Eu sempre ia querer Conrad, sempre precisaria dele.

E tinha cometido o erro de experimentá-lo… Será que, algum

dia, alguém sobre aquela Terra, seria capaz de me dar algo parecido

ou melhor do que ele havia dado?

Eu duvidava muito. Duvidava com a minha alma.

Foi então que meu corpo queimou. Aquela sensação

incômoda, mas muito conhecida, de quando ele me observava.

Achei que estivesse alucinando, porém, ao abrir os olhos,

comprovei que não.

Soube, naquele instante, que não importava quanto tempo

passasse, quantas vidas eu vivesse, quantas pessoas eu

conhecesse, ninguém nunca chegaria aos pés de Conrad.


Deus sabe que tentei ser forte, que tentei fugir, que tentei

negar, mas quando ele adentrou no chuveiro junto de mim, sem


roupas, não havia o que fazer.

Conrad era como um oásis no deserto, e eu era alguém


perdido, desesperado por uma gota d'água. Suas mãos vieram

sobre meu corpo. Primeiro tocou minha cintura, então o quadril, e de


repente, ele me ergueu enquanto me empurrava contra a parede.

Me apoiei em seus ombros e o abracei com as pernas também.


Suas mãos desceram e me sustentaram pela bunda. O choque da

parede gelada contra minhas costas só me fez me apertar mais


ainda contra ele. A sensação de seu corpo quente contra o meu me
dominou. O contraste de tudo era uma bagunça, mas quando sua

boca se encaixou na minha, eu me entreguei.

Não havia mais tempo para esperar, e nisso, nós pensávamos


igual.

Quando ele me encaixou contra seu pau, soltei o quadril e o


recebi de uma vez.

Conrad me invadiu, deslizando devagar, quente, intenso,

mortalmente bom.
Ele xingou contra minha boca, eu o imitei. Mesmo molhada em

um nível fisicamente duvidoso, seu tamanho ainda incomodava.


Meu peito tremeu quando suspirei, tentando conter o choque do

primeiro entra e sai lento. Tentei afastar o rosto do dele, mas fui
punida com seus dentes mordiscando meus lábios.

Conrad soprou contra minha boca entreaberta, roçando os


lábios nos meus.

— Relaxa para mim, Red. — A voz baixa, meio rouca, arrepiou

cada pedaço do meu corpo que ainda estava a salvo. Meu ventre
pulsou contra a investida dele, saboreando o entra e sai lento, curto,

que me preenchia por inteiro a ponto de doer. — Caralho — ele


rosnou —, eu mandei você relaxar essa bocetinha apertada.

Conrad se manteve dentro de mim, mas ficou parado.

Seus dentes contra meu pescoço fizeram meu ventre se


contrair, mais uma vez. Ele gemeu alto, numa forma meio

animalesca, e aquilo me excitou pra caralho. Não queria que ele me


poupasse de nada.

Arranhei sua nuca e seus ombros, mergulhei os dedos em seu


cabelo e incentivei que ele me mordesse, que ele me marcasse.

Entendendo fácil o que eu queria, ele desceu para o meu seio direito
e sugou o mamilo com tanta pressão que gritei. Suas mãos abriram
minha bunda, tentando dar mais abertura para seu pau como se
aquilo fosse aliviar de algum jeito o que acontecia dentro de mim.

Mas ele não podia controlar aquilo. Era involuntário o modo

como minhas paredes apertavam Conrad. Era tão íntimo, tão


profundo, tão apertado, que de um jeito muito louco, eu sabia
exatamente onde aquele piercing dele roçava, e a pressão certeira

que fazia.

Minha carne parecia em chamas. O anúncio de que eu gozaria


rápido por todo aquele prelúdio tortuoso era denunciado por cada

pequeno pedaço meu, mas Conrad parecia ter outros planos.

Ele me tirou do chuveiro. Eu o abracei um pouco assustada,

cortando o clima momentaneamente, e como o apertei sem querer,


ganhei um xingo enquanto ele saía de mim para me colocar na

cama.

Não era a primeira vez que eu o via nu, e ele também já tinha
espiado algo do meu corpo, mas era a primeira vez que nos
olhávamos como iguais. Eu, deitada, com as pernas entreabertas,

sem nada que pudesse me cobrir. E ele, um pequeno semideus,


esculpido em mármore, perfeito, lindo, e independente do futuro ou
do passado, era inteiramente meu. Mesmo que aquilo só durasse
por um momento, que aquela fosse nossa última vez, ele sempre
seria meu.

Analisei suas coxas grossas entre as minhas, suas mãos

grandes e fortes sobre meu quadril, os braços, os ombros, o


pescoço… Conrad era cheio de desenhos. Uma decoração muito

bem-vinda nas paredes daquele templo.

E depois de uma revista minuciosa sobre seu corpo, sabendo


que ele fazia o mesmo comigo, umedeci os lábios ao ver o efeito

que tinha sobre ele. Era o misto de orgulho e uma luxúria que seria

capaz de me condenar para sempre, mas ver que o deixava duro,

com as veias saltando, tão úmido que seu piercing brilhava, me fez
querer sorrir. E eu o fiz, antes de, finalmente, focar em seu rosto.

A boca dele entreaberta, os dentes retinhos, a pontinha da


língua… Eu não podia deixar de imaginar como seria provar do meu

gosto daquela boca.

O nariz perfeito, os cabelos bagunçados e agora meio


molhados, tão escuros quanto à noite, mas não tão escuros quanto

seus olhos. Olhos que estavam presos em mim, cheios de desejo,


de uma vontade insana, assim como eu sabia que os meus também

estavam.

A comunicação foi rápida. Ao encará-lo, entendi que ele me

convidava.

Quando ergui um dos joelhos e abri mais as pernas, sabia que

meu recado ficava claro. Eu queria cair naquele abismo, e cairia

outras mil vezes com e por ele.

Conrad entendeu minha ação como permissão.

— Como é que eu pude deixar você… — Sua voz não passava

de um sussurro conforme ele se abaixava, com o rosto na direção

da minha coxa erguida. Sua respiração bateu contra minha pele e

todo o meu corpo tremeu de ansiedade.

Fechei os olhos, sentindo a corrente elétrica entre nós correr e

se espalhar pelo meu ventre, seios, e subindo pelo pescoço. Conrad


nem tinha feito nada ainda e eu já estava me sentindo no céu.

Apoiei-me sobre os cotovelos para assisti-lo e, enquanto os

seus olhos não deixavam os meus, eu resisti.

Seus lábios roçaram contra minha pele, depois deram espaço

para os beijos começarem e, logo em seguida, sua língua e dentes


apareceram. O caminho tortuoso que ele fez, aquele clima de
antecipação, engoliu meu juízo e me deixou ofegante. Conrad fez

meu coração bater tão forte que achei que ele pudesse escutar.

Sentia-me pesada, molhada, pronta. E, meu Deus, como eu


queria ver como seria o final daquilo.

Cansado de me torturar, Conrad chegou no seu destino, mas


como se eu fosse um vinho caro demais para matar na boca, usou

ambas as mãos para me abrir e fechou os olhos quando me cheirou.

— Puta que pariu. — Ele parecia um viciado, finalmente tendo


acesso à sua droga favorita.

Assistir àquilo era quase profano, e não aguentei, preparei o


palavrão e quando abri a boca para soltá-lo, ele morreu na minha

língua quando sorvi o ar entre os dentes ao sentir o primeiro toque

da língua de Conrad sobre meu clitóris.

Foi lento, intenso e, no segundo seguinte, eu queria mais.

Deitei a cabeça para trás, perdendo um pouco da visão


maravilhosa que era tê-lo entre minhas pernas, mas fiquei refém da

sensação dele agarrando minhas coxas, deixando a gentileza de

lado.

Incentivando-o, minhas mãos foram os meus seios ao mesmo

tempo em que ele me lambia de cima a baixo e me sugava na fonte.


Meu corpo parecia prestes a gritar.

— Eu tinha razão — ele soprou contra minha coxa e me deu

uma mordidinha —, seu gosto é muito melhor do que qualquer bala

de morango.

Senti o riso na sua voz. Eu mesma quis rir, mas não tive tempo

porque, sem me preparar, Conrad arrancou de mim o gemido mais

alto que me permitia dar dentro daquela casa.

Ele foi o primeiro, sua sequência não teria controle e,

desesperadamente, levei uma mão à boca, tentando me calar.


Aquilo pareceu só incentivá-lo a fazer as coisas ficarem ainda

piores.

Sua língua girou várias e várias vezes sobre meu clitóris, seus
dedos acariciaram minha entrada e, de repente, eu o senti em outro

lugar.

Apesar de estranhar, eu não reclamei. Estava entregue.

Conrad faria de mim o que quisesse, como quisesse. Estava ali para

servir.

— Eu não vou comer esse rabo hoje, ou você vai acordar a

casa inteira, mas você me paga pela tentação lá embaixo.


Não discuti, fiz que sim com a cabeça e coloquei uma das

mãos sobre os seus cabelos, puxando-o, incentivando para que ele

continuasse a me chupar conforme dançava com os quadris contra

sua boca, rebolando contra sua língua e sentia seus dedos dentro
de mim em todos os lugares possíveis.

Com maestria, Conrad manteve o ritmo, e não parou nem


quando eu tentei impedi-lo de continuar. Meu ventre tremeu mais do

que qualquer outra vez. Perdi o controle da minha respiração, do

volume dos gemidos, e senti quando Conrad precisou se desdobrar

para manter um dedo no meu cu outro na minha boceta, o ritmo


sobre o meu clitóris além da mão sobre a minha boca. Quis rir, mas

tudo o que consegui fazer foi gritar contra sua pele conforme gozava

tão intensamente que podia ouvir o barulho do atrito dos seus dedos
contra mim.

Mordi sua mão conforme meu corpo sofria daquela porra

insana que ele causava. Conrad parou de me chupar aos poucos,


parecendo disposto a beber tudo de mim antes de vir com o rosto

contra meu quadril e mordê-lo.

— A próxima vez que eu te chupar — ele avisou —, quero

você assistindo até o final.


E escorregando o corpo sobre o meu, Conrad não deixou eu

me recuperar. O garoto, que parecia ser dono de mim, beijou minha


boca trazendo o gosto que eu tanto queria experimentar para minha

língua, brincando comigo da forma mais erótica possível.

Abracei seu corpo, sentindo-o duro, latejando contra o meu


quadril.

Conrad era realmente grande, pesado, para fechar a mão em


volta do seu pau, lembrei que precisei realmente forçá-lo. E só para

comprovar que não era loucura minha, encaixei a mão entre nós e

comprovei o fato.

Aos poucos, conforme meu corpo se acalmava, eu o obriguei a

sair de cima de mim, e ficando de quatro, com a bunda ao alcance

dele, encarei seu pau.

Envolvi a grossura com a minha mão e o apertei um

pouquinho, fazendo Conrad gemer e descer um tapa ardido contra

minha bunda. Eu gostei muito daquilo. E ainda mais excitada, fiz o


primeiro o movimento de sobe e desce, devagar, acariciando-o da

base ao topo e voltando.

Fiz isso algumas vezes, antes de aumentar o ritmo,

masturbando ao mesmo tempo em que colocava a língua para fora


e brincava com a cabeça do seu pau, lambendo ao redor do
piercing, colocando-o na boca e tirando com alguma pressão,

arrancando de Conrad alguns tremores junto dos gemidos.

De propósito, o provoquei daquele jeito até que ele perdesse a

paciência, e conhecendo aquele lado dele que secretamente

adorava, não reclamei quando ele meteu a mão nos meus cabelos,
me puxando com brutalidade pela nuca, me forçando a sair da

cama, enquanto ele também vinha.

Conrad se sentou na beirada do colchão, me colocou de


joelhos na sua frente e, com a mão livre, segurou meu queixo e me

deu um beijo rápido. Quando afastou o rosto do meu, segurou seu

pau na frente da minha boca, esfregando-o nos meus lábios, e


ordenou:

— Quero ver você olhando para mim enquanto me chupa,

gostosa.

Seus olhos faiscaram no meu. Minha boca encheu d’água, de


vontade, de tesão.

Mais do que gostar de ser submissa, eu gostava de Conrad


mandando em mim, gostava da sensação de controle que ele tinha
sobre o meu corpo, gostava de agradá-lo.
Porra, eu queria desesperadamente agradá-lo. E fiz aquilo
presa em seus olhos, vendo seu prazer em foder minha boca.

Quase engasguei quando ele tentou forçar tudo até o fundo da


minha garganta, mas era impossível colocá-lo inteiro na boca, pelo

menos, naquela posição. Ainda assim, fiz o meu melhor. Vi o quanto


ele gostou de me ver cuspindo sobre ele, ouvi seus gemidos de

aprovação e prazer quando o mantive no mais fundo que


aguentava, percebi a surpresa em seus olhos enquanto
massageava suas bolas.

Eu o suguei, mamando seu pau, saboreando seu sabor

salgado e intenso.

Conrad era tudo o que eu esperava e mais.

— Caralho, Scarlet! — ele rosnou quando me puxou pelos

cabelos para ficar com o rosto na altura do seu. E no meio de um


beijo agressivo e insano, caótico como nós dois, ele disse:

— Se você não parar agora, vou fazer você engolir minha

porra e me chupar de novo, até eu ficar duro para gozar dentro de


você.

Quase voltei a ficar de joelhos, mas ele não deixou.

Conrad me jogou contra a cama e veio por cima de mim.


Sua mão no meu pescoço me travou no lugar, a outra mão
livre beliscou meus mamilos e estapeou meus seios, depois desceu
pelo meu ventre e foi direto para minha boceta.

Com a ponta dos dedos, Conrad esfregou meu clitóris e eu


busquei por ar.

Sua boca desceu para a minha, mas ele não me beijou.

Os olhos nos meus eram intensos de uma maneira que eu


nunca tinha visto antes.

Aquilo era desejo, palpável e infinito.

Conrad bebeu do meu desespero por ar, do meu prazer ao

gemer conforme ele me tocava, e quando se enfiou de uma vez em


mim, até o fundo e liberou minha garganta, juntou a língua com a
minha sem gentileza alguma.

Era animalesco, mas era bom demais para eu tentar pará-lo.

Ele me prendeu na cama com seu peso. Minhas pernas


estavam erguidas e seu quadril vinha cada vez mais rápido, fazendo

o colchão gemer contra nosso peso e a intensidade das estocadas.

Eu o sentia fundo, me fodendo sem dó, e eu não deixei por


menos.
Arranhei suas costas, puxei seu corpo contra o meu. Queria
fundir Conrad a mim de todas as formas que pudesse e ele parecia

ter a mesma ideia. Por um minuto, eu pensei em reclamar quando


ele saiu de mim, mas agradeci a consciência de um de nós dois,
quando ele foi atrás de camisinha.

O recado foi dado na troca de olhares.

Nós não precisávamos de uma criança no meio daquela


confusão toda.

Nós nem sabíamos como seria a manhã seguinte.

Afastando o depois dos pensamentos, Conrad voltou para a


cama e se deitou.

— Sente em mim, Red. — Não era um pedido, era uma ordem.

Fui para cima dele e, quando o senti encaixado na minha

entrada, forcei o corpo para baixo de uma vez. As mãos de Conrad


massacraram meu quadril.

Ele xingou e eu quis gritar, mas me contive, travando a

mandíbula e jogando o corpo para trás, só soltando o ar quando


senti suas bolas contra minha bunda.

— Meu Deus… — soltei com dificuldade. — Você vai me

matar.
— Só se for de foder. — Sabia que ele sorria só de ouvi-lo.

Eu também esperava que fosse.

Levou um tempo para que eu entendesse que o movimento de


cavalgada era melhor do que tentar ficar pulando em cima dele. Por
sorte, e experiência, Conrad já sabia disso e moveu meus quadris,

me guiando.

Comecei devagar, um pouquinho ofegante, me aproveitando


das sensações de tê-lo dentro de mim. Ainda ardia, ainda era

visceral e um pouco incômoda, mas nada superava o prazer.

Toda aquela espera tinha valido muito a pena.

Encarei o garoto pelo qual eu esperei por toda a vida, que

tinha meu coração nas mãos desde que ele descobriu que podia
bater por outra pessoa, e acariciei seu rosto.

Conrad notou a mudança do que eu fazia e beijou a palma da


minha mão.

Acelerei o ritmo dos quadris sobre ele e o vi respirar fundo


enquanto fechava os olhos.

Aquilo era bom.

Saber que eu tinha algum controle sobre seu prazer era

divertido também.
Suas mãos seguiram o desenho do meu corpo, subindo dos
quadris para a cintura, então para os seios, e ele os envolveu.
Conrad os acariciou com cuidado, estimulando os mamilos,

brincando com os piercings e tudo em mim respondeu.

Minha pele voltou a se arrepiar, um formigamento estranho e


intenso se espalhou do meu centro para as extremidades. Meu

ventre pulsou, e a cada vaivém do meu quadril, sentia que o limite


estava perto.

— Conrad… — sussurrei, sem muito controle e ele puxou meu

tronco para baixo.

Meu peito ficou contra o seu, mas fiquei meio de lado e ele se
aproveitou.

Ambas as mãos na minha bunda, apertando com firmeza

depois de um tapa inesperado e ardido. Me contraí e o apertei sem


querer. Ele me xingou e eu gostei.

Fiz de novo, mas o castigo foi outro. Conrad segurou minha

bunda, como se me abrisse mais e então, apoiando os pés contra o


colchão, investiu contra mim em uma intensidade insana.

Eu perdi o controle da fala.


Gemi com o rosto contra seu pescoço conforme a sensação de
formigamento se fortalecia e espalhava. E, de repente, senti uma

pressão ainda mais forte. Quando Conrad me ergueu um


pouquinho, saindo de mim, me assustei, perdida pela sensação.

— Eu… — Olhei para baixo, não entendendo o que acontecia.

— Você esguichou, de novo — ele avisou, quase rindo. — Se

acostume, é algo normal comigo.

Tentei sair de cima dele, mas minhas pernas pareciam feitas


de gelatina. Tremiam como se o exercício tivesse sido muito intenso.

— O que foi, Red? Não consegue andar? — zombando de

mim, Conrad me ajudou a ir para o lado, e como se fosse sua


boneca, me colocou de joelhos na cama.

— Agora sim…— Me pegando por trás, roçando o pau ainda

duro entre minhas coxas, ele afastou meu cabelo das costas e
desceu beijando minha coluna conforme me colocava para baixo,
me deixando de quatro, com a bunda bem erguida.

Senti sua língua sobre meu cu e não acreditei que, na segunda


transa da minha vida, o negócio estava naquele nível. Mesmo
assim, não neguei.

Era ele, e eu queria tudo com ele.


— Vou amaciar esse rabo e fazer você pedir por mais… —
Conrad avisou antes de me beijar lá como se beijasse minha boca.

Ele forçou a língua no espaço estreito, enquanto seus dedos


brincavam nos lábios da minha boceta, pronto para me deixar
excitada de novo.

Aquilo funcionou mais do que eu conseguiria explicar. Não


levou cinco minutos para eu ouvir o sorriso provocante em sua voz.

— Melada desse jeito, acho que você quer passar a noite

fodendo… Na verdade, Red — seu pau forçou a entrada, mas


escapou, acabando sendo envolvido por meus pequenos lábios —,
acho que você vai dar esse cu pra mim hoje.

Ao dizer isso, Conrad não teve dó de mim.

Seu quadril fez um vaivém lento e curto antes de mal se


encaixar em mim e entrar até o talo. Enfiei a cara contra o
travesseiro e berrei.

Ardeu, mas foi incrivelmente bom.

— Caralho — ele bateu na minha bunda e encaixou um dedo


na entrada do meu cu — ou você relaxa, ou não vou aguentar.

— Não consigo — choraminguei.

— Então vou precisar treinar essa boceta.


De repente, eu tinha um novo som favorito e ele era a mistura

dos nossos gemidos, com o som dos nossos corpos se chocando e


da minha boceta engolindo seu pau completamente encharcada.
Era som de sexo, do nosso sexo, e eu queria ouvir aquilo todo dia.

Conrad não deixou de estimular onde tanto parecia querer


entrar e, relaxada como estava, senti quando um dos dedos
deslizou para dentro.

A pressão daquilo, somado ao seu pau me preenchendo


inteira, foi alucinante.

Eu queria gritar, queria que durasse horas, mas a sensação

que tinha era que meu corpo entraria em combustão a qualquer


segundo.

— Porra, você tá me massacrando. — Era uma bronca dada


entredentes, em rosnado bruto. — Vou gozar em você, Scarlet.

E, sem pudor algum, desci uma das mãos para me tocar,


enquanto ele investia mais pesado contra mim, triplicando a
intensidade daquilo.

O orgasmo duplo causou uma confusão no quarto.

As mãos dele acabaram com a minha cintura ao me prender


contra si.
Eu o sentia latejar dentro de mim e o apertei mais ainda com
toda aquela pulsação enlouquecedora no meu ventre.

Meu corpo parecia ter perdido a força, eu não conseguia me

mover, e Conrad parecia estar na mesma situação.

Levou pelo menos cinco minutos para que nós nos


soltássemos um do outro, e quando ele se afastou, eu desmoronei

na cama.

Sentia-me inchada, dolorida, mas incrivelmente satisfeita.

Minha respiração estava fora de controle, meu corpo suado, o


cabelo um ninho, mas eu não me importei. Tudo o que fiz foi me

arrastar para deitar em um dos lados da cama de casal, liberando o


outro para ele, e quando Conrad veio, parecendo pensar em se
despedir, eu o desarmei, estendendo a mão num claro convite para

permanecer.

Ele suspirou, considerando e, finalmente, se rendeu, deitando


completamente nu ao meu lado, oferecendo o braço para eu me

aproximar.

Não tinha a possibilidade de eu recusar.

Aninhei-me contra ele, abracei seu corpo quentinho e aspirei


seu cheiro feito uma viciada.
Assumindo uma postura completamente diferente da hora do
sexo, Conrad cheirou meu cabelo e, depois de mais um suspiro,

perguntou:

— Tem certeza de que quer que eu fique?

Abri os olhos, alerta, e o encarei.

— Fique — quase implorei. — Fique porque, quando você sair

por aquela porta, eu não sei como vai ser quando eu vir você.

E entendendo que era assim que tinha que ser, Conrad me


abraçou mais forte, beijou minha testa de novo e, cansados pelo

sexo e pelo desgaste emocional daquela relação caótica, nós


dormimos juntos pela primeira vez, depois de tudo.
scarlet

na profundeza onde seus segredos se escondem, onde estivemos


milhares de vezes, engula cada mentira, pegue tudo de mim. eu
nunca vou te mandar embora porque eu já cometi esse erro.

lover of mine, 5 seconds of summer

Eu podia jurar que tinha me mantido em um sono leve. E

jurava que abri os olhos de cinco em cinco minutos para conferir se


Conrad ainda estava lá, mas acordei perto da uma da tarde,

coberta, com o cheiro dele por toda a cama, completamente

sozinha.
Meu corpo ainda estava dolorido, mas quando passei as mãos

sobre os lugares onde ele havia tocado, não consegui não sorrir.

Ok, Scarlet, você sabia que seria assim — tentei me conformar

antes de colocar os pés para fora da cama.

Minha primeira visita foi ao banheiro para um banho quente e,

depois de secar os cabelos e escovar os dentes, me vesti e fui

pegar a medicação para ansiedade. Depois da noite passada, eu


realmente precisava dela, mas parei no lugar quando, sob os

remédios, havia um envelope branco que se camuflava na madeira.

Engoli em seco, imaginando que horas Conrad tinha colocado

aquilo ali e, com a mão sobre o peito, sentindo meu coração

batendo tão forte a ponto de fazer meu corpo tremer, tomei coragem
de pegá-lo.

Tentei ser rápida, prática, e quando o abri, me surpreendi com

a letra de forma bem-encaixada e redondinha, mal me aguentando

quando vi meu nome lá.

Scarlet, ou divina, amável e maldita criatura mais bela que já

vi.
Deveria escrever aqui cada um dos meus intermináveis
pedidos de desculpas, mas então isso não seria apenas uma carta,

mas sim um livro de terror, e eu sei que esse não é um gênero que

te atrai, não é mesmo, Red?

Por isso, escolhi desvendar aqui, e dizer a você, o porquê há

essa maldita cola chamada amor entre nós dois. Gostaria que eu

tivesse sido o primeiro a te notar, assim poderia me vangloriar de


que, enquanto você vivia, eu sobrevivia das suas migalhas, mas

mesmo que não tenha sido assim no começo, você e eu sabemos

que, depois que descobri sua existência, nunca foi diferente.

Eu sempre fui fascinado pelo fogo. Queria estar dentro dele,

queria queimar junto dele, e no dia em que meu olhar pegou o seu
me observando, algo mudou. Lembro-me de como suas bochechas

ficaram vermelhas enquanto você fingia se concentrar no seu livro

favorito, e do meu primeiro pensamento ao analisar você. O que me

atraiu primeiro, e eu seria um grande mentiroso se dissesse outra

coisa, era que você era rara, era beijada pelo fogo, e como eu já

disse, eu sempre fui fascinado pelo fogo, então era óbvio que ficaria

por você.

Depois de te descobrir, tentei não parecer tão obcecado, mas

descobri tudo o que podia.


Seu nome, sua idade, seu endereço.

A rotina, as notas, de onde tinha vindo e por que estava ali.

Seus hábitos, seus talentos… Red, eu fui a porra de um stalker

para poder conquistar você.

Minha mente já tinha me alertado “ela é muito nova, isso será

um problema”, mas quando te vi entrando na biblioteca naquele dia,


não pude evitar.

Ali foi a primeira vez que senti seu cheiro. Foi a primeira vez

que vi seus olhos de perto.

E, por causa disso, achei que deveria me manter longe, já que,

mal tinha virado as costas e queria voltar para vê-la, para cheirá-
la… Era doentio sentir aquilo de primeira, mas você me atingiu

como se eu fosse um murro no meio da estrada sendo arrebentado


por um carro a 200km/h.

Tentei o meu melhor para te evitar. Aproveitei o início das


férias para fazê-lo, mas inconscientemente, não recusei nenhum

convite para jogar bola atrás da casa do seu avô, na esperança de


você aparecer.

Esperei ansiosamente por quase uma semana, e finalmente lá


estava você.
Thomaz brigou comigo por perder lances e não tirar os olhos

do outro lado do rio, espiando toda vez em que sentia seus olhos
em mim. Mas era impossível não ficar hipnotizado pela garota de

cabelos laranjas vibrantes que dançavam contra o vento como a


chama do meu isqueiro. Lembro-me das suas roupas, onde pisou,

da sua feição.

E queria sua atenção, Red.

Queria que você me notasse desesperadamente.

Assisti atento à sua discussão com sua irmã assim como todos

em volta. Foi bom ter todo mundo te olhando, porque então eu seria
só mais um, mas quando você caiu, quando eu pensei na
possibilidade de você se machucar, só notei o que fazia quando te

tirei da água.

Você se lembra de como fiquei enfurecido?

Acredite, eu seria capaz de agredir sua irmã naquele dia.


Como ela se atrevia a fazer aquilo com você? Porra, eu sabia como
era viver com duas famílias destrutivas e, mesmo não querendo que

aquele fosse nosso primeiro laço, eu quis proteger você.

Fiquei tão mortalmente afetado por você, com medo de algo te


acontecer, que sai dali direto para o hospital. Fui procurar o médico
da família e perguntar quais as chances de você morrer pós-
afogamento. Tem ideia, Red, que a remota possibilidade de te
perder antes de ter qualquer coisa com você já era inaceitável para

mim? Foi por isso que, na manhã seguinte, fui bater na sua porta. E
eu nunca pensei que poderia me apaixonar pela versão recém-

amanhecida de alguém, mas quando te vi assustada, claramente


acordando naquele sofá, percebi que não podia mais ficar longe.

Que você valia as apostas, os riscos, que era você.

Verdade seja dita, eu já tinha te visto algumas vezes na pista


de pouso, mas sempre de capuz, sempre distante, e parecendo

concentrada demais nos desenhos que claramente te frustravam.


Você só escapou de mim antes, porque imerso na merda, todas as
vezes em que fui até aquele galpão, estava cansado e machucado

demais para me preocupar em ver seu rosto. Dito isso, depois que
fiz as contas e entendi que era você, rodei o terreno feito um idiota

até achar um dos seus rascunhos e perceber que, assim como eu


não era imune a você, você também não era mim.

Admito, roubei três jogos de Isaac naquele verão e os vendi


para completar o dinheiro das tintas, para, finalmente, ter um tempo

com você. Queria entender se aquela fascinação toda era só física


graças ao meu histórico fodido, ou se você era forte o bastante para
aguentar ser amada por alguém como eu.

E eu amei você. Perdidamente, como nunca achei capaz de


ser, a cada banho de chuva, a cada surpresa, a cada vez que olhei

nos seus olhos e me vi refletido lá. Foi um choque, Red, perceber


que apesar de toda minha sujeira, eu ainda podia manter algo tão

puro dentro do meu peito e ser correspondido.

Doeu não poder esconder de você a minha parte feia, o pior de


mim. Porque, acredite, Red, de onde os últimos meses saíram, não

é uma porta dentro de mim a qual você queira entrar. Ainda assim,

você me surpreendeu vez após vez em uma maturidade inesperada,

em uma compaixão impressionante, quando viu minhas feridas,


parte dos meus traumas, da maldita bagunça que eu era, e não me

amou menos por isso.

Deixei você entrar, Red, onde nenhuma outra pessoa pisou. E

por cinco anos, durante a porra do meu exílio, enquanto teorias

malucas eram formadas no fundo da minha mente, mesmo com

todos os motivos que eu tinha e que pareciam tão palpáveis para te


odiar, nada conseguiu apagar a memória de como os seus lábios

nos meus, pela primeira vez, foram capazes de aplacar parte da

agonia que eu sentia. Era como, finalmente, não ser só.


Scarlet Wright, você acabou comigo.

Eu estava pronto para ser o pior de mim, para ser sozinho,

para ser a porra do rei do caos, e você me desmontou. Você fez isso

quando amou minhas imperfeições, quando acolheu meus medos,


quando, com todos os motivos para me odiar, correu atrás do carro

até não aguentar mais, e me transformou na porra do vilão por não

ter parado por você.

Os últimos cinco anos foram uma bagunça, não conseguiria

explicar nem que tentasse. Tudo que posso te dizer é, dia após dia,

tentei te odiar, tentei arrancar a memória dos seus cabelos, do seu


maldito cheiro viciante, da sua boca, das suas sardas e do seu

olhar.

Tentei esquecer seu corpo, sua mente perspicaz, transformei


as memórias do seu coração bondoso em intenções manchadas

pela podridão que eu conhecia do mundo, e de repente, quando te

vi sorrindo ao lado do meu irmão, como um casal, sendo esfregada


na minha cara, tive raiva.

Sinto muito, Red, não havia espaço para mais nada.

Hoje, depois de tudo, eu sei por que Isaac te queria: você é

irresistível demais para passar despercebida. Seu coração é


corajoso, bondoso e paciente, muito mais do que eu fui em qualquer

minuto da minha vida. Porque, vamos ser sinceros, Red, em que

mundo alguém tão magoado, tão machucado, esperaria por outro


alguém como você esperou por mim?

Eu não acredito em Deus e você sabe disso, mas se Ele não

existe, como poderia ter me enviado a porra de um anjo?

Que fique claro, Red, não quero nublar seus pensamentos,

confundir seus instintos, ou convencê-la de que não sou merecedor


do seu ódio, da sua desconfiança, da sua raiva.

Nem pense o contrário, eu fui um filho da puta, mas, se você

ainda me ama, se já consegue enxergar que não sou nenhum


personagem de romances e sim de tragédias shakespearianas,

permita-me ficar. Permita-me tentar. Permita-me convencer você de

que não há outro no mundo que te mereça como eu.

Se sua resposta for sim, se assim como eu, você não

consegue e desistiu de lutar contra, me encontre no velho galpão

hoje à noite.

Estarei esperando.

Irrevogavelmente seu, Conrad Prince.


Eu precisei de uma pausa.

Sentei na cama, em choque, com o rosto lavado pelas


lágrimas e apoiando os calcanhares na madeira da cama, me

encolhi como em uma bola, apoiando a testa nos joelhos, tentando

entender o que acontecia dentro de mim.

Enfiei os dedos sob os cabelos e me balancei um pouco.

Cada palavra daquela carta ardendo na minha mente, no meu


coração.

Eu o queria.

Eu o queria tanto que doía.

E estava cansada demais para admitir, para pensar nos erros,


para tentar ser moralmente correta. Que inferno me condenaria por

amar? Quem poderia me julgar por só pensar em estar ao seu lado?

Eu precisava entender, precisava ter certeza de que aquelas

palavras ainda eram válidas, e quando saí pela casa, procurando-o


em cada porta do andar de cima, descendo as escadas como louca,

fazendo todo mundo estranhar, vi meu avô sentado no sofá, com as

mãos sobre a bengala, parecendo ansioso para eu aparecer.


— Bom dia, filha — ele disse com um sorrisinho sabichão no

rosto.

— Oi, vô, você sabe do…

— O menino saiu cedo, e disse que não volta hoje.

Engoli em seco, olhei para a porta da frente, voltei a encarar a

carta nas minhas mãos e soltei um suspiro profundo que levou tudo

de mim.

— Está tudo bem? — A voz do meu avô trazia um pouquinho

de preocupação.

— Eu acho que… — Mesmo com toda a confusão dentro de

mim, estranhamente, eu não menti quando respondi: — Sim. Acho

que, finalmente, está tudo ficando bem.

Voltei ao meu quarto da mesma maneira que havia descido.

Precisava reler aquela carta até decorá-la, até levantar todas


as pequenas dúvidas em cada letra. Até entender que aquilo não

era mais uma brincadeira sem graça para me machucar.


conrad

tenho medo de tudo que eu sou. minha mente parece uma terra
estrangeira. o silêncio ressoa dentro da minha cabeça. por favor me
leve para casa.

arcade, duncan laurence

Eu tinha me empenhado.

O velho galpão mal parecia o lugar abandonado que encontrei


depois de tantos anos.

Precisei me virar para superar a ausência de um aquecedor,

mas depois de espalhar quase duas mil velas pelo chão, o lugar

parecia muito mais quente e confortável. Com ajuda de Bella, me


esforcei para ser o mais romântico possível, colocando um colchão

de casal com cobertas fofas bem em frente ao desenho que tinha


feito, uma mesa de centro virou o único apoio para as taças, a

garrafa de vinho e os petiscos.

E, ansiosamente, me sentei sozinho, encarando os olhos que

havia pintado, e esperei.

Esperei tanto que achei que ela não fosse vir.

Quando o relógio marcou dez e meia da noite, pensei em

mandar uma mensagem, em sair apagando tudo, entendendo que,


mesmo com o que havia acontecido na noite passada, mesmo com

a minha carta, com o meu levantar de bandeira branca, talvez não

fosse o suficiente.

Jurei que, se ela não aparecesse até à meia-noite, eu iria

embora e enfrentei aquela uma hora e meia como uma das piores

da minha vida.

Eu não era bom esperar. Não era bom em pedir desculpas. Eu


não suportava olhar para os possíveis erros que tinha cometido,

mas esperava ansiosamente por Scarlet, que era a manifestação de

todas essas coisas em forma física.


Passei a base do polegar da mão esquerda pelo rosto, com o
cigarro queimando entre os dedos e o isqueiro sendo aberto e

fechado na outra, lembrando-me da noite passada, da falta de

controle, de como ela cedeu, de como havia se entregado, e agonia

comeu meu peito. Aquela mulher tinha algum defeito? De fato, se

ela não aparecesse, eu sofreria duas vezes mais para tentar apagá-

la de novo. Se isso já tinha sido difícil antes, só por tê-la beijado, eu


não queria nem ver como seria a minha fase de procurá-la em

outros corpos pela cidade.

Meu relógio apitou cinco para meia-noite.

Traguei o final do cigarro profundamente, segurei a fumaça por

alguns segundos, e jogando longe a bituca que apaguei na sola do


tênis, soltei o ar com força, incrivelmente decepcionado, me

achando um imbecil por acreditar que o meu perdão viria tão fácil.

De fato, eu não merecia. Mas achei que estivesse a caminho de

conquistá-lo.

Ergui-me preguiçosamente, encarei o lugar à minha volta, todo

aquele trabalho para nada. Assim que dei o primeiro passo para
começar a apagar as velas, a fim de evitar outro incêndio no meu

histórico, tomei um susto quando, brutalmente, a porta se abriu.


Meu corpo pareceu congelar no lugar pelo choque.

Eu realmente achei que ela não fosse vir, mas, pouco a pouco,

a felicidade de ver Scarlet parada ali, me encarando de volta, fez

com que todo e qualquer frio corresse para longe da expectativa que
aquecia minhas veias.

Mas, ainda que minha vontade fosse ir até ela, pegá-la no colo,

girá-la no ar, beijar sua boca e todo o resto, usei todo meu
autocontrole e fiquei onde estava.

— Achei que você não fosse vir — falei alto o bastante para
ela me ouvir.

Só então ela pareceu tomar coragem para entrar.

Fugindo do frio e fechando a porta às suas costas de maneira

bem barulhenta antes de me responder, Scarlet arrancou o capuz da


cabeça e olhou em volta impressionada.

— Eu não sabia se devia vir. — Quando seus olhos


encontraram meu rosto de novo, ela indagou, firme, direta: — Sua

carta, Conrad. Se tudo aquilo é verdade, como é que chegamos


nisso?

Neguei com a cabeça, buscando fôlego.

— Não tenho uma resposta fácil, Red — confessei.


— Então me dê a parte difícil.

Era uma súplica que, se feita antes de eu ver sua nova

dinâmica familiar, eu teria respondido. Mas eu não podia quebrá-la


mais, não podia fazer aquela garota perder o único rumo que a

sustentou durante todos aqueles anos.

Suspirei mais uma vez, finquei os dentes no lábio inferior

enquanto repensava o que faria, e com as mãos na cintura, encarei


o teto por um segundo antes de respondê-la:

— Que resposta você quer, Scarlet? — Meus olhos foram

sobre os dela com toda a crueldade que sabia que escondia dentro
de mim. — Porque, sabendo que eu te traí, que queimei sua casa, e
assassinei sua irmã, você ainda está aqui — pontuei em claro e bom

tom. — Você ainda é a garota com quem eu passei a noite passada,


que me esperou para tirar sua virgindade, que tentou dar chances

mesmo quando eu não merecia.

Era nítido o desconforto dela ao ouvir toda a verdade sendo


jogada daquela forma.

Scarlet engoliu em seco algumas vezes, seus dedos nervosos


brincaram com o zíper da jaqueta, e mesmo de longe, vi seus olhos

encherem d'água.
— Você sabe que tudo isso é verdade — continuei —, até
mesmo, porque essa foi a realidade que você viveu durante todos
esses anos. Então, me responda, o que muda a minha versão dos

fatos? Muda que você vai ter uma justificativa para dizer que eu me
arrependi, que eu que mudei, ou que eu não fiz por mal? — Sabia

que abria uma ferida em seu peito naquele momento, mas não tinha
jeito. Antes algo que eu poderia curar do que algo que arrancaria o
chão sob seus pés. — Por que você quer tanto ouvir uma versão de

fatos que só vai te magoar mais?

Scarlet parecia perdida.

Seus olhos tentaram fugir dos meus por um minuto, ela abriu a
boca, mas não tinha nada para dizer, fechando-a logo em seguida.
Dando um passo para trás, vi quando a primeira lágrima rolou pelo

seu rosto.

Senti dor física por magoá-la mais uma vez.

— Acho que — ela suspirou — eu preciso da sua versão dos


fatos para não me sentir tão culpada por te amar mais do que talvez
você mereça. — Finalmente, ela enxergava. — É — ela sacudiu a

cabeça e fechou os olhos de forma pesarosa antes de me mirar com


os olhos verdes quase em chamas —, acho que foi um erro vir até
aqui.

Ela estava pronta para ir embora, eu não podia deixar.

— Scarlet! — gritei seu nome e ela parou no lugar,


completamente imóvel, parecendo ter medo. — Se você sair por

essa porta agora, se desistir, acha que vai conseguir superar? — Eu


a coloquei contra a parede quando disse: — Eu lutei contra isso por

muito tempo, mas estou pronto para admitir que, qualquer que seja
a substância das almas, a minha e a sua são feitas da mesma

coisa[10]. Estou desistindo de fugir, Red. Estou pronto para admitir

que é você quem eu quero.

Ela deu um meio-sorriso triste, limpando as lágrimas antes de

me encarar.

— É completamente injusto com o resto do mundo que você


seja como é e ainda saiba esse tipo de coisa… — Scarlet repetiu

para mim a mesma frase que usou no passado, e eu sabia que tinha

ganhado.

Devagar, começamos a andar na direção um do outro, até que

aquela velocidade não supria a necessidade. De repente, entre as


velas todas, a garota de cabelos ruivos correu para mim e pulou no

meu colo, e eu, sem poder esperar, sem poder me conter, a beijei.

Beijei Scarlet como deveria ter beijado anos atrás, antes de ir

embora, deixando muito claro que não importava a distância, o


tempo, as circunstâncias, os acidentes e as perdas no caminho. Não

importava nada nem ninguém, eu era dela, sempre seria.

— Eu te odeio — ela disse quando afastou a boca da minha


numa sofreguidão dolorosa. — Eu te odeio tanto!

— Eu sei, Red. Eu mereço que seja assim — respondi contra


sua boca e tentei beijá-la novamente, mas ela afastou o rosto do

meu, segurou-me entre suas mãos, e me fazendo me perder nos

caleidoscópios verdes que eram seus olhos, disse:

— Não há vida sem você, Conrad Prince. E não há romance

na Terra que vá conseguir traduzir isso.

Era tudo que eu precisava ouvir.

Se ela queria padecer no paraíso, era minha missão

proporcionar.
conrad

querida, este amor, eu nunca vou deixar morrer. não pode ser

tocado por ninguém, eu gostaria de vê-los tentar. eu sou louco pelo

seu toque. menina, eu perdi o controle. eu vou fazer isso durar para
sempre, não me diga que é impossível. Oh querida, minha alma,

você sabe que ela anseia pela sua, e você tem preenchido este

espaço desde que você nasceu. porque você é a razão pela qual eu
acredito no destino, você é o meu paraíso e farei qualquer coisa

para ser seu amor, ou ser seu sacrifício porque eu te amo até o

infinito.

i n f i n i t y, j a m e s y o u n g
Carreguei Scarlet no colo, até chegarmos perto do colchão.

Ela entendeu que era hora de me soltar e, claramente com

dificuldade de fazê-lo, sua respiração ofegante bateu contra o meu

rosto quando seus olhos miraram minha boca.

— O que é tudo isso? — ela perguntou dócil, mantendo as

mãos na minha jaqueta.

— Isso é parte do seu presente de Natal… olhe. — Girei seu

corpo e a abracei por trás, me curvando para encaixar o rosto em

seu pescoço.

Suas mãos sobre as minhas eram novidade. Gostei do som de

seus anéis tilintando contra os meus e segurei o sorriso junto da

ansiedade enquanto ela se dava conta do que eu havia feito.

Scarlet demorou um pouco para processar, mas ao ver o que

eu tinha pintado na parede contrária da sua obra esquecida, seus


dedos apertaram os meus e seu queixo tremeu.

— Sou…? — A pergunta óbvia precisava de uma resposta.

— É você. É você, como te enxergo — declarei, encarando o

desenho na parede.

O recorte do rosto de Scarlet estava lá. Deveria ser só o traço

em preto de sua testa, sobrancelhas, olhos, nariz e lábios, como


uma pincelada contra a parede branca. Pelo menos, era a minha

ideia do começo, mas quando acordei naquela manhã, sabia que

precisava mostrar mais.

O cheiro da tinta ainda era forte, mas seus olhos tinham os

mais diferentes pigmentos verdes, como um verdadeiro

caleidoscópio a olho nu.

— Você mentiu. — Depois de engolir o choro, a voz de Scarlet

era mais grave e baixa.

— Menti? — Incerto do que ela queria dizer, endireitei a

postura e girei seu corpo, fazendo a garota ficar de frente para mim.

Tão de perto, sabia que nem em mil anos conseguiria detalhar a


beleza daquele rosto direito, muito menos os detalhes daqueles

olhos.

— Mentiu. Disse que não sabia pintar, que não era bom. —
Meu coração se aliviou da carga repentina.

Movi uma das mãos que estavam em suas costas para seu
rosto, e desenhando o contorno da mandíbula, assumi:

— Você sabe, eu não era.

— Então estou pronta para saber o que mais mudou nesse

tempo. — Os olhos dela, espertos, vagaram pelo meu rosto e se


focaram na minha boca de novo.

Scarlet umedeceu os lábios e, de imediato, meu corpo reagiu.

— Seu desejo é uma ordem, mas primeiro — quando a soltei

para dar espaço entre nós, vi seu peito tremer —, eu tenho outros
planos.

Ela não recuou quando desci o zíper do casaco dela.

— E quais seriam? — Divertida, ela me ajudou a livrar seu

corpo da peça.

— Primeiro? — Meu meio-sorriso era cheio de segundas

intenções. — Eu vou deixar você nua.

E, calmamente, segurei na beirada da camiseta que ela vestia,

ficando completamente surpreso quando a ergui. Scarlet tinha se

preparado.

— Então você sabe para que serve um sutiã? — Usando de

toda minha ironia, ela riu.

— Sei. Dar trabalho para ser mais uma peça para você tirar —

devolvendo no mesmo tom que o meu, me vi mordendo o lábio e

negando com a cabeça.

— Bonita a peça… — Desci os dedos pelas alças pretas em

seu ombro, adorando ver o bico saliente marcando junto do novo


piercing em formato de argola, conforme seu corpo reagia ao meu
toque.

Meu pau pesou na calça e precisei me repreender.

Não podia estragar aquela noite, mesmo sabendo que rápido

ou devagar, estar com Scarlet valeria a pena de qualquer jeito.

Atravessei a renda transparente, acariciando com mais

atenção com o polegar seu seio direito e desci. Ela respirou fundo e

tremeu, segurando um sorriso de antecipação nos lábios. Não


consegui prestar muita atenção já que, contra a pele clara, notei as

marcas da noite passada.

Sua pele sensível seria um problema a longo prazo e pensei

em modos de me controlar.

A visão da noite passada, dela sobre mim, me soprou que


aquilo seria impossível.

Desenhando as marcas com a ponta dos dedos, me abaixei.

Ficando na altura do piercing em seu umbigo, mordisquei sua


pele bem abaixo dele e fui com as mãos direto ao cós da calça.
Scarlet suspirou e eu a encarei enquanto abria o botão de seu jeans

e descia o zíper curto.


Seu rosto naquele minuto me fez entender o que queria fazer e
como faria.

Desamarrei suas botas, ajudei-a a se livrar dos calçados e,


finalmente, enfiei os dedos nas repartições onde ela não tinha cinto

nenhum e forcei o tecido para descer por seus quadris.

A calcinha, pequena, de renda, conjunto do sutiã, encheu


minha boca d’água.

Aquela porra não escondia absolutamente nada, mas só


parecia me fazer ficar ainda mais ansioso.

Como um recado à Scarlet de que aquele seria outro processo,

terminei de arrancar sua calça e acariciei suas pernas.

Ela ofegou. Suas mãos lado a lado do corpo estavam fechadas


em punho.

Quando aproximei a boca de sua coxa, ergui um pouco a

cabeça e a vi de olhos fechados.

Meu primeiro beijo a fez tremer.

O cheiro de sua pele me obrigou a abraçá-la. Quando rocei o


nariz de um polo a outro perto de seus quadris, passando por cima

da calcinha que devia estar pesada de tão molhada, o cheiro da sua


boceta me deu fome.
Eu a queria tão desesperadamente que me sentia pulsar.

As mãos dela abraçaram minha cabeça. Ela me acariciou com


a ponta das unhas da nuca para cima e eu a mordi em resposta.

— Porra, não me faz estragar o que quero fazer, Red…

— E o que você quer? — A inocência em sua voz me pegou


de jeito.

Ergui-me em um instante, assustando-a. Scarlet deu um passo

para trás, mas eu a peguei pela cintura e grudei seu corpo no meu.
Uma mão na base da sua coluna, a outra nos cabelos de sua nuca,
forçando-a a me sentir, a me encarar.

A pressão do meu pau contra ela a fez arfar.

— Eu quero te foder e fazer amor com você. — Os olhos


verdes se arregalaram ao me ouvir falar aquilo com tanta

intensidade. — Quero te marcar em cada pedaço. — Aproximei seu


rosto do meu até tocar minha testa na sua. — Quero te fazer gritar
tanto que é minha, que me ama e que me quer, que não haverá

dúvidas do que estamos fazendo aqui dentro.

— Conrad… — ela soprou contra minha boca.

— Shhhhhh — mandei antes de morder seu lábio inferior,


calando-a. — Vou mostrar que a espera valeu a pena, Red. Vou
mostrar que sempre fui seu.

Quando empurrei seu corpo no colchão e ela caiu, me diverti

com a surpresa em seu rosto.

Livrei-me das minhas roupas, mantendo a cueca só por


precaução, e caí de joelhos perto dela. Suas mãos vieram para mim,

mas rapidamente agarrei seus pulsos e os juntei, movendo-os para


cima de sua cabeça e aproximei o rosto do dela.

Scarlet parecia com medo.

— Por enquanto, vamos nos manter assim, certo? — Tentei

acalmá-la.

— Mas quero tocar você também. — O modo como ela se


lamentou fez meu peito tremer.

Eu sorri e acariciei seu rosto com a mão livre.

— Eu sei, Red. E você vai, mas eu tenho uma dívida para


pagar.

— Dívida? — Seus olhos confusos nos meus me fizeram

querer rir.

— É. Ninguém deveria ter uma primeira vez como a sua. Você


não merecia, amor. — Vi sua garganta afundando conforme ela

engolia em seco ao me ouvi-la chamando daquele jeito pela primeira


vez. Me divertindo com aquilo, desci o rosto para o seu colo,

beijando um pequeno caminho até perto de seu pescoço e,


aspirando, soprei próximo do seu ouvido: — É por isso que hoje eu
vou te dar o que você merece primeiro, e depois vou tomar o que

quiser.

O corpo dela arrepiou violentamente embaixo de mim e a vi


tentar erguer o rosto para me beijar. Me esquivei no último minuto.

— Não, Red. — Neguei com a cabeça. — Não é assim.

— Eu… — A interrompi:

— Vai ficar quietinha, porque se não fizer como eu mandar,


vou recomeçar.

O peito dela tremeu, seu ventre também e notei que ela


pressionava uma coxa contra a outra. Quem era eu para julgá-la?
Minha cueca já estava com uma mancha enorme, molhada, e meu

pau já marcava completamente duro. Ainda assim, fui firme.

Soltei seus pulsos devagar, confirmando que ela me


obedeceria, e como supus, a veia submissa de Scarlet a fez ficar

imóvel.

— Isso, amor, facilite meu trabalho — provoquei quando me


curvei sobre ela novamente, dessa vez mirando sua boca, tomando
todo o cuidado para que meu lado sombrio não fodesse tudo.

Scarlet entreabriu os lábios para que eu a beijasse e me


deixou guiá-la.

Minha língua sobre a sua foi gentil, carinhosa. Seu gosto doce

quase me impulsionou a aprofundar as coisas, e quando ela arfou


entre o beijo, precisei me afastar um pouco.

Desci beijando seu queixo, cheirei seu pescoço como um

viciado, engolindo em seco minha vontade de marcá-la logo, e


enquanto minha mente aprendia que tinha muito pouco controle do
corpo, já que meu pau estava pulando para fora da cueca, cheguei

sobre a peça de roupa que a cobria os seios.

— Me diga, Red — fazendo Scarlet afastar as coxas para que


eu ficasse de joelhos entre elas, e erguendo o tronco apoiando uma

das mãos no colchão, fitei o sutiã —, por que colocou isso, se eu sei
que você não gosta?

As alças pretas sustentavam uma renda transparente. Não

havia cor naquilo, a não ser quando se aproximava dos mamilos. Ali
havia um desenho complicado, que segui com os dedos da mão
livre, feito cuidadosamente para esconder os mamilos, coisa que

com Scarlet não parecia funcionar muito bem, ambos os bicos


marcavam o tecido de forma absurda, conforme eu a provocava em
um só deles.

— Achei que você poderia gostar. — Sua voz saiu tão baixa

que, se não estivéssemos naquele silêncio completo, não teria


conseguido ouvir.

— Acertou. — Não conseguia olhar para outra coisa que não

fosse seu peito subindo e descendo mais rápido, conforme eu


provocava a região com a ponta do dedo indicador, deslizando com
a ajuda do tecido, testando seu limite. Scarlet ofegou e eu a encarei

por um breve segundo. Seus olhos estavam presos em mim e ela se


remexia. — Eu gostei.

Abaixei o rosto para perto do seu seio com qual brincava e,

puxando o sutiã para baixo, liberando a visão da perfeição do


mamilo rosados ainda mais colorido pelo estímulo, soprei contra sua
pele em um riso de satisfação e o envolvi com a boca por completo.

Meus olhos escaparam para o rosto de Scarlet, vendo-a erguer


o tronco para mim, enquanto fechava os olhos e soltava o primeiro
gemido daquela noite.

Meu pau pesou tanto que pensei que não fosse aguentar.

Que poder era aquele?


Mantendo-a dentro da minha boca como uma criança faminta.
Brinquei com o piercing de argola novo com a língua e vi Scarlet se

esforçar para manter os braços no alto. Como recompensa, prendi o


bico rijo entre os dentes e o suguei com força.

— Porra, Conrad! — ela xingou tão gostoso que quem tremeu

daquela vez fui eu.

Ofegante, começando a suar, ela mordeu o lábio inferior com


força para resistir ao meu toque. Envolvi a mão em volta de onde

tinha a boca e enquanto continuava a provocar a ruiva sugando e


liberando aquele ponto cheio de tesão, massageei seu seio até que
suas pernas tentaram envolver meu quadril.

— Não. — Deixei seu seio, descendo por sua barriga e pude


ver a frustração no rosto dela.

— Por favor… — Scarlet choramingou como uma criança e eu

ri.

— Isso não é um castigo, amor. — Beijei a pele bem acima do


piercing do umbigo.

— Não? — A dúvida era genuína.

— Não… olhe para mim — pedi e ela puxou o travesseiro para


baixo da cabeça para fazê-lo.
Scarlet assistiu enquanto cuidadosamente eu beijava seu

corpo sobre as marcas que havia causado. Naquele segundo,


queria ser capaz de vê-la por dentro, queria ser capaz de curar todo
e qualquer ferimento que tivesse causado, mas não podia, e só me

restou tentar.

Contra sua pele da cintura, intercalando com pequenos beijos,


comecei a falar baixo:

— Não posso mais ouvir em silêncio. — Seus olhos


queimaram nos meus. Ela sabia o que eu fazia. — Preciso falar com
você pelos meios de que disponho neste momento, Red. — Minha

adaptação ao trecho a fez suspirar. — Você partiu minha alma. —


Eu a beijei mais para baixo, na última marca dos meus dedos em
sua cintura. — Sou metade agonia, metade esperança. — Rocei a

boca até a primeira marca de seu quadril e a beijei cuidadosamente.


— Não me diga que é tarde demais, que sentimentos tão preciosos
foram-se para sempre — soprei e parei, trazendo a seriedade com

que aquilo precisava ser dito. — Ofereço-me para você de novo com
um coração muito mais seu do que quando você quase o

despedaçou há cinco anos. — Percebi que o brilho nos olhos de


Scarlet não era só tesão quando ela piscou e o canto de seus olhos
ficou molhado. — Não se atreva a dizer que o homem esquece mais
rápido do que a mulher, que seu amor morre mais cedo. — Voltei a
beijá-la, ainda com os olhos nos seus, indo na direção do seu
ventre. — Eu tenho amado somente você, mais ninguém. — E

quando desci o rosto, finalmente, fechando os olhos ao cheirá-la


sobre o tecido que cobria sua boceta, sentindo meu corpo gritar pelo
dela, mordisquei-a e completei: — Injusto posso ter sido, fraco e

ressentido também, mas nunca inconstante.[11]

Eu não me preocupei em tirar aquela peça de roupa escolhida


com tanto apreço.

Na verdade, era divertido testar meu tato por cima dela.

Scarlet ergueu a perna para tentar se mover, mas eu a impedi,


passando sua coxa sobre meu ombro conforme me ajeitava entre

suas pernas, pronto para prová-la mais uma vez, descobrindo que
eu só fumava tanto por não ter a boceta de Scarlet disponível o
tempo todo.

Será que existia remédio para aquele vício?

Afastei o tecido para o lado, liberando a visão da pequena


boceta de Scarlet recém-depilada, brilhante de tão melada, com os
lábios internos vermelhos. Engoli em seco.
Meu tesão rugiu, queimando minhas veias. Hipnotizado, eu
não perdi tempo em tocá-la com as mãos. Caí de boca em Scarlet,

provando dela conforme a lambia de baixo para cima, sentindo sua


entrada contrair ao ter seu clitóris alcançado.

De propósito, me concentrei no ponto excitado, girando a

língua lentamente sobre ele, sabendo que talvez fosse demais.

Seu quadril dançou, ela tentou fugir.

Minha boca se encheu dela e eu a imobilizei com força no


lugar.

Scarlet gemia, lutando para manter as mãos no alto, mas eu


sabia que seu controle estava no limite. Ele se quebrou quando,
propositalmente, com os olhos nos seus, suguei seu clitóris e o

mantive sob pressão enquanto deslizava para dentro dela dois


dedos de uma vez.

— PORRA, CONRAD! — Dessa vez o xingo era quase uma

bronca.

Seu corpo se dobrou, ela gritou e quando suas mãos vieram


para meu cabelo, me puxando contra si, aumentei a velocidade do
entra e sai em sua boceta encharcada.
Scarlet pingava, literalmente. Parecia que seu corpo sabia que

precisaria de lubrificação extra, que estava se acostumando ao meu


tamanho.

Bocetinha treinada — pensei, querendo rir enquanto a beijava


intensamente.

Seu gosto inundou minha língua. Meu pau doía de tanto ser
roçado contra o colchão, mas ela teria que pedir. Eu a faria pedir.

Suas coxas tremiam em espasmos desritmados, suas mãos

largaram meus cabelos e passearam por seu corpo, até descerem


para as cobertas e as segurarem entre os dedos com tanta força,
que vi seus nervos ficando brancos. Queria mais daquilo, porque,

secretamente, começava a ficar dependente de vê-la daquele jeito,


perdendo o controle. Porém, quando senti suas paredes apertando
meus dedos e a vi desistir de manter os olhos abertos, soube que

queria aquele gozo dela no meu pau.

— Red, o que quer? — Meu chamado a fez abrir os olhos.

— Você. — Firme, ela se afastou dos meus dedos, do meu

rosto, e se sentou.

Sua voz, sua postura, não eram mais de uma garota dócil e
obediente.
Ela era uma predadora e me desarmou quando me puxou para

si pelos ombros.

Ergui-me, segurando Scarlet pela cintura conforme ela vinha


direto para minha boca, sugando minha língua, se provando do

melhor jeito. Inesperadamente, fui derrubado quando ela forçou o


peso para o lado.

Tentei me erguer, mas suas mãos sobre o meu peito

impediram.

— Scarlet — era um alerta.

Ela não sabia o que tirava de mim agindo daquele jeito.

Ainda assim, montou sobre meu corpo e, me impressionando,

com os dedos dos pés, abaixou minha cueca.

— Que porra é essa? — Segurei em sua cintura, pronto para


derrubá-la, quando ela se abaixou para perto da minha boca,

esfregando os lábios contra os meus.

— Shhhhh, amor. — Fui atingido brutalmente ao ouvi-la me


chamar daquele jeito.

O que era aquela mulher?

— Não aguento mais esperar. — Sensual, quente, quase


venenosa, ela pegou meus lábios com os seus e depois me mordeu.
— Quero que me ame. — Sua mão deslizou pelo meu peito, direto
para o meu pau. Ela só terminou de retirá-lo da cueca e, erguendo o
quadril, encaixou-me na sua entrada. — Quero que grite meu nome,

Conrad. Que mostre como sentiu saudade, em como desejou estar


aqui assim, pele contra pele, sem nada mais…

E me fodendo a cabeça, inconsequente e endiabrada, Scarlet

sentou em mim.

Ergui o tronco e, me sentando, ela se apoiou nos meus

ombros.

Sua boceta me apertou tanto naquela troca de posição que o


único jeito de me controlar foi com a boca em seu seio. Castiguei o

mamilo rosado enquanto minhas mãos iam para sua bunda,


ajeitando-a sobre o meu colo.

Ela era quente, gostosa, estreita pra caralho e eu precisei

respirar fundo.

Seu quadril dançou, eu a apertei.

— Espere — mandei.

Mas os planos dela eram outros.

Scarlet tentou descer e subir de novo e precisei suspirar.

Era isso que ela queria?


Então eu estava pronto para dar.

Espalmei as mãos em sua bunda e a forcei para baixo, até me


sentir no fundo, até que ela me engolisse por completo.

Ela me encarou, completamente surpresa, e arfou.

Travei meu gemido na garganta, forçando a mandíbula, e a


encarei achando graça.

— É isso que quer, amor? — provoquei.

Sob controle da situação de novo, nos girei sem sair de dentro

dela, colocando Scarlet com as costas no colchão, e erguendo um


pouco o tronco para não perder nada, afastei o quadril do seu só
para entrar devagar, até não haver nada de espaço entre nós,
enquanto eu olhava em seus olhos.

Scarlet parecia perder as forças quando eu metia daquele jeito.

— Quero morar em você. — Beijei seu pescoço quando ela

ergueu a cabeça e soltou um gemido alto, gostoso de ouvir, que me


arrepiou por inteiro. — Quero foder você. — Saí dela quase que por
completo e voltei com tudo, batendo nossos corpos. — Dia e noite,
Scarlet. — Repeti o movimento e ela gemeu mais alto, arranhando
meus braços. — Quero viver com o cheiro da sua boceta em mim.
— Erguendo o rosto para roçar meus lábios nos dela, perguntei num
rosnado raivoso: — É isso que quer ouvir?

Ela perdeu a fala, mas fez que sim com a cabeça e me

abraçou ao me beijar.

Aceitei sua língua sobre a minha, mas não poupei sua boceta,
e com as mãos em sua cintura, apoiando os polegares sobre o

desenho de suas costelas, eu a apertei contra o colchão, prendendo


seu corpo no lugar, enquanto arremetia meu quadril contra o seu,
indo tão fundo nela, sentindo tão intensamente o atrito entre nós
dois, que quando Scarlet gozou daquele jeito, gritando meu nome,
precisei sair dela com pressa, ou gozaria também.

Suada, claramente sem controle do próprio corpo graças a


intensidade do orgasmo, Scarlet não fugiu quando a peguei pela
garganta e beijei seu rosto por todo canto.

— Eu te amo, eu te amo, eu te amo… — falei baixinho


enquanto sentia que ela se acalmava.

Seu pulso contra meus dedos era intenso, a respiração


também, e só por isso não a apertei tanto, mas conforme ela voltava
a si, começava a corresponder meus beijos entre as arfadas,
roçando suas unhas contra meus quadris.
Afastei um pouco o rosto do dela, vendo Scarlet vermelha,
suada, com os olhos brilhando em expectativa. Ela queria mais?

O plano daquela noite era terminar enterrado no seu rabo, e eu


faria por merecer.

— Essa é a maneira como você quer fazer amor, Red? —


provoquei, ofegante como ela.

— Não. — Scarlet se ergueu nos cotovelos, lutando contra


minha mão em seu pescoço e mordiscou meu queixo. — Quero
chupar você…

— Porra… — resmunguei, forçando seu corpo de novo contra


o colchão, fazendo-a desabar e me ergui. — Seu pedido é uma
ordem.

Diferente do que ela esperava que eu fosse fazer, subi em


cima do seu peito, encaixando cada joelho debaixo de seus braços,
e me mantive na altura dos seus peitos, com o pau erguido bem à
sua frente. Scarlet voltou a se apoiar nos cotovelos, me olhando
desconfiada, como se esperasse que eu fosse seu guia.

Tudo o que fiz foi acariciar sua bochecha antes de avisar.

— Olhos nos meus, gostosa.


Coloquei as mãos para trás, numa forma de controle que
duvidava que fosse manter, e com minha vista privilegiada, assisti a
garota sob mim se ajeitar, me envolver com uma das mãos e depois
lamber os lábios inchados, encarando meu piercing.

Segurei um sorriso, mordiscando o lábio inferior por vê-la


colocar a língua para fora e provar seu gosto ali. Seus olhos
abertos, focados nos meus, a deixavam com um ar inocente que

poderia ser considerado inapropriado. Porém, o que Scarlet fez em


seguida, não era coisa de nenhuma santa.

Sua boca envolveu a cabeça do meu pau e ela sugou gostoso,

lambendo todo e qualquer resquício meu e dela. Quando achei que


ia tirá-lo da boca, a ruiva fez o inverso.

Bati contra sua garganta, fui pressionado por sua língua e a vi

roçar os dentes no meu comprimento enquanto tentava ir além.

— Puta que pariu. — Todo meu corpo ficou tenso.

Segurei-me em cada fibra de consciência que tinha quando,


lentamente, Scarlet me tirou da boca e voltou a me forçar.

Respirei fundo, ergui a cabeça, olhei para o teto e busquei por


ar.
Suas mãos acariciaram minhas bolas, e quando voltei a
encará-la, como uma diaba, ela sorria. Uma de suas mãos foi para
minha bunda e a filha da mãe moveu meus quadris para frente, me
forçando contra seu rosto.

Não tive o que fazer, meu controle foi pro caralho.

Peguei os cabelos dela, prendendo tudo em uma das mãos e


fodi sua boca, gemendo de tanto prazer, vendo os olhos dela

lacrimejando quando meu piercing batia no fundo da sua garganta.

Ela engasgou na minha última investida e eu puxei sua cabeça


para trás, me movendo um pouco para baixo com os joelhos, para

poder beijar sua boca.

— Eu podia fazer você engolir minha porra hoje, mas os


planos são outros — rosnei contra ela. Ganhei uma mordida em

resposta. — Eu vou gozar no seu cuzinho, amor.

Larguei seu cabelo e, com o colchão contra a parede, me


sentei apoiando as costas.

Meu pau estava tão duro, que enquanto me masturbava com


uma mão, tentando me dessensibilizar um pouco, procurei a
camisinha, colocando aquela merda, e o lubrificante anestésico que
havia deixado ali no canto, pronto para o uso.
Scarlet, quando voltei a prestar atenção nela, estava sentada
de joelhos, colocando o cabelo para cima, prendendo-o nele

mesmo. Seu olhar em mim era devasso.

Ela sabia o que eu queria.

— O que eu faço?

Chamei-a com dois dedos, fazendo um vem cá que ela

obedeceu de primeira, engatinhando na minha direção.

— De pé.

Ela se ergueu.

Movi seu corpo como bem queria. Fiquei entre suas pernas, os

pés dela bem próximos da parede, sua boceta praticamente na


minha cara. Arranquei aquela porra de calcinha finalmente, dei uma
boa lambida em Scarlet naquela posição e um belo tapa na sua
bunda antes de mandar.

— Sente em mim, gostosa.

Ela desceu, se apoiando nos meus ombros para não cair e,


enquanto com uma mão segurava meu pau, a outra apoiava suas

costas para que ela pudesse se encaixar em mim.

Esperta e parecendo sedenta, ela escorregou devagar, me


apertando pouco a pouco, mal aguentando manter os olhos abertos
no processo.

Seus gemidos eram música para os meus ouvidos.

Os seios excitados, a respiração ofegante, o corpo marcado.

Ela era perfeita. Como eu pude lutar contra?

Como ousei tentar?

— Você vai me matar mesmo… — ela reforçou, cravando as


unhas nos meus ombros, ficando parada com a testa contra a
minha.

Quente, suada, gostosa.

Sua respiração batendo contra o meu rosto.

Seu cheiro, seu gosto.

Scarlet não fazia ideia do seu efeito sobre mim.

Do poder, do controle que tinha.

Com as duas mãos na sua bunda, eu a abri e incentivei um


movimento lento de sobe e desce. Ela não reclamou. Na verdade,
pouco a pouco, foi se soltando, se excitando mais e aumentando o
ritmo, a força da sentada.

Eu aguentei firme. Mesmo tomando uma surra de boceta de


Scarlet, a garota que até duas transas atrás era virgem, que tinha a
porra da boceta paraíso, que me engolia e massacrava dentro de si

sem nem parecer perceber o que fazia.

Minha resposta foi só uma, e não houve protesto quando, com


carinho, comecei a forçar os dedos em seu rabo.

Ela estava molhada, relaxada, sentindo prazer.

Com o meu tamanho, ou era assim, ou ela não aguentaria.

E incentivando Scarlet como na noite anterior, pouco a pouco


fui ganhando sua confiança.

Foi fácil tirar as mãos dela e pegar um pouco do lubrificante


que precisava. Foi prazeroso quando ela me puxou contra si, com a
boca contra a minha e gemeu ao sentir meu primeiro dedo invadindo

seu cu.

Sua boceta pulsou alucinadamente e eu precisei repetir o


pedido do século.

— Amor, relaxa.

— Não consigo — ela choramingou, se forçando contra mim,


para baixo, me botando tão fundo e tão apertado que precisei
engolir a seco o fogo que subia por minhas veias.

— Então fique aqui, paradinha. — Concordando com a cabeça,


Scarlet, como um gato, esfregou o rosto no meu antes de me beijar.
Aproveitei sua distração e enquanto brincava com sua língua e
lábios, abri caminho para um segundo dedo. Quando o enfiei,
Scarlet puxou o ar entre os dentes, com meu lábio inferior preso

entre eles e deitou a cabeça para trás, forçando o corpo contra


minha mão, parecendo querer mais.

— Conrad, por favor… — ela pediu com dificuldade, de olhos

fechados, e com a mão livre, puxei seu rosto de volta para o meu,
sedento para ouvir.

— Peça.

Então Scarlet me matou.

Acertou-me no meio da testa, de uma vez, quando abriu os


olhos verdes, intensos, de pupilas dilatadas e bochechas coradas.

— Me fode. — Era um sussurro, baixo, fraco, no limite dela.

Eu não podia negar.

Tirei os dedos de dentro dela, a ajudei a levantar e encarei


meu pau. As veias evidentes mesmo sob a camisinha, sob os fluidos
dela. A porra da química fazendo efeito tantos anos depois. Scarlet
me deixou guiá-la, e eu voltei a deitá-la.

— Sem isso. — O pedido era sobre a camisinha.


Deitando atrás dela, coloquei seu corpo de lado e me encaixei,
mordendo seu pescoço.

— Não posso. Tenho a porra de um piercing no pau, amor.

— Mas… — Então eu entendi o que ela queria.

Meu Deus do céu, aquela mulher era real?

Passei um braço por seu ombro, envolvi seu seio com a mão e
massageando-o com força, rocei os dentes por seu ombro e

pescoço, seguindo até mordiscar o lóbulo da sua orelha.

— O que é, Red? Quer que eu goze no seu rabo?

Não estava pronto para ela confirmar com a cabeça.

— Posso dar um jeito. — Beijei Scarlet enquanto, com minha

perna, forçava-a erguer a dela. De ladinho, me esfreguei algumas


vezes contra sua boceta, me lambuzando nela. — Agora, Red —
acertei a cabeça do meu pau na entrada do seu cu e suspirei —, eu
vou foder você até gozar, então preciso que relaxe, porque quero
fazer essa porra durar.

Estimulando seu corpo como podia, com uma das mãos e com
a boca, me forcei aos poucos contra ela. A resistência contra o meu
tamanho não era uma novidade, mas Scarlet parecia tão excitada
com a ideia de me deixar foder seu rabo que, quando ela puxou o ar

entre os dentes e eu parei, continuou a se forçar contra mim.

Quando a cabeça entrou, ela e eu gememos.

— Meu. Deus — ela arfou.

— Calma, Red. — Tentei me manter concentrado e, uma vez

dentro, consegui descer a mão para sua boceta.

Meus dedos escorregaram entre os pequenos lábios. Ela


gemeu, e eu não perdi tempo.

Seu clitóris virou meu instrumento favorito naquele segundo, e


enquanto Scarlet relaxava e se remexia, trazendo mais a bunda
contra mim, fui forçando mais o quadril contra ela.

Até que me senti inteiramente dentro, grudado nela como se


fôssemos um só.

Se antes, sua boceta me apertava, o rabo de Scarlet me


massacrava.

Seu corpo pulsava em volta do meu.

O calor. A intensidade. O prazer da confiança.

Tudo era pesado e me senti latejar.


— Porra! — xinguei, mordendo seu ombro para tentar me
controlar.

Scarlet deu um grito quando dei a primeira estocada, mas não


foi por dor.

— Continua — ela implorou. — Continua, por favor.

Segurando sua perna no alto, era minha vez de obedecer.

A garota nos meus braços perdeu o juízo.

Scarlet gritou, gemeu, xingou.

Remexeu os quadris, moveu minha mão em sua boceta para


que eu metesse os dedos nela e assumiu seu clitóris sozinha.

A filha da puta ia gozar daquele jeito se eu continuasse


naquilo, e eu não me importei em ofertar o melhor. Saí
completamente do seu cu, e adorei ver a frustração em seu rosto.

— O que foi? — Movendo seu corpo sem muita gentileza para


que ela ficasse de barriga para cima, ergui suas pernas para os
meus ombros e abri sua bunda.

Quando me encaixei de novo sobre seu rabo, que já parecia


resistente a uma nova invasão, Scarlet abaixou as pernas,
flexionando os joelhos e gritou quando meu peso forçou a
penetração.
— Me fode, me fode, pelo amor de Deus, me fode! — era uma
ordem gritada, e eu não podia deixá-la esperando.

Aproveitando da posição, enfiei o anelar, o dedo médio e o

indicador em sua boceta.

Ela perdeu o controle final quando, com o polegar, esfregava


seu clitóris.

Levei Scarlet ao limite.

Seu corpo todo anunciou o que chegava em espasmos


descoordenados, então, foi tudo um caos. Ela, primeiro, deu um
grito mudo. Meus dedos sentiram a pressão e, quando os tirei de
dentro dela, o jato vindo da boceta de Scarlet me molhou todo. Ela
ergueu o peito, deitou a cabeça para trás e pegou fôlego, gemendo
alto, sem parar, acabando comigo.

Seu corpo pareceu me sugar para dentro de si.

Seu cu apertou tanto que quase fui expulso no segundo


seguinte, mas travei o quadril contra ela, sentindo minhas bolas na
sua bunda. Contra aquela pressão, fodi Scarlet até perder a razão.

No último segundo, incrivelmente feliz por não perder nenhum


detalhe da obra de arte que era aquela mulher gozando, saí dela e
arranquei a camisinha. Gemendo pesado, voltei a me forçar, não me
segurando ao sentir a cabeça do meu pau pressionada enquanto
me masturbava.

Nunca, em toda a minha vida, eu tinha gozado tão forte.

A pressão de tudo aquilo não me deixou escolha e precisei me


afastar.

Mas nada, nem a remota possibilidade da minha fértil

imaginação, me preparou para vê-la lá, tremendo, chorando de tão


intenso que havia sido, com minha porra escorrendo do cu.

Não tinha jeito.

Era ela.

Sempre seria.

— Por que você não tirou meu sutiã? — Foi a pergunta mais
inesperada de um pós-sexo que já tinha recebido na vida.

Scarlet tinha voltado do banheiro e, agora com os cabelos


trançados, deitava de barriga para baixo, abraçando um dos
travesseiros, enquanto me olhava.

Eu acariciava seu rosto, sem nenhum problema de admitir que

não queria mais tirar os olhos dela, deitado de barriga para cima, só
de cueca.

— Você nunca usa. Gostei do cuidado que teve para mim.

O sorriso que ela deu antes de esconder o rosto na minha mão


e beijar a palma me fez ficar quieto, pensando em quantos daquele
não havia perdido… E então, sem querer, acabei pensando em

tudo.

— O que foi? — Notei a ruga de preocupação entre seus olhos


junto do tom de voz ameno, como se minha mudança fosse sua

culpa.

— É algo com minha… — A palavra mãe tinha perdido o


sentido. Limpei a garganta, encarei o teto e suspirei. — Com

Caroline.

— Ah, eu já sei… — Deitando de lado, com a cabeça contra o


travesseiro, ela rompeu minha bolha. Scarlet pegou minha mão no
ar e desenhou com linhas invisíveis sobre os desenhos que já

existiam.
— O que você sabe? — Virei o rosto para olhá-la e ela deu de
ombros.

— Acho que tudo. Que John nunca foi o pai terrível que a
gente achou, que sua mãe…

— Ainda tem um relacionamento com o cara que nos


espancava. — A descrença na minha fala era gigante.

Eu ainda não tinha engolido tudo aquilo.

— Como você se sente?

— Um idiota. Um otário… Minha mãe foi o motivo de todas as


minhas decisões difíceis, Scarlet. Garantir o futuro dela me custou
você… — Eu não precisava explicar mais.

Os olhos verdes desviaram para nossos dedos juntos e ela


suspirou.

— Você já conversou com ela? — indagou, depois de minutos


em silêncio.

— Não. Não quero — admiti.

— Mas precisa.

— Por quê? — Tentei buscar seus olhos, mas Scarlet me


evitou.
— Porque senão, vai passar a vida toda se cobrando por ter
dado mais do que ela podia retribuir. Sem ajustar tudo.

— Não. — Neguei com a cabeça, intransigente.

— Eu não tenho mãe, Conrad. — Ela ia tentar me convencer


com algum argumento bondoso demais para minha natureza aceitar.

— E eu tenho pai e mãe, e preferia que eles estivessem


mortos.

Aquilo quase encerrou nossa conversa.

Sentei-me, nervoso, e ela se encolheu em sua bolha.

Cocei a cabeça, esfreguei o rosto e voltei para ela.

— Desculpe, eu…

— Está magoado. — A resposta foi simples, mas seus olhos


me bateram. — E isso não vai passar, até que você resolva.

Suspirei, me dando por vencido.

— Você a perdoaria?

— Eu não sou um bom parâmetro… — O modo como ela

ergueu as sobrancelhas nos fez rir. — Não, sério, não sou. Mas
acho que você deveria tentar. Não por ela, mas por você…
— Vamos ver. — Me ajeitei sob a coberta e ofereci o braço
para ela, que prontamente aceitou. Scarlet se enroscou no meu
pescoço e eu a abracei.

— Conrad, é Natal. — Sua respiração contra o meu peito fez


cócegas.

— E daí? Seu cu foi meu presente?

— Ah, pelo amor de Deus. — Senti o riso em sua voz, mas ela
estava cansada. — Desisto. Amanhã a gente fala sobre isso.

— Não, Red. — A abracei com mais força e aspirei o cheiro


dos seus cabelos. — Não quero.

— E por que não? — Ela afastou o rosto para me encarar.

E ela queria a verdade.

— Porque estou cansado de me sentir sozinho — falei baixo,


sério.

Era real.

Scarlet suspirou, selou a boca na minha e, gentilmente,


acariciou meu rosto.

— Não se preocupe. Eu vou com você. Vou estar lá.

E se aninhando no meu peito de novo, soprou:


— Boa noite, amor.

— Boa noite, Red. — Muito mais leve do que em qualquer


outra noite da minha vida, consegui dormir.
scarlet

eu ainda queimo por você, como o sol queima no céu. eu ainda


queimo por você, por toda a minha vida estive em chamas. eu ainda
queimo por você.

flames, avril lavigne, mod sun

Meu celular despertou sete e vinte.

Eu queria desligá-lo e voltar a dormir nos braços de Conrad.


Mas o sono só durou até eu entender que realmente estava nos

braços dele.

Meu coração tropeçou, disparando do nada e eu apertei suas

mãos em volta de mim.


Ele encheu os pulmões de ar. Seu corpo se pressionou contra

mim e, para o meu castigo, senti cada detalhe.

— Precisamos acordar — avisei quando ele se aninhou contra

meu pescoço.

— Mais cinco minutos.

Sua voz grossa, sonolenta contra minha orelha, me arrepiou.

E, sinceramente, eu estava uma merda, não o aguentaria de

novo como na noite passada.

— Conrad, não dá… — Afastei as cobertas e pulei para fora,

tomando o choque térmico do frio matinal, logo procurando minhas

roupas.

— Por que temos que ir agora? Eu ainda quero você…

— Tá doido? — Vi o sorriso que ele deu ainda de olhos

fechados. — Não posso. — Saí à caça da minha calcinha. — Ainda


me sinto inchada e dolorida onde nem pensei ser capaz de sentir

dor.

— É bom se acostumar. — Parecendo satisfeito até demais

por ouvir minha reclamação, Conrad virou de barriga para cima e se

espreguiçou.

Perdi alguns minutos admirando-o.


Era assim que deuses acordavam?

— Acho que — falei, finalmente me movendo quando vi a peça

de roupa jogada no chão —, no modo normal da coisa, eu até posso

me acostumar. Mas o que aconteceu ontem? Vamos deixar para

datas comemorativas.

— E fodas pós-brigas — ele completou, se erguendo, e eu o


encarei franzindo o cenho.

— E você quer brigar comigo?

— Se for rolar cu? Todo dia.

— Deixe de ser ridículo. — Peguei as calças dele que estavam


próximas e joguei na sua direção.

Conrad riu, mas não se moveu.

— Red, volta pra cama. Só precisamos aparecer no almoço.

Ou nem isso, se você quiser passar o dia aqui.

— Por acaso, você bateu a cabeça ontem e eu não vi? Tem


seu pai e meu avô. Eles nem sonham que eu saí, Conrad.

— Eles não são idiotas, vão fazer as contas…

Suspirei, desistindo da discussão, terminando de colocar as

botas e o casaco.
— Preciso ir para casa, me arrumar, conferir tudo e, por isso,

vou na frente.

— Vai mesmo me forçar a sair daqui?

— Vou. Ou fique, mas não espere que eu volte aqui. — Fiz


alguma chantagem e funcionou.

Conrad inflou os pulmões e soltou a respiração pesada


conforme se virava entre as cobertas.

— Espere por mim.

— Não se atrase — falei, já saindo.

— Ei, não vou ganhar um beijo antes de você ir?

Parei na porta, rindo e negando com a cabeça.

— Não. Se quiser, vai precisar ir buscá-lo.

— É uma punição, Scarlet?

— É uma troca. Até depois.

E eu corri para o Tesla porque, se voltasse para aquela cama


com Conrad, sabia que não levantaria tão cedo, além de que, não
queria que nos vissem chegando juntos.

Uma coisa era estar entendendo, entre nós, como aquilo

funcionaria.
Outra coisa era entrar pela porta da casa de John, deixando

claro o que tinha aprontado com Conrad naquela véspera de Natal.

Tirando meu avô, que parecia estar me esperando de


propósito em uma das poltronas da sala de estar assim que entrei,
ninguém notou minha ausência noturna.

Sem muitas explicações, passei por ele e fui direto para a

cozinha, conferindo se tudo estava em ordem para o almoço antes


de subir para o meu quarto o mais rápido possível.

Tomei um banho demorado de banheira, esperando que a


água quente ajudasse o corpo a relaxar de todo o esforço da noite

anterior. Só pelas memórias da noite anterior, de tudo o que falei e


fiz junto de Conrad, a vergonha me consumiu.

Eu não sabia o que acontecia quando ele me tocava.

Era como se desligasse a parte racional e eu respondesse


cem por cento aos meus sentidos, ao que sentia. Era primitivo, e tão
bom… Pena que ele era bem proporcional em tudo, e por isso,
conferi minhas partes para ver se tudo estava no lugar.

Aparentemente, além de uma leve ardência na parte de trás e


dos lábios inchados, tudo estava bem.

Ok, talvez eu consiga uma folga hoje. É Natal e… — A ideia

morreu quando pensei em Conrad nu. Não era ele o perigo. Era eu.
— Porra.

Desisti no primeiro segundo, pensando que era bom eu


conseguir estudar em casa, caso contrário, viveria no quarto de

Conrad. Com ele e um copo d’água, eu passaria o mês.

Como tomei banho de banheira, carreguei toda minha roupa


para dentro do banheiro, minhas maquiagens, o secador e o
babyliss. De um modo adolescente meio ridículo, em uma ideia

romântica meio ultrapassada, queria ficar bonita para ele.

Por isso, coloquei as meias pretas que iam até metade da


coxa, a saia xadrez preta e vermelha que era bem curta e precisei
ajustar um pouco para baixo, junto de uma blusa vermelha de

mangas compridas.

A plataforma, também vermelha, que botei nos pés era um


presente antigo de John, e depois de várias camadas de rímel,
ainda que fosse um risco fazer parte da decoração, passei meu
batom vermelho favorito nos lábios.

Enrolei o cabelo para cair em ondas sobre as costas, passei


perfume, escovei os dentes, e conferindo minha aparência no

espelho, não vi nada de errado.

Só então, eu vi no relógio do celular que já era quase meio-


dia.

— Porra, não acredito que me atrasei! — Pulando para fora do

meu banheiro, sem guardar nada da bagunça que tinha feito, tomei

um susto logo que cruzei a porta e encontrei Conrad. De banho

tomado, cabelos ainda molhados, perfeito como sempre, ele estava


sentado sobre minha escrivaninha, brincando com o potinho laranja

de comprimidos.

Parada com a mão contra o coração, sentindo-o bater mais

rápido não mais pelo susto, estranhei a expressão fechada de

Conrad.

— O que é isso, Red? — Seus olhos não estavam em mim,

mas sim no chão, enquanto ele sacudia o potinho.

— Meu remédio de ansiedade. — Me recuperei, respirando

fundo. — Inclusive, preciso de um se você vai me dar sustos assim.


Estiquei a mão e dei um passo em sua direção, mas ele

afastou ainda mais o potinho, abruptamente.

Conrad considerou algo que não consegui captar, então

ergueu os olhos para o meu rosto, sério, parecendo meio nervoso.

— Está tomando remédio sem receita? — A crítica me bateu.

— Claro que não! — me defendi. — John conversou com um


amigo dele psiquiatra, parece que isso é uma droga que ainda não

está no mercado. Ele me ofereceu para testar e, depois dos últimos

meses, achei que fosse algo bom. E, de fato, ele me ajuda muito. —
Era estranho precisar me justificar daquele jeito junto da confissão

da vulnerabilidade da minha mente.

Abracei-me, recolhendo a mão, sentindo ser muito menor do


que era.

Conrad parou por muito tempo me analisando, então suspirou,


negou com a cabeça e colocou os pés no chão.

— Vamos fazer o seguinte. — Ele pressionou os lábios uns

nos outros, ergueu um pouco a cabeça e, parecendo me ver pela


primeira vez, se concentrou em me medir de cima a baixo. Meu

corpo queimou, como sempre, sob seu olhar. Meu coração martelou

tão pesado que eu quase o abracei, mas ele abriu a boca, medindo
meus olhos, minha reação. — Posso te dar o remédio, mas em

troca, quero sua calcinha.

Eu devia estar muito louca mesmo. Quase engasguei ouvindo


a proposta.

— O quê? — A indignação deixou meu protesto agudo. —


Conrad, isso é medicação!

— Sem receita. — Seu argumento, para ele, tinha muita

serventia. — Ou seja, se quiser sua droga — ele sacudiu mais uma


vez o potinho no ar —, terá que me dar alguma coisa em troca.

Comecei a rir de nervoso.

— Você está falando sério? — precisei confirmar.

— Está me vendo rir? — Cruzando os braços, seus olhos nos


meus diziam que sim.

Era sério. Bem sério.

— Meu Deus, você é impossível. — Bufei, nervosa por passar

por aquela barganha inusitada. — E um tarado — reclamei, como

fazia parte do jogo, mas de repente a ideia me deixou excitada.

De propósito, virei de costas para ele e me empinei.


Olhei sobre o ombro e vi o olhar de Conrad descer para minha

bunda.

Ergui a saia e, querendo que ele tomasse alguma atitude, me

exibi um pouco antes de abaixar a peça.

Ele suspirou tão pesado que fui capaz de ouvir quando me

abaixei.

— Filha da puta. — O xingo foi feito com um sorriso nos lábios

e eu não me importei.

Girei sobre os saltos e ergui a calcinha no ar.

— E agora?

Conrad a pegou da minha mão, enrolou nos seus dedos, e me

fitando como se fosse capaz de me foder e me matar, a cheirou.

— Caralho, Red. — Sua voz era tão forte que só de ouvi-lo

daquele jeito, meu corpo sofreu o impacto. Meus seios pareciam

desesperados para que eu os livrasse do mínimo aperto do tecido

da blusa nos mamilos. Meu ventre pulsou. — Você mal acabou de


sair do banho e já está molhada?

O meio-sorriso que rasgou o rosto de Conrad foi minha


perdição.
Senti-me quente, fervendo, mas suspirei e tentando não

tremer, ergui a mão em sua direção de novo.

— Meu remédio — não era um pedido.

Parecendo se divertir, Conrad abriu o frasco com minha

calcinha enrolada em seus dedos, tirou um único comprimido e


colocou na minha mão.

— Quê? Não, quero o frasco — reclamei, quase batendo o pé.

— A regra é clara, só uma calcinha por um comprimido. Sinto

muito.

Quis bater nele, de um segundo para o outro.

— Então toda vez que eu precisar tomar meus remédios, vou

ter que te dar uma calcinha? — Cruzei os braços, furiosa. Mas ele
pareceu continuar vendo graça.

— Podemos negociar… Que tal uma tabela? Um beijo são


dois comprimidos, gozar na minha boca são cinco. Me deixar gozar

na sua são dez, me dar o cu vale um pote desse, cheio…

Cada proposta me fazia mais molhada e irritada, como isso era


possível?

— Pelo amor de Deus, você é impossível. — Tentei ser um


pouco racional. — Sai deste quarto, agora. — Tentei ordenar,
apontando para a porta, mas aquilo foi um erro.

Conrad se ergueu. Minha cabeça também se elevou para

acompanhar seus dois metros e quatro. Porra, cada centímetro

daquela vista valia a pena.

— Está me expulsando, Red?

Ouvi quando ele colocou os comprimidos no bolso e gaguejei


para responder.

— É-é. Você não pode fazer isso.

Ele deu um passo para frente e eu dois para trás.

Conrad se transformou em questão de segundos. Suas pupilas


dilatadas me diziam que não era uma boa ideia provocá-lo tanto,

ainda mais àquela hora do dia.

— Eu só saio daqui, depois de você. E digo mais. — Ele não


recuou e eu bati contra a parede ao lado da porta do banheiro.

Conrad colocou uma das mãos enormes bem ao lado da minha

cabeça e soprou contra o meu rosto. Hortelã, cigarros e amaciante.


Seu cheiro único, que me deixava enlouquecida. — Quero a porra

da chave da porta.

— C-como? — balbuciei, as pernas moles.


— É isso mesmo que você entendeu, Red. — Seu quadril
bateu contra o meu.

Péssimo momento para estar de saia e sem calcinha —


pensei.

— Você perdeu o juízo? — Encarei seus olhos, seu rosto


perfeito, o sadismo em tudo aquilo. — Não posso descer assim —

choraminguei.

— Bom… — Seu rosto se aproximou, sua boca tocou o alto da


minha bochecha esquerda. — Ou você faz o que mando. —

Enquanto seu lábio roçou por minha pele, na direção da minha

boca, um dos seus pés afastou minhas pernas uma da outra. — Ou


eu vou foder você aqui, agora. Feito a porra de um animal. E eu

juro, Scarlet. — Seus lábios roçaram os meus, tentei tocá-lo com


minha língua, mas fui ignorada enquanto sua mão livre envolvia meu

pescoço. — Se eu te pegar, vou fazer você gritar tanto e tão alto que
vão chamar a polícia.

Monstruosamente sedutor. Desgraçado de tão lindo.

Por um segundo, pensei: — Quem se importa com a polícia?

Engoli em seco minha vontade de desafiá-lo.


— Pense, que lindo vai ser o almoço de Natal da família Prince
ao som dos seus doces gritos, amor. — Seus dedos acariciaram
minha garganta e eu arfei.

— Ok. — Limpei a garganta, tendo certeza de que Conrad

seria capaz de fazer isso. — Eu vou. Eu vou — reforcei.

— Boa garota. E caso fique alguma dúvida, como fez de


manhã, isso é uma punição.

Conrad se afastou. Senti a pressão no meu ventre explodir,


mas calei a boca, sabendo que não podia enfrentar aquela guerra,
ainda mais naquele segundo, segui para o corredor. E molhada a

ponto de saber que estava escorrendo pelas minhas coxas, fui


expulsa do meu quarto, ciente de que aquele almoço não seria nada
do que eu tinha planejado.

Para o meu completo azar, quando chegamos ao andar de


baixo e seguimos para sala de jantar, os pratos já estavam
dispostos sobre a mesa farta e bem-enfeitada. Meu avô estava
sentado bem ao lado de John Prince que, como sempre, se sentou
na ponta.

Eu segui para frente do meu avô e Conrad ficou com a cadeira

livre entre mim e seu pai, mas assim que me ajeitei na cadeira e
contei os pratos, estranhei que havia mais três lugares à mesa.

John, esperto como era, explicou antes que eu pudesse

perguntar:

— Convidei Maressa e suas irmãs. Como perderam a mãe no


último verão, pensei ser uma boa ideia. E, pelo horário, elas devem

estar chegando.

Dito e feito, como se estivesse prevendo o futuro, as três


mulheres elegantes, altas, de pele preta retinta nos cumprimentaram
entrando na sala de jantar.

O almoço seguiu muito mais alegre do que eu pensei que


seria, ainda assim a preocupação sobre não ter comprado presentes
para as visitas inesperadas me atormentou. Minimamente, eu tinha

feito a minha parte e o exagero na quantidade de comida foi muito


bem-vindo. Logo a música ambiente junto do papo animado fez
aquela sala ganhar vida e tentei relevar, sabendo que Maressa

compreenderia minha surpresa.


John parecia satisfeito. Meu avô, pela primeira vez, não
parecia tão mal-humorado dentro da casa dos Prince. E Conrad, me

surpreendendo e assustando, tentou pegar minha mão sobre a


mesa. Eu recuei não uma, mas sim três vezes, e notei o incômodo
dele ao meu lado, bufando, ficando de mau humor pela minha

recusa.

O ar ao nosso redor pesou. Eu sabia que ele não gostava


daquela minha decisão, mas era muito errado para mim, virar para

família que me acolheu durante anos, que me viu namorar Isaac, de


repente, me ver com seu irmão, o qual eu tinha mais do que motivos
plausíveis para odiar.

Eu precisava preparar o terreno, mas ele não parecia nem um


pouco a fim de esperar por isso. E revoltado, não sei como ninguém
notou que ele largava a faca, mantendo só a mão no garfo em

movimento, colocava a outra sobre minha coxa.

Tentei ser discreta, soprei um não bem baixinho, mas Conrad


me ignorou.

Limpei a boca com o guardanapo de pano que estava no meu


colo e quando voltei a colocar lá, tentei afastar a mão de Conrad.

Ele me apertou com tanta força que doeu.


Engoli a vontade de gritar e o encarei com os olhos meio

arregalados, sendo o mais discreta possível, tentando entender o


que acontecia.

Mas fingindo plenitude absoluta, Conrad continuou a comer e

participar ativamente da conversa com uma das irmãs de Maressa


que era professora, enquanto a mesa se empenhava em discutir
sobre as diferenças das instituições de ensino francesas e

escocesas.

Todos estavam entretidos com o assunto, e ninguém sonhava


que, por baixo da mesa, Conrad afastava minhas coxas, me

beliscando quando tentava fechá-las.

Esse filho da puta não vai fazer isso.— tentei jurar para mim
mesma, mas caí feio quando seus dedos ganharam terreno por

baixo da saia.

Eu quis gritar.

Ergui as mangas da blusa, sentindo um calor desgraçado


mesmo com o ar-condicionado forte e o frio lá fora. Joguei os

cabelos para frente dos ombros e tentei esconder minha cara que,
eu sabia, começava a ficar vermelha.
Conforme dedilhava minha virilha, Conrad resvalou os dedos
por meus lábios externos e eu fingi estar muito concentrada em
cortar a carne em meu prato.

Ele me abriu.

Eu enterrei o garfo em uma batata.

Conrad esfregou minha boceta toda, preguiçosamente.

Enfiei o vegetal na boca, gemendo baixinho.

A irmã de Maressa, do outro lado da mesa, me encarou e

precisei me esforçar, tapando a boca cheia, falei:

— Essas batatas estão muito boas. É um tempero novo, prove.

Conrad disfarçou o riso e continuou me tocando.

Minha cadeira devia de estar manchada de tão molhada que

estava, e tocando o foda-se, sabendo que seria pior se não


deixasse, relaxei as pernas, deitando o corpo um pouquinho para
frente, dando livre acesso à sua mão.

Senti conforme ele me provocava mais, descendo até minha


entrada e circulando-a, voltava ameaçando se dedicar ao clitóris.

Comecei a suar.
— E você, Scarlet? — A chamada de Maressa me fez alerta e
apoiei os cotovelos na mesa, entrelaçando os dedos na frente do

rosto, tentando me esconder ao máximo. — Sei que aplicou para


várias faculdades na América, o que acha da diferença do ensino?

— Eu… — Tomei fôlego para falar, mas de propósito, Conrad


meteu um dedo em mim. Arfei e fingi um ataque de tosse. Mais um

dedo me invadiu. Fingi precisar de água. Ele parou como estava, só


esperando.

— Está tudo bem, querida? Parece estar suando… — ela me

perguntou.

— É só o tempero, não estou acostumada com tanta pimenta


— menti e vi todo mundo encarar os pratos enquanto Conrad mordia

os lábios e perdia o controle para um riso rápido.

Desgraçado.

— Não achei nada apimentado… — vovô comentou. — E eu


gosto de pimenta.

— É que ando um pouco sensível — menti, limpando a testa


com as costas das mãos conforme Conrad começava seu vaivém
dentro de mim.
Tão molhada, ele deslizava sem problema algum, me deixando
louca.

— Mas, sobre o ensino, né? — Tentei continuar o raciocínio. —


Eu acho que, pelo tamanho do país, lá eu teria mais chances.
Inclusive, ainda estou pensando em ir no ano que vem.

Conrad não sabia.

É claro que não sabia.

E eu me fodi por ele descobrir aquilo.

O filho da puta atacou meu clitóris sem dó. A cara fechada em

uma máscara.

Perverso, maldito, cruel.

Mimado.

E enquanto eu agradecia por John começar a falar das

vantagens que eu poderia ter em qualquer lugar na Europa se


mudasse de ideia e focasse em Medicina, os dedos de Conrad me
esfregaram sem dó, até que eu não conseguisse mais me controlar,

até que pensei que fosse explodir.

Meu ventre começou a se contrair, meus quadris queriam


ajudá-lo a trazer aquela sensação mais rápido, mas eu não podia!
Havia outras cinco pessoas na mesa, entre elas, meu avô. Deus do

céu, que sufoco — choraminguei em pensamento.

Entreabri a boca, tentando disfarçar a respiração


descontrolada. Cada mísera parte do meu corpo se tensionou,

queimou, ardeu. O formigamento ganhou espaço nas minhas veias,


e se todos calassem a boca, mesmo com a música de fundo, iam
ouvir o som dele me masturbando daquele jeito alucinante de tão

molhada que eu estava.

Não ia dar. Tentei empurrar a cadeira para trás, mas descobri


que seu pé me prendia ali.

Tentei me mexer na cadeira e tudo ficou pior.

Eu ia gozar em pleno almoço de Natal por culpa de Conrad e


ele não tinha o mínimo remorso. Pensei o mais rápido que podia, a
única chance era encher a boca com algo para evitar barulho, ou

causar uma cena.

Rápido demais, estiquei a mão na direção da jarra. Conrad,


contrariando todas as probabilidades, mostrou que podia sim ser

melhor e mais intenso e com a ponta dos dedos, acelerou o


movimento.

— Não é mesmo, Scarlet? — John falou e eu gritei a resposta.


— O QUÊ? — Ninguém entendeu nada já que, ao mesmo
tempo, Conrad não cedeu nem mesmo quando seu pai me chamou,
e não deu mais para segurar, fingir, aguentar. Eu gritei de prazer e

derrubei a jarra.

— Ah, meu deus… — Ofegante, gemendo baixo, me sentindo


melada demais, me agarrei na mesa enquanto todo mundo se

levantava, assustado. — Me-me desculpe — balbuciei, tentando me


controlar, e no meio da confusão, encarei Conrad.

Seus olhos no meu rosto eram uma mistura estranha de

fascínio e ódio.

Era quase uma mágoa.

Será que Conrad era burro o bastante para não perceber que
eu não iria a qualquer lugar sem ele?

Depois do momento constrangedor no almoço, Conrad se


afastou, avisando que ia fumar e eu tentei consertar a bagunça que
havia feito. Fui o mais agradável possível, tentei de verdade
compensar minha cabeça aérea e quando, finalmente, fomos todos
para a sala, John me chamou de canto.

— Está tudo bem entre você e Conrad?

Eu não esperava algo tão direto.

Lambi os lábios, incerta do que responder e, com toda a


sinceridade que eu podia oferecer naquele minuto, encarei os olhos

de John e assumi.

— Prometo que você será o primeiro a saber, mas, no


momento, eu também estou tentando entender…

— Compreendo. — Ele deu um meio-sorriso. — Neste caso,

boa sorte, e se puder, tente trazer meu filho para dentro. É hora de
trocar presentes.

— Pode deixar. — Dando uma piscadela para a figura paterna

mais próxima que tinha, atravessei a sala, deixando um beijo no


topo da cabeça do meu avô que estava sentado no sofá, e pegando
meu casaco vermelho, pendurado, passei pela porta de vidro e fui

para a imensidão branca que era o quintal.

O frio me envolveu de primeira e precisei apertar os olhos para


me proteger do vento.
Olhando em volta, Conrad não estava lá e eu estranhei. Saí

procurando por ele, e mais alguns passos para frente, eu o vi lá


longe, no meio do caminho até o portão, embaixo das árvores.

— Ei! — Chamei com a mão, mas ele ignorou completamente.

Vendo-me, Conrad soprou a fumaça para cima e voltou para o

outro lado, continuando a fumar.

— Porra — xinguei quando vi que ele continuaria a fingir que


eu não estava ali.

Tomando cuidado com o salto contra a neve, tremendo de frio,

fechei a cara e fui até ele.

— Conrad Prince! — gritei mais perto, acelerando o passo,


mas não fez a mínima diferença. — Caralho. — A passos de

distância, gritei mais alto, com as mãos em concha em volta da


boca: — CONRAD PRINCE! ESTOU FALANDO COM VOCÊ!

— O que é? — ele explodiu e, como uma bomba, me jogou

para trás.

Olhei meio sem entender como suas mãos podiam me


massacrar a cintura, mesmo com toda a roupa por cima quando

minhas costas bateram contra a árvore, mas lá estava ele, furioso,


tremendamente cruel, pronto para acabar comigo.
— Você ficou doido? — Não recuei. — Você não pode me

tocar daquele jeito, na mesa! — Tentei brigar, mas ele não se


abalou. Conrad continuou a ignorar o que eu dizia. — Você está

surdo?

Seus olhos estavam tão profundamente escuros que tive medo


de encará-lo por tanto tempo. As sobrancelhas grossas estavam
franzidas, os olhos, meio apertadinhos.

Conrad parecia prestes a me matar, ou me foder.

— Você — ele rosnou a palavra, ofegante, com os olhos nos


meus como se fosse me dilacerar. Tive medo e engoli meu

atrevimento conforme seu rosto veio para o meu. — É. Minha —


entredentes, quase como um animal, Conrad disse aquilo em uma
certeza tão absoluta que me fez engolir seco. — E você não vai

embora.

— Eu…

— Porra, Red! — ele xingou, mergulhando o rosto contra o


meu, com uma mão no meu queixo, me segurando com firmeza. —

Você não vai embora. — Seus lábios roçaram contra os meus


violentamente. Não era um beijo, era um reconhecimento de

território. — Você não pode ir.


— Conrad… — soprei contra sua boca, mas não tive tempo de
fazer mais nada.

— Você é minha.

— É — admiti, não sabendo se ria ou chorava. — Eu sou.

— Então pare de fugir. Pare de negar. E pare com essa ideia

absurda de ir para longe.

— Mas eu não vou. — Ele parou por alguns segundos,


analisando minha expressão, procurando a mentira lá.

Não encontrou.

— Não? — A dúvida trouxe luz aos seus olhos.

— Não. — Neguei com a cabeça. O coração martelando nos


ouvidos, o corpo aquecendo diante de toda aquela ansiedade. — Eu

juro. — Respirando com dificuldade, eu o abracei. — Eu sou sua.

Demorou alguns segundos até a dimensão daquilo tudo


diminuir, e quando ele afastou a cabeça da minha, a sensação no
meu corpo era a mesma de ter sido fodida.

— Precisamos entrar? — Sua voz sofrida me fez entender o


motivo da agonia.
Ele queria mais. E eu também. De algum jeito, parecia que só
colocaríamos as coisas no lugar daquela forma. Era um novo jeito
de consertar as coisas.

— Precisamos, mas… — Pensei. Havia coisas a resolver


antes. Coisas das quais Conrad tentaria correr, e eu não podia
deixar.

— Mas o quê? — Sua expressão fechou de novo.

— Seremos rápidos, ok? — Tentei acalmá-lo. — Porém eu não


me esqueci. Você ainda vai ver sua mãe hoje e eu estarei lá, com
você.
conrad

envie seus sonhos para onde ninguém se esconde. dê suas


lágrimas para a maré.

wait, M83

Não deixei Scarlet tirar a mão da minha quando atravessamos

o portal, e mesmo com medo, mesmo sentindo-a tremer, ela só me

deixou quando foi até a árvore de Natal.

Parei atrás do sofá, cruzando os braços, com uma guerra

dentro da cabeça, assistindo a ruiva tomar cuidado ao abaixar para


pegar seus presentes.

Ao meu pai, primeiro, ela entregou uma sacola.


Enquanto ela se distraía, busquei as minhas.

Sem muita proximidade, segui Scarlet e entreguei o presente

ao meu pai.

Ela já estava com seu avô, abrindo o que parecia ser um kit de
pesca.

— Feliz Natal. — Minha voz tinha pouca emoção nela, mas


John pareceu precisar conter algo na garganta. Olhou para o saco

de presentes, impressionado, e não esperou para abri-lo.

Deixei meu pai com seu novo relógio na mão e, depois de ser
forçado a um abraço meio desajeitado, segui para perto de Scarlet e

seu avô.

Escolher o presente do velho foi fácil. Comprei um porta-

retratos e Thomaz me ajudou a fazer uma montagem decente dele,

Scarlet e Susan.

Eu o devia algum alívio, alguma boa memória. E quando ele


desembalou o presente, ficou alguns minutos admirando em

silêncio, com a neta chorando, abraçada ao seu pescoço.

— Obrigado, rapaz. — Esticando a mão para mim, Charlie me

cumprimentou.
Não tinha o que falar. Eu o cumprimentei com a cabeça, em
um aceno mudo, e segui para perto da janela, esperando que a

conversa sussurrada de Scarlet com seu avô terminasse.

Então, cinco minutos depois, ela se ergueu e, limpando o

rosto, tomando fôlego, veio na minha direção.

Percebi que ela tentava pensar no que falar e, tentando fazer


daquilo o menos constrangedor possível, ofereci meu presente

primeiro.

— Feliz Natal, Red. — Scarlet parecia aérea.

— Tem mais? — Como uma criança, surpresa, seus olhos

verdes se arregalaram quando viu o que lhe oferecia.

Não aguentei e abri um meio-sorriso.

— E, pode não ser o último — sussurrei, cheio de segundas

intenções.

— Natal virou minha data favorita do ano — Scarlet disse cheia


de inocência enquanto abria o pequeno embrulho.

— Conrad? — Vendo a caixinha de joias, ela parou, engolindo

seco e me encarou como se eu fosse louco antes de abri-la,

revelando o anel prateado cheio de ônix e esmeralda. — O que é

isso?
— Somos nós. — Peguei a caixinha de suas mãos que

tremiam, tirei o anel de dentro e, pegando sua mão esquerda,


encaixei em seu dedo anelar, reforçando em um tom de voz baixo

que só ela ouviu: — Você é minha.

Scarlet lambeu o lábio inferior e o mordeu com força, se

segurando muito para não se jogar nos meus braços. Mal sabia ela
que meu esforço era ainda maior para não a beijar ali mesmo,

independente da plateia.

— Obrigada — ela soprou enquanto olhava admirada para a


joia em sua mão. — Eu amei.

Demorou algum tempo para ela conseguir se recuperar.

Eu adorei assistir.

Mas logo, Scarlet limpou o rosto, tentando não borrar a


maquiagem, e disse, enquanto ria:

— Meu presente nem se compara ao seu. — Estendendo a


sacola, ela deu de ombros e justificou antes de eu ver o que era. —

Era uma maneira sutil de bater em você. Tem todos os meus trechos
favoritos destacados.

Retirei uma edição nova de Orgulho e Preconceito do papel e


sorri.
Achava que Darcy e Elizabeth eram um sinal de esperança

mais firme e duradouro do que Heathcliff e Catherine.

— Obrigado, amor. — A palavra saiu com tanta naturalidade


que foi uma surpresa.

Para mim e para ela.

Nós nos encaramos em silêncio por um tempo e, sabendo que


o final daquele dia ainda reservava muita coisa, Scarlet sacudiu de

leve a cabeça, como se voltasse para a realidade, e engoliu em


seco.

— A gente pode ir?

Queria dizer não. Inventar um bilhão de desculpas.

Queria fugir.

Mas cruzei os braços, desconfortável, e fiz que sim com a


cabeça.

— Ótimo. Só vou me despedir.

— Te espero no carro.
A primeira coisa que fiz quando Scarlet entrou no meu carro foi

pegar seu rosto entre minhas mãos e beijá-la. Intensamente.


Desesperadamente.

Aquilo não era confortável. Sentir tanta necessidade de

alguém, sentir falta mesmo com a pessoa em frente aos meus


olhos. A única coisa que acalmou meu coração foi ver que, toda
aquela confusão, aquele caos, era correspondido.

— Senti sua falta, Red — murmurei contra seus lábios.

— Sinto a sua o tempo todo. — A resposta não podia me

deixar mais feliz. — Mas precisamos ir. — Selando os lábios nos


meus, Scarlet se afastou e não me deixou escolha.

Quando saímos pelo portão da mansão, pensei em um bilhão


de desculpas para fugir daquela situação, mas quando parei em

frente à casa da minha mãe, nenhuma pareceu forte o bastante para


convencer Scarlet.

Suspirei, olhando para fora pelo vidro fumê, e desliguei o carro.

— Podemos esperar até depois do Ano Novo? — Tentei.

— Não. Vocês dois precisam disso, e precisam logo. — Ela já


soltava o cinto de segurança e colocava a mão na porta. — Vamos
lá. É sua mãe, não um monstro, amor.

Naquele momento, eu não sabia muito bem diferenciar uma

coisa da outra, mas imitei Scarlet e saí do carro, encarando a porta


por onde entraríamos, me sentindo a porra de um covarde.

Foi Scarlet quem teve coragem de tocar a campainha. Quando

a voz da minha mãe respondeu no interfone, suspirei, pensando em


desistir pela milésima vez.

— Quem é?

— Caroline, Oi. Sou Scarlet, se lembra de mim? Estou com

Conrad. Podemos subir?

Rezei para ela dizer não, mas o barulho que ouvi foi o da trava

elétrica abrindo a porta.

— Obrigada — Scarlet respondeu para o interfone, mas não

houve resposta.

A ruiva me ofereceu a mão e, quando a peguei, me guiou para

dentro.

Fechei a porta e, tentando não pensar muito, subi os degraus,

um a um, atrás dela.

A visão das pernas de Scarlet ajudou. Minha cabeça tinha


maneiras muito sujas de fugir das coisas que me perturbavam e, por
causa disso, senti pena da garota à minha frente.

Ainda pensando em maneiras de fazer Scarlet se esquecer

daquilo, de me afundar tão profundamente dentro dela, foi

arrancada de qualquer pensamento leviano, quando, nos


esperando com uma fresta da porta aberta, minha mãe nos

encarava, desconfiada, parecendo com medo, sem acreditar que eu

realmente estava ali.

Nós nos encaramos por um minuto inteiro em silêncio, então

Scarlett o quebrou.

— Podemos entrar? — Seu tom gentil não me contaminou.

Minha mãe não respondeu, mas abriu a porta, em um claro

sinal de que nos queria dentro.

Scarlet foi a primeira a entrar. Pensei em desistir mais uma

vez, mas com ela lá dentro, não podia ser tão covarde. Meti as
mãos dentro dos bolsos, sentindo meu isqueiro lá no fundo, e

acariciando a caixinha de metal, passei pela porta na maior

distância física que podia da mulher que havia me colocado no

mundo.

— Oi… — Minha mãe tentou me cumprimentar, mas a ignorei

olhando para a janela da sala, suspirando, demonstrando o meu


desagrado por estar ali.

A porta se fechou às nossas costas, e Caroline, meio perdida

nos vendo em volta de sua mesa de jantar, perguntou, meio


insegura:

— Vocês querem beber alguma coisa?

— Não. — A palavra saiu da minha boca de forma mais

grosseira e fria do que eu esperava.

Minha mãe esfregou os braços, visivelmente desconfortável, e

perguntou:

— Como você passou o Natal, filho?

— Bem. — Eu ainda não conseguia olhar nos seus olhos.

— Que bom. Eu passei aqui. Sozinha. — A maneira como ela

quis se justificar me fez dar um sorriso amargo.

Eu não acreditava.

— Sozinha? — A ironia me ganhou em segundos quando,

finalmente, encarei minha mãe. Seu rosto era uma mistura de


tristeza e vergonha. — Tem certeza?

Scarlet, ao meu lado, mordeu os lábios, obrigando-se a calar a


boca.
— Conrad, o que você viu aquele dia… — Ela bem que tentou

me enrolar, mas não permiti.

— Prova que você é completamente diferente do que eu

acreditei. — Minhas palavras foram quase como um tapa em seu


rosto.

— Filho, eu… — Dando um passo na minha direção, ela parou

do outro lado da mesa.

— Me viu crescer sendo espancado. Quase morrendo.

Miserável. E mentiu.

— Não é isso… — ela choramingou, as mãos foram para o

rosto, mas não a poupei.

A raiva aquecia meu peito de uma maneira tão brutal que me

senti dentro do próprio inferno.

— Me conte, Caroline. Você ficou feliz quando fui embora?

Porque, ganhou uma casa nova muito melhor do que a antiga. —

Tirei a mão do bolso para indicar o ambiente. — Continuou com a

pensão que meu pai já te dava, com o dinheiro que eu mandava…


— Meu tom de voz foi ficando cada vez mais cruel. — Você tem

ideia das coisas que fiz por você? De como, depois de espancado,
praticamente torturado, eu sacrifiquei tudo o que tinha naquela

época por sua causa, pelo seu futuro e segurança?

— Eu nunca quis que você passasse por nada disso, Conrad!


— Seu tom desesperado era de quem não queria mais ouvir.

Perdendo a paciência, eu gritei:

— MAS FEZ! — Empurrei a cadeira na minha frente, num

acesso de raiva, e bati na mesa, me curvando para ela como um

animal. — Você se fazia de coitada, me fez acreditar que precisava

ser a porra do seu super-herói, mãe! VOCÊ ACABOU COMIGO, EM


TROCA DO QUÊ? De uma boa foda? — A palavra a ofendeu. — De

migalhas do que você pensa que é amor?

— Você não entende — chorando, ela tentou se defender,

enquanto negava com a cabeça.

— Então tente explicar. Tente me trazer algum bom argumento


que justifique tudo o que fez.

— Eu não tinha amor, Conrad. Seu pai me transformou em


uma leprosa. Sabe o que é ter um filho de John Prince?

— Então a culpa é minha? — Aquilo era o mais absurdo de

tudo.
— Não. Mas Philip foi bom para mim, ele… — Ela se enrolou.

— Ele sóbrio era bom. — Sua voz quase sumiu.

— E isso durou quanto tempo? Porque, desde que nós

mudamos para debaixo do teto dele, eu não consigo me lembrar

nem de ele sóbrio, nem de um bom tempo entre vocês.

— Pare, Conrad! — Tapando as orelhas, Caroline balançou a

cabeça enquanto chorava. — Pare de me torturar. Eu sou sua mãe!

— Não, você é uma estranha — vociferei. — E tem mais,

quero saber onde é que o dinheiro que meu pai te deu, por todos

esses anos, foi parar. — Os olhos dela se arregalaram ainda mais.

Um tom de azul opaco e sem vida, triste demais de se ver.

Caroline não tinha uma resposta para me dar.

Nunca teria.

Tudo o que eu tinha dado, tudo o que tinha feito para a minha

mãe, foi em prol de uma pessoa que não existia. Foi para a ilusão

que montei dela como coitada na minha cabeça.

E ali, descobri que quando você vê alguém como coitada, você

realmente acredita que ela nunca vai sair daquela merda toda. Você

acredita que ela é incapaz.


E, mais do que nunca, eu sabia que todo mundo era
responsável por si.

Pelas próprias escolhas. E que, cedo ou tarde, colheria as


consequências.

Ver que minha mãe se recusava a ver o que eu via, me


enfureceu.

Minha vontade foi de quebrar tudo.

A mão de Scarlet no meu ombro foi a única coisa que me

impediu.

— Escute — soltei com raiva, encarando minhas mãos sobre a


madeira. — É a última vez que venho aqui. É a última vez que quero

falar com você, porque isso só prova que eu não te conheço, e se

essa é você, acredite, é alguém que eu não quero conhecer. — O ar


nos meus pulmões machucava, mas mesmo brigando com as

lágrimas, deixei que elas descessem enquanto continuava meu


discurso: — Estou tentando entender que, o que você tinha para me
oferecer, era isso. Que, se você dizia me amar, e permitiu que eu

vivesse nesse mar de merda, o modo como se trata deve ser ainda
pior. A diferença aqui, mãe, é que eu sei o que quero, o quanto
valho, e me recuso a aceitar menos, mesmo que seja de você.
Espero que você e meu pai continuem nos bons termos, que o
dinheiro que te dei por todos esses anos a mantenha na velhice,
porque de mim, não espere mais nada. Não sou mais um garoto

assustado e você deveria saber que, um dia, eu descobriria.

— Conrad, você é o que mais amo no mundo.

— Não. Você ama o que eu pude te dar, mas estou cansado


disso, mãe. Não quero mais ser a porra do herói de ninguém. Se

você acha que vai ser feliz com Philip, se é esse o tipo de coisa que
se vê disposta a acreditar que merece, vá em frente. Eu não te
perdoo. Eu não consigo. Não agora. Mas acredito que deve ser

muito pior ser você, deitando a cabeça tarde da noite no travesseiro,


sabendo que falhou em tudo.

— O que quer dizer?

— O óbvio. Que não sou como você e me orgulho disso. Tenha


uma boa vida, Caroline.

A adrenalina me consumiu.

Meu peito doeu quando saí pela porta.

Scarlet não me seguiu, mas eu não conseguia mais ficar.

Definitivamente, eu tinha muito mais para falar.


Queria dilacerar minha mãe viva. Que o remorso e a dor a
fizessem acordar para a vida.

Mas ela tinha quarenta anos. Não era mais uma criança.

E eu não tinha responsabilidade sobre ela.

scarlet

Ver como a relação entre aqueles dois se acabou, doeu.

Não consegui segurar o choro ao ouvir tudo o que Conrad

sentia, e sabia que aquela era a forma resumida. Era triste ver que
Caroline não se dava conta do que tinha feito, do que tinha perdido,

do que ia perder.

Eu o vi saindo pela porta, mas não consegui ir atrás.

Senti algo preso na minha garganta, uma obrigação, uma


necessidade, e limpei as lágrimas do rosto, limpando a garganta,
antes de ver mulher desolada na porta, vendo que seu filho não
voltaria

— Você o perdeu, Caroline — precisei avisar, e ela se virou


para mim, sem acreditar, sem entender a proporção das coisas.

— E como o recupero?

— Não faço ideia. — Neguei com a cabeça, encolhendo os

ombros e soltei o que tinha preso no coração: — Não tenho uma


mãe, e não sou mãe. Não sei dizer o impacto desse amor, só
conheço a minha ideia do que que vai ser um dia…

Chocando-me um pouco, Caroline assumiu em um sussurro:

— Eu nunca quis ser mãe. — O choque de ouvir o que dizia


em voz alta fez seus olhos azuis grudarem no meu rosto, sedentos

por continuar: — Quando engravidei de Conrad, pensei em tirar.

— Por que não fez?

— Porque, como você, eu achei que esse amor me salvaria. —


Seu sorriso foi triste. — Eu queria alguém para mim. Conrad foi essa

pessoa. Era a minha pessoinha. Mas, ainda assim, ele não supria o
que precisava. Quando Philip apareceu, eu realmente acreditei que
pudesse ser feliz, que pudesse ter uma família, que me sentiria

como uma mulher completa, mas a quem eu queria enganar? Pouco


tempo, depois o vício dele com a bebida acabou com tudo, eu

despejei a minha frustração no lugar errado e acabei com a vida do


meu filho… — As lágrimas voltaram a jorrar dos seus olhos
conforme ela se colocava como a pior pessoa do mundo.

— Não. — Neguei, tirando ela daquele lugar. — Eu prefiro


acreditar que você só estava perdida. Prefiro acreditar que você era
uma jovem sem estrutura, que ninguém deu a mão e que,

infelizmente, se perdeu no caminho. — Suspirei pesado e limpei a


última lágrima escorrendo no meu rosto. — E eu não concordo com
o discurso de Conrad. Eu não acho que você seja um completo

monstro, Caroline, mas acredito sim que você precisa se atentar às


consequências das suas escolhas. Philip pode estar sóbrio e pode
ser uma pessoa completamente diferente, mas o que ele fez no

passado, e como fez, sinceramente, eu não seria capaz de perdoá-


lo.

— Meu filho matou sua irmã e você o perdoou —

violentamente, ela jogou contra minha cara.

Foi o primeiro teste.

Respirei fundo, ponderando e, depois de um minuto, eu a

respondi:
— E vou colher as consequências disso. Estou pronta para
isso. Mas e você? Estava pronta para hoje? — O olhar perdido dela
me respondeu que não. — Fique bem, Caroline.

Aquela foi a nossa despedida.

Quando eu desci as escadas, entendi que não dava para julgar


ninguém. Não dava para ditar o certo e errado na vida alheia, até
porque, na hora do purgatório, o julgamento seria individual.
conrad

e eu desistiria da eternidade para te tocar, pois eu sei que você me


sente de alguma forma. você é o mais próximo que estarei do
paraíso e eu não quero ir para casa agora. e tudo que posso sentir é

este momento. e tudo que posso respirar é a sua vida. e cedo ou


tarde isso acabará, eu só não quero sentir sua falta esta noite. e eu

não quero que o mundo me veja porque eu não acho que eles

entenderiam, quando tudo é feito para ser quebrado, eu só quero


que você saiba quem sou.

iris, goo goo dolls.

Scarlet desceu pouco depois de mim.


Cada segundo sem ela me pareceu uma eternidade.

O carro já estava ligado quando ela entrou. Meu vidro aberto,

minha mão com o cigarro para fora.

A garota entrou, deu um suspiro e, antes que eu pudesse sair,


se curvou para pegar um cigarro meu também, o acendeu, tragou e

soprou pela fresta em sua janela.

Aquela porra tinha sido intensa. Para os dois.

E quando saí da vaga, ficamos em completo silêncio até eu

fazer a digestão do que precisava falar, do que precisava entender.


Isso aconteceu depois de ela me oferecer o terceiro cigarro. Depois

de, sem entender o porquê, eu parar o carro no acostamento perto

da entrada do velho moinho, como anos atrás.

— Maldita memória afetiva — xinguei, desligando o carro e

colocando o banco para trás, me encostei completamente no banco

e encarei o teto.

— O que você está pensando? — Scarlet pegou seu quarto

cigarro.

— Que você tinha parado de fumar. — Observei de canto

como era sensual pra caralho o modo como ela dava a primeira

tragada.
— Sabe como é — ela segurou a fumaça nos pulmões e então
soltou pelo canto da boca —, uma vez viciada, sempre viciada.

— O que você está pensando? — indaguei.

— Em como sua mãe não se deu conta do que aconteceu, em

como você aguentou tanto. — O lábio inferior de Scarlet tremeu

quando ela desviou os olhos para o vidro da frente, claramente


segurando o choro. — Eu nunca vou me esquecer de como te vi

aquele dia. Nunca vou conseguir apagar a sensação de impotência,

de achar que, pela primeira vez na vida, eu seria capaz de matar

alguém… — Sua voz era baixa, mas seu tom poderoso.

Aquilo só me deixou mais louco.

Não consegui me controlar. Meus olhos vagaram da sua boca

para as coxas descobertas, para o lembrete de que, por baixo

daquela saia, Scarlet não usava nada, e antes que ela se desse

conta, eu a puxei pela nuca.

— Ei. — Houve uma tentativa de protesto, mas cobri sua boca

com a minha. Sua língua tinha o mesmo gosto da minha e eu a


obriguei vir para o meu colo. — Conrad, porra! — ela xingou,

tentando afastar o rosto do meu, tentando fugir depois de jogar o

cigarro que mal tinha acendido pela minha janela.


Foram dois minutos de completo caos, enquanto eu teimava

em encaixar Scarlet no meu colo e ela tentava me afastar, suas


mãos contra meu peito me empurravam, mas quanto mais ela fazia

aquilo, mais eu precisava tentar convencê-la.

— CONRAD, PORRA, PARA! — ela gritou, me segurando pelo

colarinho da camiseta depois de dar um tapa na minha cara,


parecendo assustada. Encarar seu rosto assim tão de perto, tão

assustado, me fez sentir-me um merda.

Eu não queria parar.

Eu não queria sentir.

Eu não queria pensar.

Eu só queria matar aquela merda dentro de mim, e eu só

conhecia um jeito de fazer.

Nossas respirações bateram uma contra a outra. Scarlet não


me largou, não me afastou. E enquanto começava a me acalmar, a
vontade de chorar cresceu tanto na minha garganta que me

sufocou.

Quando dei por mim, estava gritando, com o rosto enfiado


contra o peito dela, sendo abraçado por Scarlet, enquanto molhava
sua blusa com as lágrimas mais intensas, raivosas e dolorosas que

já havia produzido na vida.

— Shhhhhh, isso. — Ela acariciou meu rosto, meu cabelo,


minhas costas. — Coloque pra fora, não guarda.

E me ninando, se balançando junto de mim de levinho, Scarlet


me acolheu até eu parar de tremer. Até aquela sensação sufocante

passar. Até tudo em mim parecer morrer.

— Me desculpe, Red — pedi, envergonhado, segurando-a


contra mim sem a mínima coragem de olhá-la nos olhos.

— Não precisa se desculpar, mas… O que foi isso?

Ri sem graça, me achando a porra de um desgraçado.

— Isso é a merda da cicatriz interna que eu tenho. Lembra?


Das feias? Então, essa é a minha. — Liberei uma mão para limpar

meu rosto e, aos poucos, me afastei dela e me encostei de volta ao


banco. — Eu não sei ser leve, Red. — Encarei Scarlet,
envergonhado, surpreso pela bondade em seu rosto. — Não sei ser

de boa na hora de transar, porque sexo pra mim é escape, é a


merda da única fuga que resolve.

— Não dá pra resolver tudo com sexo, Conrad — ela declarou

como se eu fosse uma criança.


— Você ficaria impressionada como dá — insisti.

— Não — Scarlet negou. — Você pode tentar camuflar, mas

não vai resolver. É a mesma coisa sobre suas tatuagens. É


camuflagem.

Engoli em seco.

— Quer saber um segredo?

— Conte.

— Sabe por que não fechei as costas? Por que não cobri
aquelas marcas?

Scarlet esperou ansiosamente pela revelação.

— Porque não quero esquecer que há feridas que nunca se


curam, mesmo que pareçam cicatrizadas. Porque, não quero

esquecer que, não há beleza perfeita, ninguém pode ter tudo, Red.
Nem eu, nem você. — Seus olhos nublaram, confusos. — É

simples. — Encaixei uma das mãos em seu pescoço e a acariciei o


rosto. — Você não estaria aqui se não fosse tão quebrada também.
Não conseguiria se encaixar em mim se não fosse. E, ainda assim,

você é a coisa mais perfeita, e linda do mundo. Quem desconfiaria


que, alguém como você, poderia amar alguém como eu?

Os olhos de Scarlet sorriram nos meus.


— Como eu não poderia? — Ela se curvou, tocando minha
testa na sua. — Como poderia dizer que toda ferida é eterna se, de
um jeito torto e errado, descobri que posso me curar?

— Como? — Fechei os olhos, aspirando o cheiro dela, a última

lágrima escorreu.

— Com você. — E então eu abri os olhos e a enxerguei.

Enxerguei a menina pela qual eu me apaixonei.

A garota pela qual decidi lutar.

A mulher pela qual escolhi viver.

— Eu te amo — sussurrei contra sua boca.

— Eu te amo — ela respondeu tão certa, tão pronta, que

escorreguei a língua por seus lábios e avisei.

— Quero foder você.

Surpreendendo-me, Scarlet se afastou e eu recuei também,

não sabendo se tinha feito alguma merda.

— Hoje não.

Quase fiquei triste, mas então, ela me confundiu quando

apertou o botão para fechar os vidros do carro, e começou a tirar a


blusa, exibindo os seios bem na minha frente.
Que porra era aquela?

Engoli em seco.

Aquilo nunca parecia ficar menos impressionante.

— Vamos fazer amor — Scarlet anunciou tão certa que eu quis

rir.

— Não sei fazer assim, Red.

Então ela se curvou, o rosto de volta ao meu, mas dessa vez


beijando minha testa, minhas têmporas, minhas bochechas e a

ponta do meu nariz antes de tocar os lábios nos meus.

— Então relaxe, porque é minha vez de te ensinar.

Suspirei, engolindo a vontade de chorar, quando ela me beijou

como se fosse a primeira vez.

Suave, calma, apaixonada.

Ela.

E então não houve nada além.

Sua boca era um bálsamo. Não havia beijo melhor e eu deixei


que ela me guiasse, sem arrependimento algum quando Scarlet

lentamente moveu a cabeça, dançando com minha língua contra a

sua e gemeu baixinho ao se encaixar direito no meu colo.


Engoli seu suspiro, bebi da tortura de saber que, sob aquela

saia não havia nada, e que a única coisa que nos separava agora

eram minhas roupas.

Contive-me.

Segurei com firmeza em sua cintura, acariciei suas costas, e


conforme ela começou a se roçar contra mim, me deixando duro pra

caralho, arfando contra minha boca, liberei seus lábios e desci por

seu pescoço.

Scarlet segurou com firmeza nos meus ombros e depois

seguiu para acariciar minha nuca, meus cabelos, guiando meu rosto

para onde ela queria ser beijada, e pouco a pouco, como ela
comandava, seu seio estava na minha boca, um dos bicos duro

contra minha língua, e eu não resisti.

Suguei intensamente, mordisquei e provoquei, ganhando dela

mais atrito, mais gemidos.

Ela balbuciou meu nome uma porção de vezes, incentivando,


pedindo mais.

Sem tirar a boca de seu corpo, com uma das mãos desci um
pouco meu banco e fiquei mais inclinado, voltando as mãos para as
coxas de Scarlet, erguendo a saia ridiculamente pequena, enchendo

as mãos em sua bunda, forçando-a contra mim.

Apreciei a vista de Scarlet gemendo de olhos fechados, se

contorcendo no meu colo.

Se a boceta dela estivesse como mais cedo, puta que pariu, eu

estaria perdido, e como se lesse meus pensamentos, ela abriu os

olhos.

Scarlet ergueu melhor a saia e me obrigou a afastar a boca de

seu seio.

Eu o fiz em uma última sugada que arrancou dela um gritinho e

um meio-sorriso.

— Calma — pediu com a voz baixa e ergueu os quadris. —

Consegue abaixar suas calças?

Se ela quisesse, eu poderia tacar fogo nelas.

Abri o botão com agilidade junto do zíper e me livrei da cueca

junto, descendo a roupa na altura dos joelhos. Transar no carro era


um caralho, limitava os movimentos, mas com Scarlet parecia

funcionar.

Seu sorriso devasso ao me ver duro quase acabou comigo.


— Está assim por mim, amor? — ela provocou quando, com

ambas as mãos, me segurou com firmeza e me encarou ao começar

a me masturbar.

— Porra — xinguei, confirmando com a cabeça, resistindo a

vontade de fechar os olhos.

Scarlet tombou o corpo para frente, encaixando o rosto no meu

pescoço e, me mordendo devagar e beijando o caminho até minha

orelha, soprou:

— Acho que você deveria conferir como me deixa molhada

também. Acho que deveria meter seus dedos em mim como fez

mais cedo, que deveria me fazer gemer, assim, bem aqui…

Não esperei um segundo convite, e enquanto ela me tocava,

eu fiz o mesmo com ela.

Scarlet melou minha mão toda quando a tateei. Os lábios

externos estavam lambuzados por todo aquele esfrega-esfrega, e os

internos, inchados, fizeram-na tremer quando os acariciei.

O primeiro gemido baixinho veio soprado contra minha pele.

Suas mãos também ganharam ritmo.

Minha respiração acelerou.

Eu resolvi torturá-la também.


Desci o dedo médio até a entrada de Scarlet e a circulei

algumas vezes, esfregando-a ali, fazendo com que ela rebolasse


contra meu dedo, achando que eu fosse penetrá-la. Mas, molhado

dela, subi, abrindo sua boceta com a ponta dos dedos e acertei seu

clitóris.

Ela gemeu mais alto.

Apertou-me meio sem jeito e descansou a testa contra o meu


ombro.

— O que foi, amor? — Continuei o movimento, os quadris dela

dançando contra minha mão, seu controle indo embora.

— Isso é tão bom… — ela ronronou, esfregando o rosto contra

meu pescoço, me cheirando, lambendo, mordendo. — Não pare, por


favor, não pare — o pedido feito entre gemidos me ganhou.

Nem me importei dela parar de me tocar.

Naquele segundo, era ela quem me importava, e quando a vi

se acostumar com o que fazia, quebrei o ritmo, escorregando de

volta para sua entrada, dessa vez, enfiando dois dedos dentro de
Scarlet, fazendo-a jogar o corpo para trás enquanto dava o gemido

mais alto, até então.


Seu rosto voltou para o meu. Minha mão livre se encaixou em
seu rosto.

Os olhos verdes, entreabertos, pesados de tesão ficaram


presos nos meus. Sua boca na minha chupou meu lábio inferior,

antes de suplicar entre a respiração entrecortada, ofegante:

— Conrad — ela engoliu com dificuldade —, dentro de mim.

Agora — era uma ordem.

Scarlet ajeitou os quadris, eu segurei em sua bunda e parei por


um minuto.

— Amor, a camisinha…

— Foda-se essa merda. — Quis rir dela falando daquele jeito.

— Não gosto. Quero você assim. — E, fodendo com tudo, me

fazendo ver estrela, Scarlet tomou conta do que faríamos, me


impedindo de fazê-la mudar de ideia quando esfregou a cabeça do

meu pau contra sua boceta toda e, quando atingiu sua entrada,
sentou de vez.

Meu corpo amoleceu por um segundo.

— Puta que pariu — xinguei, abraçando seu corpo, segurando-

a no lugar, esperando aquele efeito maldito de ser apertado


enquanto ela pulsava ao se acostumar comigo passar.
Scarlet não queria esperar.

— Preciso gozar fora — avisei, mas ela não ligou.

Começou por conta e risco a cavalgar, escorrendo tanto sobre


meu pau, tão molhada, que sentia escorrendo por minhas bolas.

Aquilo era difícil de conter. A visão dos seus seios pulando,


excitados. A maneira como ela me olhava, sua boca entreaberta,
gemendo.

Era uma overdose dela, da sua boceta, do seu cheiro.

E tudo piorou quando ela apoiou a mão no banco do carro e se


afastou um pouco mais, me dando a visão completa de sua boceta

engolindo meu pau.

Pulsei dentro dela com tanta intensidade que ela sentiu. E


gostou.

A filha da mãe desceu uma das mãos para se tocar enquanto

continuava a mexer os quadris naquele ritmo e, então, piorou tudo


quando, me vendo completamente rendido, ela pediu:

— Quero gozar com você dentro.

— Não. — Neguei com a cabeça, sentindo o suor se acumular

na minha testa por tanto esforço.

— Sim. — Scarlet não estava me pedindo permissão.


Ela se deitou contra o volante que, por sorte, com as
modificações que eu havia feito, não tinha a buzina no lugar
tradicional. Seus peitos dançaram na minha frente e não resisti.

Cheirei sua pele, lambi e mordisquei.

Se era amor que ela queria, era amor que teria.

E ali, em seu seio, dentro dela, no momento mais íntimo e

fodido que poderíamos ter, recitei, marcando aquelas palavras em


seu corpo:

— Em vão tenho lutado comigo mesmo — a mordisquei sob o


seio direito — nada consegui. — Lambi com a língua mais rígida o

círculo rosado e o suguei uma vez. — Meus sentimentos não podem


ser reprimidos. — Mantive as mãos na bunda de Scarlet e a puxei
melhor para o meu colo, apoiando os pés no chão, puxei-a para

mim, fazendo com que deitasse contra meu corpo, tendo total
controle da profundidade das estocadas. — E preciso que me

permita dizer-lhe — me forcei de uma vez só, escorregando para


dentro dela até o fundo, ganhando um grito da garota que parecia
ferver, e me queimava junto — que eu a admiro e a amo

ardentemente.[12]
— Conrad, eu… — Ela até tentou avisar, mas era tarde
demais.

E no complexo da beleza exuberante da ruiva e do tesão,


enquanto o sol se punha atrás de nós, eu a tive me comprimindo,
me massacrando, pulsando em volta de mim, e depois de mais duas

investidas contra sua boceta, apertada e tão molhada que escorria,


eu gozei fundo, dentro dela, sem arrependimentos. Gemendo seu
nome e uma porção de declarações que não tinha mais vergonha de

fazer.

Passado o cataclisma, Scarlet deitou sobre mim. Suada,


cansada, mas feliz.

Abraçando-me e beijando meu peito, ainda tremendo, ainda


quente.

Eu sabia que quando saísse dela, meu gozo e o seu


escorreriam por suas pernas e, como a porra de um doente, fiquei

excitado.

— Qual a chance de repetirmos? — Acariciei suas costas,


sabendo que, talvez, estava amaldiçoado a sempre ser assim. Ela

me bastava, mas eu nunca me satisfaria o suficiente para não a


querer de novo.
— Quando você comprar um carro maior. — Ela tremeu contra

o meu peito, rindo, e achando que estava brincando, se esticou para


beijar minha boca.

— Eu te amo, Conrad Prince. — A confissão feita com um

sorriso nos lábios me ganhou. — E você não pode usar dos meus
livros favoritos para fazer isso ficar pior do que já é.

— Eu sempre posso fazer ficar pior. É um dom. — Acariciei

seu rosto. — E agora tenho um livro cheio das suas citações


favoritas…

Ela suspirou e se aconchegou no meu peito.

— Ainda bem que eu gosto de vários livros, assim isso pode

durar para sempre.

Para sempre.

Aquelas palavras pesaram no meu peito.

Eu gostei.
— Escute — chamei por ela da janela, depois de ganhar
alguns tapas para deixá-la descer. Scarlet, voltou e, segurando a
saia para cobrir a bunda, se abaixou.

— O que é? — O sorriso venceu seu esforço de segurá-lo.

— Quero que fique com isso. — Respirando fundo, cacei meu


isqueiro no bolso e ofereci.

Seus olhos foram para o objeto e, quando entendeu o que era,

se arregalaram.

— Por que está fazendo isso? Eu sei que é algo importante


para você…

— E uma prova de que venho ver você em breve.

Scarlet sorriu tão abertamente que não pude não sorrir de


volta.

— Te espero. — Ela roubou o isqueiro dos meus dedos. —

Não demore.

— Não vou.

Quando deixei os portões da mansão Prince, ela ainda estava


lá, na neve, acenando.
Por um minuto, me deu uma vontade do caralho de dividir o
teto com meu pai.
conrad

em algum lugar no final, seremos todos loucos por acreditarmos que


uma luz poderia nos salvar do túmulo que está no fim de toda essa
dor.

house on a hill, the pretty reckless

Era estranho eu querer tanto ser comum?

A vida toda procurei o que me tornasse extraordinário, que


fosse digno de ser temido ou admirado. Mas, depois de tudo aquilo

com Scarlet, uma possível boa convivência com meu pai, apesar de
tudo, e toda a merda com minha mãe, eu só queria ser

absolutamente comum. Isso não parecia tão ruim agora.


Pelo menos, eu pensei que não, até atravessar os corredores

vazios da faculdade, até encontrar a porta do meu quarto


arrombada.

— Que porra aconteceu aqui? — A maçaneta estourada foi só


o começo.

Minha cama estava revirada, minhas gavetas todas pelo chão.

Papéis, documentos, livros, tudo uma verdadeira bagunça.

Mas meu pior pesadelo foi virar e ver as portas do closet

abertas.

Minhas roupas jogadas.

O fundo falso aberto.

— Caralho, não, não, não! — Meus passos rápidos não

acompanharam a revolta que cresceu no meu peito ao encontrar o

laboratório vazio, meus instrumentos quebrados e uma quantidade

escrota de de Star e Supernova, desaparecidas.

Não tive o que fazer.

Meus dedos foram rápidos no telefone.

— Filho? — meu pai atendeu, meio sonolento.


— Levanta. Fodeu. — Desesperado, girei no lugar, vendo toda
a bagunça em volta enquanto passava a mão livre nos cabelos.

— O que foi?

— Entraram aqui. Levaram tudo.

O barulho do outro lado da ligação denunciou que ele se


levantava.

— O que quer dizer com tudo?

— Tudo, porra. Entraram no meu quarto, não tem mais nada

aqui. Meu laboratório está destruído, minhas coisas… — Quis gritar

de raiva e soquei a madeira do fundo falso que ainda se mantinha


no lugar.

Meus anéis machucaram meus dedos, mas engoli a dor.

Era bom.

— Você suspeita…

— Ah, pai, acorda! Você sabe quem foi. E eu vou atrás de

Thomaz agora.

— Não! — A urgência dele me fez parar no lugar. — Não seja

idiota. — Em um suspiro cansado, meu pai ponderou. — Acha que


pode pegar suas coisas e voltar para cá? Não quero você sozinho

aí.

— Sei me cuidar — rosnei entredentes, pensando que aquilo

era mesmo o que queria.

— Não me interessa. Preciso de você seguro, Conrad. Há


muito em jogo.

Sem alternativa, busquei meu isqueiro no bolso para aliviar a

agonia e me lembrei onde ele estava. Suspirei, me dando por


vencido naquele segundo, pensando que não era uma má ideia ver
Scarlet de novo.

— Estou indo.

Pegando somente o necessário, voltei para o carro, querendo

muito saber se meu melhor amigo sabia do ataque de seu pai.


Provavelmente não, ou teria me avisado, ou então…

Não queria pensar na possibilidade de ter Thomaz como


inimigo. Não ainda.
Eram quase dez da noite quando encostei na casa do meu pai.

Larguei o Mustang perto da porta e passei pelo portal, tendo os

olhos agredidos pela luz automática. E foi a voz dela que me fez
colocar as mãos no alto para tentar enxergar na sala escura.

— Conrad? — Scarlet parecia alerta. — Está tudo bem?

Ela estava deitada no sofá, vendo alguma coisa na TV e se


sentou abruptamente, me encarando um pouco assustada, vestindo

nada além do que uma camiseta gigante.

A conversa de mais cedo evaporou da minha cabeça quando a


vi daquele jeito.

Eu queria sim descontar a frustração do dia em sexo, mas


tinha que ser com ela.

— Red, viu meu pai? — Me contive.

— Faz quinze minutos que ele desceu para pegar uma água, e
subiu. — Me encarando um pouco perdida, ela tentou de novo: —

Ei, tá tudo bem?

Como eu falaria para ela que não? Que eu era um produtor de


droga, inclusive, da que ela consumia, e que tinham roubado meu

estoque e eu não pude ir até a polícia?


— Primeiro — segurei o ar nos pulmões, a falta do meu
isqueiro entre os dedos nunca foi tão brutal —, eu preciso ver meu
pai — soprei. — A gente conversa depois, certo?

Passando por ela, evitando tocá-la, ou sentir seu cheiro,

porque sabia que se fizesse alguma dessas coisas, acabaria com a


boca na sua boceta ou meu pau enterrado nela, passei por trás do
sofá, sabendo que Scarlet me seguia com os olhos enquanto eu

subia as escadas correndo.

Não pensei duas vezes quando segui até o final do corredor,


pronto para entrar no escritório. Eu não bati na porta. Meu pai não

esperava isso de mim e, definitivamente, não foi um problema. O


que me surpreendeu foi que John Prince parecia genuinamente
preocupado comigo quando nossos olhos se encontraram.

— Você está bem? — Ele nem esperou eu fechar a porta por

completo. — Viu alguém ou alguma coisa?

— Nada. — Neguei com a cabeça e parei, inflando as


bochechas antes de soltar o ar em um bufo. — E estou bem, só
querendo socar a cara do seu amiguinho.

— Sabemos que foi ele, não vamos negar, mas se fez não, fez

sozinho. O que sabe de Thomaz, o filho?


— É uma boa pergunta. Como eu te disse, Thomaz acabou
vazando para seu pai que era eu quem produzia a nova droga. Ele
não parecia muito interessado na Star, na verdade, ele nem a citou.

O interesse dele é na Supernova, por quê?

Meu pai suspirou pesado, balançou a cabeça negando e se


largou sobre a poltrona, encarando a janela e a nevasca que caía lá

fora. Ele parecia realmente cansado.

— Thomaz andou fazendo coisa errada. Nos últimos tempos,


veio com um papo de que a droga era muito cara comparada às

outras do mercado e me repassou o valor diferente, dizendo que era

o que tinha conseguido, mas, misteriosamente, da última vez em

que vi sua esposa, ela tinha um diamante do tamanho do meu


punho entre os seios.

Cruzei os braços e ri sem graça.

— Está sendo roubado pelo seu traficante, papai? Achei que

esse ramo tinha mais lealdade envolvida — provoquei e ganhei uma

olhadela cruel de John.

— Nós dois sabemos que não devemos confiar nem mesmo

no nosso sangue, quanto mais nos estranhos. Eu te disse que tinha


gente perigosa envolvida. O meu jeito de te proteger delas era me
envolvendo. E eu não dependo da venda de drogas para porra

nenhuma, Conrad, é só você olhar bem à sua volta. — Ele parecia


bravo, com alguma razão, e fui obrigado a engolir a vontade de

xingá-lo.

Passei as mãos pelos cabelos e dei um passo para frente,

pedindo:

— Então me explique, porque não fui eu que organizei essa


minha volta para cá. Foi você quem foi me buscar. Foi você quem

me trouxe. Esse discurso de que queria me proteger não faz muito

sentido quando penso nisso.

Meu pai segurou uma risada debochada, girou a poltrona para

ficar de frente para mim e indicou a poltrona na sua frente.

— Sente-se — era uma ordem.

Com a guarda baixa, me sentei e esperei sua história.

— Já faz um bom tempo que os Craig estão mal das pernas.

Cheguei até a fazer empréstimos para eles, tudo para manterem um

padrão de vida que não conseguiam mais. Há alguns anos, Thomaz


pai, me perguntou se eu não queria entrar no seu novo esquema de

distribuição de erva pelo país, já que eu poderia facilitar a abertura

na faculdade. Segurei isso por muito tempo, até porque, meu filho,
mesmo com você longe, eu sabia do que você fazia. Sua mãe, toda

vez que ia visitar você, vinha aqui pedir dinheiro na ida e na volta, e

contava orgulhosa dos seus progressos financeiros. Principalmente,


do medicamento que você arranjou para ela. E apesar de você não

acreditar, Conrad, eu cuidei das lacunas para que se alguma hora

precisasse, tivesse como te defender. — Não consegui ver mentira

naquilo. — Enfim, não vou ser falso agora e dizer que não me
interessei no que sua droga, a Star, podia fazer quando me explicou

sobre ela. A rigidez dos estudos na Prince University sempre foi algo

que levei a sério e a chance de ajudar meus alunos fez meus olhos
brilharem, sim, sem dúvida alguma. Mas, quando na alta sociedade

começou o burburinho sobre algo novo na França, eu desconfiei que

era de você que falavam e me enfiei no esquema. Quando tirei os

holofotes de você, todo mundo pensou que eu estava mantendo o


produtor preso em algum lugar, mas agora que Thomaz sabe,

sinceramente, estou preocupado com sua segurança física.

Eu só tive uma pergunta para fazer.

— Não está com medo disso respingar em você? Na sua vida

social?

— Não. — Com uma paz que nunca pensei ver em seu rosto e

ouvir em sua voz, ele continuou: — Mas, não estou disposto a ver
meu filho perder boa parte da vida na cadeia.

Quão fodido eu devia estar para admitir que realmente

acreditava naquele discurso?

Cocei a palma da mão contra o jeans e o encarei

— O que quer fazer?

— Primeiro, preciso que me diga o que você acha que ele

queria. Se eles destruíram seu quarto, sabendo onde ficava o

laboratório, se reviraram tudo, estavam buscando algo, alguma


fórmula.

Eu ri, meu pai não entendeu.

— Acha que eles querem a receita? — Sorri

despretensiosamente. — Se for isso, o plano deles falhou.

— Por quê?

— Porque, papai, não existe isso em forma física. Queimei

anos atrás. A receita está aqui. — Bati com dois dedos contra a
têmpora. — Se eles quiserem, vão precisar abrir meu cérebro para

arrancar.

— E acha que algum outro químico não pode reproduzi-la?

— Como eu faço? Não. Absolutamente fora de questão.


Aliviado, meu pai passou as mãos pelo rosto e relaxou contra

sua cadeira.

— Ótimo, sendo assim, fique aqui nos próximos dias, até que
eu entenda em qual terreno estamos pisando.

— Certo — eu já ia me levantando para sair, quando meu pai


me chamou de volta.

— E, Conrad, duas coisas. — Olhei para ele com atenção. —

A primeira delas é que Scarlet se tornou uma filha para mim, então
faça o favor de cuidar dela, inclusive, sobre uma gravidez não

desejada. — Eu estava pronto para mandá-lo cuidar da própria vida

e que ele não era um exemplo sobre aqui, mas com a mão erguida,
ele me calou e continuou: — A segunda coisa é que seu irmão em

breve estará de volta. E você sabe do que Isaac é capaz.

— Você não podia tê-lo mandado para longe para sempre? —


Minha pergunta não foi bem recebida.

— Apesar do seu gênio, você nunca me deu trabalho, mas seu


irmão, por outro lado? É uma bomba relógio. Preciso mantê-lo perto

para saber a hora de desarmar. Estou te avisando porque quando

ele souber que você e Scarlet estão juntos, ele vai tentar pegá-la de

volta.
— Gostaria de vê-lo tentar. — A mínima possibilidade daquilo

me enfurecia alucinadamente. — Scarlet é minha — declarei.

— Só estou avisando. Agora, pode ir. Boa noite.


scarlet

nosso amor está a sete palmos abaixo da terra. eu não posso deixar
de me perguntar: se o nosso túmulo fosse regado pela chuva rosas
floresceriam?

s i x f e e t u n d e r, b i l l i e e i l i s h

Eu tentei aguentar ao máximo, com os olhos abertos, mas

estava tão cansada que acabei adormecendo sem ajuda de nenhum


medicamento naquela noite.

Talvez a solução para a minha insônia fosse Conrad.

Era bizarro como meu sono havia mudado com ele por perto,

em equilíbrio.
Se bem que, eu não podia deixar de me dar os créditos por ter

deixado certos fantasmas trancados em seus túmulos. Um deles, o


mais assustador, a culpa, era a que menos me assombrava agora.

Como acordei com a cama vazia, realmente acreditei que


Conrad tinha ido embora, mas foi só acordar e sair do quarto para ir

tomar café, que qualquer sono que ainda restava no meu corpo

sumiu.

Lá estava ele, braços cruzados, ombro encostado na parede, o

tronco nu e a maldita calça de moletom. Seu cabelo estava

bagunçado, lindo. As tatuagens, os anéis, os olhos intensos,


escuros, viscerais, grudados no meu corpo.

Qual era a chance de conseguir arrastá-lo para o quarto?

— Você ficou. — Minha voz saiu mais grave, ainda meio

sonolenta. Aquelas eram as primeiras palavras do dia.

— Desculpe, Red. Até fui ao seu quarto, mas você dormia tão

profundamente que desisti de te acordar.

— Podia ter ficado. — Tentei não parecer desesperada.

— Até podia, mas ontem… — Ele suspirou, desviando o olhar

do meu corpo para a janela que dava para o quintal, parecendo não

ter superado algo.


— O que aconteceu? Já pode me contar? — Curiosa, imitei
sua posição e esperei.

— Na verdade, não posso. — Odiei aquela distância em seus

olhos quando eles voltaram aos meus. — É sobre meu trabalho

secreto — completou com tom cheio de graça quando a chateação

ficou estampada na minha cara.

— Trabalho? Desde quando você trabalha, Conrad?

— Sou prostituto, nunca te contei? Tive um problema de

agenda. Uma cliente acabou me segurando nos últimos dias, me

cansou demais, precisei resolver minha agenda.

— Ah, garoto… — Revirei os olhos, pronta para descer, mas


ele me pegou pela cintura, me puxando contra si, me abraçando

com tanta força que não pude manter qualquer distância.

— Desculpe, Red. — Era baixinho, como um segredo.

— Odeio esse sentimento de que você está escondendo algo

— confessei com o rosto contra seu peito.

— Eu sei, mas acredite, é para o seu próprio bem. — Seus

dedos acariciaram minha cabeça e ele me beijou no topo da testa.

— Não gosto quando decidem por mim, assim como você

também não. — Tentei não ser muito dura enquanto ouvia seu
coração bater acelerado.

Em um suspiro, Conrad falou ainda mais baixo:

— E se for algo que estou escondendo com medo de você ir

embora?

— Achei que você tivesse entendido que não vou embora. Não

posso. Estou eternamente presa a você.

Ele sorriu abertamente e me olhou.

— Vamos fazer o seguinte, quais os planos de hoje?

— Eu preciso levar meu avô de volta.

— Então faça isso. Eu vou ajeitar algumas coisas e, mais

tarde, nós conversamos longe daqui. O que acha? Podemos sair?

— Hm, onde? — perguntei, analisando a proposta.

— Qualquer lugar, desde que você use uma saia. — Conrad

me fez rir enquanto me afastava.

— Nem pense.

— Ah, eu penso nisso e em muito mais, mas fique tranquila,


desta vez tenho outra coisa em mente.

Suspirei, pegando sua mão que me era oferecida.

— Ok. Mas, primeiro, vamos começar o dia direito.


E descemos para tomar café com meu avô.

— Filha, antes de descer, posso perguntar? — meu avô me

chamou quando encostei o carro na vaga.

— Claro, vovô — respondi, tirando o cinto de segurança,

encarando-o. — Está tudo bem?

— Comigo? Perfeitamente, mas quero saber de você. O


menino Prince e você, o que está acontecendo?

Minhas bochechas esquentaram tanto que pensei ter febre.

— Eu, eu, é… Ai, caramba. — Segurei o palavrão, colocando


as mechas de cabelo mais claras atrás das orelhas. — Vovô, é o

seguinte. — Respirei fundo e soltei: — Eu amo Conrad. Eu sempre


amei. O senhor sabe…

Surpreendendo-me, em vez de me dar uma lição de moral,


meu avô deu um sorrisinho sacana.
— Sempre soube. E gosto muito dele. É mais decente do que
aquele outro. Não gosto daquele menino. — Sua carranca se fechou
ao falar de Isaac.

— Vovô, Isaac…

— Não era pra você. — E orgulhoso, encerrando o assunto,

ele abriu a porta.

— Ei, eu não terminei de falar. — Minha bronca era uma piada,

da qual ele riu quando me olhou de canto.

— Está feliz, minha neta?

O sorriso no meu rosto cresceu.

— Estou. — Era verdade. A mais pura e absoluta verdade.

— Então não tem o que conversar. Vá ser feliz.

Quando a enfermeira fez festa para ele e ajudaram a

descarregar o carro, pensei que, de tudo, talvez aquele fosse o sinal


mais significativo do universo para dizer que tudo bem eu ficar com
Conrad. Que tudo bem perdoá-lo por tudo.

Eu mal me contive ao voltar para casa.

Digitei uma mensagem para Conrad, avisando que estava

voltando, e segui pela estrada o mais devagar possível, já que a


neve continuava caindo. Foi por culpa da velocidade baixa que não
pude ignorar o rosto de Thomaz, na neve, pedindo ajuda com seu
carro.

Liguei o pisca-alerta, encostei à sua frente e abaixei o vidro.

O garoto veio até mim correndo, tremendo de frio.

Sua respiração ofegante condensava.

— Achei que não fosse parar.

Ele realmente não merecia, mas como era o melhor amigo de

Conrad…

— O que aconteceu?

— Meu carro não quer ligar. Acha que podemos tentar algo

com a bateria?

— Eu não entendo nada deste carro… — Tentei não ser tão


cuzona. — Quer uma carona? Assim você e Conrad podem voltar e

ver o que aconteceu.

— Conrad? — Seu olhar era surpreso.

— É, ele está em casa, você não sabia?

— Fiquei atarefado demais para ele e Bella nesse Natal —


justificando, ele se aproximou mais. — Se importa se tentarmos isso
da bateria logo? Se for isso, posso ir logo para casa e você também.

Parecia ok.

— Certo, espere aí, então.

O garoto se afastou e, manobrando o carro na pista, parei na

contramão do acostamento e desci.

— Ok, e agora? — O vento não ajudava muito e estava muito

frio.

— Consegue iluminar aqui para mim? E segurar o capô.

— Claro. — Peguei o celular da mão dele, e ergui a tampa de

metal. — E agora?

Fechei os olhos por causa do vento forte, e me arrependi no

segundo seguinte.

Por trás de mim, Thomaz colocou algo contra meu nariz e

boca.

Eu me desesperei.

Debati-me, larguei tudo, tentei gritar.

— Não lute, Scarlet. Não lute, por favor. Eu não quero te

machucar.

Mas ele nem precisava pedir. Eu não conseguia fazer nada.


O pânico me paralisou. Minha vista começou a escurecer.

Eu não queria morrer, eu não queria… Mas tudo ficou escuro

demais.
conrad

diga adeus enquanto nós dançamos com o demônio esta noite. não
ouse olhá-lo nos olhos, enquanto nós dançamos com o demônio
esta noite.

dance with the devil, breaking benjamin

Algo estava errado.

Minha intuição apontou quando, depois de uma hora da


mensagem me avisando que estava vindo para casa, Scarlet não

deu sinal de vida.

A mensagem que eu havia mandado estava sem resposta.

Ela não era de fazer isso.


Tentei ligar, e a chamada foi direto para a caixa de mensagens.

Pode ser a nevasca — pensei, olhando pela janela para ver o

tempo fechado lá fora —, mas ainda assim…

Não pensei muito quando, depois de duas horas e uma agonia


crescente, ela ainda não tinha chegado. Peguei o celular de cima da

mesa e disquei o número do meu pai.

John também havia saído cedo e até agora não tinha dado

notícias. Dados os últimos acontecimentos, nada parecia tão

aleatório assim.

Estava pronto para sair com meu carro e ir atrás dela pela

estrada, quando meu telefone tocou. Tirei do bolso sem nem olhar

quem era, já levando ao rosto, na expectativa de ouvir a voz de


Scarlet, mas não foi o que eu esperava.

— Caralho, Conrad, você viu o Thomaz? — A pergunta de

Bella, desesperada do outro lado da linha, me fez encarar um peso

no peito do qual estava tentando fugir.

— Não. O que aconteceu? — falei, já com a mão na maçaneta,

entrando no carro.

— Porra — ela xingou, seu peito tremeu e sua voz também. —

Carregou um monte de coisa de uma vez no meu celular. Eu estava


dormindo, você sabe que coloco no modo avião…

— Bella, desenrola.

— Thomaz estava esquisito, muito esquisito. Falando sobre

tomar decisões que podiam me decepcionar, que podia fazer você

querer matar ele… Que porra tá acontecendo?

— Você o viu?

— Quando, hoje? Claro que não!

— Não, por esses dias…

— Ele veio me ver no dia vinte e três, de manhã. Me trouxe

presente, mas foi embora logo, estava esquisito e… Conrad, que


merda tá acontecendo?

Suspirei, lutando muito com a pressão em volta do meu

pescoço.

— Bella, se arrume. Estou te pegando em cinco minutos e, de

verdade, se você ainda tem alguma fé, reze. Se Thomaz fez o que
eu acho que fez, eu não respondo por mim.

Ela ficou muda do outro lado da linha.

— Ok. Estou te esperando. — Ela desligou.

Quando passei pelo portão da mansão, meu estômago tremeu.


A ansiedade, o receio, tudo trabalhando para que minha

cabeça trouxesse a pior das possibilidades.

Tentei mais uma vez o celular de Scarlet e nada.

Meu bom humor acabou de vez.

Bella me esperava na rua.

Parei o carro bem em cima dela e quando vi seu rosto ao

entrar no carro, notei as lágrimas de preocupação.

— Me conte exatamente o que aconteceu — mandei, seguindo

para a estrada que Scarlet tinha pegado, o mais rápido que podia,
controlando o pé por causa da neve.

— Ele chegou aqui um pouco transtornado. Parecia meio que

em fissura de droga, sabe? Thomaz tem dessas quando usa, é por


isso que sei. Enfim, como eu já o conheço, não estranhei, então,
começou a falar que era injusto ter que escolher um lado, que

esperava que eu ficasse com ele, mesmo assim… Eu não entendi


direito, até ele perguntar se, entre ele e você, com quem eu ficaria.
Eu disse que não precisava escolher, que os dois eram meus

melhores amigos e eu não tinha que decidir nada. Ele ficou todo
estranho, falando que eu precisaria pensar logo, que o futuro estava

chegando, que ele não tinha opção… Conrad, ele estava muito
louco! Parecia que ia pirar. Hoje eu acordei com essas mensagens

de voz dele, escute.

Ela apoiou o celular entre nós e eu pude ouvir.

— Gata — a voz mole de Thomaz estava pior, com certeza ele

estava chapado. —, eu vou fazer uma merda hoje… Eu não tenho


escolha. Ou é isso, ou… — A mensagem acabava ali.

— É só isso?

— Não, espera. — Bella colocou a próxima.

— Eu espero que você não me odeie se eu precisar ser o


monstro que minha família precisa que eu seja. Eles precisam de

mim, Bella. Eles precisam que eu seja homem. — Ela mexeu no


celular mais uma vez, seguindo para a última mensagem. — Conrad
vai me matar se tudo der errado, porra.

— Acabou? — confirmei.

— Agora acabou. E ele não atende minhas ligações, nem

visualiza minhas mensagens. Porra, eu tô com muito medo! — ela


gritou dentro do carro.

— Bella… Thomaz contou ao pai dele que sou eu quem

produz a Supernova. O pai dele é o parceiro de crime do meu pai —


localizei minha melhor amiga. — E não é só isso. O desgraçado fez

Thomaz me chamar para ir até a casa deles, me recebeu como se


fosse a porra de um mafioso e tentou fazer um acordo…

— Ok, a gente tá fodido. A gente tá fodido.

— Ele ameaçou Scarlet. E ela saiu cedo para levar o avô de


volta ao asilo e não voltou até agora.

— Ok, a gente tá muito fodido. — Ela parou, com as mãos na

cabeça, hiperventilando. — Você acha que ele pode ter feito algo
com Scarlet a mando do pai?

— Agora, depois desses áudios, eu não duvido.

— Caralho, Thomaz! — xingando, ela bateu sobre o painel do


carro. — Como que ele pôde pensar em trair a gente assim?

Eu não soube responder.

Bella e Thomaz eram as últimas pessoas naquela vida com as


quais eu esperava me decepcionar. Mas quando vi o Tesla parado

no acostamento, na contramão, abandonado, senti o último fiapo de


esperança no meu peito morrer.
— Bella — falei baixo, parando com o carro atrás do Tesla. —
Eu vou descer, e você vai ligar para Thomaz. Insista até ele atender.
Descubra onde esse filho da puta está.

— Ok… — Os dedos dela tremiam quando digitou o nome do

contato dele.

Desci do carro, a nevasca castigando a pele do rosto exposta,


mas no meu estado de nervos, mal senti. O carro que Scarlet dirigia

estava fechado, olhei pelo vidro e vi o celular dela sobre o banco.

Porra — minha mente ferveu.

Meu único passo agora era ir atrás dele. Caçá-lo como nunca
pensei na vida.

Ele não gostaria de conhecer meu lado ruim.

Voltei para o carro. O olhar de Bella era aflito.

— Nada?

Ela fez que não com a cabeça.

— Então se prepare, e deixe o número da polícia fácil.

— Conrad…

— Se ele fez o que eu acho que fez, sou eu quem vai acabar
preso… — E não por mexer com drogas, mas sim por assassinato.
O tempo na estrada multiplicou com aquela merda de neve
caindo.

Eu nunca odiei tanto o inverno.

E a única coisa pela qual eu pude agradecer aos Craig era

pela porra do portão aberto, já que eu teria atropelado aquela merda

com meu carro, caso ninguém abrisse.

Parei de qualquer jeito logo na entrada, desci do carro e Bella

veio atrás de mim.

Quando cheguei em frente à porta, eu não bati.

Eu esmurrei.

E então, com cara de poucos amigos, Virgínia Craig abriu a

porta, pronta para me dar uma bronca.

— Isso são modos de um Prince, Conrad?

Não pensei duas vezes. Minha mão seguiu para o pescoço da


mulher e seus olhos se arregalaram enquanto eu a empurrava
conforme entrava.

— Isso é só uma amostra grátis do que vou fazer com vocês,

se Scarlet estiver machucada. Onde está seu filho e aquele merda


do seu marido? — vociferei contra ela, dando uma sacudida em seu

corpo que a fez entender em que página estávamos.

— Largue ela, Conrad. — Era a voz do Thomaz pai, que vinha

descendo as escadas.

— Ou o quê? — Demorei um pouco para tirar os olhos de


Virgínia e, ainda mantendo meus dedos firmes em sua carne,

sentindo o pulso elevado, olhei para seu marido.

— Filho. — A voz do meu pai me fez olhar para a sala, e

sentado em uma poltrona, um pouco descabelado e visivelmente

cansado, com um roxo no olho, ele pediu: — Solte-a. Scarlet está


bem.

Só então eu recuei. Joguei a mãe do meu melhor amigo para

trás, e mirei meu pai.

— Onde ela está?

— Júnior — aquele nome nunca foi aceito pelo cara que

chamei de melhor amigo ao longo da vida — está cuidando dela lá

fora, no carro, você não os viu?


Estava pronto para sair pela porta, quando Thomaz me

chamou.

— Você a terá de volta, Conrad. Sã e salva. Mas antes, nós

vamos fazer um passeio.

Parei no lugar, meu corpo tremendo de raiva. A realidade de

que eu era, sim, capaz de matar alguém por ela exalando de cada

poro meu.

— Conrad. Me escute. — Meu pai se ergueu, tentando manter

a dignidade. Seus olhos tinham algum recado secreto que eu não


podia desvendar, não naquela hora. — Thomaz quer a fórmula. Nós

vamos até o laboratório que ele mandou, você faz o que precisa

fazer e depois voltamos para casa. Eu vou no meu carro com o

Thomaz pai. Você vai com Bella. Thomaz filho e Scarlet vão atrás.

— Só para garantir a obediência de vocês.

Encarei o homem que havia passado de todos os limites

possíveis, pensando em uma forma rápida e eficiente de atingi-lo,

mas então, ele tirou a mão de trás das costas, exibindo uma arma

preta, bem lustrada.

— Filho da puta — cuspi as palavras.


— Modos, Conrad. Modos. — Ele indicou a saída. — Não

precisamos mais perder tempo aqui.

Eu quase não me movi, mas as mãos de Bella me puxaram


pela jaqueta.

— Vem, Conrad. — Aflita, segurando o choro, ela me fez sair.

Procurei o carro de Thomaz pelo terreno com os olhos e o vi

mais afastado.

O vidro escuro não me deixou enxergá-lo, mas só pela olhada

que dei, ele sabia, ele sentia, que quando colocasse minhas mãos

nele, não sobraria nada.

— Traidor — disse com clareza, querendo que ele fosse capaz

de ler meus lábios enquanto entrava no carro.

— Meu Deus, meu Deus, meu Deus! — Bella surtou dentro do

carro. — Todo mundo enlouqueceu nessa porra?

— Eu não devia ter trazido você. — Ela seria meu pior

empecilho na hora de acertar as coisas com Thomaz.

— Conrad, pelo amor de Deus, faz logo o que ele quer —


implorando, minha melhor amiga colocou o cinto de segurança,

chorando, enquanto meu pai e eu trocamos um olhar estranho de

cumplicidade antes dele entrar na Dodge.


Liguei o carro, esperei meu pai sair pelo portão e, mantendo

uma distância segura, conferindo se Thomaz me seguia, caí na


estrada.

Demorou pelo menos dez minutos para que eu e Bella

conseguíssemos pensar em algo.

— Vou ligar para a polícia — ela disse, decidida.

— Vamos acabar todos presos.

— Não. Podemos denunciar o sequestro de Scarlet.

E se tivessem ameaçado a garota?

— Nem pense. Eles podem forçá-la nos ameaçando. Se ela


mentir e nós errarmos, estamos fodidos.

— Eu não sei o que fazer, não sei o que fazer…. — Bella olhou

para frente e eu mirei seu rosto por um segundo. E foi minha vez de
assustar. O olhar aflito e desesperado dela, seu grito com meu

nome, me fez olhar para frente no último segundo.

Um caminhão vinha do outro lado da estrada.

Houve um clarão no carro da frente.

Era um tiro.

E no segundo seguinte, meu pai jogou a Dodge na contramão.


scarlet

quando os anjos caem com as asas quebradas eu não posso


desistir, eu não posso ceder. quando tudo está perdido e termina o
dia, eu te carregarei.

angels fall, breaking benjamin

Minha cabeça girava. O enjoo não me deixava ficar muito

tempo de olhos abertos.

Minhas mãos amarradas também não ajudavam em nada.

— Eu vou vomitar — avisei Thomaz, mas ele não pareceu

ouvir.
Na verdade, ele parecia tão drogado, tão absorto, que tive

medo de continuar dentro daquele carro. Eu não queria morrer. Não


queria mesmo morrer.

— Conrad vai me matar. Ele vai me matar… — Thomaz cantou


baixinho enquanto nós seguíamos a Dodge de John e o Mustang de

Conrad.

Seu carro era um Jeep alto, escuro, que cheirava à maconha


tão forte que piorava tudo o que eu sentia.

Seu cheiro tinha medo também, mas eu não queria tentar


compreendê-lo.

O que Thomaz fazia era loucura.

Para que ele precisava me sequestrar?

Para que todo aquele circo?

O tempo todo, quando eu perguntava o que estava


acontecendo, ele só me mandava calar a boca, dizendo que

precisava pensar.

Mas naquele estado? O cérebro dele parecia derretido.

Esfreguei os olhos, travei os polegares dentro das palmas para

tentar conter aquela sensação maldita, e os abri, me forçando a ficar


acordada e ciente de tudo à minha volta.
Se eu tivesse uma mínima chance, não ia vacilar.

Se precisasse machucar Thomaz no processo, eu faria.

Só queria sobreviver.

Sem muita ideia do que acontecia, com mil teorias na cabeça,

tentei mais uma vez arrancar alguma informação do garoto que

passei a vida odiando e que deveria ter deixado no meio da estrada.

— O que está acontecendo? Para onde vamos?

— Você precisa fazer silêncio. — A resposta fria não ajudou.

— Eu quero mesmo vomitar, você precisa parar.

— Vomita aí no chão.

— Quê? Não, não posso. — Tentei argumentar, olhando para


ele, implorando um segundo de atenção. Mas, vidrados, os olhos

dele estavam fixos na estrada. Foi rápida demais a mudança que vi

no rosto de Thomaz naquele segundo, antes dele enterrar o pé no

freio.

— PORRA! — ele gritou, e eu só tive tempo de ver o caminhão

que vinha da pista do lado atingir o carro de John, de frente, tão


rápido e tão forte, que arrastou a Dodge para trás de nós.

Tudo parou.

Meu coração bateu rápido, mas o tempo à minha volta correu

devagar.

Assustado, os olhos de Thomaz vieram para o meu rosto

enquanto ele se atrapalhava para tirar o cinto. Eu também queria


descer. Eu precisava descer.

Era John!

O garoto destravou as portas do carro, eu consegui me soltar


também, mas nem precisei abrir minha porta. De repente, alguém

abriu e eu fui puxada para fora com força.

Achei que fosse cair.

Achei que alguém fosse mesmo me matar.

Mas meus pés pousaram no chão tão suavemente que mal

pude acreditar.

O cheiro dele me acalmou, e quando dei por mim, estava


contra o peito de Conrad, suas mãos vasculhando meu rosto, meu

corpo, desesperado.

— Você está bem? Você se machucou?


A primeira lágrima rolou quando neguei com a cabeça.

— Conrad… John. — O nome saiu engasgado.

Ele não disse nada. Selou os lábios nos meus e se afastou.

— Bella, ajude aqui.

Eu tremia e quando Conrad me soltou, precisei encontrar


equilíbrio assim que o frio me atingiu.

— Ei, garota, tá tudo bem. — A morena chorava, vindo até

mim, pronta para soltar minhas mãos.

— O que tá acontecendo?

— Uma porra muito fodida. Vem. — Ela me pegou pelo pulso,

me obrigando a correr junto dela na mesma direção para onde


Conrad tinha ido.

Quase caí uma porção de vezes. Minha visão estava


embaçada pelas lágrimas que começavam a ganhar força, mas fui

capaz de ver Conrad no que um dia foi o vidro do carro do pai. O


garoto que eu amava estava imóvel. O peito subindo e descendo

rápido demais, sua respiração era uma fumaça densa em frente aos
destroços.

O ódio dele era capaz de derreter tudo em volta.


Ele, naquele estado, só me dizia uma coisa.

John não estava vivo.

E, pelo que eu sabia, era tudo culpa minha.


conrad

nesta despedida não existe sangue, não existe álibi, porque eu


estava fadado ao remorso da verdade de milhares de mentiras.

what i’ve done, linkin park

Metade do carro não existia mais.

Metade de mim havia se quebrado de uma forma que pensei

ser incapaz de sentir.

John Prince e Thomaz Craig pai eram nada além de partes de


metal e carne embebidas em sangue, e eu vi tudo, cada detalhe. A

cor, a bagunça, o cheiro.

A raiva em minhas veias tomou conta.


E eu só tive tempo de uma coisa antes de voar para cima de

Thomaz.

Virei para Bella, ergui a mão quando vi o estado de Scarlet e

mandei:

— Fique aí.

Quando me virei, encontrando o cara que tinha sido mais


minha família do que meu sangue, tudo virou um borrão vermelho.

Thomaz facilitou o trabalho. Já estava de joelhos no chão.

No meu primeiro soco, tão forte que tive certeza de que lhe

quebrei alguns dentes, ele caiu.

E eu fui para cima dele como um animal.

O fogo dentro de mim cresceu tanto que me senti invencível.

Eu queria matá-lo.

Eu ia matá-lo.

E estava pronto para assumir consequência disso.

Sabia que à minha volta as meninas gritavam.

Sabia que as mãos delas estavam sobre mim, tentando me

puxar pela roupa.


Mas não era nada quando tudo o que eu via era o rosto de
Thomaz virando uma massa vermelha sob meus punhos.

Ele nem reagia mais, mas eu não podia parar.

Não podia deixá-lo passar impune.

Aquele filho da puta tinha matado meu pai quando decidiu ser
fiel ao seu.

— Conrad, pelo amor de Deus! — O tom desesperado de

Scarlet foi a única coisa que me segurou. Ela se jogou contra o meu

peito. Meu soco quase pegou nela.

A ruiva, muito menor e mais fraca do que eu, fez um esforço


sobre-humano para me derrubar para o lado. Ela chorava com as

mãos no meu rosto, tentando me trazer para a realidade. Bella

chorava, conferindo se Thomaz estava vivo. E enquanto eu caía em

mim, enquanto o som do carro de polícia vinha, enquanto minhas

mãos esfriavam sobre a neve na estrada, eu gritei.

Desesperadamente.

Dolorosamente.

Eu berrei até os pulmões falharem.

Até a garganta arder.


E caí de cara no colo de Scarlet, sabendo que aquilo seria

mais uma daquelas malditas feridas invisíveis. Nada curaria. Nada


faria melhorar.

Nada me faria esquecer.

Eu não tinha a mínima condição de responder nada quando a


polícia chegou. Minha única preocupação era com o motorista do

caminhão que tinha ficado preso às ferragens pelas pernas e Scarlet


que, nos meus braços, tremia como se estivesse prestes a congelar.

O resto do mundo que se explodisse, e eu achei ótimo que,


logo que registraram o que tinha acontecido, não deu meia hora, o

advogado do meu pai apareceu para resolver tudo.

— Conrad? — O homem de cabelos grisalhos e cara de


poucos amigos tocou meu ombro e ergui o rosto para vê-lo. —
Sou…

— Alvo Henderson. Eu me lembro de você. — Minha voz era

meio baixa, meio morta.


— Ótimo. Por que você não pega Scarlet e vai para casa?

— Eu…

— Acha que consegue dirigir?

Confirmei com a cabeça.

— Ótimo. Então vão. Eu vou cuidar das coisas aqui e, mais


tarde, ligo para vocês.

No automático, me ergui e puxei Scarlet junto de mim. Ela

parecia uma boneca de pano.

Meu olhar foi para Bella, que acompanhava o resgate de

Thomaz.

— Você vem?

— Eu… Alguém precisa ficar com ele, Conrad.

Não respondi.

Por mim, ele podia ir para a casa do caralho. Para o mais

profundo inferno.

Meu olhar disse tudo o que Bella precisava saber.

— Vem, Red. Vamos sair daqui… — Cambaleando, guiei a


garota para o carro e, depois de colocá-la no banco do carona,

entrei pelo lado do motorista e me obriguei a dirigir devagar para


casa, tentando não pensar no depois. Tentando não acreditar que
perdi meu pai quando, secreta e esperançosamente, eu achava que
teríamos alguma chance no futuro.
scarlet

estou tão cansada de estar aqui reprimida por todos os meus medos
imaturos. s se você tiver que ir embora, eu queria que você
simplesmente fosse, porque a sua presença ainda permanece aqui

e ela não me deixa em paz. essas feridas parecem não se curar,


essa dor é muito real e existe muita coisa que o tempo não pode

apagar.

my immortal, evanescence

Eu não sabia o tamanho do abismo em que tinha sido jogada.

Só sentia que a queda ainda não estava na metade. Só sabia

que, quando chegasse ao fundo, não aguentaria o baque.


Em profundo e denso silêncio, atravessamos o portão da

mansão Prince.

A visão daquelas árvores sem folhas no meio do inverno

cortante nunca me pareceu tão apropriada. Era triste. Era morto. Era
frio.

E era assim que parecia que meu coração estava.

Conrad estacionou perto da porta. Puxou o freio de mão, e

quando desligou o carro, antes que ele pudesse se mover, coloquei

a mão em sua coxa. Olhando pela janela, ainda passando mal,


precisei perguntar:

— O que aconteceu?

— Red… — Ele ia tentar me enrolar.

Eu não permitiria.

— Conte. — Minha voz embargou. — Eu mereço saber. Conte


— insisti.

E em um suspiro pesado, Conrad colocou a mão sobre a

minha e avisou:

— Você não vai gostar.


— Não me importo. Só me conte. Não suporto mais segredos.
— A qualquer segundo, eu ia quebrar.

— Minha mãe tem TDAH. Severo. Eu já te contei sobre isso.

— O que Caroline tinha a ver? — Quando saí daqui, minha maior

distração era estudar. Eu não queria ser um fodido, não queria

depender do meu pai... — ele pausou, tomou fôlego e continuou

—... para mais nada na vida. Então, eu comecei a brincar de


químico, a descobrir coisas e, em um processo que não vem ao

caso, comecei uma pequena produção daquilo que você anda

tomando sem receitas.

Porra, Conrad era traficante? Fechei os olhos, as lágrimas

acumuladas escorreram.

— De todo meu estudo, nasceram a Star, o medicamento que

minha mãe usa e que melhora a concentração como você pôde

experimentar. E a Supernova…

— Porra… — Apoiei um dos pés sobre o banco e continuei

olhando para a janela, sem coragem de olhar para Conrad.

— Você já usou? — Concordei. — Quando?

— No dia em que transamos pela primeira vez.

Ele deu mais um suspiro.


— Isso explica muita coisa… — A consideração dele só me fez

ter menos coragem de encará-lo. — Meu pai me trouxe para cá e se


meteu no esquema de distribuição por minha causa. O pai de

Thomaz era seu parceiro, e descobriu que era eu quem produzia.


Ele tentou me comprar, para fazer uma produção por fora, para ele,
mas eu disse não…

Bati com a testa contra o vidro e voltei a encarar a neve lá fora,

concluindo a história de Conrad.

— Eu fui um alvo para te coagir e agora John está morto —


completei, recolhendo a mão que estava no colo de Conrad.

Eu o amava. Muito. Mas precisava ficar sozinha.

Desprendi meu cinto, abri a porta, e mesmo com ele me


chamando, segui correndo para dentro de casa, para o meu quarto,

para a minha cama, enquanto sentia que meu mundo estava se


partindo, mais uma vez, e a imagem do carro de John sendo
arrastado cobriu meus olhos.

Ele tentou nos salvar.

Ele se sacrificou para que nós tivéssemos chance de fugir.

E eu perdi um pai pela segunda vez.


conrad

pois, estou quebrado quando estou aberto e não sinto que sou forte
o bastante pois, estou quebrado quando estou sozinho e não me
sinto bem quando você vai embora.

broken, amy lee, seether

Eu não me lembrava de ouvir o som do impacto da Dodge

contra o caminhão.

Por um segundo, pensei que, se Deus existisse mesmo, será

que Ele tinha colocado o mundo no mudo? Se ele tivesse feito isso
mesmo, será que tinha me poupado de um último grito do meu pai?
Ou me castigado para não ouvir um pedido de ajuda? Algum recado

além do óbvio?

John Prince, o monstro que viveu no meu armário por muito

tempo, tinha morrido.

Mas, se tinha sido tudo tão ruim assim, se eu o odiava tanto,

por que é que doía daquela forma massacrante?

Não consegui ignorar a sensação de estar fora do corpo

quando desci do carro, quando corri para Scarlet, quando, depois de

conferir se ela estava bem, acreditei que ainda houvesse chance de


salvá-lo.

Não tinha.

Ele estava morto.

John Prince estava morto, Scarlet em perigo, e a culpa era

minha.

O modo como ela havia saído do carro ao ouvir toda a

verdade, a maneira como correu de mim… Caralho, aquilo me

destruiu.

Eu só não queria ficar sozinho.

Eu não podia ficar sozinho.


Porque sozinho, eu virava de novo o garoto de onze anos na
biblioteca.

Eu virava o garotinho de cinco anos levando a primeira cintada

de um velho bêbado.

E, naquele segundo, eu era a pessoa magoada por não ter tido

um pingo do amor que sonhou e o adulto que só sabia que abrir a


porta para qualquer um machucava.

Pensei em Bella, perdida, com medo de eu encarar sua última

atitude como traição.

Pensei no rosto de Thomaz, filho da puta do caralho,

completamente desfigurado.

E pensei em Isaac.

Morria a única pessoa que podia atestar que eu não era um

completo desgraçado.

Que poderia, remotamente, colocar algum limite naquele


inconsequente.

Lembrei-me de cenas do passado, as boas, as ruins, as

péssimas.

Meu peito doeu com o soluço e eu soquei o boxe do banheiro

enquanto as lágrimas caíam, se misturando com a água quente. No


chão, o sangue de Thomaz nas minhas mãos ainda escorria pelo

ralo.

De mim, eu não sabia o que sobraria.

E me abaixei, sentando sob a queda d’água, esperando que


aquilo parasse de doer.

Que aquele vazio, o qual ignorei por tanto tempo, parasse de


crescer e tentar me engolir.

Que eu não precisasse olhar para o fato de que, por toda a

vida, tentei mostrar para meu pai que não precisava dele e que seria
melhor e maior do que ele e sem sua ajuda, só porque o odiava por
não ter me amado.

Porém, se não me amava, por que ele tinha feito tudo o que

havia me explicado na noite anterior? Se não me amava, por que é


que John Prince tinha dado a vida por mim e por Scarlet?

Minha cabeça parecia prestes a pegar fogo.

Eu queria que aquilo parasse.

Queria que aquela maldita sensação de perda sumisse.

Mas ela só ficou pior e pior.

E eu me senti menor, indefeso, um bosta.


Foi por isso que não entendi quando ouvi a porta do banheiro

abrir.

Achei que Scarlet não falaria comigo. Achei que ela me


deixaria completamente sozinho.

E eu merecia.

Mas não.

Pelas brechas das gotas no vidro do boxe, eu a vi se livrar das


roupas e, quando ela abriu a porta de vidro, não tive coragem de

encará-la além dos tornozelos.

— O que faz aqui? — Envergonhado pelo choro, tentei

esconder o rosto.

Scarlet fechou o boxe.

Sentado, com os braços apoiados no joelho e as mãos uma na


outra, eu encarei o chão.

Continuava sendo um covarde. Não queria ver rejeição ou


mágoa nos olhos dela.

Não podia…

Mas Scarlet, de novo, me surpreendeu.


Suas mãos forçaram meus dedos a se soltarem e ela se
ajoelhou.

Enxerguei seus joelhos, seus quadris, parte dos seus seios,


mas não seu rosto.

Ainda assim, ela tentou. Se enfiando em mim, a ruiva se

encaixou no meu pescoço, abraçou minhas costas e quando percebi


que não poderia escapar dela. Quando percebi que ela não me
deixaria, eu a abracei de volta.

Sem falar nada, nós choramos juntos.

Cada um com seus motivos.

Cada um com suas feridas.

Cada um com as lembranças que podia contar.

E isso nos destruiu ainda mais.

Destruiu de forma tão visceral, tão pesada, tão intensa, que eu


a agarrei com força e tremi de tanto chorar. Ela não reclamou,
fazendo igual. E esperamos juntos, até que os escombros do que

havia sobrado de nós dois ficasse visível para começarmos a nos


encaixar.
scarlet

diga-me o que você precisa, eu posso te fazer mais do que você é.


eu só quero congelar, posso te dar mais do que você quer. agora eu
vejo você parada sozinha, eu nunca pensei que o mundo se

transformaria em pedra. então me chame de idiota, me chame de


triste, você é o melhor que já tive, você é o pior que já tive e isso

continua fodendo com a minha cabeça.

1 1 m i n u t e s , h a l s e y, y u n g b l o o d

Eu não sabia o que fazer com aquela dor.

E de tudo, eu não queria mais ficar sozinha.


Eu não queria mais me sentir sozinha, e ali, contra ele, era

mais fácil ver que não estaria.

— Não me deixe sozinha — pedi quando nosso choro

diminuiu.

Sua mão veio até o meu rosto e seus dedos se embrenharam

no cabelo molhado.

— Nunca.

Mas ele ainda não me olhava nos olhos.

Ele ainda não me deixava ver sua dor.

E eu precisava daquilo. Desesperadamente.

Eu queria seu lado feio. Queria seu pior, e me coloquei de

joelhos entre suas pernas, pronta para pegar seu rosto entre as

mãos, para beijá-lo, para fazê-lo meu.

Conrad se assustou e segurou meus punhos.

Sua respiração ficou ofegante de repente, mas não me parou.

A briga silenciosa começou.

Ajeitei-me para sentar em seu colo, ele tentou me afastar,

deixando os joelhos mais erguidos e aquilo só me ajudou a ter

algum apoio nas costas e ficar ainda mais perto.


— Scarlet, porra! — Ele me sacudiu, mas não parei. Forcei as
mãos até que ele parou de lutar contra, até que, finalmente, seus

olhos escuros e profundos acertaram os meus.

No segundo seguinte, ele me pegou.

E, Deus, como era bom sentir qualquer coisa!

A boca de Conrad devorou a minha. Seus lábios não foram

gentis e eu devolvi na mesma intensidade. Precisava dele daquela

forma, precisava da fúria, da raiva, daquilo que nos afastou e nos

uniu, mesmo depois de tanto tempo.

Queria tudo e cada parte dele. Soltei sua boca para beijar sua

garganta, empurrando seus ombros contra a parede, forçando-o a


olhar para cima.

Suas mãos foram em um caminho certeiro pelas laterais do

meu corpo, direto para minha bunda. Ele me apertou com força

contra si a ponto de doer, mas eu só soube gemer contra o desenho

em seu pescoço.

— Scarlet, não, porra! — Ele tentou brigar, mas seu pau já

duro entre nós era o recado claro de que ele não queria parar.

— Por favor, não — pedi, roçando os dentes por suas

clavículas, me apoiando nos joelhos e erguendo o corpo,


praticamente enfiando os peitos no rosto de Conrad. — Preciso

disso. Preciso de você.

— Eu… Caralho. — A língua de Conrad seguiu a curva do meu

seio, de baixo para cima, até o bico duro. Seus dentes provocaram-
me e eu arfei. — Não quero te transformar numa viciada como eu,

amor. — Suas mãos apertaram minha bunda com força e ele ergueu
o rosto para me ver.

Ele ainda chorava. Os olhos estavam vermelhos, sua

expressão era triste.

Acariciei seu rosto com a ponta dos dedos, desenhei suas

maçãs do rosto, seu nariz, seus lábios. Ele chupou meu dedo e eu
sussurrei:

— Mas eu já sou viciada em você. — Um sorriso triste surgiu

em sua boca e ele largou meu dedo para enfiar o rosto entre meus
seios, esfregando o rosto contra minha pele. — Por favor — implorei
—, não me rejeite, amor. Não me deixe sozinha nisso. Eu preciso de

você.

E ele obedeceu.

Conrad me devorou, envolveu o máximo que podia do meu


seio direito em sua boca e me chupou forte. Sua língua provocou a
argola de metal, depois meu bico rijo. Seus dentes, seus lábios, o

calor do toque, a textura, tudo.

Eu podia gozar só daquele jeito, mas Conrad não era dado a


serviço pela metade.

Seus dedos, brutos, não se preocuparam com meu clitóris que


pulsava, com meus lábios inchados. Eles entraram em mim com

força, brutos, rápidos, forçando meu corpo a se adaptar ao ritmo do


movimento que pressionava minhas paredes internas.

Deitei a cabeça para trás, abri a boca e a água do chuveiro a

invadiu.

Só assim meu primeiro grito foi contido, mas assim que virei a

cabeça para olhá-lo, perdi tudo. Conrad estava preso a mim,


admirando, sedento, concentrado em como meu corpo reagia a tudo

o que me dava. E eu não estava preparada para ser tomada


daquele jeito tão rápido.

A água da minha boca escorreu pelo meu queixo, peitos, nele.

O jato que saiu da minha boceta o molhou da cintura para


baixo.

Caí sentada em seu colo, as coxas moles, tremendo, ofegante

e desnorteada.
Mas ele sabia exatamente o que queria.

O que precisava. E como na minha primeira vez, ele fez de

mim o que queria.

Sua boca acertou a minha, a água do chuveiro nos molhou o


rosto e eu bebi dele.

Fugi de seu colo mesmo com Conrad tentando me fazer ficar,


mas suas mãos escorregaram na minha pele molhada. Eu o

obriguei abrir as pernas, e apoiando os cotovelos no chão de pedra,


ficando meio que de quatro, segurei seu pau com firmeza, cuspi

sobre a cabeça, melando o piercing e depois de envolvê-lo com a


língua, espalhando saliva por sua extensão, olhei em seus olhos e o
abocanhei ao máximo.

Minha garganta doeu quando ele bateu no fundo e,

surpreendendo, em vez de começar o vaivém, eu o coloquei mais


para dentro.

Minha garganta reclamou. O gosto de metal do piercing ficou lá


no fundo, mas o gemido que Conrad deu e a forma como se tremeu

todo meu deixou no céu.

— Filha da puta — ele xingou e eu adorei ouvi-lo.


Então, de propósito, tirei-o da boca devagar, sugando-o com
pressão e depois de brincar com a língua entre o freio do seu pau e
o piercing, fiz de novo.

— Caralho, Scarlet! Eu vou gozar na sua boca, porra. — Sua

mão veio sobre minha nuca com firmeza e ele me puxou para cima
de uma vez.

Saliva escorria pelo meu queixo, mas ele esfregou os lábios

nos meus, mesmo assim.

— Gosto quando me xinga — falei entre o beijo e ele arfou

contra minha boca enquanto se masturbava. — Gosto quando me

machuca.

— Então engula meu pau, minha putinha. — Ele me desceu,

dessa vez segurando seu membro na base e o enfiando ao máximo


na minha boca.

Daquela vez, eu engasguei, mas Conrad não me liberou tão

fácil. Parecia que a contração que minha garganta fazia era gostosa
e eu tentei mantê-lo ali até não aguentar mais.

Sua mão aliviou um pouco o peso contra minha cabeça e, para


me recuperar um pouco, investi em tocá-lo, masturbando-o

enquanto fazia movimentos de vaivém até senti-lo no limite.


— Vai, me chupa até o final, gostosa. — Ele se inclinou mais e

eu o forcei até meu nariz tocar seu ventre. — Porra, Scarlet! É isso
que você gosta? De ser minha vadia?

Eu queria responder que sim, mas ele me deu um tapinha leve


no rosto.

Ergui os olhos para vê-lo. Seu rosto era uma máscara de fúria

e prazer descarado.

— O que eu disse? Toda vez que você tiver meu pau na boca,

eu quero que me olhe. Quero que veja o que faz comigo, Red, como
me deixa duro, como me deixa louco…

Forcei mais a cabeça contra ele e sua fala se perdeu.

Conrad fechou os olhos, bateu a cabeça contra a parede e

gemeu alto.

— Hoje eu quero gozar nessa boca, mas antes vou comer

essa boceta.

Ajudando-me a ficar de pé, ele ergueu os joelhos para me


apoiar as costas e quando fui descer sobre seu corpo, Conrad me

segurou, me abraçando com força ao mesmo tempo em que

mordiscava meu mamilo esquerdo com força.

Eu gritei em protesto, mas não importou.


A dor era boa.

Com uma das mãos ele brincou, roçando o piercing contra

minha extensão, provocando meu clitóris e se melando na minha


entrada. Quando o desgraçado fez aquilo pela quinta vez, me forcei

para baixo e ele riu contra minha pele.

Arrepiei-me por inteiro e resmunguei.

— O que é? Quer que eu te coma logo?

Respondi murmurando um sim, acariciando seu pescoço e

nuca.

Conrad me deixou escorregar um pouquinho para baixo e

entrou até metade de uma vez.

Sensível como estava, gemi fechando os olhos, sentindo a


porra da pressão que aquele piercing fazia contra minhas paredes.

— Deus… — Suspirei contra sua boca.

— Não conte com Ele agora, amor. — Conrad mordiscou meus

lábios. — Só tem eu aqui — e descendo devagar, me fazendo

ofegar a cada centímetro que deslizava para baixo —, eu e essa


bocetinha apertada, gostosa, molhada — ele me soltou de

propósito, seu pau bateu no fundo, eu perdi as forças gemendo


contra sua boca — e minha. — Ele concluiu: — Senta gostoso pra

mim, Red.

E eu o atendi, abraçando Conrad, movendo os quadris sobre

ele, ralando os joelhos no chão de pedra, sentindo suas mãos


deslizando por meus braços, costas, dedilhando minhas costelas,

desenhando minha cintura, apertando minha bunda, me

incentivando a ir mais rápido.

Meus gemidos ganharam ritmo e volume, minha boca escapou

da dele, mas seus dentes deram uma última puxada no meu lábio

inferior antes de descer ao meu pescoço.

O jeito como Conrad cravou os dentes na minha pele antes de

me dar uma bela chupada me diziam que eu acordaria com marcas

na manhã seguinte.

Não me importei. Tudo ali, as metidas na minha boceta, suas

mãos me apertando, sua boca me machucando, tudo doía. E era


assim que eu queria que fosse, até não aguentar mais. Até que

cada pedaço do meu corpo inundasse com a pressão, com o peso

de senti-lo, de sentir qualquer coisa. De fugir do vazio e mergulhar

no único lugar do mundo onde eu sabia que teria um lar.

Era dele, por ele, com ele.


Sempre seria, e quando minhas paredes latejaram à sua volta,

quando eu o engoli por completo, sentindo Conrad inteiro dentro de

mim, e movi os quadris em meio a um rebolado incerto e rápido

demais, o único alerta que dei foi a mudança da respiração e dos


gemidos.

Conrad se manteve dentro de mim, me segurou no lugar. Seus


lábios engoliram meus gemidos e sua boca envolveu a minha

enquanto eu gozava sobre seu pau, perdendo as forças. Suas mãos

nos meus quadris me apertaram só até o clímax passar, e num

gemido sôfrego, ele me tirou do seu colo e eu entendi que precisava


de mim.

Com a água caindo sobre minhas costas, me ajeitei como


antes na sua frente e, enquanto ele se masturbava, mantive a boca

aberta, a língua de fora, provocando a ponta inchada de seu pau,

obediente como ele queria que fosse, com os olhos presos aos dele.

Quando o primeiro jato de porra veio sobre minha língua, cobri

toda a cabeça vermelha com os lábios e suguei cada gota dele, até

seu corpo parar de tremer, até senti-lo relaxar.

E quando acabou, quando finalmente toda aquela agitação

diminuiu, Conrad me puxou para seu colo, roçou os lábios nos meus
e soprou:

— Você é tudo.

— E você é minha casa.

O beijo com o gosto dele na boca foi o melhor de todos, o mais

carinhoso, o mais cúmplice.

E eu tive certeza de que, independentemente do que houvesse

nos esperando do outro lado da porta, enfrentaríamos juntos.


scarlet

estou tão cansada de todo esse azar, ouvindo mais um: mantenha
sua cabeça erguida. isso nunca vai mudar?

y o u d o n ' t k n o w, k a t e l y n t a r v e r.

Acordei na cama de Conrad, mas ele já não estava lá.

Demorei para me localizar, mas quando entendi tudo, foi

inevitável não sentir aquela porcaria de tremor no peito. Fazia três


dias desde o acidente. Desde que tudo tinha mudado. Desde que a

polícia e o advogado apareceram em casa.

A polícia pedindo detalhes do acidente, o advogado para

avisar que Isaac seria avisado e chegaria em breve para o velório


do pai e a abertura imediata do testamento.

Faltavam dois dias para a virada do ano. Seis dias para o meu

aniversário.

Puxei as cobertas mais para cima, escondendo a cabeça e


encarando o nada, pensando em como conseguiria levantar. De

onde tiraria forças para enfrentar o que viria, como poderia suportar

as mudanças, as malditas consequências e Isaac, tudo na mesma


sala. Tudo ao mesmo tempo.

Minha cabeça doeu pensando naquilo.

Queria conseguir ser gentil, compreensiva, pensar que ele

também passaria pelo processo de perda, um ainda pior que o meu,

porque John realmente era seu pai, mas não consegui.

Tudo o que eu precisava e queria era que as coisas andassem

logo, que soubesse para onde deveria ir, como precisava fazer…

Levantei-me com muito custo e me arrastei para meu quarto.

Escovei os dentes, prendi o cabelo no alto da cabeça e vesti

as peças pretas de frio mais elegantes que tinha no armário. John

merecia isso.

Quando desci e encontrei Conrad no andar de baixo, ele

fumava em silêncio, encarando o quintal. E sem dizer nada, porque


não precisávamos, porque não queríamos, porque sabíamos que se
abríssemos a boca tudo ficaria mais real, foi natural pegar sua mão

e atravessar o portal da mansão, descendo as escadas para o

quintal.

Tiramos a neve acumulada de cima do carro, entramos nele e,

quando saímos da propriedade, meu coração se apertou.

Quando voltasse para aquela casa, poderia ser a última vez

que colocaria os pés nela.

Aquilo doeu tão absurdamente que não tive coragem de

compartilhar.

Sabia que Conrad odiava aquele lugar, mas eu? Eu amei a


casa que me acolheu quando perdi o teto, quando tive o coração

quebrado, quando pensei que nunca mais teria uma chance.

Mais do que isso, eu tinha um monte de boas memórias dentro

daqueles portões.

E sim, contudo, eu fui muito feliz ali dentro enquanto tentava


me curar pelos últimos anos.

Ainda que tudo aquilo fosse complicado e doloroso, a mão de

Conrad no meu colo, felizmente, era a certeza de um futuro.


Quando ele estacionou na vaga privilegiada do cemitério, deu

um suspiro profundo e olhou para frente.

— Vai ser rápido. Não vamos receber ninguém depois, mas

você sabe, se quiser ir embora… — A voz dele era morna, baixa,


compreensiva.

— Não. Sei que você precisa fazer isso, que precisa estar lá,

mas eu também. E não precisamos fazer sozinhos, no final das


contas.

— É — ele suspirou —, além do que, meu irmão virá direto


para cá, se é que já não chegou.

— Eu sei lidar com Isaac — confirmei, ajeitando os óculos

escuros no rosto. — Não se preocupe com isso, só vamos… Só


vamos nos despedir de John direito. Ele merece.

Vi Conrad engolir em seco, contendo algo só dele e


confirmando com a cabeça.

Descemos do carro, ele me ofereceu a mão e, diferente do que

fomos no dia de visitar o túmulo de Susan, caminhamos juntos para


a pequena multidão de gente com belos chapéus e caras fechadas.

Todos abriram espaço para que eu e Conrad passássemos.


Eu só não esperava que, ao ver o caixão lacrado, tudo em

mim, principalmente, meu coração, pesasse tanto.

O bom daquilo foi ter a mão de Conrad o tempo todo na minha.

Seu choro silencioso junto do meu.

E mesmo sob o olhar acusador de Isaac, para nossa sorte,

ninguém quis brigar.

Mil e uma pessoas diferentes nos deram os pêsames.

Reconheci alguns rostos no meio daquele mar de gente.

Bella. Caroline, que fez a mão de Conrad apertar a minha com

tanta força que precisei abraçá-lo. Alguns alunos, Maressa e sua


família, e outros tantos estavam lá. Por ele, mesmo que com falsas

condolências.

Falsas ou não, John Prince merecia todas elas.

E eu, secretamente, continuei achando que aquele destino

solitário era o mais assustador possível quando o caixão começou a


abaixar.

Com o coração dilacerado, a garganta arrebentada e tantas

lágrimas pelo rosto que perdi as contas, me despedi em uma oração


silenciosa.
Obrigada, John. Obrigada pelos últimos anos, pela segurança,
por, mesmo que as razões que me levaram até você não tenham
sido ideais, me acolher. Você foi o mais próximo que tive de um pai.

Você me fez sentir parte da família, mesmo do jeito torto e eu nunca


vou saber agradecer o bastante pelo seu ato de coragem. Por mim.

Por Conrad. Eu amo você, descanse em paz.

Então Conrad jogou a primeira mão de terra sobre o caixão.

Isaac a segunda. Eu a terceira.

E, oficialmente, tudo tinha acabado.

John seria uma memória cinza.

Bom para uns, terrível para outros. Às vezes, os dois para uma
única pessoa.

Mas não importava mais, porque, no fundo, aquilo era

consequência da sua partida.

E quem ficava era quem pagava.

Voltei para o carro em passos apressados com Conrad ao meu

lado.

Fugimos da multidão.
E assim que entramos pela porta do Mustang, nos abraçamos
e caímos no choro. Juntos.

Compartilhando a dor, o medo, a incerteza. Sabendo que o


caminho depois dali seria assustador e absurdamente novo.

— Conrad, Scarlet. — Alvo, o advogado, bateu gentilmente no

vidro do carro e Conrad o abriu. — Sinto muito. — Nós acenamos


ambos com a cabeça. — Mas, agora, como pedido de John e, em

caso de urgência, vocês poderiam me acompanhar até minha casa?


Isaac e Maressa, a outra citada no testamento, já estão avisados e

estão indo para lá.

Respirei fundo e troquei olhares com Conrad.

Não entendia por que tinha que ir naquilo, parecia meio

desesperado o homem mal morrer e todo mundo descobrir o que ele


tinha para deixar.

— Certo. Sigo seu carro — Conrad avisou. — Quanto mais

cedo terminarmos com isso, melhor.

— Até lá então.
conrad

deite-se ao meu lado, me diga o que eles fizeram. diga as palavras


que eu quero ouvir para fazer meus demônios fugirem. a porta está
trancada agora, mas ela estará aberta se você for sincera. se você

puder me entender, então, eu posso entender você.

the unforgiven II, metallica.

Meia hora depois, nós estávamos no escritório de Alvo.

Scarlet, Maressa, Isaac e eu em volta de uma mesa redonda.

Meu irmão me encarava com os olhos fundos, vermelhos,

parecendo não conseguir decidir se o problema era eu ou o fato de

Scarlet não soltar minha mão.


— É realmente um momento delicado — Alvo chamou nossa

atenção, mesmo assim, eu não tirei os olhos de Isaac —, mas as


ordens foram expressas em fazer isso logo após o enterro. John foi

rápido e simples em seu testamento, apesar de que me avisou que

o que falaria aqui poderia deixar vocês todos abalados. Então


começamos com a divisão de bens. — Ele suspirou, limpou a

garganta e começou: — Para Maressa, ele deixa a casa onde ela

mora, duzentas mil libras e pede gentilmente para que ela assuma a
reitoria da universidade enquanto seus filhos, inclusive Scarlet, não

estão prontos para isso. — A mulher que acompanhou meu pai, por

anos a fio, se emocionou, cobrindo o rosto com as mãos. Scarlet


estendeu a mão para lhe acariciar o braço, e depois de um

momento de respiro, o advogado continuou: — Para Isaac, deixo o


Tesla, duas propriedades no campo, um apartamento em Londres e

o apartamento no centro da cidade, além da quantia de dez milhões

de libras.

O rosto do meu irmão se transformou.

— Isso está errado... — A tentativa de recorrer em meio à


leitura ganhou um olhar de reprimenda do advogado e ele se jogou,

como uma criança mimada contra a cadeira, me encarando com

ainda mais ódio.


— Para Scarlet ficam oito milhões de libras, a mansão Prince
com tudo o que há dentro dela, um prédio comercial em Londres, e

a Dodge. — A mão de Scarlet tremeu junto da minha e ela parecia

não acreditar no que ouvia.

Meu pai foi justo. Ela merecia tanto quanto qualquer um.

Apertei seus dedos com um pouco mais de força, mostrando


que estava ali e ela correspondeu, mas sem me olhar, limpando as

lágrimas que caíam.

— Para Conrad, meu primogênito, deixo todo o resto da

fortuna e bens materiais. — Encarei o advogado, as sobrancelhas

franzidas, não entendendo. Eu tinha ouvido direito?

Parecendo ciente daquele choque todo, Alvo suspirou e

continuou:

— Feitas as divisões, seu pai tinha algumas coisas para dizer.

Então ele começou:

— Queria família quebrada, tenho muito para dizer, uma

vontade imensa de consertar coisas que nunca poderei, e tempo em

falta. Há alguns meses, fui diagnosticado com uma doença que, por

mais tratamentos que o dinheiro possa comprar, tomou conta do

meu corpo. Em breve, eu não estarei mais entre vocês, e talvez,


seja só desta forma que eu tenha coragem de dizer tudo o que

preciso.

Maressa, eu nunca fui o chefe mais dócil do mundo, mas

espero que não tenha falhado como amigo. Se posso pedir um ou


dois últimos favores é que perdoe minhas falhas e abrace meus

filhos. Não os desampare.

— Para Isaac, meu filho, eu falhei com você. — Meu irmão


parecia concordar. — Falhei com você mais do que com Conrad,

mais do que com Scarlet, mais do que com qualquer outro. Deixei
que você crescesse sem limites, que não sofresse as
consequências dos seus atos e te transformei na caricatura de um

homem forte. Me perdoe por isso. Espero que, com a minha partida,
você coloque os pés no chão, já que acaba de perder a última bolha

que te protegia do resto do mundo. Que enxergue a vida e todas as


oportunidades que têm como bênçãos, e que as faça valer a pena.

Siga seu caminho reconhecendo que suas verdades não são


absolutas, e que nem tudo é uma corrida. Nem sempre o importante
é ser o primeiro. Amo você o bastante para dizer que espero que

você se molde para o que a vida tem de bom para trazer. Que você
não perca o tempo da largada e aproveite o caminho. — Isaac tinha
o rosto manchado pelas lágrimas, mais vermelho do que qualquer

outra vez, e parecia magoado. É, meu pai realmente tinha falhado.

— Para Scarlet, minha doce e amável filha do coração, eu


peço perdão por acreditar algum dia que você só seria uma hóspede

dentro da minha casa. Você, sua beleza, inteligência e sagacidade


trouxeram vida para todos nós. Sinto muito que minha família tenha
te causado tanta dor. Que eu mesmo tenha te contado mentiras e

feito você acreditar em coisas que não deveria. Acredite, se eu


pudesse voltar no tempo, te pouparia de tudo isso. Aprendi a amar

você em sua singularidade e bondade, espero que não perca esses


pequenos detalhes agora, depois do que tenho a dizer para pagar

uma dívida que me atormenta toda santa vez que coloco os olhos
em você e enxergo a tristeza que carrega. Espero que você possa
perdoar cada um de nós. Ser um Prince na mesma sala que você

neste momento será terrível. — Aquilo me assustou e, a pequena


troca de olhares que aconteceu entre mim, Scarlet e Isaac naquele

segundo, foi a pior coisa que eu já presenciei.

Ela recolheu a mão e se sentou meio curvada, juntando as

mãos entre as coxas, balançando os pés e olhando para baixo.

Minha mão ficou no ar, esperando, e meu estômago queimou


quando Alvo continuou, virando para mim:
— Dito isto, Conrad, meu filho. Meu primogênito. Meu espelho.
O seu perdão, eu sei que provavelmente não receberei. Eu fui
relapso. Eu te odiei também. E eu falhei. Sabia que estava falhando

toda vez que você me encarava como se pudesse me matar. Talvez,


agora que eu não estou mais presente, isso tenha te aliviado, não?

Porém preciso que outros saibam da verdade. Que saibam que


Giana abusou de você, física, emocional e sexualmente. E eu não
fiz nada para impedir. O meu pior crime? Não ter te defendido. Meu

maior arrependimento? Usar tudo o que tinha na época para não


precisar mais ver você. Para não precisar lidar com o peso que era

te ver após a morte dela, carregando tanto sofrimento, o meu junto


do seu. Então, naquela noite, quando Isaac chegou com o pé

quebrado em casa e me contou que ele tinha acabado com você e


com a irmã de Scarlet, não vi outra solução. Então, sim, Scarlet. Se
algum dia o seu instinto a alertou de que havia algo além, o além fui

eu escondendo o fato de que protegi Isaac das consequências de


ter matado Susan.

Nunca foi Conrad. Eu sempre soube, e me arrependo de

nunca ter dito nada.

Diante disso, peço perdão pelas feridas que causei. Espero

que, quando vocês forem pais, acertem mais do que eu. Sejam
felizes.

Com amor, John Prince.

Filho da puta — pensei, mas foi tudo o que tive tempo para

processar, porque no segundo seguinte, Scarlet estava de pé,


saindo pela porta, e meu único reflexo, assim como o de Isaac, foi ir

atrás dela.
conrad

rastejando dentro da minha pele, essas feridas, elas não irão se


curar. o medo é o que me derruba, confundindo o que é real.

crawling, linkin park

— Scarlet, espere! — gritei, mas ela não parou.

Os cabelos laranjas ao vento, o desespero dela palpável para

se afastar de nós. De mim.

E a corrida intensa foi até a porta de saída.

Ela tentou abri-la, mas meti a mão por cima de sua cabeça

contra a madeira, obrigando-a a se fechar. Ela insistiu, tentando

abri-la de novo.
— Amor, pare, por favor.

— Sai! — ela gritou. O calor de sua raiva foi o que me

espantou, mas Isaac estava bem atrás de nós, e mais atrevido do

que eu, ele a puxou pela cintura.

Minha primeira reação foi pegá-lo pelo pescoço, apertando

com força até ele soltá-la.

— Porra, não, Scar, você sabe que não fui eu! Nós já falamos

disso um bilhão de vezes antes. Você viu Conrad lá. Você viu como

ele correu, como ele agiu depois!

Scarlet aproveitou daquele momento insano para abrir a porta,

mas parou sob o batente, encarando a mim com os olhos

desesperados, sedentos pela verdade.

— É verdade o que John disse?

— Claro que não! — Isaac tentou, mas eu o sacudi, um recado

claro para que ele calasse a boca. E percebendo que eu deveria ter
dito antes. Que deveria ter confiado nela lá atrás, na adolescência,

suspirei, engoli em seco e fechei os olhos, sabendo que o pior me

esperava.

— É. É verdade. Foi Isaac.

— Me conte.
— Fui até a sua casa naquele dia. — A memória queimou na
minha cabeça. — Vi o carro dele lá e escalei até o quarto da sua

irmã, ele e ela estavam no seu. Os dois estavam com um planinho

sacana de nos separar, ele já te queria naquela época, Red…

Ela encarou Isaac por um minuto, o ódio ganhando sua

expressão.

— Quando ouvi o que eles tinham feito, parti para cima de

Isaac, mas antes eu coloquei fogo em uma peruca que sua irmã

usou e joguei no lixo cheio de papel. O fogo deve ter pegado nas

cortinas e no carpete. Isaac tentou me enforcar, sua irmã foi tentar

me defender e ele a socou. Susan ficou desacordada na hora, porra,

amor… — Meu peito tremeu, eu ri de desespero. — Nós caímos


escada abaixo e, não consegui subir para salvá-la. Eu tentei, mas

não consegui.

E então, me surpreendendo, Scarlet veio até nós, encarou

Isaac e deu um tapa em sua cara tão bem dado que o garoto ficou

sem reação. Como se não bastasse, ela cuspiu nele.

Eu não pensei em rir. Não mesmo, porque sabia que seria o

próximo.

Quando ela me bateu, nem mesmo fechei os olhos.


Eu merecia.

— Você me abandonou por uma mentira. — Magoada,

abalada, prestes a desabar, a voz de Scarlet tremia como ela. —

Você me deixou viver com ele — ela disse entredentes, a respiração


ofegante —, como vivi, sabendo que tudo era culpa dele! Você me

deixou dormir ao lado da morte, você sabia do que ele era capaz,
Conrad!

— Me desculpe, Red — doeu admitir. — Eu achava que você

não acreditaria em mim… achava que você estava seguindo os


passos do meu pai por interesse.

— Mas podia ter me contado agora! — O grito desesperado e


inconformado dela me doeu.

— Não queria te ver assim, não queria acabar com você. Eu

juro que foi com boa intenção.

— Boa intenção, boa intenção — ela debochou. — Conrad, vivi

ouvindo você dizendo que a boa intenção alheia não vale de nada,
então por que porra eu tenho que achar que a sua vale? Você não

confiou em mim! — Scarlet chorava tanto, parecia tanto me odiar,


que eu só me encolhi.
Ela tinha razão. Eu era péssimo em perdoar, e fácil de

enxergar o pior nos outros.

Suspirei, ajeitando a postura, e fugindo de seus olhos, dei de


ombros.

— Eu fiz tudo o que fiz porque ninguém que deveria me amar


foi fiel até o final. Era só o que eu tinha para dar, Red. Dizer que

sinto muito muda alguma coisa?

— Não desta vez. Não mais. — Se afastando, ela mirou a mim


e Isaac com os dedos e disse: — Cansei dessa merda. Não quero

ver a cara de vocês nunca mais. Nunca mais.

E a vi saindo pela porta.

Tive vergonha de ir atrás.

Tive vergonha de olhar o que tinha feito.

Larguei Isaac de qualquer jeito e voltei para me largar sobre o


sofá.

Eu era, agora, um pobre garoto milionário de coração partido.


scarlet

você se lembra de quando éramos felizes juntos? eu me lembro,


você não? de repente, você está de saco cheio. isso ainda é
verdade? você disse que era para sempre e no final eu lutei por

isso. por favor, seja honesto, estamos melhores pra isso? pensei
que você me odiasse, mas você ligou e disse: sinto sua falta. eu

entendi. Você disse para sempre e eu quase comprei a ideia. sinto

falta de brigar no seu antigo apartamento, quebrando louças quando


você está decepcionado. eu ainda te amo, prometo. nada aconteceu

da maneira que eu queria, cada canto desta casa é assombrado e


eu sei que você disse que não estamos nos falando, mas sinto sua

falta, me desculpe. eu não quero ir, acho que vou piorar. tudo o que
conheço me traz de volta para nós. eu não quero ir, já estivemos

aqui antes. onde quer que eu vá me leva de volta para você.

i ’ m m i s s y o u , i ’ m s o r r y. g r a c i e a d a m s .

Desisti de não fumar.

Deitada na cama de atravessado, com a cabeça para fora do

colchão, traguei profundamente e encarei o céu noturno.

O inverno era uma merda.

Aquela casa vazia, um pesadelo.

Meu avô ligou, preocupado, mas eu tinha aprendido a mentir

bem.

Porém, se alguém me visse, se conseguisse colocar os olhos

em mim naquele minuto, todos saberiam. Eu estava morrendo. E

dessa vez, parecia não ter medo disso.

Soltei a fumaça pelo nariz. A lágrima pequena e fina escorreu


pelo canto dos meus olhos.

Era uma das últimas remanescentes. Tecnicamente, do tanto

que havia chorado nos últimos dias, seria impossível eu chorar mais

alguma vez pelo resto da minha vida.


Não se engane — meu subconsciente avisou —, você já
pensou sobre isso uma vez. Em cinco anos, ele pode voltar, em

cinco anos…

— Cale a boca — pedi, fechando os olhos e massageando as

têmporas com os polegares. — Me deixe esquecer. Eu só quero

esquecer.— implorei ao universo, a Deus. Ao mundo.

Mas os fantasmas do que eu carregava no peito estavam

loucos para me perturbar.

Eu estava tão magoada, tão machucada…

Como Conrad podia ter ido embora como foi, sabendo de tudo,

e me deixar para trás com o assassino da minha irmã? Como


conseguiu me deixar viver um romance com ele, sabendo da

crueldade, da verdade?

Como eu poderia confiar nele de novo?

Como eu poderia abrir a porta?

John também tinha sua parcela de culpa, mas fez o que

precisava fazer, mesmo morto.

Eu não sabia se o odiava ou se o agradecia.

Na verdade, tudo no meu peito era dúbio.


Eu queria gritar com Conrad. Queria quebrar a casa toda.

Queria socá-lo e machucá-lo.

E queria que ele correspondesse, e me amasse, e me fodesse,

e que colasse tudo dentro de mim que parecia partido demais para
tocar sem cortar os dedos.

Naqueles dias todos, meus pensamentos me fizeram escrava.

Eu não consegui dormir.

Abandonei toda medicação, assaltei a adega de John, já que

ele disse que tudo ali dentro era meu, e depois de beber mais do
que um gambá, não tomar banho por dias e me sentir um lixo, não
aguentei mais.

Faltavam duas horas para o meu aniversário de vinte anos.

Um aniversário vazio. Sozinho.

Era a previsão do que me aguardava?

O medo fez meus ossos doerem e, quando terminei o cigarro,


acabei com a garrafa de Bourbon no gargalo e me levantei.

Precisava de um banho.

Precisava sair.

E foi o que eu fiz.


Meio bêbada, faminta, peguei o isqueiro de Conrad em cima

da mesa e enfiando-o no bolso, desci. Arranquei a picape ainda


fodida da garagem, saí de casa agradecendo por a nevasca ter

dado uma folga e dirigi para o lugar onde não pisava há tanto
tempo, que fiquei até com medo de não existir mais.

Dirigi para casa.

Ou para o que sobrou dela.

Sozinha, como parecia que devia ser.

Parei do outro lado da rua e desliguei a picape.

O sentimento que veio foi esquisito. Lembrei-me de quando

Conrad estacionava ali e, olhando para o lugar que permaneceu


intocado há anos, nas ruínas do que um dia foi um lar, me vi

descendo as escadas, sorrindo tanto que não me continha, para


encontrá-lo.

Nós nunca tivemos um título. Será que amor da minha


existência era demais?
Porque era o que era.

Minha antiga rua não tinha mudado tanto.

As casas pareciam paradas no tempo, e se não fossem os

novos postes e a neve acumulada, eu poderia fechar os olhos e


imaginar que estava naquele verão conturbado de novo.

Ainda assim, teimei em me fincar no presente.

No que tinha nas mãos.

Nas consequências de tudo.

E desci.

Atravessei a neve acumulada na calçada, tendo as botas

engolidas por ela, subi os degraus de pedra que ainda resistiam e


encarei o resto de madeira que, por cinco anos, ninguém se atreveu

a tirar. Acho que alguém pensou que, se mexesse, estaria


desrespeitando Susan.

Ou a memória do que aconteceu.

Andei por onde dava, tentando me lembrar com exatidão do


que ficava onde, mas minha memória não era mais tão fiel. Foi por

isso que, tentando não cair, com o equilíbrio já afetado, atravessei a


fundação da casa e saí pelos fundos.
O som do riacho bravo me fez ficar alerta. Achei que ele
estaria congelado. Que estaria calmo. Mas mostrando que era mais
forte do que eu pensava, a água corria pela depressão e eu, sem

querer admitir que estava velha demais para aquilo, sentei no velho
balanço de onde vi Conrad naquele verão.

Encarei a quadra fechada e não consegui me conter.

Queria gritar, queria chorar, queria sentir qualquer outra coisa

que não fosse aquela dor.

Aquela falta toda, aquele amor avassalador junto da mágoa

gigante.

Meu relógio apitou meia-noite.

Eu arranquei o isqueiro do bolso e fiz sua chama dançar contra


o vento.

Assisti por um tempo como ela lutava para se manter em pé e

ri sem graça.

Eu entendia o fascínio de Conrad com o elemento, comigo. Eu

era o fogo.

Eu não me curvaria, mas dependendo do vento, poderia ser

apagada se não tivesse mais nada para queimar. E era isso. O


amor, ele, o modo como me sentia junto dele, aquilo era meu

combustível.

Meu peito tremeu.

Ligue para ele — meu coração pediu, mas o ignorei.

De olhos fechados, eu desejei.

— Queria morrer. Queria que parasse de doer. — Soprei a

chama do isqueiro e ouvi.

— Então, feliz aniversário. — A voz atrás de mim era

conhecida, mas não tive tempo de virar.

Algo atingiu minha cabeça.

Doeu como se meu crânio estivesse rachando e, então, tudo

ficou em silêncio.

Tudo tinha parado de doer.


conrad

nós estamos brincando com fogo, mas eu gosto desse jogo. e eu


conheço seus demônios, conheço eles por nome.

in flames, digital daggers.

Uma da manhã.

Eu ainda não tinha dormido. Não conseguia.

Era aniversário dela.

E eu era a porra de um covarde.

Rodei pela cidade a noite toda, querendo uma desculpa para

invadir seu espaço, quebrar sua muralha, mas não me sentia digno.
Não daquela vez.
Ver através de Scarlet, das merdas que nos enfiaram, tê-la tão

intensamente sob a pele… O que eu poderia dizer? Eu a entendia


por não conseguir me perdoar. Minha única alternativa era esperar

passar.

Foi o que tentei fazer naquela última semana, mas como um

cachorro rodando atrás do próprio rabo, eu sempre acabava nela.

Em alguma memória, com algo seu, preso na minha maior cobiça,


sofrendo dos efeitos da minha pior maldição.

Meu carro estava no acostamento.

Há cinco minutos da casa que agora era dela.

Ela só precisava chamar, ela só precisava querer, e eu estaria

lá.

Como um sinal divino, meu celular vibrou no bolso.

O nome dela na tela fez meu coração martelar.

— Ei… — cumprimentei, mas a risada do outro lado fez toda a

boa-fé do meu corpo evaporar.

— Conrad, ela não te perdoou ainda, não é? — O riso de Isaac

não era natural. — Babaca.

— Onde está Scarlet? — Entredentes, já ligando o carro,


coloquei o celular no viva-voz.
— Ela está aqui, comigo… Estava passeando por aí, nesta
noite fria e a encontrei desamparada, desprotegida. Achei que

Scarlet seria a minha melhor companhia no inferno. — O tom de voz

dele mudou completamente. — Essa puta, desgraçada. Me conte,

Conrad, é gostoso foder com ela? Como a acertei com muita força

na cabeça, ela não gemeu nenhuma vez quando me enterrei…

— ISAAC, SAI DE PERTO DELA! — Minha fúria rugiu.

Meu peito ardeu.

Eu o mataria.

Com certeza, eu o mataria.

Ainda mais por seu riso, sua provocação.

— Há dois anos, eu lhe dei uma camisola francesa, desses

modelos cheios de babados e amarras. Vesti-la para nossa primeira

vez foi mais complicado do que eu esperava. Você quer saber como

foi, Conrad?

— Cale a boca. — Eu não queria ouvir, mas não podia

desligar.

Pisei mais fundo no acelerador.

— Foi como vi você fodendo com a minha mãe. Em cima da

mesa da biblioteca. Entre suas pernas. Depois de tocar Scarlet toda,


depois de ver as marcas que você deixou nela, eu a tornei minha.

Podia jurar que ela seria mais molhada. Me conte, com você ela fica
molhada?

— Eu vou pegar você. — Foi meu último aviso.

Mas do outro lado da linha, eu sabia que Isaac sorria.

— Isso, venha participar, venha queimar conosco.

— Desgraçado.

— Ei, Conrad. Eu achei vinte comprimidos daquela sua


Supernova nas coisas do papai. O que acontece se eu enfiar todos
de uma vez pela garganta de Scarlet? Acha que ela vai sentir

quando o fogo nos consumir?

E, para o meu desespero, ele desligou quando joguei o carro


contra os portões da mansão Prince. Eu não corri por ver as árvores

queimando. Não corri por ver a fumaça preta ganhar o céu enquanto
a obra de arte de Isaac virava um monstro sem controle.

Eu corri porque eu a salvaria.

Nem que tivesse que dar minha vida no lugar.


Larguei o carro aberto, desligado, no meio do quintal, longe do

fogo.

Ajeitando a jaqueta de couro sobre o corpo, desci para invejar


Isaac pela primeira vez na vida. Ele tinha feito a loucura que era

meu sonho. Ele tinha colocado fogo na casa toda.

A prova daquilo eram os galões de gasolina que ele tinha

jogado no quintal.

Aquela merda não apagaria antes de eu conseguir arrancar


Scarlet de lá.

Correndo contra o tempo e passando pela porta de vidro que


ele, provavelmente, tinha arrebentado, eu encontrei o inferno.

A árvore de Natal tinha derretido. O fogo consumia as cortinas,

os tapetes, os sofás e as poltronas. Não havia nada intocado. Não


havia nada seguro. E eu me protegi da melhor forma que podia

enquanto corria para chegar até a escada.

Parecia que aquele era o único caminho livre, para entrada, e

para a possível saída.


Tentando não inalar tanta fumaça, suando pelo calor absurdo
dentro daquelas paredes, atravessei o corredor para a única parte
livre e entrei no escritório, arrebentando a porta.

Isaac se divertia, alucinado, como se aquilo fosse brincadeira.

Deu tempo de ver seu novo passatempo. Ele molhava os livros

favoritos de Scarlet com álcool, colocava a ponta na lareira, e


quando o fogo pegava, jogava em algum canto da biblioteca,
fazendo o fogo se alastrar.

— Vem, irmão — ele me chamou, de costas para mim. — Não

é você quem gosta de brincar com fogo?

Meus olhos desviaram dele para Scarlet.

Desacordada, mole sobre a mesa.

Meu primeiro reflexo foi avançar na direção dela.

Ela tinha o pulso acelerado demais para alguém desacordada.

Sua respiração era intensa.

— Eu dei suas drogas para ela. — Eu não conseguia entender


a porra da naturalidade com que Isaac dizia aquilo. — Você não

gosta dela maluquinha por você? Agora vai ver ela queimar e parar
direto no inferno… — ele continuava com seu discurso maluco
enquanto queimava os livros e, cego pela raiva, sem pensar direito,
me joguei contra ele.

Contrariando tudo o que eu pensei que Isaac faria, ele riu.

O filho da puta riu.

— Está triste porque eu comi sua mulher? Está magoado


porque ela vai morrer e você não vai poder fazer nada? — Isaac

gargalhou. — ÓTIMO, DESGRAÇADO! — gritando, ele reagiu,


tentando me acertar um soco. — VOCÊ FODEU MINHA MÃE!

— Porque ela quis, seu idiota! — Rolamos no chão, Isaac

pegou impulso melhor do que eu e, com as mãos no meu pescoço,


tentou usar seu peso e sua força em vantagem para me sufocar

com ambas as mãos.

— Você acabou com a minha família! VOCÊ VAI MORRER,

VOCÊ VAI MORRER… — Isaac não estava normal. Ele não podia

estar normal.

Os olhos de pupila dilatadas, os lábios rachados, a cara de

louco.

Aquele idiota devia ter usado tanta droga de uma vez que

havia perdido o rumo.

Era a única explicação.


Tentei arrancá-lo de cima de mim. Tentei acertá-lo com os

joelhos, com os punhos, com tudo o que tinha, mas ele parecia
pronto para me matar. Era sua missão de vida.

— Desta vez, eu não vou falhar! — ele gritou por cima do som
da destruição.

E quase no limite, meio sem ar, com medo de realmente

morrer ali, naquela sala, olhei para cima. Acima da minha cabeça
estava a lareira, o fogo.

A fascinação, o desejo de ser livre, indomável, poderoso…


estava tudo lá.

Pensei em como ele brilhava consumindo a lenha e quis ris de

nervoso, já que o meu combustível estava morrendo sobre a mesa.


Scarlet e seu vestido de girassol, seu coração mil vezes melhor e

mais merecedor do que o meu, seus olhos verdes, brilhando,

magoados por uma última experiência assustadora em que eu era o


traidor.

Merda, eu não podia morrer assim. E não podia deixá-la

morrer pensando aquilo de mim também. Se não fosse aquela


vontade de me provar, eu não teria prestado atenção no velho
atiçador pintado de verde, que Giana me queimou e bateu tantas

vezes antes, encostado lá, resistindo como testemunha do tempo.

Era o que eu precisava.

Com dificuldade, estiquei o braço na direção do fogo.

Precisava passar por ele para pegar o pedaço de ferro.

As chamas envolveram minha pele. Queimaram o tecido.

O fogo me feriu.

A dor me acordou.

E em um grito de desespero, de força, de revolta, meus dedos

se firmaram em volta do atiçador e, sem tempo para pensar,

disposto a tudo para sobreviver, enfiei a ponta dele no pescoço de


Isaac e o vi atravessar.

Suas mãos em volta do meu pescoço aliviaram.

Eu consegui respirar.

Meu irmão abriu a boca para balbuciar algo, mas o único som
que saiu foi um engasgar surpreso. As mãos dele foram para o

pescoço, tentando entender o que tinha acontecido. Seus olhos se

encontraram com os meus. Seu sangue caiu no meu rosto, na


minha boca.
Eu não queria prová-lo. Não queria carregá-lo. Mas não tive

opção.

Aquele era o preço para Caim.

Eu sempre seria Caim.

E Isaac seria o Abel mais filho da puta da história.

Meu irmão cambaleou para o lado.

A beleza de sua morte não sobreviveu ao tamanho do meu


ódio.

Sangue escorria do seu sorriso vazio. Seus olhos perderam o

brilho, encarando o nada.

E livre dele para sempre, sabendo que daquele crime eu não

seria perdoado, eu me ergui.

A mansão não resistiria.

Eu não podia dizer que sentia tristeza.

Ainda assim, quando corri para fora do escritório e entrei no

quarto em frente, só tive tempo de molhar as toalhas estendidas na


pia enquanto resistia à dor massacrante na minha mão.

Voltei para Scarlet o mais rápido possível, arranquei dela

aquele tecido esvoaçante, mantendo-a só de camisola curta, a cobri


da melhor maneira possível com as toalhas úmidas e, com ela no

colo, enfrentei o resto do inferno, sentindo como se fosse derreter,

como se a casa quisesse acabar com todos de uma vez, antes de

cair com ela no quintal, sobre a neve, não sabendo o que fazer.

Scarlet estava em chamas por dentro.

Seu corpo estava superaquecendo.

Cobri a neve com uma das toalhas úmidas e a deitei em cima.

Coloquei suas mãos sobre o gelo.

— Acorda, amor — pedi, minha voz mais baixa. Uma prece.

Virei seu corpo para o lado e enfiei os dedos em sua garganta.

Precisava que ela vomitasse, que ela colocasse o que ainda


tinha de Supernova para o corpo absorver para fora, mas não

consegui.

Ao longe, eu podia ouvir os bombeiros. Eu podia ver as luzes

chegando, mas com a garota, que era a única coisa pela qual viver,

imóvel em meus braços, eu não consegui fazer outra coisa que não

fosse chorar.

— Vamos, amor. Vamos, Red. Reaja. — Tentei sacudi-la, bati

em seu rosto sujo de fuligem. — Por favor, Red. Por favor —


implorei, colocando um pouco de neve sobre seu colo, sobre seu

rosto.

Ela não se moveu.

— PORRA, SCARLET! VOCÊ NÃO PODE FAZER ISSO


COMIGO! — gritei em completo desespero. — Me perdoe, Red. —

Abraçando seu corpo, me sacudi junto dela. — Eu não te contei

sobre Isaac, porque eu sabia que algo aí dentro de você o amou


também. — Queria que ela levantasse para me entender, para me

escutar. — Eu não podia quebrar você mais do que já tinha feito. —

Nunca um choro meu foi tão doloroso. — E de algum jeito, eu sei

que ele pensou que também tinha te amado. Mas não, nunca, Red.
Ele nunca te amou. — Beijei o rosto de Scarlet uma porção de

vezes, meus lábios queimando contra sua pele que não parecia

pegar fogo. — Se ele te amou com todo o poder de sua alma por
uma vida inteira, ele não poderia amar você tanto quanto eu em um

único dia. — Me enterrei em seu pescoço. Agora os sons vinham de

dentro da propriedade, mas não importava mais. — Eu te amo,


Scarlet. Eu te amo. Não me deixe sozinho, por favor, você

prometeu.

Mas era tarde demais, e então a tiraram dos meus braços.


scarlet

É engraçado, você é quem está destruído, mas eu sou a única que


precisava ser salva.

s t a y, r i h a n n a .

Eu quase morri, de novo.

A sensação de quase morte física era inenarrável. Ainda mais

quando pequenos flashes que eu não sabia se eram ou não reais


apareciam. Eu surtei pela primeira vez depois de acordar e me

contarem sobre o possível abuso. A segunda veio quando soube da


morte de Isaac, do que ele aprontou. A terceira foi pela perda da

casa, do meu teto seguro.


Minha cabeça estava confusa com tudo, mesmo depois da

visita do psiquiatra, mesmo depois de tentarem me trazer para a


realidade. Era difícil processar tudo com as lacunas, mas ao mesmo

tempo em que eu tinha vontade de esquecer, algo dentro de mim

gritava, muito além. Eu tinha necessidade de abrir os olhos e vê-lo.

Naquela tarde, longos doze dias depois de tudo, depois de

mais remédios para dor e para dormir, senti alguém no quarto. Foi
por isso que, quando vi que conseguia abrir a boca. Que podia falar.

Eu o chamei:

— Conrad? — Foi muito mais baixo do que eu esperava


conseguir, mas só aquela palavra levou todo meu esforço.

Sabia que me colocar para dormir era melhor do que me ouvir


alucinar.

Mas daquela vez, me surpreendendo, eu não tinha por que

gritar.

Sabia que era ele por causa daquela queimação boa que tinha
quando seus olhos estavam em mim. E quando senti sua mão

cobrindo a minha, mesmo com medo de olhar para baixo, eu quis

chorar de felicidade.
— Soube que queria me ver. — Sua voz penetrou na minha
pele tão intensamente, que mesmo baixa e profunda daquele jeito,

fez cada fibra minha relaxar.

Quando soltei o ar dos pulmões, as lágrimas presas também

escorreram pelos cantinhos dos olhos.

— É você. — Sorri. — Não estou sonhando?

— É comigo que você tem sonhado, Red? — falando baixinho,

sereno, Conrad realmente parecia estar ali.

— Boa parte do tempo. Mas você sempre está bravo comigo.

Seu riso frouxo me tentou.

Eu queria tanto olhar para baixo. Queria tanto vê-lo!

Mas ainda me faltava coragem.

— Por que eu estaria bravo com você, quando sou eu quem

tenho fugido de olhar para os seus olhos, depois de tudo?

E, invadindo meu campo de visão, Conrad parou com o rosto

sobre o meu.

— Não estou mesmo sonhando? — Tentei mais uma vez.

— Estamos brigando?
Sorri, erguendo a mão dolorida pelo acesso para tocar seu

rosto.

A lágrima que correu pelo seu rosto molhou a ponta dos meus

dedos.

— Acho que não.

— Então, acho que não é um sonho. — Ele suspirou contra


meu rosto e me esforcei para aspirar seu cheiro. — Senti sua falta,

Red.

— O que faremos agora? — Era a pergunta mais sincera que


eu já havia feito em toda minha vida.

— Você já sabe de tudo? — Confirmei com a cabeça em um


movimento curto. — Então, depois daqui, você está livre.

Livre?

— O que isso quer dizer? — perguntei, não gostando de seu


tom tristonho.

— Que vou embora, Red. Você não precisa de mais desgraças

na sua vida. Os Prince quase acabaram com você. — A risada


amarga de Conrad fez meu peito doer.

— Não — choraminguei. — Não! — Minha voz ganhou mais


força e eu gritei.
— Ei, ei, ei. Calma. — Ele tentou me conter. — Eu só estou

pensando…

— Está pensando em ir embora — murmurei entre o choro.

— É melhor, Red…

— Nunca. Você não pode me deixar. Não pode desistir, não

pode… — E aquela sensação de quase morte, de novo, me pegou.

Dessa vez era diferente. Dessa vez era a morte real. Do


espírito, da alma.

Eu ia afundar.

— Conrad, por favor, não, não, não — implorei, mas não podia
me mover por causa de seus braços me mantendo no lugar.

— Se acalme, Red. Por favor, se acalme.

— Você não pode ir embora de novo — briguei.

— Você quer que eu fique? — Ele parecia surpreso.

— Quero. — Minha resposta foi direta.

— Amor — ouvi-lo me chamar daquele jeito me deu esperança


—, eu acabei com a sua vida. Eu… Isaac quase te estuprou. Quase

te matou. O filho da puta estava tão drogado que só conseguiu


trocar suas roupas. — Notando o pânico nos meus olhos, ele
preferiu justificar: — Mas ele não te tocou. Foi a primeira coisa que
pedi para verem quando você chegou aqui…

— Eu... — Engoli aquela possibilidade com dor no peito. —


Não quero falar disso.

— Agora?

— Nunca mais. Acabou.

— Certo… Mas é isso, eu acabei com você, Scarlet. Como


você quer que eu fique?

— Porque eu te amo. — Não era óbvio? — Por favor, não me

deixe de novo. Por favor, não vá embora. Só me leve para casa. —


Era o pedido mais urgente.

— Red, você não tem mais uma casa.

— Casa é onde você está.

O sorriso de Conrad iluminou o quarto.

— Você ainda me ama? — perguntei.

— Sempre. — A resposta dada com um beijo na testa me fez

tremer.

— Ótimo. Vamos fazer funcionar.


scarlet

toda vez que fecho os meus olhos é como um paraíso sombrio,


ninguém se compara a você, tenho medo de você não estar me
esperando do outro lado.

dark paradise, lana del rey

dois meses depois.

Minhas costas batiam com força contra o armário do vestiário.


Com as pernas em volta da cintura de Conrad e suas mãos

agarradas à minha bunda, segurando todo meu peso enquanto se


enterrava em mim, ele me provocava com estocadas lentas, saindo

completamente de mim e entrando até o fundo.

Ofegante, tão molhada que o sentia escorregar sem

dificuldade alguma, me agarrei aos seus ombros e no auge do


tesão, liberei sua boca para tentar conter os gritos por ser fodida

daquele jeito no vestiário dos Vipers antes do jogo contra os

Badgers.

Conrad desceu com a boca ao meu pescoço, sua respiração

quente batendo contra minha pele, me fazendo deitar a cabeça para

trás.

— Safada, geme mais alto, geme? Deixa todo mundo saber

que eu estou te fodendo, deixa todo mundo saber que essa boceta é
minha.

Ele se afastou um pouco, forçando a queda do meu quadril, se

enterrando até o último.

— Conrad! Porra, não para, não para! — implorei.

Aquele maldito piercing causando atrito dentro de mim,

provocando cada pedacinho sensível que eu nem sonhava que

podia sentir prazer junto de um dos dedos de Conrad brincando no

meu cu, me deixou alerta demais.


— Se eu ganhar, esse rabo vai ser meu prêmio

— E-e se não? — Tentei provocá-lo, me esforçando para

manter os olhos abertos nos seus.

— Então ele será meu prêmio de consolação.

Quis rir, mas Conrad arrancou qualquer chance de eu produzir


outro barulho que não fossem gemidos.

Meu, agora, namorado, acelerou o ritmo absurdamente. Me

colocando para cima de novo, avisando, enquanto me abraçava

com força:

— Eu vou gozar em você, Red. E lá fora, torcendo por mim, vai


me sentir escorrendo nas suas coxas só para mostrar que é minha.

Eu queria muito responder algo, mas não conseguia. O

formigamento nos meus seios, no meu ventre, seu dedo no meu cu,

seu pau na minha boceta. Era informação demais para processar e,

quando ele fez o que prometia, me travando em si para gozar

pesado, eu o acompanhei.

Levaram alguns segundos para que eu ou ele conseguíssemos

dizer algo, mas quando eu abri os olhos e encarei o espelho atrás

de nós, não tinha nada para ser dito. Não precisava de recado

nenhum quando lá, refletido, nas costas de Conrad, sobre todas


aquelas cicatrizes, estava meu nome em uma letra rabiscada,

gigante, como uma etiqueta de pertencimento.

Eu era dele e ele era meu.

Conrad me soltou, beijou minha boca e riu.

— Acho que esse é o melhor pré-treino que já tomei.

— Ridículo. — Tentei segurar o sorriso. — É bom que faça

efeito, ou nunca mais vão me deixar descer aqui antes de um jogo.

— Ninguém seria louco de te impedir de descer, Red. — Sua


voz era quase mortal, como se pagasse para ver alguém tentar.

E com a mão quase completamente boa, Conrad acariciou


meu rosto.

— Ninguém no mundo pode me manter longe de você —

quando ele completou, precisei lembrar como se respirava. Seria


sempre daquele jeito?
Foi só sairmos do vestiário para o campo, que Bella veio nos

encontrar.

Thomaz devia estar em algum lugar lá fora, mas Conrad


ignorava sua existência e eu também. Era a maneira que tínhamos

de preservar a amizade tão importante da garota.

— Vocês estão atrasados... Espera. Vocês estavam fodendo!

— ela gritou.

Conrad deu de ombros, rindo, trocando um olhar cúmplice


comigo.

— O que posso fazer? Sou viciado nela. — E se curvando para


mim, em público, beijando minha boca, ele disse contra meus lábios:

— Até mais tarde, Red. Venho buscar meu prêmio depois.

Então, ele soltou minha mão e se foi.

Admirei-o, boba como sempre, cruzando os braços, orgulhosa.


Ele era o meu deus grego, o meu namorado, o meu Conrad Prince.

Suspirei apaixonada e Bella riu.

— Eu não queria admitir, mas sempre soube que seria assim


entre vocês. — O tom vitorioso dela me vez revirar os olhos.

— Ah, fala sério, Bella. — Tentei cortá-la.


— É sério — ela insistiu. — É o tipo de coisa que ninguém
pode fugir, é como eu e...

— Thomaz — completei, um pouco desconfortável. Ela


confirmou com a cabeça.

Bella ficou ao meu lado, encarando o campo.

— Como vocês estão? — perguntei, curiosa.

— Bem… — Não parecia ser verdade. — Ele e Conrad


acabam comigo, odeio essa divisão, mas não tem o que fazer. Ele

errou muito, mas… — A garota suspirou, cansada.

— Mas você não o deixaria nem que sua vida dependesse


disso. — Olhei para Conrad correndo no campo e lambi os lábios. —
É, eu sei como é.

— É... — Ela riu, sem graça. — Acho que vamos ter que

descobrir como fazer funcionar, não é? — Querendo fugir do peso


daquele assunto, ela virou a chave, usando um tom de voz mais
animado. — Veja você, até de fraternidade mudou!

Virando-me pelo ombro, ela deu uma bela olhada na minha

jaqueta nova, dando risada.

— Ele estilizou, é?
Em cima da logo da fraternidade, na mesma letra do
"Dangerous Vipers" estava "propriedade de Conrad Prince".

— O que posso dizer? Ele não está mentindo. — Eu a encarei


divertida e Bella devolveu o olhar.

— É, sabemos que não.


scarlet

peço perdão pois prefiro esse caos a um amor mortal.

caos, camaleoa

Levaram cinco anos para a mansão ficar pronta.

Era incrível a capacidade de algo se reconstruir e crescer tanto


após passar pelo fogo. Aquela casa era a prova. Conrad e eu

também.

Ever, minha pequena Ever, dormia nos meus braços, enquanto

eu a ninava olhando pela janela de seu quarto, esperando Conrad


voltar para nossa casa depois de doze dias fora.

Naquele futuro, que eu acreditei ser impossível muitas vezes,


eu era médica. Ele, o químico mais incrível e inteligente que alguém

já tinha visto. E faríamos história juntos.


A nova versão da Star estava em meios de ser aprovada como

medicamento. Conrad nunca mais produziu nada recreativo que


pudesse arranjar problemas, e nossa vida era ainda mais perfeita do

que eu sonhei que poderia ser.

Dali de cima, vi quando o carro cruzou o portão e, sentindo

saudade do caminho de árvores que tinha sido queimado e extinto,

deixei minha pequena de cabelos laranja como os meus com a babá


e desci para encontrar meu, agora, marido, e o peguei atravessando

a porta da sala.

De social, ainda tão tatuado quanto antes, Conrad parecia


leve. Parecia não, ele era. As sombras do passado, os sacrifícios

que precisou fazer, ficaram para trás.

Sua única pedra no sapato ainda era sua mãe, mas ele a

mantinha a uma distância segura e raramente trazia esse assunto à

frente.

De vestido azul e pés no chão, me joguei contra ele e fui pega


no ar.

— O que é isso? — Ele riu contra minha boca.

— Doze dias sem você. — Finalmente beijando-o, sedenta por

sua língua na minha boca e em todo o resto do corpo, fui colocada


no chão com cuidado enquanto ele me mantinha junto de si com as
mãos na minha cintura.

— Eu tenho uma surpresa. — Ri, não conseguindo mais

esconder, denunciando meu próprio segredo.

Encarando os olhos mais negros que a noite, que ainda eram

tão lindos quanto antes, não deu para segurar.

— E o que é? Um presente?

— Mais ou menos.

— É de comer? Estou morto de fome — ele confessou.

Pegando sua mão, sorri de canto e o guiei para a cozinha,


conferindo que não havia nenhum funcionário no caminho.

— Hm... — Fiz mistério, largando Conrad para fechar as portas

para que ninguém entrasse. — Até que é.

E antes que ele tivesse chance de correr, ou de entender o que

acontecia, cheguei perto dele com os braços para o alto. Meu olhar
no seu o desafiava.

Conrad parecia entrar na brincadeira, afrouxando a gravata e

abrindo os primeiros botões da camisa, exibindo o pescoço tatuado,

fazendo meu coração bater mais rápido.


Ele ainda era uma obra de arte, e eu uma colecionadora muito,

muito sortuda.

— Tire — exigi.

E prontamente, segurando o meio-sorriso devasso no rosto,


ele obedeceu.

Suas mãos seguraram a barra do vestido e, conforme ele o


subia, desenhando meu corpo, deixando um rastro quente contra

minha pele já arrepiada, sussurrou:

— O que está aprontando, Red?

Eu quis rir, mas o esperei enxergar.

E os olhos de Conrad estavam bem concentrados lá embaixo.

Meu vestido foi parar no chão.

Ele ajoelhou na minha frente e, quando desceu a minha


calcinha, eu mordi o lábio, esperando sua reação.

Conrad ficou quieto, encarando seu nome escrito bem abaixo

da linha fina da minha cesárea. Seus dedos passaram pela cicatriz


primeiro, depois pela tatuagem. Me segurando no lugar, ele apoiou a

testa contra meu ventre e senti seu corpo tremendo ao rir.

— Red? — Seu tom divertido me fez rir.


Puxei seu rosto para cima, para encará-lo, e soprei:

— Feliz aniversário, amor. Você ainda quer comer?

Ele gargalhou, deitando a cabeça para trás.

— Ah, eu quero. — As mãos nos meus quadris me jogaram


para cima do balcão. — E eu vou.

Deitei-me ao senti-lo entre minhas pernas.

Conrad beijou por cima da tatuagem enquanto seus dedos

acariciavam minhas virilhas, meus grandes lábios e os pequenos.


Eu já pingava, antes mesmo dele sequer ter me tocado.

Ele beijou o caminho da tatuagem até meu clitóris e quando o


acertou, não suportei mais segurar. Segurei meus seios, atiçando os

bicos duros e gemi gostoso, movendo o quadril para rebolar em sua


boca.

Conrad não aliviou.

Sua lambida era suave, propositalmente em contraste com


seus dedos.

Dois dedos me invadiram e eu arfei, gemendo seu nome.

— Calma, amor. Eu não disse que estava faminto?

Não tive tempo de rir, de processar, de entender.


Os dedos de Conrad pressionaram aquele lugar preferido, sua
língua resolveu me enlouquecer, e conforme a pressão no meu
ventre pesava, eu sabia o que estava por vir.

— Quero que olhe — ele pediu antes do limite ser rompido.

Apoiei-me nos cotovelos e assisti, resistindo bravamente

enquanto meu corpo tremia em uma intensidade louca, depois de


doze dias longe do meu maior e melhor vício.

Esguichando em sua boca, vendo Conrad me beber em cada


gota.

Sentei-me em um segundo, queria-o todo, e quando o puxei

para beijá-lo, ele inundou minha boca com meu gosto.

— Me fode — implorei.

E sem dizer nada, Conrad me puxou para baixo e só tirou o

pau de dentro da calça.

Bruto, forte, excitante pra caralho, ele me girou e desceu meu


corpo para o balcão.

Com o rosto contra o mármore branco, senti seu pau procurar


minha entrada e entrar de uma vez.

— Porra! — nós dois gritamos juntos.


Sua mão na minha nuca me apertava contra o balcão.

Sua outra mão estapeou minha bunda com força, e seu pau

me fodeu como se aquilo fosse tudo o que sabia fazer.

Eu o ajudei como podia, espalmando as mãos onde seu corpo


encontrava com o meu, me abrindo para recebê-lo até o último

centímetro e Conrad o fez.

Intenso, caótico, nosso.

Seu pau pulsava, eu também, e naquela tortura perturbadora,

conforme seu piercing fazia tudo mais intenso, perdi completamente

o controle do meu corpo.

Eu gritei e chorei, apertando Conrad dentro de mim tão

abruptamente que o peguei de surpresa.

Ele travou o quadril contra o meu, envolvendo meu pescoço

com ambas as mãos, me enforcando da maneira mais excitante que

podia enquanto gozava pesado dentro de mim.

— Caralho, Scarlet! — ele me xingou, meio puto, meio

querendo rir, e caiu sobre minhas costas, me largando para dar um


tapa na minha bunda.

Com a cara contra a bancada, eu ri.


Meu corpo parecia leve demais para que eu tivesse controle

das pernas.

Conrad mordiscou minhas costas e eu me arrepiei toda ao

senti-lo sair de mim.

— Feliz aniversário, amor. — Foi tudo o que consegui dizer

quando ele me puxou e me abraçou.

Conrad acordou cedo. Mais cedo do que eu, e só soube disso

quando tateei a cama e não o encontrei. Me levantei em um único

impulso e saí para procurá-lo, mas nem precisei ir muito longe.

Do quarto de Ever, com a porta entreaberta, eu vi meu marido

brincando com a bebê de sete meses, arrancando sorrisos


desdentados dela enquanto a erguia no ar.

Não consegui me mover. Admirar aquela cena, o meu

presente, era uma necessidade.

E fiquei ali, com os braços cruzados, contra a porta, quieta,

pensando em como tudo tinha mudado. Em como aquela bebezinha


tinha vindo para ressignificar tudo.

— Podia ter ficado na cama. — Conrad disse, trazendo Ever

para perto de seu peito e me encarando, como se pego no flagra.

— A cama sem você fica fria — falei baixo e, depois de um

suspiro, sorri.

— O que foi? — ele perguntou, os olhos nos da nossa filha.

— Nada. — Lambi os lábios, guardando aquele segredo só


para mim. — É só que, eu amo sua versão pai. — Conrad pareceu

ficar um pouco tenso, voltou a olhar para mim, investigando cada

mínimo detalhe no meu rosto. Procurando alguma provocação.

Quando percebeu que eu não mentia, balançou a cabeça e

sorriu.

— É só que… É bom seguir em frente. É bom tentar acertar

com ela.

— E você vai. — Saí da porta e me aproximei. Minha bebê me

olhou interessada, mas não quis sair do colo do pai. Mexendo com

Ever, em suas dobrinhas do braço, falei com orgulho: — Eu não o


escolheria se você não fosse o melhor.

Conrad ajeitou a bebê que tinha a marca do nosso elo no

nome em seu colo e, com a mão livre, tocou meu rosto. As pontas
de seus dedos se enterraram em meus cabelos, o polegar acariciou

minha maçã do rosto.

Não tive como fugir do seu olhar, e lá tinha tudo.

As marcas, os medos, os traumas.

A vida velha e a nova.

A vontade de seguir em frente e a força para tentar não errar.

De tudo, naquele segundo, só uma coisa não tinha mudado de


quando éramos dois adolescentes complicados. Dentro daquele

abismo escuro, havia a certeza do seu amor por mim.

— Feliz aniversário, amor — desejei, mais uma vez.

— Feliz vida com você, Red.

E por mim, tudo lá fora não importava.

O passado não importava.

Eu só tinha olhos para Conrad, confirmando o que pensei pela

primeira vez que o vi: ele era o amor da minha existência.


Para Bruna (@_lerporamor)

Bru, eu nem sei como começo te agradecendo. Você foi a

responsável pela pulguinha me picar e eu fazer essa história


acontecer, e eu nunca vou conseguir ser grata o suficiente. Você é
boa. Genuinamente boa. E eu espero que o mundo não arranque

isso de você.

Obrigada pela troca, pela amizade, pela lealdade, pelo almoço


de horas de olho no olho e mão na mão. Obrigada por ter se

desdobrado em quarenta para ajudar o lançamento deste livro ser

grandioso como ele merece em meio ao todo caos de mudança de


país. Eu te amo MUITO e morro de orgulho de saber que você está

indo atrás dos seus sonhos. Que seu intercâmbio te traga tudo
aquilo que você precisava e não sabia. Viva.
Para minhas betas (@aana_r, @biaindica,

@mil_e_uma_histórias, @bibliotecadacordelia e @bientrelinhas)

Eu ainda preciso agradecer cada uma de vocês

individualmente, porém, eu não sei se ainda tenho emocional para


isso depois de dona Luandra me fazer chorar duas e pouco da

manhã, sozinha, no meio do mato. Meninas, obrigada. Obrigada por

terem funcionado como um time, obrigada por terem me forçado a


dar o meu melhor em cada cena, em cada pedaço disso aqui.

Obrigada por discutirem com Conrad. Por cada xingo (porque,

nossa senhora, teve xingo, NÉ, BEATRIZ?), por cada surto, por
cada lágrima (né, Luandra?), por cada bronca pela indignação do

que acontecia página após página (Bianca e os “EU NÃO

ACREDITO QUE ELE…”), por cada dissertação analítica sobre a

minha escrita — que me fez sentir inteligente uma vez na vida — e

ajuda com procedimentos médicos (as vantagens de ter uma beta


assim é para poucos, né, dona Ana?) e o olhar crítico, centrado, de

quem nunca chora, acostumado com mais do mesmo e que sabe

pegar o ponto diferencial de um texto (né, dona Fernanda?, eu ainda


não esqueci, seu dia vai chegar). Por tudo isso e mais, muito mais,
eu sou muito grata por vocês estarem comigo neste processo.

Foram três meses insanos, vocês acompanharam de perto e

nunca soltaram minha mão.

Amo vocês, mais do que poderia colocar em palavras.

Para minhas fifis: Manu (Manueeeeeeeeeeela), Bia e Duda.

(@queridacretina, @bientrelinhas, @dudagabooks)

De todo o coração, eu queria muito fazer as três chorarem,

mas como eu sou a única nesse grupinho que não tem o coração
peludo, vou fazer minha parte e ver o que dá HAHAHAHA.

Primeiro, eu preciso falar com a Bia em particular, e lá vai:

Menina, você é a primeira pessoa que eu abro a conversa no

Whatsapp quando acordo. Dito isto, eu preciso te agradecer

imensamente, num nível que enche meu olho d’água, por tanto. Bia,
você é um furacão. Você é o furacão que chega na vida das

pessoas para cutucar, para fazer a gente sair do comum e evoluir, e

se algum dia você pensou que isso fosse ruim, se algum dia você se

permitiu ser colocada dentro de uma caixinha por amar alguém que
não merecia, eu agradeço muito o momento em que isso foi

quebrado.

Amigos que falam a verdade, mesmo que aquilo possa nos

machucar, são raros. Ainda bem que eu tenho você e que nossa
relação é sobre isso.

Obrigada por cada ligação, por cada áudio gigante, por cada

crise de riso, por cada troca. Pela sinceridade do nosso abraço, pela
verdade da nossa relação e por como ela nos coloca para crescer

juntas. Sei que você queria mais 250 cenas hots neste livro, mas
Conrad já te mandou tomar no cu algumas vezes HAHAHAHA.

Amiga, queria que você soubesse que eu nunca desistiria de


você. E tenho dó de quem um dia se atreveu a fazer.

Você é DO CARALHO.

Agora para o meu trio ternurinha:

A primeira coisa é: obrigada por não terem me internado nos


últimos três meses. Obrigada por terem pegado na minha mão

quando eu pensei que falharia. Quando tive medo. Quando chorei


de desespero por causa disso. Obrigada por viverem cada segundo

da construção disso comigo. Por cada sprint em que vocês


assistiram ao meu show de graça (porque só quem viveu sabe como
é eu usando as latas de monster ou os copos d’água de microfone)

e fazendo cara de poucos amigos quando o texto fica difícil.


Obrigada por estarem comigo em todas e, por quando eu avisar que

vou ser cancelada, vocês pensarem em algum jeito de eu não ser


(kkkkkkkkkkkk a cara da Duda nunca será superada). Obrigada por

me fazerem dar risada alto pra caralho, me lembrando de todos os


momentos bons que tenho com vocês enquanto todo mundo aqui
dorme. (Manu, deixe Diego ser o espírito livre que é e fazer Sherlock

perder a paciência.)

Amizades que somam são feitas disso.

Vocês me fazem leve. Vocês três são leves.

E que bom que eu tenho acesso exclusivo a isso.

Espero que nunca mude. Amo vocês pra caralho.

Para o meu #dreamteam. (@jaquedonovan, @maridsgn,


@_ester_gomes)

Jaque, Mari e Ester. Vocês três são resposta de uma oração

silenciosa, feita com muito medo do que precisaria enfrentar até


encontrá-las, mas que precisava ser feita.
Eu mudei os rumos da minha carreira bruscamente nesse
2022. Eu precisei sair da bolha em que estava, e precisava muito
entender para onde iria. Mas Deus é bom em sua totalidade quando

eu vejo que vocês três estão aqui por mim.

Em especial, obrigada, Jaque, por não dormir, por se desafiar,


por aguentar uma pessoa doida como eu. Obrigada por ter chegado
e se oferecido, por ter vindo sem interesse algum e transformar o

último mês de um jeito que eu nunca pensei ser capaz de ver


acontecer. Obrigada por confiar em mim e todo dia a gente dar um

passo juntas nessa amizade. Obrigada por me ajudar a dividir.

Por me ensinar de novo como é que a gente confia em


alguém.

Você sabe, é um processo, mas estamos na direção de fazê-lo


acontecer.

Eu nunca vou conseguir explicar o que sinto vendo você

acreditar tanto no que eu entrego.

Eu amo você.

Obrigada à minha caçula, Tay Ferreira (@autoratay), por ter

me dado a mão e feito eu acreditar que conseguiria entregar algo


decente em algo que ela é mestra. Que quase teve infarto na
madrugada comigo chamando no meio do silêncio para avisar que o
pomodoro estava em pausa hahahaha e que aceitou as coisinhas

que eu tinha para tentar ensinar. Amo você, menina. Você vai
MUITO longe.

Por último, mas sempre importante, minha base nesse mundo

aqui.

@tmkechichian e @nanasimonss

Amigas, eu tô cansada, vocês sabem, mas vocês sempre vão


ser meu top1. TM, que você fique doida lendo este livro, obcecada

igual eu fiquei com Destroyer, e não consiga largá-lo como eu não

consegui largar Matt e Liz. Problema seu que tem que levantar
cedo, você que lute HAHAHAHAHA. Obrigada todo o carinho, apoio

e vibração enquanto eu escrevia esta história aqui. É muito bom ter

um lugar para respirar.

E, Nana Simons, minha pessoa.

Lembra-se da pessoa que chegou à sua casa no final de


dezembro, te pediu para entrar no carro e não conseguia nem falar
de tanto que chorava? Essa pessoa está aqui agradecendo por você

não ter soltado a mão dela.

Sem você, amiga, eu nem estaria aqui.

Obrigada por ser o meu motivo diário para continuar tentando.

Obrigada por nunca, sob nenhuma hipótese, em qualquer tropeço,

ser menos para mim do que é. Obrigada por meus afilhados, pelo

colo, pelo macarrãozinho gostoso da tia. Obrigada por me deixar


depilar na sua cama e foder como lençol, deixando tudo grudado de

cera, e desculpa. Obrigada por ficar na minha casa e lavar meu

cachorro quando eu preciso de um respiro.

Eu te amo tanto que nem sei explicar. E sim, você sabe, todo

mundo sabe, você é a pessoa que mais amo no mundo. Eu te amo.

E eu mandei mensagem para Ariana Grande virar sua amiga. Mas


você não pode ser mais amiga dela do que minha quando

acontecer.

Beijo.

[1] Droga similar a MDMA.


[2] Droga similar a ritalina.
[3] Razão e Sensibilidade – Jane Austen.
[4] Orgulho e Preconceito – Jane Austen.
[5] A Abadia de Northanger – Jane Austen
[6] Jane Eyre - Charlotte Brontë.
[7] O morro dos ventos uivantes - Emily Brontë.
[8] Piercing no pênis.
[9] O Morro dos Ventos Uivantes - Emily Brontë.
[10] O Morro dos Ventos Uivantes - Emily Brontë.
[11] Persuasão – Jane Austen.
[12] Orgulho e Preconceito – Jane Austen.

You might also like