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Prefácio

Prefácio
O eletrocardiograma (ECG) é um exame que ventriculares, as alterações eletrocardiográficas do
foi inventado há mais de 100 anos e continua infarto agudo do miocárdio, dentre diversos outros
insubstituível para o diagnóstico de determinadas distúrbios.
condições, como o infarto agudo do miocárdio. É importante ressaltar que este e-book não
Ele é tão importante em determinados cenários substitui os textos clássicos. Foi formatado em
de atendimento clínico que pode definir toda um padrão mais informal, com muitas gravuras
uma estratégia de tratamento. Por exemplo, e uma linguagem simples, exatamente para ser
se um paciente dá entrada em um serviço de facilmente compreendido. Além disso não tem fins
emergência com dor precordial típica e seu ECG lucrativos. Foi uma verdadeira imersão no estudo
evidenciar supradesnivelamento do segmento do diagnóstico eletrocardiográfico. Centenas de
ST o diagnóstico de infarto agudo do miocárdio horas lendo, resumindo, escrevendo e corrigindo.
é prontamente feito, antes mesmo de ocorrer Tudo isso para oferecer uma contribuição pessoal
elevação laboratorial das enzimas cardíacas. Neste ao meio acadêmico.
caso, o cateterismo cardíaco deve ser realizado o A diagramação deste e-book foi realizada pela
quanto antes. designer Nara Goulart, cuja contribuição foi única.
Embora seja um exame de fácil realização, Sempre disponível e de forma voluntária ela foi
de baixíssimo custo e que pode ser feito até capaz de produzir um texto final de aparência leve
mesmo dentro de uma ambulância de serviço de e agradável. Tudo isso para tornar a leitura mais
atendimento móvel de urgência (SAMU), a sua agradável e de fácil compreensão.
interpretação é uma arte, e pode ser desafiadora.
Muitos médicos acreditam ser impossível
compreender todos aqueles “rabiscos” sobre um Sejam bem-vindos ao fantástico mundo do
papel milimetrado. Exatamente por isso alguns eletrocardiograma.
estudantes de medicina têm certa aversão inicial
ao exame, o que dificulta ainda mais o estudo do Ângelo Geraldo José Cunha.
assunto.
Muito desta dificuldade pode estar relacionada ao
fato de que o princípio do ECG passa por conceitos
relacionados à física, como vetores, voltagem,
amperagem, velocidade de registro, etc. Portanto,
há muito de raciocínio lógico no momento de Ficha Técnica
interpretar um ECG. Assim, conhecer fisiologia é
essencial para dominar a arte da interpretação do Diretor-Geral
ECG. Vinicius Lana Ferreira
Este livro foi escrito com o objetivo de simplificar
Coordenação do Curso de Medicina
esta interpretação. Ele traz uma linguagem mais
Mariana de Souza Furtado
informal em relação aos textos tradicionais.
Por isso pode ser utilizado por acadêmicos de Coordenação Adjunta de Ensino
medicina e médicos generalistas, bem como Lauro Nunes Filho
profissionais da área da enfermagem. O primeiro
capítulo, História do Eletrocardiograma, é uma Autor
forma de fazer uma justa homenagem aos seus Ângelo Geraldo José Cunha
criadores. Na sequência os capítulos abordam
Diagramação e Projeto Gráfico
a eletrofisiologia, a padronização de registro e
Nara Goulart
como realizar e interpretar um ECG normal. Em
seguida são abordadas as anormalidades, como Supervisão
os distúrbios de ritmo e frequência, as arritmias Mauro Ruback
supraventriculares, do nó atrioventicular e
Sumário

Sumário
Página Capítulo
04 1 - História do Eletrocardiograma
13 2 - Eletrofisiologia
22 3 - Princípios fundamentais do ECG
29 4 - Padronizações de registro do ECG
35 5 - ECG normal: registro das ondas e interpretação do resultado
44 6 - Eixos elétricos e desvios
51 7 - Distúrbios supraventriculares – parte I: Distúrbios de ritmo e frequência,
sobrecargas atriais
62 8 - Distúrbios supraventriculares – parte II: Extrassístoles e taquicardia
supraventricular paroxística

72 9 - Distúrbios supraventriculares – parte IIII: Flutter e fibrilação atrial

79 10 - Distúrbios atrioventriculares – parte I: Atrasos e bloqueios de condução


86 11 - Distúrbios atrioventriculares – parte II: Síndromes de pré-excitação ventricular
90 12 - Anormalidades ventriculares – parte I: Hipertrofia ventricular
96 13 - Anormalidades ventriculares – parte II: Extrassístoles, taquicardia ventricular,
ritmo idioventricular acelerado, fibrilação ventricular
106 14 - Anormalidades ventriculares – parte III: Bloqueios de ramos e fascículos
117 15 - Isquemia miocárdica – parte I: Infarto com elevação do segmento ST e onda Q
131 16 - Isquemia miocárdica – parte II: Síndromes sem elevação do segmento ST e
não-Q
141 17 - Efeitos de drogas, distúrbios eletrolíticos e metabólicos no ECG
150 18 - Toxicidade digitálica
156 19 - Marcapassos e CDIs
166 20 - Síndromes pericárdicas, miocárdicas e pulmonares
171 21 - Como interpretar um ECG
178 Referências bibliográficas
185 Sites gratuitos para testar e complementar o conhecimento
Capítulo 01

01 - História do Eletrocardiograma

Willen
Einthoven
e o primeiro
eletrocardiógrafo
construído. Repare
nas bacias de água:
elas continham
salmoura e
funcionavam como
eletrodos.

Figura 1-1.. Fonte: https://blog.cbc.org.br/uma-breve-historia-do-eletrocardiograma/

ELETROCARDIOGRAMA: UM EXAME QUE RENDEU UM PRÊMIO NOBEL

O
eletrocardiograma (ECG), uma aplica conhecimentos da física e da química
ferramenta diagnóstica criada há na medicina.
mais de 100 anos, está entre os O brilhante fisiologista holandês Willem
principais exames complementares Einthoven é considerado o pai do ECG. Ele
realizados na medicina atual, capaz de definir criou, em 1903, um método não invasivo
condutas. Por exemplo, o infarto agudo do para estudar o funcionamento do coração.
miocárdio será tratado de modo diferente Este primeiro equipamento conectava fios
caso haja supradesnivelamento do segmento acoplados aos membros (pé esquerdo e
ST. Para diagnóstico e classificação de mãos esquerda e direita) e que ficavam
bloqueios atrioventriculares o ECG é crucial. imersos em baldes contendo soluções de
Assim, é importante que façamos uma eletrólitos. Estes fios estavam ligados entre
justa homenagem aos seus criadores. A si e conectavam a uma imensa máquina de
seguir apresentamos uma breve história quase 300 quilogramas de peso (figura 1-1) e
do eletromagnetismo e de sua importância que necessitava cinco pessoas para operá-la.
para se compreender os princípios do Este dispositivo revolucionário lhe rendeu o
funcionamento deste fantástico exame, que prêmio Nobel de Medicina em 1924.

04
Capítulo 01

O ELÉTRON E O MAGNETISMO

E létron (do grego élektron: âmbar-


amarelo) é a palavra que tem sido
usada para designar todos os
fenômenos derivados de observações
primitivas hoje conhecidas como eletricidade.
Tales de Mileto (625 – 547 a.C.), cientista e
filósofo grego, comprovou que o âmbar (figura
1-2), quando atritado com lã, atraía objetos
leves.

Âmbar
amarelo.
Demonstração do
experimento de Tales
de Mileto.

Figura 1-2. Fonte: https://


italovector.com.br/experimento-
de-tales-de-mileto/. Acesso em
15/04/2022.

Na natureza, a carga elétrica é inerente à


matéria, sendo indissociável dela. Onde quer
que exista matéria, existe carga elétrica. A
substâncias apresentam de atrair objetos
matéria é formada por átomos, constituídos
metálicos. Os corpos que apresentam essa
por prótons e elétrons, carregados com cargas
propriedade são chamados de ímãs. Um
elétricas positiva e negativa, respectivamente,
ímã natural (magnetita, por exemplo) tem
bem como nêutrons, que não possuem carga
a capacidade inata de atrair o ferro. Alguns
elétrica.
compostos, como o âmbar-amarelo descrito
Sabe-se que duas cargas elétricas se atraem
anteriormente, podem ser “imantados”
ou se repelem com uma força que está
de forma artificial, através do atrito, por
relacionada às suas cargas e à distância que
exemplo. Esta informação será importante
as separa. Esta força de atração ou repulsão é
para entender o princípio do eletroímã,
dada pelo campo elétrico que circunda estas
fundamento do galvanômetro que Einthoven
cargas. Este campo elétrico nada mais é do
utilizou para criar o eletrocardiograma. Antes
que um campo magnético.
disso será necessário apresentar os conceitos
O magnetismo é a propriedade que certas
relacionados à corrente elétrica, pois o
coração também é um complexo circuito
elétrico, com sistema de geração e condução
elétrica.

05
Capítulo 01

Circuito
elétrico
simples e sua
representação
esquemática (à
direita)
Figura 1-3. Fonte: http://webfisica.com/fisica/curso-de-fisica-basica/aula10.80/. Acesso em 15/04/2022.

CORRENTE ELÉTRICA

Q
de His-Purkinje e como receptor a célula
uando uma carga elétrica é colocada miocárdica.
próxima a outra, age sobre ela uma A intensidade de corrente elétrica é o número
força que pode deslocá-la de sua de cargas que circulam por unidade de
posição. Este deslocamento ordenado de tempo. Sua unidade de medida é o Ampère
cargas elétricas é o que constitui a corrente (A). Quando uma carga é abandonada em um
elétrica. Para que exista uma corrente elétrica, campo elétrico, ela entra em movimento; ou
é necessário que haja um circuito elétrico seja, perde energia potencial e ganha energia
(figura 1-3), composto por: um gerador (uma cinética. Este fenômeno é denominado
bateria, por exemplo), que fornece a energia diferença de potencial elétrico, voltagem ou
necessária para que as cargas percorram tensão, e sua unidade de medida é o Volt
o circuito; um material condutor (exemplo: (V). A intensidade de corrente e a diferença
cobre); um receptor (uma lâmpada, por de potencial podem ser medidas pelo
exemplo). Para o coração, consideremos como amperímetro e voltímetro, respectivamente,
gerador o nó sinusal, como condutor o sistema que são dois subtipos de galvanômetro, cujos

Amperímetro
(à esquerda) e circuito
elétrico onde foram inseridos
um amperímetro (mede a
intensidade de corrente) e um
voltímetro (mede a diferença de
potencial entre dois pontos).

Figura 1-4. Fontes: https://educalingo.com/pt/dic-es/amperimetro e https://mundoeducacao.uol.com.br/


fisica/amperimetro.htm. Acesso em 15/04/2022.

esquemas de funcionamento estão ilustrados


na figura 1-4.
Você sabe o que é um galvanômetro, qual é o
seu princípio de funcionamento e porque ele
tem este nome? Responder a estas questões
será crucial para entender como Einthoven
utilizou o princípio de funcionamento do
galvanômetro para registrar a atividade
elétrica do coração.

06
Capítulo 01

EFEITO MAGNÉTICO DA CORRENTE ELÉTRICA:


O PRINCÍPIO DO GALVANÔMETRO

Hans
Christian
Öersted
e o princípio do
eletromagnetismo.
Figura 1-5. Fonte: Júnior, Joab Silas da Silva. “Hans Christian Oersted”; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.
br/fisica/hans-christian-oersted.htm. Acesso em 27 de janeiro de 2022.

E
m 1791, o médico e físico italiano circuito elétrico simples e percebeu que a
Luigi Galvani conseguiu movimentar, agulha imantada da bússola sofria deflexões
com estímulo elétrico, o músculo quando existia corrente elétrica no circuito.
da perna de um sapo morto. A única explicação possível para a deflexão
Por volta de 1820 o dinamarquês Hans sofrida pela agulha imantada era a presença
Christian Öersted descobriu os princípios de um campo magnético que concorria com
do eletromagnetismo (figura 1-5). Ele o campo magnético terrestre. Assim, Öersted
posicionou uma bússola próximo a um concluiu que cargas elétricas em movimento
geravam campo magnético.

Ímã
natural
(à esquerda) e seu
campo magnético
(ao centro). À
direita, um modelo
de eletroímã.

Figura 1-6. Fontes: https://beduka.com/blog/materias/fisica/o-que-e-magnetismo/ e https://www.preparaenem.


com/fisica/eletroimas.htm. Acesso em 15/04/2022.

Para se criar um campo magnético mais corrente elétrica sobre este circuito, o campo
intenso, constrói-se o eletroímã, que nada magnético no interior desta “bobina” é
mais é do que um fio de material bastante extraordinariamente reforçado, convertendo-o
condutor (cobre, por exemplo), enrolado em um poderoso ímã com muitas aplicações
diversas vezes sobre uma barra de ferro práticas.
(ver figura 1-6). Quando se faz passar uma

07
Capítulo 01

Quando se acopla uma agulha a uma bobina


e insere-se este conjunto no interior de
um ímã permanente e fixo, de forma que o
conjunto bobina-agulha possa girar, cria-se o
galvanômetro, cujo nome é uma homenagem
ao físico Luigi Galvani. Assim, ao aplicar uma
corrente elétrica no circuito, a agulha gira em
uma escala graduada, permitindo a leitura da
grandeza de interesse. Conforme já descrito
anteriormente, um galvanômetro pode ser
utilizado para medir a intensidade de uma
corrente elétrica (amperímetro) ou a diferença
de potencial (voltímetro). Meio século depois dos experimentos de
Öersted com o eletromagnetismo, em 1872
o físico francês Jonas Ferdinand Gabriel
Lippmann criou o eletrômetro capilar (figura
1-7). Trata-se de um dispositivo capaz de
registrar a passagem de uma corrente elétrica
através de um fino tubo de vidro preenchido
por substâncias de diferentes densidades
(mercúrio na parte de baixo e ácido sulfúrico
na parte de cima). Os potenciais elétricos
gerados alteram a tensão superficial destas
substâncias, promovendo o deslocamento da
coluna de mercúrio para cima ou para baixo,
indicando a diferença de potencial existente.
Nesta época já havia sido criado um método
de registro fotográfico em papel fotossensível,
permitindo assim o registro desta atividade
elétrica, cujo movimento era captado na forma
de um “eletrograma”.

Tubo
capilar
de vidro
demonstrando o princípio
de funcionamento do
eletrômetro de Lippman
(1872). Eletrodos são
colocados nas superfícies
Figura 1-7. Fonte: Arquivo interno.
do mercúrio e do ácido
sulfúrico. A passagem de
corrente elétrica altera
a tensão superficial do
mercúrio, que se move
em ondas que são
registradas sob a forma
de “eletrograma” (à
direita).

08
Capítulo 01

Waller e
Jimmy,
seu Bulldog o qual
foi utilizado em suas
demonstrações em aulas.

Figura 1-8. Fonte: http://rmmg.


org/artigo/detalhes/323.
Acesso em 27/01/2022.

O primeiro eletrocardiograma humano foi


registrado pelo fisiologista Augustus D. Waller,
em 1887, em experimentos realizados com o
eletrômetro capilar de Lippman. Ele conectou
eletrodos nas superfícies anterior e posterior
do tórax e demonstrou que cada batimento
cardíaco era acompanhado por uma oscilação
elétrica. Com isso, provou que a atividade
elétrica precedia a contração cardíaca. Waller
não acreditava na aplicabilidade clínica do seu
experimento, concluindo que as dificuldades
técnicas a impossibilitavam. Entretanto, seus
estudos contribuíram de forma decisiva para
o desenvolvimento da eletrocardiografia. A
observação interessante que realizou foi a de
que se podia registrar os potenciais elétricos
a partir dos membros submersos em soluções
salinas. Seu cachorro, Jimmy, foi utilizado em
suas demonstrações em aulas (figura 1-8).
O Bulldog ficava com suas patas submersas
em soluções salinas em baldes. Essa atitude
quase foi condenada pela Câmara dos
Comuns pelo “Cruelty to Animals Act” de 1876.
O GALVANÔMETRO DE EINTHOVEN

F oi este dispositivo, um eletrômetro


capilar aprimorado, que despertou
o interesse de Einthoven no registro
da atividade elétrica do coração. Einthoven
percebeu a limitação de frequência que o
aparelho de Waller apresentava e, a partir de
recursos matemáticos, conseguiu um traçado
muito próximo do real. O grande problema
do eletrômetro de Waller residia na inércia
do mercúrio em interface com ácido sulfúrico
no tubo capilar. O movimento do mercúrio
necessitava ser ampliado para o registro em
papel fotográfico.

09
Capítulo 01

Então Einthoven aprimorou o circuito,


adicionando-lhe um filamento muito fino de
quartzo recoberto por prata, melhorando
significativamente a qualidade do registro
em papel fotográfico. Estamos falando do
revolucionário “galvanômetro de corda de
Einthoven” (figura 1-9).

Figura 1-9. Fonte: https://es.wikipedia.org/wiki/Galvanómetro_de_Einthoven. Acesso em 15/04/2022.

Galvanômetro
de corda
desenvolvido por Einthoven. Uma
corrente elétrica, ao atravessar
Agora, mesmo a fraca corrente do potencial um filamento de quartzo
elétrico cardíaco seria capaz de mover o (revestido por uma fina camada
filamento de quartzo, cujos deslocamentos de prata) esticado entre os
eram registrados num filme fotográfico, que polos de um eletroímã, promove
rodava à velocidade de 25 mm/s, como nos deslocamentos laterais deste fio.
eletrocardiógrafos atuais. A relação entre Estes movimentos, observáveis
ao microscópio micrométrico,
a amplitude do traçado e a voltagem era
são registrados sob a forma de
controlada pela tensão do filamento. A razão ondas (P, QRS, T).
da escolha das letras P, Q, R, S, T por Einthoven
nunca foi por ele explicada.
Agora o “eletrograma” se tornaria o
“eletrocardiograma”. Trabalhando com o seu
singular galvanômetro, Einthoven estabeleceu
os princípios básicos do ECG. Ele criou as
derivações bipolares dos membros (DI, DII e
DIII), obtidas a partir de eletrodos colocados nos membros e dispostos num triângulo
equilátero, estando o coração no centro deste
triângulo. Os ápices seriam o braço esquerdo,
o braço direito e a perna esquerda. Cada
derivação mede a diferença de potencial entre
dois eletrodos: o explorador (+) e o indiferente
(-).
A partir da posição dos eletrodos nos
membros, Einthoven formulou a clássica
equação DII = DI + DIII. As ondas do
eletrocardiograma foram nomeadas P, QRS e
T. A onda U foi descrita posteriormente.

10
Capítulo 01

AS DERIVAÇÕES “UNIPOLARES”

P rimeiramente é importante informar que


o termo derivação unipolar é incorreto.
Todas as derivações de um ECG medem
a diferença de potencial entre dois polos;
Posteriormente, em 1942, Emanuel Goldberger
criou as derivações aumentadas dos
membros. O eletrodo explorador que forma
o polo positivo é o eletrodo do braço direito
portanto, devem ser consideradas bipolares. para a derivação aVR, o eletrodo do braço
O médico americano Frank Norman Wilson esquerdo para aVL e o eletrodo da perna
introduziu as seis derivações precordiais (V1 a esquerda para aVF. O potencial de referência
V6) em 1934. Elas consistiam de um eletrodo para estas derivações aumentadas é formado
explorador no tórax e um eletrodo indiferente, ligando-se os dois eletrodos de membros
de potencial elétrico nulo. Com isso é possível que não são utilizados como explorador. Por
registrar as variações no potencial elétrico exemplo, para AVL o eletrodo explorador é
apenas no eletrodo explorador. O eletrodo colocado no braço esquerdo e o eletrodo
indiferente é obtido através do “terminal de referência é a voltagem combinada
central de Wilson”. Este terminal (figura 1-10) dos eletrodos do braço direito e da perna
é obtido pela ligação entre cada membro esquerda. Assim,
(braço esquerdo, braço direito e pé esquerdo)
e um resistor de 5000 Ohms, e em seguida AVR = BD – (BE + PE)/2
os resistores são unidos a um ponto fixo, AVL = BE – (BD + PE)/2
denominado terminal central. AVF = PE – (BD + BE)/2

Terminal
Central de
Wilson
(à esquerda). Resistores
de 5.000 Ohm (5KΩ)
são conectados a cada
eletrodo dos membros
quando se constrói
o terminal. À direita,
posição dos eletrodos
para o registro das
derivações precordiais
(V) ligadas ao terminal
central através dos
eletrodos dos membros. Figura 1-10. Fontes: https://www.researchgate.net/figure/Triangle-of-Einthoven-Wilsons-central-terminal; Brawnwald
Tratado de Doenças Cardiovasculares. Vol. 1. Cap. 12: Eletrocardiografia.

11
Capítulo 01

Localização
dos
eletrodos
e conexões elétricas para
o registro das derivações
aumentadas dos membros
aVR, aVL, aVF. As linhas
tracejadas indicam as
conexões para produzir o
potencial do eletrodo de
referência.

Figura 1-11. Fonte: Brawnwald Tratado de Doenças Cardiovasculares. Vol. 1. Cap. 12: Eletrocardiografia.

Este sistema de referência modificado foi


projetado para produzir um sinal de maior
amplitude do que se o terminal de Wilson
fosse utilizado como o eletrodo de referência.
Quando o terminal de Wilson era utilizado,
a voltagem era pequena, em parte porque
o mesmo potencial do eletrodo foi incluído
tanto no eletrodo explorador quanto no de
referência. Eliminando esta duplicação, há
aumento da amplitude em 50%. A figura 1-11
ilustra o princípio das derivações aumentadas
dos membros.

Portanto, as derivações-padrão (DI, DII, DIII)


e as derivações aumentadas dos membros
(aVR, aVL, aVF) estão alinhadas no plano
frontal do tronco, enquanto as derivações
precordiais (V1 a V6) estão alinhadas no plano
horizontal do tórax. Esta configuração será
importante para o entendimento do registro
dos vetores cardíacos. Agora será possível
determinar se um vetor se dirige para a
direita ou esquerda, para cima ou para baixo,
para frente ou para trás. Ou seja, tem-se um
registro tridimensional da atividade elétrica do
coração.
Uma vez compreendido os princípios físicos
que levaram Einthoven, Wilson e Goldberger
desenvolverem e aprimorarem o aparelho de
ECG, passaremos à próxima etapa, o estudo
da eletrofisiologia cardíaca.

12
Capítulo 02

02 Eletrofisiologia
FISIOLOGIA DO MÚSCULO CARDÍACO

O
coração é composto por três tipos
de músculo: o músculo atrial, o
músculo ventricular e as fibras
especializadas excitatórias e condutoras. Os
tipos atrial e ventricular contraem-se quase
como os músculos esqueléticos. Por outro
lado, as fibras excitatórias e de condução só
se contraem fracamente, mas apresentam
descargas elétricas rítmicas automáticas
na forma de potenciais de ação, ou fazem a
condução desses potencias de ação através
do coração.
O músculo cardíaco é estriado, como o longitudinal das fibras, com os potenciais
músculo esquelético, com fibras que se de ação se propagando facilmente entre as
dispõem em malha ou treliça, (figura 2-1). células. Assim, quando uma célula é excitada,
Além disso contém miofibrilas típicas, o potencial de ação se espalha facilmente
com filamentos de actina e miosina. Esta para todas as demais.
característica sincicial permite a difusão de O coração é, na verdade, composto por dois
íons quase totalmente livre ao longo do eixo sincícios: o atrial e o ventricular. Os átrios são
separados dos ventrículos por tecido fibroso
(A-V) entre eles. Os potenciais de ação não
são capazes de atravessar essa “barreira
fibrosa”, sendo necessário um sistema
especializado de comunicação entre os átrios
e os ventrículos, chamado feixe A-V.

Caráter
sincicial
das fibras musculares
cardíacas (à esquerda).
Estrutura dos filamentos
de actina e miosina e
suas interações (à direita).

Figura 2-1. Fonte: Guyton & Hall. Tratado de Fisiologia Médica. 12ª ed.

13
Capítulo 02

POTENCIAIS DE AÇÃO NO MÚSCULO CARDÍACO

O potencial de repouso da fibra


muscular cardíaca, mostrado na figura
2-2, mede em torno de -85 miliVolts
(mV). Após o miócito receber o estímulo
elétrico, via fibras de Purkinje, o potencial
de ação é iniciado pela abertura dos canais
de sódio rápidos, havendo entrada rápida
de sódio na célula e elevando o potencial
intracelular (fase 0) para cerca de +20 mV.
Este pico, também chamado spike,
corresponde à fase 1. Logo em seguida
ocorre a abertura dos canais de cálcio lentos
(também referidos como canais de sódio-
cálcio), que, por permanecerem abertos
por mais tempo, geram o platô (fase 2) no potencial de ação. Os íons cálcio, entrando na
célula durante este platô, ativam o processo
da contração muscular. A fase 3 corresponde
à saída rápida de potássio da célula, fazendo
com que o potencial de ação volte ao nível de
-85 mV. A célula então volta ao seu potencial
de repouso inicial (fase 4), que é mantido
pela ação contínua da bomba sódio-potássio
ATPase.

Potenciais
de ação
rítmicos
(em miliVolts) de fibra de
Purkinje (gráfico superior,
em vermelho) e de fibra
muscular ventricular
(gráfico inferior, em azul).

Figura 2-2. . Fonte: Guyton & Hall. Tratado de Fisiologia Médica. 12ª ed.

14
Capítulo 02

PERÍODO REFRATÁRIO DO MIOCÁRDIO

C omo todos os tecidos excitáveis, o


músculo cardíaco também é refratário
à reestimulação durante o potencial de
ação. O período refratário normal do ventrículo
equivale à duração do platô do potencial de Esta informação é importante para o correto
ação (cerca de 0,25 a 0,30 segundo). Existe tratamento de uma arritmia cardíaca (uma
ainda o período refratário relativo, de cerca fibrilação atrial, por exemplo) e que necessita
de 0,05 segundo, durante o qual é mais difícil de cardioversão elétrica. A onda de choque a
excitar o músculo, mas sob estímulo mais ser liberada não deve ocorrer sobre o período
intenso esta excitação pode ser possível. refratário relativo, pois pode precipitar uma
assistolia ou uma fibrilação ventricular.

ACOPLAMENTO EXCITAÇÃO-CONTRAÇÃO – A FUNÇÃO DOS ÍONS CÁLCIO

O termo “acoplamento excitação-


contração” refere-se ao mecanismo
pelo qual o potencial de ação
provoca a contração das miofibrilas. Assim
processo corresponde à fase de platô do
potencial de ação, e é altamente dependente
da energia fornecida pelo ATP.
Ao final deste platô, o influxo de íons cálcio é
como no músculo esquelético, quando o bruscamente interrompido, e os íons cálcio
potencial de ação cursa pela membrana do são rapidamente bombeados de volta para
miocárdio e se difunde para o interior da fora das fibras musculares. Como resultado, a
fibra muscular, ele passa para os túbulos contração cessa até que ocorra novo potencial
transversos que, por sua vez, causa a liberação de ação. Assim, a duração da contração do
de íons cálcio no sarcoplasma muscular. miocárdio é função da duração do potencial
A ligação destes íons cálcio aos sítios C da de ação, incluindo o platô: aproximadamente
troponina promoverá, como evento final, o 0,2 segundo no músculo atrial e 0,3 segundo
acoplamento entre a actina e miosina (figura no músculo ventricular.
2-3), promovendo a contração muscular. Este

Mecanismo
“em catraca”
de acoplamento entre actina e
miosina.

Figura 2-3. Fonte: Guyton & Hall. Tratado de


Fisiologia Médica. 12ª ed.

15
Capítulo 02

CONTROLE DO CORAÇÃO PELA INERVAÇÃO SIMPÁTICA E PARASSIMPÁTICA

A eficácia do coração como bomba é


controlada pelos nervos simpáticos
e parassimpáticos que o inervam.
Os nervos parassimpáticos (vagos)
distribuem-se, majoritariamente, para os
nodos sinusal e AV e muito pouco para a
musculatura atrial e ventricular. Os nervos
simpáticos distribuem-se por todas as
porções do coração, com forte representação
no músculo ventricular (figura 2.4).

Inervação
simpática e
parassimpática
(nervos vagos) do coração.

Figura 2-4. Fonte: Guyton & Hall. Tratado de


Fisiologia Médica. 12ª ed.

A estimulação vagal provoca liberação de


acetilcolina nas terminações nervosas, cujos
efeitos principais são a diminuição do ritmo do
nodo sinusal e a redução da excitabilidade das
fibras juncionais AV (entre musculatura atrial e
nodo AV). O mecanismo responsável por estes
efeitos é o aumento da permeabilidade da
membrana aos íons potássio pela acetilcolina, para fora das fibras. Como efeito final, ocorre
permitindo o rápido vazamento desse íon hiperpolarização das fibras, tornando-as
menos excitáveis. Com isso, há redução do
automatismo do nó sinusal (bradicardia) e
retardo na condução AV (bloqueios AV).
A estimulação simpática promove efeitos
opostos, através da liberação de norepinefrina
nas terminações nervosas: aumento na
descarga do nodo sinusal (taquicardia) e na
velocidade de condução em todas as partes
do coração (incluindo o nodo AV), aumento
na força de contração miocárdica, tanto atrial
quanto ventricular. Em suma, a estimulação
simpática aumenta a atividade global do
coração.

16
Capítulo 02

EFEITOS DOS ÍONS POTÁSSIO (K+) E CÁLCIO (CA++)


NO FUNCIONAMENTO CARDÍACO

O s íons potássio têm efeito


acentuado sobre os potenciais
das membranas, enquanto os
íons cálcio têm participação importante na
coração a produzir contrações espásticas.
A causa disso é o efeito direto do cálcio
na deflagração do processo contrátil. Por
outro lado, a deficiência de íons cálcio causa
ativação do processo de contração muscular. flacidez cardíaca, semelhante à causada pelo
A concentração de cada um destes íons aumento do potássio.
nos líquidos extracelulares tem efeitos
significativos sobre a função cardíaca.
O excesso de potássio nos líquidos
extracelulares pode fazer com que o
coração se dilate, fique flácido e diminua EXCITAÇÃO RÍTMICA DO CORAÇÃO
sua frequência de batimentos. Além disso,

O
pode bloquear a condução do impulso pelo
O coração é dotado de um sistema
feixe A-V. Esses efeitos resultam do efeito
especial para gerar e conduzir
da hiperpotassemia na redução do potencial
impulsos elétricos por todo
de repouso das membranas das fibras
miocárdio, com objetivo de coordenar as
miocárdicas, por “acúmulo de potássio” no
contrações de átrios e ventrículos. Este
interior das células. À medida que o potencial
sistema é formado pelo nodo sinusal, no qual
de membrana diminui (fica menos negativo),
o impulso é gerado; as vias internodais que
a intensidade do potencial de ação também
conduzem o impulso do nodo sinusal ao nodo
diminui, o que faz as contrações do coração
atrioventricular (AV); o próprio nodo AV, no
serem progressivamente mais fracas.
qual o impulso, vindo dos átrios, é retardado
O raciocínio inverso vale para os casos de
antes de passar para os ventrículos; o feixe
hipopotassemia: a célula se torna ainda mais
AV, que conduz o impulso dos átrios para os
negativa em seu interior, facilitando a geração
ventrículos e os ramos direito e esquerdo do
e propagação do potencial de ação. Ou seja,
feixe de fibras de Purkinje, que conduzem o
a célula se torna mais facilmente excitável, o
impulso cardíaco para todas as partes dos
que aumenta o risco de potenciais de ação
ventrículos. A figura 2-5 ilustra este sistema
espontâneos e arritmias fatais.
condutor e excitatório.
O excesso de íons cálcio causa efeitos quase
opostos aos dos íons potássio, induzindo o

O nodo
sinusal,
as vias internodais, o
nodo AV e os ramos
ventriculares.

Figura 2-5. Fonte: Guyton & Hall. Tratado de


Fisiologia Médica. 12ª ed.

17
Capítulo 02

1. NODO SINUSAL 1.1 RITMICIDADE ELÉTRICA AUTOMÁTICA


DAS FIBRAS SINUSAIS
Também denominado nodo sinoatrial (SA) é
uma faixa pequena, achatada e elipsoide (3 Algumas fibras cardíacas, especialmente
mm de largura por 15 mm de comprimento), as do sistema condutor especializado,
de músculo cardíaco especializado. Está são auto-excitáveis, ou seja, podem
situado na parede póstero-lateral superior do causar descarga automática rítmica. A
átrio direito, imediatamente abaixo e pouco figura 2-6 mostra três potenciais de ação
lateral à abertura da veia cava superior. Suas de uma fibra do nodo SA e um potencial
fibras se conectam diretamente às fibras de ação de uma fibra muscular. Note
musculares atriais, de modo que qualquer que o potencial de repouso das fibras
potencial de ação que se inicie neste nodo se do nodo SA tem negatividade em torno
difunde de imediato para o músculo atrial. de -55 miliVolts, comparada com -90
miliVolts da fibra ventricular. A explicação
é que as membranas das fibras sinusais,
sendo naturalmente mais permeáveis
ao cálcio e ao sódio, as cargas positivas
destes íons cruzam mais facilmente
a membrana e neutralizam parte da
negatividade intracelular.

Diferentemente do potencial de ação


do músculo cardíaco, já descrito
anteriormente neste capítulo, o potencial
de repouso do nodo sinusal é menos
negativo, em torno de -55 a -60 miliVolts.
Neste valor, os canais rápidos de sódio
estão em sua maioria inativados, ou seja,
bloqueados. Assim, só os canais lentos de
sódio-cálcio podem se abrir (ser ativados)
e deflagrar o potencial de ação. Como
resultado, o potencial de ação nodal atrial
é mais lento, tanto na despolarização
quanto na repoliração. Veja novamente
na figura 6 esta diferença.

Descarga
rítmica
do nodo sinusal em
comparação com o de
uma fibra muscular.

Figura 2-6. Fonte: Guyton & Hall. Tratado de


Fisiologia Médica. 12ª ed.

18
Capítulo 02

1.1 AUTO-EXCITAÇÃO DAS FIBRAS


DO NODO SINUSAL

Entre os batimentos cardíacos, o influxo


lento de sódio promove aumento
gradativo do potencial de repouso da
membrana até que o potencial atinja
o limiar de voltagem, de cerca de -40
miliVolts. Este “limiar de disparo” faz com 2. AS VIAS INTERNODAIS E A TRANSMISSÃO
que os canais de sódio-cálcio se abram,
originando o potencial de ação. Portanto, DO IMPULSO CARDÍACO PELOS ÁTRIOS
é este vazamento inerente das fibras
do nodo sinusal que causa a sua auto-
Uma vez que as extremidades das fibras do
excitação.
nodo sinusal conectam-se ao tecido muscular
Após 100 a 150 milissegundos da
atrial, os potenciais de ação se propagam
sua abertura, os canais de sódio-
diretamente para as fibras musculares atriais,
cálcio se fecham automaticamente,
se espalhando por toda a massa muscular
ocorrendo então a abertura dos canais
atrial.
de potássio. Assim, o influxo de sódio
Adicionalmente a esta via de transmissão,
e cálcio cessa e dá-se início à saída de
o estímulo gerado no nodo sinusal chega
grandes quantidades do íon potássio,
ao nodo atrioventricular através das vias
fazendo com que a célula retorne ao
internodais anterior, média e posterior (figura
seu potencial de repouso, cessando
2-7). Por serem semelhantes às fibras de
o potencial de ação. Ao final deste
Purkinje, a velocidade de transmissão nestas
processo os canais de potássio se
vias é significativamente superior.
fecham e ocorre abertura dos canais
lentos de sódio e cálcio, reiniciando o
ciclo elétrico.

Vias
internodais
atriais
atriais e organização do
nodo AV. Os números
representam a velocidade
de condução desde a
origem do impulso no nodo
sinusal.

Figura 2-7. Fonte: Guyton & Hall. Tratado de


Fisiologia Médica. 12ª ed.

19
Capítulo 02

3. O NODO AV E O FEIXE AV

O nodo AV e o feixe AV retardam a propagação


do estímulo entre átrios e ventrículos,
permitindo que os átrios se contraiam e
esvaziem seu conteúdo nos ventrículos antes
sofrerá um retardo adicional antes de atingir
que estes comecem a se contrair.
os ventrículos. Assim, o retardo total, no nodo
O nodo AV está situado na parede posterior
AV e no feixe AV, é de aproximadamente 0,13
do átrio direito, imediatamente atrás da valva
segundo. Portanto, o tempo total decorrido
tricúspide, como mostrado nas figuras 2-7 e
entre a geração do estímulo pelo nodo
2-8.
sinusal e sua chegada aos ventrículos será de
O impulso, após percorrer as vias internodais,
aproximadamente 0,16 segundo.
atinge o nodo AV e, então, ocorre retardo de
Em condições normais, uma característica
cerca de 0,09 segundo antes que o mesmo
especial do feixe AV é sua incapacidade de
alcance a porção penetrante do feixe AV, onde
conduzir de forma retrógrada os potenciais
de ação dos ventrículos para os átrios. Isso
impede a reentrada de impulsos cardíacos,
prevenindo arritmias.

O sistema
elétrico
cardíaco
Figura 2-8. Fonte: https://museuanatomia.
ufms.br/coracao/

4. OS RAMOS DIREITO E ESQUERDO E O SISTEMA DE PURKINJE VENTRICULAR

Após atravessar o tecido fibroso entre os interventricular. Cada ramo se dirige para o
átrios e ventrículos, a porção distal do feixe ápice cardíaco, progressivamente, dividindo-
AV se prolonga para baixo e para frente, por se em ramos cada vez menores. Estes ramos
5 a 15 milímetros no septo interventricular, se dispersam lateralmente em torno de cada
em direção ao ápice cardíaco. Nesse ponto o câmara ventricular e retornam em direção á
feixe se divide em ramos direito e esquerdo base do coração (disposição “em leque”). Por
do feixe que cursam pelo endocárdio, fim, fazem a interface direta com as fibras
respectivamente, nos dois lados do septo musculares do coração.

20
Capítulo 02

A partir do feixe AV, estas fibras conduzem os


potenciais de ação na velocidade de até 4,0
metros por segundo; ou seja, seis vezes que a
do músculo ventricular e 150 vezes que as do
nodo AV. O tempo total médio de dispersão
por todo o sistema de Purkinje é de apenas
0,03 segundo.
Algumas referências em cardiologia
denominam o feixe AV como Feixe de His e
todo o complexo de condução ventricular
como “sistema de His-Purkinje”.
Além disso, é necessário descrever as
subdivisões dos ramos. O ramo direito não
se subdivide, enquanto o ramo esquerdo se
subdivide em fascículos anterossuperior e
posteroinferior. Esta informação é importante,
pois na prática clínica é possível distinguir
bloqueios em diversos pontos do sistema
gerador e condutor: bloqueio sinoatrial,
bloqueios atrioventriculares (1º, 2º e 3º graus),
bloqueios de ramo (direito ou esquerdo), TRANSMISSÃO DO IMPULSO
bloqueios de fascículos e duplo bloqueio
(ramo direito + anterossuperior esquerdo). CARDÍACO PELO MIOCÁRDIO

U ma vez atingido a extremidade final


das fibras de Purkinje, o impulso
é transmitido para toda a massa
muscular ventricular pelas próprias fibras
musculares, numa velocidade de 0,3 a 0,5
m/s (um sexto da velocidade das fibras de
Purkinje). A direção deste impulso segue
do endocárdio para o epicárdio. Assim, o
tempo total de transmissão do estímulo,
desde os ramos ventriculares até a última
fibra miocárdica, é de aproximadamente 0,06
segundo.

Até o presente foram discutidos aspectos


relacionados à história do ECG e princípios
de fisiologia da geração e condução do
estímulo elétrico cardíaco. Estes capítulos
iniciais são essenciais para se compreender
a metodologia por trás da realização e
interpretação do eletrocardiograma, temas
abordados nos próximos capítulos.

21
Capítulo 03

03 - Princípios fundamentais do ECG


INTRODUÇÃO

A
nteriormente foi descrita a fisiologia CORRENTES ELÉTRICAS E GERAÇÃO
do músculo cardíaco, bem como DO CAMPO ELÉTRICO CARDÍACO
o princípio da geração e condução
do potencial de ação através do sistema

S
elétrico, além da excitação rítmica do coração. ão as correntes iônicas
O objetivo final é gerar o sincronismo de transmembranas as responsáveis pelos
contração atrial e ventricular, a partir de uma potenciais registrados pelo ECG.
sequência de ativação elétrica. Foge ao escopo deste trabalho discutir
O ECG é registro do resultado desta série detalhes quanto aos princípios físicos da
complexa de processos fisiológicos. geração e propagação destes campos
Primeiro, são produzidas correntes iônicas elétricos. De forma resumida, pode-se dizer
transmembranas entre células adjacentes. que os campos elétricos gerados por uma
Estas correntes são suficientes para gerar um frente de onda (uma despolarização, por
campo elétrico capaz de atravessar estruturas exemplo), podem ser representados por um
como pulmões, sangue e músculos, até vetor que possui uma força e orientação
atingir a pele. Estas correntes que alcançam espacial.
a pele podem ser detectadas por eletrodos Segundo a física, vetor é um segmento de reta
colocados em locais específicos nos membros orientado que apresenta tamanho, direção e
e no tronco, configurados para produzirem sentido. Os vetores são usados para expressar
as derivações eletrocardiográficas. Portanto, grandezas físicas vetoriais, ou seja, aquelas
o aparelho de ECG é um equipamento capaz que só podem ser definidas se conhecemos o
de reconhecer e registrar estas variações no seu valor numérico, a direção em que atuam
campo elétrico cardíaco. (horizontal e vertical), bem como o seu o
sentido (para cima, para baixo).
Um vetor, portanto, possui direção, sentido e
intensidade. São usualmente representados
por setas, que partem da origem, e utilizam-se
as coordenadas de seu último ponto. A figura
3-1 ilustra a representação espacial de dois
vetores de intensidade e direção distintas.

Vetores
representados
por setas cujas coordenadas
correspondem ao seu ponto final. O
vetor u possui coordenadas (2,2) e o
vetor v possui coordenadas (4,2). Além
disso, a seta é utilizada para indicar
direção e sentido, e o seu tamanho
indica a intensidade.

Figura 3-1. Fonte: https://brasilescola.uol.com.br/matematica/operacoes-com-


vetores-representacoes-geometricas.htm

22
Capítulo 03

Uma vez que o sistema elétrico cardíaco


produz movimento de cargas elétricas
(correntes iônicas), este movimento pode ser
representado por vetores. Para o coração,
são definidos os seguintes vetores de
despolarização e repolarização e que serão
registrados pelo eletrocardiograma:

Vetor de despolarização atrial (onda P): a


ativação atrial começa com a geração do
impulso no nodo sinusal e se expande
em direção ao átrio direito e esquerdo.
Esta propagação interatrial é complexa,
e o vetor resultante se direciona para
baixo e para a esquerda no plano
frontal. No plano horizontal, este vetor
direciona-se da esquerda para a direita
e levemente para a frente na maioria dos
casos. A representação destes vetores Sentido
está ilustrada na figura 3-2. e direção
da onda
de despolarização atrial
(seta), no plano frontal
(figura à esquerda) e no
plano horizontal (figura à
direita): do nodo sinusal
em direção ao nodo
atrioventricular (AV), ou
seja, para baixo, para a
esquerda e levemente
para a frente.

Figura 3-2. Fonte: Arquivo interno.

Vetores de despolarização ventricular direita e para frente. Este vetor tem


(complexo QRS): a ativação ventricular pequena amplitude e duração (até 0,04
segue uma distribuição “em leque”, segundo). O 2º vetor (parede ventricular
sobre a forma de três ondas (vetores) propriamente dita) se orienta para a
sequenciais. O 1º vetor, que representa a esquerda, para baixo e para trás. Por fim,
despolarização do septo interventricular, o 3º vetor (parede alta dos ventrículos)
se direciona da esquerda para a direita segue da esquerda para direita, de baixo
e de cima para baixo no plano frontal; para cima e de trás para frente. A figura
no plano horizontal, segue para a 3-3 ilustra a distribuição destes vetores.

23
Capítulo 03

Sentido e
direção da
onda
sequenciais de despolarização
ventricular, no plano frontal
(à esquerda) e no plano
horizontal (à direita). O vetor
1, de pequena magnitude,
representa a despolarização do
septo interventricular e segue
da esquerda para a direita,
Figura 3-3. Fonte: Arquivo interno. de cima para baixo e para
frente. O vetor 2 representa
a despolarização da massa
ventricular propriamente dita, e
aponta para a esquerda devido
à dominância do ventrículo
esquerdo. O Vetor 3, também
de baixa magnitude, representa
a despolarização da parta alta
(base) dos ventrículos, e aponta
para a direita, para cima, e para
frente.

Vetor de repolarização ventricular


(onda T): a recuperação do potencial de
ação dos ventrículos segue a mesma
sequência da despolarização. O vetor
resultante tem o mesmo sentido e
direção do vetor 2 da despolarização,
conforme ilustrado na figura 3-4.

Sentido
e direção
do vetor
resultante da
repolarização ventricular,
no plano frontal (à
esquerda) e no plano
horizontal (à direita).

Figura 3-4. Fonte: Arquivo interno.

24
Capítulo 03

VETORES CARDÍACOS X VETORES


DAS DERIVAÇÕES

A
nteriormente foram descritos os
vetores cardíacos correspondentes
às despolarizações dos átrios e
ventrículos (ondas P e complexo QRS) e à e derivações precordiais (V1 a V6), a origem
repolarização dos ventrículos (onda T). Existe destes vetores encontra-se no ponto médio do
um novo conceito a ser adicionado antes de eixo que conecta os eletrodos que compõem
se avançar para o registro eletrocardiográfico. o eletrodo composto, conforme já descrito
Uma derivação, per si, também pode ser anteriormente, em direção ao eletrodo
representada como um vetor, já que ela positivo. A figura 3-5 ilustra o sentido e direção
corresponde a um dipolo. Para as derivações destes “vetores de derivação”, tanto no plano
bipolares simples (DI, DII, DIII) tais vetores frontal quanto no plano horizontal.
estão direcionados do eletrodo negativo Portanto, é necessário que neste momento
para o eletrodo positivo. Para as derivações o conceito desta “dupla derivação” (de
aumentadas dos membros (aVR, aVL, aVF) vetores cardíacos e de vetores de derivação)
esteja bem compreendido antes de
avançar para o entendimento do registro do
eletrocardiograma.

Vetores
das seis
derivações
dos membros
(à esquerda) e das seis
derivações precordiais (à
direita). RA: right arm (braço
direito); LA: left arm (braço
esquerdo); LF: left foot (pé
esquerdo).
Figura 3-5. Fonte: Arquivo interno.

ELETRODOS DE REGISTRO E DERIVAÇÕES

E letrodo é um dispositivo que “visualiza” do potencial no eletrodo positivo para gerar o


as variações de voltagem (os vetores potencial bipolar. A American Heart Association
cardíacos) produzidas pela variação recomenda que todas as derivações do ECG
no campo elétrico cardíaco. Um eletrodo é sejam referidas como derivações bipolares,
designado como sendo a entrada positiva. O porque elas sempre registram a diferença
potencial no outro eletrodo (ou conjunto de de potencial entre dois pontos. Portanto, a
eletrodos), designado negativo, é subtraído designação unipolar é incorreta.

25
Capítulo 03

QUADRO DE REFERÊNCIA DO HEXAEIXO E EIXO ELÉTRICO

E Os eixos das seis derivações do plano


frontal podem ser sobrepostos para
produzir o sistema de referência
hexaxial. Conforme mostrado na figura 3-6, segundo vetor de despolarização ventricular
estes seis eixos dividem o plano frontal em de um indivíduo normal. É possível perceber
12 segmentos, cada um subentendendo 30 que este vetor será registrado como uma
graus. onda positiva e de grande magnitude
Agora fica mais fácil compreender como (amplitude) nas derivações DI, DII e aVF,
será o registro de um vetor cardíaco de também positiva, mas com menor amplitude,
acordo com a derivação que o observa. Para em DIII e aVL. Nestas derivações, o eletrodo
exemplificação, na figura 3.7 está inserido o está visualizando a “cabeça do vetor”; por
isso o registro será positivo. Por outro lado,
a derivação aVR visualiza a “cauda” do vetor;
então o registro será de uma onda negativa.

Sistema
composto
pelos seis eixos
das derivações do plano frontal.
Os mesmos foram reorganizados
de modo que seus centros
permaneçam sobrepostos e
“passem pelo centro geométrico
do coração”. Os polos positivos
de cada eixo mostram a
denominação da derivação.

Figura 3-6. Fonte: Arquivo interno.

Vetor de
despolarização
ventricular
de indivíduo saudável, com eixo
posicionado entre + 30 e + 60º.
Este vetor será registrado como
ondas positivas em DI, DII, DIII, aVL
e aVF, e onda negativa em aVR.

Figura 3-7. Fonte: Arquivo interno.

26
Capítulo 03

REPRESENTAÇÃO

O s potenciais cardíacos são comumente


apresentados como o clássico ECG
escalar que retrata os potenciais
registrados de cada derivação como uma
função do tempo. Para o ECG padrão, a
amplitude é exibida em uma escala de 1
miliVolt (mV) para 10 mm no eixo vertical e o
tempo de 0,04 segundo para 1 mm em uma
escala horizontal. As derivações geralmente
são exibidas em três grupos: derivações dos
membros padrão (DI, DII, DIII) seguidas pelas
derivações aumentadas dos membros (aVR,
aVL, aVF) e pelas derivações precordiais (V1 a
V6).
Neste momento é importante fazer referência
à Lei de Einthoven (DII = DI + DIII). Nesta
equação, vê-se que a diferença de potencial
da derivação DII é igual à soma das diferenças
de potencial de DI e de DIII. Como Einthoven,
utilizando o triângulo das derivações (figura
3-8), chegou a esta equação?

Triângulo de
Einthoven
representando as derivações DI,
DII e DIII como dipolos

Figura 3-8. Fonte: Arquivo interno.

Partindo do princípio de que as derivações A derivação DII é a diferença de potencial


bipolares dos membros registram as entre a perna esquerda (polo positivo) e
diferenças de potencial entre dois polos, o braço direito (polo negativo). DII = PE –
tem-se que: BD. Portanto, PE = DII + BD.
A derivação DI é a diferença de potencial
entre o braço esquerdo (polo positivo) e A derivação DIII é a diferença de
o braço direito (polo negativo): DI = BE – potencial entre a perna esquerda (polo
BD. Assim, BE = DI + BD. positivo) e o braço esquerdo (polo
negativo). DIII = PE – BE. Ou seja, PE = DIII
+ BE.

27
Capítulo 03

Figura 3-9. Fonte: Arquivo interno.

Demonstração
prática da Lei de
Einthoven
(DII = DI + DIII). A amplitude da onda
R em DII (27 mm ou 2,7mV) é igual
Vamos partir da segunda equação (DII = PE – à soma da amplitude de QRS em DI
BD) para deduzir a fórmula. Sabendo-se que (8 mm ou 0,8 mV) e DIII (19 mm ou
PE = DIII + BE (conforme 3ª equação), então DII 1,9 mV).
= DIII + BE – BD.
Ora, o que representa BE – BD? A equação DI.
Agora fica fácil. Substitua (BE – BD) por DII e
chega-se à fórmula final: DII = DIII + DI.
Na prática, o que isso representa?
Que o registro da amplitude de uma onda vetor de despolarização atrial é representado
(QRS, por exemplo) em DII deverá ter, pela onda P. Os vetores de despolarização
obrigatoriamente, a soma das amplitudes da e repolarização ventricular correspondem,
mesma onda nas derivações DIII e DI. Vamos respectivamente, ao complexo QRS e à onda
conferir? Analise o ECG da figura 3-9 e faça a T.
soma da amplitude do QRS em DIII e DI. As ondas P, QRS e T têm características
Até o presente foram apresentados particulares quanto à morfologia, duração e
os princípios fisiológicos da geração e amplitude. Para a correta interpretação do
propagação dos impulsos elétricos cardíacos ECG, o registro destas ondas necessita ser
e sua representação como vetores. No padronizado: papel milimetrado, velocidade
traçado do eletrocardiograma clássico, o (milímetros por segundo) e amplitude
(voltagem em miliVolts).
O próximo capítulo abordará estas
padronizações de registro.

28
Capítulo 04

04 - Padronizações de registro do ECG


O APARELHO DE ELETROCARDIOGRAMA:
SIMPLES E SOFISTICADO AO MESMO TEMPO

A
tualmente há diversos modelos de
aparelhos de ECG disponíveis no
mercado, dos mais simples aos mais
sofisticados. Os mais atuais dispõem de 12
canais de captura simultânea e sistema de
laudo automatizado através softwares que em dispositivos como pendrives. A figura 4-1
utilizam algoritmos validados. Alguns modelos ilustra um destes modelos.
permitem interface digital com computadores
e possuem entrada USB (Universal Serial Embora tenha havido surpreendente evolução
Bus) para armazenamento de resultados tecnológica, alguns princípios básicos
continuam os mesmos: papel milimetrado,
eletrodos periféricos com cores padronizadas,
velocidade de registro de 25 milímetros por
segundo (mm/seg) e amplitude de referência
(voltagem) de 0,1 miliVolt (mV) por milímetro.

Eletrocardiógrafo
Bionet ®
modelo CardioCare 2000 de 12 canais. À direita,
papel milimetrado padrão para a impressão de
resultados.

Figura 4-1. Fonte: Arquivo interno.

29
Capítulo 04

O PAPEL MILIMETRADO

A
figura 4-2 ilustra a padronização do
papel de registro do traçado do ECG.
Note que a cada 5 milímetros (mm)
as bordas são mais evidentes. Desta forma,
fica fácil reconhecer visualmente “quadrados
menores” (de 1 mm) e “quadrados maiores” (de
5 mm). Esta disposição será importante para a
conversão desta “milimetragem” em tempos
(eixo horizontal) e voltagens (eixo vertical).

O papel
de registro
do ECG.
À esquerda está
representado um papel
com 10 centímetros de
comprimento. A parte
que está demarcada em
vermelho foi ampliada
(à direita) para melhor
visualização do padrão
milimetrado.
Figura 4-2. Fonte: Arquivo interno.

PADRONIZAÇÕES DE VELOCIDADE E AMPLITUDE (VOLTAGEM)

A
velocidade padrão, criada por
Einthoven, é de 25 milímetros
por segundo (mm/seg). Com
este valor em mente e através de uma O eixo vertical do registro está relacionado
simples “regra de três” da matemática, às voltagens das despolarizações e
chega-se à conclusão de que cada 1 mm, repolarizações. Representa a amplitude
no eixo horizontal, corresponde a 0,04 (tamanho) de cada vetor. Neste eixo, 10
segundo (ou 40 milissegundos). Portanto, milímetros correspondem a 1 miliVolt (mV).
5 mm correspondem a 0,20 segundo (200 Esta é a calibração padrão para qualquer
milissegundos) e 10 mm equivalem a 0,40 aparelho de ECG. Caso haja necessidade,
segundo (400 milissegundos). Este raciocínio pode-se ajustar esta calibração (ou “ganho”)
será importante na compreensão dos tempos normal de 1N para 2N, quando os traçados
de registro das ondas (P, QRS) e intervalos (PR necessitam ser amplificados, ou para N/2,
e QT) do ECG. quando os traçados necessitam ser reduzidos.
Na figura 4-3 estão representados os tempos
e as voltagens no papel milimetrado.

30
Capítulo 04

O mesmo
papel de
registro do
ECG
mostrado na figura 4-2,
agora com os respectivos
tempos (eixo horizontal) e
voltagens (no eixo vertical).

Figura 4-3. Fonte: Arquivo interno.

PADRONIZAÇÕES DE ELETRODOS

E
letrodos são dispositivos que fazem
a “captura” das ondas e o registro
do traçado. Ou seja, transformam
a atividade elétrica cardíaca em registro
mecânico.
Considere cada eletrodo (derivação), como
sendo uma câmera que “filma” os vetores
cardíacos sobre um determinado ângulo. Caso
esta câmera esteja direcionada para o polo
positivo (“cabeça”) de um vetor, ela o registrará
como uma deflexão positiva. Se esta câmera
estiver direcionada para a cauda do vetor,
o registro será de uma deflexão negativa.
Caso a câmera “olhe” para o centro do vetor, Exemplo de
será então registrada uma onda isodifásica. A
figura figura 4-4 ilustra o registro de um vetor registro de
ventricular em três ângulos distintos.
um vetor
cardíaco
que aponta para 0o. Note
que quando o eletrodo
“olha” para o polo positivo
(cabeça) do vetor o registro
será de uma onda positiva
(R). Quando o eletrodo
“olha” para o polo negativo
(cauda) do vetor, a onda será
negativa (S). Um eletrodo
posicionado ao centro do
vetor fará o registro de
uma onda isoelétrica (ou
isodifásica).
Figura 4-4

31
Capítulo 04

Agora vamos inserir este mesmo vetor


sobre os eixos do plano frontal e horizontal
e então veremos como ficará o seu registro
nas 12 derivações de um ECG padrão. Leve
em consideração apenas o registro do QRS,
desconsiderando os registros das ondas P e T
(figura 4-5).

Registro em
12 derivações
de um vetor cardíaco (vetor
resultante da despolarização
ventricular do QRS) que
aponta para a esquerda
(em 0o) e para trás. Note
que a onda está isoelétrica
em aVF e V3. As derivações
esquerdas (DI, aVL, V4, V5 e
V6) registram o vetor como
deflexão positiva (onda
R), enquanto aVR e DIII o
registram como deflexão
negativa (onda S).
Figura 4-5. Fonte: Arquivo interno.

Voltemos aos eletrodos. Existe um sistema


padronizado de cores para as derivações
periféricas. Os eletrodos de cores verde e
amarela devem ser posicionados na perna
e no braço esquerdo, respectivamente; o
eletrodo de cor preta na perna direita e o É importante ressaltar os eletrodos dos
eletrodo de cor vermelha, no braço direito. membros devem ser colocados distais
O eletrodo de cor preta não é utilizado para aos ombros e quadris, perto dos punhos
aquisição de sinal e registro gráfico; ele serve e tornozelos. Estes eletrodos não devem
como referência para os demais (ver à frente ser colocados no tronco do paciente, pois
sobre o terminal central de Wilson). isso altera as características das derivações
dos membros, bem como das derivações
precordiais, o que impacta no registro das 12
derivações.
Para os eletrodos centrais (ou ventriculares)
não existe uma padronização de cores.
As especificações da colocação dos eletrodos
e definições das entradas positivas e negativas
para cada derivação estão apresentadas na
tabela 4-1 e figura 4-6.

32
Capítulo 04

Tabela 4-1: Localização dos eletrodos e conexões das derivações


para o ECG padrão de 12 derivações e derivações adicionais.

Tipo de derivação Polo positivo Polo negativo

Derivação do membro padrão*

Derivação I Braço esquerdo Braço direito

Derivação II Perna esquerda Braço direito

Derivação III Perna esquerda Braço esquerdo

Derivações aumentadas dos membros

aVR Braço direito Braço esquerdo e


perna esquerda

aVL Braço esquerdo Braço direito e perna


esquerda

aVF Perna esquerda Braço esquerdo e braço


direito

Derivações precordiais**

V1 4º espaço intercostal, margem Terminal central de Wilson


esternal direita

V2 4º espaço intercostal, margem Terminal central de Wilson


esternal esquerda

V3 Ponto médio entre V2 e V4 Terminal central de Wilson

V4 Linha hemiclavicular esquerda, Terminal central de Wilson


5º espaço intercostal

V5 Linha axilar anterior esquerda, no mesmo Terminal central de Wilson


plano horizontal que o eletrodo para V4

V6 Linha axilar média esquerda, no mesmo Terminal central de Wilson


plano horizontal que o eletrodo para V4

V7 Linha axilar posterior esquerda, no mesmo Terminal central de Wilson


plano horizontal que o eletrodo para V4

V8 Linha escapular posterior no mesmo plano Terminal central de Wilson


horizontal que o eletrodo para V4

V9 Borda esquerda da coluna vertebral, no Terminal central de Wilson


mesmo plano horizontal que o eletrodo para V4

*Os eletrodos dos membros devem ser colocados perto dos punhos e tornozelos ou, no mínimo, distais aos
ombros e quadris.
**As derivações precordiais direitas V3R a V6R são colocadas em posições opostas no lado direito do tórax.

33
Capítulo 04

Posicionamento
dos eletrodos
para o registro de um ECG padrão
de 12 derivações. BD: braço
direito. BE: braço esquerdo. PD:
perna direita. PE: perna esquerda.

Figura 4-6. Fonte: Arquivo interno.

Neste momento, já conhecemos os princípios


de fisiologia da geração e condução dos
impulsos elétricos do coração, bem como
os processos de captura e registro dos
vetores de despolarização e repolarização
cardíacos pelo aparelho de ECG. Sabemos
também que eletrodos são equivalentes
a “câmeras filmadoras” que olham para os
vetores sob diferentes ângulos, permitindo
que sejam registrados como ondas positivas,
negativas ou isoelétricas. E que deve haver Alguns questionamentos para estimular a
padronizações de registro (papel milimetrado, curiosidade:
velocidade e voltagem de registro). Como reconhecer um ritmo sinusal?
Podemos então partir para a próxima etapa: Como calcular a frequência cardíaca?
o registro e a interpretação das ondas de um Quais são as durações, morfologias,
ECG normal. amplitudes e eixos da onda P, do
complexo QRS e da onda T?
O que é “Índice de Sokolow-Lyon”?
Existe algum roteiro padronizado para a
correta interpretação de ECGs?
Posso acreditar em um laudo
automatizado cujo resultado é “ECG
normal”?

As respostas estão nos próximos capítulos.

34
Capítulo 05

05 - ECG normal: registro das ondas e


interpretação do resultado

ONDAS E INTERVALOS QUE COMPÕEM UM ECG PADRÃO

N
os capítulos anteriores foram
detalhados aspectos relacionados
à fisiologia de geração e condução
do estímulo elétrico cardíaco, bem como as
padronizações necessárias ao registro do ECG.
Este capítulo discorrerá sobre a interpretação
do ECG normal, do ritmo cardíaco à conclusão
final.
A figura 5-1 apresenta o ECG de um indivíduo
jovem (23 anos), do sexo masculino, que
realizou um ECG de rotina como parte de
exames periódicos da empresa em que
trabalha. Ele não possui comorbidades. A
interpretação deste exame será feita no final
deste capítulo.

ECG de
um jovem
de 23 anos,
assintomático e sem
comorbidades. As linhas
horizontais na grade representam
o tempo, com intervalos de 0,04
segundo a cada milímetro. As
linhas verticais representam a
voltagem, sendo 0,1 miliVolt cada
milímetro do traçado.

Figura 5-1. Fonte: Arquivo interno.

35
Capítulo 05

As ondas e intervalos que compõem o ECG


padrão estão exibidos na figura 5-2. A onda
P é produzida pela ativação dos átrios, o
segmento PR representa a duração da
condução atrioventricular (AV), o complexo
QRS é produzido pela ativação dos dois
ventrículos e o espaço ST-onda T reflete a
recuperação ventricular.

Ondas e
intervalos
de um ECG normal.

Figura 5-2. Fonte: Goldberger AL - Clinical Electrocardiography: A Simplified


Approach. 7th ed. St. Louis, CV Mosby, 2006.

A tabela 5-1 lista os valores normais


de duração esperada para as ondas
e intervalos. A variação de valores
normais reflete a variabilidade individual
relacionada a idade, sexo, índice de nos padrões eletrocardiográficos de
massa corporal, orientação do coração um mesmo indivíduo realizados em
e condicionamento físico. Além disso, intervalo de dias ou mesmo horas, devido
pode haver diferenças significativas a problemas técnicos (por exemplo,
alterações na posição dos eletrodos) ou
efeitos biológicos (exemplo: mudanças na
postura, temperatura, estado emocional).

Onda ou intervalo Duração (seg)

Duração da onda P
Intervalo PR
< 0,12
< 0,20
Tabela 5-1
Valores normais para
Duração do QRS < 0,12 as durações das
Intervalo QT (corrigido) 0,39 a 0,46 (homens) ondas e intervalos
0,39 a 0,45 (mulheres) eletrocardiográficos em
adultos.

36
Capítulo 05

ATIVAÇÃO ATRIAL, ONDA P E REPOLARIZAÇÃO ATRIAL

A
ativação atrial produz a onda P. Esta
ativação começa superiormente
no átrio direito e progride
simultaneamente em direção ao átrio
esquerdo e ao nó AV. Com isso, o vetor médio
poderá ser isodifásica (uma deflexão positiva
de despolarização dos átrios se dirige para
seguida por uma negativa) nas derivações
baixo e para a esquerda no plano frontal,
precordiais direitas (V1 a V2), tornando-se
com eixo entre 30º e 60º. Assim, este vetor
positiva nas derivações mais laterais (V3 a V6).
projeta ondas P positivas em DI, DII e aVF e
A figura 5-3 ilustra o sentido e direção de
negativa em aVR. O padrão da onda P em
uma onda P nos planos frontal e horizontal.
aVL e DIII pode ser para cima ou para baixo,
Note que esta onda está isoelétrica em aVL
dependendo da orientação exata do eixo
e V1. Na figura central, onde estão os eixos
médio da mesma.
de cada derivação, é possível perceber que a
Em relação ao plano horizontal, o vetor
onda P será positiva em DI, DII, DIII e aVF, mas
resultante se dirige da direita para esquerda
negativa em aVR. No plano horizontal, ela é
e levemente para a frente, podendo
isodifásica em V1, passando a ser positiva a
também estar paralela ao plano frontal
partir de V2.
ou discretamente para trás. Para facilitar a
compreensão, consideremos como padrão a
O limite superior de duração da onda P é 0,12
direção levemente anterior. Assim, a onda P
segundo, medido na derivação com a onda
P mais ampla. A amplitude deve ser inferior a
0,25 mV.
Quanto à morfologia, a onda deve ser
simétrica, em formato de curva de subida e
descida lentas.

Sentido e
direção da
onda P
nos planos frontal
(figuras da esquerda e
do centro) e horizontal
(figura da direita). Para
detalhes descritivos,
veja texto.
Figura 5-3

O potencial produzido pela repolarização atrial


geralmente não é visto no ECG devido à sua
baixa amplitude e porque está sobreposto
pelo complexo QRS, que tem amplitude muito
maior. Em outras palavras, a repolarização
atrial não é registrada porque fica “escondida”
pelo QRS.

37
Capítulo 05

CONDUÇÃO NO NODO ATRIOVENTRICULAR E SEGMENTO PR

O
intervalo PR corresponde ao espaço
entre o início da onda P ao início do
complexo QRS. Nele está incluído o
segmento PR, uma região isoelétrica que se
estende do final da onda P ao início do QRS.
O intervalo PR tem duração de 0,12 a 0,20
segundo em adultos.
O segmento PR representa a condução lenta
dentro do nodo AV. Ao deixar este nodo,
o impulso atravessa rapidamente o feixe
de His para entrar nas vias de condução
ventriculares.

ATIVAÇÃO VENTRICULAR E COMPLEXO QRS

C
onforme discutido no capítulo 3,
a ativação ventricular segue uma
distribuição “em leque”, sobre a forma
de três ondas (vetores) que representam a
seguinte sequência de despolarização: septo
Assim, é possível que a ativação ventricular
interventricular, parede ventricular livre e
tenha diversas variantes (padrões) de registro,
parede basal ventricular.
além do QRS típico: RS, qR, rSR, etc.
Os vetores septal e da parede basal dos
Normalmente se padroniza letras minúsculas
ventrículos, devido às suas baixas voltagens,
para a menor onda e letras maiúsculas para
nem sempre serão registrados em todas as
a onda de maior amplitude. Toda deflexão
derivações. Por outro lado, o vetor da parede
positiva no QRS é denominada como onda R.
livre dos ventrículos, que representa a maior
Caso haja duas deflexões positivas, a primeira
massa muscular, sempre será registrado.
será designada R e a segunda ganhará um
“apóstrofo”, designando-a R’. A figura 5-4
ilustra os diversos padrões de QRS.

Padrões
possíveis
de complexos QRS.
A letra maiúscula
identifica as ondas de
maior amplitude.
Figura 5-4. Fonte: Arquivo interno.

38
Capítulo 05

Agora fica a pergunta: quais paredes as ondas


Q, R e S representam? Em outras palavras: a
onda Q é o registro do vetor septal? A onda R
representa o vetor ventricular apical ou basal?
Esta é uma dificuldade que a maioria
dos estudantes de medicina enfrenta na negativa. Caso esta deflexão venha antes de
compreensão do registro do ECG. A resposta a uma onda R, ela será designada onda Q. Se
estas questões é: “depende do ponto de vista”. vier após a onda R, trata-se de uma onda S.
Aqui vale o seguinte princípio: a derivação Portanto, quem define a denominação das
está “olhando para a cabeça ou para a cauda” ondas do complexo QRS é a onda R. Se houver
do vetor? Para a primeira opção, a onda será uma onda negativa antes de R, trata-se de
registrada como uma deflexão positiva; ou uma onda Q. Se esta onda negativa estiver
seja, uma onda R. Para a segunda opção, a após a onda R, então será denominada S.
onda será registrada como uma deflexão As figuras 5-5 e 5-6 ilustram o sentido
e direção dos três vetores de ativação
ventricular nos planos frontal e horizontal.
Vale lembrar que os vetores septal e da base
ventricular nem sempre são registrados.

Sentido e
direção dos
vetores
de ativação ventricular no
plano frontal. Vetor septal
(1º vetor) em vermelho;
vetor ventricular (2º
vetor) em amarelo; vetor Figura 5-5. Fonte: Arquivo interno.
ventricular basal (3º
vetor) em azul. Veja que
é possível prever como
será o registro complexo
QRS nas derivações DI e
aVR: qRS em DI.

Sentido e
direção dos
vetores
de ativação ventricular
no plano horizontal. Em
V1 o complexo QRS será
registrado como rSR.
Em V6 a imagem será o
“espelho” de V1: qRS.

Figura 5-6. Fonte: Arquivo interno.

39
Capítulo 05

O limite superior de duração do complexo


QRS é de 0,12 segundo, medido na derivação
com o complexo mais largo. As mulheres
têm, em média, durações de QRS um pouco
menores (até 0,08 segundo).
Quanto à morfologia, o complexo QRS
deve ser pontiagudo. Entalhes no registro
são considerados atrasos de condução, Em uma analogia simples, a deflexão
comumente vistos em bloqueios de ramos. intrinsecoide corresponde à mudança da fase
Uma característica adicional do QRS é positiva para a negativa e vice-versa. Seria o
a “deflexão intrinsecoide”. Um eletrodo ponto máximo das ondas R ou S, a “ponta da
colocado sobre a parede livre do ventrículo agulha”.
irá registrar uma onda R ascendente à medida A amplitude dos complexos QRS é variável,
que a ativação segue do endocárdio para o não havendo valores específicos de voltagem
epicárdio. A ativação do epicárdio coincide em cada derivação. Ela varia com idade,
com o pico da onda R. A partir deste momento sexo, perfil biofísico, nível de atividade física e
o potencial se espalha para áreas cardíacas fatores ligados à impedância da caixa torácica
remotas, havendo súbita reversão do potencial (obesidade e doença pulmonar crônica, por
de ação, produzindo então um declive exemplo). No capítulo sobre as características
íngreme, denominado deflexão intrinsecoide. eletrocardiográficas da hipertrofia ventricular
esquerda serão abordados os diferentes
critérios diagnósticos. Um dos indicadores
utilizados é o de Sokolow-Lyon, que
corresponde à soma da voltagem da onda S
em V1 com a onda R em V5 ou V6, devendo
ser inferior a 3,5 mV para a maioria dos
adultos. Além disso, a onda R em aVL não
deve exceder 1,1 mV. A figura 5-7 ilustra como
é determinado o índice de Sokolow-Lyon.

Padrão de
sobrecarga
ventricular por critério
de voltagem. O
indicador de Sokolow-
Lyon corresponde ao
somatório da amplitude
das ondas S em V1 e
R em V5 ou V6. O valor
normal para adultos deve
Figura 5-7. Fonte: Arquivo interno. ser inferior a 3,5 mV.

40
Capítulo 05

O eixo médio do QRS normal em adultos situa-


se entre -30º e +90º. Se o eixo médio estiver
em +90º, o QRS será isodifásico em DI, positivo
em DII, DIII e aVF (padrão qR) e negativo em O QRS termina no denominado ponto J, que
aVL e aVR (padrão rS). deve estar alinhado com a linha de base do
Por outro lado, se o eixo médio estiver em 0º, traçado do ECG. A partir daí inicia-se a fase
o QRS será positivo em DI, DII e AVL (padrão de recuperação ventricular: segmento ST e
qR), isoelétrico em AVF (padrão RS) e negativo onda T. O ponto J é importante para identificar
em DIII e aVR (padrão rS). desnivelamentos do segmento ST na
Voltaremos a este tópico posteriormente, classificação do infarto agudo do miocárdio. A
quando será abordada a determinação dos figura 5-8 ilustra a localização do ponto J em
eixos de cada onda. 3 situações: normal (alinhado à linha de base),
supra e infradeslocado.

O Ponto J
identifica o término do
QRS e início da fase de
recuperação ventricular.
Ele deve estar no mesmo
nível da linha de base do
traçado (à esquerda). Em
situações patológicas
pode haver supra ou
infradesnivelamento Figura 5-8. Fonte: https://www.sanarmed.com/supradesnivelamento-de-st-diagnosticos-diferenciais-colunistas
(figuras do centro e da
direita, respectivamente).

RECUPERAÇÃO VENTRICULAR E ONDA ST-T

O
segmento ST, que se inicia a partir epicárdica. Já a fase descendente reflete a
do ponto J, reflete a fase de platô repolarização endocárdica, que é muito mais
do potencial de ação do músculo rápida em ralação às células transmurais.
cardíaco. A onda T representa a fase tardia A polaridade da onda T normalmente é
da repolarização, ou seja, a saída de K+ dos a mesma do complexo QRS precedente,
miócitos. sendo positiva em DI, DII, aVL, aVF, V4 a V6,
A onda T normalmente é assimétrica, com negativa em aVR e variável (positiva, negativa
uma fase ascendente mais lenta do que a ou isodifásica) em DIII e V1 a V3. Quanto à
fase descendente. Não há consenso sobre a amplitude, também não há valores mínimos
razão para esta assimetria, mas acredita-se ou máximos a serem considerados. Na maioria
que a repolarização das células transmurais das derivações a sua altura (voltagem) não
ocorra de forma mais lenta em relação às deve ultrapassar a metade de sua onda R ou
células epicárdicas, correspondendo à fase S que a precede. Nas derivações de transição
de ascenção (subida) da onda até atingir o (V2 a V4) esta regra não tem validade.
pico, que coincide com o fim da repolarização

41
Capítulo 05

INTERVALO QT

O
intervalo QT se estende do início
do QRS ao final da onda T. Assim,
inclui toda a ativação e recuperação
ventricular, correspondendo à duração total
do potencial de ação ventricular.
Medir acuradamente o intervalo QT é um frequência aumenta e vice-versa. Diversas
desafio, pois inclui a exata identificação do fórmulas têm sido propostas para corrigir
início do QRS e o do fim da onda T, determinar sua medida. A fórmula de Bazett, embora
qual derivação utilizar e ainda ajustá-lo à tenha acurácia limitada, ainda é uma das mais
frequência cardíaca e ao sexo do paciente. De utilizadas na prática clínica. O resultado é
preferência deve-se usar a derivação onde o um intervalo QT corrigido (QTc), definido pela
QT é mais longo (mais comumente V2 ou V3). equação:
O intervalo QT varia com a frequência
cardíaca, diminuindo à medida que a QTc = QT⁄(√RR)

Nesta fórmula os intervalos QT e RR


devem ser expressos em milissegundos
(ms). Os limites inferior e superior são,
respectivamente, 0,40 e 0,44 segundo. A
diferença entre os sexo é praticamente
irrelevante na prática clínica.
O prolongamento ou encurtamento do QT
ocorrem em muitas síndromes, congênitas
ou adquiridas (por exemplo, associadas a
fármacos) que podem estar associadas a
arritmias cardíacas, bem como morte súbita.

ONDA U

T
rata-se de uma onda extra, de
pequena amplitude (inferior a 0,1 mV),
após a onda T e antes da próxima
sonda P, geralmente com a mesma polaridade
destas. É mais frequentemente visualizada em
V1 e V2 e em frequência cardíaca baixa. Sua
base fisiopatológica ainda é incerta; pode ser
causada pela repolarização final das fibras de
Purkinje.

42
Capítulo 05

INTERPRETAÇÃO DO ECG EM 14 ITENS

P ara finalizar o capítulo, voltemos ao


ECG inicial para dar o laudo final do
exame. Vale ressaltar que este roteiro
não obedece nenhuma diretriz específica.
É uma padronização do autor, aprendida
durante o tempo de graduação médica e
que tem sido útil durante os anos de prática
clínica.

Ritmo: sinusal, regular das derivações (exceção: DIII e V2)


Frequência cardíaca média: 1500 ÷ Eixos:
17 = 88 bpm P: 60º
Durações: QRS: 30º
Onda P: 0,08 segundo T: 60º
Espaço PR: 0,16 segundo Morfologias: não foram encontradas
Complexo QRS: 0,10 segundo anormalidades nas formas das ondas (P,
Intervalo QT / QTc: 0,36 seg / 0,46 QRS, T).
seg. Conclusão: ECG sem
Amplitudes: anormalidades.
P: 0,15 mV
Sokolow-Lyon (SV1 + RV6): 2,4 mV Agora que finalizamos a análise e a
Onda T: inferior à metade da interpretação do ECG normal, passemos
respectiva onda R ou S na maioria à próxima etapa: o reconhecimento das
principais arritmias cardíacas.

43
Capítulo 06

06 - Eixos elétricos e desvios


INTRODUÇÃO

E
stimar eixos elétricos é mais
importante do que se imagina. Vamos
simplificar?
Padrões normais de ECG no tórax e nas
extremidades foram discutidos nos capítulos
anteriores. Determinar eixo é crucial para direito, desviando o eixo médio do QRS para
alguns diagnósticos, como troca de eletrodos, a direita e para a frente; a suspeita de uma
dextrocardia, ritmos ectópicos, bloqueio dextrocardia surge quando se tem uma onda
de fascículos e sobrecargas ventriculares, P negativa tanto em DI quanto em V5 e V6.
dentre outros. O tromboembolismo pulmonar Neste capítulo, o conceito de eixos elétricos
promove sobrecarga aguda do ventrículo é refinado, e os métodos para estimá-los é
apresentado de forma rápida e simples. Ao
final serão dados exemplos para exercitar e
fixar o conhecimento.

EIXO MÉDIO: DEFINIÇÃO

A
estimativa dos eixos leva em
consideração a projeção dos vetores
apenas no plano frontal, ou seja, as
derivações que compõem o hexaeixo (DI, DII,
DIII, aVR, aVL, aVF).
Vamos recapitular o sentido e direção dos Repolarização ventricular (onda T): da
vetores de despolarização e repolarização direita para a esquerda e de cima para
cardíacos neste plano: baixo.
Despolarização dos átrios (onda P): da Portanto, pode-se resumir que as três
direita para a esquerda e de cima para principais ondas do ECG se direcionam para
baixo. a esquerda e para baixo, projetando-se
Despolarização dos ventrículos fisiologicamente entre +30º e +60º. A figura 6-1
(complexo QRS). Neste caso leva- representa estes vetores.
se em consideração apenas o vetor
que representa a parede livre dos Na figura 6-1 é possível visualizar o eixo de
ventrículos. Direção: de cima para baixo, cada vetor. As ondas P e T encontram-se entre
da direita para a esquerda. 30º e 60º, enquanto o QRS está exatamente
em 60º, uma vez que está isoelétrico em aVL.
Partindo deste princípio, agora será possível
saber se as ondas serão positivas ou negativas
nas demais derivações. Agora observe a
disposição dos vetores na figura 6-2. Vamos
projetar cada onda nas respectivas derivações.

44
Capítulo 06

Sentido e
direção
dos vetores de
despolarização atrial
(em vermelho) e
ventricular (amarelo)
e de repolarização
ventricular (azul)
no plano frontal.
A sequência Figura 6-1. Fonte: Arquivo interno.
apresentada destes
vetores representa,
respectivamente:
onda P, complexo Projeção
QRS e onda T,
respectivamente. das ondas
P, QRS e T no hexaeixo
para determinar
a polaridade das
mesmas. Tanto a onda
P (à esquerda) quanto
a onda T (à direita) se
projetam nos polos
positivos de DI, DII,
DIII, aVL e aVF, sendo
registradas como
deflexões positivas.
Mas na derivação aVR
os vetores “fogem”
desta derivação, que
“visualiza a cauda”
Figura 6-2. Fonte: Arquivo interno.
destes vetores,
originando deflexões
negativas. Portanto,
as ondas P e T estão
entre 30º e 60º. O
O raciocínio anterior é válido quando já se vetor que representa
conhece o sentido e a direção dos vetores. o QRS está isodifásico
Para saber o eixo de cada onda basta projetar em aVL (apontando
o polo positivo de cada vetor em cada para 60º) e projeta-se
derivação. Se o polo positivo do vetor se nos polos positivos de
projeta no polo positivo da derivação DI, DII, DIII e aVF e no
(lembra-se deste conceito “polo de vetor polo negativo de aVR.
x polo de derivação”?), então o registro no
ECG será de uma deflexão positiva. Por outro
lado, se o polo positivo do vetor se projeta no
polo negativo da derivação, ou seja, o sensor
da derivação “enxerga a cauda” deste vetor,
o registro será de uma deflexão negativa.

45
Capítulo 06

Observe aVR e veja todas as ondas sendo


registradas como deflexões negativas e DII
registrando deflexões positivas. O complexo
QRS está isodifásico em aVL porque esta
derivação está “enxergando a metade exata
do vetor”; assim, a deflexão positiva (onda R)
tem a mesma amplitude da deflexão negativa
(onda S).
Retornemos ao ECG do paciente relatado no
capítulo 5 (figura abaixo) para estimar os eixos
de P, QRS e T.

ECG de
demonstração para
análise dos eixos de
P, QRS e T. As ondas P
e T estão isoelétricas
na derivação aVL,
o que indica o eixo
apontando para 60º.
O complexo QRS não
está isoelétrico em
nenhuma derivação,
sendo necessária a
utilização do hexaeixo
para estimar o eixo do
mesmo. Repare que
a menor amplitude
do QRS está em DIII,
indicando que seu
eixo deve estar bem
próximo do ângulo
que representa esta
derivação (30º).

Figura 6-3. Fonte: Arquivo interno.

Para se encontrar os respectivos eixos, o vetor em uma derivação inferior (DII) e superior
primeiro passo é observar se há o fenômeno (aVR). Como as ondas P e T estão positivas
da onda isodifásica (isoelétrica). Isso ajuda em DII e negativas em aVR, a conclusão é que
bastante. No caso clínico apresentado, as ambas apontam para baixo, exatamente para
ondas P e T estão isoelétricas em aVL. Estar o ângulo de 60º.
isoelétrico em aVL significa que o vetor está Portanto, foi fácil e simples determinar os
em um ângulo de 90º com esta derivação. eixos de P e T neste ECG: 60º.
Mas observe no hexaeixo que tanto a posição E quanto ao complexo QRS? Ele não está
de 60º quanto a de -120º preenchem este isoelétrico em alguma derivação. Está positivo
critério. Portanto, não se pode definir se o nas derivações DI, DII, AVL e aVF, negativo em
vetor está para baixo ou para cima. Como aVR e “discretamente positivo” em DIII. Será
proceder? Simples: verifique a projeção deste necessário aplicar todo o raciocínio anterior
para se encontrar o eixo do QRS.

46
Capítulo 06

À medida que se pratica rotineiramente a


interpretação de dezenas, centenas de ECGs,
já se percebe que o eixo está entre 30º e
60º. Para iniciantes, existe um jeito particular,
não encontrado nas principais referências
bibliográficas sobre o assunto, que será
ensinado a seguir. Para isso será necessário
ter ao lado o hexaeixo, a “rosa dos ventos”.
Vamos utilizar o princípio de que uma onda
pode ser projetada em um espaço (ângulo)
de 180º em cada derivação. Quando a onda
é isoelétrica, ela se projeta exatamente no
ângulo de 90º. Para o exemplo dado, observe
a projeção de P e T na “rosa dos ventos” (figura
6-4).
Hexaeixo
sem
vetores
(à esquerda) e com os
vetores isoelétricos
das ondas P (ao
centro) e T (à direita)
na derivação aVL.
Note que ambos os
vetores formam um
ângulo de 90º com
a referida derivação.
Apontam para baixo
porque no ECG da
figura 3 os registros
são positivos em
Figura 6-4. Fonte: Arquivo interno.
DII. Portanto, o eixo
elétrico das ondas P e
T estão direcionados
para o ângulo de 60º.
polo negativo de aVR.

Assim, para o ECG do caso clínico, sendo as valor, pois o mesmo não está isoelétrico em
ondas P e T isoelétricas na derivação aVL, nenhuma derivação. Será então necessário
ambas formam um ângulo de 90º com a “desenhar” a projeção do vetor em todas as
referida derivação. Mas este ângulo pode derivações do plano frontal. A figura 5 ilustra
ser tanto para cima (-120º) quanto para baixo como isso é feito. Após realizar tal projeção,
(60º). Como estas ondas estão positivas em nota-se que há o cruzamento de seis arcos
DII, conclui-se que as referidas ambas estão apenas no intervalo de 30º a 60º, onde está
posicionadas no eixo de 60º. posicionado o vetor, destacado em azul.
Quanto ao QRS, este raciocínio perde o

47
Capítulo 06

Como
encontrar
o eixo de vetor que não
está isoelétrico em
nenhuma derivação.
Note o cruzamento dos
seis arcos no intervalo
entre 30º e 60º, onde
está localizado o vetor
que representa o QRS.

Figura 6-5. Fonte: Arquivo interno.

Para finalizar, deixo a seguir alguns ECGs para


que você pratique a estimativa dos eixos em
cada um deles.

ECG 1.
Encontre o eixo da
onda P. Está normal?
Há desvio? Que
diagnóstico você daria?

48
Capítulo 06

ECG 2.
Encontre o eixo do
complexo QRS. Está
normal? Há desvio? Que
diagnóstico você daria?

ECG 3.
Encontre o eixo da
onda T. Está normal?
Há desvio? Que
diagnóstico você daria?

49
Capítulo 06

ECG 4.
Utilize este ECG para
estimar os 3 eixos (P,
QRS, T). Todos estão
normais? Há desvio
em algum deles? Este
ECG permite pensar
em algum diagnóstico
específico?

A partir do próximo capítulo iniciaremos


o estudo das anormalidades
eletrocardiográficas mais comuns na prática
clínica.

50
Capítulo 07

07 - Distúrbios supraventriculares. Parte I:


distúrbios de ritmo e frequência, sobrecargas atriais

INTRODUÇÃO

E
stou diante de um ECG que foge aos
padrões de normalidade. O ritmo é
sinusal? Este ritmo é rápido ou lento,
regular ou irregular? O QRS está largo ou
estreito?
De uma forma geral, as alterações Embora haja exceções, pode-se dizer que
eletrocardiográficas podem ser divididas em os transtornos supraventriculares têm em
três grandes grupos: supraventriculares, de comum o fato de manterem o complexo QRS
condução atrioventricular e ventriculares. com duração normal (< 0,12 segundo). Na
Os distúrbios supraventriculares incluem: prática se diz: “se o QRS está estreito então
transtornos de frequência (taquicardia o distúrbio é supraventricular”. O problema
e bradicardia sinusal) e ritmo (arritmia surge quando o paciente possui um distúrbio
sinusal, ritmos de escape, parada de condução ventricular prévio (um bloqueio
sinusal), dextrocardia, sobrecargas atriais, de ramo direito ou esquerdo antigo). Neste
extrassístoles, flutter e fibrilação atrial. caso, as arritmias supraventriculares terão
o QRS largo, dificultando sobremaneira
a interpretação do ECG. No capítulo de
taquicardia supraventricular esta variante será
discutida com mais detalhes.
Por enquanto fiquemos com o clássico
conceito de que arritmias supraventriculares
cursam com o QRS estreito.

1. RITMO SINUSAL NORMAL

O
ritmo sinusal é o mecanismo
fisiológico primário do batimento
cardíaco. No plano frontal, o vetor de
despolarização atrial se espalha da direita Portanto, com ritmo sinusal normal, a onda
para a esquerda e de cima para baixo. No P deve ser positiva nas derivações DI e DII e
plano horizontal, este vetor aponta da direita negativa na derivação aVR.
para a esquerda e levemente para a frente. Por convenção, o ritmo cardíaco normal
em repouso geralmente é definido como
ritmo sinusal com frequência entre 60 e 100
batimentos/min (bpm) (figura 7-1).

51
Capítulo 07

Ritmo Figura 7.1. Fonte: Arquivo interno.

sinusal
normal, com relação
atrioventricular de 1:1.
Cada complexo QRS é
precedido por uma onda
P que é negativa em
aVR e positiva em DII. A
onda P na derivação V1 é
geralmente bifásica com
um componente inicial
positivo (ativação do átrio
direito) seguido por um
pequeno componente
negativo (ativação atrial
esquerda).

2. REGULAÇÃO DA FREQUÊNCIA CARDÍACA

O
coração é inervado pelo
sistema nervoso autônomo. Esta
inervação, em particular, para os
nodos sinoatrial (SA) e atrioventricular (AV)
consiste em fibras com efeitos simpáticos e
parassimpáticos.
A estimulação simpática aumenta a frequência
Por outro lado, a estimulação parassimpática,
cardíaca e a força de contração miocárdica.
através do nervo vago, produz desaceleração
A estimulação simpática também ocorre
da frequência sinusal (bradicardia), bem
de forma indireta, via catecolaminas séricas
como atraso na condução através do nó AV.
(principalmente adrenalina e noradrenalina)
Também pode causar um “deslocamento” do
produzidas pelas glândulas suprarrenais.
marcapasso do nó SA para a área atrial direita
baixa produzindo ritmos atriais ectópicos.
Portanto, o sistema nervoso autônomo
exerce controle sobre a frequência cardíaca.
Por exemplo, em situações de estresse
ou exercício físico, ocorre aumento no
estímulo simpático e diminuição do tônus
parassimpático, resultando em taquicardia e
aumento da força de contração miocárdica.

52
Capítulo 07

3. TAQUICARDIA SINUSAL

T
rata-se de um ritmo sinusal com
frequência cardíaca superior a
100 bpm (figura 7-2). Em adultos, a
taquicardia sinusal geralmente fica entre 100
e 180 bpm. Frequências ainda mais rápidas, de
200 bpm ou mais, podem ser observadas em
adultos jovens saudáveis durante o exercício
máximo.

Taquicardia
sinusal.
A frequência cardíaca
está próxima de 150 Figura 7.2. Fonte: Arquivo interno.
batimentos/min. Observe
as ondas P positivas
(verticais) na derivação II.

O envelhecimento diminui a capacidade


de gerar frequências sinusais muito
rápidas. Indivíduos idosos (especialmente
com mais de 70 anos) raramente
apresentam taquicardia sinusal com
frequências superiores a 150 bpm, mesmo atrioventricular (AV), pois o padrão 1:1
durante o esforço máximo. Nesta faixa deixa de existir, mas mesmo assim
etária, frequências superiores a 150 bpm o ritmo continua sendo sinusal. Esta
geralmente indicam uma taquicardia particularidade será discutida no capítulo
não sinusal (flutter ou fibrilação atrial, 10.
taquicardia supraventricular paroxística). Em taquicardia sinusal com frequências
No ritmo sinusal normal, cada onda P é muito altas, a onda P pode se fundir
seguida por um complexo QRS, indicando com a onda T precedente e tornar
uma condução atrioventricular (AV) de difícil a distinção com uma taquicardia
proporção 1:1. Este conceito pode gerar supraventricular. Uma dica neste caso
confusão para o caso de haver bloqueio é repetir o ECG utilizando uma menor
velocidade de registro (12,5 mm/seg ao
invés de 25 mm/seg).
Em geral, a taquicardia sinusal ocorre
com qualquer condição que produz
um aumento da atividade simpática ou
diminuição do tônus vagal (quadro 7-1).

53
Capítulo 07

Quadro 7.1. Principais causas de taquicardia sinusal.


Fisiológico: excitação; esforço; gravidez.

Dor.

Drogas:
Bloqueadores do tônus vagal cardíaco (exemplo: atropina e outros agentes anticolinérgicos);
Estimulantes do tônus simpático (exemplo: norepinefrina, epinefrina, dopamina, cocaína, anfetaminas);
Intoxicação ou abstinência por álcool (etanol). A taquicardia pode ser uma pista importante abstinência ao álcool
ou outra droga viciante, principalmente em pacientes hospitalizados.

Febre, infecções e choque séptico.

Perda de volume intravascular devido a sangramento, vômito, diarreia, pancreatite aguda ou desidratação. Ineplicáveis
aumentos na frequência cardíaca podem ser um sinal precoce de perda de volume.

Insuficiência cardíaca crônica (ICC), Taquicardia sinusal pode ser o primeiro sinal de descompensação cardíaca.

Embolia pulmonar: taquicardia sinusal é a “arritmia” mais comum observada na embolia pulmonar aguda.

Infarto agudo do miocárdio (IAM), que pode produzir praticamente qualquer arritmia. Taquicardia sinusal persistente
após um IAM geralmente é um mau sinal prognóstico e implica em extensa lesão do músculo cardíaco.

Alterações endócrinas:
Hipertireoidismo. Taquicardia sinusal ocorrendo em repouso pode ser uma pista importante para este
diagnóstico.
Feocromacitoma.

4. BRADICARDIA SINUSAL

A
Sociedade Brasileira de Cardiologia
define a bradicardia sinusal quando
a frequência cardíaca é inferior a
50 bpm em um ritmo sinusal (figura 7-3). As
principais causas desta arritmia estão listadas
no quadro 7-2.

Bradicardia
sinusal.
O ritmo sinusal está
presente, mas a uma taxa
muito lenta de cerca de
Figura 7.3. Fonte: Arquivo interno. 38 batimentos/min.

A bradicardia sinusal moderada geralmente


não produz sintomas. Se a frequência cardíaca
estiver muito lenta (especialmente menor que
40 bpm em idosos), tonturas e até síncope
podem ocorrer.

54
Capítulo 07

Quadro 7.2. Principais causas de bradicardia sinusal.


Variantes fisiológicas: muitas pessoas saudáveis têm frequência de pulsos inferior a 60 batimentos/min e atletas podem
ter uma pulsação em repouso ou dormindo tão baixas como 35 batimentos/min. A bradicardia sinusal é rotineiramente
observada durante o sono.
Drogas:
Aumento do tônus vagal cardíaco (exemplo: digitálicos, edrofônio)
Diminuição do tônus simpático (exemplo: betabloqueadores como metoprolol, sotalol, amiodarona);
Diminuição da automaticidade do nó sinusal via bloqueio de canal de cálcio (exemplo: verapamil, diltiazem);
Causando bloqueio de saída do nó sinusal (exemplo: carbonato de lítio).

Infarto agudo do miocárdio. Bradicardia sinusal no IAM pode ser devido à isquemia do nó sinoatrial, que é perfundido por um
ramo da coronária direita na maioria das pessoas. Além disso, infartos da parede inferoposterior podem estar associados a
aumento do tônus vagal, podendo induzir bradicardia sinusal pronfunda.

Endócrino: hipetireoidismo.

Metabólico: hipercalemia.

Síndrome do nódulo sinusal doente e causas relacionadas a disfunções do nó sinusal disfunção: degeneração do nó SA
relacionada à idade; processos inflamatórios; cirurgias cardíacas e pós-cirúrgica.
Síndromes de hipervagatonia;
Reações vasovagais;
Hipersensibilidade do seio carotídeo;
Certas formas de crises epilépticas;
Hipertensão intracraniana.

5. ARRITMIA SINUSAL

A
Em pessoas saudáveis, da respiração. Arritmia sinusal respiratória é
especialmente em jovens, o nó um achado normal e pode variar em até 20
sinusal não estimula o coração em bpm ou mais, particularmente em crianças e
um ritmo perfeitamente regular. Em vez disso, adultos jovens.
uma ligeira variação batimento-a-batimento
pode ocorrer (figura 7-4).
Arritmia
Quando esta variabilidade é mais acentuada,
utiliza-se o termo arritmia sinusal. A causa
sinusal
mais comum é a respiração. A frequência respiratória. A frequência
cardíaca normalmente aumenta na inspiração cardíaca normalmente
aumenta na inspiração e
e diminui na expiração devido a mudanças
diminui com a expiração
no tônus vagal durante as diferentes fases como resultado alterações
no tônus vagal associadas
ou induzidas pelas
diferentes fases da
respiração (aumento com
inspiração; diminuição com
expiração). Esse achado,
um aspecto chave da
variabilidade da frequência
Figura 7.4. Fonte: Arquivo interno. cardíaca, é fisiológico e é
especialmente perceptível
em crianças, adultos jovens
55 e atletas.
Capítulo 07

6. PAUSA SINUSAL, PARADA SINUSAL E BLOQUEIO SINOATRIAL

A
lém da bradicardia sinusal, a
disfunção do nó sinusal pode ocorrer
de forma intermitente, variando de um
batimento atrasado (pausa sinusal) a longos
períodos de assistolia (parada sinusal). Dois
mecanismos podem ser responsáveis por
estes distúrbios: falha do marcapasso sinusal
e bloqueio de saída sinoatrial. O primeiro é
devido a uma falha real do nó SA para disparar
os batimentos. O último acontece quando o
impulso é gerado, mas sua saída é bloqueada
ainda no nó sinusal, impedindo a ativação dos
Pausa
átrios. A figura 7-5 ilustra a pausa sinusal. sinusal:
pausa em um paciente
com síndrome do nó
sinusal. A derivação
do monitor mostra
bradicardia sinusal com
uma longa pausa (cerca
de 2,4 segundos)

Figura 7.5. Fonte: Arquivo interno.

O bloqueio de saída SA pode produzir uma


Pausa pausa igual a dois ou mais intervalos PP.
Do ponto de vista clínico não há diferença
devido significativa entre o bloqueio de saída do nó
ao bloqueio sinusal de sinusal ou falhas de marcapasso. Busque
saída SA 2:1. Observe sempre causas reversíveis de disfunção do nó
a pausa repentina que SA (veja quadro 7-2: causas de bradicardias).
é quase exatamente A disfunção do nó SA pode acontecer
o dobro do intervalo espontaneamente (bloqueio de saída sinusal,
P-P da linha de base.
conforme figura 7-6) ou ser induzido por
Esse achado distinto
“overdrive suppression” do nó SA (por flutter
é consistente com o
“bloqueio de saída”
ou fibrilação atrial) resultando em uma pausa
intermitente da prolongada pós-conversão quando a arritmia
despolarização do nodo abruptamente termina (figura 7-7). Tais pausas
SA, de modo que uma estão entre as causas mais comuns de
onda P, que denota síncope em pacientes com arritmias atriais
despolarização atrial, paroxísticas.
não ocorre mesmo que
o marcapasso sinusal
esteja disparando
adequadamente. A razão
para esta “falta” de
P-QRS-T é que o impulso
sinusal é bloqueado
antes de sair do nó
sinusal.
Figura 7.6. Fonte: Arquivo interno.

56
Capítulo 07

Parada
sinusal
após interrupção abrupta
de uma fibrilação
atrial paroxística. O
mecanismo é devido ao
“overdrive supression”
do nodo sinusal durante
a estimulação rápida
dos átrios pela FA.
Figura 7.7. Fonte: Arquivo interno.
Esta combinação é um
exemplo da “síndrome
bradi-taqui”. A retomada
do ritmo sinusal começa
a ocorrer após a parada
sinusal prolongada.

7. RITMOS DE MARCAPASSOS SECUNDÁRIOS E DE ESCAPE

P
or que a pausa ou a parada sinusal
não promovem síncope e parada
cardíaca súbita de forma mais
frequente? Lembre-se de que as células do
nó sinusal sofrem despolarização rítmica,
tendo a função de marcapasso fisiológico
primário do coração. Porém, quase todas
as células cardíacas (miócitos atriais e
ventriculares, células do nó AV, fibras de hierarquia de marcapassos ectópicos será
Purkinje, etc) também são capazes de gerar desinibido e produzirá um batimento de
despolarizações e, portanto, iniciar ou manter “escape”, ou seja, um batimento de segurança.
os batimentos cardíacos. Se os marcapassos inferiores também
Marcapassos de nível inferior (secundários, falharem neste mecanismo de escape, pode
ectópicos) fornecem um mecanismo de haver síncope ou mesmo parada cardíaca.
backup essencial quando o “nível superior” Esse achado sugere que os mesmos fatores
falha ou é bloqueado. A frequência de disparo que suprimem o nó SA também podem
espontâneo do nó SA é mais rápida do que reduzir ou eliminar a automaticidade destes
o de marcapassos secundários. Assim, cada marcapassos de backup.
onda de despolarização do nó SA “suprime” Batimentos de escape podem aparecer na
esses marcapassos inferiores. No entanto, seguinte ordem de frequência de disparo:
se o nó SA falha em disparar, o próximo na células atriais (60-80 bpm), células nodais AV
(35-60 bpm), células de His-Purkinje (25-35
bpm) e miócitos (menos de 30 bpm).
O ritmo de escape atrial é caracterizado
por ondas P mais lentas e com morfologia
anormal, sendo denominado “ritmo atrial
baixo” (figura 7-8).

57
Capítulo 07

Ritmo de
escape
atrial baixo. Observe a
mudança na polaridade
da onda P de positiva
Figura 7.8. Fonte: Arquivo interno. para negativa em DII. À
direita está representado
a direção do vetor de
despolarização atrial no
hexaeixo.

No ritmo de escape juncional, os átrios são


ativados de forma retrógrada (de baixo
para cima), produzindo ondas P negativas
em DII, DIII e AVF e positivas em aVR. Além
disso, o complexo QRS terá duração normal
(“QRS estreito”) porque os ventrículos são
despolarizados normalmente (a menos QRS ocorrerão quase ao mesmo tempo. Como
que um bloqueio de ramo também esteja resultado, uma onda P invertida em DII pode
presente). Assim, como os átrios e ventrículos aparecer: 1) imediatamente antes do QRS (com
são ativados simultaneamente, as ondas P e um intervalo PR muito curto); 2) dentro do QRS
(onde a onda P é invisível) ou 3) logo após o
QRS (produzindo “ondas pseudo-S” em DII, DIII
e aVF e “pseudo-R” em V1 e aVR (figura 7-9).

Ritmo de
escape
juncional AV. Os dois
batimentos sinusais são
seguidos por um ritmo
de escape juncional
ainda mais lento (cerca
de 35 bpm) com ondas
P retrógradas, logo
Figura 7.9. Fonte: Arquivo interno.
após os complexos QRS
(designadas P′; negativa
em II e positiva em V1).

Ritmos de escape também podem se originar


abaixo da junção AV. Ritmos de escape
fascicular e idioventricular (figura 7-10) são
ritmos com QRS largo e podem indicar
uma situação de risco de vida, pois podem
degenerar para atividade elétrica sem pulso
ou assistolia.

58
Capítulo 07

Ritmo de
escape
idioventricular registrado
Figura 7.10. Fonte: Arquivo interno. durante uma reanimação
cardíaca. As ondas
marcads com “x” são
artefatos de compressão
É importante entender que ritmos de torácica.
escape não são arritmias primárias, mas
sim backups de segurança quando há
falha de marcapassos de ordem superior.
Em condições urgentes, a atropina
(um bloqueador parassimpático) pode
ser usada para aumentar a frequência
de marcapassos atriais ou juncionais.
Agentes simpaticomiméticos como a
dopamina aumentam a frequência de
disparos de marcapassos ectópicos tanto
supraventriculares quanto ventriculares.

8. SOBRECARGAS ATRIAIS

O
aumento cardíaco refere-se à
dilatação de uma câmara ou à
hipertrofia do músculo cardíaco:
O efeito previsível da hipertrofia no ECG é um
1. Na dilatação, o músculo é “esticado” aumento na amplitude e/ou duração da onda
e a câmara aumenta. Por exemplo, na P ou do QRS. Não raramente, hipertrofia e
insuficiência mitral ocorre regurgitação dilatação ocorrem juntas.
valvar, com dilatação secundária do
átrio esquerdo (sobrecarga de volume).
2. Na hipertrofia, há aumento real 8.1 SOBRECARGA ATRIAL DIREITA
de tamanho das fibras musculares,
havendo aumento da câmara. Por Sobrecarga do átrio direito promove
exemplo, na estenose aórtica há aumento da amplitude (voltagem) da
obstrução crônica ao fluxo de sangue onda P, ultrapassando 2,5 mm (0,25 mV),
do ventrículo esquerdo para a aorta, podendo estar associada a uma positividade
levando à hipertrofia do músculo proeminente na derivação V1 ou V2, mas
ventricular esquerdo. sem prolongar a duração. Esta alteração
morfológica às vezes é referida como
“Onda P pulmonale“ porque ocorre muitas
vezes ocorre em doença pulmonar grave.
As melhores derivações para se observar a
sobrecarga de átrio direito são II, III, aVF e às
vezes V1 (figura 7-11).

59
Capítulo 07

À esquerda,
medida da onda P
normal, que deve ser
menor que 2,5 mm em
altura e 0,12 segundo
Figura 7.11. Fonte: Arquivo interno.
em largura. Ao centro,
característica de uma
onda “P pulmonale”. À
direita, ondas P altas
(seta) observadas em DII,
DIII, aVF e V1 do ECG de
um paciente com doença
8.2 SOBRECARGA ATRIAL ESQUERDA pulmonar crônica.
Observe a predominância
O átrio esquerdo se despolariza após o direito. da fase positiva da onda
P em V1.
Assim, o seu aumento prolonga o tempo
da despolarização atrial, indicada por uma
onda P prolongada (duração > 0,12 seg) e, às
vezes, entalhada, onde a segunda corcova
corresponde à despolarização do átrio periféricas (figura 7-12, à esquerda). O termo
esquerdo. Tais “ondas P com dupla corcova” “Onda P mitrale” às vezes é usado para
são melhor visualizadas nas derivações designar estas ondas, pois foram descritas
pela primeira vez em pacientes com doença
da válvula mitral. A derivação V1 pode
registrar uma onda P bifásica distinta (figura
12, ao centro), com uma fase negativa mais
proeminente (> 1 mm) e de maior duração (>
0,04 seg) do que a fase positiva.

Sobrecarga
atrial
esquerda.
À esquerda, onda P
Figura 7.12. Fonte: Arquivo interno.
entalhada, (P mitrale)
com prolongamento na
duração. Ao centro, onda
P com a fase negativa
proeminente. À direita, Clinicamente, esta sobrecarga pode ocorrer
visualização da onda P em uma variedade de patologias: doença
com sinais de sobregarga valvular (estenose ou insuficiência aórtica e
esquerda nas derivações estenose mitral); doença cardíaca hipertensiva
periféricas. e miocardiopatia (dilatada, hipertrófica e
restritiva). Além disso, este tipo de sobrecarga
está relacionado ao risco aumentado de
fibrilação atrial.
Os padrões de sobrecargas atriais (esquerda
e direita) são ilustrados esquematicamente na
figura 7-13, enquanto a tabela 7-1 resume os
critérios para os respectivos diagnósticos.

60
Capítulo 07

À esquerda,
representação da
despolarização atrial. À
direita, padrões da onda
P associados à ativação
atrial normal e às
sobrecargas atriais direita
e esquerda.

Figura 7.13. Fonte: Arquivo interno.

Tabela 7-1. Critérios diagnósticos comuns para as sobrecargas atriais direita e esquerda.

Sobrecarga atrial direita Sobrecarga atrial esquerda

Ondas P pontiagudas com amplitudes > 0,25 mV na Prolongamento da duração da onda P (> 0,12 seg) em DII;
derivação DII (“p pulmonale”); Entalhe proeminente da onda P, mais evidente em DII (“P
Possitividade inicial proeminente nas derivações V1 ou V2 mitrale”);
(> 0,15 mV); Aumento da duração e da profundidade da porção terminal
Desvio do eixo da onda P para a direita acima de +75º. negativa da onda P em V1 (força terminal de P);
Desvio do eixo da onda P para a esquerda entre (-30º e
-45º).

Por fim, pacientes com sobrecarga biatrial


mostram uma combinação de padrões (ondas
P com aumento tanto de amplitude quanto de
duração). A figura 7-14 ilustra este padrão de
sobrecarga biatrial.

Sobrecarga
biatrial.
A derivação DII mostra
ondas P apiculadas,
com amplitude superior
a 0,25 mV, indicando
sobrecarga do átrio
direito (setas de cor
vermelha). A derivação V1
mostra ondas P bifásicas,
mas com a fase negativa
profunda e prolongada
(setas de cor azul).

Figura 7.14 . Fonte: Arquivo interno.

61
Capítulo 08

Este capítulo abordou distúrbios


supraventriculares relacionados à frequência
cardíaca (taquicardia e bradicardia sinusal)
e ao ritmo cardíaco (sinusal normal, arritmia
sinusal, pausa sinusal, parada sinusal, supraventriculares: QRS estreito. Há exceções,
bloqueio sinoatrial, ritmos de marcapassos claro. É possível que haja anormalidades
secundários e de escape), bem como as supraventriculares com QRS largo,
sobrecargas atriais. principalmente naqueles pacientes que
Foi possível visualizar em todos os exemplos apresentam histórico prévio de atrasos de
que não havia anormalidades na duração condução ventricular (bloqueios de ramos
ou morfologia do complexo QRS. Em todos direito ou esquerdo) ou que fazem taquicardia
eles o mesmo estava “estreito”. Portanto, supraventricular com sentido antidrômico de
esta é uma particularidade dos transtornos reentrada do nó atrioventricular. Este aspecto
será abordado em capítulos posteriores.
Os próximos tópicos a serem discutidos serão
os seguintes distúrbios supraventriculares:
extrassístoles supraventriculares, flutter atrial,
fibrilação atrial e taquicardia supraventricular.

08 - Distúrbios supraventriculares. Parte II:


extrassístoles e taquicardia supraventricular paroxística

INTRODUÇÃO

E
ste capítulo e o próximo (capítulo 9)
se concentram no estudo 1. CLASSIFICAÇÃO DAS
das taquiarritmias de origem TAQUIARRITMIAS
supraventricular, enquanto o capítulo 10 tem

D
foco nas taquiarritmias ventriculares. e forma simplista, as taquiarritmias
podem ser divididas em dois
grandes grupos: de QRS estreito
ou largo. As de QRS estreito são sempre
de origem supraventricular e incluem:
taquicardia sinusal, taquicardia paroxística
supraventricular (TPSV), flutter e fibrilação
atrial. As taquiarritmias de QRS largo incluem
a taquicardia ventricular (TV) e qualquer
uma das taquicardias supraventriculares
que cursam com aberrância de condução
ventricular ou condução atrioventricular
retrógrada.

62
Capítulo 08

2. MECANISMOS DAS TAQUIARRITMIAS

O
s dois principais mecanismos das
taquiarritmias incluem: disparos
repetitivos de um marcapasso (foco)
ectópico e reentrada atrioventricular por uma
via acessória. Às vezes, uma arritmia (por
exemplo, taquicardia por reentrada nodal)
pode ser iniciada por um mecanismo (uma
extrassístole, por exemplo) e ser sustentada
por outro mecanismo (por exemplo,
Mecanismos
reentrada). básicos
de taquiarritmias: A, Arritmias
focais: disparo repetitivo de um
grupo de células. B, Arritmia
reentrante: uma extrassístole
(estrela vermelha) é bloqueada
no nó AV por estar em seu
período refratário. O sinal então
atinge o lado oposto (via lateral
à direita), onde encontra uma
via acessória “aberta”. O sinal
então desce para os ventrículos
e sobe em sentido contrário,
agora encontrando o nó AV
“aberto”, completando a “alça
reentrante” de excitação.

Figura 8.1 . Fonte: Arquivo interno.

3. EXTRASSÍSTOLES SUPRAVENTRICULARES

E
stes batimentos resultam de focos
ectópicos nos átrios (direito ou
esquerdo) ou no nó AV, gerando uma
despolarização que se espalha normalmente diferente da onda P sinusal normal e
pelo sistema His-Purkinje para os ventrículos. que precede o complexo QRS com um
Assim, a despolarização ventricular (complexo espaço PR curto.
QRS) não é afetada. Quando forem de origem na junção
Principais características das extrassístoles atrioventricular, a despolarização dos
supraventriculares: átrios ocorre de forma simultânea ou até
São prematuras, ou seja, ocorrem antes mesmo posterior à dos ventrículos. Com
da próxima onda P sinusal. isso a onda P anômala fica “escondida” no
complexo QRS ou após o mesmo (onda P
Quando são de origem atrial, há uma “retrógrada”).
onda P anômala e/ou de polaridade
Após a extrassístole há uma pausa
compensatória antes do próximo

63
Capítulo 08

batimento atrial normal.


O complexo QRS é geralmente estreito
e muito parecido com os demais
complexos QRS dos batimentos bloqueio de ramo, por exemplo). A
anteriores. presença de uma onda P anômala
precedendo o QRS ajuda a identificar
É possível que haja extrassístoles
este tipo de batimento ectópico, mas
supraventriculares com complexo
será mais difícil a diferenciação quando
QRS largo? Sim, naqueles casos em
a onda P anômala estiver “escondida” no
que o paciente já possuía um distúrbio
QRS.
de condução ventricular prévio (um
As figuras 8-2 a 8-5 ilustram os diversos tipos
de extrassístoles de origem supraventricular.

Ritmo sinusal
com extrassístole atrial após o
quarto batimento (seta).

Figura 8.2 . Fonte: Arquivo interno.

Bigeminismo
atrial.
Cada batimento sinusal é
seguido por uma extrassístole
atrial e uma leve pausa pós-
ectópica.

Figura 8.3 . Fonte: Arquivo interno.

Ritmo sinusal
com três extrassístoles atriais. As
duas primeiras (marcação •) são
conduzidas por um ramo direito
bloqueado (aberrância de condução
com padrão rSR’ em V1). A terceira
extrassístole (marcação ◦) é conduzida
com ativação ventricular normal (QRS
estreito). As duas primeiras ondas P
prematuras chegam tão cedo no ciclo
cardíaco que caem sobre as ondas T
Figura 8.4 . Fonte: Arquivo interno. dos batimentos sinusais anteriores,
tornando essas ondas T ligeiramente
mais altas.

64
Capítulo 08

Ritmo sinusal
com extrassístoles atriais
conduzidas com aberrância de
condução. Este paciente possui
um bloqueio de ramo esquerdo
antigo, motivo do QRS ser
largo. Mas a presença da onda
P anômala identifica a origem
Figura 8.5 . Fonte: Arquivo interno. atrial dos batimentos ectópicos.

Extrassístoles atriais podem ser esporádicas


ou frequentes. Às vezes, cada batimento
sinusal é seguido por uma extrassístole. Esse
padrão é referido como bigeminismo atrial (ver
figura 8-3).

coração normal ou em qualquer tipo de


Significado clínico das extrassístoles doença cardíaca. Assim, sua presença
supraventriculares não implica doença cardíaca. Em pessoas
Extrassístoles supraventriculares são muito normais podem ser vistas em situações
comuns. Podem ocorrer em pessoas com como: estresse, ingestão excessiva
cafeína, uso agentes simpaticomiméticos
(broncodilatadores, por exemplo) ou
hipertireoidismo.

4. TAQUICARDIA PAROXÍSTICA SUPRAVENTRICULAR (TPSV)

D
efine-se taquicardia paroxística
supraventricular (TPSV) quando
ocorrem três ou mais extrassístoles
supraventriculares de forma consecutiva, que
pode ser breve e não sustentada (duração de A TPSV pode ser classificada em taquicardia
até 30 segundos) ou sustentada (por minutos, atrial (unifocal ou multifocal), taquicardia
horas ou mais). O termo TPSV é, por si só, um por reentrada no nó atrioventricular ou por
pouco enganoso, porque algumas dessas reentrada em via acessória. Estão descritas a
taquiarritmias podem ser duradouras, não seguir.
apenas paroxística. A figura 8-6 ilustra o ritmo sinusal normal,
onde o estímulo originado no nó sinusal ativa
os átrios (onda P) e segue na direção do nó
AV para despolarizar os ventrículos (complexo
QRS).

65
Capítulo 08

Ritmo sinusal
normal. Cada onda P é seguida
por um complexo QRS de
morfologia e duração normais.

Figura 8.6 . Fonte: Arquivo interno.

Taquicardia atrial
À esquerda, taquicardia por
reentrada atrioventricular (AV): o
estímulo cardíaco se origina como
uma onda de excitação que gira
em uma área em torno do nodo AV
(juncional). Como resultado, as ondas
P retrógradas estão “escondidas”
no QRS ou aparecem logo após
o complexo QRS (seta) por causa
da ativação quase simultânea
dos átrios e ventrículos. D por:
Na figura à direita, mecanismo Figura 8.7 . Fonte: Arquivo interno.
de reentrada do tipo encontrado
na síndrome de Wolff-Parkinson-
White. Este mecanismo é referido
como taquicardia por reentrada
atrioventricular (TRAV). Note a onda
P negativa (seta) na derivação II, um
pouco depois o complexo QRS.
5. TAQUICARDIA ATRIAL UNIFOCAL

A
taquicardia atrial clássica é definida
como três ou mais extrassístoles
consecutivas, provenientes de um
foco atrial único, identificado como uma onda
P anômala, mas com a mesma morfologia
durante toda a arritmia (Fig. 8-8). O foco pode
estar localizado no átrio esquerdo ou direito.

66
Capítulo 08

Taquicardia
atrial
unifocal. A imagem da
esquerda mostra um foco
Figura 8.8 . Fonte: Arquivo interno.
de “disparo” localizado no
átrio esquerdo. À direita, a
derivação V1 mostra ondas
P (setas) de origem sinusal
e ondas P′ de batimentos
atriais prematuros da
taquicardia atrial.
6. TAQUICARDIA ATRIAL MULTIFOCAL

E
sta variante está relacionada a taquiarritmia é comum em pacientes com
múltiplos focos de estímulo atrial. doença pulmonar crônica. Uma vez que
O diagnóstico requer a presença frequência ventricular é irregular e rápida, esta
de ondas P de diferentes morfologias arritmia pode ser confundida com fibrilação
e uma frequência superior a 100 bpm e atrial.
com intervalos PR variáveis (Fig. 8-9). Esta

Taquicardia
atrial
multifocal. Observe as ondas
P de diferentes morfologias e
intervalos PR variáveis. Figura 8.9 . Fonte: Arquivo interno.

7. TAQUICARDIA POR REENTRADA NODAL AV

A
taquicardia por reentrada nodal AV
(TRAV) é uma arritmia resultante
da reentrada na área do nó AV.
O mecanismo de iniciação da TRAV é
Normalmente, o nó AV possui uma única via
apresentado na Figura 8-10. Após uma onda
de condução entre os átrios e o sistema de
sinusal, o estímulo chega ao nó AV e encontra
His-Purkinje ventricular. Em alguns indivíduos
tanto a via “rápida” quanto a “lenta”. Estando
ele pode possuir uma dupla via de condução
a via rápida “aberta”, o estímulo desce pelo
AV com propriedades elétricas diferentes,
sistema His-Purkinje e estimula os ventrículos.
sendo uma via de condução rápida e outra de
Uma vez que a via lenta está em período
condução lenta.
refratário (“fechada”), o estímulo não “sobe”
por esta via; ou seja, não “reentra” nos átrios.
Neste caso o ECG mostra um ritmo sinusal
com um intervalo PR curto.

67
Capítulo 08

Caso ocorra uma extrassístole atrial cujo


estímulo chegue ao nó AV e encontre a
via rápida despolarizada (ou seja, no seu
período refratário), o estímulo se desviará
para a via acessória, já repolarizada, His-Purkinje. Após despolarizar os ventrículos,
descendo então para o sistema de este estímulo “sobe” e agora encontra a via
rápida repolarizada, disponível para nova
condução. Com isso, o estímulo “reentra” nos
átrios por esta via rápida e promove nova
despolarização atrial. Este processo se repete,
gerando um circuito em alça.

Mecanismo
de iniciação
de uma taquicardia por
reentrada nodal envolvendo
dupla via de condução AV
(vias rápida e lenta). Veja o
texto para maiores detalhes

Figura 8.10 . Fonte: Arquivo interno.

Como o circuito de arritmia opera no


próprio nó AV, a ativação se espalha quase
simultaneamente para cima (átrios) e para
baixo (ventrículos) em cada rotação de
reentrada. Como resultado, as ondas P ficam
completamente “escondidas” dentro do QRS
(Fig. 8-11) ou aparecem logo após.

Taquicardia
por reentrada
nodal AV. À esquerda, o
circuito de reentrada no
nó AV. À direita, derivação
Figura 8.11 . Fonte: Arquivo interno.
DII mostrando taquicardia
regular e de QRS estreito,
com uma taxa de 170 bpm.
Nenhuma onda P é visível
porque estão “escondidas”.

68
Capítulo 08

Por causa desta ativação retrógrada (de


baixo para cima) dos átrios, pode haver
ondas P negativas em DII, DIII e aVF (ondas
“pseudo-S”), e positivas em V1 e aVR (ondas
“pseudo- R”). Veja a figura 8-12.

Ondas
pseudo-S
em DII e III e pseudo R’ em
V1 causadas por ondas
P retrógradas durante
taquicardia por reentrada
nodal.

Figura 8.12 . Fonte: Arquivo interno.

Ao contrário da taquicardia atrial focal, que via nodal lenta é mais suscetível ao estímulo
termina quando o foco ectópico deixa de vagal (ver Fig. 8-13) ou medicamentos (por
disparar, a TRAV é um ritmo autoperpetuante exemplo, adenosina*, betabloqueadores,
que continuará indefinidamente, a menos bloqueadores de canais de cálcio ou digoxina).
que se bloqueie alguma parte do circuito. A

Taquicardia
por reentrada
nodal AV terminada com
manobra vagal (massagem
Figura 8.13 . Fonte: Arquivo interno.
do seio carotídeo).

*A adenosina deprime a atividade elétrica tanto do nó sinusal quanto do nó AV. Sua ação parece ser mediada
pelo aumento do fluxo de para fora, hiperpolarizando as células de ambos os nódulos. Como resultado, a
automaticidade do nó sinusal é diminuída, assim como a automaticidade e a condução na área do nó AV. A
adenosina também é um vasodilatador (responsável por sua redução transitória da pressão arterial e efeitos
de rubor).

69
Capítulo 08

Considerações Clínicas
A TRAV produz ritmo regular com frequências
geralmente entre 150 e 220 bpm ou mais.
Tipicamente ocorre em corações normais e
começa em uma idade jovem, especialmente
em mulheres. O sintoma mais comumente
relatado é de palpitações rápidas e regulares.
A arritmia pode ser desencadeada por
estresse, drogas simpaticomiméticas ou até
mesmo mudança de posição.

8. TAQUICARDIA POR REENTRADA VIA FEIXE


ATRIOVENTRICULAR ACESSÓRIO

E
sta taquiarritmia é mediada por uma
via acessória de ligação entre átrios
e ventrículos fora do nó AV. Estas vias
podem conduzir o sinal elétrico em ambas as
direções (dos átrios para os ventrículos e vice-
versa). Durante o ritmo sinusal, isso produz
a tríade clássica de Wolff-Parkinson-White
(WPW): intervalo PR curto, onda delta e QRS
com base alargada.
A condução através deste trato de desvio não conduzem o impulso dos átrios para os
pode produzir TPSV com complexos QRS ventrículos e são, portanto, invisíveis (ocultas)
largos ou estreitos, dependendo da direção durante o ritmo sinusal. Assim, não se vê o
da alça (loop) reentrante. Se o sinal descer padrão clássico de WPW.
pelo nodo AV e subir pela via acessória, o ECG
terá um QRS estreito (referida como TPSV Iniciação e condução
ortodrômica). Em contraste, se o sinal descer
Durante o ritmo sinusal, a condução
pela via acessória de desvio e “voltar no
retrógrada através da via de acessória
sentido do nó AV”, um achado menos comum,
geralmente não ocorre porque o sinal chega
você verá um QRS largo; esta variante é
à extremidade ventricular da via de desvio
referida como TPSV antidrômica.
através do sistema de condução normal
Os médicos devem estar cientes de que a
(His-Purkinje) enquanto o átrio ao redor ainda
maioria das vias acessórias de derivação
está refratário por causa do batimento sinusal
anterior (fig. 8-14, à esquerda). Caso ocorra
uma extrassístole disparando próximo à via de
desvio, e que encontre esta via “aberta”, então
este estímulo entra de forma ascendente
ao átrio através desta via e retorna aos
ventrículos pelo nó AV e feixe de His-Purkinje
(fig. 8-14, à direita), iniciando taquicardia
de complexo QRS estreito (condução
anterógrada).

70
Capítulo 08

Iniciação da
taquicardia
por reentrada AV por uma
extrassístole ventricular. A.
Durante o ritmo sinusal não
há condução retrógrada
através da via acessória
ou do nó AV. B. Uma
extrassístole ventricular
disparando perto da via de
desvio conduz o estímulo
de forma ascendente ao
átrio através desta via.
Figura 8.14 . Fonte: Arquivo interno.
Esta sequência inicia uma
taquicardia de condução
anterógrada (QRS estreito)
A arritmia também pode
ser iniciada por batimentos
prematuros atriais. Veja
também a figura 8-15.

Taquicardia
por reentrada
AV iniciada por uma
extrassístole ventricular
em um padrão de Wolff-
Parkinson-White. As ondas Figura 8.15 . Fonte: Arquivo interno.
P retrógradas são visíveis
como deflexões negativas no
meio da onda T (setas).

Diagnóstico diferencial e tratamento de TPSV


O diagnóstico diferencial de TPSV pode ser
difícil, mesmo para cardiologistas experientes.
As ondas P podem não ser identificadas,
especialmente quando o início e término
porque estão escondidas nas ondas T ou
não são registrados, a menos que um estudo
nos segmentos ST. Às vezes é impossível
eletrofisiológico invasivo seja realizado.
determinar o mecanismo exato da arritmia,
As medidas terapêuticas para encerrar uma
TPSV visam bloquear a condução do nó AV
e incluem manobras vagais (Valsalva e/ou
massagem do seio carotídeo) e intervenções
farmacológicas, especialmente injeção de
adenosina.

71
Capítulo 09

09 - Distúrbios supraventriculares. Parte III:


flutter e fibrilação atrial

INTRODUÇÃO PRINCÍPIOS GERAIS: GATILHOS E MECANISMOS


DE TAQUIARRITMIAS

F
ibrilação atrial (FA) e Flutter atrial são
arritmias relacionadas que cursam
com frequências atriais que excedem
em muito a frequência ventricular, o que
implica que em algum grau de bloqueio AV
fisiológico como modo de segurança. Ambas
envolvem mecanismos reentrantes que
“giram” continuamente no próprio músculo
atrial. Ao invés de ondas P verdadeiras,
vemos ondas F contínuas (Flutter) ou ondas f
(fibrilatórias).

1. FLUTTER ATRIAL

C
omo toda arritmia supraventricular
reentrante, o flutter também é iniciada
por um batimento ectópico precoce
que bloqueia a condução em uma direção,
enquanto propaga em outra. O flutter atrial
típico é um ritmo reentrante no átrio direito, em torno do anel tricúspide (flutter típico) ou
delimitado anteriormente pelo anel tricúspide no sentido horário (flutter atípico ou reverso).
e posteriormente pela crista terminalis e pela O típico padrão em “dentes de serra” com
válvula de Eustáquio. O sinal então continua ondas F negativas nas derivações inferiores
“girando” repetidamente na mesma trajetória, (DII, DIII e aVF) e positivas em V1 é compatível
no interior do átrio direito, numa frequência de com o sentido anti-horário (mais comum)
cerca de 300 ciclos por minuto, produzindo de flutter (Fig. 9-1). Menos frequentemente
ondas F idênticas. o circuito é iniciado em na direção oposta,
O flutter pode circular em direção anti-horária produzindo ondas no sentido horário. Neste
caso a polaridade das ondas F estará invertida:
positiva em DII, DIII e aVF e negativa em V1.
Clinicamente, o flutter atrial na maioria das
vezes indica a presença doença cardíaca
estrutural subjacente.

72
Capítulo 09

O Flutter
é devido a uma grande
onda reentrante (à
esquerda) originada no
átrio direito por uma
extrassístole atrial. À
direita. ECG de um Flutter
típico, a onda se espalha
no sentido anti-horário,
gerando ondas F negativas
em DII, DIII e aVF e
positivas em V1.

Figura 9.1 . Fonte: Arquivo interno.

CONDUÇÃO DO FLUTTER PARA OS VENTRÍCULOS

A frequência atrial durante o flutter típico é uso de drogas bloqueadoras (por exemplo,
de cerca de cerca 300 ciclos/min. Felizmente betabloqueadores, digoxina e antagonistas
o nó AV desenvolve um sistema de defesa , dos canais de cálcio), pode haver maior grau
bloqueando a passagem para os ventrículos, de bloqueio AV, com uma razão de até 4:1 ou
geralmente com uma razão A/V fixa. A até mesmo bloqueio variável, simulando um
figura 9-2 ilustra um paciente com flutter ritmo de fibrilação atrial (figs. 9-3).
com bloqueio regular de 3:1. Na presença
de tônus vagal alto, doença do nó AV ou

Flutter atrial
típico (anti-horário) com
padrão de bloqueio AV
regular 3:1 (3 ondas F para
1 complexo QRS).

Figura 9.2 . Fonte: Arquivo interno.

73
Capítulo 09

Flutter atrial
com padrão variável de
bloqueio AV, variando de
3:1 a 5:1. O ritmo ventricular
variável pode confundir
a arritmia com uma
fibrilação atrial.

Figura 9.3 . Fonte: Arquivo interno.

Por outro lado, flutter com condução AV 1:1 como a flecainda, ou na presença de via
(fig. 9-4), embora incomum, pode ocorrer em acessória de desvio AV, como no Wolff-
situações de intensa descarga adrenérgica Parkinson-White. Neste caso, devido
(estresse e atividade física extenuante, por risco elevado de fibrilação ventricular, a
exemplo), uso de medicações antiarrítmicas cardioversão elétrica deve ser imediata.

Flutter atrial
com condução AV 2:1 (A) e
1:1 (B) no mesmo paciente.
No último caso, as ondas F
são difíceis de localizar.

Figura 9.4 . Fonte: Arquivo interno.

2. FIBRILAÇÃO ATRIAL

A
o contrário do flutter, a localização manutenção ativa da arritmia, associada
das ondas reentrantes da fibrilação à geração simultânea de vários circuitos
atrial (FA) não pode ser determinada. reentrantes instáveis em todo o átrio. Ao
Na maioria dos casos acredita-se que se ECG, a atividade elétrica atrial aparece como
originem na área de junção entre as veias ondas f irregulares (fibrilatórias), variando
pulmonares e o átrio esquerdo. Com o tempo, continuamente em amplitude, polaridade e
cada vez mais tecido atrial se envolve na frequência (fig. 9-5)

74
Capítulo 09

A fibrilação
atrial
é sustentada por múltiplos
circuitos de reentrada
(à esquerda), que se
despolarizam de forma
Figura 9.5 . Fonte: Arquivo interno. caótica e desordenada,
sem obedecer nenhum
padrão de dispersão. À
direita, registro de ondas
f (setas), mostrando a
variabilidade na forma,
estando a frequência atrial
acima de 300 bpm.
Há provavelmente dois mecanismos
eletrofisiológicos de FA: um ou mais focos de
gatilhos ou de microrreentradas, chamados
de iniciadores, os quais disparam em rápida
frequência e múltiplos circuitos de reentrada
sinuosos através do átrio, que bloqueiam mais comuns da FA e podem ter um papel
e conduzem as ondas que perpetuam a perpetuador. Este é o motivo pelo qual
fibrilação. Na maioria dos casos, o átrio o isolamento das veias pulmonares é
esquerdo é que contém o local dominante particularmente efetivo em eliminar a FA
da frequência de descarga, com gradiente da paroxística. Na FA persistente, mudanças
esquerda para a direita. na arquitetura atrial, incluindo a fibrose
Descargas múltiplas provenientes das intersticial, contribuem para o desarranjo e à
veias pulmonares são os desencadeadores condução do tipo caótica.
Anormalidades estruturais dos átrios podem
resultar em FA fina com ondas fibrilatórias
quase planas, que pode ser confundida
com assistolia atrial. Às vezes ondas f finas e
grossas podem aparecer no mesmo ECG.

PROPRIEDADES DE CONDUÇÃO

N
a FA, o nó AV é bombardeado com
impulsos desorganizados em taxas
de até 600/min. A maioria destes
sinais são bloqueados no nó AV e apenas uma
fração conduz para os ventrículos, mas de
forma irregular (fig. 9-6). No entanto, quando
a frequência ventricular fica muito rápida,
esta irregularidade RR pode ser difícil de
avaliar, podendo ser confundido com outras
taquiarritmias, como a TPSV (fig. 9-7).

75
Capítulo 09

Fibrilação
atrial
com resposta ventricular
entre 60 e 100 bpm. As
ondas de fibrilação são
mais bem vistas em V1.

Figura 9.6 . Fonte: Arquivo interno.

A fibrilação
atrial
com resposta ventricular
rápida em paciente com
hipertireoidismo.

Figura 9.7 . Fonte: Arquivo interno.

3. FLUTTER X FA: DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

E
mbora o flutter quase sempre ocorre O flutter tem uma via reentrante única
na presença de doença cardíaca e estável, com todas as ondas de F
estrutural, a FA pode se desenvolver apresentando a mesma forma e duração.
em corações normais. No entanto, os Um jeito simples e preciso é medir o
pacientes que apresentam flutter têm uma intervalo que contém várias ondas atriais
chance maior de desenvolverem FA. consecutivas claramente visíveis com
A distinção entre FA e flutter é importante a ajuda de um compasso. No flutter, os
porque há diferença na terapêutica das intervalos entre ondas F subsequentes
mesmas. serão sempre os mesmos. Na FA esta
regularidade do compasso não estará
presente. (fig. 9-8).

76
Capítulo 09

No flutter, geralmente há uma razão fixa


de ondas F/QRS (2:1, 4:1) ou um grupo de
batimentos obedecendo uma resposta
ventricular “padronizada” (por exemplo,
2:1-4:1). Na FA, os intervalos entre os complexos QRS são completamente
erráticos. Mas atenção: se a frequência
ventricular for muito rápida, essa
variabilidade pode ser sutil.

4. FLUTTER X FIBRILAÇÃO ATRIAL: CONSIDERAÇÕES CLÍNICAS

F
A é a arritmia mais comum que causa
admissões hospitalares, e a incidência
aumenta com a idade. Até 10% dos
indivíduos com 80 anos podem desenvolver
FA. A FA pode ocorrer de forma paroxística e
pode durar de apenas alguns minutos a horas
ou dias, podendo ser recorrente ou se tornar
permanente (crônica).
Os episódios podem ser assintomáticos
ou produzir sintomas como palpitações,
dispneia, tontura ou dor torácica. No paciente
farmacológica única.
assintomático, a FA pode ser inicialmente
Às vezes a FA está relacionada ao aumento
descoberta durante um exame de rotina ou
do tônus simpático (por exemplo, durante o
quando o paciente apresenta insuficiência
exercício intenso). Também é frequentemente
cardíaca ou acidente vascular cerebral. A FA
observada em pacientes com doença
pode ocorrer tanto em corações saudáveis
cardíaca estrutural, como na doença arterial
quanto em uma ampla variedade de doenças
coronariana e nas valvulopatias, bem como
cardíacas estruturais.
em outras condições, como por exemplo:
A FA pode estar associada ao consumo
hipertireoidismo, pós-operatório de cirurgia
excessivo de álcool em indivíduos
cardíaca, doença pericárdica, doença
saudáveis (“Holiday Heart Syndrome”).
pulmonar crônica, embolia pulmonar, dentre
Nesses casos, a arritmia muitas vezes
outras. Apneia obstrutiva do sono aumenta o
reverte espontaneamente ao ritmo sinusal
risco de FA.
ou é revertida facilmente com terapia
Tanto a FA quanto o flutter têm duas
implicações clínicas importantes:
1. Aumento do risco de
tromboembolismo, como o acidente
vascular cerebral. Este risco está
relacionado à formação de trombos
no átrio esquerdo estagnação do fluxo
sanguíneo.
2. Desenvolvimento de insuficiência
cardíaca (aguda ou crônica), devido à
diminuição do débito cardíaco por falta
de contração atrial.

77
Capítulo 09

5. CONSIDERAÇÕES SOBRE TRATAMENTO DE FLUTTER / FIBRILAÇÃO ATRIAL

A
s prioridades no tratamento agudo da
FA e do flutter são a anticoagulação
e o controle da frequência. Há duas
estratégias gerais de tratamento para gestão a
longo prazo: controle de frequência e controle
do ritmo.

CONTROLE DE FREQUÊNCIA
Este controle centra-se na limitação da
resposta ventricular, sem tentativas de
restaurar o ritmo para sinusal e pode ser
obtido usando agentes bloqueadores do
nó AV (betabloqueadores, bloqueadores
de canais de cálcio, digoxina) ou ablação CONTROLE DE RITMO
juncional AV.
O controle da frequência geralmente é o Esta estratégia consiste em duas fases: (1)
tratamento preferido nas seguintes condições: restauração do ritmo sinusal (cardioversão) e
FA permanente. (2) manutenção do ritmo sinusal.
FA de início recente: tempo inferior a 24 A cardioversão pode ser medicamentosa
horas. (química), elétrica (choque de corrente
Doença aguda reversível quando a contínua) ou por procedimento de ablação.
realização e manutenção do ritmo Como em qualquer tipo de cardioversão,
sinusal são improváveis até que anticoagulação deve ser revisada porque há
a causa seja corrigida. Exemplos: aumento do risco de tromboembolismo no
hipertireoidismo, anormalidades momento de transição para o ritmo sinusal.
metabólicas (hipocalemia), abstinência A cardioversão farmacológica na FA é de
de álcool, infecção aguda. limitado valor, com baixa taxa de conversão
Pacientes assintomáticos que podem para ritmo sinusal. Ibutilida por via endovenosa
tolerar a vida toda de anticoagulação. pode converter até 50% dos casos de FA de
A ablação da junção AV (com implante início recente. No entanto, este medicamento
de marcapasso) pode ser usada em pode causar prolongamento do intervalo QT e
pacientes cuja frequência não pode risco de torsades de pointes.
ser efetivamente controlada com Cardioversão elétrica de corrente contínua é
medicamentos. É um procedimento um método seguro e confiável de restauração
que “desconecta” eletricamente os do ritmo. Um choque sincronizado de
átrios dos ventrículos. A desvantagem alta energia despolariza todo o coração,
é que o paciente torna-se dependente interrompendo circuitos reentrantes e
de marcapasso. A anticoagulação deve permitindo que o nó sinusal recupere o
continuar indefinidamente. controle dos átrios.
A manutenção do ritmo sinusal às vezes pode
ser alcançada com drogas antiarrítmicas.
As mais usadas são os agentes de classe I
(flecainida e propafenona), ou agentes de
classe III (sotalol, amiodarona, dofetilida
e dronedarona). Infelizmente, drogas

78
Capítulo 10

antiarrítmicas são modestamente eficazes na direito. A taxa de sucesso a longo prazo


manutenção do ritmo sinusal. Outra grande das ablações do átrio esquerdo para FA
limitação é que nenhum mantém o ritmo é altamente variável (média de cerca de
sinusal de forma confiável o suficiente para 70%), o que é superior aos medicamentos
suspender a anticoagulação. antiarrítmicos. No entanto, procedimentos
Procedimentos de ablação têm sido repetidos são frequentemente necessários.
cada vez mais utilizadas na restauração Escolher entre controle de frequência e ritmo
e na manutenção do ritmo sinusal, sendo e opções de medicação, juntamente com
altamente eficazes no tratamento do flutter a tomada de decisões sobre as indicações
atrial típico, com 90% de taxa de sucesso e o momento da ablação de FA, precisa
a longo prazo. Em contraste, ablação para ser personalizado. Este campo representa
FA envolvem acesso por cateter ao átrio uma das áreas mais ativas de pesquisa na
esquerdo por via transeptal a partir do átrio cardiologia contemporânea.

10 - Distúrbios atrioventriculares. Parte I:


atrasos e bloqueios de condução

INTRODUÇÃO

P
ontos-chave:
intervalo PR, permite o adequado enchimento
de sangue nos ventrículos. Atraso ou
Perguntas que devem ser feitas ao se
interrupção real nesta condução elétrica
examinar o ECG de um paciente com suspeita
é denominado bloqueio atrioventricular
de bloqueio AV:
(BAV). Neste capítulo também é discutida a
1. Qual é o grau de bloqueio: 1º, 2º dissociação atrioventicular.
ou 3º grau? Há três graus de BAV:
2. Qual é o nível mais provável do 1º grau: corresponde a um
bloqueio: nodal (no próprio nodo AV) prolongamento uniforme do intervalo
ou infranodal (abaixo do nó AV ou no PR. Ou seja, há apenas um atraso na
sistema de His-Purkinje)? condução, sem a sua interrupção.
2º grau: ocorre interrupção
No coração normal, átrios e ventrículos
intermitente da condução AV,
estão isolados entre si por anéis de
havendo três principais variedades:
tecido conjuntivo. Assim, o único meio de
BAV Mobitz I (ou bloqueio de
comunicação elétrica entre os mesmos
Wenckeback, BAV Mobitz II e BAV
é através do sistema de condução que
avançado ou de alto grau).
compreende o nó atrioventricular (AV), o feixe
de His e seus ramos (Fig. 10-1). 3º grau ou BAV total: interrupção
completa da condução AV.
O ligeiro atraso fisiológico entre a ativação
atrial e ventricular, que corresponde ao

79
Capítulo 10

O sistema
de condução
atrioventricular. Note
que o nodo AV é dividido
em porção alta e baixa;
ou seja, acima e abaixo
do tecido fibroso
atrioventricular.

Figura 10.1 . Fonte: Arquivo interno.

1. BLOQUEIO ATRIOVENTRICULAR DE 1º GRAU

O
BAV de 1º grau (Fig. 10-2) é
caracterizado por um ritmo sinusal
normal (onda P seguida por QRS),
mas com um intervalo PR uniformemente
prolongado, com duração maior que 0,20
segundo. Ou seja, não há um bloqueio
verdadeiro na condução atrioventricular.

BAV de 1º
grau.
Note o intervalo
PR uniformemente
prolongado (acima de
0,20 seg) em cada ciclo
elétrico.
Figura 10.2 . Fonte: Arquivo interno.

2. BLOQUEIOS ATRIOVENTRICULARES
DE 2º GRAU

O
BAV de 2º grau é caracterizado por
“complexos QRS descartados”. Há
três subtipos principais: Mobitz I,
Mobitz II e avançado (ou de alto grau).

80
Capítulo 10

No BAV 2º grau Mobitz I, também


denominado BAV clássico de
Wenckebach (Figs. 10-3), os estímulos intervalo PR até haver um bloqueio
provenientes dos átrios têm completo (onda P não seguida
dificuldade progressiva de atravessar por um QRS). O número de ondas
o nó AV para os ventrículos até haver P que ocorrem antes de um QRS
um bloqueio verdadeiro na passagem. “abandonado” pode variar. A figura
Assim, a característica deste bloqueio 10-3 ilustra um caso onde ocorre
é o prolongamento progressivo do um padrão denominado 4:3, ou seja,
houve 4 ondas P para 3 complexos
QRS.

BAV 2º grau
Mobitz I
padrão 4:3. O intervalo PR
aumenta progressivamente
com batimentos sucessivos
Figura 10.3 . Fonte: Arquivo interno.
até que uma onda P não
seja conduzida de forma
alguma. Então o ciclo se
repete.

No BAV 2º grau Mobitz II, mais raro


e mais grave, sua característica é o
aparecimento súbito de uma única
onda P sinusal não conduzida. Ou seja,
não há prolongamento dos intervalos
PR, sendo as falhas de condução
aleatórias. A figura 10-4 ilustra este
tipo de bloqueio.

BAV 2º grau
Mobitz II.
O registro mostra três
batimentos cardíacos com
ritmo sinusal, seguidos
por uma 4ª onda P que
não conduziu para os
Figura 10.4 . Fonte: Arquivo interno. ventrículos (seta).

81
Capítulo 10

BAV 2º grau avançado. Ocorre 10-5 ilustra um caso onde há padrões


quando há múltiplos padrões de distintos: no início do registro há um
BAV de 2º grau no mesmo traçado bloqueio 2:1, seguido por um 3:1 e,
eletrocardiográfico. Este bloqueio por fim, outro padrão 2:1. Note que os
pode ocorrer em qualquer nível intervalos PR são iguais (de mesmo
do sistema de condução (nodal ou tamanho) nos batimentos que foram
infranodal). Um erro comum é chamar conduzidos para os ventrículos.
esse padrão de Mobitz II. A figura

BAV de
2º grau
avançado.
ECG mostra ritmo sinusal
com BAV 2:1 seguido por
Figura 10.5 . Fonte: Arquivo interno.
um BAV 3:1 e outro BAV 2:1.

3. BLOQUEIO ATRIOVENTRICULAR DE 3º GRAU (BAV COMPLETO)

B
AVs de 1º e 2º graus são exemplos total (BAVT).
de bloqueios incompletos porque a Portanto, as principais características do BAV:
junção AV ainda é capaz de conduzir
alguns estímulos para os ventrículos. No Presença de ondas P (positivas em
bloqueio de 3º grau, ou completo (BAVT), DII), com frequência regular mais
nenhum estímulo é transmitido aos rápida do que a frequência ventricular.
ventrículos. Assim, átrios e ventrículos são Presença de complexos QRS com
estimulados de forma independente. Os frequência regular e muito inferior à
átrios continuam a ser estimulados pelo nodo frequência atrial.
sinusal, enquanto os ventrículos passam a ser
Ondas P sem nenhuma correlação
estimulados por um marcapasso de escape
com os complexos QRS. Ou seja,
(nodal ou infranodal), localizado abaixo do
os intervalos PR são aleatórios e
ponto de bloqueio. Haverá então dois ritmos
irregulares.
diferentes: o ritmo atrial, com frequência
regular entre 60 e 100 bpm e o ritmo Exemplos de BAVT são mostrados nas figuras
ventricular, com frequência muito inferior (20 a seguir. Na figura 10-6, o bloqueio encontra-
a 40 bpm). Esta diferença entre a frequência se em nível nodal, o que mantém a condução
atrial a ventricular às vezes é designada ventricular pela via fisiológica, justificando
por cardiologistas como dissociação o complexo QRS de duração normal (“QRS
atrioventricular. (Quadro 10-1). Foge ao nosso estreito”). Na figura 10-7, o bloqueio está
objetivo discutir particularidades e subdivisões abaixo do nó AV, e os ventrículos passam a ser
das dissociações atrioventriculares. Ficaremos estimulados abaixo da junção AV (marcapasso
com o conceito de bloqueio atrioventricular idioventricular), justificando o QRS largo.

82
Capítulo 10

BAV
completo
mostrando a atividade
independente entre átrios
(ondas P) e ventrículos
(complexos QRS). Observe
Figura 10.6 . Fonte: Arquivo interno.
que os complexos QRS
são de largura normal
(estreitos), indicando que
os ventrículos estão sendo
estimulados a partir da
junção atrioventricular.

BAV
completo
mostrando um ritmo
idioventricular (QRS largo)
muito lento e um ritmo
sinusal independente mais
Figura 10.7 . Fonte: Arquivo interno.
rápido. Ver detalhes no
texto.

4. QUAL A LOCALIZAÇÃO DO BLOQUEIO? NODAL OU INFRANODAL?

E
mbora o nó AV e as estruturas relativamente estável.
infranodais representem um único e Por outro lado, bloqueio “infranodal”
contínuo “fio elétrico de condução”, tende a ser irreversível e ter evolução
sua fisiologia é bem diferente. A condução mais rápida e com ritmos de escape
elétrica pode ser bloqueada no próprio nó AV instáveis. Portanto, geralmente
(bloqueio “nodal”) ou no feixe de His e suas requer implante de marcapasso. Suas
ramificações (bloqueio “infranodal”). principais causas são:
O bloqueio “nodal” tem as seguintes 1 - Infarto agudo do miocárdio:
características: principalmente de parede anterior.
Geralmente tem causas reversíveis: 2- Doenças infiltrativas. Ex: amiloidose,
hipertonia vagal (ex.: apneia do sono); sarcoidose, linfomas.
medicações (ex.: betabloqueadores, 3 - Degeneração do sistema
digoxina, bloqueadores de canais de de condução: idade avançada,
cálcio); hipercalemia, infarto agudo do calcificações ao redor das válvulas
miocárdio (principalmente de parede aórtica e mitral.
inferior), doenças inflamatórias (ex.: 4 - Doenças neuromusculares
lúpus, miocardite), etc. genéticas.
Progride mais lentamente. 5 - Danos iatrogênicos ao sistema de
condução. Ex: cirurgias valvulares,
No caso de BAV completo, está ablações na área atrioventricular.
associado a um ritmo de escape

83
Capítulo 10

Quadro 10-1. Diagnóstico diferencial entre bloqueios


atrioventriculares nodais (altos) ou infranodais (baixos)
Bloqueio nodal Bloqueio infranodal
Início e progressão Início e progressão gradual. Início abrupto.
do bloqueio Condução lenta através do nó AV, pois Condução infranodal mais rápida, pois é
é dependente dos canais de cálcio, que mais dependente de canais de sódio.
responde pela maior fração do intervalo PR. Estes representam apenas uma pequena
À medida que o bloqueio avança, há um fração do intervalo PR. Com isso não há
prolongamento adicional do intervalo PR antes prolongamento do mesmo e o bloqueio (2º
que a condução falhe completamente. ou 3º grau) aparece abruptamente.
Semelhança: alongamento de um elástico Semelhança: rompimento de uma corrente
antes de se romper. de metal.

Ritmos de escape Sendo o nó AV proximal, há múltiplas fugas Como há menos marcapassos potenciais
(“escapes”) possíveis abaixo do bloqueio: as abaixo do nó AV, mecanismos de escape
partes inferiores do nó AV, o feixe de His e seus idioventricular produzem QRS largos
ramos. A frequência ventricular é muito lenta,
Assim, os batimentos de escape têm QRS inferior a 40 bpm.
estreitos e uma frequência não tão baixa (40- O início abrupto pode produzir períodos de
60 bpm). assistolia com risco de vida.
Cuidado: os complexos QRS podem ser largos
se houver um bloqueio de ramo prévio.

Influências A fisiologia do nó AV é semelhante à do nó A condução infranodal não responde à


autonômicas e sinusal e suas funções tendem a mudar em estimulação simpática ou parassimpática ou
medicamentosas paralelo. à maioria das drogas.
Ambos são sensíveis ao sistema nervoso O bloqueio piora com o aumento da
simpático e parassimpático. Drogas que frequência cardíaca. Drogas que causam
afetam este sistema (betabloqueadores, taquicardia (ex: simpaticomiméticos,
bloqueadores de canais de cálcio, atropina, atropina) podem piorar ainda mais a
digoxina) interferem nesta condução. condução infranodal.
Estimulação vagal induz bradicardia sinusal Em situações de emergência em um
e bloqueio AV. Esta combinação é vista na BAVT, infusão contínua de beta-agonista
síncope vasovagal e na apneia obstrutiva do (ex: dopamina) é útil para acelerar a
sono. frequência de um marcapasso de escape
Medicamentos que causam bradicardia idioventricular.
sinusal também pioram a condução AV
e podem induzir BAVs. A adenosina é um
potente supressor da atividade sinusal e
AV e pode induzir BAV transitório, um efeito
importante para ser lembrado no tratamento
de taquicardia supraventricular.
Estimulação com simpaticomiméticos (ex:
dopamina e epinefrina) e anticolinérgicos
(ex: atropina) aumenta a frequência sinusal e
melhora a condução AV.

Duração do QRS Os ventrículos são estimulados por um Os ventrículos são estimulados por
marcapasso nodal abaixo do ponto de um marcapasso infranodal, originando
bloqueio e os complexos QRS são estreitos (≤ complexos QRS largos (> 0,120 seg).
0,120 seg), a menos que o paciente tenha um Como regra geral, BAVT com QRS largo
bloqueio de ramo subjacente. tende a ser mais instável do que com QRS
estreito, porque o marcapasso de escape
ventricular é geralmente mais lento e menos
consistente.

84
Capítulo 10

5. BLOQUEIO AV EM AGUDO INFARTO DO MIOCÁRDIO

O
bloqueio AV de qualquer grau pode
se desenvolver durante infarto do
miocárdio devido à interrupção
de suprimento sanguíneo para o sistema de
condução e efeitos autonômicos. A irrigação
do nó AV é feita primariamente pela coronária
direita e menos frequentemente pela
coronária circunflexa. Oclusão destes vasos
produz infarto da parede inferior e bloqueio AV
(Fig. 10-8).

Bloqueio AV
2º grau (2:1)
em paciente com infarto
de parede inferior
(supradesnivelamento
de ST em DII, DIII e AVF).
As setas apontam para
as ondas P sinusais a
uma frequência de cerca
de 75 bpm. A frequência
ventricular é regular de
cerca de 33 bpm. Note que
a frequência atrial é igual
ao dobro da ventricular.

Figura 10.8 . Fonte: Arquivo interno.

Em contraste, o feixe de His, as porções


proximais do ramo direito e o fascículo
anterior do ramo esquerdo são supridos por
ramos da coronária descendente anterior também pode causar bloqueio AV infranodal,
(ramo da coronária esquerda). Oclusão muitas vezes precedido por bloqueio de ramo
proximal desta artéria produz infarto anterior e direito (BRD), ou bloqueio bifascicular. Esta
condição pode progredir abruptamente para
um bloqueio cardíaco completo e muitas
vezes requer implante de marcapasso.

85
Capítulo 11

11 - Distúrbios atrioventriculares. Parte II:


síndromes de pré-excitação ventricular

INTRODUÇÃO

N
ormalmente, a condução elétrica
entre átrios e ventrículos é feita pelo
nó atrioventricular (AV). O atraso
fisiológico da condução através desta junção
origina o intervalo PR, que varia de 0,12 a 0,20 transmissão é significativamente superior à do
seg. Agora considere as consequências de nó AV. Esta via acessória será capaz de pré-
se ter um caminho extra (um bypass) entre excitar os ventrículos.
os átrios e os ventrículos, cuja velocidade de Este capítulo aborda os padrões de pré-
excitação ventricular, especialmente o
Wolff-Parkinson-White (WPW) e a síndrome
de Lown-Ganong-Levine, que podem
ser importantes causas de taquicardias
supraventriculares por reentrada.

1. PADRÃO WOLFF-PARKINSON-WHITE

O
padrão WPW é uma anormalidade
causada pela pré-excitação dos
ventrículos. Esta situação é o que
ocorre com o padrão WPW, através de uma
via acessória (bypass) de derivação AV (fig.
11-1).

Anatomia do
padrão
de pré-excitação do Wolff-
Parkinson-White (WPW).
Uma via de derivação
acessória, também
denominada feixe de
Kent conecta os átrios
e os ventrículos e tem
velocidade de propagação
mais rápida que o nó AV.

Figura 11.1 . Fonte: Arquivo interno.

86
Capítulo 11

As vias de desvio (também chamadas de vias


acessórias) representam conexões anormais
que se formam durante o desenvolvimento
fetal do coração em certos indivíduos. Essas
vias acessórias, compostas por bandas de
tecido muscular cardíaco, estão localizadas na
área ao redor das valvas mitral ou tricúspide
(anéis AV) ou no septo interventricular septo.
não é causado não por um atraso
No WPW o trato de bypass AV é referido como
na despolarização ventricular, mas
feixe de Kent.
sim por estimulação precoce dos
A pré-excitação dos ventrículos com o
ventrículos. A onda T é também
clássico padrão WPW produz a seguinte tríade
geralmente oposta em polaridade
característica de achados ao ECG (figs. 11-2 e
para a largura QRS em qualquer
11-3):
derivação, semelhante ao observado
O complexo QRS é alargado em com bloqueios de ramo (“inversões
sua base, sugerindo um bloqueio secundárias da onda T”).
de ramo. No entanto, o QRS largo
O intervalo PR é encurtado (muitas
vezes, mas não sempre a menos de
0,12 s) por causa da pré-excitação.
O movimento ascendente do
complexo QRS é arrastado ou
entalhado. Isso é chamado de onda
delta.

Wolff-
Parkinson-
White.
Uma via acessória (feixe
de Kent) de derivação
entre átrios e ventrículos (à
esquerda) está associada
a uma tríade de achados
(à direita): PR curto, onda
delta, alargamento da base
do complexo QRS.

Figura 11.2. Fonte: Arquivo interno.

87
Capítulo 11

Tríade do
padrão
Wolff-Parkinson-White:
complexos QRS largos,
intervalos PR curtos e
ondas delta (setas)

Figura 11.3. Fonte: Arquivo interno.

O alargamento da base do complexo QRS


no WPW é o resultado da excitação da área
ventricular logo abaixo do feixe acessório,
uma vez que ocorre de forma mais precoce
em relação à despolarização da massa 2. SÍNDROME DE LOWN-GANONG-
ventricular propriamente dita. A partir de um
determinado ponto a despolarização destas
LEVINE

O
duas partes ventriculares se encontram e padrão Lown-Ganong-Levine (LGL)
geram o complexo QRS com a morfologia e é caracterizado pela presença
típica. Ou seja, a fusão da onda delta com a de uma via acessória perinodal
despolarização ventricular resultará em um conhecida como feixe de James, que liga o
QRS típico. miocárdio atrial ao feixe de His (figura 11-4).
A ativação precoce dos ventrículos pela via Assim, há um intervalo PR curto (< 0,12 seg),
acessória resulta em um intervalo PR mais mas um complexo QRS normal, pois a ativação
curto que o normal. ventricular ainda é via sistema His-Purkinje
As vias acessórias de desvio podem ser normal.
localizadas em qualquer lugar ao longo do
sulco AV e septo interventricular. Alguns Pacientes com palpitações que tinham um
pacientes podem ter mais de uma via de intervalo PR curto, mas complexos QRS de
derivação. duração normal no ECG de repouso foram
avaliados por Lown, Ganong e Levine em 1952.
O último relatório consistiu em um exame
retrospectivo de 13.500 ECGs consecutivos
em um único centro de atendimento terciário.
200 indivíduos foram identificados com um
intervalo PR curto e complexo QRS estreito.
Pacientes com a síndrome LGL clássica
também pode ter TPSV do tipo reentrante
intermitente, flutter atrial ou fibrilação atrial
paroxística.

88
Capítulo 11

Padrão Lown-
Ganong-
Levine
de pré-excitação ventricular
através da via acessória de
James.

Figura 11.4. Fonte: Arquivo interno.

Significado clínico
O principal significado clínico para os padrões
de pré-excitação, tanto o Wolff-Parkinson-
White quanto o Lown-Ganong-Levine, é que
indivíduos com estes padrões são propensos
a arritmias, especialmente taquicardias
supraventriculares paroxísticas (TPSV) e
fibrilação atrial, temas discutidos em capítulos
anteriores.
Por outro lado, a maioria das pessoas com
intervalo PR curto e QRS estreito, no entanto,
na verdade não têm pré-excitação clínica.
Um intervalo PR curto pode ser visto como
uma variante normal, sem vias acessórias de
desvio, apenas por causa de uma condução
AV acelerada. Portanto, cuidado ao interpretar
um ECG no qual o único achado digno de nota
é um PR curto, especialmente em uma pessoa
assintomática. Esses ECGs podem ser lidos
como “Intervalo PR curto sem outra evidência
de pré-excitação”.

89
Capítulo 12

12 - Anormalidades ventriculares. Parte I:


hipertrofia ventricular

INTRODUÇÃO

C
onforme discutido no capítulo 7, Assim, a propagação da despolarização
tanto a dilatação quanto a hipertrofia ventricular segue da direita para a esquerda,
atrial podem produzir alterações no plano frontal, e de frente para trás no
proeminentes na onda P. Por outro lado, a plano horizontal. Como resultado, eletrodos
modificação do complexo QRS por aumento colocados sobre o lado direito do tórax (por
ventricular é mais significativa quando ocorre exemplo, em V1) registram complexos do
principalmente hipertrofia real do músculo tipo rS. Por outro lado, eletrodos colocados
ventricular. Assim, este capítulo discute os sobre o lado esquerdo do tórax (por exemplo,
efeitos da hipertrofia ventricular direita e em V6) registram um complexo do tipo qR.
esquerda no ECG. Traduzindo em “miúdos”: a onda r de V1 passa
Normalmente, o vetor ventricular esquerdo a ser a onda q de V6, enquanto a onda S de
é eletricamente predominante porque V1 passa a ser a onda R de V6. Estes achados
este ventrículo tem maior massa muscular. podem ser visualizados nas figuras 12-1 e 12-2.

Representação
do principal
vetor
de despolarização ventricular, que
aponta da direita para a esquerda,
sendo registrado como rS na
derivação V1 e qR na derivação V6.
Figura 12.1 Fonte: Arquivo interno.

ECG normal
de um paciente masculino, 23 anos,
assintomático. Note que as ondas rS
em V1 e V2 correspondem às ondas
qR em V5 e V6.

Figura 12.2. Fonte: Arquivo interno.

90
Capítulo 12

1. HIPERTROFIA VENTRICULAR DIREITA

A
gora vamos imaginar um paciente de despolarização ventricular para a direita e
com fibrose pulmonar crônica, cuja para a frente, nos planos frontal e horizontal,
consequência é uma hipertrofia respectivamente. Como consequência, as
ventricular direita (HVD). Neste caso, a derivações torácicas direitas mostrarão ondas
predominância elétrica normal do ventrículo R altas (fig. 12-3).
esquerdo pode ser superada, desviando o eixo

Representação
do desvio
do principal vetor de despolarização
ventricular na presença de uma
hipertrofia ventricular direita. Neste
caso, ele se direciona da esquerda
para a direita e pode assumir os
padrões RS, R ou qR na derivação V1
e como RS na derivação V6.

Figura 12.3 Fonte: Arquivo interno.

A figura 12-4 mostra o ECG de um caso grave


de hipertrofia ventricular direita. Em vez do
complexo rS normalmente visto na derivação
V1, há a presença de uma onda positiva alta
(R) nesta derivação.
ECG de um
paciente
com hipertrofia ventricular direita.
Uma onda R alta (como parte de
um complexo Rs) com uma onda
T invertida é vista nas derivações
V1 a V5 (também em DII, DIII e aVF).
O desvio acentuado do eixo para
a direita é visto como uma onda S
profunda em DI. O eixo estimado
do QRS está em torno de 150º.
Além disso não há o padrão de
progressão da onda R de V1 a V6. A
onda P negativa, mas proeminente
em V1 indica a associação de uma
sobrecarga atrial direita.

Figura 12.4. Fonte: Arquivo interno.

91
Capítulo 12

Qual deve ser a altura de uma onda R na


derivação V1 para se fazer o diagnóstico de
HVD? Nesta derivação, em adultos a onda R
deve ser menor que a onda S. Uma onda R
excedendo a onda S em V1 é sugestiva, mas
não diagnóstica, de HVD. Veja a Fig. 12-5).

Hipertrofia
ventricular
direita.
Note a maior amplitude da onda R
em relação à onda s em V1.

Figura 12.5. Fonte: Arquivo interno.

Juntamente com as ondas R altas do tórax


direito, a HVD ainda produz dois sinais
adicionais: desvio do eixo para a direita e
inversão da onda T nas derivações precordiais
direita e média.
Além de afetar a despolarização (complexo complexos rS ou RS que podem chegar até a
QRS), a hipertrofia do músculo cardíaco derivação V6.
também altera a sequência normal de Fatores que causam HVD também costumam
repolarização (intervalo ST-T), promovendo causar sobrecarga atrial direita. Assim,
o aparecimento de ondas T invertidas nas não raramente, os sinais de HVD são
derivações torácicas direita e média (veja a acompanhados por ondas P altas.
figura 12-4 e 12-5). Esta inversão da onda T no HVD pode ocorrer em uma variedade de
tórax direito era anteriormente denominada condições clínicas. Uma causa importante
padrão strain (sem tradução para o português) é a cardiopatia congênita, como estenose
do ventrículo direito. Esta designação não é pulmonar, defeito do septo atrial ou tetralogia
mais utilizada, sendo apenas referida como de Fallot, dentre outras.
inversões da onda T associadas à sobrecarga Pacientes com doença pulmonar grave de
do ventrículo direito. longa duração podem ter hipertensão arterial
Conforme pode ser visto nas figuras 12-4 e pulmonar e HVD. A estenose mitral pode
12-5, na HVD as derivações torácicas média produzir uma combinação de HVD com HAE.
e esquerda (a partir de V2) mostram uma As inversões da onda T nas derivações V1 a
progressão ruim (tardia) da onda R, com V3 devido à sobrecarga ventricular direita
também podem ocorrer sem outros sinais
de hipertrofia ventricular no ECG, como na
embolia pulmonar aguda.

92
Capítulo 12

2. HIPERTROFIA VENTRICULAR ESQUERDA

A
s principais alterações no ECG
produzidas pela hipertrofia ventricular
esquerda (HVE) podem ser
compreendidas observando a figura 12.5, que
mostra um vetor aumentado e horizontalizado.

Representação
do desvio
do principal vetor de despolarização
ventricular na presença de uma
hipertrofia ventricular esquerda.
Neste caso, ele produz onda S
profunda em V1 e onda R ampla em
V6.

Figura 12.6 Fonte: Arquivo interno.

Normalmente o ventrículo esquerdo,


devido à sua maior massa, é eletricamente
predominante sobre o ventrículo direito. Como
resultado, ondas negativas proeminentes
(S) são produzidas nas derivações torácicas do tórax e dos membros devem ser utilizados
direitas e ondas positivas altas (R) são com cautela. Diversos critérios já foram
vistas nas derivações torácicas esquerdas. propostos, o que reflete a imperfeição do ECG
Quando a HVE está presente, o equilíbrio em fornecer um teste com alta sensibilidade e
das forças elétricas é inclinado ainda mais especificidade.
para a esquerda, originando ondas positivas Os seguintes critérios e diretrizes de ECG
(R) anormalmente altas nas derivações foram propostos para o diagnóstico de HVE:
torácicas esquerdas e ondas negativas (S)
Índice de Sokolow-Lyon. Se a soma
anormalmente profundas nas derivações
da profundidade da onda S na
torácicas direitas.
derivação V1 (SV1) com a altura da
Nota importante: os critérios de voltagem
onda R na derivação V5 ou V6 (RV5 ou
usados para diagnosticar HVE nas derivações
RV6) exceder 35 mm (3,5 mV), a HVE
deve ser considerada (Fig. 12-7). No
entanto, a alta voltagem nos eletrodos
torácicos é um achado normal
comum, particularmente em adultos
jovens atléticos ou magros. Assim, não
é um indicador específico de HVE.

93
Capítulo 12

Índice de
Sokolow-Lyon.
A soma da onda S de V1 (27 mm)
com a onda R de V6 (23 mm) totaliza
50 mm (5,0 mV), indicando provável
sobrecarga de ventrículo esquerdo.
ECG de paciente masculino, 60
anos, portador de hipertensão
arterial há 30 anos.

Figura 12.7. Fonte: Arquivo interno.

Critérios de voltagem de Cornell. Assim como na HVD, também pode


Baseia-se na soma dos componentes haver anormalidades de repolarização
das voltagens do QRS nas derivações (intervalo ST-T) na sobrecarga
V3 e aVL: para homens, SV3 + RaVL > ventricular esquerda, denominado
28 mm; para mulheres, SV3 + RaVL > anteriormente como “padrão strain”.
20 mm. No ECG da figura 12-7, SV3 + Essas alterações de repolarização
RaVL totalizam 28 mm. atualmente podem ser chamadas de
“alterações de ST-T relacionadas à
Às vezes, a HVE produz ondas R altas
HVE” ou “alterações de ST-T devido à
na derivação aVL. Uma onda R de 11
sobrecarga do VE”. Observe na figura
a 13 mm (1,1 a 1,3 mV) ou mais nesta
12-8 que o complexo geralmente
derivação aVL é outro sinal sugestivo
tem uma aparência distintamente
de HVE. Na figura 12-7, a onda R em
assimétrica, com uma leve depressão
AVL totaliza 18 mm (1,8 mV). Às vezes,
do segmento ST seguida por uma
uma onda R alta na derivação aVL é
onda T amplamente invertida.
o único sinal eletrocardiográfico de
Este padrão geralmente é melhor
HVE, e a voltagem nas derivações
observado em derivações com ondas
torácicas é normal. Em outros
R altas.
casos, as tensões torácicas são
anormalmente altas, com uma onda R
normal em aVL.

As anormalidades
de repolarização
associadas à HVE eram chamadas de
padrão “strain”, um termo impreciso,
mas ainda usado às vezes. Observe
a leve depressão característica do
segmento ST com inversão da onda T
nas derivações que mostram ondas R
altas.

Figura 12.8. Fonte: Arquivo interno.

94
Capítulo 12

Na HVE o eixo elétrico do QRS se


torna mais horizontalizado, podendo
ocorrer desvio real do mesmo, ou seja,
um eixo -30° ou mais negativo). Além em pacientes com HVE. A maioria
disso, o complexo QRS pode se tornar das condições que levam à HVE,
mais amplo. Não é incomum que em última análise, também produz
pacientes com HVE eventualmente sobrecarga atrial esquerda.
desenvolvam um padrão de bloqueio
Em resumo, o diagnóstico de HVE pode ser
de ramo esquerdo incompleto ou
feito com um alto grau de certeza a partir do
completo.
ECG se você encontrar altas voltagens de
Finalmente, sinais de hipertrofia QRS e alterações ST-T associadas a sinais
de hipertrofia de átrio esquerdo. Como a alta
de átrio esquerdo (ondas P largas
voltagem no tórax ou nas extremidades pode
nas derivações das extremidades
às vezes ser observada em pessoas normais,
ou ondas P bifásicas largas em V1)
especialmente atletas e adultos jovens, o
são frequentemente observados
diagnóstico de HVE não deve ser feito apenas
com esse achado. Alterações ST-T resultantes
de sobrecarga ventricular esquerda também
podem ocorrer sem critérios de voltagem para
HVE.

Hipertrofia
biventricular.
SV1 + RV6 > 35 mm indicam
hipertrofia de ventrículo
esquerdo, enquanto o desvio do
eixo do QRS para a direita (eixo
em + 150º) indica sobrecarga
de ventrículo direito. Fonte:
https://litfl.com/biventricular-
hypertrophy-ecg-library/. Acesso
em 15/06/2022.

Figura 12.8. Fonte: Arquivo interno.

3. HIPERTROFIA BIVENTRICULAR

S
e houver hipertrofia em ambos os
ventrículos, o ECG geralmente mostra
principalmente evidências de HVE.
Outro padrão que pode fornecer uma pista
importante para a hipertrofia biventricular é a
HVE com desvio do eixo para a direita (figura
12-9). A hipertrofia biventricular pode estar
presente, por exemplo, em alguns casos de
cardiomiopatia dilatada grave ou doença
valvar reumática.

95
Capítulo 13

Lembre-se sempre que na avaliação do


tamanho cardíaco, o ECG é apenas um exame
complementar indireto e não uma medida ou o grau de aumento das câmaras cardíacas
absoluta. Uma pessoa pode ter um aumento devem ser determinados com mais precisão,
cardíaco subjacente que não aparece no um ecocardiograma deve ser obtido.
ECG. Por outro lado, o ECG pode mostrar alta Para algumas condições suspeitas, como
voltagem em uma pessoa normal que não cardiomiopatia arritmogênica do ventrículo
tem aumento cardíaco. Quando a presença direito ou cardiomiopatia hipertrófica apical,
um estudo de ressonância magnética cardíaca
pode ser indicado.

13 - Anormalidades ventriculares. Parte II:


extrassístoles, taquicardias ventriculares, ritmo
idioventricular acelerado, fibrilação ventricular

INTRODUÇÃO

O
s capítulos anteriores se 1. BATIMENTOS VENTRICULARES
concentraram no estudo dos PREMATUROS: EXTRASSÍSTOLES
distúrbios supraventriculares e do nó VENTRICULARES
atrioventricular (AV). Partindo do pressuposto

P
de que nestes casos a condução ventricular
está normal, todos eles têm em comum o ontos chave
fato de produzirem arritmias com complexos Características principais das
QRS de duração normal. Assim, pode-se extrassístoles ventriculares:
generalizar que arritmias de complexos São batimentos prematuros,
QRS estreitos são sempre de origem ocorrendo antes que o próximo
supraventricular. batimento normal seja disparado.
Este capítulo considera as arritmias
ventriculares – a principal, mas não a única São aberrantes na aparência:
causa de taquicardias de complexos QRS o complexo QRS é largo (> 0,12
largos. segundo)
Nestes casos, as despolarizações ectópicas A onda T e o complexo QRS
surgem nos próprios ventrículos, ou no geralmente apontam em direções
sistema fascicular, produzindo batimentos opostas (discordantes).
ventriculares prematuros, taquicardia
ventricular (TV), ritmo idioventricular acelerado No capítulo 8 foram discutidas as
ou até mesmo a fibrilação ventricular (FV). extrassístoles supraventriculares, que têm
em comum a condução fisiológica para os
ventrículos e, portanto, são “arritmias de
complexos QRS estreitos”, a menos que um
bloqueio de ramo ou alguma outra causa de
aberração esteja presente.

96
Capítulo 13

Por outro lado, as extrassístoles ventriculares


surgem de focos ectópicos no ventrículo
direito ou esquerdo. Assim, os ventrículos
não são estimulados de forma simultânea,
e o estímulo se espalha pelos mesmos de
forma aberrante e assíncrona. Com isso, os
complexos QRS são largos.
Os mecanismos eletrofisiológicos básicos três mecanismos: ondas reentrantes,
responsáveis pelas extrassístoles ventriculares despolarizações espontâneas de células
são complexos e envolvem pelo menos ventriculares (automatismo celular) e
disparos prematuros de células ventriculares
desencadeadas pela despolarização anterior.
A figura 13-1 ilustra uma extrassístole
ventricular isolada. A figura 13-2 também
ilustra uma extrassístole isolada, porém
com a morfologia visualizada em diferentes
derivações.

Extrassístole
ventricular
isolada. Note o complexo
QRS largo, a polaridade
invertida do segmento ST-T e
a pausa compensatória pós- Figura 13.1. Fonte: Arquivo interno.
extrassístole.

A mesma
extrassístole
ventricular (marcada com X)
registrada simultaneamente
em três derivações diferentes
para mostrar a mudança na
morfologia de acordo com
a mudança na derivação de
registro.

Figura 13.2. Fonte: Arquivo interno.

97
Capítulo 13

PARTICULARIDADES DAS EXTRASSÍSTOLES VENTRICULARES

A seguir estão importantes características das extrassístoles é definida como


extrassístoles ventriculares que podem ter taquicardia ventricular (fig. 13-4), que
relevância clínica. pode ser transitória (tem início e fim)
ou sustentada (persistente). Quando
Frequência cada batimento normal é seguido
A frequência refere-se ao número por uma extrassístole ventricular
de extrassístoles que é registrado estamos diante de um bigeminismo
por minuto ou outra unidade de ventricular (fig. 13-5A). A sequência
tempo. Podem ocorrer de forma de dois batimentos normais para
isolada (figuras 13-1 e 13-2) e cada extrassístole é denominada
sob diversas combinações. Duas trigeminismo ventricular (fig. 13-5B).
extrassístoles em sequência (fig. 13-
3) são ditas pareadas ou acopladas.
Uma sequência de três ou mais

As setas
indicam
a presença de duas
extassístoles ventriculares
acopladas (ou pareadas).

Figura 13.3. Fonte: Arquivo interno.

ECG com dois


episódios
curtos de taquicardia
ventricular (TV) não
sustentada. O primeiro
Figura 13.4. Fonte: Arquivo interno.
episódio com quatro
e o segundo com três
extrassístoles sequenciais.

A,
Bigeminismo
ventricular,
em que cada impulso sinusal
normal é seguido por uma
Figura 13.5. Fonte: Arquivo interno.
extrassístole ventricular
(marcadas com X). B,
Trigeminismo ventricular, na
qual ocorre um batimento
ventricular prematuro a cada
dois batimentos sinusais.

98
Capítulo 13

Morfologia e origem que essas alterações secundárias de


A morfologia aparência das ST-T não são decorrentes de isquemia
extrassístoles ventriculares será miocárdica e são semelhantes aos
diferente dependendo do(s) local(is) achados de discordância de QRS-T
nos ventrículos de onde esses em batimentos de complexos largos
batimentos prematuros se originam. devido a bloqueios de ramo.
Se o batimento ectópico se Pausas compensatórias
originar no ventrículo esquerdo, a Tanto extrassístoles
ativação do ventrículo direito será supraventriculares quanto
retardada e o QRS da extrassístole ventriculares geralmente são
se assemelhará a um bloqueio de seguidas por uma pausa antes do
ramo direito (BRD). próximo batimento sinusal normal.
Se o batimento ectópico vier do
Extrassístoles ventriculares
ventrículo direito, a ativação do
unifocais e multifocais
ventrículo esquerdo é retardada e
Os termos unifocal e multifocal são
o formato do QRS se assemelha a
usados para descrever a morfologia
um padrão de bloqueio de ramo
das extrassístoles. As unifocais têm
esquerdo (BRE).
a mesma aparência em qualquer
A sequência de repolarização derivação e surgem do mesmo
ventricular após uma extrassístole foco anatômico (figs. 13-3 e 13-5).
ventricular é tal que a onda T tem Em contraste, as multifocais têm
direção oposta ao QRS (discordância morfologias diferentes na mesma
QRS-T), muitas vezes com elevações/ derivação (fig. 13-6). Extrassístoles
depressões proeminentes do unifocais podem ocorrer em
segmento ST. É necessário enfatizar corações normais, mas extrassístoles
multifocais geralmente indicam a
presença de cardiopatia orgânica,
embora seja um achado inespecífico.

Extrassístoles
ventriculares
multifocais, de diferentes
morfologias na mesma
derivação.
Figura 13.6. Fonte: Arquivo interno.

Fenômeno R em T
O fenômeno R em T refere-se a uma
extrassístole ventricular que cai perto
do pico ou vale (ponto mais positivo
ou negativo) da onda T do batimento
normal anterior (fig. 13-7). Isso ocorre
no contexto de isquemia ou infarto
agudo do miocárdio ou com um

99
Capítulo 13

intervalo QT longo e podem precipitar


taquicardia ventricular, fibrilação
ventricular, particularmente no curso
de um infarto agudo do miocárdio.

Fenômeno R
sobre T.
Um batimento ventricular
prematuro caindo próximo
ao pico da onda T (setas
vermelhas) do batimento
anterior pode ser um
fator predisponente para
taquicardia ventricular ou
Figura 13.7. Fonte: Arquivo interno.
fibrilação ventricular.

Significado clínico quando o sinal elétrico conduz


Extrassístoles ventriculares são retrogradamente através do nó AV até
comuns em pessoas saudáveis de os átrios, causando contração atrial
todas as idades, mas também podem quase simultânea.
ocorrer em praticamente qualquer O encontro de extrassístoles
doença cardíaca. Elas refletem o ventriculares frequentes necessita
aumento da automaticidade de propedêutica complementar adicional
marcapassos ventriculares dormentes com Holter, ecocardiograma, teste de
e podem ser provocados por esforço, etc.
estimulação adrenérgica (estresse,
cafeína, drogas simpaticomiméticas
e por drogas “recreativas”, como
cocaína ou outros estimulantes), 2. TAQUICARDIAS VENTRICULARES
anormalidades eletrolíticas

T
(especialmente hipocalemia ou
aquicardia ventricular (TV) é
hipomagnesemia), toxicidade por
a presença de três ou mais
medicamentos (ex: digoxina), isquemia
extrassístoles ventriculares
aguda, cicatrizes de infarto prévio e
sequenciais, a uma frequência de 100 ou mais
muitos outros fatores.
bpm (figs. 13-8 e 13-9), que pode ser devida a
Os sintomas podem variar de nenhum
mecanismos focais ou de reentradas.
a palpitações graves, especialmente

A derivação
do monitor
mostra extrassístoles
Figura 13.8. Fonte: Arquivo interno. ventriculares isoladas e um
episódio autolimitado de
taquicardia ventricular (TV não
sustentada).

100
Capítulo 13

Taquicardia
ventricular monomórfica
sustentada.

Figura 13.9. Fonte: Arquivo interno.

A TV é classificada quanto à duração (não


sustentada e sustentada) e à morfologia dos
complexos QRS (monomórfica e polimórfica).

2.1 TAQUICARDIA VENTRICULAR MONOMÓRFICA

De forma semelhante às extrassístoles


ventriculares, a origem da TV monomórfica
geralmente pode ser determinada
examinando a morfologia e o eixo do QRS. do ventrículo direito e terá formato de
A TV proveniente do ventrículo esquerdo tem bloqueio de ramo esquerdo. A melhor
o QRS que “aponta” na direção do ventrículo derivação para visualizar a direção da TV é V1
direito. Portanto, será registrada com formato (Fig. 13-11). Se o eixo da TV apontar para baixo,
de bloqueio de ramo direito (Fig. 13-10). O os complexos QRS serão positivos em DII, III
raciocínio inverso vale para a TV proveniente e aVF; por outro lado, se apontar para cima,
serão negativos nestas derivações.

TV
monomórfica
com origem no ventrículo
esquerdo. Observe o
QRS com morfologia de
bloqueio de ramo direito na
derivação V1.

Figura 13.10. Fonte: Arquivo interno.

101
Capítulo 13

TV
monomórfica
com origem na via de
saída do ventrículo direito.
Observe a morfologia
do QRS com o bloqueio
de ramo esquerdo na
derivação V1. Como os
complexos QRS estão
positivos nas derivações
inferiores (DII, DIII e AVF), o
eixo aponta para baixo.

Figura 13.11. Fonte: Arquivo interno.

SIGNIFICADO CLÍNICO DA TV MONOMÓRFICA

Esta arritmia pode ocorrer em um coração


estruturalmente normal ou em qualquer
doença cardíaca estrutural. Os sintomas
dependem da frequência e da função
sistólica do coração e incluem: sensação de
palpitações, falta de ar e tontura. Pacientes
com coração estruturalmente normal e
função ventricular esquerda preservada A TV monomórfica em pacientes com história
podem manter seu débito cardíaco e tolerar de infarto prévio geralmente é causada por
taxas de TV muito rápidas com relativamente reentrada ao redor das áreas de cicatriz
poucos sintomas, enquanto em pacientes miocárdica e não por isquemia aguda.
com baixa fração de ejeção ventricular Entretanto, a diminuição do débito cardíaco e
esquerda apresentarão sintomas mais graves, o aumento da demanda de oxigênio durante
relacionados ao baixo débito cardíaco. a TV sustentada podem causar isquemia
TVs lentas, com frequências inferiores a 150 por demanda e degeneração da TV em FV;
bpm/min, não são incomuns em pacientes portanto, a cardioversão deve ser considerada
que recebem drogas antiarrítmicas e mesmo que o paciente pareça estável.
esses episódios podem ser minimamente A TV monomórfica sustentada em pacientes
sintomáticos. sem doença cardíaca conhecida deve
incluir exames de imagem apropriados
(ecocardiograma e, às vezes, ressonância
magnética) para descartar áreas de cicatriz
miocárdica que possam servir como substrato
para reentrada (por exemplo, miocardite
subclínica ou cardiomiopatia).

102
Capítulo 13

2.2 TAQUICARDIA VENTRICULAR POLIMÓRFICA

A TV polimórfica é uma classe de


taquiarritmia com padrões continuamente
variados de ativação ventricular, podendo ser
classificada clinicamente entre aquelas com
TORSADES DE POINTES
prolongamento do intervalo QT (síndrome do
QT longo) e aquelas sem prolongamento do Esta taquiarritmia ventricular corresponde
intervalo QT. O exemplo mais importante da ao principal tipo clínico de TV polimórfica
primeira categoria é a Torsades de Pointes que ocorre no contexto do prolongamento
(TdP). do intervalo QT. A marca registrada da TdP,
termo francês que significa “torção das
pontas”, é a variação gradual na direção
(polaridade) e amplitude do QRS em uma
determinada derivação que se assemelha
a um fuso. As figuras 13-12 e 13-13 ilustram,
respectivamente, a TdP não sustentada e
sustentada.

ECG de uma
Torsades de Pointes
(TdP) não sustentada em
mulher com hipocalemia e
hipomagnesemia.

Figura 13.12. Fonte: Arquivo interno.

Padrão
clássico
de Torsades de Pointes
(TdP) sustentada. Observe
o padrão de batimentos
em que o eixo do QRS
parece girar de maneira
Figura 13.13. Fonte: Arquivo interno. sistemática.

103
Capítulo 13

A TdP geralmente é iniciada por uma


extrassístole ventricular que começa no
pico de uma onda T-U prolongada, como
um tipo de fenômeno “R sobre T” discutido
anteriormente.
A TdP pode ocorrer em associação às
síndromes de prolongamento do intervalo
QT, que podem ser congênitas ou adquiridas. medicamentos que prolonguem o intervalo
Ambas podem deteriorar-se em fibrilação QT e correção de anormalidades eletrolíticas
ventricular, causando parada cardíaca súbita. relevantes (especialmente hipocalemia ou
As causas da síndrome do QT longo adquirido hipomagnesemia). Magnésio intravenoso
incluem: pode ser útil para encurtar o intervalo QT e
Medicamentos: quinidina e agentes para suprimir as extrassístoles ventriculares
antiarrítmicos relacionados que desencadeiam esta arritmia. Aumentar
(disopiramida e procainamida), bem a frequência cardíaca por estimulação ou
como ibutilida, dofetilida, sotalol e infusão de dopamina às vezes é necessária
amiodarona; agentes psicotrópicos para encurtar o intervalo QT.
(ex: fenotiazinas e antidepressivos A TV polimórfica na ausência de
tricíclicos); antibióticos (ex: prolongamento do intervalo QT na maioria das
pentamidina e eritromicina) vezes indica isquemia. Pode ser observada
durante o infarto agudo do miocárdio, mas
Desequilíbrios eletrolíticos que também na isquemia induzida durante
prolongam a repolarização: o exercício. O achado de TV polimórfica
hipocalemia, hipomagnesemia e sem prolongamento do intervalo QT,
hipocalcemia. principalmente durante o esforço físico, deve
Bradiarritmias graves, especialmente levar à avaliação da artéria coronária através
os bloqueios AV de alto grau. do cateterismo cardíaco.

As formas hereditárias da síndrome do QT


longo estão relacionadas à função anormal
de canais iônicos relacionados ao potássio
ou sódio, que resulta em repolarização 2.3 RITMO IDIOVENTRICULAR
prolongada.
Às vezes, a TdP é devida a uma combinação ACELERADO
de fatores que “criam o clima perfeito”
para a arritmia, como por exemplo a A figura 13-14 apresenta uma arritmia
administração de amiodarona a um paciente denominada ritmo idioventricular acelerado
com hipopotassemia e que seja portador de (RIVA). Lembre-se de que com TV típica a
disfunção hereditária dos canais de sódio. frequência cardíaca é superior a 100 bpm.
Os princípios gerais do manejo da TdP No RIVA, a frequência cardíaca é geralmente
incluem revisão e descontinuação de entre 50 e 100 bpm, e o ECG mostra
complexos QRS largos sem ondas P sinusais
associadas. De forma simplista e para facilitar
a compreensão, pode-se dizer que o RIVA é
uma “TV monomórfica com frequência abaixo
de 100 bpm”. Ou seja, trata-se de uma “TV
lenta”.

104
Capítulo 13

Ritmo
idioventricular
acelerado (RIVA) em paciente
Figura 13.14. Fonte: Arquivo interno. com infarto de parede inferior.
Os primeiros quatro batimentos
mostram o padrão típico,
seguido por um retorno do
ritmo sinusal e, em seguida,
O RIVA é particularmente comum no infarto o reaparecimento do RIVA.
agudo do miocárdio e pode ser um sinal Observe que o 5º, 6º, 12º
de reperfusão coronariana, espontânea ou e 13º complexos QRS são
após procedimentos (trombólise química ou “batimentos de fusão” devido
à ocorrência quase simultânea
implante de stent). Essa arritmia geralmente
de um batimento sinusal e um
é de curta duração e geralmente não requer ventricular.
terapia específica.

2.4 FIBRILAÇÃO VENTRICULAR

A fibrilação ventricular (FV, Figs. 13-15 e 13-


16) é um ritmo ventricular completamente
desorganizado (caótico), resultando em A FV pode aparecer subitamente como
quadro clínico de parada cardíaca. Com base uma arritmia primária (a partir da linha de
na amplitude das ondas fibrilatórias, a FV é base do ritmo sinusal normal ou outro ritmo
arbitrariamente classificada como grossa ou supraventricular) ou, mais comumente, como
fina. uma “degeneração” da TV monomórfica ou
polimórfica. Se não for tratada, progride de
FV grosseira para fina e, eventualmente, para
assistolia.

A fibrilação
ventricular
(FV) pode produzir
ondas grossas e finas. A
desfibrilação imediata deve
Figura 13.15. Fonte: Arquivo interno.
ser realizada.

Taquicardia
ventricular
evoluindo para fibrilação
ventricular registradas
durante o início de uma
Figura 13.16. Fonte: Arquivo interno. parada cardíaca.

105
Capítulo 14

14 - Anormalidades ventriculares. Parte III:


bloqueios de ramos e fascículos

INTRODUÇÃO

N
o processo normal de ativação ECG EM DISTÚRBIOS DA CONDUÇÃO
ventricular, o estímulo elétrico chega VENTRICULAR: PRINCÍPIOS GERAIS
aos ventrículos a partir dos átrios por

N
meio do nó atrioventricular (AV) e do sistema
a presença de um bloqueio de
His-Purkinje. A primeira parte dos ventrículos
condução, seja de ramos ou de
a ser estimulada (despolarizada) é o lado
fascículos, ocorrerá atraso na
esquerdo do septo ventricular. Logo após,
condução elétrica para a região que está
a despolarização se espalha para a massa
“bloqueada”, fazendo com que esta região seja
principal dos ventrículos esquerdo e direito
despolarizada por último. Com isso o vetor
por meio dos ramos esquerdo e direito do
de despolarização ventricular será deslocado
feixe. Normalmente, todo o processo de
para esta região. Em outras palavras, o vetor
despolarização ventricular em adultos, o que
principal do QRS muda o seu eixo e se desloca
corresponde à duração do complexo QRS, é
em direção às regiões do coração que mais
concluído em até 0,11 segundo.
demoram para serem estimuladas. Quando o
Qualquer processo que interfira na
bloqueio ocorre em troncos (ramo direito ou
estimulação fisiológica dos ventrículos pode
esquerdo), além do desvio do eixo também
prolongar o QRS ou alterar o seu eixo. Este
ocorre uma lentificação da despolarização,
capítulo se concentra nos efeitos que os
alargando o QRS. Quando o bloqueio é de
bloqueios ou atrasos no sistema de ramo do
fascículos, a única anormalidade será o desvio
feixe têm no complexo QRS e nas ondas ST-T.
do eixo do QRS, sem comprometer a duração
do QRS.
Antes de iniciar o estudo dos distúrbios de
condução, vamos recordar a despolarização
normal dos ventrículos, conforme discutido no
capítulo 3. A figura abaixo ilustra a sequência
de despolarização ventricular.
Sentido e
direção
das ondas sequenciais

de despolarização
ventricular, no plano frontal
(à esquerda) e no plano
horizontal (à direita). Vetor
1: despolarização do septo
interventricular. Vetor 2:
despolarização ventricular
propriamente dita. Vetor
3: despolarização da parta
alta (base) dos ventrículos.
Figura 14.1. Fonte: Arquivo interno.

106
Capítulo 14

1. BLOQUEIO DE RAMO DIREITO

O
bloqueio do ramo direito (BRD)
desacelerará de forma acentuada
a estimulação ventricular direita e
o complexo QRS será alargado. A forma do
QRS comBRD pode ser prevista com base em
alguns princípios familiares.
A primeira parte dos ventrículos a ser
despolarizada é o septo interventricular, cujo ventrículos esquerdo e direito. O BRD também
vetor aponta para frente, para baixo e para a não afeta essa fase, porque o ventrículo
direita. No ECG normal, essa despolarização esquerdo é eletricamente predominante,
septal produz uma pequena onda r na produzindo ondas S profundas nas derivações
derivação V1 e uma pequena onda q na torácicas direitas e ondas R altas nas
derivação V6 (Fig. 14-2A). O BRD não afeta derivações torácicas esquerdas (Fig. 14-2B).
a fase septal da estimulação ventricular (o
septo é estimulado por um do feixe do ramo A alteração do complexo QRS produzida
esquerdo). A segunda fase da estimulação pelo BRD é resultado do atraso no tempo
ventricular é a despolarização simultânea dos total necessário para estimulação do
ventrículo direito. Isso significa que após o
ventrículo esquerdo ter se despolarizado
completamente, o ventrículo direito continua a
despolarizar.
Essa despolarização atrasada e lenta do
ventrículo direito produz uma terceira fase
de estimulação ventricular, gerando um vetor
para fora através do ventrículo direito, ou seja,
direcionado para a direita e para a frente.
Assim, uma derivação colocada sobre o lado
direito do tórax (por exemplo, V1) registra este

Passo-a-
passo
da sequência de
despolarização ventricular
na presença de bloqueio
de ramo direito. O vetor
3 representa o atraso
despolarização do
ventrículo direito.

Figura 14.2. Fonte: Arquivo interno.

107
Capítulo 14

vetor como uma deflexão positiva e ampla


(onda R’), enquanto uma derivação torácica
esquerda (por exemplo, V6) registrará uma
ampla deflexão negativa (onda S), conforme a onda S terminal profunda nas derivações
pode ser visto na fig. 14-2C. torácicas esquerdas representam o mesmo
No BRD a derivação V1 mostrará um complexo evento (vetor) visto de lados opostos do tórax
rSR’ com uma onda R’ ampla, enquanto a – imagens “em espelho”.
derivação V6 mostra um complexo do tipo Para fazer o diagnóstico de BRD, observe as
qRS com uma ampla onda S. A onda R alta derivações V1 e V6 em particular. A aparência
e larga nas derivações torácicas direitas e característica dos complexos QRS nestas
derivações torna o diagnóstico simples. A
figura 14-3 ajuda a ilustrar este raciocínio
anterior. Note também o registro do BRD na
derivação DI.

Bloqueio de
ramo direito.
À esquerda, em azul, está
o vetor que representa
o atraso de condução
no ventrículo direito. À
direita está o registro
eletrocardiográfico do
fenômeno nas derivações
DI, V1 e V6.

Figura 14.3. Fonte: Arquivo interno.

Em resumo, o processo de estimulação


ventricular no BRD pode ser dividido em
três fases. As duas primeiras fases são a
despolarização septal e ventricular esquerda
normal. A terceira fase é a estimulação
retardada do ventrículo direito. Estas fases
de estimulação ventricular com BRD são
representadas no ECG pelos complexos
trifásicos vistos nas derivações torácicas:
padrão rSR′ com uma onda R′ ampla em V1 e
padrão qRS com uma onda S ampla em V6.
Ocasionalmente pode não haver a presença
de onda S. Assim, a onda R pode não atingir
a linha de base. Consequentemente, o
complexo pode ter a aparência de uma
grande onda R entalhada.
As Figuras 14-4 e 14-5 são exemplos de BRD.

108
Capítulo 14

Bloqueio de
ramo direito.
Note o padrão típico
rSR’ em V1. O atraso de
condução no ventrículo
direito pode ser notado
também pela presença de
uma onda S entalhada em
DI e aVL, bem com uma
Figura 14.4. Fonte: Arquivo interno.
onda R entalhada em DIII
e V4.

Bloqueio de
ramo direito.
Note o padrão típico rR’ em
V1, sem a presença de onda
S nesta derivação. Note
também os entalhamentos
dos complexos QRS em
algumas derivações.

Figura 14.5. Fonte: Arquivo interno.

Você percebe algo anormal nos complexos


ST-T nos traçados das figuras 14-4 e 14-
5? Se você olhar com cuidado, verá que
as ondas T nas derivações do tórax direito
estão invertidas. Estas inversões nestas
derivações são um achado característico
no BRD, sendo denominadas alterações
BLOQUEIO DE RAMO DIREITO COMPLETO
secundárias da repolarização porque refletem E INCOMPLETO
apenas o atraso na estimulação ventricular.
Em contraste, as anormalidades primárias O BRD pode ser subdividido em completo
da onda T refletem uma mudança real na e incompleto, dependendo da largura do
repolarização, independentemente de haver complexo QRS. BRD completo é definido
ou não alterações do QRS. Anormalidades por um QRS de 0,12 segundos ou mais de
primárias da onda T são encontradas duração, além da presença dos padrões
na isquemia miocárdica, anormalidades rSR’ na derivação V1 e qRS em V6. O BRD
eletrolíticas como a hipocalemia e drogas incompleto mostra os mesmos padrões de
como digitálicos. QRS, mas não compromete a sua duração,
que permanece normal (inferior a 0,12 seg).

109
Capítulo 14

SIGNIFICADO CLÍNICO

Primeiramente, alguns indivíduos têm esse


achado sem nenhum distúrbio cardíaco
subjacente identificável. Entretanto, o BRD ou posterior esquerdo (duplo bloqueio) e
pode estar associado a cardiopatia orgânica. intervalo PR prolongado. Um novo BRD com
Pode ocorrer em qualquer condição que afete infarto agudo com supradesnivelamento
o lado direito do coração, incluindo defeito do segmento ST em parede anterior é um
do septo atrial com shunt sanguíneo, doença marcador de dano miocárdico extenso,
pulmonar crônica com hipertensão arterial frequentemente associado a insuficiência
pulmonar e lesões valvares como estenose cardíaca ou choque cardiogênico.
pulmonar, bem como cardiomiopatias
e doença coronariana. Em idosos, pode
estar relacionado a alterações crônico-
degenerativas no sistema de condução. Por si 2. BLOQUEIO DE RAMO ESQUERDO
só, BRD não requer tratamento específico. Ele

O
pode ser permanente ou transitório. Às vezes,
bloqueio de ramo esquerdo (BRE)
aparece apenas na presença de taquicardia
também produz um complexo QRS
(BRD relacionado à frequência), um achado
alargado, embora muito diferente
não diagnóstico.
daquele com BRD. A principal razão para essa
A embolia pulmonar, que produz sobrecarga
diferença é que o BRD afeta principalmente a
cardíaca aguda do lado direito, pode causar
fase terminal da ativação ventricular, enquanto
atraso na condução do ventrículo direito,
o BRE também afeta a fase inicial.
geralmente associado à taquicardia sinusal.
Lembre-se de que a primeira fase da
No entanto, em pacientes com infarto agudo
estimulação ventricular, a do septo, é iniciada
da parede anterior, um BRD novo pode indicar
pelo feixe septal do ramo esquerdo. O BRE
um risco aumentado de bloqueio cardíaco
altera esse padrão normal, e então o septo
completo, particularmente quando o BRD está
passa a se despolarizar no sentido inverso
associado a bloqueio de fascículos anterior
(da direita para a esquerda). Assim, a primeira
alteração produzida pelo BRE é uma perda da
onda r septal normal em V1 e da onda q septal
normal em V6 (Fig. 14-6A).

Bloqueio
de ramo
esquerdo.
À esquerda está ilustrada
a mudança de direção do
vetor septal (fig. 14.6A).
Note o alargamento
típico do QRS, produzindo
entalhamento na onda R de
V6 e na onda S de V1 (fig.
14.6B).

Figura 14.6. Fonte: Arquivo interno.

110
Capítulo 14

Da mesma forma que no bloqueio do ramo as derivações torácicas esquerdas; isto é,


direito, o tempo total de despolarização o septo se despolariza da direita para a
ventricular no BRE é prolongado, alargando esquerda e seu vetor acaba se somando ao
o complexo QRS. A derivação V6 mostra uma vetor da estimulação do ventrículo esquerdo
onda ampla e totalmente positiva (R) (Fig. predominante, alargando o complexo QRS.
14-6B). As derivações torácicas direitas (por Às vezes ocorre uma variação desse padrão:
exemplo, V1) registram um complexo QRS a derivação V1 pode mostrar um complexo rS
(QS) negativo porque o ventrículo esquerdo com uma onda r muito pequena e uma onda
ainda é eletricamente predominante com BRE S ampla. Isso sugere que o septo está sendo
e, portanto, produz voltagens maiores que o estimulado normalmente da esquerda para a
ventrículo direito. direita. No entanto, a derivação V6 mostra uma
Assim, no BRE todo o processo de onda R anormalmente ampla e entalhada sem
estimulação ventricular é orientado para uma onda q inicial (fig 14-7).

Bloqueio
de ramo
esquerdo.
Note o a onda S profunda
em V1, além de ondas R
alargadas e entalhadas em
DI e V6.

Figura 14.7. Fonte: Arquivo interno.

Com BRE, a onda QS na derivação V1 às vezes


mostra um pequeno entalhe em seu ponto,
dando à onda uma forma característica de
W. Da mesma forma, a onda R ampla na
derivação V6 pode mostrar um entalhe em
seu pico, dando-lhe uma forma M distinta. A
figura 14-8 ilustra um ECG com BRE.

ECG de 12
derivações
mostrando um padrão
típico de BRE. Note o
alargamento do complexo
QRS, com entalhamento
característico em algumas
derivações. Além disso há a
inversão da polaridade da
onda T em relação ao QRS.

Figura 14.8. Fonte: Arquivo interno.

111
Capítulo 14

Assim como as inversões da onda T


secundária ocorrem com BRD, elas também
ocorrem com BRE. Como mostra a Figura
14-8, as ondas T nas derivações com ondas
R altas (por exemplo, em V5 e V6) estão Em resumo, o diagnóstico de BRE pode ser
invertidas. No entanto, as inversões da onda feito simplesmente pela inspeção do QRS nas
T nas derivações precordiais direitas não derivações V1 e V6:
podem ser explicadas apenas com base no
BRE. Se presentes, essas inversões da onda T V1 geralmente mostra um complexo
refletem alguma anormalidade primária, como QS amplo e totalmente negativo
isquemia. (raramente, um complexo rS amplo).
V6 mostra uma onda R larga e alta
sem uma onda q.
A figura 14-9 ilustra de forma sumária a
diferença entre os bloqueios de ramo direito e
esquerdo.

Comparação
entre os
padrões de complexo QRS
nas derivações V1 e V6:
normal, bloqueio de ramo
direito (BRD) e bloqueio de
ramo esquerdo (BRE).

Figura 14.9. Fonte: Arquivo interno.

BRE COMPLETO E INCOMPLETO

Assim como o BRD, o BRE também pode ser


completo ou incompleto. No tipo completo, o
complexo QRS tem a morfologia característica
descrita anteriormente e duração prolongada
(0,12 segundos ou mais). Com BRE incompleto,
o QRS tem duração normal (entre 0,10 e 0,12
segundos).

112
Capítulo 14

SIGNIFICADO CLÍNICO

Ao contrário do BRD, que pode ser visto sem


doença cardíaca evidente, o BRE geralmente
é um sinal de doença cardíaca orgânica:
doença cardíaca hipertensiva de longa data, DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL DE
lesão valvar (por exemplo, calcificação do BLOQUEIOS DE RAMOS
anel mitral, estenose aórtica ou regurgitação
aórtica), cardiomiopatias e doença arterial Complexo QRS largo semelhante a bloqueio
coronariana. A maioria dos pacientes com de ramos pode ser visto em várias outras
BRE tem hipertrofia ventricular esquerda situações:
subjacente. Ritmos de marcapasso: A estimulação
Alterações degenerativas no sistema ventricular direita é funcionalmente
de condução podem levar ao BRE, semelhante ao BRE porque os
principalmente em idosos, assim como a ventrículos são ativados a partir do
cirurgia cardíaca. Muitas vezes, mais de eletrodo posicionado no ápice do
um fator contribuinte pode ser identificado ventrículo direito. Ver capítulo sobre
(por exemplo, hipertensão e doença arterial marcapassos.
coronariana).
O BRE, assim como o BRD, pode ser Hipertrofia ventricular esquerda
permanente ou transitório. Também pode (HVE): o espessamento da parede
aparecer apenas quando a frequência do VE retarda sua ativação e
cardíaca excede um determinado valor prolonga a duração do QRS mesmo
crítico (BRE dependente da frequência ou sem anormalidades de condução
aceleração). associadas. O padrão do QRS pode
Finalmente, o BRE pode não ser apenas um ser muito semelhante ao BRE,
marcador de doença cardíaca subjacente, incluindo aumento da voltagem
mas a perda da sincronia ventricular (síndrome do QRS e discordância da onda T
da dessincronia) que pode, por si só, piorar a secundária. No entanto, ao contrário
função cardíaca, especialmente naqueles com da HVE, o BRE é caracterizado por
doença cardíaca avançada. deflexão intrinsecoide prolongada
(tempo desde o início do QRS até o
pico da onda R nas derivações V5-
V6) para mais de 0,06 seg (1,5 mm).
PONTO CHAVE Frequentemente, o padrão de HVE
progride para BRE incompleto e
depois para BRE completo.
A pista mais útil para distinguir BRD de BRE é
o aspecto do complexo QRS na derivação V1. A pré-excitação ventricular
Com BRD, o último segmento do QRS será (síndrome de Wolff-Parkinson-White
sempre positivo. Com BRE, o último segmento [WPW]) pode criar padrões de ECG
(e geralmente o QRS inteiro) é negativo. semelhantes aos bloqueios de ramo.
A pré-excitação ventricular esquerda
produz uma onda R na derivação
V1 (o VD é ativado por último),
enquanto a pré-excitação ventricular
direita cria ondas S profundas em V1
semelhantes a aquela observada no

113
Capítulo 14

BRE porque neste caso o ventrículo


direito é ativado primeiro. A pista para
a presença de pré-excitação é um
intervalo PR curto e a inclinação lenta
da parte inicial do QRS (onda delta).
As arritmias ventriculares
(especialmente em frequências mais
lentas) podem ser muito semelhantes
aos bloqueios de ramo.

3. BLOQUEIO DE FASCÍCULOS (HEMIBLOQUEIOS)

O
ramo direito é uma via única e
consiste em apenas um feixe
principal, sem divisões. Por outro
lado, o sistema do ramo esquerdo é
subdividido em dois fascículos, um anterior e
um posterior. Assim, pode-se considerar este
sistema trifascicular de condução ventricular
bloqueios nos troncos dos ramos direito (BRD)
como uma “rodovia de três pistas”, uma pista
e esquerdo (BRE) já foram apresentados.
da direita e duas da esquerda (figura 14-10).
O que acontece se ocorrer um bloqueio
apenas em um fascículo do ramo esquerdo?
Um bloqueio de condução pode ocorrer em
Este tipo de bloqueio é chamado de
um único ponto ou em vários pontos nesse
hemibloqueio ou bloqueio fascicular.
sistema trifascicular. O padrão de ECG com
Diferente de um bloqueio de ramo (BRD
ou BRE), um hemibloqueio não alarga o
complexo QRS, mas modifica o seu eixo de
despolarização.

Sistema
trifascicular
de condução. Note que
o ramo direito não se
subdivide, enquanto o ramo
esquerdo se ramifica em
fascículos anterossuperior e
posteroinferior.

Figura 14.10. Fonte: Arquivo interno.

114
Capítulo 14

BLOQUEIO FASCICULAR ANTERIOR ESQUERDO

O bloqueio isolado (puro) da divisão


anterossuperior do ramo esquerdo (BDAS) anormalidade inespecífica muito comum.
é diagnosticado encontrando um eixo QRS Esse achado pode ser observado com
médio de -45° ou mais e uma largura QRS hipertensão, doença valvar aórtica, doença
inferior a 0,12 segundos. coronariana e envelhecimento e, às vezes,
Em geral, o achado de BDAS isolado é uma sem causa identificável. A figura 14-11 ilustra
um hemibloqueio anterior esquerdo.

Bloqueio do
fascículo
anterior esquerdo.

Note que o eixo do QRS


está significativamente
desviado para cima e
para a esquerda, mas sem
alteração na duração do
complexo QRS.

Figura 14.11. Fonte: Arquivo interno.

BLOQUEIO FASCICULAR POSTERIOR


ESQUERDO

O bloqueio da divisão posteroinferior do ramo


esquerdo (BDPS) isolado é diagnosticado ao
encontrar um eixo QRS médio de +120° ou
mais positivo, com uma largura QRS inferior a BLOQUEIOS BIFASCICULARES E
0,12 segundos. No entanto, o diagnóstico de TRIFASCICULARES
BDPS pode ser considerado somente após a
exclusão de outras causas mais comuns de O bloqueio bifascicular indica o bloqueio
desvio de eixo para a direita. Esses fatores de dois dos três fascículos. Por exemplo,
incluem hipertrofia ventricular direita, variante um bloqueio de ramo direito com bloqueio
normal, enfisema, infarto da parede lateral e fascicular anterior esquerdo (BRD + BDAS)
embolia pulmonar aguda (ou outras causas de produz um padrão de BRD, com alargamento
sobrecarga aguda do ventrículo direito). do QRS (discutido anteriormente) associado a
Embora o BDAS seja relativamente comum, um desvio importante do eixo do QRS para –
o BDPS isolado é muito raro. Trata-se de um 45º ou mais (fig. 14-12).
diagnóstico de exclusão.

115
Capítulo 14

Duplo
bloqueio:
bloqueio completo do
ramo direito + bloqueio do
fascículo anterior esquerdo.
Note o padrão de QRS largo
(rR’) em V1 e V2 associado
ao desvio de eixo do
QRS para cima e para a
esquerda.
Figura 14.12. Fonte: Arquivo interno.

Outro padrão de duplo bloqueio é o bloqueio


do ramo direito com bloqueio do fascículo
posteroinferior esquerdo (fig. 14-13), que
produz o padrão BRD já descrito associado a
Muitas pessoas assintomáticas têm ECGs
um desvio significativo do eixo do QRS para
semelhantes ao da figura 14-12, mostrando
baixo e para a direita (+120º ou mais), desde
BRD com desvio do eixo para a esquerda.
que outras causas de desvio de eixo para
Pacientes com bloqueio bifascicular crônico
direita, especialmente hipertrofia de ventrículo
desse tipo geralmente não precisam de
direito e infarto de parede lateral, sejam
marcapasso permanente, a menos que
excluídas.
desenvolvam bloqueio AV de segundo ou
Os bloqueios bifasciculares são
terceiro grau.
potencialmente significativos porque tornam
Como observado, o risco de bloqueio cardíaco
a condução ventricular dependente do único
completo em pacientes assintomáticos com
fascículo remanescente. Danos adicionais a
bloqueio bifascicular crônico é relativamente
este terceiro fascículo remanescente podem
baixo. Por outro lado, os pacientes com infarto
bloquear completamente a condução AV,
agudo do miocárdio anterior nos quais o
produzindo bloqueio cardíaco completo
bloqueio bifascicular ocorre repentinamente
(bloqueio trifascicular).
têm um prognóstico ruim devido à extensa
necrose miocárdica subjacente e correm
maior risco de desenvolver bloqueio cardíaco
completo abruptamente.

Duplo
bloqueio:
bloqueio completo do
ramo direito + bloqueio
do fascículo posterior
esquerdo. Note o padrão de
QRS largo (rR’) em V1 e V2
associado ao desvio de eixo
do QRS para baixo e para a
direita.
Figura 14.13. Fonte: Arquivo interno.

116
Capítulo 15

15 - Isquemia miocárdica. Parte I:


infarto com elevação do segmento ST e onda Q

INTRODUÇÃO

E
ste capítulo e o próximo abordam 1. ISQUEMIA MIOCÁRDICA
tópicos de extrema importância em

E
medicina clínica - o diagnóstico de Uma obstrução coronariana promove
isquemia e infarto agudo do miocárdio (IAM). limitação do fluxo sanguíneo
Termos e conceitos básicos são brevemente (isquemia) ao miocárdio, reduzindo
discutidos primeiro, bem como a sequência a oferta de oxigênio e nutrientes ao mesmo.
de eventos típicos envolvendo o IAM com Esta isquemia pode ser transitória, como na
supradesnivelamento do segmento ST angina pectoris relacionada ao esforço físico,
(IAMST) e no eletrocardiograma. O próximo mas se for mais grave e prolongada pode
capítulo discute a diversidade de padrões de induzir necrose (infarto) de uma porção do
ECG associados à isquemia sem elevação do músculo cardíaco.
segmento ST e infartos sem onda Q. Um diagrama simplificado do ventrículo
esquerdo é apresentado na figura 15-1.
Observe que o mesmo consiste em uma
camada externa (epicárdio) e uma camada
interna (endocárdio). Essa distinção é
importante porque a isquemia pode ser
limitada à camada interna ou pode afetar
praticamente toda a espessura da parede
ventricular (isquemia transmural).

Corte
transversal
do ventrículo esquerdo
mostrando a diferença entre
um infarto subendocárdico,
que envolve a metade
interna da parede
ventricular, e um infarto
transmural, que envolve
toda a espessura da parede.
De forma generalizada,
a presença de ondas Q
patológicas indica infarto
transmural, enquanto nos
infartos subendocárdicos
estas ondas estão ausentes.

Figura 15.1. Fonte: Arquivo interno.

117
Capítulo 15

2. SUPRIMENTO SANGUÍNEO DO
MIOCÁRDIO

O
suprimento sanguíneo cardíaco
é fornecido pelas três principais
artérias coronárias e seus ramos supre o septo ventricular e grande parte da
(fig. 15-2). A artéria coronária direita supre a parede livre (anterior) do ventrículo esquerdo,
porção inferior (diafragmática) do coração e a artéria coronária circunflexa, que supre
e o ventrículo direito. O tronco da artéria a parede lateral do ventrículo esquerdo.
coronária esquerda é curto e se divide em Este padrão de circulação pode ser variável.
artéria coronária descendente anterior, que Às vezes, por exemplo, a artéria circunflexa
também supre a porção inferoposterior do
ventrículo esquerdo.

As três
principais
artérias coronárias que
fornecem sangue ao
coração.

Figura 15.2. Fonte: Arquivo interno.

3. ELEVAÇÃO DO SEGMENTO ST NA
ISQUEMIA TRANSMURAL

O
IAM “transmural” é caracterizado
por isquemia que evolui
progressivamente para necrose
de uma porção da parede ventricular. A
fisiopatologia da maioria dos casos de IAMST
se relaciona à oclusão de uma das artérias
coronárias por uma placa aterosclerótica
rompida, seguida pela formação de um
coágulo neste local, obstruindo o fluxo
sanguíneo distalmente. O coágulo na “artéria
culpada” é composto de plaquetas e fibrina.
Outros fatores podem causar IAMST, como
por exemplo: abuso de cocaína, dissecções de

118
Capítulo 15

artérias coronárias (espontâneas ou induzidas


durante procedimentos intervencionistas) e
êmbolos coronarianos.
Infarto transmural produz alterações tanto parede anterior ocorrem elevações do
na despolarização quanto na repolarização segmento ST e ondas T hiperagudas altas em
miocárdica. As primeiras alterações uma ou mais derivações anteriores (V1 a V6) e
eletrocardiográficas ocorrem de forma derivações de extremidades (DI e aVL) (fig. 15-
sequencial no complexo ST-T. No IAM da 3). No IAM de parede inferior, tais alterações
ocorrem nas derivações DII, DIII e aVF (fig.
15-4).

A, Fase
aguda
de um infarto de parede
anterior: elevações do
segmento ST e novas ondas
Q. B, Fase em evolução:
inversões profundas
da onda T. C, Fase de
resolução: regressão
parcial ou completa das
alterações ST-T (e às vezes
Figura 15.3. Fonte: Arquivo interno.
das ondas Q). Em A, observe
as alterações recíprocas
(“imagens em espelho”)
de ST-T nas derivações
inferiores (II, III e aVF).

A, Fase
aguda
de um infarto do miocárdio
de parede inferior:
elevações do segmento ST
e novas ondas Q. B, Fase
em evolução: inversões
profundas da onda T.
C, Fase de resolução:
regressão parcial ou
completa das alterações
Figura 15.4. Fonte: Arquivo interno.
ST-T (e às vezes das ondas
Q). Em A, observe as
alterações recíprocas ST-T
nas derivações anteriores (I,
aVL, V2, V4).

119
Capítulo 15

Uma característica importante (mas nem


sempre presente) das alterações no segmento
ST-T é sua reciprocidade. As derivações
anterior e inferior tendem a apresentar
padrões inversos. Em um IAM anterior, as A elevação de ST do IAM é denominada
elevações de ST nas derivações anteriores corrente de lesão e indica dano à camada
(V1 a V6) e laterais (DI e aVL) serão vistas epicárdica (externa) do miocárdio. As razões
como depressões deste segmento nas exatas pelas quais o infarto produz elevação
derivações inferiores (DII, DIII e aVF). Por outro de ST são complexas e não totalmente
lado, o supradesnivelmento de ST em um compreendidas. Normalmente o segmento
infarto da parede inferior (DII, III e aVF) terá ST é isoelétrico (nem positivo nem negativo)
depressões recíprocas de ST nas derivações porque nenhum fluxo de corrente iônica
anteriores (V1 a V3) e/ou laterais (DI e aVL). ocorre neste intervalo. O infarto altera a
Estas reciprocidades são popularmente carga elétrica nas membranas das células
denominadas “imagens em espelho” e podem miocárdicas, alterando o fluxo de íons
ser visualizadas nas figuras 15-3 e 15-4. (corrente de lesão), comprometendo o padrão
do segmento ST.
A elevação de ST no infarto pode ter
diferentes aparências (fig. 15-5): em forma de
platô, de cúpula ou oblíqua.

Formas
variáveis
de elevações do segmento
ST observadas com infartos
agudos do miocárdio.

Figura 15.5. Fonte: Arquivo interno.


As elevações do segmento ST (e suas
“imagens espelhadas”) são os primeiros
sinais de infarto no ECG e geralmente
são observados minutos após a oclusão
coronariana. Ondas T altas e positivas
(hiperagudas) também podem ser vistas nesse
momento (figs. 15-6 e 15-7). Essas ondas T têm
o mesmo significado que as elevações de ST
e, em alguns casos, atém mesmo precedem
as elevações de ST.

120
Capítulo 15

IAM com
supradesnivelamento do
segmento ST na parede
anterior. A: Na fase inicial,
ondas T altas e positivas
(hiperagudas) são vistas em
V2 a V5. B: Após algumas
horas, elevação acentuada
do segmento ST (corrente
da lesão) nas mesmas
derivações e ondas Q
anormais em V1 e V2.

Figura 15.6. Fonte: Arquivo interno.

IAMST na
parede
anterior com ondas T
hiperagudas em V2 a V5. Há
ainda discreta elevação do
segmento ST em aVL. Note
Figura 15.7. Fonte: Arquivo interno.
as depressões recíprocas
de ST em DII, DIII e aVF e a
extrassístole atrial (ESA) em
V4.derivações e ondas Q
anormais em V1 e V2.

Foram propostas diretrizes para avaliar se


as elevações do segmento ST (e do ponto J)
são devidas à isquemia aguda. No entanto, período de observação do paciente. Assim,
critérios rigorosos são limitados por causa de ECGs seriados (em intervalos de 5 a 10
falso-positivos (exemplo: variantes normais, minutos) devem ser realizados.
hipertrofia ventricular esquerda, etc.) e falso- Após um intervalo de tempo variável (horas
negativos (exemplo: positividade da onda T a alguns dias), os segmentos ST elevados
pode preceder elevações de ST ou elevações começam a retornar à linha de base. Ao
de ST podem ser menores que 1-2mm). mesmo tempo, as ondas T se invertem nas
Deve-se estar ciente de que as alterações derivações que anteriormente apresentavam
de ST na isquemia podem evoluir durante o segmentos ST elevados. Essa fase de
inversões da onda T é chamada de fase
evolutiva do infarto. Essas inversões de onda T
são ilustradas nas figuras 15-3 e 15-4.

121
Capítulo 15

4. ALTERAÇÕES DO QRS NO INFARTO


AGUDO DO MIOCÁRDIO

O
IAM, particularmente quando
transmural, além de produzir
levam a ondas Q, e nem todos os infartos
alterações na repolarização
de ondas Q se correlacionam com necrose
(segmento ST-T) muitas vezes também produz
transmural.
alterações na despolarização, modificando
Em resumo, ondas Q anormais são
o complexo QRS. O sinal característico é o
marcadores característicos de infarto
aparecimento de novas ondas Q.
(necrose). Elas significam a perda de voltagens
Lembre-se de que uma onda Q é
elétricas positivas causadas pela morte do
simplesmente uma deflexão negativa inicial
músculo cardíaco. Novas ondas Q de um IAM
no complexo QRS. Se todo o QRS for negativo,
geralmente aparecem no primeiro dia do
então ele é denominado complexo QS.
infarto.
Uma onda Q em qualquer derivação
indica que o vetor de despolarização está
direcionado para longe (o vetor “foge”)
daquela derivação específica. No infarto, o 5. LOCALIZAÇÃO DE INFARTOS
resultado de uma necrose na parede muscular NO ECG
é uma região que não se despolariza, ou seja,

O
tem-se uma “área eletricamente inativa”.
Como já mencionado, os infartos
Assim, em vez de ondas positivas (R) sobre a
podem afetar as paredes anterior,
área infartada, ondas Q são registradas (um
lateral, inferior e posterior do
complexo QR ou QS).
ventrículo esquerdo, bem como o ventrículo
Mas cuidado ao interpretar estes significados!
direito. Pode haver ainda uma combinação
A tendência de equiparar ondas Q patológicas
de padrões, como por exemplo o infarto de
com necrose transmural é uma simplificação
paredes inferior e posterior (IAM inferodorsal)
excessiva. Nem todos os infartos transmurais
ou de paredes lateral e posterior (IAM
laterodorsal). Os infartos anteriores podem
ainda ser classificados em anterosseptal,
estritamente anterior ou anterolateral/
anteroapical, dependendo das derivações que
mostram sinais de isquemia (figs. 15-8 a 15-10).

IAMST na
parede
anterior. Os complexos QS
em V1 e V2 indicam infarto
anterosseptal. A seta (em V2)
indica um entalhe típico do
complexo QS visto no infarto.
Além disso, as inversões
difusas da onda T em DI, aVL
e V2 a V5 indicam isquemia
da parede anterior ou infarto
sem onda Q.
Figura 15.8. Fonte: Arquivo interno.

122
Capítulo 15

IAMST na
parede
anterior em evolução. O
paciente sofreu o infarto 1
semana antes. Há ondas Q Figura 15.9. Fonte: Arquivo interno.
anormais (DI, aVL e V2 a V5)
com discretas elevações
de ST e inversões da onda
T. O desvio acentuado do
eixo do QRS para esquerda
é resultante de bloqueio
fascicular anterior esquerdo.

Infarto
anterolateral
extenso. O infarto ocorreu
1 semana antes. Observe a
má progressão da onda R
de V1 a V5 com ondas Q nas
Figura 15.10. Fonte: Arquivo interno.
derivações DI e aVL. As ondas
T são ligeiramente invertidas
nestas derivações. Neste ECG,
o desvio do eixo para a direita
é resultado da perda das
forças da parede lateral, com
ondas Q vistas em DI e aVL.

5.1 INFARTO DA PAREDE ANTERIOR


Lembre-se de que normalmente a altura
da onda R aumenta progressivamente à
medida que você se move da derivação
V1 para a derivação V6. A característica de 5.2 INFARTO ANTEROSSEPTAL
um infarto da parede anterior é a perda
desta progressão normal da onda R nestas Lembre-se que o septo interventricular é
derivações, bem como o surgimento de despolarizado da esquerda para a direita
novas ondas Q patológicas em uma ou mais e que as derivações V1 e V2 apresentam
derivações torácicas. Na prática clínica, pequenas ondas positivas (ondas r septais).
os cardiologistas subdividem os IAMs Agora considere o efeito de danificar o septo.
anteriores em subconjuntos, dependendo das Com isso, as voltagens de despolarização
derivações que mostram as ondas Q. Essas septal são perdidas, não se produzindo
localizações eletrocardiográficas ECG podem ondas r nestas derivações e um complexo
não corresponder exatamente aos achados de totalmente negativo (QS) aparece. O
imagem ou post mortem. suprimento sanguíneo do septo é feito pela
artéria coronária descendente anterior.
Portanto, o infarto septal sugere a oclusão
desta artéria ou um de seus ramos.

123
Capítulo 15

5.3 INFARTO ANTERIOR “ESTRITO”


Normalmente as derivações V3 e V4
mostram complexos do tipo RS ou Rs.
Se ocorrer um infarto na parede anterior
do ventrículo esquerdo, as ondas R que
refletem a despolarização desta área são DIFERENCIANDO OS INFARTOS DA
perdidas, produzindo ondas Q (como parte de PAREDE ANTERIOR: ADVERTÊNCIAS
complexos QS ou QR) nestas derivações. Um
infarto anterior “estrito” geralmente resulta Como observado, a classificação dos infartos
da oclusão da artéria coronária descendente anteriores não é absoluta, e os subtipos muitas
anterior. vezes se sobrepõem. Para evitar ambiguidade,
você pode simplesmente descrever “infarto
de parede anterior” referindo-se a qualquer
infarto que mostre alterações de ECG em
5.4 INFARTO ANTEROLATERAL OU uma ou mais derivações I, aVL e V1 a V6 e,
ANTEROAPICAL em seguida, especificando as derivações
que mostram as ondas Q e mudanças no
Um infarto da parede anterolateral ou segmento ST-T.
apical do ventrículo esquerdo produz ondas Os infartos anteriores associados a grandes
Q anormais (complexos QS ou QR) nas ondas Q nas derivações V1 a V5 ou V6
derivações torácicas laterais V5 e V6 (fig. 15-7). geralmente representam dano extenso e
Estes infartos são frequentemente causados função ventricular esquerda significativamente
por oclusão da artéria coronária circunflexa reduzida.
esquerda, mas também podem resultar de
oclusão da coronária descendente anterior ou
mesmo de um ramo de uma artéria coronária
direita dominante.
Elevações do segmento ST e ondas Q 5.5 INFARTO DA PAREDE INFERIOR
patológicas localizadas nas derivações I e
aVL são frequentemente atribuídas a um IAM O IAM da porção inferior (diafragmática) do
“lateral alto”. A “artéria culpada” nesses casos ventrículo esquerdo é indicado por alterações
é geralmente um ramo diagonal da coronária nas derivações II, III e aVF (figs. 15-11 a 15-13).
descendente anterior ou ramo da coronária Assim, eles registram as voltagens da porção
circunflexa. inferior do ventrículo. Um infarto de parede
inferior pode produzir ondas Q anormais nas
derivações II, III e aVF. Esse tipo de infarto
geralmente é causado por oclusão da artéria
coronária direita. Menos comumente ocorre
por causa de uma obstrução coronária
circunflexa esquerda.

124
Capítulo 15

IAMST da
parede
inferolateral. Observe as
elevações de ST em DII, DIII
e aVF e, mais sutilmente,
em V5 e V6. As depressões
recíprocas de ST estão em
DI, aVL, V1 e V2. Este último
achado pode ser recíproco à
isquemia lateral ou posterior.

Figura 15.11. Fonte: Usado com permissão de Nathanson LA, McClennen S, Safran C, Goldberger AL: ECG
Wave-Maven: Self-Assessment Program for Students and Clinicians. http://ecg.bidmc.harvard.edu.

IAM da
parede
inferior.
Este paciente sofreu um
infarto do miocárdio 1 mês
antes. Observe as ondas Q Figura 15.12. Fonte: Arquivo interno.

e as inversões simétricas
da onda T em DII, DIII e aVF,
além do achatamento da
onda T na derivação V6.
Após o infarto, as ondas Q e
as alterações ST-T podem
persistir indefinidamente ou
podem se resolver parcial ou
completamente.

Infarto antigo
(há 1 ano) da parede
inferior. Observe as ondas
Q proeminentes em DII, DIII
e aVF. As alterações ST-T
essencialmente voltaram ao
normal.

Figura 15.13. Fonte: Arquivo interno.

125
Capítulo 15

5.6 INFARTO DA PAREDE POSTERIOR


Os infartos podem ocorrer na superfície
posterior do ventrículo esquerdo. Esses
infartos podem ser difíceis de diagnosticar
porque elevações anormais de ST
características podem não aparecer em
nenhuma das 12 derivações convencionais.
Em vez disso, ondas R altas e depressões
de ST podem ocorrer nas derivações V1
e V2 (imagens recíprocas de ondas Q e
elevações do segmento ST que seriam
registradas na parte posterior do coração).
Dito em outras palavras, um infarto com
supradesnivelamento do segmento ST e
ondas Q na parede posterior é suspeitado
quando se visualiza o “espelho” destes
Veja no capítulo 4 a descrição do correto
achados nas derivações V1 e V2 (fig. 15-14).
posicionamento dos eletrodos para realizar
Para o correto diagnóstico é necessário
estas derivações.
realizar derivações que visualizam a parede
Na maioria dos casos de IAM posterior, o
posterior do ventrículo esquerdo: V7 (na linha
infarto se estende para a parede lateral do
axilar posterior) e V8 (região infra-escapular).
ventrículo esquerdo, produzindo alterações
em V6, ou para a parede inferior desse
ventrículo, produzindo alterações em DII, DIII e
aVF (fig. 15-14). Devido à sobreposição entre os
infartos inferior, lateral e posterior, os termos
gerais “inferoposterior” ou “posterolateral”
são usados, dependendo de quais derivações
estão envolvidas.

IAM posterior.
Observe as ondas R altas em
V1 e V2. Este paciente tem
um infarto prévio da parede
inferior (ondas Q em DII,
DIII, aVF) e provavelmente
também um infarto lateral
(inversões da onda T em
V4 a V6). Observe também
as ondas T positivas e
reciprocamente altas nas
derivações precordiais
anteriores V1 e V2.
Figura 15.14. Fonte: de Goldberger AL: Infarto do Miocárdio: Diagnóstico Diferencial
Eletrocardiográfico, 4ª ed. St. Louis, Mosby, 1991.

126
Capítulo 15

5.7 INFARTO DO VENTRÍCULO DIREITO


Estudos clínicos e de autópsia mostram
infarto do ventrículo direito (VD) é encontrado
em até 25% dos casos de IAM inferoposterior, coração. Se o dano ao VD for grave, pode
mas não em casos de IAM da parede anterior. haver hipotensão e choque cardiogênico.
Clinicamente, os pacientes com infarto Distúrbios de condução atrioventricular
de VD podem ter pressão venosa central também são comuns neste cenário. Muitos
elevada (turgência de veias jugulares) devido desses pacientes também apresentam
às pressões de enchimento diastólicas elevações do segmento ST em derivações
anormalmente altas no lado direito do que refletem o ventrículo direito, como V1 e
V3R a V5R, conforme mostrado na figura 15-15.

Isquemia do
ventrículo
direito em paciente com IAM
da parede inferior. As ondas
Q e elevações do segmento
ST em DII, DIII e aVF são
acompanhadas por elevações
de ST (setas) nas derivações
precordiais direitas (V1 e
V3R). As alterações ST-T
na derivação V6 indicam
isquemia da parede lateral.
Figura 15.15. Fonte: Goldberger AL: Infarto do Miocárdio: Diagnóstico Diferencial As depressões do segmento
Eletrocardiográfico, 4ª ed. St. Louis, Mosby, 1991. ST em DI e aVL são recíprocas
às elevações do segmento ST
inferiores.

6. SEQUÊNCIA CLÁSSICA DE
MUDANÇAS ST-T E ONDAS Q
NO IAMST

A
té este ponto, as alterações de
despolarização ventricular (complexo
QRS) e repolarização (complexo ST-
T) produzidas por um IAM foram discutidas
separadamente. Conforme mostrado
nas figuras 15-4 e 15-5, essas mudanças
geralmente ocorrem sequencialmente.
Ordinariamente, o primeiro sinal de isquemia
transmural é a elevação do segmento ST
com suas depressões recíprocas (“imagens
em espelho”). As elevações de ST (correntes
de lesão) persistem por horas a dias.

127
Capítulo 15

Durante esse período, as ondas Q começam


a aparecer nas mesmas derivações que
mostram elevações de ST. Uma vez que essas
mudanças tenham ocorrido, os segmentos ST
Ondas q septais normais são estreitas (menos
começam a retornar à linha de base isoelétrica
de 0,04 seg de duração) e de baixa amplitude
e as ondas T se invertem.
(inferior a 1/3 da altura da onda R do seu
Nas semanas ou meses após o infarto, pode-
complexo QRS correspondente).
se prever as próximas alterações. Na maioria
Um complexo QS grande pode ser uma
dos casos, as ondas Q anormais persistem por
variante normal na derivação V1 e raramente
meses e até anos após o infarto, como uma
em V1 e V2. No entanto, ondas QS nessas
cicatriz permanente. Ocasionalmente as ondas
derivações podem ser a única evidência de
Q anormais diminuem de tamanho e até
um IAM do septo anterior. Um complexo QS
desaparecem. Também as inversões anormais
resultante de um infarto às vezes mostra
da onda T podem persistir indefinidamente;
um “entalhe” à medida que desce (fig. 15-
em outros casos ocorre melhora, mas
9). Outros critérios para diferenciar ondas Q
pequenas anormalidades inespecíficas de ST-
normais de anormais nessas derivações estão
T, como leve achatamento da onda T, podem
além do escopo deste livro.
persistir (veja figuras 15-4 e 15-5).
Deve-se sempre lembrar que a correta
interpretação do ECG deve levar em
consideração o contexto clínico. Uma onda
Q terá valor preditivo positivo quando se
7. ONDAS Q NORMAIS E ANORMAIS: tratar de um paciente hipertenso ou com
UMA BREVE VISÃO GERAL outras comorbidades e que chega à sala de

A
emergência com queixa de dor precordial
Um problema diagnóstico típica. Mas terá um baixo valor preditivo
frequentemente encontrado é decidir se o paciente é um jovem de 25 anos, sem
se as ondas Q são anormais. Nem comorbidades, e que realiza um ECG de rotina
todas as ondas Q são indicadores de infarto. como exame admissional.
Por exemplo, uma onda Q é normalmente
vista em aVR. Além disso, pequenas ondas
q “septais” são normalmente vistas nas
derivações torácicas esquerdas (V4 a V6) e em 8. ANEURISMA VENTRICULAR

A
uma ou mais das derivações DI, aVL, DII, DIII
e aVF. Lembre-se do Capítulo 4 o significado Após um infarto extenso, pode-se
dessas ondas q septais. O septo ventricular desenvolver um aneurisma ventricular,
despolariza da esquerda para a direita. As que é uma porção gravemente
derivações torácicas esquerdas registram cicatrizada do miocárdio ventricular infartado
essa dispersão de voltagens para a direita que não se contrai normalmente. Em vez
como uma pequena deflexão negativa (onda disso, durante a sístole ventricular, a porção
q) que faz parte de um complexo qR no qual a aneurismática se projeta para fora enquanto
onda R representa a despolarização da maior o restante do ventrículo está se contraindo.
massa de músculo ventricular. O aneurisma ventricular pode ocorrer na
Essas ondas q septais normais devem ser superfície anterior ou inferior do coração.
diferenciadas das ondas Q patológicas do Pacientes com aneurisma ventricular
infarto. frequentemente apresentam elevações
persistentes (semanas ou meses) do
segmento ST após um infarto (fig. 15.16). No
entanto, a ausência de elevações persistentes
do segmento ST não exclui a possibilidade de
um aneurisma.

128
Capítulo 15

Aneurisma de
parede
anterior do ventrículo
esquerdo em paciente
que teve um infarto há 5
meses. Observe as ondas
Figura 15.16. Fonte: arquivo interno. Q proeminentes em V1 a
V3 e aVL, as elevações
persistentes de ST nessas
derivações e suas depressões
recíprocas nas derivações
inferiores (DII, DIII e aVF).

Os aneurismas ventriculares podem levar


à insuficiência cardíaca congestiva e
estar associados a arritmias ventriculares
graves. Um trombo pode se formar em um
aneurisma e se romper, resultando em um
acidente vascular cerebral ou alguma outra
complicação embólica.

9. COMO RECONHECER UM IAM NA PRESENÇA DE BLOQUEIO DE RAMO DIREITO?

O
diagnóstico de infarto pode ser feito
com relativa facilidade na presença
de bloqueio de ramo direito (BRD).
Lembre-se de que BRD afeta principalmente
a fase terminal da despolarização ventricular,
produzindo uma onda R′ alta nas derivações
torácicas direitas e uma onda S profunda nas ventricular, produzindo ondas Q anormais.
derivações torácicas esquerdas. Quando BRD e um infarto ocorrem juntos, uma
O infarto afeta a fase inicial da despolarização combinação desses padrões é observada: o
complexo QRS é anormalmente largo (0,12 s
ou mais) como resultado do bloqueio de ramo,
a derivação V1 mostra uma deflexão terminal
positiva e a derivação V6 mostra uma onda S
profunda.
Se o infarto for anterior, o ECG mostra uma
perda da progressão da onda R com ondas
Q anormais na região anterior e alterações
características de ST-T. Se o infarto for inferior,
ondas Q patológicas e alterações ST-T são
vistas em DII, DIII e aVF. Um infarto da parede
anterior com um BRD é mostrado na figura
15-17.

129
Capítulo 15

IAM com
elevação
em parede anterior e bloqueio
de ramo direito (BRD). Os
complexos QRS largos com
ondas R terminais altas em V1
e V2 indicam o BRD. O padrão
concomitante de IAM anterior
é indicado pelas elevações
de ST em V1 a V4 (também
discretamente em DI e aVL) e
ondas Q em V1 a V3. Depressões
recíprocas do segmento ST
são vistas nas derivações dos Figura 15.17. Fonte: Usado com permissão de Nathanson LA, McClennen S, Safran C, Goldberger AL: ECG
Wave-Maven: Self-Assessment Program for Students and Clinicians. http://ecg.bidmc.harvard.edu.
membros inferiores.

10. BLOQUEIO DE RAMO ESQUERDO COM INFARTO DO MIOCÁRDIO

O
diagnóstico de BRE na presença
de IAM é consideravelmente mais
complicado e confuso do que o de
BRD. A razão é que o BRE interrompe tanto a
fase precoce quanto a tardia da estimulação
ventricular e também produz alterações
secundárias de ST-T. complicado são vistas nas derivações V4 a V6
Como regra geral, o BRE oculta o diagnóstico (com ondas R proeminentes). O aparecimento
de infarto. Assim, um paciente com padrão de inversões da onda T nas derivações V1
de BRE crônico que desenvolve um infarto a V3 (com ondas S proeminentes) é uma
agudo do miocárdio pode não apresentar as anormalidade primária que não pode ser
alterações características do infarto. atribuída ao próprio bloqueio de ramo (fig. 15-
Ocasionalmente, pacientes com BRE 18).
manifestam alterações ST-T primárias O problema do diagnóstico de infarto com
indicativas de isquemia ou infarto real. As BRE é ainda mais complicado pelo fato de que
inversões da onda T secundária do BRE não o padrão BRE tem várias características que se
assemelham àquelas observadas no infarto.
Assim, um padrão BRE pode imitar um padrão
de infarto. Um BRE geralmente mostra uma
progressão lenta da onda R nas derivações
torácicas devido à maneira reversa como o
septo ventricular é ativado (ou seja, da direita
para a esquerda, o oposto do que acontece
normalmente). Consequentemente, com BRE,

130
Capítulo 16

uma perda das ondas R septais normais é


observada nas derivações torácicas direitas.
torácica típica e sugestiva de infarto agudo
Essa perda da progressão normal da onda R
do miocárdio e cujo ECG mostre bloqueio
simula o padrão observado com um infarto da
de ramo esquerdo deve ser considerado
parede anterior.
como alto risco e deva ser tratado seguindo
A American Heart Association recomenda que
as mesmas recomendações de infarto com
pacientes que apresentam quadro de dor
supradesnivelamento do segmento ST.

A. Padrão
típico de
bloqueio
de ramo esquerdo (BRE).
Observe a progressão lenta
da onda R nas derivações
precordiais direitas e a
discordância dos vetores
QRS e ST-T refletida pelas
elevações do segmento ST
nas derivações precordiais
direitas e as depressões
ST com inversões da
onda T nas derivações
Figura 15.18. Fonte: arquivo interno.
precordiais esquerdas. B.
Subsequentemente, o ECG
deste paciente mostrou
o desenvolvimento de
inversões primárias da onda T
nas derivações V1 a V3 (setas)
causadas por isquemia da
parede anterior e provável
infarto.

16 - Isquemia miocárdica. Parte II:


síndromes sem elevação do segmento ST e não-Q
INTRODUÇÃO

N
o capítulo anterior foi abordado o sem infarto real) pode estar limitada ao
infarto agudo do miocárdio (IAM) subendocárdio (camada interna) do ventrículo,
associado à elevação do segmento estando associada a infradesnivelamentos ao
ST, à presença de ondas Q anormais e invés de supradesnivelamentos do segmento
inversão da onda T. Entretanto, em muitos ST.
casos a isquemia miocárdica (com ou

131
Capítulo 16

1. ISQUEMIA SUBENDOCÁRDICA

C
omo pode ocorrer isquemia
subendocárdica sem isquemia
transmural ou infarto?
Lembre-se que a isquemia transmural de isquemia é a depressão do segmento ST
produz elevação do segmento ST, uma na parede acometida. Conforme mostrado
corrente de padrão de lesão. Isso resulta na figura 16-1, este infradesnivelamento
de lesão epicárdica. O subendocárdio é tem um formato quadrado característico.
particularmente vulnerável à isquemia porque A derivação aVR, ao contrário, mostrará um
está mais distante do suprimento sanguíneo supradesnivelamento de ST (“imagem em
coronariano e mais próximo da alta pressão da espelho”).
cavidade ventricular. Essa camada interna do Em resumo, a isquemia miocárdica
ventrículo pode se tornar isquêmica enquanto envolvendo o subendocárdio geralmente
a camada externa (epicárdio) permanece produz infradesnivelamento do segmento
perfundida com sangue. ST, enquanto a isquemia aguda envolvendo o
A alteração mais comum no ECG neste padrão epicárdio produz supradesnivelamento deste
segmento. Essa diferença se reflete na direção
da corrente de lesão entre as duas síndromes;
modificando o sentido do vetor (figura 16-2).

A isquemia
subendocárdica pode
produzir depressões do
segmento ST.

Figura 16.1. Fonte: arquivo interno.

Na isquemia
subendocárdica, as forças
elétricas (setas) responsáveis
pelo segmento ST são
desviadas em direção à
camada interna do coração,
causando depressão de ST
na derivação V5, que está
voltada para a superfície
externa do coração. B:
Na isquemia transmural
(epicárdica), as forças
elétricas (setas) responsáveis
Figura 16.2. Fonte: arquivo interno.
pelo segmento ST são
desviadas em direção à
camada externa do coração,
causando elevações de ST na
derivação sobrejacente.

132
Capítulo 16

Angina Pectoris: alterações no ECG

O termo angina pectoris refere-se a ataques


transitórios de desconforto torácico causados
por isquemia miocárdica. É tipicamente (infradesnivelamento de ST) durante um
precipitada por esforço, estresse e outros ataque. Quando a dor desaparece, os
fatores, e é aliviada por repouso. segmentos ST retornam à linha de base (fig.
Muitos pacientes com angina clássica têm um 16-3).
padrão de ECG de isquemia subendocárdica Alguns pacientes com angina não apresentam
infradesnivelamento do segmento ST durante
a dor torácica. Portanto, um ECG normal não
exclui doença arterial coronariana subjacente.

Depressões
do segmento
ST na derivação V4 do ECG
de um paciente com dor
torácica durante o exame.
B: ECG com retorno do
segmento ST à linha de
base após administração de
nitroglicerina sublingual.
Figura 16.3. Fonte: arquivo interno.

Teste de esforço e doença arterial


coronariana

Muitos pacientes com doença arterial


coronariana têm um ECG normal em repouso.
Durante o exercício, entretanto, podem o paciente desenvolve angina, fadiga ou
ocorrer alterações isquêmicas devido às alterações diagnósticas de ST ou quando a
necessidades extras de oxigênio. Para auxiliar frequência cardíaca atinge 85% a 90% de uma
no diagnóstico de doença arterial coronariana, frequência máxima predeterminada prevista
pode-se registrar o ECG enquanto o paciente para a idade do paciente. Essa abordagem é
está sendo exercitado sob condições conhecida como teste submáximo. A figura
controladas, em uma esteira ou uma bicicleta 16-4 ilustra o caso de um paciente submetido
ergométrica. O teste é interrompido quando ao teste de esforço com aparecimento de
infradesnivelamento do segmento ST.
A maioria dos cardiologistas aceita como
um resultado de teste positivo depressão
do segmento ST, com formato horizontal ou

133
Capítulo 16

descendente, de pelo menos 1 mm, com


duração de pelo menos 0,08 segundo (fig.
16-4B). Depressões de ST menores que 1
mm e com o formato de uma inclinação
ascendente são consideradas respostas de
teste ergométrico negativo (normal) (fig. 16-5).

Teste de
esforço
de um paciente com doença
arterial coronariana. A: ECG
em repouso. B: Depressões
de ST durante o esforço físico.

Figura 16.4. Fonte: arquivo interno.

A derivação
V5 mostra
depressão fisiológica
do segmento ST que
pode ocorrer com o
exercício. Observe a
depressão da junção J
(seta) com segmentos ST
acentuadamente inclinados Figura 16.5. Fonte: arquivo interno.
para cima. (De Goldberger
AL: Infarto do Miocárdio:
Diagnóstico Diferencial
Eletrocardiográfico, 4ª ed. St.
Louis, Mosby, 1991.)

O achado de alterações isquêmicas


proeminentes de ST, com ou sem sintomas,
ocorrendo em nível baixo de esforço físico é No entanto, como todos os testes, pode
particularmente ameaçador. Às vezes, essas apresentar resultados falso-positivos e
alterações estarão associadas a uma queda falso-negativos. Até 10% de indivíduos sem
na pressão arterial. Esses achados podem evidência de obstruções coronarianas podem
indicar doença coronária triarterial grave e, às ter testes de esforço falso-positivos, ou seja,
vezes, obstrução de alto grau do tronco da com infradesnivelamento do segmento ST
artéria coronária esquerda. sem doença coronariana obstrutiva.
A eletrocardiografia de esforço é bastante útil Por outro lado, testes falso-negativos podem
no diagnóstico de doença arterial coronariana. ocorrer apesar da presença de doença arterial
coronariana subjacente. Portanto, um teste de
esforço normal (“negativo”) não exclui doença
arterial coronariana.

134
Capítulo 16

2. INFARTO SUBENDOCÁRDICO

S
e a isquemia na região
subendocárdica for suficientemente
miocárdio estiver infartada, as ondas Q
grave, pode ocorrer um infarto real.
anormais geralmente não aparecem. Isso
Nesses casos, o ECG mostrará depressões do
porque o infarto subendocárdico geralmente
segmento ST mais persistentes em vez das
afeta a repolarização ventricular (complexo
depressões transitórias típicas.
ST-T), mas não a despolarização (complexo
A figura 16-6 mostra um exemplo de infarto
QRS). No entanto, conforme será discutido no
não-Q com depressões persistentes de ST.
final deste capítulo, exceções podem ocorrer,
É possível que ondas Q apareçam no infarto
e os chamados “infartos não transmurais”
subendocárdico puro?
podem estar associados a ondas Q.
Resposta: se apenas a metade interna do
Outro padrão de ECG às vezes visto no infarto
não-Q é o de inversões da onda T, com ou
sem depressões de ST (fig. 16-7)

Infarto não-Q
em paciente com queixa de
dor torácica intensa. Observe
as depressões difusas de ST
em DI, DII, DIII, aVL, aVF e V2
a V6, além da elevação de ST
em aVR. Esses achados são
consistentes com isquemia
subendocárdica grave.

Figura 16.6. Fonte: arquivo interno.

Infarto não-Q
em um paciente com dor
torácica típica e com níveis
elevados de troponina
sérica. Observe as inversões
profundas da onda T em
DI, aVL e V2 a V6. As ondas
Q proeminentes em DIII e
aVF representam um infarto
Figura 16.7. Fonte: arquivo interno. antigo da parede inferior.

135
Capítulo 16

3. VARIEDADE DE ALTERAÇÕES DE ECG


VISTAS NA ISQUEMIA MIOCÁRDICA

A
isquemia miocárdica pode produzir
variadas alterações no ECG. Por
exemplo, o infarto pode causar
ondas Q anormais associadas a elevações
de ST e inversões da onda T. O aneurisma
ventricular pode estar associado a elevações
persistentes do segmento ST. A isquemia
subendocárdica durante uma crise de angina
pode produzir depressões transitórias do
segmento ST. Em outros casos, o infarto
pode estar associado a depressões de ST ou
inversões de onda T, mas sem ondas Q.

Alterações eletrocardiográficas associadas à


isquemia sem infarto

A isquemia miocárdica nem sempre causa


alterações diagnósticas de ST-T. Em alguns
pacientes, o ECG pode permanecer normal dor torácica há supradesnivelamento do
durante episódios de isquemia. Em outros, segmento ST, um padrão de IAM transmural
pode haver apenas um leve achatamento da agudo. No entanto, estas elevações de ST são
onda T ou inversões mínimas da onda T. Estas transitórias, retornando à linha de base, e sem
são alterações inespecíficas de ST-T, que o padrão evolutivo característico das ondas
podem ser anormais, mas não são indicadores Q e inversões da onda T que ocorrem com o
definitivos de isquemia e podem ser causadas infarto real.
por muitas outras condições, como efeitos Assim, esta angina é atípica porque o ECG
de drogas, hiperventilação e anormalidades mostra elevação, ao invés de depressão,
eletrolíticas. do segmento ST durante o episódio de
A angina de Prinzmetal é outra forma de dor precordial. Além disso, a precordialgia
isquemia sem infarto. Trata-se de uma forma geralmente ocorre em repouso ou à noite.
atípica (variante) de angina, relatada pela Este padrão de angina é significativo porque é
primeira vez pelo Dr. Myron Prinzmetal. Ela um marcador de espasmo de artéria coronária
é atípica porque durante os episódios de que causa isquemia transmural transitória.
Esses episódios de espasmo podem ocorrer
em pacientes com artérias coronárias normais,
mas na maioria dos casos está associado a
obstrução coronária de alto grau (fig. 16-8).
A cocaína também é outra causa de espasmo
coronariano, às vezes levando a infarto do
miocárdio.

136
Capítulo 16

Homem de 30
anos
com história de angina
variante de Prinzmetal
com supradesnivelamento
transitório de ST. A: ECG em
repouso com alterações
inespecíficas de ST-T nas
derivações inferiores. B:
ECG durante precordialgia:
elevações de ST em DII,
DIII e aVF, e depressões
recíprocas de ST em DI
e aVL. C: Segmentos ST
retornam à linha de base
após alívio da dor com
Figura 16.8. Fonte: Goldberger AL: Infarto do Miocárdio: Diagnóstico Diferencial nitroglicerina. O cateterismo
Eletrocardiográfico, 4ª ed. St. Louis, Mosby, 1991. cardíaco mostrou obstrução
coronária direita grave
com espasmo intermitente
produzindo oclusão total
e supradesnivelamento
transitório do segmento ST.

A figura 16-9 ilustra de forma resumida as


diversas alterações eletrocardiográficas na
isquemia miocárdica.

A isquemia
miocárdica nas síndromes
coronarianas agudas produz
diversas alterações no ECG.
Às vezes, o ECG pode ser
normal ou mostrar apenas
alterações inespecíficas de
ST-T.

Figura 16.9. Fonte: arquivo interno.

137
Capítulo 16

PONTOS CHAVE

As alterações de ECG na síndrome coronariana


aguda podem incluir o seguinte:
Ondas Q;
Elevações ou depressões do
segmento ST;
Ondas T positivas altas ou inversões
de ondas T profundas;
Alterações ST-T não específicas;
ECG normal.

4. ELEVAÇÕES DO SEGMENTO ST:


DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

A
A elevação de ST (corrente de
lesão) é o sinal mais precoce
de isquemia transmural aguda
no infarto. Elevações transitórias também elevações não seguem a sequência evolutiva
são observadas na angina de Prinzmetal. observada no infarto e não estão associadas a
Elevações de ST que persistem por semanas infradesnivelamentos recíprocos do segmento
após um IAM podem representar um ST (imagens em espelho).
aneurisma ventricular. Elevações do segmento ST também podem
Na figura 16-10 (ECG de um adulto jovem ser vistas na pericardite e na miocardite
normal), observe a elevação dos segmentos aguda.
ST. Esta é uma variante benigna conhecida Elevações crônicas de ST (especialmente nas
como padrão de repolarização precoce. derivações V1 e V2) são vistas em associação
Neste padrão, os segmentos ST nas com a hipertrofia ventricular esquerda e no
derivações torácicas podem subir 2 a 3 mm bloqueio de ramo esquerdo. Outras causas de
acima da linha de base. No entanto, estas elevações de ST incluem hipotermia sistêmica
(ondas J ou ondas de Osborn) e padrão de
Brugada.

A elevação do
segmento ST,
mais acentuada nas
derivações torácicas, em uma
variante normal. Esse padrão
de repolarização precoce
pode ser confundido com as
Figura 16.10. Fonte: arquivo interno.
elevações do segmento ST do
infarto agudo do miocárdio ou
da pericardite.

138
Capítulo 16

5. DEPRESSÕES DO SEGMENTO ST: 6. INVERSÕES PROFUNDAS DA ONDA


DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL T: DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

N A
em todos os infradesnivelamentos s inversões profundas da onda T
do segmento ST são indicativos geralmente ocorrem durante a fase
de isquemia subendocárdica. de evolução de um IAM. Elas são
Outras causas incluem as alterações ST-T o resultado de um atraso na repolarização
associadas à hipertrofia ventricular esquerda regional produzida pela lesão isquêmica.
(anteriormente referidas como padrão “strain”) No entanto, assim como nem todas as
e a isquemia transmural aguda. elevações de ST refletem isquemia, nem
Lembre-se de que a isquemia aguda da todas as inversões profundas da onda T
parede anterior pode estar associada a são anormais. Ondas T invertidas podem
depressões recíprocas do segmento ST ser normais em derivações com complexo
(“espelho”) em nas derivações inferiores QRS negativo (por exemplo, em aVR).
(DII, DIII e aVF). Por outro lado, a isquemia Também pode ser normalmente negativa
da parede inferior pode estar associada a nas derivações V1 a V2. Além disso, alguns
depressões recíprocas de ST nas derivações adultos têm um padrão de inversão de onda
anteriores (DI, aVL e V1 a V3). T juvenil persistente, com ondas T negativas
O segmento ST também pode estar deprimido nas derivações torácicas direita e média
em duas condições comuns: efeito digitálico e (tipicamente V1 a V3).
hipocalemia. Ondas T invertidas e profundas também
podem ser encontradas na sobrecarga
ventricular direita (em derivações torácicas
direitas), na sobrecarga ventricular esquerda
(em derivações torácicas esquerdas),
na pericardite e em alguns pacientes
com acidente vascular cerebral (AVC),
particularmente hemorragia subaracnóidea
(padrão de onda T de AVC) (fig. 16-8). A causa
dessas alterações de repolarização marcantes
em alguns tipos de lesão cerebrovascular
não é certa, mas provavelmente refletem
alterações no sistema nervoso autônomo.

ECG de um
paciente
com hemorragia
subaracnóidea aguda mostra
inversões gigantes da onda
T, geralmente associadas a
intervalos QT prolongados,
simulando o padrão
observado no infarto do
miocárdio.

Figura 16.8. Fonte: Goldberger AL: Infarto do Miocárdio: Diagnóstico Diferencial


Eletrocardiográfico, 4ª ed. St. Louis, Mosby, 1991

139
Capítulo 16

Inversões secundárias da onda T (resultantes


da despolarização anormal) são observadas
nas derivações torácicas direitas com
bloqueio de ramo direito e nas derivações
torácicas esquerdas com bloqueio de ramo
esquerdo.
Esta lista de causas de inversões da onda
8. O ECG NO INFARTO DO
T que não o infarto do miocárdio não está
completa. Deve-se ressaltar que tais inversões MIOCÁRDIO: UMA PERSPECTIVA
CLÍNICA

U
nem sempre são indicativas de isquemia
miocárdica e a causa pode não ser justificada ma nota final de cautela deve ser
em muitos pacientes. enfatizada: o ECG é um indicador
razoavelmente sensível, mas
dificilmente perfeito, de infarto miocárdico.
A maioria dos pacientes com infarto agudo
7. COMPLICAÇÕES DO INFARTO DO do miocárdio ou isquemia grave apresenta
MIOCÁRDIO alterações no ECG descritas nos capítulos 15
e 16. Entretanto, particularmente durante os

A
primeiros minutos ou horas após um infarto, o
s principais complicações do IAM ECG pode ser relativamente não diagnóstico
podem ser mecânicas/estruturais ou ou mesmo normal. Além disso, um BRE pode
elétricas. mascarar completamente as alterações de um
As complicações mecânicas incluem infarto agudo.
insuficiência cardíaca, choque cardiogênico, Portanto, o ECG deve ser sempre considerado
aneurisma do ventrículo esquerdo, ruptura do na perspectiva clínica, e o diagnóstico de
coração, pericardite, disfunção do músculo isquemia ou infarto do miocárdio não deve ser
papilar, extensão e expansão do infarto e descartado simplesmente porque o ECG não
embolia. mostra as mudanças clássicas.
As complicações elétricas incluem as arritmias Além disso, como observado anteriormente,
e distúrbios de condução. O IAM pode causar a distinção tradicional entre IAM transmural
virtualmente qualquer arritmia, incluindo e subendocárdico com base nos achados
taquicardia ventricular sustentada ou fibrilação do ECG é uma simplificação excessiva e
ventricular levando à parada cardíaca. muitas vezes inválida. Em alguns pacientes,
pode ocorrer infarto extenso sem ondas
Q; em outros, pode ocorrer lesão não
transmural com ondas Q. Por essas razões,
os cardiologistas têm abandonado os termos
transmural e subendocárdico ao descrever
um infarto clinicamente diagnosticado e, em
vez disso, usam mais apropriadamente os
descritores IAMST, IAM não ST, IAM-Q e IAM
não-Q, além de denotar as derivações que
mostram as mudanças.

140
Capítulo 17

17 - Efeitos de drogas, distúrbios eletrolíticos e


metabólicos no ECG
INTRODUÇÃO

O
ECG é afetado por drogas, 1. EFEITOS DE MEDICAMENTOS
distúrbios eletrolíticos e uma NO ECG
variedade condições metabólicas,
e o ECG pode ser o principal exame inicial
que indique uma anormalidade grave, 1.1 ANTIARRÍTMICOS
como a hipercalemia ou a toxicidade por
antidepressivos tricíclicos. Esses tópicos Diversos medicamentos podem afetar o ECG,
são apresentados neste capítulo. Ao final é através de diversos mecanismos: efeito direto
apresentada uma breve revisão de alterações sobre na função de marcapasso, no sistema
de ST-T (não específicas versus específicas). de condução especializado ou nas células
atriais e ventriculares, bem como alteração na
atividade do sistema nervoso autônomo (vagal
e simpático).
Os cardiologistas costumam utilizar um
sistema de classificação abreviado das drogas
antiarrítmicas (quadro 17-1). Embora tenha
falhas, é amplamente empregado; portanto,
estudantes e médicos devem conhecê-lo.

Quadro 17-1. Classificação comumente


utilizada das drogas antiarrítmicas

Classe 1: Bloqueadores de canais de sódio;


1A. Aqueles com efeito bloqueador também sobre os canais de potássio (repolarização). Ex:
quinidina, disopiramida, procainamida;
1B. Aqueles com bloqueio leve a moderado sobre os canais de sódio. Ex: lidocaína, mexiletina,
fenitoína;
1C. Aqueles com bloqueio potente sobre os canais de sódio. Ex: propafenona, flecainida.

Classe 2: Betabloqueadores. Ex: atenolol, carvedilol, metoprolol, propranolol.

Classe 3: Bloqueadores de canais de potássio (repolarização). Ex: amiodarona, dofetilida, dronedarone,


ibutilida, sotalol.

Classe 4: Bloqueadores de canais de cálcio. Ex: diltiazem, verapamil.

Classe 5: Outros. Ex: glicosidas como a digoxina, adenosina.

141
Capítulo 17

Os fármacos da classe 1 bloqueiam os canais


de sódio, podendo prolongar a duração do
QRS. São subdivididos em grupos 1A, 1B e 1C.
Por terem efeito também de bloqueio sobre
os canais de potássio, os agentes da classe 1A
prolongam a repolarização, ou seja, o intervalo
QT, o que aumenta o risco de torsades de
pointes e parada cardíaca súbita (fig. 17-1).

Prolongamento
do intervalo QT em paciente em
uso de quinidina. A amiodarona
também pode prolongar o QT.

Figura 17.1. Fonte: arquivo interno.

Os medicamentos da classe 1B incluem


lidocaína e mexiletina. Por bloquearem de
forma mais intensa os canais de sódio, os produzir lentidão acentuada do nó sinusal
agentes da classe 1C, como flecainida e ou bloqueio AV, especialmente em idosos. O
propafenona, usados para tratar fibrilação carvedilol, além de efeito beta bloqueador
atrial e outras taquicardias supraventriculares, adrenérgico, também bloqueia receptores
são os mais propensos a prolongarem a alfa-1 adrenérgicos, o que induz redução da
duração do complexo QRS. frequência cardíaca e vasodilatação periférica.
Paradoxalmente, todos os “antiarrítmicos” Os pontos fracos desta classificação incluem
classe 1 podem induzir arritmias ventriculares, a falha em considerar medicamentos com
por alterar as propriedades elétricas das efeitos “mistos” (como amiodarona e sotalol) e
células miocárdicas. Esses chamados “efeitos o fato de que medicamentos como adenosina
arritmogênicos de drogas antiarrítmicas” são e digoxina não se encaixarem nas classes 1 a
de grande importância clínica. 4. Em vez disso, eles são classificados como
O prolongamento do intervalo QT também “outra” categoria (classe 5).
pode ocorrer com fármacos da classe 3, como
a amiodarona, cujo efeito está relacionado ao
bloqueio dos canais de potássio, prolongando
a repolarização. 1.2 DROGAS PSICOTRÓPICAS
Os betabloqueadores (classe 2 e certos E RELACIONADAS
bloqueadores dos canais de cálcio (classe
4) deprimem primariamente o nó sinusal e Drogas psicotrópicas, como fenotiazinas,
o nó atrioventricular (AV), podendo induzir metadona, risperidona, quetiapina e
bradicardias. Associações de medicamentos antidepressivos tricíclicos, dentre outras,
(exemplo: metoprolol + diltiazem) podem podem alargar o QRS, causando padrões
semelhantes ao bloqueio de ramo, ou
prolongar a repolarização (intervalo QT),
predispondo à torsades de pointes. Em doses
tóxicas podem induzir arritmias ventriculares
ou assistolia. O carbonato de lítio pode causar

142
Capítulo 17

disfunção do nó sinusal e bradicardia grave.


A figura 17-2 apresenta os achados clássicos
de ECG de overdose de antidepressivos
tricíclicos. Observe os alargamentos de QRS e
QT, bem como a taquicardia sinusal resultante
de efeitos adrenérgico e anticolinérgico.

ECG de um
paciente
com overdose de
antidepressivos tricíclicos:
taquicardia sinusal,
alargamento de QRS
(por desaceleração da
condução ventricular) e
prolongamento do QT (por
repolarização retardada).

Figura 17.2. Fonte: arquivo interno.

2. EFEITOS DE DISTÚRBIOS
ELETROLÍTICOS NO ECG

C
oncentrações séricas anormais de
potássio e cálcio podem alterar o ECG.
A hipercalemia pode ser letal devido à
sua toxicidade cardíaca.
alteração observada é o estreitamento e
a apiculação das ondas T, que adquirem
2.1 DISTÚRBIOS ELETROLÍTICOS: o formato “em tenda”. Em sequência vêm
HIPERCALEMIA o prolongamento dos intervalos PR e o
achatamento das ondas P, que podem
Conforme ilustrado na figura 17-3, a desaparecer completamente. Elevações
hipercalemia progressiva produz uma contínuas produzem um atraso na condução
sequência de alterações no ECG que intraventricular, com alargamento dos
afetam tanto a despolarização (QRS) quanto complexos QRS (figs. 17-3 e 17-4). À medida
repolarização (segmentos ST-T). A primeira que o potássio sérico aumenta ainda mais,
os complexos QRS continuam a se alargar,
levando a um grande padrão ondulado (onda
senoidal) e assistolia.

143
Capítulo 17

A primeira
alteração
com hipercalemia é a
onda T apiculada. Com
aumentos progressivos
no potássio sérico, os
complexos QRS se
alargam, as ondas P
diminuem em amplitude
e, finalmente, um padrão
de onda senoidal leva à
assistolia.

Figura 17.3. Fonte: arquivo interno.

ECG de um
paciente
com potássio sérico de
8,5 mEq/L: ausência de
ondas P e complexos QRS
bizarros e largos.

Figura 17.4. Fonte: arquivo interno.

Como a hipercalemia pode ser fatal, o


reconhecimento dos primeiros sinais de pico
da onda T pode salvar vidas. A hipercalemia
pode ser observada em vários cenários
clínicos. A mais comum é a insuficiência renal,
na qual a excreção de potássio é reduzida.

144
Capítulo 17

2.2 DISTÚRBIOS ELETROLÍTICOS:


HIPOCALEMIA

A hipocalemia produz alterações distintas


no segmento ST-T: depressão do segmento
ST, ondas U proeminentes e repolarização
prolongada (figs. 17-5 e 17-6). Em alguns com hipocalemia pode permanecer normal,
casos, as ondas U podem até exceder a altura enquanto a repolarização é prolongada (como
das ondas T. Tecnicamente, o intervalo QT mostrado pelas ondas U proeminentes).
Como as ondas T e as ondas U geralmente se
fundem, os intervalos QT nem sempre podem
ser medidos com precisão.

Padrões de
ECG
que podem ser observados
na hipocalemia:
achatamento da onda T,
ondas U proeminentes,
depressões do segmento
S, inversões da onda T.
Esses padrões não são
diretamente proporcionais
ao nível de potássio sérico.

Figura 17.5. Fonte: arquivo interno.

ECG de um
paciente
com potássio sérico

de 2,2 mEq/L: ondas U


proeminentes e ondas T
achatadas.

Figura 17.6. Fonte: arquivo interno.

145
Capítulo 17

2.3 DISTÚRBIOS ELETROLÍTICOS:


HIPERCALCEMIA E HIPOCALCEMIA

A repolarização ventricular é encurtada


pela hipercalcemia e prolongada pela
hipocalcemia (fig. 17-7). Na hipercalcemia, 2.4 DISTÚRBIOS DO MAGNÉSIO
o encurtamento do intervalo QT é devido
A hipomagnesemia e a hipermagnesemia
ao encurtamento do segmento ST. Com
também podem desempenhar um papel
hipercalcemia acentuada, a onda T parece
na gênese das arritmias ventriculares. No
“decolar” diretamente do final do complexo
entanto, nenhum deles está associado a
QRS. Um intervalo QT curto em um paciente
alterações específicas do ECG.
com alterações do estado mental às vezes
A hipomagnesemia pode aumentar a
é a primeira pista para o diagnóstico de
gravidade da hipocalemia e também
hipercalcemia. Por outro lado, a hipocalcemia
tem sido implicada na arritmogênese
prolonga o intervalo QT, por “esticar” o
ventricular, incluindo a torsades de points,
segmento ST. No entanto, pacientes podem
em pacientes com infarto agudo do
ter hipo ou hipercalcemia clinicamente
miocárdio. A administração de magnésio
significativa sem alterações no ECG.
intravenoso é terapia empírica recomendada
em casos de torsades e pode ajudar a
suprimir as pós-despolarizações precoces
que a desencadeiam. A hipomagnesemia
potencializa a toxicidade digitálica e ainda

A hipocalcemia
prolonga o intervalo QT
por esticar o segmento ST.
A hipercalcemia diminui o
intervalo QT ao encurtar o
segmento ST de modo que
a onda T parece “decolar”
diretamente do final do
complexo QRS.

Figura 17.7. Fonte: arquivo interno.

146
Capítulo 17

pode induzir hipocalcemia (por inibir a


liberação do paratormônio).
Por outro lado, a hipermagnesemia leve a
moderada não produz anormalidades distintas 3. FATORES METABÓLICOS:
no ECG. Elevações pronunciadas podem HIPOTERMIA SISTÊMICA
alargar o intervalo PR ou o complexo QRS.

A
Elevações extremas (acima de 15 a 20 mEq/L),
hipotermia sistêmica tem efeito
podem levar ou contribuir para parada
na repolarização de diferentes
cardíaca.
camadas dos ventrículos e pode
desenvolver um padrão distinto de ECG: uma
elevação em forma de corcova localizada
na junção entre o final do complexo QRS e
o início do segmento ST (ponto J) (fig. 17-8).
Essas ondas J patológicas são denominadas
Ondas de Osborn. Este padrão desaparece
com o reaquecimento.

Abaulamento
do ponto J
(o início do segmento ST)
em paciente com hipotermia
sistêmica. As ondas J
proeminentes (setas) são
chamadas de Ondas de
Osborn.

Figura 17.8. Fonte: arquivo interno.

4. FATORES METABÓLICOS:
ANORMALIDADES ENDÓCRINAS

A
maioria dos distúrbios endócrinos
não produz alterações específicas
no ECG. Em alguns casos, no
entanto, o ECG pode desempenhar um papel
importante no diagnóstico e tratamento de
anormalidades hormonais. Por exemplo, o
hipertireoidismo é frequentemente associado
a uma taquicardia em repouso. O achado

147
Capítulo 17

de uma taquicardia sinusal inexplicável


em repouso deve levar à suspeita de
hipertireoidismo, assim como o achado de
fibrilação atrial.
Em contraste, o hipotireoidismo é
frequentemente associado a uma bradicardia
sinusal. Hipotireoidismo grave pode levar a morfológica do ECG será dominada por essas
derrame pericárdico, causando complexos perturbações eletrolíticas.
QRS de baixa voltagem (amplitude dos
complexos QRS em cada uma das seis
derivações das extremidades é 5 mm ou 6. ALTERAÇÕES DO SEGMENTO ST-T:
menos, ou 10 mm ou menos nas derivações
ESPECÍFICAS E NÃO ESPECÍFICAS
torácicas).

O
tópico final deste capítulo é uma
breve revisão dos principais
5. FATORES METABÓLICOS: fatores que causam alterações
ACIDOSE E ALCALOSE de ST-T (repolarização). O termo alteração
inespecífica de ST-T é comumente usado em

A
eletrocardiografia clínica. Muitos fatores (por
acidose metabólica e a alcalose,
exemplo, drogas, isquemia, desequilíbrios
por si só, não estão associadas
eletrolíticos, infecções e doença pulmonar)
a achados específicos do ECG.
podem afetar o ECG. Como já mencionado,
A acidose metabólica está tipicamente
a fase de repolarização (complexo ST-T) é
associada à hipercalemia e a alcalose
particularmente sensível a esses efeitos e
metabólica à hipocalemia. A aparência
pode apresentar uma variedade de alterações
inespecíficas como resultado de múltiplos
fatores (figs. 17-9 e 17-10). Essas alterações
incluem leves depressões do segmento ST,
achatamento da onda T e leves inversões da
onda T (fig. 17-9).

O
achatamento
da onda T
(2ª e 3ª figuras) e inversão
da onda T (4ª figura) são
alterações relativamente
inespecíficas do ECG que
podem ser causadas por
vários fatores.

Figura 17.9. Fonte: arquivo interno.

148
Capítulo 17

ECG
mostrando
alterações inespecíficas
de ST-T. Observe o
achatamento difuso da onda
T.

Figura 17.10. Fonte: arquivo interno.

Por outro lado, certas alterações bastante


específicas deste segmento estão associadas
a condições particulares, como, por exemplo,
as ondas T “em tenda” da hipercalemia.
Algumas dessas alterações relativamente
ocorrer em outras condições.
específicas de ST-T são mostradas na figura
Em resumo, as anormalidades da
17-11. Mas cuidado! Mesmo essas mudanças
repolarização (segmento ST-T) podem ser
aparentemente específicas podem ser
agrupadas em duas categorias gerais: (1)
enganosas. Por exemplo, elevações de ST são
As inespecíficas incluem um leve desvio do
encontradas na isquemia transmural aguda,
segmento ST e achatamento ou inversão da
mas também são observadas em aneurismas
onda T. Essas alterações não são diagnósticas
ventriculares e pericardite. Da mesma forma,
de nenhuma condição específica, mas devem
inversões profundas da onda T são mais
sempre ser interpretadas no contexto clínico.
características da isquemia, mas podem
(2) Alterações relativamente específicas de
ST-T são mais fortemente, mas nem sempre
definitivamente diagnósticas de alguma
causa subjacente particular (por exemplo,
hipercalemia ou isquemia miocárdica).

Exemplos
de alterações ST-T
relativamente específicas.

Figura 17.11. Fonte: arquivo interno.

149
Capítulo 18

18 - Toxicidade digitálica
INTRODUÇÃO

E
ste capítulo se concentra nas arritmias
e distúrbios de condução causados
pela toxicidade dos digitálicos. Os
glicosídeos digitálicos, especialmente a de estímulos dos átrios para os ventrículos
digoxina, ainda são amplamente prescritos, através da junção AV.
e a toxicidade relacionada ao uso destes Desde que uma série de medicamentos mais
fármacos continua sendo um importante eficazes e seguros se tornaram disponíveis
problema clínico. atualmente, o uso de digitálicos está limitado
A toxicidade digitálica tem uma ampla aos pacientes com FA e ICC sistólica e que não
gama de apresentações, desde sintomas toleram betabloqueadores ou bloqueadores
inespecíficos, como náuseas e vômitos, até dos canais de cálcio, ou é usado como
arritmias potencialmente fatais. A gestão adjuvante à terapia. Mesmo assim, a margem
clínica desta condição deve centrar-se na de segurança para uso dos digitálicos é
prevenção e no reconhecimento precoce. relativamente baixa. A diferença entre as
concentrações terapêutica e tóxica é estreita.

1. DIGITÁLICOS: MECANISMO DE
AÇÃO E INDICAÇÕES 2. TOXICIDADE VERSUS EFEITO

O
DIGITÁLICO
s digitálicos (glicosídeos cardíacos),

A
correspondem a uma classe de toxicidade digitálica refere-se às
drogas cardioativas que exercem arritmias e distúrbios de condução,
efeitos mecânicos e elétricos no coração, bem como os efeitos sistêmicos
sendo a digoxina a mais prescrita na prática tóxicos produzidos por esta classe de drogas.
clínica. Portanto, toxicidade não deve ser confundida
A ação mecânica dos digitálicos é aumentar com efeito digitálico (figs. 18-1 e 18-2), que se
a força das contrações miocárdicas em refere ao “sinal de impregnação digitálica” do
pacientes com coração dilatado e insuficiência complexo ST-T (associado ao encurtamento
cardíaca crônica sistólica (ICC). A ação elétrica do intervalo QT) normalmente observado em
relaciona-se à diminuição da automaticidade pacientes que usam digitálicos em doses
e condutividade nos nódulos sinoatrial (SA) terapêuticas. Alguns cardiologistas fazem
e atrioventricular (AV), em grande parte pelo analogia deste aspecto observado no ECG
aumento do tônus parassimpático (vagal). com a forma de uma “colher de pedreiro’.
Consequentemente, os digitálicos são usados Deve-se ter em mente nem todos os
para controlar a resposta ventricular na pacientes que tomam digitálicos apresentam
fibrilação atrial (FA) e no flutter atrial, que são essas alterações.
caracterizados pela transmissão excessiva Assim, presença do efeito digitálico no ECG,
por si só, não implica toxicidade. No entanto,
a maioria dos pacientes com toxicidade
digitálica manifesta alterações ST-T do efeito
digitálico em seu ECG.

150
Capítulo 18

Escavação
característica do complexo
ST-T produzido por digital.

Figura 18.1. Fonte: arquivo interno.

A
característica
escavação do complexo
ST-T produzido por
digitálicos é melhor
observada nas derivações
V5 e V6. Neste ECG, baixa
voltagem também está
presente, com amplitude
QRS de 5 mm ou menos em
todas as derivações dos
membros.

Figura 18.2. Fonte: arquivo interno.

3. SINTOMAS SISTÊMICOS E
SINAIS DE TOXICIDADE DIGITÁLICA

A
toxicidade digitálica pode produzir
sintomas sistêmicos gerais
(fraqueza, anorexia, náuseas e
vômitos), distúrbios visuais (percepção de cor
alterada) e neurológicos. Como regra geral,
praticamente qualquer arritmia e todos os
graus de bloqueio AV podem ocorrer (quadro
18-1).

151
Capítulo 18

Quadro 18-1. Arritmias distúrbios de condução causados por


toxidade digitálica

Bradicardias Bradicardia sinusal, incluindo bloqueio sinusal;


Ritmos juncionais;
Fibrilação atrial (ou Flutter atrial) com baixa respota ventricular.

Taquicardias Ritmos juncionais acelarados;


Taquicardia atrial com bloqueio de condução;
Ectopia ventricular frequente, incluindo bigeminismo e extrassístoles multifocais.

Atrasos na Alargamento do intervalo PR (BAV 1º grau);


condução AV BAV 2º grau Mobitz I (Wenckebach), mas não Mobitz II;
e distúrbios
BAV 3º grau (dissociação atrioventricular).
relacionados

Em alguns casos, pode haver combinações de


arritmias, como FA com resposta ventricular
relativamente lenta ou ectopia ventricular
frequente (fig. 18-3).

Ectopia
ventricular
é um achado comum
em toxicidade digitálica.
Figura 18.3. Fonte: arquivo interno. A: Ritmo subjacente
de fibrilação atrial. B:
Bigeminismo ventricular
em um caso de intoxicação
digitálica: a cada complexo
QRS normal segue-se uma
extrassístole ventricular.

Embora também possam ocorrer em outras


condições clínicas, duas arritmias distintas
devem aumentar a preocupação com a
toxicidade digitálica. A primeira é a taquicardia
ventricular (TV) bidirecional (fig. 18.4), um tipo
raro de TV em que os sucessivos batimentos
se alternam em direção. A segunda é a
taquicardia atrial (TA) com bloqueio AV (fig.
18.5).

152
Capítulo 18

Taquicardia
ventricular
bidirecional, onde os
complexos QRS alternam
sucessivamente a direção,
batimento a batimento.
Figura 18.4. Fonte: arquivo interno. Nenhuma onda P está
presente.

Taquicardia
atrial
(cerca de 200 batimentos/
min) com bloqueio AV 2:1
produzindo uma frequência
ventricular de cerca de 100
Figura 18.5. Fonte: arquivo interno.
batimentos/min.

O bloqueio AV 2:1 é caracterizado por uma


frequência ventricular que é a metade da
frequência atrial (veja a figura 18-5). Como A toxicidade digitálica pode ocorrer em
em outros bloqueios AV, as ondas P são pacientes que já apresentam FA ou altrial
bem definidas em morfologia e regulares prévio. Nesses casos, há diminuição
quanto à frequência, que fica entre 150 e acentuada da frequência ventricular para
250 batimentos/min (devido ao aumento menos de 50 batimentos/min (fig. 18-6) ou
da automaticidade). Este padrão de TA com aparecimento de extrassístoles ventriculares.
bloqueio pode mimetizar o flutter atrial, mas Em resumo, a toxicidade digitálica causa uma
neste caso a frequência atrial é ainda mais série de arritmias importantes e distúrbios de
rápida (250 a 350 batimentos/min) e as ondas condução. Você deve suspeitar de toxicidade
atriais têm a morfologia típica do flutter (ondas digitálica em qualquer paciente tomando uma
F). preparação digitálica que tenha uma arritmia
inexplicável até que você possa provar o
contrário.

Fibrilação
atrial
com frequência ventricular
muito lenta devido à
toxicidade digitálica. Em
pacientes com fibrilação
atrial subjacente, a
toxicidade digitálica
é frequentemente
manifestada por uma
Figura 18.6. Fonte: arquivo interno.
lentificação excessiva ou
uma “pseudo-regularização”
da frequência ventricular.

153
Capítulo 18

4. FATORES PREDISPONENTES À
TOXICIDADE DIGITÁLICA

V
ários fatores aumentam
significativamente o risco de
intoxicação por digitálicos (quadro
18-2).

Quadro 18-2. Fatores predisponentes


à toxidade digitálica

Idade avançada;
Hipopotassemia;
Hipomagnesemia;
Hipercalcemia;
Miocardiopatia hipertrófica;
Hipoxemia;
Doença pulmonar crônica;
Infarto do miocárdio (especialmente o infarto agudo);
Insuficiência renal;
Hipotireoidismo;
Síndrome de Wolff-Parkinson-white com fibrilação atrial.

DISTÚRBIOS ELETROLÍTICOS

Hipopotassemia, hipomagnesemia
e hipercalcemia aumentam o risco miocárdio ou isquemia parecem ser mais
arritmias induzidas por digitálicos. Assim, sensíveis aos digitálicos. Os digitálicos
a concentração sérica de eletrólitos deve podem piorar os sintomas de pacientes com
ser monitorada em pacientes em uso de miocardiopatia hipertrófica, uma doença
digitálicos, especialmente se houver uso cardíaca hereditária associada à contratilidade
associado de diuréticos. cardíaca excessiva. Em pacientes com a
síndrome de Wolff-Parkinson-White e FA,
os digitálicos aceleram a transmissão de
impulsos ao longo do trato AV, levando a
DOENÇA COEXISTENTE uma grave taquiarritmia. Pacientes com
hipotireoidismo também são mais sensíveis
A hipoxemia e a doença pulmonar crônica aos digitálicos.
também podem aumentar o risco de Uma vez a digoxina é excretada
toxicidade digitálica, provavelmente porque principalmente na urina, qualquer grau
estão associadas ao aumento do tônus de insuficiência renal requer uma dose de
simpático. Pacientes com infarto agudo do manutenção mais baixa de digoxina. Assim,
pacientes idosos podem ser mais suscetíveis
à toxicidade digitálica, em parte devido à
diminuição da excreção renal do fármaco.

154
Capítulo 18

INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS

Vários medicamentos podem aumentar


os níveis séricos de digoxina. Dentre
eles estão: amiodarona, dronedarona,
propafenona, quinidina e verapamil. Esse 6. TRATAMENTO DA TOXICIDADE
efeito em parte é mediado pela ação dessas
DIGITÁLICA
drogas em bloquear a p-glicoproteína,

F
um complexo molecular responsável pela
oge ao objetivo deste livro discutir
excreção intestinal e renal do digitálico. A
abordagens terapêuticas. Em linhas
espironolactona também pode aumentar os
gerais, o tratamento da toxicidade
níveis de digoxina devido à diminuição da
digitálica envolve o tratamento da arritmia
depuração renal.
aguda a descontinuação do digitálico
responsável e monitorização cuidadosa do
estado hemodinâmico do paciente.
Em quadros de overdose, como nas tentativas
de auto-extermínio, o digitálico pode causar
5. PREVENÇÃO DA TOXICIDADE hipercalemia com risco de vida porque a
DIGITÁLICA droga bloqueia o mecanismo da membrana

O
celular que bombeia potássio para dentro
primeiro passo no tratamento das células em troca de sódio. Estes
é sempre a prevenção. Antes pacientes devem ser tratados com anticorpo
de qualquer paciente iniciar o bloqueador de digitálicos administrado por
tratamento com digoxina ou um medicamento via intravenosa. Uma informação importante:
relacionado, as indicações devem ser não se deve administrar cálcio IV quando a
cuidadosamente revisadas. O paciente hipercalemia estiver presente em um paciente
deve ter um ECG basal, eletrólitos séricos com toxicidade digitálica.
(principalmente potássio, magnésio e cálcio) Finalmente, os médicos devem estar cientes
e medições de ureia e creatinina. Outras de que a cardioversão elétrica por corrente
considerações incluem a idade e o estado contínua de arritmias em pacientes com
pulmonar do paciente, bem como se o toxicidade digitálica é extremamente perigosa
paciente está tendo um infarto agudo do e pode precipitar TV fatal e fibrilação. Portanto,
miocárdio. não se deve cardioverter eletricamente
Sinais precoces de toxicidade digitálica pacientes com suspeita de toxicidade
(por exemplo, aumento da frequência de digitálica (por exemplo, FA com resposta
extrassístoles ventriculares, bradicardia ventricular lenta, AT com bloco, etc.).
sinusal ou aumento do bloqueio AV) devem
ser cuidadosamente verificados.
Além disso, as dosagens de digoxina
devem ser reduzidas antes do início de
medicamentos que aumentam rotineiramente
os níveis de digoxina.

155
Capítulo 19

19 - Marcapassos e CDIs
INTRODUÇÃO

E
1. MARCAPASSOS: DEFINIÇÕES
ste capítulo faz uma breve introdução E TIPOS

M
a um tema assustador para iniciantes,
mas muito importante da análise arcapassos são dispositivos
diária de eletrocardiogramas: marcapassos e eletrônicos projetados para corrigir ou
cardiodesfibriladores implantáveis (CDIs). compensar anormalidades na geração
do impulso cardíaco (por exemplo, disfunção
do nó sinusal) ou condução (por exemplo,
bloqueio atrioventricular de alto grau). Um
marcapasso consiste em dois componentes
principais: (1) um gerador de pulso (bateria e
microcomputador) e (2) um ou mais eletrodos,
que podem ser fixados na pele (marcapasso
transcutâneo utilizado na emergência) ou
diretamente no interior do coração (fig. 19-1).

Esquema
de um
marcapasso
implantado composto
por um gerador (bateria
com microcomputador)
conectado a um eletrodo de
fio único (cabo) inserido pela
veia subclávia esquerda no
ventrículo direito.

Figura 19.1. Fonte: arquivo interno.

Os marcapassos podem ser temporários ou


permanentes. Na estimulação temporária,
usada quando se espera que a anormalidade
elétrica se resolva em um período de tempo
relativamente curto, os eletrodos são inseridos
de forma transvenosa com o gerador fora do
corpo. É utilizada, por exemplo, em bradicardia
acentuada associada ao infarto do miocárdio
ou à toxicidade de drogas. Os marcapassos
permanentes têm tanto o gerador quanto

156
Capítulo 19

os eletrodos implantados dentro do corpo.


Nestes casos, os eletrodos são implantados
por via transvenosa (veia cefálica ou subclávia)
com a unidade geradora posicionada no são capazes de detectar a atividade elétrica
subcutâneo da região anterior do ombro. intrínseca do coração, sendo configurados
As principais indicações de marcapassos para operar em modo “sob demanda”. Com
eletrônicos são: isso, o suporte eletrônico de estimulação é
Para substituir a geração de impulsos fornecido apenas quando o próprio sistema
na disfunção grave do nó sinusal. elétrico do paciente não consegue gerar
impulsos. As baterias de marcapassos
Para substituir a condução AV
modernos duram em média entre 8 e 12 anos.
prejudicada em síndromes de
bloqueio cardíaco.
Para compensar as anormalidades
de condução do bloqueio do ramo 1.1 TIPOS DE MARCAPASSO: UMA OU
esquerdo (BRE), especialmente na DUPLA CÂMARA
insuficiência cardíaca, com objetivo Marcapassos de câmara única (ou de
de fornecer sincronismo na contração eletrodo único) (veja a fig. 19-1) são usados
ventricular direita e esquerda. para estimular apenas uma câmara. Os
Esse uso é chamado de terapia de marcapassos atriais de derivação única, com
ressincronização ou estimulação o eletrodo posicionado no átrio direito, podem
biventricular. ser usados para tratar a disfunção isolada do
Todos os marcapassos contemporâneos nó sinusal com condução AV normal (fig. 19-2),
porém raramente são usados. Isso porque
pacientes este tipo de disfunção acabam
evoluindo com anormalidades na condução
AV, necessitando o implante de marcapassos
de dupla câmara.

Esquema
de um
marcapasso
implantado composto
por um gerador (bateria
com microcomputador)
conectado a um eletrodo
de fio único (cabo) inserido
pela veia subclávia esquerda
no ventrículo direito. Os
marcapassos de dupla
câmara possuem eletrodos
tanto no átrio direito quanto
no ventrículo direito.
Marcapassos biventriculares Figura 19.1. Fonte: arquivo interno.
podem estimular ambos os
ventrículos e o átrio direito.

157
Capítulo 19

Com o
eletrodo do
marcapasso
colocado no átrio
direito, uma espícula do
marcapasso (A) é vista antes
de cada onda P. O QRS
Figura 19.2. Fonte: arquivo interno. complexo é normal porque
o ventrículo não está sendo
eletronicamente estimulado
e o sistema de condução
atrioventricular (AV) está
funcional.
Marcapassos ventriculares de câmara única,
com o eletrodo posicionado no ventrículo
direito, são primariamente usados em
pacientes com fibrilação atrial crônica com
uma resposta ventricular excessivamente
lenta (figuras 19-1 e 19-3). Nestes casos,
eletrodo em câmara atrial não está indicado
porque a fibrilação atrial impossibilita uma
estimulação atrial eficaz.

O ritmo
ventricular
(QRS) é completamente
regular devido à estimulação
ventricular. No entanto,
o ritmo subjacente é de
fibrilação atrial. As ondas
fibrilares são pequenas em
amplitude e são mais bem
vistas na derivação V1. A
maioria das interpretações
de ECG por computador
lerá isso como “estimulação
Figura 19.3. Fonte: arquivo interno.
ventricular” sem notar
fibrilação atrial. A menos
que o leitor especifique
“fibrilação atrial” no relatório,
este importante diagnóstico,
que traz risco de acidente
vascular cerebral, passará
despercebido. Além disso,
no exame físico, o clínico
pode ser “enganado” a
pensar que o ritmo regular é
sinusal.

158
Capítulo 19

Nos marcapassos de dupla câmara, os


eletrodos são inseridos tanto no átrio direito
quanto no ventrículo direito (figs. 19-4 e 19-
5). O circuito é programado para permitir um
atraso fisiológico entre a estimulação atrial
e ventricular. Este atraso AV (intervalo entre
as espículas do marcapasso) é análogo ao
intervalo PR em condições fisiológicas.

Marcapassos
de dupla
câmara
(DDD) detectam e estimulam
tanto os átrios quanto os
ventrículos. O marcapasso
emite um estímulo (espícula)
sempre que uma onda P
nativa ou complexo QRS
não é detectado dentro de
algum intervalo de tempo
programado.
Figura 19.4. Fonte: arquivo interno.

Morfologia
de
batimentos
estimulados por marcapasso
de dupla câmara. Estão
presentes espículas
de estimulação atrial e
ventricular. A espícula atrial
é seguida por uma onda P.
A espícula de estimulação
ventricular é seguida por um
complexo QRS largo (com Figura 19.5. Fonte: arquivo interno.
morfologia de bloqueio de
ramo esquerdo) e por onda
T apontando na direção
oposta (discordante).

159
Capítulo 19

1.2 MORFOLOGIA DOS BATIMENTOS


COMPASSADOS NO ECG
Um batimento gerado por um marcapasso é
identificado como uma espícula (uma deflexão
vertical acentuada, em formato de agulha).
Uma estimulação atrial corresponde a uma
espícula seguida por uma onda P (veja a fig.
contrária ao QRS.
19-2). O mesmo raciocínio vale para uma
Cuidado! Ondas T concordantes (ou seja,
estimulação ventricular, em que a espícula é
apontando na mesma direção que o QRS
seguida por um complexo QRS largo (veja as
estimulado) durante a estimulação ventricular
figuras 19-3 e 19-5).
pode indicar isquemia miocárdica aguda.
Você sabe por que o complexo QRS fica largo
Os batimentos ventriculares estimulados pelo
numa estimulação ventricular?
marcapasso às vezes podem conduzir de
O fenômeno de alargamento do QRS se
forma retrógrada para os átrios, produzindo
deve ao fato que a ativação dos ventrículos
despolarização atrial quase simultânea com
começa na ponta do eletrodo e se espalha
a despolarização e contração ventricular (fig.
para o outro ventrículo através do miocárdio,
19-6). Quando isso ocorre repetidamente,
que é lenta, semelhante ao que ocorre com
a contração atrial contra as válvulas AV
extrassístoles ventriculares. Como o eletrodo
fechadas produz aumentos repentinos da veia
ventricular comumente fica posicionado no
jugular, que podem ser vistas como ondas
ápice do ventrículo direito, a estimulação
A “em canhão” no exame físico do pescoço
neste local produz um QRS largo semelhante
do paciente. Essas mudanças abruptas de
a um bloqueio de ramo esquerdo. As ondas
pressão podem ativar um reflexo vagal e
T também são discordantes—em direção
causar sintomas (palpitações, pulsação no
pescoço, tonturas e hipotensão arterial),
muitas vezes conhecida como “síndrome do
marcapasso”.
Portanto, pacientes com bloqueio AV e ritmo
sinusal, o marcapasso de dupla câmara
estará melhor indicado, pois permite melhor
sincronismo entre os batimentos atriais e
ventriculares.

Ondas P
negativas
(setas) após os batimentos
estimulados; isso ocorre
Figura 19.6. Fonte: arquivo interno. devido à ativação dos
átrios de baixo para cima,
seguindo os batimentos
ventriculares estimulados.

160
Capítulo 19

1.3 PROGRAMAÇÃO DE MARCAPASSO


ELETRÔNICO: CÓDIGO ABREVIADO
Historicamente, a programação de um
marcapasso tem sido descrita por um
código padrão de três ou quatro letras,
geralmente seguido por um número que
indica o limite inferior de frequência. Embora
outros parâmetros e melhorias tenham sido
introduzidos, este código ainda é amplamente
utilizado (tabela 19-1).

Quadro 19-1. Código padrão de quatro


letras para marcapasso eletrônico
I: Câmera de estímulos II: Câmera de resposta III: Resposta à detecção IV: Modulação de frequência

A Átrio A Átrio I Inibido R Responsivo à frequência

V Ventrículo V Ventrículo T Trigger (disparo)

D Ambos (A e V) D Ambos (A e V) D Ambos (A e V)

O Nenhuma O Nenhuma O Nenhuma

PROGRAMAÇÃO DE MARCAPASSO
DE CÂMARA ÚNICA

Os marcapassos modernos são


Para simular o aumento da frequência
programados no modo sob demanda,
cardíaca que normalmente ocorre
fornecendo estimulação somente
com o esforço, os marcapassos agora
quando necessário. No caso de um
também podem ser programados em
marcapasso de câmara única esta
um modo responsivo (adaptativo), que
função é realizada especificando o
aumenta a frequência de limite inferior
limite inferior da frequência de estímulo
dinamicamente, dependendo do nível de
(por exemplo, 60 batimentos/min). O
atividade física detectada por um sensor
marcapasso monitora constantemente a
incorporado a unidade geradora. Por
frequência cardíaca do paciente. Sempre
exemplo, um de seus pacientes pode
que a frequência cai abaixo do limite
ter um marcapasso de câmara única
inferior estabelecido, o marcapasso
ventricular responsivo à frequência,
administrará um estímulo (fig. 19-7). Isso
conhecido como VVIR 60-110. Neste
corresponde ao código: VVI 60.
caso, o R indica “reação de frequência”
e o segundo número (110) representa
o limite superior de estimulação, que é
a frequência máxima que o dispositivo
estimula os ventrículos em resposta a
seu sensor de atividade.

161
Capítulo 19

Ciclo de
estimulação
VVI (10 batimentos). A
detecção de atividade
intrínseca nos ventrículos
inibe a saída do marcapasso.
Uma vez que a pausa
após o último complexo
QRS atingir 1 segundo, o
marcapasso produz um pico
Figura 19.7. Fonte: arquivo interno. de estimulação resultando
em um batimento
estimulado (QRS largo).
Batidas 2 e 8 são batidas de
fusão (coincidindo batidas
conduzidas e ritmadas).
PROGRAMAÇÃO DE MARCAPASSO
DE DUPLA CÂMARA

Os marcapassos de dupla câmara têm


um eletrodo no átrio direito e um no (D): inibição se a atividade intrínseca na
ventrículo direito, cada um capaz de câmara é sentida (A-sense, V-sense)
detectar atividade elétrica intrínseca ou disparando um estímulo ventricular
para determinar a necessidade de quando há detecção de estímulo atrial,
estimulação em cada câmara. Os mas sem condução AV mesmo no tempo
tipos mais comuns (marcapassos “de de máximo atraso AV (A-sense, V-pace).
demanda”), onde a estimulação atrial Assim como os marcapassos de câmara
é determinada pelo limite inferior da única, os marcapassos de câmara dupla
frequência enquanto a estimulação também podem ser programados em
ventricular é determinada por um valor um modo responsivo a frequência.
máximo programado de atraso na DDD e DDDR são os mais comuns modos
condução AV. de estimulação usados em marcapassos
Dependendo da frequência atrial e de dupla câmara.
do estado da condução AV intrínseca, A programação sob demanda tem
marcapassos de dupla câmara podem vantagens significativas, incluindo
produzir quatro combinações diferentes prolongar a vida útil da bateria e
de estimulação/ detecção no ECG evitando estimulação desnecessária,
(figuras 19-4, 19-7 e 19-8 e códigos da especialmente no ventrículo.
tabela 19-1): Há muito mais para se falar sobre
marcapassos, mas foge ao objetivo
A sense – V sense
deste texto entrar em detalhes, pois são
A sense – V pace complexos até mesmo para um clínico
experiente.
A pace – V sense
Para médicos generalistas, é importante
A pace – V pace saber reconhecer a presença de um
No modo DDD, tanto a estimulação ritmo de marcapasso durante uma
quanto a detecção ocorrem em ambas monitorização cardíaca ou um ECG no
as câmaras (o primeiro e o segundo D). departamento de emergência, bem
A resposta de sentir também é dupla como identificar os principais modos
de estimulação. Na dúvida sempre
consultar um especialista.

162
Capítulo 19

2. CARDIOVERSOR-DESFIBRILADOR
IMPLANTÁVEL (CDI)

O
s cardioversores-desfibriladores
implantáveis (CDIs) são dispositivos programáveis de tratamento: estimulação
eletrônicos que podem detectar antitaquicardia (ATP) e choques de corrente
arritmias ventriculares potencialmente contínua (DC). O ATP funciona estimulando
letais e administrar a terapia elétrica o coração mais rápido do que a taxa de TV.
apropriada, incluindo choques desfibrilatórios. Isso permite que o sinal penetre no circuito
Os modernos CDIs se assemelham a de reentrada da arritmia, “quebrando” esta
marcapassos na aparência, mas com alça e restaurando o ritmo sinusal. O ATP
geradores um pouco maiores e derivações encerra aproximadamente 50% das arritmias
ventriculares direitas mais espessas (fig. 19-8). ventriculares, evitando a necessidade de
Ambos são implantados de forma semelhante. choques do CDI. Ao contrário do choque,
Todos os CDIs atuais são capazes de o ATP é indolor e geralmente passa
estimulação (função de marcapasso) e despercebido pelo paciente.
podem ser de câmara única, câmara dupla Se o ATP não converter a arritmia, até seis
ou biventricular. A detecção de arritmia choques consecutivos (sincronizados ou não)
baseia-se na frequência cardíaca e pode ser podem ser administrados pelo dispositivo
programada por faixas de frequência cardíaca (veja a fig. 19-9). As baterias modernas do CDI
diferentes (por exemplo, faixas de TV lenta, de têm a capacidade de fornecer mais de 100
TV rápida e de FV a 160, 180, 200 batimentos/ choques e geralmente duram de 5 a 7 anos.
min). Os tratamentos de arritmia podem então Como a detecção de taquiarritmias é baseada
ser configurados separadamente em cada na frequência cardíaca, existe o risco de
uma destas faixas (fig. 19-9) como parte da terapias inadequadas para taquiarritmias
terapia automática estadiada (por camadas). supraventriculares com respostas
Os CDIs fornecem duas modalidades ventriculares rápidas (por exemplo, fibrilação
atrial). Os CDIs usam algoritmos sofisticados
para discriminar TV de taquicardias
supraventriculares. Foge ao objetivo deste
texto discutir estas particularidades.

Um
dispositivo
cardioversor
desfibrilador implantável
(CDI) se assemelha a um
marcapasso com um
gerador de pulso e um
sistema de eletrodos.

Figura 19.8. Fonte: arquivo interno.

163
Capítulo 19

Terapia de
arritmia
em camadas (estadiada)
por cardiodesfibriladores
implantáveis. A: Estimulação
antitaquicardia em caso de
taquicardia ventricular. B:
Choque de cardioversão
para taquicardia ventricular.
C: Choque de desfibrilação
para fibrilação ventricular.

Figura 19.9. Fonte: arquivo interno.

3. RECONHECENDO O MAU FUNCIONAMENTO


DO MARCAPASSO E DO CDI

O
s marcapassos são dispositivos muito
confiáveis e o mau funcionamento
dos mesmos é raro. Os problemas
comumente encontrados são: falha na
Falha na detecção (veja a fig. 19-
captura, falha na detecção e falha no ritmo.
10): é caracterizada por atividade
Falha na captura: ocorre quando há de estimulação excessiva e
geração de estímulos pelo marcapasso, inadequadamente cronometrada. Pode
mas estes estímulos não são seguidos ser devida ao deslocamento do eletrodo,
por atividade elétrica do coração sensibilidade ajustada inadequadamente
(fig. 19-10). As causas mais comuns ou alterações na amplitude do
são deslocamento do eletrodo, sinal intrínseco devido a isquemia,
vazamento no circuito de estimulação, anormalidades eletrolíticas, ou fibrose.
saídas de estimulação ajustadas
Falha na geração de ritmo (fig.
inadequadamente e aumento no limiar
19-11): geralmente se deve à
de estimulação devido a isquemia,
inibição do marcapasso por sinais
fibrose ou anormalidades eletrolíticas
elétricos não cardíacos, como do
(por exemplo, hipercalemia).
músculo esquelético, diafragma,
fontes eletromagnéticas externas
(eletrocautério, litotripsia, máquinas de
ressonância magnética).

164
Capítulo 19

Observe
que os
batimentos
1, 3 e 4 mostram picos de
marcapasso e complexos
QRS largos normalmente
estimulados e ondas T.
Os batimentos restantes
mostram apenas picos de
marcapasso sem captura.
Figura 19.10. Fonte: arquivo interno. (O marcapasso também não
detecta os complexos QRS
lentos e espontâneos do
paciente.)

O ritmo
subjacente
é o bloqueio AV de segundo
grau (2:1). Apesar da Figura 19.11. Fonte: arquivo interno.
frequência ventricular muito
lenta, o marcapasso não
funciona.

Os CDIs são dispositivos muito mais


complexos e seu mau funcionamento ocorre
com mais frequência do que com marca-
passos. Além das disfunções de estimulação Quando houver suspeita de mau
semelhantes às descritas anteriormente, as funcionamento do dispositivo, uma
disfunções mais importantes incluem terapias interrogação completa do dispositivo precisa
inadequadas (ATP e choques) para TSV ou ser realizada por pessoal qualificado.
para supersensação de atividade elétrica Assim como dito no tópico sobre
extracardíaca (de eletrodos fraturados ou marcapassos, também há muito mais para
interferência eletromagnética). Choques se dizer sobre os CDIs, mas foge ao objetivo
inapropriados podem ser muito dolorosos e deste texto entrar em detalhes, pois são
levar a sofrimento emocional. complexos até mesmo para um clínico
experiente. Considere sempre consultar um
especialista para o correto manejo do seu
paciente.

165
Capítulo 20

20 - Síndromes pericárdicas, miocárdicas


e pulmonares

INTRODUÇÃO

U
ma grande variedade de processos
patológicos pode afetar o ECG, como
as condições que afetam o pericárdio
(pericardite aguda e derrame pericárdico),
o próprio miocárdio (não incluindo isquemia geralmente levemente deprimido na
e infarto) e os pulmões (embolia pulmonar que levam. Outras derivações podem
aguda e doença obstrutiva crônica). mostrar depressão de PR combinada
e elevação de ST. Como a elevação
do segmento PR na derivação aVR
se assemelha a um dedo indicador
dobrado, esse padrão é chamado de
1. PERICARDITE AGUDA “sinal da articulação”.
PONTO CHAVE
A pericardite aguda pode ser causada por
Na pericardite aguda, os segmentos infecções (virais ou bacterianas), tumores
PR e ST tipicamente apontam metastáticos, doenças do colágeno, infarto do
em direções opostas (“sinal de miocárdio, cirurgia cardíaca e uremia.
discordância do segmento PR- Os padrões de ECG da pericardite
ST”), com o PR sendo elevado assemelham-se aos observados no infarto
(frequentemente em apenas 1 mm agudo do miocárdio (IAM). O padrão lesão
ou mais) na derivação aVR e o ST na fase inicial geralmente é caracterizado
por elevações do segmento ST, resultante
da inflamação do epicárdio e do pericárdio
sobrejacente (Fig. 20-1).

Pericardite
aguda
causando elevações
difusas do segmento ST nas
derivações I, II, aVF e V2 a V6,
com depressões recíprocas
do segmento ST na Figura 20.1. Fonte: arquivo interno.
derivação aVR. Em contraste,
uma corrente de lesão
atrial concomitante causa
elevações do segmento
PR na derivação aVR com
depressões PR recíprocas
nas derivações torácicas
esquerdas e na derivação II.

166
Capítulo 20

A principal diferença entre essas elevações do


segmento ST entre a pericardite e o IAM é o
padrão de distribuição. No IAM, as elevações
afeta a repolarização dos átrios, refletida
são limitadas às derivações que evidenciam
por modificação do segmento PR: elevação
a parede acometida, enquanto que na
na derivação AVR e depressão nas outras
pericardite as alterações ST-T ocorrem de
derivações periféricas e nas precordiais
forma mais generalizada, tanto em derivações
esquerdas V5 e V6 (figura 20-1).
anteriores quanto inferiores. Observe figura
Assim como no IAM, as elevações do segmento
20-1 as elevações em DI, DII, aVL, aVF e V2 a
ST na pericardite aguda são algumas vezes
V6.
seguidas por inversões da onda T (figura 20-2).
Além de afetar a repolarização ventricular
Uma vez que a pericardite não produz
(segmento ST), a pericardite também
necrose miocárdica, não há formação de
ondas Q como as observadas no IAM. Assim,
ondas Q anormais nunca resultam apenas de
pericardite.

Observe as
inversões
difusas da onda T nas
derivações I, II, III, aVL, aVF e
V2 a V6.
Figura 20.2. Fonte: arquivo interno.

2. DERRAME PERICÁRDICO

N
a maioria dos casos, o derrame
pericárdico é o resultado de uma
pericardite, mas pode ocorrer em
associação a outros transtornos, como
mixedema (hipotireoidismo) ou ruptura
do coração. A maior significância clínica
do derrame pericárdico é o risco de
tamponamento cardíaco, com repercussão
hemodinâmica (hipotensão arterial), podendo
ser causa de parada cardíaca com atividade
elétrica sem pulso.
O sinal ECG mais comum de derrame
pericárdico é a baixa voltagem dos complexos
QRS, com amplitude igual ou inferior a 5 mm
(0,5 mV) em cada uma das seis derivações
periféricas, podendo ou não haver baixa

167
Capítulo 20

voltagem nas derivações torácicas V1 a V6.


Nestas derivações, a amplitude será de 10 mm
(1,0 mV) ou menos.
Outros fatores que podem produzir baixa A alternância elétrica é outro padrão pode
voltagem do QRS: obesidade, por causa do ocorrer no derrame pericárdico (figura
tecido adiposo que fica entre o coração e a 20-3). Esse padrão está relacionado ao
parede torácica; enfisema, cujo ar extra da deslocamento batimento-a-batimento no
hiperinsuflação pulmonar “isola” o coração; eixo QRS, como o movimento de balanço
anasarca (edema generalizado) e derrame mecânico do coração para frente e para trás
pleural, dentre outros. em um acúmulo relativamente grande de
líquido (“coração nadante”).

Alternância
elétrica
no tamponamento
pericárdico. Observe a
alternância batimento a
batimento no eixo P-QRS-T;
isso é causado pelo
movimento oscilatório
periódico do coração em um
grande derrame pericárdico.
Voltagem relativamente
baixa do QRS e taquicardia
sinusal também estão
presentes.

Figura 20.3. Fonte: arquivo interno.

3. MIOCARDITE

U
ma variedade de condições (por
exemplo, infecções virais) pode
estar associada à miocardite, cuja inespecíficas de ST-T até alterações de
apresentação clínica é variável, desde repolarização que ocorrem com pericardite
assintomática à insuficiência cardíaca grave e aguda. Ocasionalmente, os achados de
até morte súbita. Em alguns casos, pericardite ECG de miocardite grave podem simular
e miocardite ocorrem juntas. exatamente os de IAM, mesmo com elevações
Os achados de ECG com miocardite também de ST inicialmente e o desenvolvimento de
são bastante variáveis, desde alterações ondas Q patológicas. Arritmias atriais ou
ventriculares podem ocorrer com miocardite,
assim como distúrbios de condução
atrioventricular (AV) ou ventricular.

168
Capítulo 20

4. INSUFICIÊNCIA CARDÍACA
CRÔNICA

A
insuficiência cardíaca crônica (ICC),
é uma síndrome complexa que
pode resultar de múltiplas causas,
incluindo miocardite, IAM extenso, hipertensão esquerdo (e frequentemente do direito)
arterial sistêmica, doença cardíaca valvar e ocorrem sem doença arterial coronariana,
cardiomiopatia. O ECG pode fornecer pistas hipertensão ou lesões valvares significativas.
úteis para o diagnóstico em alguns desses Nesses casos, aplica-se o termo
pacientes: cardiomiopatia dilatada (“congestiva”).
Ondas Q proeminentes e alterações Pacientes com cardiomiopatia dilatada de
ST-T típicas sugerem extenso infarto qualquer causa podem ter um padrão distinto
subjacente. de ECG, denominada “tríade ECG-ICC”, que é
caracterizada por:
Padrões de hipertrofia ventricular
esquerda podem ocorrer com Baixas voltagens nas derivações das
cardiopatia hipertensiva, doença extremidades: QRS com amplitude de
valvar aórtica (estenose ou 8 mm ou menos.
regurgitação) ou regurgitação mitral. Altas voltagens de QRS nas
A combinação de aumento atrial derivações torácicas, de modo que a
esquerdo (ou fibrilação atrial) e sinais soma da onda S na derivação V1 ou
de hipertrofia ventricular direita (HVD) V2 mais a onda R em V5 ou V6 seja 35
sugerem fortemente estenose mitral. mm ou mais.

Bloqueio de ramo esquerdo (BRE) Progressão lenta da onda R nas


pode ocorrer com ICC causada derivações V1 a V4, definida por um
por cardiopatia isquêmica, complexo do tipo QS ou rS
anormalidades valvares, hipertensão
ou cardiomiopatia. Quando a tríade ECG-ICC está presente (figura
20.4), ela sugere fortemente cardiomiopatia
Em alguns pacientes, o aumento acentuado subjacente, mas não indica uma causa
e a diminuição da função do ventrículo específica. Por outro lado, esta tríade tem
baixa sensibilidade; ou seja, sua ausência não
exclui cardiomiopatia subjacente.

Cardiomiopatia
dilatada
idiopática grave em um homem
adulto jovem. A tríade de (1)
voltagens QRS relativamente
baixas nas derivações dos
membros, (2) voltagens QRS
precordiais proeminentes e (3)
progressão muito lenta da onda
R nas derivações torácicas (rS
em V4) é altamente sugestiva
de cardiomiopatia dilatada.
Este achado é relativamente
específico, mas não sensível.
Figura 20.4. Fonte: arquivo interno.

169
Capítulo 20

5. EMBOLIA PULMONAR

O
ECG não é um teste sensível para
embolia pulmonar. A obstrução
no sistema da artéria pulmonar
produzida por um êmbolo pode levar a
relaciona-se à dilatação do ventrículo
determinadas alterações no ECG, mas
direito.
nenhum padrão é sempre diagnóstico. Todos
os padrões a seguir podem ser vistos (figura Deslocamento do eixo QRS para a
20-5): direita.
Taquicardia sinusal. Depressões do segmento ST
consistentes com isquemia
Arritmias como extrassístoles
subendocárdica.
ventriculares e fibrilação atrial.
Bloqueio de ramo direito (BRD)
Sobrecarga ventricular direita: ondas T
incompleto ou completo (rSR′ amplo
invertidas nas derivações V1 a V4. Este
na derivação V1).
padrão anteriormente era chamado
“strain”. A presença dessas alterações, particularmente
quando combinadas, é sugestiva, mas
Padrão SIQ3T3: onda S na derivação
não diagnóstica de embolia pulmonar.
I e uma nova onda Q na derivação Muitos pacientes com embolia pulmonar
III com inversão da onda T nessa maciça apresentam apenas pequenas
derivação. Este padrão provavelmente alterações inespecíficas no ECG. Assim,
tanto a sensibilidade diagnóstica quanto a
especificidade do ECG com embolia pulmonar
são limitadas.

ECG na doença
pulmonar
crônica. Observe a constelação
característica de voltagens
relativamente baixas nas
derivações das extremidades,
desvio do eixo para a direita,
padrão de sobrecarga atrial
direita (P pulmonale) e progressão
lenta da onda R. O eixo da onda P
também é mais vertical do que o
normal (quase +90°).

Figura 20.5. Fonte: arquivo interno.

170
Capítulo 21

6. DOENÇA PULMONAR
OBSTRUTIVA CRÔNICA (DPOC) ventrículo direito pode contribuir para
a zona de transição tardia do eletrodo

O
torácico.
Pacientes com DPOC podem
apresentar alterações relativamente Eixo do QRS vertical ou deslocado
características de achados de ECG para a direita no plano frontal. A
(figura 20-6), incluindo: posição anatomicamente vertical
do coração no tórax de um paciente
Baixa voltagem do QRS. O
com enfisema (e às vezes aumento
aprisionamento excessivo de ar
do ventrículo direito) faz com que o
pulmonar causa a baixa voltagem.
eixo médio do QRS seja verticalizado
Progressão lenta da onda R nas ou mesmo deslocado para a direita
derivações torácicas. Este fenômeno (maior que +100°)
resulta, em parte, do deslocamento
Sobrecarga atrial direita: ondas P altas
para baixo do diafragma. Assim, os
e relativamente estreitas (figura 20-6),
eletrodos do tórax são colocados
com eixo de onda P vertical ou para a
relativamente mais altos do que o
direita (+90° ou mais).
normal. Além disso, a dilatação do

21 - Como interpretar um ECG

INTRODUÇÃO

E
ste capítulo aborda um roteiro para
interpretar um ECG. Você deve cultivar
um método sistemático de leitura de
ECGs que seja aplicado em todos os casos. (velocidade de registro, calibração) e da
Os erros mais comuns estão relacionados a “qualidade geral da imagem”, buscando
omissões, ou seja, falhas em observar dados artefatos ou interferentes. Em seguida, eles
sutis, porém críticos. Por exemplo, ignorar um analisam cada uma das 14 características
intervalo PR curto pode fazer com que você necessárias. Esse processo deve ser repetido
não identifique o padrão Wolff-Parkinson- e verificado várias vezes antes da conclusão
White. Prolongamento do intervalo QT, um final.
potencial precursor de Torsades de Pointes É necessário adiantar que os laudos
e parada cardíaca súbita, às vezes passa computadorizados são frequentemente
despercebido. incompletos ou incorretos. Servem apenas
A maioria dos leitores experientes aborda o como guias. Assim, comprometa-se
ECG obedecendo um “roteiro”. Primeiro, eles inicialmente com a sua análise para, em
fazem uma varredura geral da configuração seguida, comparar com a interpretação do
computador. Às vezes, ele irá apontar algo que
você perdeu, mas muitas vezes ele vai perder
algo que você encontrou.

171
Capítulo 21

UMA BOA INTERPRETAÇÃO DE ECG


ANALISANDO QUATORZE PARÂMETROS

Para cada ECG, pratique o hábito de analisar 14


parâmetros, listados no quadro 1 e discutidos
em seguida.

Quadro 21.1.
14 parâmetros a serem analisados em cada ECG
1. Padronizações de registro: qualidade técnica, velocidade (25 mm/seg) e
calibração (10 mm = 1 mV);
2. Ritmo;
3. Frequência cardíaca;
4. Intervalo PR;
5. Onda P: amplitude e duração;
6. QRS: duração;
7. QRS: voltagem (amplitude);
8. QRS: eixo médio;
9. Intervalo QT e QT corrigido;
10. Progressão da onda R nas derivações precordiais;
11. Ondas Q anormais;
12. Segmento ST;
13. Ondas T;
14. Ondas U.

1. PADRONIZAÇÕES DE REGISTRO

O
eletrocardiógrafo deve estar 2. RITMO

O
calibrado de forma que a marca de
padronização tenha 10 mm de altura O ritmo cardíaco pode ser descrito
(10 mm = 1 mV). São raras as necessidades de em uma das quatro categorias a
se modificar esta padronização, seja para mais seguir:
(1 mV = 20 mm) ou para menos (1 mV = 5 mm).
Ritmo sinusal.
A velocidade padrão de registro (25 mm/
seg) também deve ser verificada. Além disso, Ritmo sinusal com batimentos
verifique se há reversão das derivações de ectópicos (extrassístoles) atriais ou
membros e artefatos técnicos. ventriculares.
Ritmo totalmente ectópico (não
sinusal): taquicardia paroxística
supraventricular (TPSV), fibrilação ou
flutter atrial, taquicardia ventricular ou
ritmo de escape juncional.
Ritmo sinusal ou ectópico (por
exemplo, taquicardia atrial) com
bloqueio atrioventricular (BAV) de

172
Capítulo 21

2º ou 3º graus. Quando o bloqueio


cardíaco completo está presente,
tanto a frequência atrial quanto o
mecanismo de escape (frequência referido como bloqueio AV de 1º. Um intervalo
ventricular) devem ser descritas. PR curto associado a um QRS largo e uma
onda delta é típico de Wolff-Parkinson-White.
Lembrete: o ritmo sinusal requer a presença Por outro lado, um intervalo PR curto com
de ondas P sempre positivas em DII e ondas P retrógradas (negativas na derivação
negativas em aVR). II) indica um marcapasso ectópico (atrial ou
Tenha cuidado para não negligenciar ondas juncional AV).
P ocultas. Por exemplo, quando a frequência
ventricular for acima de 150 batimentos/
min, sempre considere a possibilidade de
flutter atrial 2:1 – nesse caso, as ondas do 5. ONDA P: AMPLITUDE E DURAÇÃO

A
flutter são difíceis de discernir, ou podem ser
confundidas com as ondas P de taquicardia onda P não deve exceder 2,5 mm
atrial. de amplitude (0,25 mV) e 3 mm
(0,12 seg) de largura em todas as
derivações. Ondas P altas e pontiagudas
sugerem sobrecarga atrial direita (P
pulmonale), enquanto ondas P largas (e às
3. FREQUÊNCIA CARDÍACA vezes entalhadas) são vistas na sobrecarga

C
atrial esquerda.
alcule a frequência cardíaca. Para
ritmos regulares, divida 1500 pela
distância, em milímetros, entre duas
ondas R. 6. COMPLEXO QRS: DURAÇÃO

A
Para um “ritmo sinusal normal” (condução
AV 1:1), a frequência ventricular (QRS) é Normalmente, a largura do QRS
igual à frequência atrial (P). Uma taquicardia é de até 0,1 segundo (2,5 mm) em
representa uma frequência superior a 100 todas as derivações. O diagnóstico
batimentos/min, enquanto uma frequência diferencial de um complexo QRS largo é
inferior a 50 batimentos/min significa uma descrito no capítulo 14 (bloqueios de ramos
bradicardia. e fascículos). O diagnóstico diferencial de
taquicardias de complexo largo é descrito no
Capítulo 13.

4. INTERVALO PR
7. COMPLEXO QRS: AMPLITUDE

O P
intervalo PR normal (do início da
onda P ao início do complexo QRS) rocure sinais de hipertrofia ventricular
é de 0,12 a 0,20 segundos. Um direita ou esquerda (ver Capítulo 12).
intervalo PR uniformemente prolongado é Lembre-se de que pessoas magras,
atletas e adultos jovens frequentemente
apresentam alta voltagem sem hipertrofia
ventricular esquerda (HVE). As principais
causas de baixa voltagem estão descritas no
capítulo 20.

173
Capítulo 21

8. COMPLEXO QRS: EIXO ELÉTRICO


MÉDIO

E
stime o eixo QRS médio (normal
entre −30° e +120°) no plano frontal e pode ocorrer na hipertrofia ventricular direita,
verifique se há desvios. Consulte o no infarto posterior e na dextrocardia.
capítulo 6.

9. INTERVALO QT/QTC 11. ONDAS Q ANORMAIS

U O
m intervalo QT/QTc prolongado ndas Q proeminentes nas derivações
indicar distúrbios eletrolíticos II, III e aVF podem indicar infarto da
(hipocalcemia ou hipocalemia), parede inferior. Ondas Q proeminentes
efeitos de drogas (quinidina, procainamida, nas derivações anteriores (I, aVL e V1 a V6)
amiodarona ou sotalol) ou isquemia podem indicar infarto da parede anterior.
miocárdica (geralmente com inversões
proeminentes da onda T). Os intervalos
QT encurtados são observados com
hipercalcemia e efeito digitálico. As fórmulas
para corrigir o intervalo QT pela frequência 12. SEGMENTO ST

P
cardíaca (QTc) são discutidas no Capítulo 5.
rocure elevações ou depressões
anormais do segmento ST.

10. ONDA R: PROGRESSÃO NAS


DERIVAÇÕES PRECORDIAIS
13. ONDAS T

I A
nspecione as derivações V1 a V6 para
ver se o aumento normal na relação s ondas T normalmente são positivas
R/S ocorre à medida que você se em derivações com complexo QRS
move pelo tórax. O termo “progressão lenta” positivo (incluindo DII) e negativas
da onda R (ondas R pequenas ou ausentes nas em aVR. A polaridade nas outras derivações
derivações V1 a V3) pode ser sinal de infarto periféricas depende do eixo elétrico do QRS.
do miocárdio anterior, mas também pode ser Assim, podem ser negativas em DIII mesmo na
observado em outras situações, incluindo: presença de um eixo QRS positivo.
colocação alterada de eletrodos, hipertrofia
ventricular esquerda, doença pulmonar
crônica e bloqueio de ramo esquerdo.
O termo “progressão reversa” da onda R é
14. ONDAS U

P
usado para descrever ondas R anormalmente
Procure por ondas U proeminentes.
altas na derivação V1 que diminuem
Essas ondas, geralmente mais
progressivamente em amplitude. Esse padrão
aparentes nas derivações torácicas
V2 a V4, podem ser um sinal de hipocalemia
ou toxicidade por drogas (por exemplo,
amiodarona, quinidina ou sotalol).

174
Capítulo 21

FORMULANDO UMA CONCLUSÃO


FINAL

A
pós analisar as 14 características
do ECG, você deve formular uma com efeito ou toxicidade por droga (sotalol,
interpretação geral com base nesses etc.) ou hipocalemia. Sugere-se correlacionar
achados, sempre levando em consideração o com a história clínica do paciente”.
contexto clínico. Um outro ECG pode mostrar ondas P largas,
Por exemplo, um ECG pode mostrar um desvio do eixo para a direita e uma onda R alta
intervalo QT/QTc prolongado e ondas U na derivação V1 (ver Fig. 21-1). A interpretação
proeminentes. A interpretação pode ser poderia ser: “Achados consistentes com
“Anormalidades de repolarização consistentes anormalidade atrial esquerda (aumento) e
hipertrofia ventricular direita. Esta combinação
é sugestiva de estenose mitral.”

ECG para
interpretação:
(1) padronização—10 mm/mV; 25
mm/seg (calibração eletrônica); (2)
ritmo – sinusal normal (3) frequência
cardíaca – 75 batimentos/min; (4)
intervalo PR—0,16 seg; (5) Ondas
P—tamanho normal; (6) largura do
QRS — 0,08 seg (normal); (7) intervalo
QT—0,4 seg (ligeiramente prolongado
para frequência); (8) Voltagem do
QRS — normal; (9) eixo QRS médio –
cerca de 30° (complexo QRS bifásico
na derivação II com complexo
QRS positivo na derivação I); (10)
Figura 21.1. Fonte: arquivo interno. Progressão da onda R nas derivações
torácicas – transição precordial
precoce com onda R relativamente
alta na derivação V2; (11) ondas Q
anormais — derivações II, III e aVF;
(12) Segmentos ST – levemente
elevados nas derivações II, III, aVF,
V4, V5 e V6; levemente deprimido
nas derivações V1 e V2; (13) Ondas
T – invertidas nas derivações II, III,
aVF e V3 a V6; e (14) ondas U—não
proeminentes. Impressão: Este ECG
é consistente com um infarto do
miocárdio de parede inferolateral
(ou infero-posterolateral) de idade
indeterminada, possivelmente
recente ou em evolução. Comentário:
A onda R relativamente alta na
derivação V2 pode refletir perda de
potenciais laterais ou envolvimento
real da parede posterior.

175
Capítulo 21

Em um terceiro caso, a interpretação geral computadorizadas (incluindo medições de


pode ser simplesmente “Eletrocardiograma intervalos básicos de ECG e eixos elétricos)
dentro dos limites normais”. nunca devem ser aceitas sem uma revisão
Cada anormalidade de ECG que você cuidadosa.
identificar deve reunir uma lista de
possibilidades diagnósticas. Você deve
procurar uma explicação para cada
anormalidade encontrada. Por exemplo, ARTEFATOS DE ECG
se o ECG mostrar taquicardia sinusal,

O
você precisa encontrar a causa desta
ECG, como qualquer outro registro
frequência rápida. É resultado de ansiedade,
eletrônico, está sujeito a inúmeros
febre, hipertireoidismo, insuficiência
artefatos que podem interferir
cardíaca crônica, hipovolemia, drogas
na interpretação precisa. Alguns dos mais
simpaticomiméticas, abstinência de álcool ou
comuns são descritos aqui.
alguma outra causa?
Desta forma, a interpretação de um ECG
torna-se parte integrante do diagnóstico TREMOR MUSCULAR
clínico do paciente.
Tremor muscular, seja voluntário ou
involuntário (por exemplo, parkinsonismo),
pode produzir ondulações na linha de base
CUIDADO: INTERPRETAÇÕES DE que podem ser confundidas com flutter ou
fibrilação atrial ou às vezes até taquicardia
ECG COMPUTADORIZADO ventricular (Fig. 21-2).

S
istemas computadorizados (softwares)
para análise de ECG tornaram-se mais
sofisticados e precisos, sendo hoje
amplamente utilizados. Apesar dos avanços,
tais análises ainda apresentam limitações Artefatos
importantes e não raramente estão sujeitas a
erros diagnósticos. Portanto, interpretações
simulando
grandes arritmias. A, Artefato
de movimento simulando uma
taquicardia ventricular rápida.
Os complexos QRS normais,
indicados pelas setas (e
amplamente obscurecidos pelo
artefato) podem ser vistos a uma
taxa de cerca de 100 batimentos/
min. B, tremor parkinsoniano
causando oscilações da linha
de base na derivação II que
mimetizam fibrilação atrial.
Observe a regularidade dos
complexos QRS, que fornecem
uma pista de que a fibrilação
atrial não está presente. (De
Mirvis DM, Goldberger AL:
Electrocardiography. In Bonow
RO, Mann DL, Zipes DP, Libby P
(eds): Braunwald’s Heart Disease,
Figura 21.2. Fonte: arquivo interno.
9th ed.

176
Capítulo 21

MAU CONTATO DO ELETRODO OU


MOVIMENTO DO PACIENTE

Mau contato do eletrodo ou movimento do


paciente (Fig. 21-3) pode produzir deflexões na
linha de base que pode obscurecer o padrão
subjacente ou ser confundido com batimentos
anormais.

Deflexões
simulando
batimentos ventriculares
prematuros, produzidos pelo
movimento do paciente.
Um artefato produzido por
interferência de 60 Hz também
está presente.

Figura 21.3. Fonte: arquivo interno.

PADRONIZAÇÃO IMPRÓPRIA

O eletrocardiógrafo, como mencionado, deve


ser padronizado antes de cada traçado para
que uma tensão de 1 mV pulso produz uma
onda quadrada de 10 mm de altura (ver Fig.
2-5). A falha em padronizar corretamente deixados no modo padrão de 10 mm/mV e
resulta em complexos anormalmente baixos 25 mm/seg. Conforme observado, a gravação
ou altos. A maioria dos eletrocardiógrafos são não intencional de um ECG em qualquer uma
dessas configurações também pode resultar
em leitura enganosa de tensão “baixa” ou
“alta”.

177
Referências bibliográficas

Referências bibliográficas
CAPÍTULO 1 – HISTÓRIA DO ECG

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Para saber mais – sites interessantes

ECG library: https://ecglibrary.com/


ecghome.php

The Alan e Lindsay ECG learning center:


http://library.med.utah.edu/kw/ecg

The six second ECG. Dynamic cardiac


rhythm simulator: https://www.skillstat.
com/tools/ecg-simulator/

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