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ESTRUTURAS DE

AÇO E MADEIRA
Estruturas de
madeira
Mario Sergio Della Roverys Coseglio

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

>> Reconhecer as propriedades e aplicações da madeira em estruturas.


>> Determinar os principais elementos e formas de ligações de peças estruturais
em madeira.
>> Resolver cálculos usuais no dimensionamento de estruturas em madeira.

Introdução
A madeira apresenta um conjunto de propriedades e características que a tornam
uma opção atrativa para muitas aplicações, com destaque para a indústria da
construção. Em relação a outros materiais convencionais utilizados em estruturas,
um aspecto favorável da madeira é a sua excelente relação entre resistência e
peso. Além disso, a madeira é um recurso natural e renovável, além de possuir
outros aspectos positivos que favorecem a sua extensa aplicação na construção,
como, por exemplo a facilidade de fabricação (em particular o corte e a usinagem),
a ausência de ferrugem e até mesmo a sua aparência. Em contrapartida, a madeira
apresenta algumas desvantagens, tais como a decomposição, devido à umidade, e
a possibilidade de ataque por insetos (como os cupins). Os dois casos podem levar
a falhas estruturais. A madeira também é suscetível à instabilidade volumétrica,
pois pode sofrer contração e empenar. Contudo, as suas propriedades variam de
forma significativa entre espécies, entre árvores da mesma espécie e até mesmo
entre diferentes posições de um mesmo tronco.
Neste capítulo, você verá como aspectos da microestrutura e da macroestrutura
da madeira estão relacionadas com suas propriedades. Além disso, conhecerá
2 Estruturas de madeira

os elementos típicos de estruturas de madeira e acompanhará passo a passo o


cálculo estrutural de um desses elementos.

Estrutura e propriedades da madeira


As madeiras utilizadas em estruturas são classificadas em dois tipos: ma-
deiras duras e madeiras macias. Conforme Pfeil e Pfeil (2003), as madeiras
duras (algumas delas denominadas madeiras de lei) são aquelas obtidas de
troncos de árvores frondosas, que possuem folhas achatadas e largas, como
a peroba, o ipê e o carvalho, por exemplo. Já as madeiras macias são obtidas
de árvores coníferas, que possuem folhas em forma de agulhas ou escamas,
como o pinheiro. As árvores de madeiras duras crescem mais lentamente do
que as árvores de madeiras macias e, geral, possuem uma estrutura mais
densa, que oferece maior resistência. É importante ressaltar, como observam
Aghayere e Vigil (2017), que, embora essa nomenclatura — madeiras duras
e madeiras macias — sugira que a classificação seja baseada na resistência
ou na dureza da madeira, a distinção é feita com base na estrutura celular
do tronco.

Segundo Pfeil e Pfeil (2003), as madeiras utilizadas em estruturas


podem ser maciças ou industrializadas. No primeiro tipo, o tronco
da árvore é cortado em dimensões padronizadas, ao passo que, no segundo, os
painéis são produzidos por meio da colagem de lâminas com direções ortogonais
alternadas das fibras (madeira compensada) ou de lâminas finas sob pressão
(madeira laminada e colada).

Para compreender melhor as propriedades físicas e o comportamento


mecânico da madeira em resposta a carregamentos, a seguir, são analisados
os detalhes da sua macro e microestrutura.

Macroestrutura
A Figura 1, a seguir, apresenta uma secção transversal típica de um tronco de
uma árvore que produz madeira para a construção, identificando os principais
elementos de sua macroestrutura. De fora para dentro, o tronco é formado
pelas seguintes camadas: casca, alburno (ou branco), cerne (ou durâmen) e
medula. O crescimento do tronco na direção radial, a partir da medula (i.e.,
tecido macio localizado na região central), se dá pela formação de anéis
Estruturas de madeira 3

anuais de crescimento. Assim, a idade de uma árvore pode ser identificada


pela contagem desses anéis. Segundo Pfeil e Pfeil (2003), a região mais pró-
xima do centro do tronco (o cerne, que possui coloração mais escura) é mais
adequada para estruturas, pois apresenta maior resistência à decomposição
e, portanto, é mais durável. No entanto, o alburno costuma ser mais leve e
mais adequado para tratamentos com agentes protetores.

Casca
Alburno ou branco
Raios medulares
Câmbio ou liber

Anéis de crescimento anual Cerne ou durâmen

Medula

Figura 1. Secção transversal típica de um tronco de árvore.


Fonte: Adaptado de Pfeil e Pfeil (2003).

Microestrutura
Conforme Askeland e Wright (2019), a madeira é um compósito natural que
possui uma microestrutura celular tridimensional, formada por células longitu-
dinais (ou fibras), na forma de tubos com paredes finas, geralmente orientados
na direção longitudinal do tronco. A Figura 2, a seguir, apresenta uma secção
transversal simplificada dessa estrutura celular, em que é possível identificar
a parede e a cavidade da célula. As células são unidas por um componente
conhecido como lignina, ao passo que as paredes das células são compostas
predominantemente por celulose, dando resistência ao tronco. De acordo
com Pfeil e Pfeil (2003), o comprimento da secção transversal das fibras
longitudinais varia de 10 a 80 μm, e a espessura da parede possui de 2 a 7 μm.
4 Estruturas de madeira

Parede
da célula

Cavidade
da célula

Figura 2. Estrutura celular da madeira (secção transversal).


Fonte: Adaptado de Aghayere e Vigil (2017).

Propriedades
Devido à sua estrutura celular na forma de tubos, as propriedades da ma-
deira variam de acordo com a direção. É o caso, por exemplo, da resistência
mecânica, que depende da direção de aplicação de tensão em relação à sua
estrutura celular, ou seja, em relação à direção das fibras (tubos). De acordo
com Aghayere e Vigil (2017), três direções independentes são geralmente
utilizadas para a análise das propriedades mecânicas da madeira (Figura 3):
direção longitudinal (L), direção radial (R) e direção tangencial (T).

Em virtude da variação das propriedades com a direção, ensaios


padronizados (com o uso de corpos de provas sem defeitos), como
os descritos na norma NBR 7190 (ABNT, 1997), são utilizados para determinar as
seguintes propriedades, tanto na direção paralela às fibras quanto na direção
normal às fibras: resistência à compressão, resistência à tração, resistência ao
embutimento (compressão localizada) e módulo de elasticidade.

A resistência da madeira é maior quando o carregamento aplicado é


paralelo à direção das fibras, ou seja, na direção longitudinal. Em contra-
partida, a resistência é menor quando o carregamento é perpendicular à
direção das fibras (direções radial e tangencial). Segundo Aghayere e Vigil
(2017), a baixa resistência, neste caso, se dá pela facilidade de ocorrer falha
por descolamento das fibras que estão fixas umas às outras pela lignina.
Portanto, como destacam os autores, a aplicação de cargas puras de tração
perpendiculares às fibras não é recomendada, pois é uma condição crítica
que pode provocar a falha do elemento.
Estruturas de madeira 5

Tangencial

Longitudinal
Radial

Figura 3. Direções longitudinal, radial e tangencial em um elemento de madeira.


Fonte: Adaptada de Aghayere e Vigil (2017).

Além do efeito da direção de aplicação da tensão em relação à direção


das fibras, há outros fatores que afetam a resistência da madeira, como
(PFEIL; PFEIL, 2003):

„„ espécie da árvore;
„„ umidade;
„„ duração do carregamento;
„„ defeitos;
„„ temperatura do ambiente.

Ao variar a espécie da árvore, um fator importante que influencia a resis-


tência é o peso específico da madeira. Quanto maior for o peso específico da
madeira, maior será o módulo de elasticidade (que está relacionado com a
rigidez da madeira) e a resistência à compressão. A posição da peça na árvore
também é um aspecto importante, como destacam Pfeil e Pfeil (2003), já que
as camadas mais internas são mais densas e mais resistentes, principalmente
na base da árvore.
De acordo com Aghayere e Vigil (2017), em uma peça de madeira, a umi-
dade ocorre tanto devido à água presente nas cavidades das células quanto
devido à água contida nas paredes das células. Portanto, a presença de
água provoca retração ou inchamento e exerce influência significativa na
resistência da madeira. Até que o ponto de saturação da fibra (umidade de
25–30%) seja atingido, a resistência da madeira diminui com o aumento do
grau de umidade. Acima desse ponto, a resistência permanece constante.
A umidade padrão de referência no Brasil para efeito de especificação de
propriedades é de 12% (PFEIL; PFEIL, 2003). Quando a madeira é submetida
6 Estruturas de madeira

a um processo de secagem, primeiramente, a água no interior das células é


evaporada, e o ponto de saturação da fibra é atingido. A partir desse ponto,
a continuação do processo de secagem reduz o grau de umidade das fibras
até que o equilíbrio com o ar seja atingido. Nesse ponto, segundo Pfeil e Pfeil
(2003), o grau de umidade da peça seca ao ar varia entre 10 e 20%.

Segundo Pfeil e Pfeil (2003), o grau de umidade da madeira é obtido


pela razão entre o peso total da água contida na madeira e o peso
da madeira seca em estufa. O resultado é expresso em porcentagem. Em pro-
jetos de estruturas de madeira, o grau de umidade é levado em consideração
utilizando-se um fator de ajuste de umidade.

A duração do carregamento também é um aspecto importante, pois uma


peça de madeira pode falhar (romper) se um carregamento for mantido por
um tempo suficientemente longo, mesmo quando a carga aplicada for menor
do que a sua resistência (PFEIL; PFEIL, 2003). Isso ocorre porque a madeira é
um material viscoelástico que sofre deformação elástica quando carregado
por muito tempo, mesmo quando a carga é constante. Essa deformação
lenta é conhecida como fluência. Para evitar que isso ocorra, a resistência
obtida em ensaios padronizados de curta duração (cerca de 5 minutos) deve
ser ajustada com o uso de relações conhecidas entre o tempo de duração da
carga e a resistência. A NBR 7190 estabelece fatores de fluência para diferentes
condições de carregamento (ABNT, 1997).
A presença de defeitos (p. ex., nós, fendas, abaulamento, empenamento,
fibras reversas­­) afeta a resistência da madeira. Conforme Pfeil e Pfeil (2003),
os nós, por exemplo, podem gerar acúmulo de tensões, ao passo que a exis-
tência de fendas reduz a resistência ao cisalhamento na direção paralela às
fibras. A resistência à tração na direção paralela às fibras também pode ser
reduzida quando a estrutura possui fibras reversas.
Em geral, o aumento da temperatura provoca uma redução na resistência
da madeira, a qual é mais pronunciada quando há muita umidade. Contudo, a
redução não é expressiva, pois há apenas exposições temporárias da madeira
a temperaturas consideradas críticas que geram flutuações temporárias de
resistência. Desse modo, não é necessário levar em consideração o efeito
da temperatura na resistência durante o projeto de construções de madeira
submetidas a condições normais (PFEIL; PFEIL, 2003).
Como visto, a madeira não possui a mesma resistência mecânica em todas
as direções, devido à sua estrutura na forma de tubos ou fibras. Conhecer
Estruturas de madeira 7

essa relação entre as características da microestrutura e o comportamento


mecânico da madeira é essencial para definir a posição de elementos estru-
turais que resultam em maior desempenho e menor risco de falhas.
A madeira é considerada um material compósito natural e, portanto, está
sujeita a defeitos que podem afetar também as suas propriedades. Além disso,
é importante levar em consideração os efeitos da umidade, da temperatura,
a espécie da árvore e a duração do carregamento, por exemplo.

Elementos de estruturas de madeira


Nesta seção, serão apresentados as características e os tipos de ligações
dos principais elementos presentes em sistemas estruturais em madeira (p.
ex., coberturas).

Treliças de coberturas
Treliças de coberturas, tanto de construções residenciais quanto industriais,
são exemplos tradicionais de sistemas estruturais de madeira. A função desse
tipo de estrutura é sustentar as cargas exercidas no telhado da construção.
Os principais elementos de uma cobertura tradicional (tipo Howe) com telhas
cerâmicas (Figura 4), são (PINHEIRO; MOLINA; LAHR, 2010):

„„ Tesouras: treliças compostas por elementos estruturais conectados


a suas extremidades (nós).
„„ Terças: vigas cujos apoios estão localizados nos nós das tesouras.
„„ Caibros: elementos apoiados nas terças que servem de apoio para
as ripas.
„„ Ripas: elementos apoiados nos caibros que servem de apoio para as
telhas.
8 Estruturas de madeira

Terças

Ripas

Caibros

Tesoura

Figura 4. Principais elementos de uma cobertura de madeira (com treliça tipo Howe).
Fonte: Adaptada de Pfeil e Pfeil (2003).

A Figura 5, a seguir, apresenta as ligações típicas (detalhes A, B, C e D) dos


elementos da cobertura indicados na Figura 4. A ligação do banzo inferior
(elemento 1) com o pendural (elemento 4), como mostra o detalhe C, é feita
com chapas metálicas parafusadas. Já as ligações entre o banzo inferior e as
escoras (elemento 3) são feitas por meio de entalhes e parafusos (detalhe
C). As ligações entre o banzo superior (elemento 2) e o pendural (detalhe D)
e entre a escora e o banzo superior (detalhe B) também utilizam o encaixe
com entalhe.

has
Tel

ça
Ter
as
Rip Detalhe D
bro
Cai ça
Ter
Detalhe B

Alvenaria Detalhe C

Detalhe A

Figura 5. Principais elementos de uma cobertura de madeira.


Fonte: Adaptada de Pfeil e Pfeil (2003).
Estruturas de madeira 9

Ligações e principais elementos


Muitas vezes, é preciso que um elemento estrutural tenha dimensões maiores
do que as dimensões do tronco do qual ele foi extraído. É o caso, por exemplo,
de algumas vigas e colunas. Como visto, algumas estruturas são formadas
por um conjunto de elementos conectados entre si. Nos dois casos, é preciso
utilizar algum tipo de ligação, cujos objetivos principais são transmitir forças
e garantir a rigidez da estrutura.
Além das ligações mostradas na Figura 5 (entalhe, parafusos e chapas me-
tálicas), existem outras formas comuns para se conectar elementos estruturais
(PFEIL; PFEIL, 2003), como: colagem, pregos, pinos e tarugos. O procedimento
de cálculo para o dimensionamento de cada tipo de ligação é descrito na
norma NBR 7190 (Projeto de estruturas de madeira) (ABNT, 1997).

A colagem é um tipo de ligação utilizado no processo de fabricação


de madeira compensada e laminada. Conforme Pfeil e Pfeil (2003),
em geral, ela não é utilizada para emendas durante a construção, pois deve ser
feita sob condições controladas.

Além do uso em coberturas, os elementos de madeira podem ser utili-


zados para outras partes das construções, como estruturas para paredes e
pisos. Nos Estados Unidos, por exemplo, a grande maioria das residências
são construídas com madeira.
Existem dois elementos estruturais importantes que compõem a maioria
das estruturas de madeira: as vigas e as colunas. As vigas são elementos
horizontais que têm como objetivo suportar cargas transversais, estando
sujeitas aos seguintes esforços (PFEIL; PFEIL, 2003):

„„ tensões de tração e compressão normais à secção transversal e que,


portanto, atuam na mesma direção das fibras;
„„ tensões de compressão nas regiões dos apoios que atuam na direção
perpendicular às fibras;
„„ para vigas esbeltas (largura pequena em relação à altura), a viga tam-
bém pode ser suscetível à flambagem lateral.

Em sistemas estruturais, a viga é geralmente utilizada para transmitir


esforços para as colunas (pilares). As vigas podem ser feitas com madeira
maciça ou madeira laminada colada, podendo também ter perfil I. Em alguns
10 Estruturas de madeira

casos, segundo Pfeil e Pfeil (2003), as vigas metálicas podem ser utilizadas
em conjunto com as vigas de madeira. A Figura 6, a seguir, apresenta alguns
tipos construtivos comuns de vigas.

(a) (b) (c) (d)

Figura 6. Tipos construtivos comuns de vigas de madeira: (a) madeira roliça; (b) madeira
serrada; (c) madeira compensada colada; (d) madeira laminada colada.
Fonte: Adaptada de Pfeil e Pfeil (2003).

As colunas, por sua vez, são elementos verticais, cuja principal função é
resistir a cargas de compressão. Ao serem comprimidas, as colunas estão
sujeitas à flambagem (deslocamento lateral). A Figura 7, a seguir, apresenta
alguns tipos construtivos comuns de colunas de madeira.

(a) (b) (c)

Figura 7. Tipos construtivos comuns de colunas de madeira: (a) madeira roliça; (b) madeira
serrada; (c) composição de peças serradas.
Fonte: Adaptada de Pfeil e Pfeil (2003).

Nesta seção, você conheceu as características e os tipos construtivos


típicos dos principais elementos estruturais e sistemas estruturais de madeira.
As vigas, por exemplo, são elementos horizontais projetados para resistir
a cargas predominantes transversais, ao passo que as colunas suportam
cargas de compressão.

Cálculo estrutural de estruturas de madeira


O projeto estrutural tem como objetivo garantir o desempenho e a segurança
de uma estrutura, evitando que ela entre em colapso. A fase de dimensiona-
mento (ou cálculo estrutural) é responsável por definir as dimensões de cada
elemento para que a estrutura seja capaz de cumprir os seus objetivos. O
Estruturas de madeira 11

procedimento de cálculo utilizado no exemplo a seguir segue as diretrizes da


norma NBR 7190 (ABNT, 1997), que adota como critério de dimensionamento
o método dos estados limites.
De acordo com Pfeil e Pfeil (2003), um estado-limite ocorre quando um
dos objetivos da estrutura não é satisfeito, fazendo a estrutura entrar em
colapso. O estado-limite pode ser dividido em: estado-limite último (falhas
por perda de equilíbrio, ruptura ou deformação plástica excessiva e insta-
bilidade) e estado-limite de utilização (falhas por deformações excessivas,
vibrações excessivas etc.).
Confira, a seguir, um exemplo de cálculo estrutural para um dos elementos
de uma cobertura de madeira do tipo Howe: a terça. Uma representação
esquemática desse tipo de treliça foi mostrada anteriormente, na Figura 4.

O exemplo apresentado nesta seção de baseia em um exemplo de


dimensionamento descrito por Pinheiro, Molina e Lahr (2010). Consulte
o Capítulo 2 dessa referência para analisar o cálculo dos demais elementos.

Pré-projeto (dados de entrada)


As seguintes informações de pré-projeto foram utilizadas como base para o
cálculo estrutural da terça:

„„ a estrutura de apoio do telhado é uma treliça do tipo Howe;


„„ a inclinação do banzo superior da treliça é de 15°, como mostrado na
Figura 8b;
„„ as terças possuem secção transversal retangular com 6 cm × 12 cm;
„„ a estrutura deve ser feita com madeira da classe C40 (umidade de 12%);
„„ as telhas são de fibrocimento com espessura de 6 mm;
„„ a edificação possui 12 m de largura por 30 m de comprimento.

Considerações geométricas
Como visto, a terça é um elemento estrutural localizado no plano que contém
o banzo superior e cujas extremidades são apoiadas nos nós das treliças
(PINHEIRO; MOLINA; LAHR, 2010). Portanto, ela pode ser considerada como
uma viga com dois apoios, cujo vão equivale à distância entre as treliças,
conforme a Figura 8a. Nesse exemplo, foi adotado um espaçamento de L =
12 Estruturas de madeira

3,25 m entre as treliças. A Figura 8b mostra o sistema de eixos coordenados


utilizado como referência para o dimensionamento.

rior
os upe
B anz

Terça
Banzo inferior

L = distância entre treliças


(a) (b)

Figura 8. Representações esquemáticas: (a) vão teórico para dimensionamento das terças;
(b) sistema de coordenadas adotado para a terça.
Fonte: Adaptada de Pinheiro, Molina e Lahr (2010).

Como as dimensões da terça são conhecidas, é possível determinar os


momentos de inércia da secção transversal em relação a e em relação a ,
sendo e a base e a altura da terça, respectivamente (PINHEIRO; MOLINA;
LAHR, 2010):

Carregamento
Existem dois tipos principais de cargas que podem ocorrer durante a constru-
ção e a utilização da estrutura (PFEIL; PFEIL, 2003): o peso próprio da estrutura,
que é uma ação permanente; e as cargas variáveis acidentais, como o vento
e as pessoas. Nesse exemplo, será considerada uma combinação de cargas
mais crítica, assim como foi considerado por Pinheiro, Molina e Lahr (2010):
ação permanente (peso próprio da estrutura) combinada com ação variável
acidental (pessoas durante a construção e a manutenção da estrutura).
A ação permanente é composta pelo peso próprio da terça e pelo peso
próprio da telha (PINHEIRO; MOLINA; LAHR, 2010). O peso próprio da terça, g,
é de aproximadamente 0,07 kN/m, obtido multiplicando-se a área da secção
transversal (0,06 m x 0,12 m = 0,0072 m2) pela densidade aparente da madeira
C40 (950 kg/m3) e pela aceleração da gravidade (9,81 m/s2):
Estruturas de madeira 13

O peso próprio da telha, gt, é de 0,30 kN/m, considerando-se a situação


mais crítica –terças com o espaçamento máximo de 1,69 m, adotado por Pi-
nheiro, Molina e Lahr (2010). Assim, a ação permanente total é a soma do peso
próprio da terça com o peso próprio da telha (PINHEIRO; MOLINA; LAHR, 2010):

Como carga acidental variável, foi considerada uma carga concentrada Q


de 1 kN, localizada no centro da terça, que é a condição mais desfavorável,
segundo Pinheiro, Molina e Lahr (2010).

Estado-limite último: coeficientes de ponderação e


de modificação
Para o cálculo, foi considerado que a terça está submetida à flexão simples.
O estado-limite último foi utilizado como referência para determinar as
condições para as quais a estrutura deixa de atender aos requisitos de se-
gurança e desempenho.
Como o estado-limite último foi considerado como referência, os valores
calculados devem ser multiplicados pelos coeficientes de ponderação listados
na NBR 7190 (ABNT, 1997). Para cargas permanentes de grande variabilidade
(combinação normal), os seguintes coeficientes foram considerados por
Pinheiro, Molina e Lahr (2010) e adotados nesse exemplo:

Efeito desfavorável:

Efeito favorável:

Já para as cargas variáveis acidentais, foi considerada uma combinação


normal de ações (PINHEIRO; MOLINA; LAHR, 2010):

Efeito das ações variáveis em geral:

O Quadro 1, a seguir, apresenta as propriedades da madeira de classe C40


para a condição padrão de referência (unidade de 12%).
14 Estruturas de madeira

Quadro 1. Propriedades características da madeira de classe C40

Resistência à Resistência ao Módulo de


compressão cisalhamento elasticidade
paralela às fibras paralelo às fibras paralelo às fibras
fc (MPa) f v (MPa) Ec0 (MPa)

40 6 19.500

Fonte: Adaptado de ABNT (1997).

A norma NBR 7190 recomenda, ainda, o uso de coeficientes de modificação,


kmod, para levar em consideração os seguintes efeitos (ABNT,1997):

„„ kmod,1: considera a classe de carregamento da estrutura, conforme o


Quadro 2.
„„ kmod,2: considera a classe de umidade e o tipo de material, conforme
o Quadro 2.
„„ kmod,3: considera se a madeira é de primeira ou de segunda categoria.
Quando a madeira é de primeira categoria, kmod,3 = 1,0. Já quando a
madeira é de segunda categoria, kmod,3 = 0,8, para levar em consideração
a presença de eventuais defeitos na madeira.
Estruturas de madeira 15

Quadro 2. Coeficientes de modificação

Classe de
carregamento kmod,1

Madeira serrada, madeira


laminada colada,
madeira compensada Madeira recomposta

Permanente 0,6 0,3

Longa duração 0,7 0,45

Média duração 0,8 0,65

Curta duração 0,9 0,90

Instantânea 1,1 1,10

Classe de
umidade kmod,2

Madeira serrada, madeira


laminada colada,
madeira compensada Madeira recomposta

(1) e (2) 1,0 1,0

(3) e (4) 0,8 0,9

Fonte: Adaptado de ABNT (1997).

Nesse exemplo, foram consideradas as seguintes condições:

„„ Carga de longa duração em madeira serrada (kmod,1 = 0,70).


„„ Classe de umidade 2 para madeira serrada (kmod,2 = 1,0).
„„ Foi adotada a condição mais crítica (kmod,3 = 0,80).

Assim, o coeficiente de modificação, nesse caso, é:


16 Estruturas de madeira

Além disso, foram considerados os seguintes coeficientes de ponderação


para as resistências, assim como no exemplo descrito por Pinheiro, Molina
e Lahr (2010):

„„ γ wt = 1,8 (tração paralela às fibras).


„„ γ wc = 1,4 (compressão paralela às fibras).
„„ γ wv = 1,8 (cisalhamento paralelo às fibras).

Resistências de cálculo
As resistências de cálculo (ou resistências de projeto), fw,d, foram obtidas por
meio da seguinte expressão (ABNT, 1997):

onde kmod é o coeficiente de modificação; fwk é a carga característica (obtida


em ensaios padronizados); e γ w é o coeficiente de ponderação correspondente.
Assim, a resistência de cálculo para a compressão (fc0,d) paralela às fibras
é (PINHEIRO; MOLINA; LAHR, 2010):

Na prática, ao obter a resistência de cálculo, considera-se que a resistência


da madeira é menor do que aquela obtida nos ensaios, pelos motivos descritos
no cálculo do kmod. Assim, foi admitido que a resistência de cálculo para a
tração (fc0,t) é igual à resistência de cálculo para a compressão (fc0,t = 16 MPa).
De forma similar, é possível determinar a resistência de cálculo para o cisa-
lhamento paralelo às fibras da seguinte forma (PINHEIRO; MOLINA; LAHR, 2010):

Esforço cortante e momento fletor de cálculo


A Figura 9, a seguir, apresenta os diagramas de esforço cortante e momento
fletor para a carga acidental variável (Figura 9a) e para a carga permanente
(Figura 9b), ambas em relação ao eixo . Observe que, para os dois casos, o
momento fletor máximo ocorre no centro do vão (o ponto mais crítico).
Estruturas de madeira 17

Figura 9. Diagramas de esforço cortante e momento fletor para os dois tipos de carga em
relação ao eixo : (a) carga acidental variável; (b) carga permanente.

O esforço cortante de cálculo, em relação ao eixo x, é obtido por meio


da soma dos esforços cortantes de cálculo da carga permanente (p) e da
carga variável acidental (Q) em relação a x, levando-se em consideração os
coeficientes de ponderação (PINHEIRO; MOLINA; LAHR, 2010):

O esforço cortante para a carga variável acidental Q, em relação ao eixo


x, é obtido por meio de (PINHEIRO; MOLINA; LAHR, 2010):

Já o esforço cortante de cálculo para a carga permanente p, em relação


ao eixo x, é obtido por meio de (PINHEIRO; MOLINA; LAHR, 2010):
18 Estruturas de madeira

Assim:

O esforço cortante de cálculo, em relação ao eixo y, é obtido é obtido de


forma similar, considerando-se, nesse caso, os esforços em relação ao eixo
y (PINHEIRO; MOLINA; LAHR, 2010):

O esforço cortante de cálculo para a carga variável acidental Q, em relação


ao eixo y, é obtido por meio dele (PINHEIRO; MOLINA; LAHR, 2010):

Da mesma forma, para a carga permanente (PINHEIRO; MOLINA; LAHR, 2010):

Portanto:

O mesmo procedimento pode ser utilizado para determinar o momento


fletor de cálculo em relação a cada eixo. O momento fletor de cálculo, em
relação ao eixo x, é obtido por meio da soma dos momentos fletores de cálculo
relativos à carga permanente (p) e à carga variável acidental (Q) em relação
a x, levando-se em consideração os coeficientes de ponderação (PINHEIRO;
MOLINA; LAHR, 2010):

O momento fletor de cálculo para a carga acidental Q, em relação ao eixo


x é dado por (PINHEIRO; MOLINA; LAHR, 2010):
Estruturas de madeira 19

Da mesma forma, o momento fletor de cálculo para a carga permanente


p, em relação ao eixo x, é dado por (PINHEIRO; MOLINA; LAHR, 2010):

Assim:

Repetindo para eixo y, os momentos fletores de cálculo para as cargas Q


e p são, respectivamente (PINHEIRO; MOLINA; LAHR, 2010):

Portanto:

Verificação das tensões


Nessa etapa, é preciso verificar se a estrutura é capaz de suportar as tensões
aplicadas (normais e cisalhantes). Para a flexão simples oblíqua, a norma
NBR 7190 estabelece que a mais rigorosa das seguintes condições deve ser
satisfeita (tanto para a compressão quanto para a tração) para as tensões
normais (ABNT,1997):

onde σMx,d e σMy,d são as tensões normais máximas que atuam na secção
transversal da terça (correspondentes aos momentos máximos em torno
dos eixos x e y); e kM é o coeficiente de correção para a geometria da secção
transversal da viga. Para a secção retangular, kM = 0,5.
20 Estruturas de madeira

A tensão normal de cálculo, em relação ao eixo x, é obtida por meio de


(PINHEIRO; MOLINA; LAHR, 2010):

onde Mx,d é o momento de cálculo em relação ao eixo x; Ix é o momento de inércia


da secção transversal em relação ao eixo x; e cy é a distância, na direção y, entre
a superfície neutra da terça (que passa pelo centroide da secção transversal)
e o ponto mais afastado da secção transversal. Como h = 12 cm, 6 cm.
Da mesma forma, a tensão normal de cálculo, em relação ao eixo y, é dada
por (PINHEIRO; MOLINA; LAHR, 2010):

Agora, é preciso verificar se as duas condições mostradas anteriormente


para as tensões normais foram satisfeitas (PINHEIRO; MOLINA; LAHR, 2010):

Como os dois valores obtidos são menores do que 1, a condição de segu-


rança para as tensões normais foi satisfeita, ou seja, as tensões de cálculo
são menores do que as tensões resistentes da madeira.
Além disso, é preciso verificar as tensões cisalhantes. Nesse caso, a se-
guinte condição de segurança deve ser satisfeita (ABNT, 1997):

onde td é a tensão cisalhante máxima que atua no ponto mais crítico da terça;
e fv,d é a resistência de cálculo da madeira ao cisalhamento paralelo às fibras.
As tensões em relação ao eixo x e ao eixo y são, respectivamente (PINHEIRO;
MOLINA; LAHR, 2010):
Estruturas de madeira 21

Como os dois valores são menores do que a resistência de cálculo da


madeira ao cisalhamento paralelo às fibras (fvd = 0,24 kN/cm2), essa condição
também foi satisfeita.
Conforme Pfeil e Pfeil (2003), ao dimensionar uma viga de madeira, é preciso
considerar tanto as limitações de tensões (como visto nos cálculos realizados
até agora) quanto os limites de deformações. Portanto, para complementar
o dimensionamento, faz-se necessário verificar os limites de utilização.
Para fazer essa verificação, é preciso comparar o deslocamento máximo
da terça (deflexão máxima) com o deslocamento-limite. Para a condição de
carregamento desse exemplo, as deflexões máximas ux e uy (considerando-
-se a deformação no regime elástico) podem ser calculadas pelas seguintes
expressões (PINHEIRO; MOLINA; LAHR, 2010):

onde 2 é um fator de combinação de carga acidental para edifícios (Quadro


3); Ec0,ef é o módulo de elasticidade efetivo na direção das fibras. Para esse
exemplo, foi adotado 2 = 0,2, e Ec0,ef foi obtido multiplicando-se o coeficiente
de modificação kmod pelo módulo de elasticidade característico da madeira
(obtido em ensaios padronizados e apresentado anteriormente no Quadro
1), conforme a seguir:

Substituindo esses valores nas expressões apresentadas, obtém-se 0,70


cm e 0,75 cm.
22 Estruturas de madeira

Quadro 3. Fatores de combinação de cargas

Cargas acidentais dos edifícios

Locais em que não há predominância de pesos de 0,2


equipamentos fixos, tampouco elevadas concentrações de
pessoas

Locais onde há predominância de pesos de equipamentos 0,4


fixos, ou elevadas concentrações de pessoas

Bibliotecas, arquivos, oficinas e garagens 0,6

Fonte: Adaptado de ABNT (1997).

O deslocamento-limite para a combinação de cargas desse exemplo, de


acordo com a NBR 7190 (ABNT, 1997), é igual a L/200, sendo L a distância entre
os apoios (vão). Como os valores calculados para o deslocamento (ux = 0,70
cm e uy = 0,75 cm) não ultrapassam o deslocamento-limite (L/20 = 325/200 =
1,63 cm), as condições para os estados-limite de utilização também foram
satisfeitas.

A NBR 7190 também recomenda que o dimensionamento inclua uma


análise da estabilidade lateral da viga (PINHEIRO; MOLINA; LAHR,
2010).

O exemplo apresentado mostrou etapas importantes do dimensionamento


de elementos estruturais de madeira a partir de especificações de projeto
(propriedades características do material, carregamento e configuração da
estrutura) e destacou o papel do cálculo estrutural de garantir a segurança
e o desempenho da estrutura durante toda a sua vida útil.
Portanto, a madeira é uma opção atrativa de material para estruturas
na indústria da construção, devido, principalmente, à sua excelente relação
entre resistência e peso. Além disso, a madeira é um material renovável. Como
visto, muitas propriedades da madeira observadas em escala macroscópica
podem ser explicadas por características da sua estrutura molecular. Por
exemplo, o arranjo em forma de tubos confere maior resistência à direção
longitudinal paralela às fibras do que às demais direções. Essa é uma infor-
mação importante para definir a configuração de uma estrutura.
Estruturas de madeira 23

Ao analisar o cálculo estrutural de uma terça, observou-se a importância


de incluir todas os tipos de cargas que atuarão na estrutura durante toda
a sua vida útil. Além disso, é essencial utilizar fatores de ponderação para
levar em consideração as incertezas associadas tanto com as resistências de
cálculo quanto com as solicitações da estrutura. Com o exemplo dado, ficou
evidente que o objetivo do dimensionamento é obter uma estrutura segura
e com alto desempenho.

Referências
ABNT. NBR 7190: projeto de estruturas de madeira. Rio de Janeiro: ABNT, 1997.
AGHAYERE, A.; VIGIL, J. Structural wood design ASD/LRFD. 2. ed. Boca Raton: CRC Press,
2017.
ASKELAND, D. R.; WRIGHT, W. J. Ciência e engenharia dos materiais. Massachusetts:
Cengage Learning, 2019.
PFEIL, W.; PFEIL, M. Estruturas de madeira. 6. ed. Rio de Janeiro: LTC, 2003.
PINHEIRO, R. V.; MOLINA, J. C.; LAHR, F. A. R. Estrutura treliçada de madeira tipo “howe”
para cobertura – exemplo de cálculo. In: CALIL JUNIOR, C.; MOLINA, J. C. Coberturas em
estruturas de madeira: exemplos de cálculo. São Paulo: Pini, 2010.

Leitura recomendada
NENNEWITZ, I. et al. Manual de tecnologia da madeira. São Paulo: Blucher, 2011.

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