You are on page 1of 29
WOLFFILE © 1988 by William B, O’Neal Originalmente publicado, em 1988 por Pageant Books, 225 Park Ave. South, New York, NY. ‘Arte da capa por Jon Ellis, Mendota, Ltd. BESTA-FERA © 1989 paraa lingua portuguesa EDITORA NOVA CULTURAL LTDA. Todos 0s direitos reservados. A reproducao total ou parcial desta obra est sujeita & aprovacdo formal do editor original. ‘Tradugio: Laurence Marie Jullien NOVA CULTURAL: Av. Brig. Faria Lima, 2000 3° andar — Caixa Postal 2372 CEP 01452 Sao Paulo — SP — Brasil Caixa Postal 2372 Esta obra foi composta na Editora Nova Cultural Ltda. Martin Planchette e sua esposa, Marie, estavam vivendo num mundo de sonhos e fantasia. Haviam se conhecido na infancia, hhamoraram durante 0 colegial ea sua relagdo tornara-se mais pro- funda durante a época da faculdade. Agora, recém-casados havia ‘dus semanas, embarcavam a s6s numa viagem para cruzar os ma- 168 ao largo da costa do Estado do Maine, no nordeste dos Esta- dos Unidos. ssa viagem fora cuidadosamente planejada durante dois anos, mencionada apenas em voz baixa intercalada com muitos beijos. Na verdade, o antigo veleiro de dez metros era alugado, mas, com ‘© novo emprego de Martin como analista de sistemas e a genero- sacle dos pais de Marie, poderiam comprar uma embarcagao pré- ppria dentro de alguns anos. ‘Com 0s bracos entrelagados ¢ os corpos colados, deitados ao so! num balangar continuo devido ao movimento das ondas, fa- ‘dium carinhos um no outro e sorriam de contentamento enquan- 10 6 Yenio soprava emaranhando-Ihes os cabelos. Formando ‘apenas um ser, observavam o horizonte, deitados na proa do bri ie, absorvidos em seus pensamentos. A vida prosseguia assim ‘ome sempre haviam desejado. = Que tal tomarmos um cafezinho? — perguntou Martin 20 aca- solar a fice de Marie, © em seguida desceu para apanhar as xicaras. Marie fechou os olhos. © vaivém das ondas fazia uma suave ‘assiygem em seu corpo recostado na cana do leme. Gostaria de ‘poder flutuar assim sobre as aguas sem nunca ter de parar. ‘Matin subiu através da escotitha carregando as xicaras de café quent e uma carta néutica debaixo do braco. — De quem é a vez de pilotar? — perguntou ele. — Ba sua vez — respondeu Marie. — Quanto a mim, prefirg ficar recostada aqui para sempre. — Assim como se fosse uma estétua? Marie abriu. os olhos ¢ fixou-os no marido. — Gostaria de ter um livro — declarou Martin se a historia de algumas dessas ilhas. Quca s6 estes nome: do Baque e Tropeco, penhiasco da Vaca e do Bezerro, ilha das Dua Irmas, De onde ser, ou como sera que surgiram tais nomes? indagou ele, apoiando os bragos sobre a carta para impedir qu fo vento a levasse. Martin mirou a esposa. Esta Ihe sorriu da ma neira como sempre fazia quando sabia que o marido estava se di vertindo. Ele sorriu novamente ¢ voltou a olhar a carta nautica — Uau! Quando esse pessoal resolve dar um nome @.um reci perigoso, nao se sai nada mal... Que tal ir de encontro ao roche ‘do do Espantatho ou deixar-se levar pela correnteza contra a pont de pedra da Bebida das Bruxas? Da até para imaginar a cena qua ‘do a maré é baixa e a digua fica fazendo redemoinhos ao contor nar as rochas, dando a impressio de ser um imenso caldeirao ferver — Ainda temos 0 rochedo da Mandibula do Tubarao ¢ a re saca do Esmaga e Centrifuga. — Marie deu uma risada com sacudidela de ombros. vento abriu-Ihe a camisa de cambra ‘azul deixando um de seus seios aparente. Permaneceu assim xando 0 rosto do marido, com ar de desejo. — Hoje vamos ancorar mais cedo — disse Marie em tom pro vocativo, que surtit 0 efeito desejado no conjuge. Este prosseguit ‘a desvendar a carta nautica, mas desta vez deixou de divagar $0 bre os nomes das ilhas e procurou uma que tivesse uma baia ond pudessem logo fundear ¢ dar vazao a sua vontade de amar a I da loira que se encontrava diante dele. { "— Aqui parece ser 0 lugar ideal — comentou Martin apés verificado as ithas circunvizinhas. — Que tal Haven Island? B nome te atrai? Ela aquiesceu com a cabeca e ele entdo se curvou sobre a tentando decifrar qual o melhor rumo a tomar. 6 _— Festranho — comentou Martin. — E uma ilha relativamente prande, mas parece que s6 tem um povoado situado perto da ponta ‘ul. No entanto, a orla possui muitos sochedos que dificultam 2 |aproximacao. Engragado ter 0 nome de Haven. {sso significa sefgio, gostaria muito de saber a que isso faz alusaio — completou Marie demonstrando um grande interesse pe~ lo lugar. _— Quem sabe, talvez seja por causa dos temporais no inverno fque assolam o norte da itha. De qualquer maneira, a ilha, que parece ser de uma beleza singular, possui varias baias situadas na wt parte setentrional. — E parou de falar por alguns segundos, nts a seguir completou: — E Luna Coven? Hummm. Vai ver que /é-unn'erro de impressao de Cove, que significa baia — resumiu Martin pensativo. “= Patece um paraiso para se passar a lua-de-mel. Vamos an- Md. De repente, o barco sacudiu e comegou a tremer. ‘A proa empi- para 0 céu e baixou bem na hore em que corria perigo de 1 no oceano. Os dez metros do casco bateram na égua com, forte estrondo. | Meu Deus! — gritou Marie ao ser atirada contra a janela dexpencar no convés. “© \eleiro recomecou a agitar-se. O barulho de copos ¢ utensi- de cozinha fez-se ouvir nas prateleiras da cabine. Logo de- ‘do ficou calmo, e a embarcagdo navegava como se nada acontecido. | Yoos est bem? — perguntou Martin ajudando-a a se le- “o Sinni — cla conseguiu responder, forando um sorriso, © & ‘gimmbaleou. ~~ Ail Acho que o meu joelho dew uma maldi- la nessa cadeira idiota. Yoo! nfio costuma usar tal vocabulario. ‘istou pouco me importando com o meu vocabulério, s6 sei ‘i ininha perna estd doendo muito. agora, baloucava sobre as aguas. Martin inclinou-se i amurada da proa, Recebeu uma borrifada no rosto. & 7 {sso 0 fez sentir-se melhor e Ihe aliviou um pouco a tensio. Apa- fentemente ndo ocorrera nenhum dano na embarcacio. — 0 que sera que causou isso? Ate achei que fOssemos vi- tar de ponta-cabeca — comentou Martin, como s¢ refletisse em vor alta. — Talvez a saliéncia de um rochedo. — {sso & impossivel. Ainda estamos bem afastados da ilha. ‘Além do mais, nao ha nada marcado na carta néutica. — Entdo pode ser uma baleia ou um tubaro... — Se fosse um, eu é que ndo gostaria de dar de cara com esse infeliz, Vou la embaixo verificar se tudo est em ordem e se nilo hd nenhum vazamento. Vocé espera um pouco? — ‘Tudo bem — respondeu Marie, enquanto o marido descia pela abertura que dava no pordo. ‘Alguns minutos depois ele reapareceu. — Parece nao haver nenhum problema, néo vi nada de anor- mal. Agora deixe-me cuidar do seu joelho. Martin se agachou ¢ examinou o machucado: a pele estava fi- cando roxa ¢ a junta comecava a inchar. ‘Com um ar devasso, maos ¢ joelhos no chao, balancou a parte traseira do corpo ¢ Ihe lambeu o joelho trés vezes. — Pare com essas gracinhas antes que eu me irrite e bata na sua cara com 0 jornal. Ainda nem chegamos a Luna Coven ¢ vo- c@ parece um louco — disse ela meneando a cabeca. ‘Ja era visivel a transformago da gua, que deixava de ser de um azul-escuro, cor caracterstica de mar aberto, ¢ se tornava verde-trans- Ilicida, enquanto a embarcag3o se aproximava de Luna Coven, Era uma pequena baia bem abrigada, rodeada por thorros ¢ florestas. Marie esticou os bracos ¢, de contentamento, deu uma volta com pleta com o corpo, demonstrando estar aprovando o lugar. Unra suave brisa soprava enquanto se aproximavam da ilha. Dentro em pouco deixou de lado suas divagacdes ¢, unindo-se a0 marido, entrou na rotina de artiar as velas ¢ lancar a Ancora, ‘Tuntos, eles trabalhavam bem, e esse era um dos motivos por due formavam um casal feliz. Entre os dois nunca havia uma troca de palavras rispidas de frustragio ou raiva, que com freqiiéncia eram ouvidas em outros baicos. Quando algo estava errado, tra- balhavam juntos para corrigir 0 que nao ia bem. Marie soltou a amarra e observou a ancora desaparecer na dgua verde gelada. A ponta da embarcagao afundou um pouco, vol- tando a seguir para a sua posigao normal. ‘Ja um pouco menos agitada, Marie ficou a observar a beleza desse novo recanto. Haviam ancorado aos pés de um rochedo in- ‘greme; era de granito ¢ formava uma espécie de parede que mer- gulhava direto na agua, reaparecendo mais adiante como pontas de facas ou sereias envergonhadas que sO mostravam as cabegas ‘a0 olhar para a imensidao do oceano. Diversos tufos de algas re- cobriam tais saliéncias, parecendo uma cabeleira a flutuar sobre fas dguas. Sufocados em meio a esse emaranhado, havia alguns ‘ourigos-do-mar e diversos caranguejos. ‘Marie observou atentamente a paisagem ao redor da baia. O rochedo terminava numa densa floresta, onde havia drvores até mesmo a beira da agua. Era to cerrada, que seus olhos nao po- diam discernir além de alguns metros o interior da mata, pois se tornava muito escura. Varias rochas sobressaiam no mar ¢ apontavam para a embar~ cago, Ela sentiu um arrepio e dirigiu a vista para a ponta da an- gra, cerca de cento ¢ trinta metros adiante, Um trecho desprovido ide irvores apresentava grande quantidade de mirtilos selvagens que cresciam desordenadamente e chegavam a tocar omar, como se quisessem impedir as dguas revoltas de invadir seu territério, ‘A\ também terminava em barranco. ‘Ja na parte sul o terreno nao apresentava grandes desniveis, € sua uniformidade conferia uma certa harmonia a orla maritima. Parecia ter os bragos abertos a admirar, além da imensidio do ‘oceano, a visio panoramica da cadeia de montanhas do cont ente, Marie sentiu uma leve tontura ao admirar a magnitude da fatureza, mas se sentia segura nesse lugar retirado: era como ou- vir a chuva cair quando se esta deitado numa cama quente. Fla voltou correndo para a cabine ¢ deu um beijo no ma- ido, — oh; Martin, estou to feliz por voce ter me trazido aq Te amo! — disse, abracando-o. Bm Nao foi s6 gracas a mim que viemos parar neste lugar en cantador, mas agradego assim tesmo — cle respondeu sorrindo, ‘em pouco confusore ax6nito.comt e exuberfcicia da SSP Percebendo que ela solugava, ao sentir uma grima cairem seu brago, Jevantou-lhe o rosto. ae por que isso? — perguntou num tom de Vor preocuPado, T Nao seh Marie afastou o olhar do marido. — A vida ‘tao curta, e aqui é tudo to bonito. Voc# nunea sabe 0 due pode ‘maha, ou quando a morte vai nos privar de tantas pelevas, Eu... — solugos interromperam-na de prosseE Martin abragou-a.com mais forca, acariciou-Ihe os cabelos ¢ deu-the um beijo. é — Ora, vamos! Nada vai acontecer. Estou aqui para ‘te pro- teger. Sei 0 que voce esta sentindo. Acho que ainda nfo esque- ceu aquele susto que Jevamos hoje quando deu uma topada no joelho. ‘la ndo conseguiu responder, mas aquiesceu com a cabera. Mar- tin afastou-the-os cabelos mothados que haviam grudado em $12 face ainda imida. o avmos dar urna volta? — sugeriu Marie, soltando-se do abrar 0 do marido ¢ enxugando as lagrimas na manga da camisa, ee puxat Isso € que é uma melhora instantanea. Voo® acha due vai agiientar a caminhada? SAE nrol Além do'mais, andar s6 pode me fazer bem. Precis de um pouco de exercicio. Vocé tem toda a razo @ respeito da- quilo que aconteceu hoje. ee Bom, pensando melhor, acharia mais sauddvel fazerm® uma coisa aqui, sem sairmos do barco — disse Martin dirigindo olhar para a entrada da cabine. cee Nao. Nao! Vamos passear e, ai sim, poderemos fazer amet, Fie nde perdeu tempo ¢ em alguns minutos havia preparado ‘0 pequeno bote. Tam remadas cadenciadas e fortes dirigiram-se para a camit, ‘na citusda na ponta da enseada. Mairtin insistira em remar oil diregdo A floresta, pois esta estava mais proxima de onde s¢ en- contravam, mas Marie preferira a campina. Ela encostou o corpo para tras e apoiou os cotovelos na borda do pequeno barco. As pontas de seus: longos cabelos loiros arrastavam-se na Agua, ¢ sua face sorridente encarava © sol- Martin observava atentamente o movimento produzido nos seios dda esposa a cada remada que dava. Pensou na complexidade des- se ser que tomava sol, Olhando para ela naquele momento, tinh a impressdo de que Marie parecia uma parte fundamental da de- vastadora beleza do lugar por onde destizavam. No entanto, mo- mentos antes chorara por razdes desconhecidas ao marido-¢ que ‘ela ndo quisera revelar. Um forte desejo de possui-la se apoderou dde seu ser, como um sentimento de inferioridade espiritual. Fren-~ te a tal virtuosismo de emogdes, sentiu-se como um caipira an- dando de avido pela primeira vez. vAo avangarem sobre as dguas esverdeadas a refletir as drvores, © corpo de Marie parecia emanar uma pureza indeseritivel. Isso ‘causou uma sensagdo estranha no peito de Martin; nao era dese- jo fisico, mas uma vontade enorme de se aproximar ao méximo dia esposa, de servicla, de fazé-la sorri, de agradé-la, e, acimade tudo, de protegé-la contra qualquer perigo. Se pucesse, ficaria assim a miré-la pelo resto do dia, mas 34 se aproximavam das rochas beirando a campina. Com um moyi- nento delicado da mo, ele a avisou, assim ela ndo se assustaria {quando o fundo do bote encostasse em alguma pedra. Marie deu uma esticada nos bragos ¢ mirou contente o marido. Juntos puxaram 0 pequeno barco para fora da dgua e caminha- yam em direcdo & campina, onde fariam amor. “— Parece que temos o lugar s6 para nés — disse Martin a0 abrir o cobertor que trouxera consigo. Um coelhinho surgi de ‘una moita ¢ olhou assustado para eles. Que gracinha — comentou Marie ao yer 0 bichinho limpar ‘© biyode com a pata, — Temos admiradores... Martin, em siléncio, abriu os botdes da camisa da esposa. Depois permaneceram deitados, fazendo carinhos apenas com ‘yy milos devido ao calor. Naquele ponto da campina, a grama al- a ta ainda nfo fora recoberta pelo emaranhado de mirtilos que °°" ‘Ga em profusdo um pouco acima de onde se encontravan Per- mmaneceram em seu mundo particular, envoltos por um espécie Ye cortina verde e marrom formada pela natureza, Marie arta” ou um tufo de grama ¢ 0 destizou pelo corpo de Martin, mirando- 0 de lado, ainda deitada. Ele abriu. 0s olhos. — Querida, acho que devo... ; la esperou pelo fim da frase, mas como ele no continual, tentou saber 0 que o marido quis dizer. cha que deve, 0 qué? — Marie beijou-o nas costas. — ° que foi? “Querida, devo ter umas trinta mordidas de borrachudo na bunda... meepssa no! — arrematou ela e bateu-Ihe com 0 tufo de gra ma que tinha na mao. A aibos eaitam na gargalhada, De repente, 0 osto de Marie mu- dou de expressdo. Parecia assustada. Martin apoiow-se no cot velo € abracou a esposa- oi, queridal O que foi agora? Qual o problema? ‘Alguma coisa vinha rastejando na direcdo onde se encontra- vam, Podiam ouvir com nitidez o barullio,no mato, enquanto ¢s- peravam amedrontados. avec acha que € alguém? — perguntou Marie com o olhar aterrorizado. cre Nao sei dizer — cochichou ¢le. — Parece ter quatro patas- — Ou rasteja nas méos € pés. — 6 que voot quer insinvar? — indagou Martin irritado, — Isso € ridiculo! — Ele estava perdendo a calma. Levanton-s¢ pouco e espichou 0 pescoco para ver se conseguia entender 0 que se passava. 1 Cerca de cingiienta metros adiante, morro abaixo, avistou 8 DS Jagem escura de um animal que vinha em sua direeo, Talvez fos- ce melhor terem fugido, mas optou por tirar um canivete do bolso, fbrir a lamina e esperar, curvando-se sobre a esP0sa. Esperavam agachados na grama, Ambos tremiam 1pals & cada 12 segundo, O animal nao desistira da perseguigdo. Os misculos do pescoco de Martin dofam, ¢ ele comecou a sentir caibras nas petnas. : ‘De uma hora para outra o rufdo parou, como se a coisa tam- bém estivesse esperando. Criando coragem, Martin aproximou-se da borda da vala onde se encontravam. Um par de olhos horrendos e selvagens aponta- ‘vam em sua direcdo. Dentes pontiagudos eram visiveis numa aber- tura da cabeca. Martin, pego de surpresa, nem sequer tentou dar-Ihe um golpe ‘com o canivete. Marie soltou um berro. O animal uivou e desapa- rece em seguida no meio do mato. ‘Martin Ievantou-se e ainda pode ver o animal descendo o morro, — Foi embora. Parecia um lobo. Em geral, eles nao atacam pessoas — comentou Martin soltando um suspiro de alivio. Marie nada respondeu. Ainda se encontrava em estado de cho- que. Estava com a face virada em direco ao mato, mas o olhar fixava 0 vazio. Martin soltou o canivete ¢ se aproximou da esposa. Fi querida! Ja passou, — Ela recostou a cabeca no colo do marido, Todo seu corpo tremia. — Alguma coisa parece estar Ihe preocupando. Marie demorou algum tempo para responder: — Tenho maus pressentimentos desde aquela hora em que © yeleiro colic = Voce deveria ter me dito isso antes. — Nao 0 fiz porque voce nao acredita em intuicao feminina © ucha isso uma bobagem. ‘Martin meneou a cabeca e refletiu na complexidade daquele ser ‘que pensava conhecer bem. — Bhtio, vocé ja tinha maus pressiigios de que famos ser ata- ‘wudos por algum animal? “Nilo se faca de engracadinho! — repreendeu-o Marie. ln se virou de lado € encostou 0 queixo no peito do. marido. | Nem se atreva a tentar tirar uma soneca enquanto 0s borra- ‘ehudos acabam corigo. Além do mais, ainda nao vimos quase ‘wd desta itha. Claro, s6 se voc€ quiser. 3 — Tudo bem. J4 estou melhor. Fes sacndiramn terrae folhas secas das roupas ¢as vestiram $m, pressa nenhuma. s “V4 passava do meio-dia e 0 casal continuow & ascensio do morro, Marie colhia flores por onde caminhayary. enquanto Martin seguia sodiniho ra. diego, do-topo. A esposseke fie cara para trés) chamou-o para mostrar-The o que acabara de en- Contrar. Quando se aproximou dela, Marie mirava um ‘monte de excrementos. — voll da? Por acaso, nunea ‘mecar uma nova colecio? Se quando voce estiver um pouco mais Alo tlves NSS me dizer quem pode ter feito isso! — disse cla colocando as maos nna cintura ¢ com olhar de desafio. ‘ saint ja estava quase Ia em cima e voct me fez vollar tudo 96 para analisar um eocd de vaca? “$6 que ndo parece ser de vaca! = Entdo, é de lobo, ow ovelha, sei ld. Para mim poderia até ser de um jacaré. Que diferenca faz? «oe Mestranhho... porque &... diferente. = Bena que eu nfo tena trazido.a maquina fotosréfice, Var amos, talvez encontremos mais pelo caminho — disse Martin pe: gando a esposa pelo brago. : ree acho que ndo vou querer subir, prefiro voltar para o veleiro “Gommantou ela soltando-se do marido ¢ encarando-o para Yer se ele concordava. * «por mim, tudo bem. O susto que levamos com aquele a mal até abriu o meu apetite, © agora estou com fome. ‘Martin colocou seu brago no ombro da esposd © iniciaram a descida. Refletiu ser methor ndo comentar nada com Marie, mas, sre fundo ele também era de opinido que aquele monte de merda tea diferente, chegando a parecer excremento huynano Era muito cedo para o jantar. Martin preparou unt sanduiche, enquanto a esposa tentou ler um pouco, Pore. 9 movimento rit- “4 mado do barco sobre as ondas fez com que ambos fossem ti- tar um cochilo na cabine, Quando acordaram, o dia se despe- dia com as tiltimas luzes. A mata j4 se encontrava em plena ‘escuridao, mas a lua iluminava 0 rochedo, que produzia algumas sombras na dgua. para observar 0 por-do-sol sobre 0 continent, © fim do dia parecia levar consigo algo mais do que a luz € 0 ca- Jor. Talver fosse 0 sentimento de ser abandonada numa ilha deserta. la ndo teve muito tempo para ficar remoendo tais pensamen~ tos. Podia ouvir Martin la embaixo preparando as coisas para 0 jantar, Dentro em pouco, estavam ambos ocupados em fritar os pifes, enquanto bebiam uma garrafa de vinho Beaujolais ¢ riam muito. Pelo fato de terem tomado vinho, sentiam-se felizes e Seguros dentro da cabine, isolados da imensidio que reinava Id fora. Apesar dos tantos acontecimentos daquele dia, Marie parecia ter-se recu: Jperado dos sustos e daquela estranba sensagao da qual fora vitina, ‘Quando voltaram ao convés, a visio que tiveram deixou-0s bo- quiabertos. O céu para o lado oeste se tornara uma espécie de ca furata colorida, Era como se o sol, em vez de se por, tivesse erretido e se esparramado pelo horizonte. O pequeno veleiro pa- feels imerso num mar de lavas. As montanhas no horizonte sepa~ Juvam 0 céu do mar. Era como s¢ estivessem no fim do mundo. (A mensidao do mar e do firmamento ¢ uma sensagao de vazio “We upoderaram de Marie, fazendo com que lagrimas rolassem de ~ fe1i8 othos. ‘Hla olhou para o marido. Ele, por sua vez, mirava a baja, um Jygar tho seguro e secular, tao concreto ¢ familiar comparado com ‘Wnts incertezas que o assolavam. Naquele momento, Marie se ‘conta do quanto eles dois eram diferentes. Hiocionada, chamou Martin, Este a encarou ¢ pediu: “Venta, dé-me um abraco apertado. — Ela estendeu os bra ‘ele 0s segurou com as maos € os cobriu de beijos. Assim per~ ‘até as montanhas do horizonte desaparecerem de suas 15 Para rds, muito além das drvores da floresta, a ua despontir® vagarosa envolta por ‘uma nuvem de luz. ‘Seu clarao banhava as Yevores e rochas com uma espécie de muco Braco, enauaioy do ‘outro lado, sombras rasgavam a natureza. ‘Conversando em voz ‘paixa, 0 casal jantou 0 tombadilho. Em algumas ocasides, as risadas de Marie ressoavam nas rochas e in- wadiam a passividade da floresta. Distante dali, um PAY de ore- Thas pontudas erigaram-se agucando os ‘ouvidos e uma lingua tubiforme lambeu 0s beigos. Diartia sentia uma certa tensdo Se apoderar de etl COFDOs PE cipalmente nas costas; uma estranta sensacdo de desconforto pa- sips emanar de algo que se encontrava na sua retaguarda- Sem pensar, olhou para trés. ( ‘Sobre 0 topo das arvores surgiu a esfera imensa da lua, ¢ a0 mesmo tempo ele ouviu um wivo: solitario. erin sewurou a esposa pelo ombro e guiou sev corpo na dire: 40 do clardo, Sia boca se entreabriu em contemplacao. — Oh Martin! A lua ‘est tao grande! = £ incrivel! — E ele sorriu. O astro era enorme, parooendo dominar o cfu. Martin lembeoe Ie de ie, qinad crianga, wna ver fore ao cinema ¢ S08 ‘na primeira fileira e as imagens gigantes da tela dangavam sobre ele. Agora tinha a mesma sensacao. : se Marie tudo pareia irreal,justamente por causa do. ¥e que ressoou. A lua era demasiado ‘com se tivesse deixado aM bine se apreximado muito, muito mals da Tera. ADs Pot oe, esses sentimentos abandonaram Marie. Ao se ceva 89 Tt: cep tunar diminuira de tamanho e era menos press, Ae Sicante Ela sentou-se ¢ puxou © marido para st lado, Durante gum tempo ficaram asim sem se falar, ouvindo APSA © movi- ato to da agua, que em pequenas ondas batiam contra.o case da embarcagao. ‘Martin finalmente quebrou o silencio: _. Para onde vamos amanha? = Grae ficar aqui para sexapee ~—ataponden «-coPoe SG os olhos fechados e ar sonhador. 16 Ele deu-Ihe um beijo no pescoco ¢ enfiou a mao dentro da ca- misa para acariciar um dos seios. — Agora no, querido... Martin se ergueu € sai de perto de Marie. — Por que vocé se levantou? — protestou ela, assim como um gato no gosta de abandonar 0 colo. — Vou pegar o barco a remo ¢ dar uma volta pela baia- — Pena. Estava tao bom aqui. — Nao vou demorar muito, — Pulou no bote e folgou a amarra. ‘Com algumas remadas jé se encontrava no meio da baia. Pa- rou por alguns instantes, deixando-se levar pela correnteza, de- pois recomegou a remar. ‘Tudo era siléncio. A agua se tornara da mesma cor ¢ brilho da Ja, Naquele sossego se formara outra lua sobre a superficie do foccano, Ambas pareciam disputar qual era mais brilhante. Tudo ‘oi volta resplandecia com 0 claro, tudo exceto a mata. Martin aproximou-se mais da margem, Era-Ihe um mistério a ‘escurido da floresta sob tal luar. Pena que Marie nao se encon- {husse com ele naquele momento. Por ter ficado dormindo no ve- Jelto, cla perdera tal espetulo. Recostou-se no bote, fechou os olhos ¢ deixou-se levar a esmo, ‘uuse adormeceu com um esboco de sorriso nos labios, deslizan- len Jepente, o pequeno barco bateu contra alguma coisa, Mar- Iibrlu os olhos assustado. A correnteza o levara’para a costa y hote encostara numa das rochas que sajam da mata, ¢ levantou. As trevas pareciam querer envolvé-lo, tomo se estivesse frente & boca de uma caverna. Logo em ‘ouyiu um barulho — ou pensou ter escutado alguma col Wow enxergar mais adentro, Sera que era.a sua imaginagio? Jeno ruido de galhos sendo pisoteados numa cadéncia re- ou ter avistado algo se mexer. Uma sombra vinha em onium barranco & esquerda. Seus olhos detectaram vi- rias vezes 0 movimento quando o animal néio era, dissimulado pe- las inumerdveis sombras. ‘A voz de Marie quebrou 0 siléncio. Chamava pelo marido. = "Estou aqui, perto da costa! — respondeu Martin num berro, — Venha dormir! — gritou ela. ‘Agora o animal caminhava mais rapido, na velocidade de uma pessoa. A cada momento que passava, se aproximava mals e mais. ‘Martin tentou colocar o mais depressa possivel os remos nas angolas, mas na pressa se atrapalhou todo. Agora o animal se en- contrava a cerca de vinte metros, despontando por entre a espes- sa vegetacdo que cobria a margem. Finalmente Martin enfiou 0 remo na argola. Suas maos e cére- bro nao funcionavam na mesma sintonia. Seu olhar espreitava 0 animal. J4 nao podia avista-lo, mas escutava 0 barulho que pro- dduzia ao abrir caminho pelo mato, e o rosnar ndo deixava duivida quanto sua localizagao. ‘Conseguiu ajeitar o outro remo e deu um golpe na agua. Obo- temo saiudo lugar. Ficara preso na rocha. Furioso, Martin usow ‘© corpo como contrapeso € 0 ‘arco deslizou alguns centimetros. Meteu os remos na gua, mas 0 fundo raso impediu qualquer avan- go. Tentou de novo, Um dos remos afundou, enquanto 0 outro deu contra a rocha, fazendo 0 barco girar no lugar. 0 animal saiu Go mato soltando um uivo; o som produziu um calafrio na espi- nha de Martin. Com toda a forga puxou 0 cabo dos remos. Con- seguiu. Nem se arriscou a olhar em volta, © animal agora corria sobre um trecho de pedregulhos ao longo da margem. Martin dew ‘outra bracada. Era dificil ir contra a corrente. Tinha certeza de que o animal ia pular. Conseguiu dar mais algumas bracadas. Quao distante se encontrava? Alcancou aguas: mais profundas. Se- ra que 0 animal nadaria para persegui-lo? Nada ouvia além do- parutho produzido pelos remos ¢ a sua prépria respirasao. Nao ‘ousou parar um instante para ouvir. Continuo a deslizar o mais rapido possivel. Mais adiante, jé distante da margem, ¢ quando seus bracos se recusavam a fazer qualquer movimento, resolveu olhar para’ 18 tras. O animal dava a impressdo de estar voltando para 0 ma- to, Depois deve té-lo encarado, pois no meio da escuridao avistou dois pequenos circulos amarelo-esverdeados que em seguida sumiram. Martin curvou-se sobre os remos, tentando retomar folego. Pro- vavelmente era um urso ou algum outro animal qualquer. Devia estar raivoso para agit assim. Do veleiro Marie © chamou: — Chega de fazer exercicios, ¢ hora de descansar. — Ja, ja — respondeu com a vor mais firme possivel. Resol- ‘yeu omitir para a esposa o fato de que havia ursos na mata; era melhor ficar quieto. Ela o ajudou a subir no veleiro. — Ai! Como vocé suou! — comentou Marie ao sacudir as iniios. — Combina com o lugar. — Além do mais, vocé esta tremendo todo — observou ela. ~ Martin, por que isso? - Eo resultado de um tremendo esforco fi ». Acho que até: ‘xayerei um pouco. = Mas, para qué? — perguntou Marie, incrédula. —- Uma frustracao sexual, caso vocé lembre. ~~ Niio me dei conta de que vocé era adepto da autopunigao observou ela cagoando. Pegou o marido pela mao ¢ 0 acom- id _ a abertura que dava para a cabine, — Se é um pouco ‘exercicio que vocé precisa, eee , ento me acompanhe, que vou dar a ee SO de relance para a invisi- ‘A luz suave daquele compartimento emanava um brilho recon- (le, Martin preparou uma dose de uisque com gelo e se sen- Jy cudeira. Assim era melhor, sentado confortavelmente na | Binquanto la fora as trevas reinavam, ali dentro tudo pare- is claro. wstow-se ¢ devaneou sobre sua sorte. Marie vestia seu robe Wo, feto de tecido transparente, que mal aquecia ou enco- 19 bria 0 corpo, ¢ era provocador. Ble estendet 0 brago ¢ acariciou- a por entre as coxas. Ela dewsthe um tapinha nia mo per Bspere! — advertiu-o'em tom de brineacleira, O alcnol deu-the novas forcas. Era uma maravitha como rela xara, uma indicagao clara da tensfo em que se encontrava, Que dia extenuante tivera- a oars Nao me arrumei toda para que voc® fique como um bé- bado sonolento. — Comentou Marie ajocihada sobre # cite ‘0 roupdo provocante surtiv oefeto desejado, Martin troy co penhoar do jeito que uma crianca abre um presente de Natal Marie, um pouco encabulada, o mirava insinuando uma tra- vessura, e apreciando o resultado. Martin apagou aluz. Apenas 0 clardo da lua, que entrava alr: ‘és da porta, iluminava o casal. Os sussurros ¢ 0s gemidos 00 Ue tinicos sons que se ouvia. Quando terminaram de fazer amor, tudo parecia dormir. “a lua pouco deslizara no céu durante as horas que se Segui ‘ainda emanava seu brio quando o vulto reaparecew na costs: Fenirou no mar gelado, As unhas compridas das patas s¢ Ag8r"3° vam nas rochas escorregadias. Os pélos pretos acompanhavar © vamvammento da agua fria que penetrava até os oss0s. Os Braces ‘se movimentavam com energia. Nao fazia nenhum ruido, mas ele oltiava com édio para © 1° Ieho adormecido, Ao afundar 0 resto do corpo no mar gélido, emitiu um uivo bestial que repercutiu pela bala. ‘Com bracadas vigorosas comegou a nadar em direso & emn- tparcagio, tendo somente a cabeca com suas pupils brilhantes er- guidas fora da agua. Martin acordou com um barulho, mas ao prestar atenedO, na da ouviv-além do continuo movimento das ondas que deslizaiem) sae welero e da respiragio de Marie. A lua inundava a cabine com seu clardo. ‘Apoion a cabeca sobre 0 cotovelo¢ ficou a observar a spo seem o seu passatetapo favorito em noites de insbnia: car vtnamdo para Marie. Seta capaz de fazer qualquer colst por <3. «Xs vezen ficava imaginando ter de defendé-ta contra uma gangs 20 de motoqueiros que queriam violenté-la. Um sentimento prote- tor se apossou de seu ser. Estava agora sentindo-se desconfortavel. A quantidade de I- quido que bebera enchera-Ihe a bexiga. Deixou de pensar no amor para se preocupar com coisas mais urgentes naquele exato mo- pento, Em vez de ir tateando seu caminho até o banheiro ou acen~ der as luzes ¢ acordar a esposa, preferiu caminhar alguns passos urinar para fora do convés. ‘Saiu de mansinho da cama e subiu até a porta. O orvalho que cobria o tomibadilho por onde seus pés passavam causou-the ar~ repios de frio. Aproveitou para se espreguigar a0 ar livre, Com sua nudez, sentiu-se mais livre do que em meio a tantos adornos de latdo ¢ de instrumentos de navegacio. ‘Caminhou pela borda da embarcacio e satisfez a sua necessi- dade sobre 0 oceano. Notou um brilho diferente surgir de baixo tdo casco; era alguma coisa grande, um peixe talvez, ou um golfi- mnho nadando a cerca de um metro abaixo da superficie, envolto por uma bioluminescéncia. ‘Deu a impressio de ter parado logo abaixo de onde se encon- trava. A intensidade do brilho foi diminuindo e desapareceu quan~ do o movimento parou, mas duas érbitas incandescentes surgiram tna escuriddo, ¢ 0 observavam, No mesmo instante, Martin reco- mheceu 0 que era ¢ sentiu um calatrio. ‘Deu alguns passos para ris. Era o que havia visto na mata. ‘Um braco peludo, musculoso e enorme, terminando em cinco gar- ras, se ergueu da agua. O brago acertou-o no peito, foi descendo pelo vente e arrancou-lhe 0 escroto, ‘Em estado de choque, estarrecido pelo pavor, pouco sentindo a dor, Martin observou at6nito seu sangue jorrar em jatos em di- feel ao mar, escorzendo pela lateral branca do veleiro. Do lugar para onde o sangue corria, 0 diabo encarnado surpiu da dgua. Era jpeabega de um homem, s6 que mais alongada ¢ recoberta de pe- fos, exceto o nariz, cujas narinas pareciam um focinho. © animal sorriu para Martin, com a boca cheia de dentes muito pontudos. ‘Em seus uiltimos instantes de vida, Martin se deu conta de que ‘© animal se assemelhava a um ser human. a — Por favor... — comegou a murmurar, mas as garras 0 arras- taram da embarcacéo € ‘comegaram a atacéi-lo, destrogando-the ‘0 corpo. Seus gritos foram abafados pela agua, assim como sua ‘iltima palavra, “Marie”. Nrarie nao perecbeu o barco se incinar para tm dos Jados no instante em que a enorme criatura subiu a bordo. Quando 0 veleiro se endireitou, ela rolou na cama € ficou com ‘a barriga para cima, os cabelos a encobrir-lhe a face. “Alguma coisa bateu de leve na cama. Melo acordada, balbu- cio 0 nome do marido e segurou com os dedos a ‘mao de Mar- tin, acariciando-Ihe @ alianga de casamento. spor que voce estd to frio e mothado? — perguntou cla es- tranhando tal fato. Percorreu sua M0 sobre o braco do. marido, até onde acabava. eve um sobressalto. Apesar dos cabelos Ihe ‘cobrirem a face, avis- tou uma enorme silhueta com as ‘orelhas empinadas & ‘olhos bri- Jhantes. Os dentes eram: apenas visiveis. Os olhos aumentavam de tamanho tornando-se enormes. Marie gritou por Socorro, mas sua voz foi abafada pelo som extridente emitido pelo animal. Quando a criature desceu sobre seu corpo, uivando de ddio, a cabega de Marie quase explodiu € seus timpanos estouraram. vantes mesmo de ter pulado sobre ela, num ataaue furioso, as garras de suas maos ¢ pés ja Ihe rasgavam 0 corpo. Sistematica~ ‘mente, o animal arrancou-lhe os bragos € pernas, como uma: crian= a malvada faz com ‘uma boneca. Os gritos desesperados que el soltava aumentavam a ira do animal. Depois do ataque, Marie parecia um fantoche, com os olho apontando em todas as direcdes, sua ‘boca que se abria ¢ fecha’ gem produzit nenhum som eum liguido viscoso & escorrer-Ihe do Jabios inertes. A criatura: atacou-lhe a garganta. Foi entao que Marie emit o derradeiro grito, sufocado pelo sangue que jorron 20% 18 ogo quebrado para tris; a cabega balangou no 8% pendendo d omoplatas. A traquéia € vasos sangiiineos despontavam do 2 cogo, dando a impressao m: acabra. i ee de hastes de flores secas sain- O anit © zi! enon i 9 or eto 98 a as Po -, enfiando depois a cabeca no mei is : cio Uma ve M dentro stow outro sto ee. me rasa aNy a ‘0 corpo de Marie para tras ¢ pulow cabine. Sob o claro do luar, co a ; como uuma crianga que- lo ser pega no colo, deu a impressdo de estar pre = 0 céu, abrindo e fechando as i it gee ae garras e uivando feito um deménio i josa, inspiradora, linda, destum- jue dia maravilhoso. Que gloriosa, In : a exaltante, deleitavel, ensolarada € resplandescente man ‘ i ders, que se encontrava na ‘Com seus olhos azuis, fan Sané e . fo fundo de sua casa em Haven, admirav © mar. Boe ae da brisa maritima a v vezes os pulmdes com o af Puro naquela Prana, depois, virou-se de frente Pare a casa ese E00 2 "de pedra, cerrou os olhos ¢ ficou & tomar sol, ‘passou a mao tou no corrima tGam a face voltada para cima. Apos algum tempo, passou 8 m0 thos cabelos pretos, ajeitando-os Pars trds ¢ deixou o oth redes de granito que formavam a CAS: Fi sear pelas imensas pat ar a lar. mente voltara para o antigo : : ‘ali passara, entre as idas ¢ Vindas, & maior parte de seus trinta cinco anos de vida, mas, mesmo assim, aquele lugar nti, 7 via deixado de fascind-lo com seus mistérios. ne en eer diam ser assim chamadas, P ‘ro segundo andar, que mal podiam s a a ios estrei ids, que miravam impe! asavamn de vaos estreitos € cOmPrIdOS Pevels a imensidso do ocean: 1850, ais espessura de vnt em timetros das portas, deram 0 apelido Aquela casa, assim come outras: construidas no ‘mesmo. Cer ir ‘casa-castelo”’, Jetar 0 cenario. faltando os fossos para comp! te ‘A arquitetura fora do comum das casas era uma feet durante toda a vida ele tentara compreender, se ‘ Boston, durante algu jo, Algumas vezes, até em , duran } two no hospital onde trabahava, Proce cup : pean eomemenmnserts Beozarend 1 escap : Tan, todos 0S habitantes da ilha agiam da mest seg yatendo suas teorias, forma. Arquedlogos vararam noites debi ‘curando uma explicagao do por que os primeiros colonos france- ses haviam usado tais monolitos para Construir suas moradias, (0 qué sera que os apavorava? Alguns cogitavam que a influén- cia fora inglesa, outros, hindu, Até mesmo a piratas fora atribut- do esse estilo, mas as assergdes dessa teoria eram tao absurdas assim como as bizarras idéias dos feiticeiros. Para lan, as casas apresentavam 0 mesmo estilo encontrado na regio da Franca que os colonizadores abandonaram. Porém, es- sa suposigiio nunca recebera apoio. Certa vez, um pouco acanha- do, expusera seu ponto de vista durante um jantar no Mabel Viner’s Diner mas foi logo cortado e Ihe aconselharam até a nao arriscar palpites fora da area da Medicina; algumas pessoas pre~ sentes foram inclusive grosseiras com seus comentarios. (© que chamou sua atenco, como sempre acontecia, era uma ‘enorme cruz vermelha pintada acima da porta, sobre a parede de pedras. Outra cruz similar estava desenhada na frente da casa. Obra de algum feiticeiro. Outro mistério. Os habitantes locais gos- tavam de ter seus segredos, que passavam de geracdo para gera- glo. Uma coisa era certa, nunca ninguém revelara 0 poraue daqueles sinais colocados alguns anos antes, Pareceu-Ihe também lum absurdo nunca ter se dado ao trabalho de remové-los. ‘Virou-se outra vez em diregdo ao mar ¢ respirou com afa, enle- ado pelo silencio daquele domingo, Apenas os péssaros ignora- ‘yam a quietude matinal. Como de costume, davam vos rasantes sobre a dgua, na tentativa de apanhar algum peixe. Outras aves de pequeno porte gorjeavam logo abaixo da varanda, onde o ter- Jono descia, formando uma escarpa ingreme até 0 oceano. un cogitava da possibifidade de, naquela manha, néo sair de jpara dar a sua corriqueira corrida matinal, quando a empre- la, Lizzy, apareceu na porta dos fundos. “+ O senhor anda pensando na vida, quando ja deveria ter saido duy_o bom exemplo aos outros moradores do povoado — jou cla ofuscada pela intensidade da luz. ‘Voce nao me engana, Lizzy. O que na verdade deseja é que ‘da sua frente, assim estara livre para levar adiante os seus s. — Com licenga — disse a empregada, impaciente, ¢ desapare- ‘ceu no interior da casa’ ‘Quando seus pais faleceram no ano anterior, fan herdara Lizzy junto com a casa e os méveis. Sua constante presenga, anos s= fuuidos a trabalhar para a familia, era parte das lembrangas cle sua fnfancia. Recordava-se muito bem de Lizzy dar-the banho ¢ P- {o para dormir, ajeitando os cobertores da cama, Muitas vezes, inclusive, chegando a cantar cangées de ninar, emibora poucos Sou- ‘bessem desse aspecto afetivo em sua pessoa. Com um ar de rabu- genta, combinando com sua personalidade, ela era o terror da Vizinkanca. Apenas com o olhar, podia silenciar uma turma de molequies que faziam algazarra pela rua, ¢ mesmo os adultos mu- davam seu comportamento quando Lizzy se encontrava por Per- to, Mesmo apés ter-se formado na faculdade de Medicina, Lan ta por ela tratado como se ainda fosse uma crianga travessa. Mul tas vezes, pessoas Ihe perguntavam por que € que ele nao a man- ddava embora, mas ¢ claro que essas mAs linguas no conheciam 6 revés da medalha. ‘Afinal, Lizzy estava certa, Era melhor fazer 0 seu cooper em volta da cidadezinha. Afinal, de que jeito os pescadores de lagos- tas poderiam inicfar o dia sem a costumeira troca que faziam quan- @o viam Ian correr com 0 abrigo de gindstica verde? "Como tudo o que fazia, seu jogging matinal também era uma constante fonte para horas de discussao entre os outros habitan- tes, Até enti, socorrera a apenas uma vitima. Dewey Beal levara ‘um murro na cara por ter perguntado a Artie Le Blane como a esposa deste gostava “do pequeno duende que presta servicos pat ieulares A noite, dando-Ihe um trato na perereca’”. No que Artie fosse um adimirador da reputagdo de Ian como médico; ele s6 no aceitara tal alusdo insensata &s partes intimas de sua esposa. Para Sacanear Dewey, Ian Ihe fizera um enorme curativo no nariz.¢ man= dara que cle ndo mexesse na ferida, correndo o risco de ficar com nariz defeituoso caso 0 fizesse. A humilhagdo maior de Dewey feontecera quando seu préprio filho © pegara dormindo © aproveitando:se da situagao, decidira pintar os esparadrapos de laranja e roxo. Ao acordat, o pobre infelz nao percebera nada até 26 ‘0 momento em que pisara no Mabel Viner's Diner ¢ todos os pre- sentes cairam na gargalhada, tirando sarro do coitado. Nao tive- ra diividas, foi correndo até a casa de Ian e Ihe implorara que removesse aquele incOmodo curative. O médico nao deixara por menos: apés t@-lo retirado, montara-o sobre uma base de madei- rae 0 deixara exposto, como um troféu, na sala de espera de seu consultério. Desde entdo, eles aceitaram melhor o fato de Ian fazer gindsti- ca todos os dias, correndo pelas ruas do povoado. Isso comegou a fazer parte da rotina da ilha. Em vez de fingir que nao o viam, ‘0s pescadores acenavam quando ele passava, ¢, se riam dele, com. muita discri¢ao. ‘Ao se preparar para comevar a corrida de dez quilometros, © movimento nas ruas jé estava se intensificando. Tudo porque um ‘casamento ia se realizar. O casamento em si nao prometia muito, pois era de gente que vinha passar o vero na ilha, mas acontece que todos os habitantes locais haviam sido convidados para a re- cepedo que se realizaria na casa da noiva, Honoria (cujo apelido era Honey) Adams. Seu pai, Franklin Adams, era um banqueiro de Boston e possula uma casa de veraneio & beira-mar. Esta se situava além das outras, sendo a ultima antes da mata virgem da parte setentrional da ilha — o lugar ideal para se dar uma grande recepedo aos recém-casados, Era circundada por gramados bem tratados que se estendiam até a pequena baia, Possuia uma linda praia de areia fina, uma raridade naquela itha, ‘A praia, sem duvida, valorizaria 0 prevo de venda em alguns milhares de délares, nao fosse a pressa da familia Clemmonses de se livrar desse patrim6nio. No ano anterior nem se tinham da- do ao trabalho de retornar a ilha. A venda para os Adams sur- preendera a todos, Ian ainda nao havia voltado para Haven quando a transago ocorrera, mas, pelos boatos que corriam entre os ha bitantes do lugar, parecia que os Clemmonses haviam se apaixo- nado pela casa e pela ilha. ‘Segundo as fofocas, no primeiro verdo que ali passaram, fize- ram intimeras caminhadas por todos os lugares € pontos interes- a santes da ilha, Em seguida, sem que ninguém soubesse por que, ‘a casa fora colocada a venda. Por onde Ian passava, as pessoas acenavam, gesticulavam ¢ bu- ‘Hhavam. Um ar de festa pairava no ar. Muitas delas, inclusive, ja bebiam bloody mary e uisque. Muitos eram jovens, mais ou menos da mesma idade que a noiva, dezenove anos, segundo os registros médicos. Ian fora o médico que declarara Stan Beal ¢ ‘Honey aptos, fisica ¢ mentalmente, para 0 casamento. Ainda, se- gurido as certiddes de naseimento, Stan era dois anos mais velho Gue a noiva. Ian ndo tinha bons pressigios a respeito desse ca samento. Stan nascera na ilha e, sendo assim, possuia a virtude da inde- pendéncia e um humor admirdvel. Seus pais, apesar de terem pou ‘cos recursos financeiros, conseguiram que o filho cursasse @ ‘Universidade do Maine, em Augusta, capital do Estado. Mas os pais da noiva tratavam ‘Stan com desprezo, pois acha- vam que era de um nivel social inferior. A familia Adams fora contra 0 casamento, contudo Honey teimara ¢ vencera. Sua mae ‘entrara entéo em depressdo nervosa, nao se conformando com ‘© casamento da filha. Na opiniao de Ian, era Stan que estava se rebaixando. Honey era uma prova concreta de que os ‘opostos se atraem. Para. Jan, ela nao passava de uma moga caprichosa € pouco: inteligente, além de sempre ter tido o que quisera, uma pessoa futil, que s6 pensa- ‘vam festas e nunca apanhara. Quem sabe, porém, sob a influén- cia de Stan, ela nao fosse desenvolver uma forga de carditer antes de ele se encher de sua companhia, mas suas previsdes eram pou- co otimistas. ‘O casamento vinha causando diversas controvérsias entre os ha- bitantes da ilha. Stan planejava ir morar no- -continente, talvez até se mudar para outro Estado, Dadas as circunstncias, era bem pro- vvavel que fosse embora & procura de melhores perspectivas de vie da. Muitas pessoas acharam conveniente ¢ comodo pér a culpa em Honey por querer levar consigo um rapaz cuja linhagem re- montava aos primeiros colonizadores da ilha. Em geral, essas quei- xas vinham de homens ¢ mulheres que ‘tinham filhas solteiras. Os 28 ‘mauis pressdigios de Ian aumentaram quando as mas linguas se re- feriam a Honoria como “Gonéria’. Além do que, Franklin ‘Adams, com seu jeito de “arrogante senhor das terras”, provo- cou certa richa com os habitantes da ilha. Tudo isso, mais bebida comida de graca, prometia ser uma noite e tanto, com diversio para todos. A curiosidade dominava os outros sentimentos. To- dos ansiavam por aquela noite. ‘Agora Lan penetrava no centro do povoado; podia avistar a an- tiga igreja de granito a sua direita, erguida pelos colonizadores. Independente da claridade do dia, tinha-se a impressdo de que era sempre escura. Todas as janelas, mesmo os vitrais, eram pro- tegidos por grossas barras de ferro incrustadas nas paredes, dan- do a impressio geral de ser uma fortaleza. As imagens religiosas dos vitrais, vistas do lado de fora, faziam pensar que se estava a ver prisioneiros através das grades. Em apenas uma das janelas 0 gradeado nao destoava. Aquela justamente em cima da porta, ‘que, contrariando o padrao, era voltada para o leste. Uma lua cheia desenhada sobre os vidros formava um circulo transhiicido. Logo abaixo, na parte inferior da janela em arco, se encontravam va- rias figuras humanas que mal podiam ser avistadas de to escuro que era 0 interior da igreja, deixando uma impressao desoladora. Os bracos pretos se erguiam das trevas em direcao a lua, e, seus corpos contorcidos e desfigurados pela agonia, desapareciam na auséncia de luz induzida pelas sombras ao redor. Apenas os olhos se sobressaiam do resto, mostrando a mesma translucidez ténue ‘da huz que pairava sobre eles. Essa grotesca imagem ficava enqua- drada pelas grades que haviam sido colocadas. Corria 0 boato de que, quando era lua cheia, algumas vezes seu reflexo se encaixava exatamente na lua do vitral da igreja, e que, quando isso acontecia, os olhos dos pobres dem6nios torturados brilhavam em unissono num amarelo-esverdeado. Ian nao costu- ‘mava freqiientar a igreja ¢ nunca presenciara tal acontecimento, ‘embora ja tivesse ouvido a mesma versio de varias pessoas. Certa vez, durante uma celebragdo religiosa feita a luz de velas, fendmeno acontecera e foram obrigados a acender as luzes arti- ‘Nao fosse pela sua popularidade junto aos turistas, com 29 certeza tal vitral jé ha muito teria sido substituido, mas nunca nin- ‘guém soubera explicar como jamais sofrera nenhuma ago de van- dalismo por parte de algum paroco enfurecido. Segundo uma enda, a idosa Mildred Peoples decidira certa noite por fim & exis- téncia daquele maldito vitral, mas quando se preparava para lan- ‘car uma garrafa de cerveja vazia contra os vidros, alguma coisa retivera-Ihe o braco. Sentira que the arranhavam o antebraco, ex- tao largara a garrafa e se mandara de fininho o mais rapido pos- sivel. Mildred tinha fama de passar a vida tomando cuba libre e cerveja, além de que era tida como feiticeira. Por isso mesmo nao se podia confiar em scus relatos. Ian jd fizera o percurso tantas vezes que podia contar os minu- tos conforme os lugares por onde passava. Sempre alcancava a igreja sete minutos apés ter comecado. Esta ficava situada numa parte alta do terreno. Antes de completar outro minuto jé virara fa esquina e iniciava a descida acompanhando a orla maritima, cuja rua recebia 0 nome de Low Street (rua Baixa). Recebera esse nome por causa do anglicismo que as palavras gilicas - Rue de [EI'Eau (Water Street, rua da 4gua) sofreram e nao por causa de sua posigao em relagdo ac morro que se situava atrés, fazendo com que ficasse num plano inferior. ‘A sua esquerda, criangas brincavam de pega-pega na relva do jardim piiblico. Corriam como loucas, gritando umas com as ou tras em volta de um mirante. Para Ian, esse desnivelamento no povoado era como uma viagem de volta no tempo para um lugar do continente europeu. As casas que se erguiam de cada lado da ‘rua estreita formavam uma espécie de tiinel. No verdo, quando ‘0 sol passava pelo norte, ¢ isso durava pouco tempo, os paralcle- pipedos de granito brilhavam com intensidade e irradiavam ea- Jor. No inverno permaneciam frios ¢ timidos, nunca recebendo nenhum raio solar. Alguns dos eruzamentos eram tao estreitos que 1s carros néo conseguiam acertar.as viradas na primeira tentativa. ‘De noite, ao longo do Low Street, ag vitrines das lojas cintila- vam e refletiam nas pedras uma luz amatelo-cremoso. No inver- hho, nas raras ocasides em que nevava, 0 claro do Iuar, junto com ‘as luzes das vitrines, faziam Haven brilhar e reluzir como o Natal 30 narrado num romance de Charles Dickens, em que as ruas, mui- {as vezes, parecem mais claras a noite do. que a sombria e triste escuridao dos dias de inverno. Ian passara muitas noites envaly’ do pelo siléncio dessas ruas solitarias, ouvindo seus proprios pas- sos ressoarem no meio daquele amontoado de casas de pedras, ¢ indo se dissipar nas entradas das ruelas adjacentes. Hoje as ruas estavam repletas de pessoas — turistas, aldedes, veranistas ¢ convidados do casamento —tirando fotos, olhando para as vitrines das lojas, tomando sorvete de casquinha, gritan- do com 0s filhos ou passeando com caes. Enfim, fazendo algum passeio para encher 0 tempo. lan, por estar correndo em meio quela Ietargia dos transcuntes, sentiu-se em desatino, mas esse sentimento logo se dissipou, pois foi forgado a diminuir a veloci- dade, quase parando, j4 que mal conseguia passar no meio da enorme quantidade de pessoas, bicicletas e carros que por ali se coneentravam. Chegou a bufar de raiva ¢ a xingar, mas logo se resignou em ter de se atrasar no seu jogging, entrando naquele lima de passeio em que as pessoas caminhavam. No verdo as ruas eram bem mais movimentadas, porém nesse lia, por causa do casamento prestes a acontecer, o miimero de pes- soas havia aumentado de forma considerdvel. Com certeza, a maioria viera na balsa. No inverno a balsa fazia o percurso de vinte quil6metros que ligava a ilha ao continente apenas duas ou és vezes por semana, ja no verdo fazia duas viagens por dia. Tam- ‘bém era possivel chegar a ilha por intermédio da locagaio de hidro- snide, vlios ites aus aneoemam en algo ts iia seadas. Alm do grande barulho da multidao, lan podia ouvir os mo- tores do ferry-boat e avistar a fumaca que dele saia. A sua direi- ta, tendo deixado para trés as lojas ¢ as casas de granito, avistava a ponte de atracacao. A dianteira da balsa se aproximava do em- barcadouro deixando de cada lado um rastro branco na agua, que desaparecia apés alguns segundos. Do outro lado da baia, um primo distante de Ian, Ben Bensto- ne, segurando um ealhamaco de notas na mao, tentava convencer 6s turistas a fazerem um passeio em seu barco para visitar os ar- 3

You might also like