Professional Documents
Culture Documents
Cinema e Ensino de Historia o Uso de Fil
Cinema e Ensino de Historia o Uso de Fil
Ensino de História
Governo do Estado do Amazonas
editoraUEA
Sindia Siqueira
Editora Executiva
Samara Nina
Produtora Editorial
Samara Nina
Projeto Gráfico
Samara Nina
Capa e Diagramação
Bianca Vieira
Gabriel Lima
Wesley Sá
Revisão
Samara Nina
Finalização
Esta edição foi revisada conforme as regras do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa
J83
Metodologia do Ensino de História. - Organização: BIANCHEZZI, Clarice;
AGUIAR, José Vicente. — Manaus: Editora UEA, 2017.
202 p.: Il., color.; 21 cm
ISBN: 978-85-7883-446-3
CDU 372.89.02
Editora afiliada:
editoraUEA
9 Apresentação
43 Do Japão à Amazônia
história e memória da colônia japonesa na vila
Amazônia
Cristiana Andrade Butel
Mary Tania Carvalho
137
e o que de fato ela é. Mais contemporaneamente, a maioria dos
programas de estudo tem assumido a tarefa de considerar os
filmes (individualmente ou no conjunto de uma produção) em
primeiro lugar como uma “representação, isto é, um conjunto de
ideias que compõem a trama”, depois como uma “uma estrutura,
mais próxima de uma abordagem sintática” e, por último, como
um ato, inserido em um “processo dinâmico de apresentação
de uma história a um receptor” que varia conforme os tempos,
lugares e condições econômicas.
Esse deslocamento implicou também no reconhecimento
de que “o cinema não é apenas uma prática social”, mas, como
considera Alexandre Busko Valim (2012, p. 284), “um gerador
de práticas sociais” que surgiu com as sociedades modernas
e foi se adaptando às várias fases da modernidade. “Além de
ser um testemunho das formas de agir, pensar e sentir de uma
sociedade, é também um agente que suscita transformações,
veicula representações e propõe modelos” e que, foi por isso,
tão utilizado pelas forças políticas, seja para bem formar o
cidadão (na perspectiva dos poderes hegemônicos) ou para
suscitar levantes sociais contra a ordem estabelecida. No campo
da educação, seu uso em espaços formais ou não-formais é
relativamente recente, se torna mais comum na segunda metade
do século XX – o pós-guerra para os países desenvolvidos e
décadas de 1970 e 1980 para o Brasil. As maneiras pelas quais
se utiliza o “cinema na escola” ou pela qual “a escola vai ao
cinema” continua passível de problematização.
138
frustrada pela chuva ou uma viajem não realizada por falta
de transporte. Nesses casos, recorre-se às precárias videotecas
escolares ou a qualquer material disponível e exibem-se filmes
sem nenhuma reflexão sobre seu conteúdo, qualidade estética
ou adequação à faixa etária dos estudantes.
Observando a recorrência com que esses eventos,
lamentavelmente, se repetem, nos lançamos em uma reflexão
que busca problematizar a relação entre cinema e escola, e
que compreende o ato de ver um filme como algo tão relevante
para a formação integral da criança e do adolescente quanto ler
obras da literatura, filosóficas, sociológicas e outras mais. Além
disso, buscamos realçar que em um contexto de aprendizagem
significativa nada deve ser feito sem um objetivo pedagógico
previamente traçado. Isso equivaleria “a manusear um livro sem
que este seja lido” pelo aluno – que “vê, mas não lê”, da mesma
forma que nada apreende do filme que foi “passado”, sem que
houvesse para isso uma razão (THIEL; THIEL, 2009, p. 13).
Essa utilização crítica e consciente do cinema como
ferramenta de ensino está prevista nos Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCNs), tanto para a abordagem de temas transversais
quanto para tratar de assuntos previstos nos conteúdos da área
de História. Em ambos os casos de criar, nos diferentes níveis
de ensino, estratégias para estimular adequadamente o gosto
pelo cinema, da mesma forma fazemos com a literatura e as
outras artes, pensando nos vários níveis de articulação que
elas apresentam com determinadas realidades sociais. O que
significa, por sua vez, “dispor de instrumentos para avaliar,
criticar e identificar aquilo que pode ser tomado como elemento
de reflexão sobre o cinema, sobre a própria vida e a sociedade
em que se vive” (DUARTE, 2009, p. 72).
Nessa perspectiva, o cinema como recurso didático no
ensino de História pode ser tomado como uma peça-chave,
“fundamental para a problematização, contextualização e
construção histórica de temas propostos pelo professor, como
também uma possibilidade prazerosa de análise posterior
dos alunos” (SANTOS, s/d, p. 06). Mas o professor que utiliza
filmes na sala de aula deve estar atento para as mensagens
transmitidas em cada produção, sua adequação para trabalhar
determinados temas históricos e os níveis de linguagem (mais
metafórica ou mais realista em que cada película opera. Não
139
importa se há correspondência literal – o que por sinal é quase
impossível – entre o acontecido e o narrado, mas sim que
aprendamos a questionar as representações do passado e suas
implicações atuais. “Carruagens, naves espaciais, máquinas
do tempo; índios, cowboys, prostitutas e astronautas; castelos,
cocheiras e albergues; velas e candelabros e até mesmo os gestos
e afala dos atores carregam marcas de como a humanidade
representa (imagina) sua história” e, portanto, podem ser
tomados como “indicadores das mudanças históricas pelas quais
o cinema passou. Um olhar mais atento permite identificar em
praticamente qualquer filme conteúdos e tema que interessam
ao ensino de História” (DUARTE, 2009, p. 75).
Roberto Abdala Júnior (2005, p. 01) considera que “a
história sempre fascinou cineastas e, a despeito das críticas
que deferiram às produções cinematográficas, os historiadores
nunca deixaram de frequentar as salas de cinema e até os sets de
filmagem”. Outras vezes colaboraram com roteiros e investiram
em produções do estado que tinham caráter marcadamente
pedagógico. Esse é por exemplo o caso do cinema educativo que
se expandiu na Europa já depois da Primeira Grande Guerra,
mais precisamente entre os franceses, alemães, italianos e
soviéticos e estimulou a criação de institutos de cinema
educativos com produção própria (CAPARRÓS-LERA; ROSA,
2013, p. 191ss.). No Brasil, de acordo com a Revista Nacional
de Educação (1932, p. 05), o cinema voltado a fins educativos
foi sinalizado pela primeira vez em 1928 pelo diretor geral
da Instrução Pública do Distrito Federal – Fernando Azevedo
– através do decreto 2.940. A criação do Instituto Nacional de
Cinema Educativo (INCE), pelo governo de Getúlio Vargas, em
1936, também se configura como um passo importante para a
introdução dessa modalidade de produção cinematográfica em
nosso país e trabalhos frutíferos, mas infelizmente ainda pouco
valorizados como o de Humberto Mauro, servem de exemplo
dessa aposta “na modernização cultural e política do país, na
secularização da cultura e na publicização da educação como
instrumentos essenciais de democratização das instituições”
(RANGEL, 2010, p. 39).
140
Resultados e discussão
141
japonesa em um meio no qual algumas das marcas visíveis,
materiais, já foram apagadas pelo tempo e sobre a qual restam
poucos testemunhos históricos/historiográficos.
O conteúdo foi trabalhado ao longo de três aulas e nelas
pude observar – por meio dos debates que surgiram após a
apresentação do documentário – que esse tema de estudo antes
considerado distante e sem implicações para o local passou a ser
tratado de outra forma. Por meio de fotografias e depoimentos
orais os alunos forma instigados a constatar outros aspectos
dessa imigração, inclusive constatando que os japoneses
vieram a se somar, do ponto de vista étnico, na composição
do amazônida. De modo geral, ficou um tanto evidente que a
maioria dos alunos conhecia pouco a história local (inscrito
no currículo dos anos iniciais do Ensino Fundamental) e que
muitos nunca haviam se questionado sobre a historicidade do
processo de imigração japonesa. Também observaram que o
tema é tratado nas páginas de livros didáticos produzidos no
Sudeste do país, enquanto praticamente nada circula sobre o
assunto no Norte do Brasil. Após as discussões, solicitamos um
texto dissertativo onde os estudantes apresentaram suas leituras
do documentário e do conteúdo ensinado.
Com a exibição desse documentário, nos vimos trabalhando
a temática descrita no currículo e também desenvolvendo
importantes reflexões sobre o conhecimento da história local
e sua relação com a macro-história, nacional e mundial. Sobre
exercícios desse tipo Mônica Fantin (2007, p. 123) afirma que o
cinema realiza o encontro de práticas socioculturais distintas,
sendo então, um agente que sociabiliza e permite reunir pessoas
das mais diferentes naturezas: encontros na sala de exibição, das
pessoas com elas mesmas, das pessoas com as histórias nos filmes,
das pessoas com as culturas nas várias representações sugeridas
nos filmes e com imaginários sociais diversos, etc. Há encontros
de identidades com os imaginários cinematográficos onde o
filme também pode ser entendido como meio de consciência
intercultural, também de lugar de reconhecimento local e/ou
oportunidade de afirmação de discutíveis domínios culturais.
Para a turma de 3º ano do Ensino Médio foi utilizado o
filme Uma história de amor e fúria, do gênero animação, que
apresenta o amor entre um herói imortal e Janaína passando
por quatro fases da história do Brasil (600 anos). A colonização,
142
a escravidão, a ditadura civil-militar e o ano de 2096. Em todas
essas fases, as personagens vivenciam um romance marcado por
encontros e desencontros e recortado por violência e problemas
sociais, políticos e ambientais, como na última fase – futurística
– quando a água é escassa, gerando guerras em torno da disputa
por recursos hídricos.
Devido a atenção dada ao cinema e o estilo anime/HQ
utilizado no filme, pudemos desenvolver os temas abordados
na película em uma linguagem muito apreciada pelos jovens,
revisando diferentes eventos e contextos da história do Brasil,
mas sem o viés da história oficial, com o encadeamento de ideias
proposto nos suportes mais tradicionais, como o livro didático,
por exemplo. Abrangendo temas como o “início da colonização”,
a “balaiada” e a “ditadura civil-militar”, o filme nos permitiu
fazer revisões sobre os mesmos, mas a partir de um elemento
novo e esteticamente mais atraente. Após a exibição, foi realizada
uma roda de conversa para que todos pudessem elaborar seus
pontos de vista acerca do que viram. Eventuais dúvidas foram
dirimidas e novos problemas sobre as temáticas tratadas no
audiovisual foram formatadas: a violência e a exploração das
riquezas naturais durante a colonização em oposição aos saberes
tradicionais dos povos indígenas, que viviam antes da chegada
do europeu em harmonia com a natureza; os movimentos sociais
e as revoltas populares, como a “balaiada” também chamaram
a atenção dos alunos, sobretudo por ser projetada do ponto de
vista de um participante, permitindo falar sobre “heróis que
morreram e não viraram estátua”.
Outro assunto que despertou os estudantes foi a ditadura
e a luta contra violência do Estado e a censura, a partir do que
tentamos desdobrar um debate sobre os “não-ditos” da História e
o lado obscuro das ditaduras. O tema também instigou o debate
sobre o movimento estudantil, culturas juvenis jovens e luta pela
cidadania. Para finalizar as reflexões sobre o filme Uma História
de amor e fúria, na aula seguinte à exibição foram feitas análises
sobre a realidade futura apresentada na parte final da narrativa.
Nela se projeta um país cheio de corrupção e onde a pouca água
potável que resta é reservada aos ricos, enquanto os mais pobres
mendigam para saciar sua sede. O crescimento das desigualdades
sociais e a crise ambiental – e o que se pode fazer em relação
a esses problemas – foram temas destacados pelos alunos, que
143
expuseram suas ideias, não isentas de equívocos e estereótipos,
mas que, de qualquer forma puderam ser discutidas em espaço
público e de maneira horizontal e democrática. Pudemos
observar certa dificuldade de compreensão do filme por parte
dos alunos, uma vez que as quatro fases apresentadas não são
exploradas em profundidade e que é o expectador que tem que
atuar, organizando mentalmente uma mensagem mais complexa
do que comumente observamos nos filmes de Hollywood, que
“passam na televisão”.
Das conversas que tivemos com os demais professores
de História e ciências humanas da escola, ficou a impressão
de que a maioria utiliza os filmes, mas que têm dúvidas sobre
a melhor forma de fazê-lo e que não dominam uma discussão
metodológica sobre cinema - educação. Questionados sobre
os filmes que utilizam nas aulas de História, três professores
afirmaram que exibem com frequência longas - metragens
como Tempos Modernos, Cruzada, Apocalypto, 1492: a conquista
do paraíso, O homem da máscara de ferro, A lista de Schindler.
Entre os brasileiros, o mais citado foi Caramuru, a invenção
do Brasil. A questão do tempo foi a mais apontada, já que um
filme quase sempre dura mais que uma hora-aula e fica difícil
compatibilizar a apresentação do filme com a discussão em um
só dia. Pode-se retornar ao tema dois ou três dias depois, mas
sem a mesma riqueza de detalhes que se teria ao discuti-las logo
após o término da exibição. Poucos conhecem documentários e
indicam a dificuldade de consegui-los como um inconveniente.
Além disso, nem todas as escolas dispõem de um espaço
adequado para as exibições. Em alguns casos, elas são feitas em
televisões, o que aniquila a possibilidade de trabalhar aspectos
visuais do cinema, como a projeção. Isso é tão mais importante
na medida em que consideramos que, em Parintins – cidade
que teve sucessivas salas de exibição ao longo do século XX –
não existe atualmente cinema, nem mesmo comercial. Mais
recentemente um cineclube atende à população no Liceu de
Artes e Ofícios Claudio Santoro (Bumbódromo).
Ainda com essas dificuldades apostamos que é possível
aprender um pouco de História com o cinema e que, como forma
de cognição, essa arte serve para interpretar a ação humana em
diferentes lugares e contextos. Essas experiências impregnadas
de tensões, rupturas e permanências modificam o modo como
144
os sujeitos pensam a si mesmos, aos outros e do mundo em que
veem e vivem. Lara Rodrigues e Cristiani Bereta da Silva (2014, p.
333) contribuem para o nosso debate quando afirmam que saber
analisar criticamente a obra fílmica visualizada na sala de aula
contribui para que os alunos treinem sua ótica para os filmes que
vierem a assistir no ambiente familiar ou nas salas de projeção
dos cinemas. Essa preparação para decodificar as finalidades, os
objetivos e as entrelinhas existentes em cada filme acabam por
potencializar o repertório de saberes científicos, conquistados
pelos discentes, nos limites ou fora dos muros da escola.
Considerações finais
145
(no caso dos filmes que servem ao mercado) ou a projetos
alternativos de sociedade. Buscamos esclarecer que o que
importa não é a representação realista do evento, mas a validade
das metáforas e das discussões levantadas, em filmes que às
vezes caricaturam propositalmente um evento, como forma de
promover a crítica social. Outras vezes conseguimos que eles
problematizassem questões do seu entorno mais direto por meio
das estórias ou de elementos presentes em determinada obra.
Quanto aos professores, mesmo afirmando que existem
inúmeras dificuldades em trabalhar com filmes na sala de
aula – e indicando que necessitam de formação para isso –
eles apontam no cinema uma forma de tornar a relação de
ensino-aprendizagem mais lúdica e prazerosa. O que significa
também uma aposta de que as discussões sobre cinema, história
e educação devem ser cada vez praticadas, abrindo assim novas
perspectivas no ensino (de História) na atualidade.
REFERÊNCIAS
146
PEREIRA, Lara Rodrigues; SILVA, Cristiani Bereta da. “Como
utilizar o cinema em sala de aula? Notas a respeito das
prescrições para o ensino de História”. In: Espaço Pedagógico.
Passo Fundo: UPF, v. 21, n. 2, p. 318-335. Julho - Dezembro de
2014. Disponível em <www. upf.br/seer/index.php/rep>.
PINTO, Luciana. O historiador e sua relação com o cinema. In:
Revista Eletrônica O Olho da História. Disponível em <www.
oolhodahistoria.ufba.br>. Acesso em 2004.
RANGEL, Jorge Antonio. Humberto Mauro. Recife: Fundação
Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010.
SANTOS, Maria Lucia Lopes. O uso de filmes no Ensino de História.
Disponível em <www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/
arquivos/1994-8.pdf>.
SILVA, Josineide Alves da. “Cinema e educação: o uso de filmes
na escola”. In: Revista Intersaberes. Curitiba: UNINTER, vol. 9,
n. 18, p. 361-373, julho - dezembro de 2014.
THIEL, Grace Cristiane; THIEL, Janice Cristine. Movies takes: a
magia do cinema na sala de aula. Curitiba: Aymará, 2009.
VALIM, Alexandre Busko. “História e Cinema”. In: CARDOSO, Ciro
Flamarion; VAINFAS, Ronaldo (org.). Novos Domínios da História.
Rio de Janeiro: Campus: Elsevier. p. 283-300, 2012.
FILMES
UMA HISTÓRIA de amor e fúria. Direção: Luiz Bolognesi.
Duração: 75 min. Ano: 2012. País: Brasil. Gênero: Animação/
ficção. Distribuição: Europa Filmes. Classificação: 12 anos.
VILA AMAZÔNIA – 80 Anos de Imigração Japonesa na Amazônia.
Série Vila Amazônia I. País: Brasil. Manaus, 2011. Gênero:
Documentário. Não comercializado. Classificação livre.
147