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E Book Simplificando A Interpretacao Do Eletrocardiograma 1
E Book Simplificando A Interpretacao Do Eletrocardiograma 1
Prefácio
O eletrocardiograma (ECG) é um exame que ventriculares, as alterações eletrocardiográficas do
foi inventado há mais de 100 anos e continua infarto agudo do miocárdio, dentre diversos outros
insubstituível para o diagnóstico de determinadas distúrbios.
condições, como o infarto agudo do miocárdio. É importante ressaltar que este e-book não
Ele é tão importante em determinados cenários substitui os textos clássicos. Foi formatado em
de atendimento clínico que pode definir toda um padrão mais informal, com muitas gravuras
uma estratégia de tratamento. Por exemplo, e uma linguagem simples, exatamente para ser
se um paciente dá entrada em um serviço de facilmente compreendido. Além disso não tem fins
emergência com dor precordial típica e seu ECG lucrativos. Foi uma verdadeira imersão no estudo
evidenciar supradesnivelamento do segmento do diagnóstico eletrocardiográfico. Centenas de
ST o diagnóstico de infarto agudo do miocárdio horas lendo, resumindo, escrevendo e corrigindo.
é prontamente feito, antes mesmo de ocorrer Tudo isso para oferecer uma contribuição pessoal
elevação laboratorial das enzimas cardíacas. Neste ao meio acadêmico.
caso, o cateterismo cardíaco deve ser realizado o A diagramação deste e-book foi realizada pela
quanto antes. designer Nara Goulart, cuja contribuição foi única.
Embora seja um exame de fácil realização, Sempre disponível e de forma voluntária ela foi
de baixíssimo custo e que pode ser feito até capaz de produzir um texto final de aparência leve
mesmo dentro de uma ambulância de serviço de e agradável. Tudo isso para tornar a leitura mais
atendimento móvel de urgência (SAMU), a sua agradável e de fácil compreensão.
interpretação é uma arte, e pode ser desafiadora.
Muitos médicos acreditam ser impossível
compreender todos aqueles “rabiscos” sobre um Sejam bem-vindos ao fantástico mundo do
papel milimetrado. Exatamente por isso alguns eletrocardiograma.
estudantes de medicina têm certa aversão inicial
ao exame, o que dificulta ainda mais o estudo do Ângelo Geraldo José Cunha.
assunto.
Muito desta dificuldade pode estar relacionada ao
fato de que o princípio do ECG passa por conceitos
relacionados à física, como vetores, voltagem,
amperagem, velocidade de registro, etc. Portanto,
há muito de raciocínio lógico no momento de Ficha Técnica
interpretar um ECG. Assim, conhecer fisiologia é
essencial para dominar a arte da interpretação do Diretor-Geral
ECG. Vinicius Lana Ferreira
Este livro foi escrito com o objetivo de simplificar
Coordenação do Curso de Medicina
esta interpretação. Ele traz uma linguagem mais
Mariana de Souza Furtado
informal em relação aos textos tradicionais.
Por isso pode ser utilizado por acadêmicos de Coordenação Adjunta de Ensino
medicina e médicos generalistas, bem como Lauro Nunes Filho
profissionais da área da enfermagem. O primeiro
capítulo, História do Eletrocardiograma, é uma Autor
forma de fazer uma justa homenagem aos seus Ângelo Geraldo José Cunha
criadores. Na sequência os capítulos abordam
Diagramação e Projeto Gráfico
a eletrofisiologia, a padronização de registro e
Nara Goulart
como realizar e interpretar um ECG normal. Em
seguida são abordadas as anormalidades, como Supervisão
os distúrbios de ritmo e frequência, as arritmias Mauro Ruback
supraventriculares, do nó atrioventicular e
Sumário
Sumário
Página Capítulo
04 1 - História do Eletrocardiograma
13 2 - Eletrofisiologia
22 3 - Princípios fundamentais do ECG
29 4 - Padronizações de registro do ECG
35 5 - ECG normal: registro das ondas e interpretação do resultado
44 6 - Eixos elétricos e desvios
51 7 - Distúrbios supraventriculares – parte I: Distúrbios de ritmo e frequência,
sobrecargas atriais
62 8 - Distúrbios supraventriculares – parte II: Extrassístoles e taquicardia
supraventricular paroxística
01 - História do Eletrocardiograma
Willen
Einthoven
e o primeiro
eletrocardiógrafo
construído. Repare
nas bacias de água:
elas continham
salmoura e
funcionavam como
eletrodos.
O
eletrocardiograma (ECG), uma aplica conhecimentos da física e da química
ferramenta diagnóstica criada há na medicina.
mais de 100 anos, está entre os O brilhante fisiologista holandês Willem
principais exames complementares Einthoven é considerado o pai do ECG. Ele
realizados na medicina atual, capaz de definir criou, em 1903, um método não invasivo
condutas. Por exemplo, o infarto agudo do para estudar o funcionamento do coração.
miocárdio será tratado de modo diferente Este primeiro equipamento conectava fios
caso haja supradesnivelamento do segmento acoplados aos membros (pé esquerdo e
ST. Para diagnóstico e classificação de mãos esquerda e direita) e que ficavam
bloqueios atrioventriculares o ECG é crucial. imersos em baldes contendo soluções de
Assim, é importante que façamos uma eletrólitos. Estes fios estavam ligados entre
justa homenagem aos seus criadores. A si e conectavam a uma imensa máquina de
seguir apresentamos uma breve história quase 300 quilogramas de peso (figura 1-1) e
do eletromagnetismo e de sua importância que necessitava cinco pessoas para operá-la.
para se compreender os princípios do Este dispositivo revolucionário lhe rendeu o
funcionamento deste fantástico exame, que prêmio Nobel de Medicina em 1924.
04
Capítulo 01
O ELÉTRON E O MAGNETISMO
Âmbar
amarelo.
Demonstração do
experimento de Tales
de Mileto.
05
Capítulo 01
Circuito
elétrico
simples e sua
representação
esquemática (à
direita)
Figura 1-3. Fonte: http://webfisica.com/fisica/curso-de-fisica-basica/aula10.80/. Acesso em 15/04/2022.
CORRENTE ELÉTRICA
Q
de His-Purkinje e como receptor a célula
uando uma carga elétrica é colocada miocárdica.
próxima a outra, age sobre ela uma A intensidade de corrente elétrica é o número
força que pode deslocá-la de sua de cargas que circulam por unidade de
posição. Este deslocamento ordenado de tempo. Sua unidade de medida é o Ampère
cargas elétricas é o que constitui a corrente (A). Quando uma carga é abandonada em um
elétrica. Para que exista uma corrente elétrica, campo elétrico, ela entra em movimento; ou
é necessário que haja um circuito elétrico seja, perde energia potencial e ganha energia
(figura 1-3), composto por: um gerador (uma cinética. Este fenômeno é denominado
bateria, por exemplo), que fornece a energia diferença de potencial elétrico, voltagem ou
necessária para que as cargas percorram tensão, e sua unidade de medida é o Volt
o circuito; um material condutor (exemplo: (V). A intensidade de corrente e a diferença
cobre); um receptor (uma lâmpada, por de potencial podem ser medidas pelo
exemplo). Para o coração, consideremos como amperímetro e voltímetro, respectivamente,
gerador o nó sinusal, como condutor o sistema que são dois subtipos de galvanômetro, cujos
Amperímetro
(à esquerda) e circuito
elétrico onde foram inseridos
um amperímetro (mede a
intensidade de corrente) e um
voltímetro (mede a diferença de
potencial entre dois pontos).
06
Capítulo 01
Hans
Christian
Öersted
e o princípio do
eletromagnetismo.
Figura 1-5. Fonte: Júnior, Joab Silas da Silva. “Hans Christian Oersted”; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.
br/fisica/hans-christian-oersted.htm. Acesso em 27 de janeiro de 2022.
E
m 1791, o médico e físico italiano circuito elétrico simples e percebeu que a
Luigi Galvani conseguiu movimentar, agulha imantada da bússola sofria deflexões
com estímulo elétrico, o músculo quando existia corrente elétrica no circuito.
da perna de um sapo morto. A única explicação possível para a deflexão
Por volta de 1820 o dinamarquês Hans sofrida pela agulha imantada era a presença
Christian Öersted descobriu os princípios de um campo magnético que concorria com
do eletromagnetismo (figura 1-5). Ele o campo magnético terrestre. Assim, Öersted
posicionou uma bússola próximo a um concluiu que cargas elétricas em movimento
geravam campo magnético.
Ímã
natural
(à esquerda) e seu
campo magnético
(ao centro). À
direita, um modelo
de eletroímã.
Para se criar um campo magnético mais corrente elétrica sobre este circuito, o campo
intenso, constrói-se o eletroímã, que nada magnético no interior desta “bobina” é
mais é do que um fio de material bastante extraordinariamente reforçado, convertendo-o
condutor (cobre, por exemplo), enrolado em um poderoso ímã com muitas aplicações
diversas vezes sobre uma barra de ferro práticas.
(ver figura 1-6). Quando se faz passar uma
07
Capítulo 01
Tubo
capilar
de vidro
demonstrando o princípio
de funcionamento do
eletrômetro de Lippman
(1872). Eletrodos são
colocados nas superfícies
Figura 1-7. Fonte: Arquivo interno.
do mercúrio e do ácido
sulfúrico. A passagem de
corrente elétrica altera
a tensão superficial do
mercúrio, que se move
em ondas que são
registradas sob a forma
de “eletrograma” (à
direita).
08
Capítulo 01
Waller e
Jimmy,
seu Bulldog o qual
foi utilizado em suas
demonstrações em aulas.
09
Capítulo 01
Galvanômetro
de corda
desenvolvido por Einthoven. Uma
corrente elétrica, ao atravessar
Agora, mesmo a fraca corrente do potencial um filamento de quartzo
elétrico cardíaco seria capaz de mover o (revestido por uma fina camada
filamento de quartzo, cujos deslocamentos de prata) esticado entre os
eram registrados num filme fotográfico, que polos de um eletroímã, promove
rodava à velocidade de 25 mm/s, como nos deslocamentos laterais deste fio.
eletrocardiógrafos atuais. A relação entre Estes movimentos, observáveis
ao microscópio micrométrico,
a amplitude do traçado e a voltagem era
são registrados sob a forma de
controlada pela tensão do filamento. A razão ondas (P, QRS, T).
da escolha das letras P, Q, R, S, T por Einthoven
nunca foi por ele explicada.
Agora o “eletrograma” se tornaria o
“eletrocardiograma”. Trabalhando com o seu
singular galvanômetro, Einthoven estabeleceu
os princípios básicos do ECG. Ele criou as
derivações bipolares dos membros (DI, DII e
DIII), obtidas a partir de eletrodos colocados nos membros e dispostos num triângulo
equilátero, estando o coração no centro deste
triângulo. Os ápices seriam o braço esquerdo,
o braço direito e a perna esquerda. Cada
derivação mede a diferença de potencial entre
dois eletrodos: o explorador (+) e o indiferente
(-).
A partir da posição dos eletrodos nos
membros, Einthoven formulou a clássica
equação DII = DI + DIII. As ondas do
eletrocardiograma foram nomeadas P, QRS e
T. A onda U foi descrita posteriormente.
10
Capítulo 01
AS DERIVAÇÕES “UNIPOLARES”
Terminal
Central de
Wilson
(à esquerda). Resistores
de 5.000 Ohm (5KΩ)
são conectados a cada
eletrodo dos membros
quando se constrói
o terminal. À direita,
posição dos eletrodos
para o registro das
derivações precordiais
(V) ligadas ao terminal
central através dos
eletrodos dos membros. Figura 1-10. Fontes: https://www.researchgate.net/figure/Triangle-of-Einthoven-Wilsons-central-terminal; Brawnwald
Tratado de Doenças Cardiovasculares. Vol. 1. Cap. 12: Eletrocardiografia.
11
Capítulo 01
Localização
dos
eletrodos
e conexões elétricas para
o registro das derivações
aumentadas dos membros
aVR, aVL, aVF. As linhas
tracejadas indicam as
conexões para produzir o
potencial do eletrodo de
referência.
Figura 1-11. Fonte: Brawnwald Tratado de Doenças Cardiovasculares. Vol. 1. Cap. 12: Eletrocardiografia.
12
Capítulo 02
02 Eletrofisiologia
FISIOLOGIA DO MÚSCULO CARDÍACO
O
coração é composto por três tipos
de músculo: o músculo atrial, o
músculo ventricular e as fibras
especializadas excitatórias e condutoras. Os
tipos atrial e ventricular contraem-se quase
como os músculos esqueléticos. Por outro
lado, as fibras excitatórias e de condução só
se contraem fracamente, mas apresentam
descargas elétricas rítmicas automáticas
na forma de potenciais de ação, ou fazem a
condução desses potencias de ação através
do coração.
O músculo cardíaco é estriado, como o longitudinal das fibras, com os potenciais
músculo esquelético, com fibras que se de ação se propagando facilmente entre as
dispõem em malha ou treliça, (figura 2-1). células. Assim, quando uma célula é excitada,
Além disso contém miofibrilas típicas, o potencial de ação se espalha facilmente
com filamentos de actina e miosina. Esta para todas as demais.
característica sincicial permite a difusão de O coração é, na verdade, composto por dois
íons quase totalmente livre ao longo do eixo sincícios: o atrial e o ventricular. Os átrios são
separados dos ventrículos por tecido fibroso
(A-V) entre eles. Os potenciais de ação não
são capazes de atravessar essa “barreira
fibrosa”, sendo necessário um sistema
especializado de comunicação entre os átrios
e os ventrículos, chamado feixe A-V.
Caráter
sincicial
das fibras musculares
cardíacas (à esquerda).
Estrutura dos filamentos
de actina e miosina e
suas interações (à direita).
Figura 2-1. Fonte: Guyton & Hall. Tratado de Fisiologia Médica. 12ª ed.
13
Capítulo 02
Potenciais
de ação
rítmicos
(em miliVolts) de fibra de
Purkinje (gráfico superior,
em vermelho) e de fibra
muscular ventricular
(gráfico inferior, em azul).
Figura 2-2. . Fonte: Guyton & Hall. Tratado de Fisiologia Médica. 12ª ed.
14
Capítulo 02
Mecanismo
“em catraca”
de acoplamento entre actina e
miosina.
15
Capítulo 02
Inervação
simpática e
parassimpática
(nervos vagos) do coração.
16
Capítulo 02
O
pode bloquear a condução do impulso pelo
O coração é dotado de um sistema
feixe A-V. Esses efeitos resultam do efeito
especial para gerar e conduzir
da hiperpotassemia na redução do potencial
impulsos elétricos por todo
de repouso das membranas das fibras
miocárdio, com objetivo de coordenar as
miocárdicas, por “acúmulo de potássio” no
contrações de átrios e ventrículos. Este
interior das células. À medida que o potencial
sistema é formado pelo nodo sinusal, no qual
de membrana diminui (fica menos negativo),
o impulso é gerado; as vias internodais que
a intensidade do potencial de ação também
conduzem o impulso do nodo sinusal ao nodo
diminui, o que faz as contrações do coração
atrioventricular (AV); o próprio nodo AV, no
serem progressivamente mais fracas.
qual o impulso, vindo dos átrios, é retardado
O raciocínio inverso vale para os casos de
antes de passar para os ventrículos; o feixe
hipopotassemia: a célula se torna ainda mais
AV, que conduz o impulso dos átrios para os
negativa em seu interior, facilitando a geração
ventrículos e os ramos direito e esquerdo do
e propagação do potencial de ação. Ou seja,
feixe de fibras de Purkinje, que conduzem o
a célula se torna mais facilmente excitável, o
impulso cardíaco para todas as partes dos
que aumenta o risco de potenciais de ação
ventrículos. A figura 2-5 ilustra este sistema
espontâneos e arritmias fatais.
condutor e excitatório.
O excesso de íons cálcio causa efeitos quase
opostos aos dos íons potássio, induzindo o
O nodo
sinusal,
as vias internodais, o
nodo AV e os ramos
ventriculares.
17
Capítulo 02
Descarga
rítmica
do nodo sinusal em
comparação com o de
uma fibra muscular.
18
Capítulo 02
Vias
internodais
atriais
atriais e organização do
nodo AV. Os números
representam a velocidade
de condução desde a
origem do impulso no nodo
sinusal.
19
Capítulo 02
3. O NODO AV E O FEIXE AV
O sistema
elétrico
cardíaco
Figura 2-8. Fonte: https://museuanatomia.
ufms.br/coracao/
Após atravessar o tecido fibroso entre os interventricular. Cada ramo se dirige para o
átrios e ventrículos, a porção distal do feixe ápice cardíaco, progressivamente, dividindo-
AV se prolonga para baixo e para frente, por se em ramos cada vez menores. Estes ramos
5 a 15 milímetros no septo interventricular, se dispersam lateralmente em torno de cada
em direção ao ápice cardíaco. Nesse ponto o câmara ventricular e retornam em direção á
feixe se divide em ramos direito e esquerdo base do coração (disposição “em leque”). Por
do feixe que cursam pelo endocárdio, fim, fazem a interface direta com as fibras
respectivamente, nos dois lados do septo musculares do coração.
20
Capítulo 02
21
Capítulo 03
A
nteriormente foi descrita a fisiologia CORRENTES ELÉTRICAS E GERAÇÃO
do músculo cardíaco, bem como DO CAMPO ELÉTRICO CARDÍACO
o princípio da geração e condução
do potencial de ação através do sistema
S
elétrico, além da excitação rítmica do coração. ão as correntes iônicas
O objetivo final é gerar o sincronismo de transmembranas as responsáveis pelos
contração atrial e ventricular, a partir de uma potenciais registrados pelo ECG.
sequência de ativação elétrica. Foge ao escopo deste trabalho discutir
O ECG é registro do resultado desta série detalhes quanto aos princípios físicos da
complexa de processos fisiológicos. geração e propagação destes campos
Primeiro, são produzidas correntes iônicas elétricos. De forma resumida, pode-se dizer
transmembranas entre células adjacentes. que os campos elétricos gerados por uma
Estas correntes são suficientes para gerar um frente de onda (uma despolarização, por
campo elétrico capaz de atravessar estruturas exemplo), podem ser representados por um
como pulmões, sangue e músculos, até vetor que possui uma força e orientação
atingir a pele. Estas correntes que alcançam espacial.
a pele podem ser detectadas por eletrodos Segundo a física, vetor é um segmento de reta
colocados em locais específicos nos membros orientado que apresenta tamanho, direção e
e no tronco, configurados para produzirem sentido. Os vetores são usados para expressar
as derivações eletrocardiográficas. Portanto, grandezas físicas vetoriais, ou seja, aquelas
o aparelho de ECG é um equipamento capaz que só podem ser definidas se conhecemos o
de reconhecer e registrar estas variações no seu valor numérico, a direção em que atuam
campo elétrico cardíaco. (horizontal e vertical), bem como o seu o
sentido (para cima, para baixo).
Um vetor, portanto, possui direção, sentido e
intensidade. São usualmente representados
por setas, que partem da origem, e utilizam-se
as coordenadas de seu último ponto. A figura
3-1 ilustra a representação espacial de dois
vetores de intensidade e direção distintas.
Vetores
representados
por setas cujas coordenadas
correspondem ao seu ponto final. O
vetor u possui coordenadas (2,2) e o
vetor v possui coordenadas (4,2). Além
disso, a seta é utilizada para indicar
direção e sentido, e o seu tamanho
indica a intensidade.
22
Capítulo 03
23
Capítulo 03
Sentido e
direção da
onda
sequenciais de despolarização
ventricular, no plano frontal
(à esquerda) e no plano
horizontal (à direita). O vetor
1, de pequena magnitude,
representa a despolarização do
septo interventricular e segue
da esquerda para a direita,
Figura 3-3. Fonte: Arquivo interno. de cima para baixo e para
frente. O vetor 2 representa
a despolarização da massa
ventricular propriamente dita, e
aponta para a esquerda devido
à dominância do ventrículo
esquerdo. O Vetor 3, também
de baixa magnitude, representa
a despolarização da parta alta
(base) dos ventrículos, e aponta
para a direita, para cima, e para
frente.
Sentido
e direção
do vetor
resultante da
repolarização ventricular,
no plano frontal (à
esquerda) e no plano
horizontal (à direita).
24
Capítulo 03
A
nteriormente foram descritos os
vetores cardíacos correspondentes
às despolarizações dos átrios e
ventrículos (ondas P e complexo QRS) e à e derivações precordiais (V1 a V6), a origem
repolarização dos ventrículos (onda T). Existe destes vetores encontra-se no ponto médio do
um novo conceito a ser adicionado antes de eixo que conecta os eletrodos que compõem
se avançar para o registro eletrocardiográfico. o eletrodo composto, conforme já descrito
Uma derivação, per si, também pode ser anteriormente, em direção ao eletrodo
representada como um vetor, já que ela positivo. A figura 3-5 ilustra o sentido e direção
corresponde a um dipolo. Para as derivações destes “vetores de derivação”, tanto no plano
bipolares simples (DI, DII, DIII) tais vetores frontal quanto no plano horizontal.
estão direcionados do eletrodo negativo Portanto, é necessário que neste momento
para o eletrodo positivo. Para as derivações o conceito desta “dupla derivação” (de
aumentadas dos membros (aVR, aVL, aVF) vetores cardíacos e de vetores de derivação)
esteja bem compreendido antes de
avançar para o entendimento do registro do
eletrocardiograma.
Vetores
das seis
derivações
dos membros
(à esquerda) e das seis
derivações precordiais (à
direita). RA: right arm (braço
direito); LA: left arm (braço
esquerdo); LF: left foot (pé
esquerdo).
Figura 3-5. Fonte: Arquivo interno.
25
Capítulo 03
Sistema
composto
pelos seis eixos
das derivações do plano frontal.
Os mesmos foram reorganizados
de modo que seus centros
permaneçam sobrepostos e
“passem pelo centro geométrico
do coração”. Os polos positivos
de cada eixo mostram a
denominação da derivação.
Vetor de
despolarização
ventricular
de indivíduo saudável, com eixo
posicionado entre + 30 e + 60º.
Este vetor será registrado como
ondas positivas em DI, DII, DIII, aVL
e aVF, e onda negativa em aVR.
26
Capítulo 03
REPRESENTAÇÃO
Triângulo de
Einthoven
representando as derivações DI,
DII e DIII como dipolos
27
Capítulo 03
Demonstração
prática da Lei de
Einthoven
(DII = DI + DIII). A amplitude da onda
R em DII (27 mm ou 2,7mV) é igual
Vamos partir da segunda equação (DII = PE – à soma da amplitude de QRS em DI
BD) para deduzir a fórmula. Sabendo-se que (8 mm ou 0,8 mV) e DIII (19 mm ou
PE = DIII + BE (conforme 3ª equação), então DII 1,9 mV).
= DIII + BE – BD.
Ora, o que representa BE – BD? A equação DI.
Agora fica fácil. Substitua (BE – BD) por DII e
chega-se à fórmula final: DII = DIII + DI.
Na prática, o que isso representa?
Que o registro da amplitude de uma onda vetor de despolarização atrial é representado
(QRS, por exemplo) em DII deverá ter, pela onda P. Os vetores de despolarização
obrigatoriamente, a soma das amplitudes da e repolarização ventricular correspondem,
mesma onda nas derivações DIII e DI. Vamos respectivamente, ao complexo QRS e à onda
conferir? Analise o ECG da figura 3-9 e faça a T.
soma da amplitude do QRS em DIII e DI. As ondas P, QRS e T têm características
Até o presente foram apresentados particulares quanto à morfologia, duração e
os princípios fisiológicos da geração e amplitude. Para a correta interpretação do
propagação dos impulsos elétricos cardíacos ECG, o registro destas ondas necessita ser
e sua representação como vetores. No padronizado: papel milimetrado, velocidade
traçado do eletrocardiograma clássico, o (milímetros por segundo) e amplitude
(voltagem em miliVolts).
O próximo capítulo abordará estas
padronizações de registro.
28
Capítulo 04
A
tualmente há diversos modelos de
aparelhos de ECG disponíveis no
mercado, dos mais simples aos mais
sofisticados. Os mais atuais dispõem de 12
canais de captura simultânea e sistema de
laudo automatizado através softwares que em dispositivos como pendrives. A figura 4-1
utilizam algoritmos validados. Alguns modelos ilustra um destes modelos.
permitem interface digital com computadores
e possuem entrada USB (Universal Serial Embora tenha havido surpreendente evolução
Bus) para armazenamento de resultados tecnológica, alguns princípios básicos
continuam os mesmos: papel milimetrado,
eletrodos periféricos com cores padronizadas,
velocidade de registro de 25 milímetros por
segundo (mm/seg) e amplitude de referência
(voltagem) de 0,1 miliVolt (mV) por milímetro.
Eletrocardiógrafo
Bionet ®
modelo CardioCare 2000 de 12 canais. À direita,
papel milimetrado padrão para a impressão de
resultados.
29
Capítulo 04
O PAPEL MILIMETRADO
A
figura 4-2 ilustra a padronização do
papel de registro do traçado do ECG.
Note que a cada 5 milímetros (mm)
as bordas são mais evidentes. Desta forma,
fica fácil reconhecer visualmente “quadrados
menores” (de 1 mm) e “quadrados maiores” (de
5 mm). Esta disposição será importante para a
conversão desta “milimetragem” em tempos
(eixo horizontal) e voltagens (eixo vertical).
O papel
de registro
do ECG.
À esquerda está
representado um papel
com 10 centímetros de
comprimento. A parte
que está demarcada em
vermelho foi ampliada
(à direita) para melhor
visualização do padrão
milimetrado.
Figura 4-2. Fonte: Arquivo interno.
A
velocidade padrão, criada por
Einthoven, é de 25 milímetros
por segundo (mm/seg). Com
este valor em mente e através de uma O eixo vertical do registro está relacionado
simples “regra de três” da matemática, às voltagens das despolarizações e
chega-se à conclusão de que cada 1 mm, repolarizações. Representa a amplitude
no eixo horizontal, corresponde a 0,04 (tamanho) de cada vetor. Neste eixo, 10
segundo (ou 40 milissegundos). Portanto, milímetros correspondem a 1 miliVolt (mV).
5 mm correspondem a 0,20 segundo (200 Esta é a calibração padrão para qualquer
milissegundos) e 10 mm equivalem a 0,40 aparelho de ECG. Caso haja necessidade,
segundo (400 milissegundos). Este raciocínio pode-se ajustar esta calibração (ou “ganho”)
será importante na compreensão dos tempos normal de 1N para 2N, quando os traçados
de registro das ondas (P, QRS) e intervalos (PR necessitam ser amplificados, ou para N/2,
e QT) do ECG. quando os traçados necessitam ser reduzidos.
Na figura 4-3 estão representados os tempos
e as voltagens no papel milimetrado.
30
Capítulo 04
O mesmo
papel de
registro do
ECG
mostrado na figura 4-2,
agora com os respectivos
tempos (eixo horizontal) e
voltagens (no eixo vertical).
PADRONIZAÇÕES DE ELETRODOS
E
letrodos são dispositivos que fazem
a “captura” das ondas e o registro
do traçado. Ou seja, transformam
a atividade elétrica cardíaca em registro
mecânico.
Considere cada eletrodo (derivação), como
sendo uma câmera que “filma” os vetores
cardíacos sobre um determinado ângulo. Caso
esta câmera esteja direcionada para o polo
positivo (“cabeça”) de um vetor, ela o registrará
como uma deflexão positiva. Se esta câmera
estiver direcionada para a cauda do vetor,
o registro será de uma deflexão negativa.
Caso a câmera “olhe” para o centro do vetor, Exemplo de
será então registrada uma onda isodifásica. A
figura figura 4-4 ilustra o registro de um vetor registro de
ventricular em três ângulos distintos.
um vetor
cardíaco
que aponta para 0o. Note
que quando o eletrodo
“olha” para o polo positivo
(cabeça) do vetor o registro
será de uma onda positiva
(R). Quando o eletrodo
“olha” para o polo negativo
(cauda) do vetor, a onda será
negativa (S). Um eletrodo
posicionado ao centro do
vetor fará o registro de
uma onda isoelétrica (ou
isodifásica).
Figura 4-4
31
Capítulo 04
Registro em
12 derivações
de um vetor cardíaco (vetor
resultante da despolarização
ventricular do QRS) que
aponta para a esquerda
(em 0o) e para trás. Note
que a onda está isoelétrica
em aVF e V3. As derivações
esquerdas (DI, aVL, V4, V5 e
V6) registram o vetor como
deflexão positiva (onda
R), enquanto aVR e DIII o
registram como deflexão
negativa (onda S).
Figura 4-5. Fonte: Arquivo interno.
32
Capítulo 04
Derivações precordiais**
*Os eletrodos dos membros devem ser colocados perto dos punhos e tornozelos ou, no mínimo, distais aos
ombros e quadris.
**As derivações precordiais direitas V3R a V6R são colocadas em posições opostas no lado direito do tórax.
33
Capítulo 04
Posicionamento
dos eletrodos
para o registro de um ECG padrão
de 12 derivações. BD: braço
direito. BE: braço esquerdo. PD:
perna direita. PE: perna esquerda.
34
Capítulo 05
N
os capítulos anteriores foram
detalhados aspectos relacionados
à fisiologia de geração e condução
do estímulo elétrico cardíaco, bem como as
padronizações necessárias ao registro do ECG.
Este capítulo discorrerá sobre a interpretação
do ECG normal, do ritmo cardíaco à conclusão
final.
A figura 5-1 apresenta o ECG de um indivíduo
jovem (23 anos), do sexo masculino, que
realizou um ECG de rotina como parte de
exames periódicos da empresa em que
trabalha. Ele não possui comorbidades. A
interpretação deste exame será feita no final
deste capítulo.
ECG de
um jovem
de 23 anos,
assintomático e sem
comorbidades. As linhas
horizontais na grade representam
o tempo, com intervalos de 0,04
segundo a cada milímetro. As
linhas verticais representam a
voltagem, sendo 0,1 miliVolt cada
milímetro do traçado.
35
Capítulo 05
Ondas e
intervalos
de um ECG normal.
Duração da onda P
Intervalo PR
< 0,12
< 0,20
Tabela 5-1
Valores normais para
Duração do QRS < 0,12 as durações das
Intervalo QT (corrigido) 0,39 a 0,46 (homens) ondas e intervalos
0,39 a 0,45 (mulheres) eletrocardiográficos em
adultos.
36
Capítulo 05
A
ativação atrial produz a onda P. Esta
ativação começa superiormente
no átrio direito e progride
simultaneamente em direção ao átrio
esquerdo e ao nó AV. Com isso, o vetor médio
poderá ser isodifásica (uma deflexão positiva
de despolarização dos átrios se dirige para
seguida por uma negativa) nas derivações
baixo e para a esquerda no plano frontal,
precordiais direitas (V1 a V2), tornando-se
com eixo entre 30º e 60º. Assim, este vetor
positiva nas derivações mais laterais (V3 a V6).
projeta ondas P positivas em DI, DII e aVF e
A figura 5-3 ilustra o sentido e direção de
negativa em aVR. O padrão da onda P em
uma onda P nos planos frontal e horizontal.
aVL e DIII pode ser para cima ou para baixo,
Note que esta onda está isoelétrica em aVL
dependendo da orientação exata do eixo
e V1. Na figura central, onde estão os eixos
médio da mesma.
de cada derivação, é possível perceber que a
Em relação ao plano horizontal, o vetor
onda P será positiva em DI, DII, DIII e aVF, mas
resultante se dirige da direita para esquerda
negativa em aVR. No plano horizontal, ela é
e levemente para a frente, podendo
isodifásica em V1, passando a ser positiva a
também estar paralela ao plano frontal
partir de V2.
ou discretamente para trás. Para facilitar a
compreensão, consideremos como padrão a
O limite superior de duração da onda P é 0,12
direção levemente anterior. Assim, a onda P
segundo, medido na derivação com a onda
P mais ampla. A amplitude deve ser inferior a
0,25 mV.
Quanto à morfologia, a onda deve ser
simétrica, em formato de curva de subida e
descida lentas.
Sentido e
direção da
onda P
nos planos frontal
(figuras da esquerda e
do centro) e horizontal
(figura da direita). Para
detalhes descritivos,
veja texto.
Figura 5-3
37
Capítulo 05
O
intervalo PR corresponde ao espaço
entre o início da onda P ao início do
complexo QRS. Nele está incluído o
segmento PR, uma região isoelétrica que se
estende do final da onda P ao início do QRS.
O intervalo PR tem duração de 0,12 a 0,20
segundo em adultos.
O segmento PR representa a condução lenta
dentro do nodo AV. Ao deixar este nodo,
o impulso atravessa rapidamente o feixe
de His para entrar nas vias de condução
ventriculares.
C
onforme discutido no capítulo 3,
a ativação ventricular segue uma
distribuição “em leque”, sobre a forma
de três ondas (vetores) que representam a
seguinte sequência de despolarização: septo
Assim, é possível que a ativação ventricular
interventricular, parede ventricular livre e
tenha diversas variantes (padrões) de registro,
parede basal ventricular.
além do QRS típico: RS, qR, rSR, etc.
Os vetores septal e da parede basal dos
Normalmente se padroniza letras minúsculas
ventrículos, devido às suas baixas voltagens,
para a menor onda e letras maiúsculas para
nem sempre serão registrados em todas as
a onda de maior amplitude. Toda deflexão
derivações. Por outro lado, o vetor da parede
positiva no QRS é denominada como onda R.
livre dos ventrículos, que representa a maior
Caso haja duas deflexões positivas, a primeira
massa muscular, sempre será registrado.
será designada R e a segunda ganhará um
“apóstrofo”, designando-a R’. A figura 5-4
ilustra os diversos padrões de QRS.
Padrões
possíveis
de complexos QRS.
A letra maiúscula
identifica as ondas de
maior amplitude.
Figura 5-4. Fonte: Arquivo interno.
38
Capítulo 05
Sentido e
direção dos
vetores
de ativação ventricular no
plano frontal. Vetor septal
(1º vetor) em vermelho;
vetor ventricular (2º
vetor) em amarelo; vetor Figura 5-5. Fonte: Arquivo interno.
ventricular basal (3º
vetor) em azul. Veja que
é possível prever como
será o registro complexo
QRS nas derivações DI e
aVR: qRS em DI.
Sentido e
direção dos
vetores
de ativação ventricular
no plano horizontal. Em
V1 o complexo QRS será
registrado como rSR.
Em V6 a imagem será o
“espelho” de V1: qRS.
39
Capítulo 05
Padrão de
sobrecarga
ventricular por critério
de voltagem. O
indicador de Sokolow-
Lyon corresponde ao
somatório da amplitude
das ondas S em V1 e
R em V5 ou V6. O valor
normal para adultos deve
Figura 5-7. Fonte: Arquivo interno. ser inferior a 3,5 mV.
40
Capítulo 05
O Ponto J
identifica o término do
QRS e início da fase de
recuperação ventricular.
Ele deve estar no mesmo
nível da linha de base do
traçado (à esquerda). Em
situações patológicas
pode haver supra ou
infradesnivelamento Figura 5-8. Fonte: https://www.sanarmed.com/supradesnivelamento-de-st-diagnosticos-diferenciais-colunistas
(figuras do centro e da
direita, respectivamente).
O
segmento ST, que se inicia a partir epicárdica. Já a fase descendente reflete a
do ponto J, reflete a fase de platô repolarização endocárdica, que é muito mais
do potencial de ação do músculo rápida em ralação às células transmurais.
cardíaco. A onda T representa a fase tardia A polaridade da onda T normalmente é
da repolarização, ou seja, a saída de K+ dos a mesma do complexo QRS precedente,
miócitos. sendo positiva em DI, DII, aVL, aVF, V4 a V6,
A onda T normalmente é assimétrica, com negativa em aVR e variável (positiva, negativa
uma fase ascendente mais lenta do que a ou isodifásica) em DIII e V1 a V3. Quanto à
fase descendente. Não há consenso sobre a amplitude, também não há valores mínimos
razão para esta assimetria, mas acredita-se ou máximos a serem considerados. Na maioria
que a repolarização das células transmurais das derivações a sua altura (voltagem) não
ocorra de forma mais lenta em relação às deve ultrapassar a metade de sua onda R ou
células epicárdicas, correspondendo à fase S que a precede. Nas derivações de transição
de ascenção (subida) da onda até atingir o (V2 a V4) esta regra não tem validade.
pico, que coincide com o fim da repolarização
41
Capítulo 05
INTERVALO QT
O
intervalo QT se estende do início
do QRS ao final da onda T. Assim,
inclui toda a ativação e recuperação
ventricular, correspondendo à duração total
do potencial de ação ventricular.
Medir acuradamente o intervalo QT é um frequência aumenta e vice-versa. Diversas
desafio, pois inclui a exata identificação do fórmulas têm sido propostas para corrigir
início do QRS e o do fim da onda T, determinar sua medida. A fórmula de Bazett, embora
qual derivação utilizar e ainda ajustá-lo à tenha acurácia limitada, ainda é uma das mais
frequência cardíaca e ao sexo do paciente. De utilizadas na prática clínica. O resultado é
preferência deve-se usar a derivação onde o um intervalo QT corrigido (QTc), definido pela
QT é mais longo (mais comumente V2 ou V3). equação:
O intervalo QT varia com a frequência
cardíaca, diminuindo à medida que a QTc = QT⁄(√RR)
ONDA U
T
rata-se de uma onda extra, de
pequena amplitude (inferior a 0,1 mV),
após a onda T e antes da próxima
sonda P, geralmente com a mesma polaridade
destas. É mais frequentemente visualizada em
V1 e V2 e em frequência cardíaca baixa. Sua
base fisiopatológica ainda é incerta; pode ser
causada pela repolarização final das fibras de
Purkinje.
42
Capítulo 05
43
Capítulo 06
E
stimar eixos elétricos é mais
importante do que se imagina. Vamos
simplificar?
Padrões normais de ECG no tórax e nas
extremidades foram discutidos nos capítulos
anteriores. Determinar eixo é crucial para direito, desviando o eixo médio do QRS para
alguns diagnósticos, como troca de eletrodos, a direita e para a frente; a suspeita de uma
dextrocardia, ritmos ectópicos, bloqueio dextrocardia surge quando se tem uma onda
de fascículos e sobrecargas ventriculares, P negativa tanto em DI quanto em V5 e V6.
dentre outros. O tromboembolismo pulmonar Neste capítulo, o conceito de eixos elétricos
promove sobrecarga aguda do ventrículo é refinado, e os métodos para estimá-los é
apresentado de forma rápida e simples. Ao
final serão dados exemplos para exercitar e
fixar o conhecimento.
A
estimativa dos eixos leva em
consideração a projeção dos vetores
apenas no plano frontal, ou seja, as
derivações que compõem o hexaeixo (DI, DII,
DIII, aVR, aVL, aVF).
Vamos recapitular o sentido e direção dos Repolarização ventricular (onda T): da
vetores de despolarização e repolarização direita para a esquerda e de cima para
cardíacos neste plano: baixo.
Despolarização dos átrios (onda P): da Portanto, pode-se resumir que as três
direita para a esquerda e de cima para principais ondas do ECG se direcionam para
baixo. a esquerda e para baixo, projetando-se
Despolarização dos ventrículos fisiologicamente entre +30º e +60º. A figura 6-1
(complexo QRS). Neste caso leva- representa estes vetores.
se em consideração apenas o vetor
que representa a parede livre dos Na figura 6-1 é possível visualizar o eixo de
ventrículos. Direção: de cima para baixo, cada vetor. As ondas P e T encontram-se entre
da direita para a esquerda. 30º e 60º, enquanto o QRS está exatamente
em 60º, uma vez que está isoelétrico em aVL.
Partindo deste princípio, agora será possível
saber se as ondas serão positivas ou negativas
nas demais derivações. Agora observe a
disposição dos vetores na figura 6-2. Vamos
projetar cada onda nas respectivas derivações.
44
Capítulo 06
Sentido e
direção
dos vetores de
despolarização atrial
(em vermelho) e
ventricular (amarelo)
e de repolarização
ventricular (azul)
no plano frontal.
A sequência Figura 6-1. Fonte: Arquivo interno.
apresentada destes
vetores representa,
respectivamente:
onda P, complexo Projeção
QRS e onda T,
respectivamente. das ondas
P, QRS e T no hexaeixo
para determinar
a polaridade das
mesmas. Tanto a onda
P (à esquerda) quanto
a onda T (à direita) se
projetam nos polos
positivos de DI, DII,
DIII, aVL e aVF, sendo
registradas como
deflexões positivas.
Mas na derivação aVR
os vetores “fogem”
desta derivação, que
“visualiza a cauda”
Figura 6-2. Fonte: Arquivo interno.
destes vetores,
originando deflexões
negativas. Portanto,
as ondas P e T estão
entre 30º e 60º. O
O raciocínio anterior é válido quando já se vetor que representa
conhece o sentido e a direção dos vetores. o QRS está isodifásico
Para saber o eixo de cada onda basta projetar em aVL (apontando
o polo positivo de cada vetor em cada para 60º) e projeta-se
derivação. Se o polo positivo do vetor se nos polos positivos de
projeta no polo positivo da derivação DI, DII, DIII e aVF e no
(lembra-se deste conceito “polo de vetor polo negativo de aVR.
x polo de derivação”?), então o registro no
ECG será de uma deflexão positiva. Por outro
lado, se o polo positivo do vetor se projeta no
polo negativo da derivação, ou seja, o sensor
da derivação “enxerga a cauda” deste vetor,
o registro será de uma deflexão negativa.
45
Capítulo 06
ECG de
demonstração para
análise dos eixos de
P, QRS e T. As ondas P
e T estão isoelétricas
na derivação aVL,
o que indica o eixo
apontando para 60º.
O complexo QRS não
está isoelétrico em
nenhuma derivação,
sendo necessária a
utilização do hexaeixo
para estimar o eixo do
mesmo. Repare que
a menor amplitude
do QRS está em DIII,
indicando que seu
eixo deve estar bem
próximo do ângulo
que representa esta
derivação (30º).
Para se encontrar os respectivos eixos, o vetor em uma derivação inferior (DII) e superior
primeiro passo é observar se há o fenômeno (aVR). Como as ondas P e T estão positivas
da onda isodifásica (isoelétrica). Isso ajuda em DII e negativas em aVR, a conclusão é que
bastante. No caso clínico apresentado, as ambas apontam para baixo, exatamente para
ondas P e T estão isoelétricas em aVL. Estar o ângulo de 60º.
isoelétrico em aVL significa que o vetor está Portanto, foi fácil e simples determinar os
em um ângulo de 90º com esta derivação. eixos de P e T neste ECG: 60º.
Mas observe no hexaeixo que tanto a posição E quanto ao complexo QRS? Ele não está
de 60º quanto a de -120º preenchem este isoelétrico em alguma derivação. Está positivo
critério. Portanto, não se pode definir se o nas derivações DI, DII, AVL e aVF, negativo em
vetor está para baixo ou para cima. Como aVR e “discretamente positivo” em DIII. Será
proceder? Simples: verifique a projeção deste necessário aplicar todo o raciocínio anterior
para se encontrar o eixo do QRS.
46
Capítulo 06
Assim, para o ECG do caso clínico, sendo as valor, pois o mesmo não está isoelétrico em
ondas P e T isoelétricas na derivação aVL, nenhuma derivação. Será então necessário
ambas formam um ângulo de 90º com a “desenhar” a projeção do vetor em todas as
referida derivação. Mas este ângulo pode derivações do plano frontal. A figura 5 ilustra
ser tanto para cima (-120º) quanto para baixo como isso é feito. Após realizar tal projeção,
(60º). Como estas ondas estão positivas em nota-se que há o cruzamento de seis arcos
DII, conclui-se que as referidas ambas estão apenas no intervalo de 30º a 60º, onde está
posicionadas no eixo de 60º. posicionado o vetor, destacado em azul.
Quanto ao QRS, este raciocínio perde o
47
Capítulo 06
Como
encontrar
o eixo de vetor que não
está isoelétrico em
nenhuma derivação.
Note o cruzamento dos
seis arcos no intervalo
entre 30º e 60º, onde
está localizado o vetor
que representa o QRS.
ECG 1.
Encontre o eixo da
onda P. Está normal?
Há desvio? Que
diagnóstico você daria?
48
Capítulo 06
ECG 2.
Encontre o eixo do
complexo QRS. Está
normal? Há desvio? Que
diagnóstico você daria?
ECG 3.
Encontre o eixo da
onda T. Está normal?
Há desvio? Que
diagnóstico você daria?
49
Capítulo 06
ECG 4.
Utilize este ECG para
estimar os 3 eixos (P,
QRS, T). Todos estão
normais? Há desvio
em algum deles? Este
ECG permite pensar
em algum diagnóstico
específico?
50
Capítulo 07
INTRODUÇÃO
E
stou diante de um ECG que foge aos
padrões de normalidade. O ritmo é
sinusal? Este ritmo é rápido ou lento,
regular ou irregular? O QRS está largo ou
estreito?
De uma forma geral, as alterações Embora haja exceções, pode-se dizer que
eletrocardiográficas podem ser divididas em os transtornos supraventriculares têm em
três grandes grupos: supraventriculares, de comum o fato de manterem o complexo QRS
condução atrioventricular e ventriculares. com duração normal (< 0,12 segundo). Na
Os distúrbios supraventriculares incluem: prática se diz: “se o QRS está estreito então
transtornos de frequência (taquicardia o distúrbio é supraventricular”. O problema
e bradicardia sinusal) e ritmo (arritmia surge quando o paciente possui um distúrbio
sinusal, ritmos de escape, parada de condução ventricular prévio (um bloqueio
sinusal), dextrocardia, sobrecargas atriais, de ramo direito ou esquerdo antigo). Neste
extrassístoles, flutter e fibrilação atrial. caso, as arritmias supraventriculares terão
o QRS largo, dificultando sobremaneira
a interpretação do ECG. No capítulo de
taquicardia supraventricular esta variante será
discutida com mais detalhes.
Por enquanto fiquemos com o clássico
conceito de que arritmias supraventriculares
cursam com o QRS estreito.
O
ritmo sinusal é o mecanismo
fisiológico primário do batimento
cardíaco. No plano frontal, o vetor de
despolarização atrial se espalha da direita Portanto, com ritmo sinusal normal, a onda
para a esquerda e de cima para baixo. No P deve ser positiva nas derivações DI e DII e
plano horizontal, este vetor aponta da direita negativa na derivação aVR.
para a esquerda e levemente para a frente. Por convenção, o ritmo cardíaco normal
em repouso geralmente é definido como
ritmo sinusal com frequência entre 60 e 100
batimentos/min (bpm) (figura 7-1).
51
Capítulo 07
sinusal
normal, com relação
atrioventricular de 1:1.
Cada complexo QRS é
precedido por uma onda
P que é negativa em
aVR e positiva em DII. A
onda P na derivação V1 é
geralmente bifásica com
um componente inicial
positivo (ativação do átrio
direito) seguido por um
pequeno componente
negativo (ativação atrial
esquerda).
O
coração é inervado pelo
sistema nervoso autônomo. Esta
inervação, em particular, para os
nodos sinoatrial (SA) e atrioventricular (AV)
consiste em fibras com efeitos simpáticos e
parassimpáticos.
A estimulação simpática aumenta a frequência
Por outro lado, a estimulação parassimpática,
cardíaca e a força de contração miocárdica.
através do nervo vago, produz desaceleração
A estimulação simpática também ocorre
da frequência sinusal (bradicardia), bem
de forma indireta, via catecolaminas séricas
como atraso na condução através do nó AV.
(principalmente adrenalina e noradrenalina)
Também pode causar um “deslocamento” do
produzidas pelas glândulas suprarrenais.
marcapasso do nó SA para a área atrial direita
baixa produzindo ritmos atriais ectópicos.
Portanto, o sistema nervoso autônomo
exerce controle sobre a frequência cardíaca.
Por exemplo, em situações de estresse
ou exercício físico, ocorre aumento no
estímulo simpático e diminuição do tônus
parassimpático, resultando em taquicardia e
aumento da força de contração miocárdica.
52
Capítulo 07
3. TAQUICARDIA SINUSAL
T
rata-se de um ritmo sinusal com
frequência cardíaca superior a
100 bpm (figura 7-2). Em adultos, a
taquicardia sinusal geralmente fica entre 100
e 180 bpm. Frequências ainda mais rápidas, de
200 bpm ou mais, podem ser observadas em
adultos jovens saudáveis durante o exercício
máximo.
Taquicardia
sinusal.
A frequência cardíaca
está próxima de 150 Figura 7.2. Fonte: Arquivo interno.
batimentos/min. Observe
as ondas P positivas
(verticais) na derivação II.
53
Capítulo 07
Dor.
Drogas:
Bloqueadores do tônus vagal cardíaco (exemplo: atropina e outros agentes anticolinérgicos);
Estimulantes do tônus simpático (exemplo: norepinefrina, epinefrina, dopamina, cocaína, anfetaminas);
Intoxicação ou abstinência por álcool (etanol). A taquicardia pode ser uma pista importante abstinência ao álcool
ou outra droga viciante, principalmente em pacientes hospitalizados.
Perda de volume intravascular devido a sangramento, vômito, diarreia, pancreatite aguda ou desidratação. Ineplicáveis
aumentos na frequência cardíaca podem ser um sinal precoce de perda de volume.
Insuficiência cardíaca crônica (ICC), Taquicardia sinusal pode ser o primeiro sinal de descompensação cardíaca.
Embolia pulmonar: taquicardia sinusal é a “arritmia” mais comum observada na embolia pulmonar aguda.
Infarto agudo do miocárdio (IAM), que pode produzir praticamente qualquer arritmia. Taquicardia sinusal persistente
após um IAM geralmente é um mau sinal prognóstico e implica em extensa lesão do músculo cardíaco.
Alterações endócrinas:
Hipertireoidismo. Taquicardia sinusal ocorrendo em repouso pode ser uma pista importante para este
diagnóstico.
Feocromacitoma.
4. BRADICARDIA SINUSAL
A
Sociedade Brasileira de Cardiologia
define a bradicardia sinusal quando
a frequência cardíaca é inferior a
50 bpm em um ritmo sinusal (figura 7-3). As
principais causas desta arritmia estão listadas
no quadro 7-2.
Bradicardia
sinusal.
O ritmo sinusal está
presente, mas a uma taxa
muito lenta de cerca de
Figura 7.3. Fonte: Arquivo interno. 38 batimentos/min.
54
Capítulo 07
Infarto agudo do miocárdio. Bradicardia sinusal no IAM pode ser devido à isquemia do nó sinoatrial, que é perfundido por um
ramo da coronária direita na maioria das pessoas. Além disso, infartos da parede inferoposterior podem estar associados a
aumento do tônus vagal, podendo induzir bradicardia sinusal pronfunda.
Endócrino: hipetireoidismo.
Metabólico: hipercalemia.
Síndrome do nódulo sinusal doente e causas relacionadas a disfunções do nó sinusal disfunção: degeneração do nó SA
relacionada à idade; processos inflamatórios; cirurgias cardíacas e pós-cirúrgica.
Síndromes de hipervagatonia;
Reações vasovagais;
Hipersensibilidade do seio carotídeo;
Certas formas de crises epilépticas;
Hipertensão intracraniana.
5. ARRITMIA SINUSAL
A
Em pessoas saudáveis, da respiração. Arritmia sinusal respiratória é
especialmente em jovens, o nó um achado normal e pode variar em até 20
sinusal não estimula o coração em bpm ou mais, particularmente em crianças e
um ritmo perfeitamente regular. Em vez disso, adultos jovens.
uma ligeira variação batimento-a-batimento
pode ocorrer (figura 7-4).
Arritmia
Quando esta variabilidade é mais acentuada,
utiliza-se o termo arritmia sinusal. A causa
sinusal
mais comum é a respiração. A frequência respiratória. A frequência
cardíaca normalmente aumenta na inspiração cardíaca normalmente
aumenta na inspiração e
e diminui na expiração devido a mudanças
diminui com a expiração
no tônus vagal durante as diferentes fases como resultado alterações
no tônus vagal associadas
ou induzidas pelas
diferentes fases da
respiração (aumento com
inspiração; diminuição com
expiração). Esse achado,
um aspecto chave da
variabilidade da frequência
Figura 7.4. Fonte: Arquivo interno. cardíaca, é fisiológico e é
especialmente perceptível
em crianças, adultos jovens
55 e atletas.
Capítulo 07
A
lém da bradicardia sinusal, a
disfunção do nó sinusal pode ocorrer
de forma intermitente, variando de um
batimento atrasado (pausa sinusal) a longos
períodos de assistolia (parada sinusal). Dois
mecanismos podem ser responsáveis por
estes distúrbios: falha do marcapasso sinusal
e bloqueio de saída sinoatrial. O primeiro é
devido a uma falha real do nó SA para disparar
os batimentos. O último acontece quando o
impulso é gerado, mas sua saída é bloqueada
ainda no nó sinusal, impedindo a ativação dos
Pausa
átrios. A figura 7-5 ilustra a pausa sinusal. sinusal:
pausa em um paciente
com síndrome do nó
sinusal. A derivação
do monitor mostra
bradicardia sinusal com
uma longa pausa (cerca
de 2,4 segundos)
56
Capítulo 07
Parada
sinusal
após interrupção abrupta
de uma fibrilação
atrial paroxística. O
mecanismo é devido ao
“overdrive supression”
do nodo sinusal durante
a estimulação rápida
dos átrios pela FA.
Figura 7.7. Fonte: Arquivo interno.
Esta combinação é um
exemplo da “síndrome
bradi-taqui”. A retomada
do ritmo sinusal começa
a ocorrer após a parada
sinusal prolongada.
P
or que a pausa ou a parada sinusal
não promovem síncope e parada
cardíaca súbita de forma mais
frequente? Lembre-se de que as células do
nó sinusal sofrem despolarização rítmica,
tendo a função de marcapasso fisiológico
primário do coração. Porém, quase todas
as células cardíacas (miócitos atriais e
ventriculares, células do nó AV, fibras de hierarquia de marcapassos ectópicos será
Purkinje, etc) também são capazes de gerar desinibido e produzirá um batimento de
despolarizações e, portanto, iniciar ou manter “escape”, ou seja, um batimento de segurança.
os batimentos cardíacos. Se os marcapassos inferiores também
Marcapassos de nível inferior (secundários, falharem neste mecanismo de escape, pode
ectópicos) fornecem um mecanismo de haver síncope ou mesmo parada cardíaca.
backup essencial quando o “nível superior” Esse achado sugere que os mesmos fatores
falha ou é bloqueado. A frequência de disparo que suprimem o nó SA também podem
espontâneo do nó SA é mais rápida do que reduzir ou eliminar a automaticidade destes
o de marcapassos secundários. Assim, cada marcapassos de backup.
onda de despolarização do nó SA “suprime” Batimentos de escape podem aparecer na
esses marcapassos inferiores. No entanto, seguinte ordem de frequência de disparo:
se o nó SA falha em disparar, o próximo na células atriais (60-80 bpm), células nodais AV
(35-60 bpm), células de His-Purkinje (25-35
bpm) e miócitos (menos de 30 bpm).
O ritmo de escape atrial é caracterizado
por ondas P mais lentas e com morfologia
anormal, sendo denominado “ritmo atrial
baixo” (figura 7-8).
57
Capítulo 07
Ritmo de
escape
atrial baixo. Observe a
mudança na polaridade
da onda P de positiva
Figura 7.8. Fonte: Arquivo interno. para negativa em DII. À
direita está representado
a direção do vetor de
despolarização atrial no
hexaeixo.
Ritmo de
escape
juncional AV. Os dois
batimentos sinusais são
seguidos por um ritmo
de escape juncional
ainda mais lento (cerca
de 35 bpm) com ondas
P retrógradas, logo
Figura 7.9. Fonte: Arquivo interno.
após os complexos QRS
(designadas P′; negativa
em II e positiva em V1).
58
Capítulo 07
Ritmo de
escape
idioventricular registrado
Figura 7.10. Fonte: Arquivo interno. durante uma reanimação
cardíaca. As ondas
marcads com “x” são
artefatos de compressão
É importante entender que ritmos de torácica.
escape não são arritmias primárias, mas
sim backups de segurança quando há
falha de marcapassos de ordem superior.
Em condições urgentes, a atropina
(um bloqueador parassimpático) pode
ser usada para aumentar a frequência
de marcapassos atriais ou juncionais.
Agentes simpaticomiméticos como a
dopamina aumentam a frequência de
disparos de marcapassos ectópicos tanto
supraventriculares quanto ventriculares.
8. SOBRECARGAS ATRIAIS
O
aumento cardíaco refere-se à
dilatação de uma câmara ou à
hipertrofia do músculo cardíaco:
O efeito previsível da hipertrofia no ECG é um
1. Na dilatação, o músculo é “esticado” aumento na amplitude e/ou duração da onda
e a câmara aumenta. Por exemplo, na P ou do QRS. Não raramente, hipertrofia e
insuficiência mitral ocorre regurgitação dilatação ocorrem juntas.
valvar, com dilatação secundária do
átrio esquerdo (sobrecarga de volume).
2. Na hipertrofia, há aumento real 8.1 SOBRECARGA ATRIAL DIREITA
de tamanho das fibras musculares,
havendo aumento da câmara. Por Sobrecarga do átrio direito promove
exemplo, na estenose aórtica há aumento da amplitude (voltagem) da
obstrução crônica ao fluxo de sangue onda P, ultrapassando 2,5 mm (0,25 mV),
do ventrículo esquerdo para a aorta, podendo estar associada a uma positividade
levando à hipertrofia do músculo proeminente na derivação V1 ou V2, mas
ventricular esquerdo. sem prolongar a duração. Esta alteração
morfológica às vezes é referida como
“Onda P pulmonale“ porque ocorre muitas
vezes ocorre em doença pulmonar grave.
As melhores derivações para se observar a
sobrecarga de átrio direito são II, III, aVF e às
vezes V1 (figura 7-11).
59
Capítulo 07
À esquerda,
medida da onda P
normal, que deve ser
menor que 2,5 mm em
altura e 0,12 segundo
Figura 7.11. Fonte: Arquivo interno.
em largura. Ao centro,
característica de uma
onda “P pulmonale”. À
direita, ondas P altas
(seta) observadas em DII,
DIII, aVF e V1 do ECG de
um paciente com doença
8.2 SOBRECARGA ATRIAL ESQUERDA pulmonar crônica.
Observe a predominância
O átrio esquerdo se despolariza após o direito. da fase positiva da onda
P em V1.
Assim, o seu aumento prolonga o tempo
da despolarização atrial, indicada por uma
onda P prolongada (duração > 0,12 seg) e, às
vezes, entalhada, onde a segunda corcova
corresponde à despolarização do átrio periféricas (figura 7-12, à esquerda). O termo
esquerdo. Tais “ondas P com dupla corcova” “Onda P mitrale” às vezes é usado para
são melhor visualizadas nas derivações designar estas ondas, pois foram descritas
pela primeira vez em pacientes com doença
da válvula mitral. A derivação V1 pode
registrar uma onda P bifásica distinta (figura
12, ao centro), com uma fase negativa mais
proeminente (> 1 mm) e de maior duração (>
0,04 seg) do que a fase positiva.
Sobrecarga
atrial
esquerda.
À esquerda, onda P
Figura 7.12. Fonte: Arquivo interno.
entalhada, (P mitrale)
com prolongamento na
duração. Ao centro, onda
P com a fase negativa
proeminente. À direita, Clinicamente, esta sobrecarga pode ocorrer
visualização da onda P em uma variedade de patologias: doença
com sinais de sobregarga valvular (estenose ou insuficiência aórtica e
esquerda nas derivações estenose mitral); doença cardíaca hipertensiva
periféricas. e miocardiopatia (dilatada, hipertrófica e
restritiva). Além disso, este tipo de sobrecarga
está relacionado ao risco aumentado de
fibrilação atrial.
Os padrões de sobrecargas atriais (esquerda
e direita) são ilustrados esquematicamente na
figura 7-13, enquanto a tabela 7-1 resume os
critérios para os respectivos diagnósticos.
60
Capítulo 07
À esquerda,
representação da
despolarização atrial. À
direita, padrões da onda
P associados à ativação
atrial normal e às
sobrecargas atriais direita
e esquerda.
Tabela 7-1. Critérios diagnósticos comuns para as sobrecargas atriais direita e esquerda.
Ondas P pontiagudas com amplitudes > 0,25 mV na Prolongamento da duração da onda P (> 0,12 seg) em DII;
derivação DII (“p pulmonale”); Entalhe proeminente da onda P, mais evidente em DII (“P
Possitividade inicial proeminente nas derivações V1 ou V2 mitrale”);
(> 0,15 mV); Aumento da duração e da profundidade da porção terminal
Desvio do eixo da onda P para a direita acima de +75º. negativa da onda P em V1 (força terminal de P);
Desvio do eixo da onda P para a esquerda entre (-30º e
-45º).
Sobrecarga
biatrial.
A derivação DII mostra
ondas P apiculadas,
com amplitude superior
a 0,25 mV, indicando
sobrecarga do átrio
direito (setas de cor
vermelha). A derivação V1
mostra ondas P bifásicas,
mas com a fase negativa
profunda e prolongada
(setas de cor azul).
61
Capítulo 08
INTRODUÇÃO
E
ste capítulo e o próximo (capítulo 9)
se concentram no estudo 1. CLASSIFICAÇÃO DAS
das taquiarritmias de origem TAQUIARRITMIAS
supraventricular, enquanto o capítulo 10 tem
D
foco nas taquiarritmias ventriculares. e forma simplista, as taquiarritmias
podem ser divididas em dois
grandes grupos: de QRS estreito
ou largo. As de QRS estreito são sempre
de origem supraventricular e incluem:
taquicardia sinusal, taquicardia paroxística
supraventricular (TPSV), flutter e fibrilação
atrial. As taquiarritmias de QRS largo incluem
a taquicardia ventricular (TV) e qualquer
uma das taquicardias supraventriculares
que cursam com aberrância de condução
ventricular ou condução atrioventricular
retrógrada.
62
Capítulo 08
O
s dois principais mecanismos das
taquiarritmias incluem: disparos
repetitivos de um marcapasso (foco)
ectópico e reentrada atrioventricular por uma
via acessória. Às vezes, uma arritmia (por
exemplo, taquicardia por reentrada nodal)
pode ser iniciada por um mecanismo (uma
extrassístole, por exemplo) e ser sustentada
por outro mecanismo (por exemplo,
Mecanismos
reentrada). básicos
de taquiarritmias: A, Arritmias
focais: disparo repetitivo de um
grupo de células. B, Arritmia
reentrante: uma extrassístole
(estrela vermelha) é bloqueada
no nó AV por estar em seu
período refratário. O sinal então
atinge o lado oposto (via lateral
à direita), onde encontra uma
via acessória “aberta”. O sinal
então desce para os ventrículos
e sobe em sentido contrário,
agora encontrando o nó AV
“aberto”, completando a “alça
reentrante” de excitação.
3. EXTRASSÍSTOLES SUPRAVENTRICULARES
E
stes batimentos resultam de focos
ectópicos nos átrios (direito ou
esquerdo) ou no nó AV, gerando uma
despolarização que se espalha normalmente diferente da onda P sinusal normal e
pelo sistema His-Purkinje para os ventrículos. que precede o complexo QRS com um
Assim, a despolarização ventricular (complexo espaço PR curto.
QRS) não é afetada. Quando forem de origem na junção
Principais características das extrassístoles atrioventricular, a despolarização dos
supraventriculares: átrios ocorre de forma simultânea ou até
São prematuras, ou seja, ocorrem antes mesmo posterior à dos ventrículos. Com
da próxima onda P sinusal. isso a onda P anômala fica “escondida” no
complexo QRS ou após o mesmo (onda P
Quando são de origem atrial, há uma “retrógrada”).
onda P anômala e/ou de polaridade
Após a extrassístole há uma pausa
compensatória antes do próximo
63
Capítulo 08
Ritmo sinusal
com extrassístole atrial após o
quarto batimento (seta).
Bigeminismo
atrial.
Cada batimento sinusal é
seguido por uma extrassístole
atrial e uma leve pausa pós-
ectópica.
Ritmo sinusal
com três extrassístoles atriais. As
duas primeiras (marcação •) são
conduzidas por um ramo direito
bloqueado (aberrância de condução
com padrão rSR’ em V1). A terceira
extrassístole (marcação ◦) é conduzida
com ativação ventricular normal (QRS
estreito). As duas primeiras ondas P
prematuras chegam tão cedo no ciclo
cardíaco que caem sobre as ondas T
Figura 8.4 . Fonte: Arquivo interno. dos batimentos sinusais anteriores,
tornando essas ondas T ligeiramente
mais altas.
64
Capítulo 08
Ritmo sinusal
com extrassístoles atriais
conduzidas com aberrância de
condução. Este paciente possui
um bloqueio de ramo esquerdo
antigo, motivo do QRS ser
largo. Mas a presença da onda
P anômala identifica a origem
Figura 8.5 . Fonte: Arquivo interno. atrial dos batimentos ectópicos.
D
efine-se taquicardia paroxística
supraventricular (TPSV) quando
ocorrem três ou mais extrassístoles
supraventriculares de forma consecutiva, que
pode ser breve e não sustentada (duração de A TPSV pode ser classificada em taquicardia
até 30 segundos) ou sustentada (por minutos, atrial (unifocal ou multifocal), taquicardia
horas ou mais). O termo TPSV é, por si só, um por reentrada no nó atrioventricular ou por
pouco enganoso, porque algumas dessas reentrada em via acessória. Estão descritas a
taquiarritmias podem ser duradouras, não seguir.
apenas paroxística. A figura 8-6 ilustra o ritmo sinusal normal,
onde o estímulo originado no nó sinusal ativa
os átrios (onda P) e segue na direção do nó
AV para despolarizar os ventrículos (complexo
QRS).
65
Capítulo 08
Ritmo sinusal
normal. Cada onda P é seguida
por um complexo QRS de
morfologia e duração normais.
Taquicardia atrial
À esquerda, taquicardia por
reentrada atrioventricular (AV): o
estímulo cardíaco se origina como
uma onda de excitação que gira
em uma área em torno do nodo AV
(juncional). Como resultado, as ondas
P retrógradas estão “escondidas”
no QRS ou aparecem logo após
o complexo QRS (seta) por causa
da ativação quase simultânea
dos átrios e ventrículos. D por:
Na figura à direita, mecanismo Figura 8.7 . Fonte: Arquivo interno.
de reentrada do tipo encontrado
na síndrome de Wolff-Parkinson-
White. Este mecanismo é referido
como taquicardia por reentrada
atrioventricular (TRAV). Note a onda
P negativa (seta) na derivação II, um
pouco depois o complexo QRS.
5. TAQUICARDIA ATRIAL UNIFOCAL
A
taquicardia atrial clássica é definida
como três ou mais extrassístoles
consecutivas, provenientes de um
foco atrial único, identificado como uma onda
P anômala, mas com a mesma morfologia
durante toda a arritmia (Fig. 8-8). O foco pode
estar localizado no átrio esquerdo ou direito.
66
Capítulo 08
Taquicardia
atrial
unifocal. A imagem da
esquerda mostra um foco
Figura 8.8 . Fonte: Arquivo interno.
de “disparo” localizado no
átrio esquerdo. À direita, a
derivação V1 mostra ondas
P (setas) de origem sinusal
e ondas P′ de batimentos
atriais prematuros da
taquicardia atrial.
6. TAQUICARDIA ATRIAL MULTIFOCAL
E
sta variante está relacionada a taquiarritmia é comum em pacientes com
múltiplos focos de estímulo atrial. doença pulmonar crônica. Uma vez que
O diagnóstico requer a presença frequência ventricular é irregular e rápida, esta
de ondas P de diferentes morfologias arritmia pode ser confundida com fibrilação
e uma frequência superior a 100 bpm e atrial.
com intervalos PR variáveis (Fig. 8-9). Esta
Taquicardia
atrial
multifocal. Observe as ondas
P de diferentes morfologias e
intervalos PR variáveis. Figura 8.9 . Fonte: Arquivo interno.
A
taquicardia por reentrada nodal AV
(TRAV) é uma arritmia resultante
da reentrada na área do nó AV.
O mecanismo de iniciação da TRAV é
Normalmente, o nó AV possui uma única via
apresentado na Figura 8-10. Após uma onda
de condução entre os átrios e o sistema de
sinusal, o estímulo chega ao nó AV e encontra
His-Purkinje ventricular. Em alguns indivíduos
tanto a via “rápida” quanto a “lenta”. Estando
ele pode possuir uma dupla via de condução
a via rápida “aberta”, o estímulo desce pelo
AV com propriedades elétricas diferentes,
sistema His-Purkinje e estimula os ventrículos.
sendo uma via de condução rápida e outra de
Uma vez que a via lenta está em período
condução lenta.
refratário (“fechada”), o estímulo não “sobe”
por esta via; ou seja, não “reentra” nos átrios.
Neste caso o ECG mostra um ritmo sinusal
com um intervalo PR curto.
67
Capítulo 08
Mecanismo
de iniciação
de uma taquicardia por
reentrada nodal envolvendo
dupla via de condução AV
(vias rápida e lenta). Veja o
texto para maiores detalhes
Taquicardia
por reentrada
nodal AV. À esquerda, o
circuito de reentrada no
nó AV. À direita, derivação
Figura 8.11 . Fonte: Arquivo interno.
DII mostrando taquicardia
regular e de QRS estreito,
com uma taxa de 170 bpm.
Nenhuma onda P é visível
porque estão “escondidas”.
68
Capítulo 08
Ondas
pseudo-S
em DII e III e pseudo R’ em
V1 causadas por ondas
P retrógradas durante
taquicardia por reentrada
nodal.
Ao contrário da taquicardia atrial focal, que via nodal lenta é mais suscetível ao estímulo
termina quando o foco ectópico deixa de vagal (ver Fig. 8-13) ou medicamentos (por
disparar, a TRAV é um ritmo autoperpetuante exemplo, adenosina*, betabloqueadores,
que continuará indefinidamente, a menos bloqueadores de canais de cálcio ou digoxina).
que se bloqueie alguma parte do circuito. A
Taquicardia
por reentrada
nodal AV terminada com
manobra vagal (massagem
Figura 8.13 . Fonte: Arquivo interno.
do seio carotídeo).
*A adenosina deprime a atividade elétrica tanto do nó sinusal quanto do nó AV. Sua ação parece ser mediada
pelo aumento do fluxo de para fora, hiperpolarizando as células de ambos os nódulos. Como resultado, a
automaticidade do nó sinusal é diminuída, assim como a automaticidade e a condução na área do nó AV. A
adenosina também é um vasodilatador (responsável por sua redução transitória da pressão arterial e efeitos
de rubor).
69
Capítulo 08
Considerações Clínicas
A TRAV produz ritmo regular com frequências
geralmente entre 150 e 220 bpm ou mais.
Tipicamente ocorre em corações normais e
começa em uma idade jovem, especialmente
em mulheres. O sintoma mais comumente
relatado é de palpitações rápidas e regulares.
A arritmia pode ser desencadeada por
estresse, drogas simpaticomiméticas ou até
mesmo mudança de posição.
E
sta taquiarritmia é mediada por uma
via acessória de ligação entre átrios
e ventrículos fora do nó AV. Estas vias
podem conduzir o sinal elétrico em ambas as
direções (dos átrios para os ventrículos e vice-
versa). Durante o ritmo sinusal, isso produz
a tríade clássica de Wolff-Parkinson-White
(WPW): intervalo PR curto, onda delta e QRS
com base alargada.
A condução através deste trato de desvio não conduzem o impulso dos átrios para os
pode produzir TPSV com complexos QRS ventrículos e são, portanto, invisíveis (ocultas)
largos ou estreitos, dependendo da direção durante o ritmo sinusal. Assim, não se vê o
da alça (loop) reentrante. Se o sinal descer padrão clássico de WPW.
pelo nodo AV e subir pela via acessória, o ECG
terá um QRS estreito (referida como TPSV Iniciação e condução
ortodrômica). Em contraste, se o sinal descer
Durante o ritmo sinusal, a condução
pela via acessória de desvio e “voltar no
retrógrada através da via de acessória
sentido do nó AV”, um achado menos comum,
geralmente não ocorre porque o sinal chega
você verá um QRS largo; esta variante é
à extremidade ventricular da via de desvio
referida como TPSV antidrômica.
através do sistema de condução normal
Os médicos devem estar cientes de que a
(His-Purkinje) enquanto o átrio ao redor ainda
maioria das vias acessórias de derivação
está refratário por causa do batimento sinusal
anterior (fig. 8-14, à esquerda). Caso ocorra
uma extrassístole disparando próximo à via de
desvio, e que encontre esta via “aberta”, então
este estímulo entra de forma ascendente
ao átrio através desta via e retorna aos
ventrículos pelo nó AV e feixe de His-Purkinje
(fig. 8-14, à direita), iniciando taquicardia
de complexo QRS estreito (condução
anterógrada).
70
Capítulo 08
Iniciação da
taquicardia
por reentrada AV por uma
extrassístole ventricular. A.
Durante o ritmo sinusal não
há condução retrógrada
através da via acessória
ou do nó AV. B. Uma
extrassístole ventricular
disparando perto da via de
desvio conduz o estímulo
de forma ascendente ao
átrio através desta via.
Figura 8.14 . Fonte: Arquivo interno.
Esta sequência inicia uma
taquicardia de condução
anterógrada (QRS estreito)
A arritmia também pode
ser iniciada por batimentos
prematuros atriais. Veja
também a figura 8-15.
Taquicardia
por reentrada
AV iniciada por uma
extrassístole ventricular
em um padrão de Wolff-
Parkinson-White. As ondas Figura 8.15 . Fonte: Arquivo interno.
P retrógradas são visíveis
como deflexões negativas no
meio da onda T (setas).
71
Capítulo 09
F
ibrilação atrial (FA) e Flutter atrial são
arritmias relacionadas que cursam
com frequências atriais que excedem
em muito a frequência ventricular, o que
implica que em algum grau de bloqueio AV
fisiológico como modo de segurança. Ambas
envolvem mecanismos reentrantes que
“giram” continuamente no próprio músculo
atrial. Ao invés de ondas P verdadeiras,
vemos ondas F contínuas (Flutter) ou ondas f
(fibrilatórias).
1. FLUTTER ATRIAL
C
omo toda arritmia supraventricular
reentrante, o flutter também é iniciada
por um batimento ectópico precoce
que bloqueia a condução em uma direção,
enquanto propaga em outra. O flutter atrial
típico é um ritmo reentrante no átrio direito, em torno do anel tricúspide (flutter típico) ou
delimitado anteriormente pelo anel tricúspide no sentido horário (flutter atípico ou reverso).
e posteriormente pela crista terminalis e pela O típico padrão em “dentes de serra” com
válvula de Eustáquio. O sinal então continua ondas F negativas nas derivações inferiores
“girando” repetidamente na mesma trajetória, (DII, DIII e aVF) e positivas em V1 é compatível
no interior do átrio direito, numa frequência de com o sentido anti-horário (mais comum)
cerca de 300 ciclos por minuto, produzindo de flutter (Fig. 9-1). Menos frequentemente
ondas F idênticas. o circuito é iniciado em na direção oposta,
O flutter pode circular em direção anti-horária produzindo ondas no sentido horário. Neste
caso a polaridade das ondas F estará invertida:
positiva em DII, DIII e aVF e negativa em V1.
Clinicamente, o flutter atrial na maioria das
vezes indica a presença doença cardíaca
estrutural subjacente.
72
Capítulo 09
O Flutter
é devido a uma grande
onda reentrante (à
esquerda) originada no
átrio direito por uma
extrassístole atrial. À
direita. ECG de um Flutter
típico, a onda se espalha
no sentido anti-horário,
gerando ondas F negativas
em DII, DIII e aVF e
positivas em V1.
A frequência atrial durante o flutter típico é uso de drogas bloqueadoras (por exemplo,
de cerca de cerca 300 ciclos/min. Felizmente betabloqueadores, digoxina e antagonistas
o nó AV desenvolve um sistema de defesa , dos canais de cálcio), pode haver maior grau
bloqueando a passagem para os ventrículos, de bloqueio AV, com uma razão de até 4:1 ou
geralmente com uma razão A/V fixa. A até mesmo bloqueio variável, simulando um
figura 9-2 ilustra um paciente com flutter ritmo de fibrilação atrial (figs. 9-3).
com bloqueio regular de 3:1. Na presença
de tônus vagal alto, doença do nó AV ou
Flutter atrial
típico (anti-horário) com
padrão de bloqueio AV
regular 3:1 (3 ondas F para
1 complexo QRS).
73
Capítulo 09
Flutter atrial
com padrão variável de
bloqueio AV, variando de
3:1 a 5:1. O ritmo ventricular
variável pode confundir
a arritmia com uma
fibrilação atrial.
Por outro lado, flutter com condução AV 1:1 como a flecainda, ou na presença de via
(fig. 9-4), embora incomum, pode ocorrer em acessória de desvio AV, como no Wolff-
situações de intensa descarga adrenérgica Parkinson-White. Neste caso, devido
(estresse e atividade física extenuante, por risco elevado de fibrilação ventricular, a
exemplo), uso de medicações antiarrítmicas cardioversão elétrica deve ser imediata.
Flutter atrial
com condução AV 2:1 (A) e
1:1 (B) no mesmo paciente.
No último caso, as ondas F
são difíceis de localizar.
2. FIBRILAÇÃO ATRIAL
A
o contrário do flutter, a localização manutenção ativa da arritmia, associada
das ondas reentrantes da fibrilação à geração simultânea de vários circuitos
atrial (FA) não pode ser determinada. reentrantes instáveis em todo o átrio. Ao
Na maioria dos casos acredita-se que se ECG, a atividade elétrica atrial aparece como
originem na área de junção entre as veias ondas f irregulares (fibrilatórias), variando
pulmonares e o átrio esquerdo. Com o tempo, continuamente em amplitude, polaridade e
cada vez mais tecido atrial se envolve na frequência (fig. 9-5)
74
Capítulo 09
A fibrilação
atrial
é sustentada por múltiplos
circuitos de reentrada
(à esquerda), que se
despolarizam de forma
Figura 9.5 . Fonte: Arquivo interno. caótica e desordenada,
sem obedecer nenhum
padrão de dispersão. À
direita, registro de ondas
f (setas), mostrando a
variabilidade na forma,
estando a frequência atrial
acima de 300 bpm.
Há provavelmente dois mecanismos
eletrofisiológicos de FA: um ou mais focos de
gatilhos ou de microrreentradas, chamados
de iniciadores, os quais disparam em rápida
frequência e múltiplos circuitos de reentrada
sinuosos através do átrio, que bloqueiam mais comuns da FA e podem ter um papel
e conduzem as ondas que perpetuam a perpetuador. Este é o motivo pelo qual
fibrilação. Na maioria dos casos, o átrio o isolamento das veias pulmonares é
esquerdo é que contém o local dominante particularmente efetivo em eliminar a FA
da frequência de descarga, com gradiente da paroxística. Na FA persistente, mudanças
esquerda para a direita. na arquitetura atrial, incluindo a fibrose
Descargas múltiplas provenientes das intersticial, contribuem para o desarranjo e à
veias pulmonares são os desencadeadores condução do tipo caótica.
Anormalidades estruturais dos átrios podem
resultar em FA fina com ondas fibrilatórias
quase planas, que pode ser confundida
com assistolia atrial. Às vezes ondas f finas e
grossas podem aparecer no mesmo ECG.
PROPRIEDADES DE CONDUÇÃO
N
a FA, o nó AV é bombardeado com
impulsos desorganizados em taxas
de até 600/min. A maioria destes
sinais são bloqueados no nó AV e apenas uma
fração conduz para os ventrículos, mas de
forma irregular (fig. 9-6). No entanto, quando
a frequência ventricular fica muito rápida,
esta irregularidade RR pode ser difícil de
avaliar, podendo ser confundido com outras
taquiarritmias, como a TPSV (fig. 9-7).
75
Capítulo 09
Fibrilação
atrial
com resposta ventricular
entre 60 e 100 bpm. As
ondas de fibrilação são
mais bem vistas em V1.
A fibrilação
atrial
com resposta ventricular
rápida em paciente com
hipertireoidismo.
E
mbora o flutter quase sempre ocorre O flutter tem uma via reentrante única
na presença de doença cardíaca e estável, com todas as ondas de F
estrutural, a FA pode se desenvolver apresentando a mesma forma e duração.
em corações normais. No entanto, os Um jeito simples e preciso é medir o
pacientes que apresentam flutter têm uma intervalo que contém várias ondas atriais
chance maior de desenvolverem FA. consecutivas claramente visíveis com
A distinção entre FA e flutter é importante a ajuda de um compasso. No flutter, os
porque há diferença na terapêutica das intervalos entre ondas F subsequentes
mesmas. serão sempre os mesmos. Na FA esta
regularidade do compasso não estará
presente. (fig. 9-8).
76
Capítulo 09
F
A é a arritmia mais comum que causa
admissões hospitalares, e a incidência
aumenta com a idade. Até 10% dos
indivíduos com 80 anos podem desenvolver
FA. A FA pode ocorrer de forma paroxística e
pode durar de apenas alguns minutos a horas
ou dias, podendo ser recorrente ou se tornar
permanente (crônica).
Os episódios podem ser assintomáticos
ou produzir sintomas como palpitações,
dispneia, tontura ou dor torácica. No paciente
farmacológica única.
assintomático, a FA pode ser inicialmente
Às vezes a FA está relacionada ao aumento
descoberta durante um exame de rotina ou
do tônus simpático (por exemplo, durante o
quando o paciente apresenta insuficiência
exercício intenso). Também é frequentemente
cardíaca ou acidente vascular cerebral. A FA
observada em pacientes com doença
pode ocorrer tanto em corações saudáveis
cardíaca estrutural, como na doença arterial
quanto em uma ampla variedade de doenças
coronariana e nas valvulopatias, bem como
cardíacas estruturais.
em outras condições, como por exemplo:
A FA pode estar associada ao consumo
hipertireoidismo, pós-operatório de cirurgia
excessivo de álcool em indivíduos
cardíaca, doença pericárdica, doença
saudáveis (“Holiday Heart Syndrome”).
pulmonar crônica, embolia pulmonar, dentre
Nesses casos, a arritmia muitas vezes
outras. Apneia obstrutiva do sono aumenta o
reverte espontaneamente ao ritmo sinusal
risco de FA.
ou é revertida facilmente com terapia
Tanto a FA quanto o flutter têm duas
implicações clínicas importantes:
1. Aumento do risco de
tromboembolismo, como o acidente
vascular cerebral. Este risco está
relacionado à formação de trombos
no átrio esquerdo estagnação do fluxo
sanguíneo.
2. Desenvolvimento de insuficiência
cardíaca (aguda ou crônica), devido à
diminuição do débito cardíaco por falta
de contração atrial.
77
Capítulo 09
A
s prioridades no tratamento agudo da
FA e do flutter são a anticoagulação
e o controle da frequência. Há duas
estratégias gerais de tratamento para gestão a
longo prazo: controle de frequência e controle
do ritmo.
CONTROLE DE FREQUÊNCIA
Este controle centra-se na limitação da
resposta ventricular, sem tentativas de
restaurar o ritmo para sinusal e pode ser
obtido usando agentes bloqueadores do
nó AV (betabloqueadores, bloqueadores
de canais de cálcio, digoxina) ou ablação CONTROLE DE RITMO
juncional AV.
O controle da frequência geralmente é o Esta estratégia consiste em duas fases: (1)
tratamento preferido nas seguintes condições: restauração do ritmo sinusal (cardioversão) e
FA permanente. (2) manutenção do ritmo sinusal.
FA de início recente: tempo inferior a 24 A cardioversão pode ser medicamentosa
horas. (química), elétrica (choque de corrente
Doença aguda reversível quando a contínua) ou por procedimento de ablação.
realização e manutenção do ritmo Como em qualquer tipo de cardioversão,
sinusal são improváveis até que anticoagulação deve ser revisada porque há
a causa seja corrigida. Exemplos: aumento do risco de tromboembolismo no
hipertireoidismo, anormalidades momento de transição para o ritmo sinusal.
metabólicas (hipocalemia), abstinência A cardioversão farmacológica na FA é de
de álcool, infecção aguda. limitado valor, com baixa taxa de conversão
Pacientes assintomáticos que podem para ritmo sinusal. Ibutilida por via endovenosa
tolerar a vida toda de anticoagulação. pode converter até 50% dos casos de FA de
A ablação da junção AV (com implante início recente. No entanto, este medicamento
de marcapasso) pode ser usada em pode causar prolongamento do intervalo QT e
pacientes cuja frequência não pode risco de torsades de pointes.
ser efetivamente controlada com Cardioversão elétrica de corrente contínua é
medicamentos. É um procedimento um método seguro e confiável de restauração
que “desconecta” eletricamente os do ritmo. Um choque sincronizado de
átrios dos ventrículos. A desvantagem alta energia despolariza todo o coração,
é que o paciente torna-se dependente interrompendo circuitos reentrantes e
de marcapasso. A anticoagulação deve permitindo que o nó sinusal recupere o
continuar indefinidamente. controle dos átrios.
A manutenção do ritmo sinusal às vezes pode
ser alcançada com drogas antiarrítmicas.
As mais usadas são os agentes de classe I
(flecainida e propafenona), ou agentes de
classe III (sotalol, amiodarona, dofetilida
e dronedarona). Infelizmente, drogas
78
Capítulo 10
INTRODUÇÃO
P
ontos-chave:
intervalo PR, permite o adequado enchimento
de sangue nos ventrículos. Atraso ou
Perguntas que devem ser feitas ao se
interrupção real nesta condução elétrica
examinar o ECG de um paciente com suspeita
é denominado bloqueio atrioventricular
de bloqueio AV:
(BAV). Neste capítulo também é discutida a
1. Qual é o grau de bloqueio: 1º, 2º dissociação atrioventicular.
ou 3º grau? Há três graus de BAV:
2. Qual é o nível mais provável do 1º grau: corresponde a um
bloqueio: nodal (no próprio nodo AV) prolongamento uniforme do intervalo
ou infranodal (abaixo do nó AV ou no PR. Ou seja, há apenas um atraso na
sistema de His-Purkinje)? condução, sem a sua interrupção.
2º grau: ocorre interrupção
No coração normal, átrios e ventrículos
intermitente da condução AV,
estão isolados entre si por anéis de
havendo três principais variedades:
tecido conjuntivo. Assim, o único meio de
BAV Mobitz I (ou bloqueio de
comunicação elétrica entre os mesmos
Wenckeback, BAV Mobitz II e BAV
é através do sistema de condução que
avançado ou de alto grau).
compreende o nó atrioventricular (AV), o feixe
de His e seus ramos (Fig. 10-1). 3º grau ou BAV total: interrupção
completa da condução AV.
O ligeiro atraso fisiológico entre a ativação
atrial e ventricular, que corresponde ao
79
Capítulo 10
O sistema
de condução
atrioventricular. Note
que o nodo AV é dividido
em porção alta e baixa;
ou seja, acima e abaixo
do tecido fibroso
atrioventricular.
O
BAV de 1º grau (Fig. 10-2) é
caracterizado por um ritmo sinusal
normal (onda P seguida por QRS),
mas com um intervalo PR uniformemente
prolongado, com duração maior que 0,20
segundo. Ou seja, não há um bloqueio
verdadeiro na condução atrioventricular.
BAV de 1º
grau.
Note o intervalo
PR uniformemente
prolongado (acima de
0,20 seg) em cada ciclo
elétrico.
Figura 10.2 . Fonte: Arquivo interno.
2. BLOQUEIOS ATRIOVENTRICULARES
DE 2º GRAU
O
BAV de 2º grau é caracterizado por
“complexos QRS descartados”. Há
três subtipos principais: Mobitz I,
Mobitz II e avançado (ou de alto grau).
80
Capítulo 10
BAV 2º grau
Mobitz I
padrão 4:3. O intervalo PR
aumenta progressivamente
com batimentos sucessivos
Figura 10.3 . Fonte: Arquivo interno.
até que uma onda P não
seja conduzida de forma
alguma. Então o ciclo se
repete.
BAV 2º grau
Mobitz II.
O registro mostra três
batimentos cardíacos com
ritmo sinusal, seguidos
por uma 4ª onda P que
não conduziu para os
Figura 10.4 . Fonte: Arquivo interno. ventrículos (seta).
81
Capítulo 10
BAV de
2º grau
avançado.
ECG mostra ritmo sinusal
com BAV 2:1 seguido por
Figura 10.5 . Fonte: Arquivo interno.
um BAV 3:1 e outro BAV 2:1.
B
AVs de 1º e 2º graus são exemplos total (BAVT).
de bloqueios incompletos porque a Portanto, as principais características do BAV:
junção AV ainda é capaz de conduzir
alguns estímulos para os ventrículos. No Presença de ondas P (positivas em
bloqueio de 3º grau, ou completo (BAVT), DII), com frequência regular mais
nenhum estímulo é transmitido aos rápida do que a frequência ventricular.
ventrículos. Assim, átrios e ventrículos são Presença de complexos QRS com
estimulados de forma independente. Os frequência regular e muito inferior à
átrios continuam a ser estimulados pelo nodo frequência atrial.
sinusal, enquanto os ventrículos passam a ser
Ondas P sem nenhuma correlação
estimulados por um marcapasso de escape
com os complexos QRS. Ou seja,
(nodal ou infranodal), localizado abaixo do
os intervalos PR são aleatórios e
ponto de bloqueio. Haverá então dois ritmos
irregulares.
diferentes: o ritmo atrial, com frequência
regular entre 60 e 100 bpm e o ritmo Exemplos de BAVT são mostrados nas figuras
ventricular, com frequência muito inferior (20 a seguir. Na figura 10-6, o bloqueio encontra-
a 40 bpm). Esta diferença entre a frequência se em nível nodal, o que mantém a condução
atrial a ventricular às vezes é designada ventricular pela via fisiológica, justificando
por cardiologistas como dissociação o complexo QRS de duração normal (“QRS
atrioventricular. (Quadro 10-1). Foge ao nosso estreito”). Na figura 10-7, o bloqueio está
objetivo discutir particularidades e subdivisões abaixo do nó AV, e os ventrículos passam a ser
das dissociações atrioventriculares. Ficaremos estimulados abaixo da junção AV (marcapasso
com o conceito de bloqueio atrioventricular idioventricular), justificando o QRS largo.
82
Capítulo 10
BAV
completo
mostrando a atividade
independente entre átrios
(ondas P) e ventrículos
(complexos QRS). Observe
Figura 10.6 . Fonte: Arquivo interno.
que os complexos QRS
são de largura normal
(estreitos), indicando que
os ventrículos estão sendo
estimulados a partir da
junção atrioventricular.
BAV
completo
mostrando um ritmo
idioventricular (QRS largo)
muito lento e um ritmo
sinusal independente mais
Figura 10.7 . Fonte: Arquivo interno.
rápido. Ver detalhes no
texto.
E
mbora o nó AV e as estruturas relativamente estável.
infranodais representem um único e Por outro lado, bloqueio “infranodal”
contínuo “fio elétrico de condução”, tende a ser irreversível e ter evolução
sua fisiologia é bem diferente. A condução mais rápida e com ritmos de escape
elétrica pode ser bloqueada no próprio nó AV instáveis. Portanto, geralmente
(bloqueio “nodal”) ou no feixe de His e suas requer implante de marcapasso. Suas
ramificações (bloqueio “infranodal”). principais causas são:
O bloqueio “nodal” tem as seguintes 1 - Infarto agudo do miocárdio:
características: principalmente de parede anterior.
Geralmente tem causas reversíveis: 2- Doenças infiltrativas. Ex: amiloidose,
hipertonia vagal (ex.: apneia do sono); sarcoidose, linfomas.
medicações (ex.: betabloqueadores, 3 - Degeneração do sistema
digoxina, bloqueadores de canais de de condução: idade avançada,
cálcio); hipercalemia, infarto agudo do calcificações ao redor das válvulas
miocárdio (principalmente de parede aórtica e mitral.
inferior), doenças inflamatórias (ex.: 4 - Doenças neuromusculares
lúpus, miocardite), etc. genéticas.
Progride mais lentamente. 5 - Danos iatrogênicos ao sistema de
condução. Ex: cirurgias valvulares,
No caso de BAV completo, está ablações na área atrioventricular.
associado a um ritmo de escape
83
Capítulo 10
Ritmos de escape Sendo o nó AV proximal, há múltiplas fugas Como há menos marcapassos potenciais
(“escapes”) possíveis abaixo do bloqueio: as abaixo do nó AV, mecanismos de escape
partes inferiores do nó AV, o feixe de His e seus idioventricular produzem QRS largos
ramos. A frequência ventricular é muito lenta,
Assim, os batimentos de escape têm QRS inferior a 40 bpm.
estreitos e uma frequência não tão baixa (40- O início abrupto pode produzir períodos de
60 bpm). assistolia com risco de vida.
Cuidado: os complexos QRS podem ser largos
se houver um bloqueio de ramo prévio.
Duração do QRS Os ventrículos são estimulados por um Os ventrículos são estimulados por
marcapasso nodal abaixo do ponto de um marcapasso infranodal, originando
bloqueio e os complexos QRS são estreitos (≤ complexos QRS largos (> 0,120 seg).
0,120 seg), a menos que o paciente tenha um Como regra geral, BAVT com QRS largo
bloqueio de ramo subjacente. tende a ser mais instável do que com QRS
estreito, porque o marcapasso de escape
ventricular é geralmente mais lento e menos
consistente.
84
Capítulo 10
O
bloqueio AV de qualquer grau pode
se desenvolver durante infarto do
miocárdio devido à interrupção
de suprimento sanguíneo para o sistema de
condução e efeitos autonômicos. A irrigação
do nó AV é feita primariamente pela coronária
direita e menos frequentemente pela
coronária circunflexa. Oclusão destes vasos
produz infarto da parede inferior e bloqueio AV
(Fig. 10-8).
Bloqueio AV
2º grau (2:1)
em paciente com infarto
de parede inferior
(supradesnivelamento
de ST em DII, DIII e AVF).
As setas apontam para
as ondas P sinusais a
uma frequência de cerca
de 75 bpm. A frequência
ventricular é regular de
cerca de 33 bpm. Note que
a frequência atrial é igual
ao dobro da ventricular.
85
Capítulo 11
INTRODUÇÃO
N
ormalmente, a condução elétrica
entre átrios e ventrículos é feita pelo
nó atrioventricular (AV). O atraso
fisiológico da condução através desta junção
origina o intervalo PR, que varia de 0,12 a 0,20 transmissão é significativamente superior à do
seg. Agora considere as consequências de nó AV. Esta via acessória será capaz de pré-
se ter um caminho extra (um bypass) entre excitar os ventrículos.
os átrios e os ventrículos, cuja velocidade de Este capítulo aborda os padrões de pré-
excitação ventricular, especialmente o
Wolff-Parkinson-White (WPW) e a síndrome
de Lown-Ganong-Levine, que podem
ser importantes causas de taquicardias
supraventriculares por reentrada.
1. PADRÃO WOLFF-PARKINSON-WHITE
O
padrão WPW é uma anormalidade
causada pela pré-excitação dos
ventrículos. Esta situação é o que
ocorre com o padrão WPW, através de uma
via acessória (bypass) de derivação AV (fig.
11-1).
Anatomia do
padrão
de pré-excitação do Wolff-
Parkinson-White (WPW).
Uma via de derivação
acessória, também
denominada feixe de
Kent conecta os átrios
e os ventrículos e tem
velocidade de propagação
mais rápida que o nó AV.
86
Capítulo 11
Wolff-
Parkinson-
White.
Uma via acessória (feixe
de Kent) de derivação
entre átrios e ventrículos (à
esquerda) está associada
a uma tríade de achados
(à direita): PR curto, onda
delta, alargamento da base
do complexo QRS.
87
Capítulo 11
Tríade do
padrão
Wolff-Parkinson-White:
complexos QRS largos,
intervalos PR curtos e
ondas delta (setas)
O
duas partes ventriculares se encontram e padrão Lown-Ganong-Levine (LGL)
geram o complexo QRS com a morfologia e é caracterizado pela presença
típica. Ou seja, a fusão da onda delta com a de uma via acessória perinodal
despolarização ventricular resultará em um conhecida como feixe de James, que liga o
QRS típico. miocárdio atrial ao feixe de His (figura 11-4).
A ativação precoce dos ventrículos pela via Assim, há um intervalo PR curto (< 0,12 seg),
acessória resulta em um intervalo PR mais mas um complexo QRS normal, pois a ativação
curto que o normal. ventricular ainda é via sistema His-Purkinje
As vias acessórias de desvio podem ser normal.
localizadas em qualquer lugar ao longo do
sulco AV e septo interventricular. Alguns Pacientes com palpitações que tinham um
pacientes podem ter mais de uma via de intervalo PR curto, mas complexos QRS de
derivação. duração normal no ECG de repouso foram
avaliados por Lown, Ganong e Levine em 1952.
O último relatório consistiu em um exame
retrospectivo de 13.500 ECGs consecutivos
em um único centro de atendimento terciário.
200 indivíduos foram identificados com um
intervalo PR curto e complexo QRS estreito.
Pacientes com a síndrome LGL clássica
também pode ter TPSV do tipo reentrante
intermitente, flutter atrial ou fibrilação atrial
paroxística.
88
Capítulo 11
Padrão Lown-
Ganong-
Levine
de pré-excitação ventricular
através da via acessória de
James.
Significado clínico
O principal significado clínico para os padrões
de pré-excitação, tanto o Wolff-Parkinson-
White quanto o Lown-Ganong-Levine, é que
indivíduos com estes padrões são propensos
a arritmias, especialmente taquicardias
supraventriculares paroxísticas (TPSV) e
fibrilação atrial, temas discutidos em capítulos
anteriores.
Por outro lado, a maioria das pessoas com
intervalo PR curto e QRS estreito, no entanto,
na verdade não têm pré-excitação clínica.
Um intervalo PR curto pode ser visto como
uma variante normal, sem vias acessórias de
desvio, apenas por causa de uma condução
AV acelerada. Portanto, cuidado ao interpretar
um ECG no qual o único achado digno de nota
é um PR curto, especialmente em uma pessoa
assintomática. Esses ECGs podem ser lidos
como “Intervalo PR curto sem outra evidência
de pré-excitação”.
89
Capítulo 12
INTRODUÇÃO
C
onforme discutido no capítulo 7, Assim, a propagação da despolarização
tanto a dilatação quanto a hipertrofia ventricular segue da direita para a esquerda,
atrial podem produzir alterações no plano frontal, e de frente para trás no
proeminentes na onda P. Por outro lado, a plano horizontal. Como resultado, eletrodos
modificação do complexo QRS por aumento colocados sobre o lado direito do tórax (por
ventricular é mais significativa quando ocorre exemplo, em V1) registram complexos do
principalmente hipertrofia real do músculo tipo rS. Por outro lado, eletrodos colocados
ventricular. Assim, este capítulo discute os sobre o lado esquerdo do tórax (por exemplo,
efeitos da hipertrofia ventricular direita e em V6) registram um complexo do tipo qR.
esquerda no ECG. Traduzindo em “miúdos”: a onda r de V1 passa
Normalmente, o vetor ventricular esquerdo a ser a onda q de V6, enquanto a onda S de
é eletricamente predominante porque V1 passa a ser a onda R de V6. Estes achados
este ventrículo tem maior massa muscular. podem ser visualizados nas figuras 12-1 e 12-2.
Representação
do principal
vetor
de despolarização ventricular, que
aponta da direita para a esquerda,
sendo registrado como rS na
derivação V1 e qR na derivação V6.
Figura 12.1 Fonte: Arquivo interno.
ECG normal
de um paciente masculino, 23 anos,
assintomático. Note que as ondas rS
em V1 e V2 correspondem às ondas
qR em V5 e V6.
90
Capítulo 12
A
gora vamos imaginar um paciente de despolarização ventricular para a direita e
com fibrose pulmonar crônica, cuja para a frente, nos planos frontal e horizontal,
consequência é uma hipertrofia respectivamente. Como consequência, as
ventricular direita (HVD). Neste caso, a derivações torácicas direitas mostrarão ondas
predominância elétrica normal do ventrículo R altas (fig. 12-3).
esquerdo pode ser superada, desviando o eixo
Representação
do desvio
do principal vetor de despolarização
ventricular na presença de uma
hipertrofia ventricular direita. Neste
caso, ele se direciona da esquerda
para a direita e pode assumir os
padrões RS, R ou qR na derivação V1
e como RS na derivação V6.
91
Capítulo 12
Hipertrofia
ventricular
direita.
Note a maior amplitude da onda R
em relação à onda s em V1.
92
Capítulo 12
A
s principais alterações no ECG
produzidas pela hipertrofia ventricular
esquerda (HVE) podem ser
compreendidas observando a figura 12.5, que
mostra um vetor aumentado e horizontalizado.
Representação
do desvio
do principal vetor de despolarização
ventricular na presença de uma
hipertrofia ventricular esquerda.
Neste caso, ele produz onda S
profunda em V1 e onda R ampla em
V6.
93
Capítulo 12
Índice de
Sokolow-Lyon.
A soma da onda S de V1 (27 mm)
com a onda R de V6 (23 mm) totaliza
50 mm (5,0 mV), indicando provável
sobrecarga de ventrículo esquerdo.
ECG de paciente masculino, 60
anos, portador de hipertensão
arterial há 30 anos.
As anormalidades
de repolarização
associadas à HVE eram chamadas de
padrão “strain”, um termo impreciso,
mas ainda usado às vezes. Observe
a leve depressão característica do
segmento ST com inversão da onda T
nas derivações que mostram ondas R
altas.
94
Capítulo 12
Hipertrofia
biventricular.
SV1 + RV6 > 35 mm indicam
hipertrofia de ventrículo
esquerdo, enquanto o desvio do
eixo do QRS para a direita (eixo
em + 150º) indica sobrecarga
de ventrículo direito. Fonte:
https://litfl.com/biventricular-
hypertrophy-ecg-library/. Acesso
em 15/06/2022.
3. HIPERTROFIA BIVENTRICULAR
S
e houver hipertrofia em ambos os
ventrículos, o ECG geralmente mostra
principalmente evidências de HVE.
Outro padrão que pode fornecer uma pista
importante para a hipertrofia biventricular é a
HVE com desvio do eixo para a direita (figura
12-9). A hipertrofia biventricular pode estar
presente, por exemplo, em alguns casos de
cardiomiopatia dilatada grave ou doença
valvar reumática.
95
Capítulo 13
INTRODUÇÃO
O
s capítulos anteriores se 1. BATIMENTOS VENTRICULARES
concentraram no estudo dos PREMATUROS: EXTRASSÍSTOLES
distúrbios supraventriculares e do nó VENTRICULARES
atrioventricular (AV). Partindo do pressuposto
P
de que nestes casos a condução ventricular
está normal, todos eles têm em comum o ontos chave
fato de produzirem arritmias com complexos Características principais das
QRS de duração normal. Assim, pode-se extrassístoles ventriculares:
generalizar que arritmias de complexos São batimentos prematuros,
QRS estreitos são sempre de origem ocorrendo antes que o próximo
supraventricular. batimento normal seja disparado.
Este capítulo considera as arritmias
ventriculares – a principal, mas não a única São aberrantes na aparência:
causa de taquicardias de complexos QRS o complexo QRS é largo (> 0,12
largos. segundo)
Nestes casos, as despolarizações ectópicas A onda T e o complexo QRS
surgem nos próprios ventrículos, ou no geralmente apontam em direções
sistema fascicular, produzindo batimentos opostas (discordantes).
ventriculares prematuros, taquicardia
ventricular (TV), ritmo idioventricular acelerado No capítulo 8 foram discutidas as
ou até mesmo a fibrilação ventricular (FV). extrassístoles supraventriculares, que têm
em comum a condução fisiológica para os
ventrículos e, portanto, são “arritmias de
complexos QRS estreitos”, a menos que um
bloqueio de ramo ou alguma outra causa de
aberração esteja presente.
96
Capítulo 13
Extrassístole
ventricular
isolada. Note o complexo
QRS largo, a polaridade
invertida do segmento ST-T e
a pausa compensatória pós- Figura 13.1. Fonte: Arquivo interno.
extrassístole.
A mesma
extrassístole
ventricular (marcada com X)
registrada simultaneamente
em três derivações diferentes
para mostrar a mudança na
morfologia de acordo com
a mudança na derivação de
registro.
97
Capítulo 13
As setas
indicam
a presença de duas
extassístoles ventriculares
acopladas (ou pareadas).
A,
Bigeminismo
ventricular,
em que cada impulso sinusal
normal é seguido por uma
Figura 13.5. Fonte: Arquivo interno.
extrassístole ventricular
(marcadas com X). B,
Trigeminismo ventricular, na
qual ocorre um batimento
ventricular prematuro a cada
dois batimentos sinusais.
98
Capítulo 13
Extrassístoles
ventriculares
multifocais, de diferentes
morfologias na mesma
derivação.
Figura 13.6. Fonte: Arquivo interno.
Fenômeno R em T
O fenômeno R em T refere-se a uma
extrassístole ventricular que cai perto
do pico ou vale (ponto mais positivo
ou negativo) da onda T do batimento
normal anterior (fig. 13-7). Isso ocorre
no contexto de isquemia ou infarto
agudo do miocárdio ou com um
99
Capítulo 13
Fenômeno R
sobre T.
Um batimento ventricular
prematuro caindo próximo
ao pico da onda T (setas
vermelhas) do batimento
anterior pode ser um
fator predisponente para
taquicardia ventricular ou
Figura 13.7. Fonte: Arquivo interno.
fibrilação ventricular.
T
(especialmente hipocalemia ou
aquicardia ventricular (TV) é
hipomagnesemia), toxicidade por
a presença de três ou mais
medicamentos (ex: digoxina), isquemia
extrassístoles ventriculares
aguda, cicatrizes de infarto prévio e
sequenciais, a uma frequência de 100 ou mais
muitos outros fatores.
bpm (figs. 13-8 e 13-9), que pode ser devida a
Os sintomas podem variar de nenhum
mecanismos focais ou de reentradas.
a palpitações graves, especialmente
A derivação
do monitor
mostra extrassístoles
Figura 13.8. Fonte: Arquivo interno. ventriculares isoladas e um
episódio autolimitado de
taquicardia ventricular (TV não
sustentada).
100
Capítulo 13
Taquicardia
ventricular monomórfica
sustentada.
TV
monomórfica
com origem no ventrículo
esquerdo. Observe o
QRS com morfologia de
bloqueio de ramo direito na
derivação V1.
101
Capítulo 13
TV
monomórfica
com origem na via de
saída do ventrículo direito.
Observe a morfologia
do QRS com o bloqueio
de ramo esquerdo na
derivação V1. Como os
complexos QRS estão
positivos nas derivações
inferiores (DII, DIII e AVF), o
eixo aponta para baixo.
102
Capítulo 13
ECG de uma
Torsades de Pointes
(TdP) não sustentada em
mulher com hipocalemia e
hipomagnesemia.
Padrão
clássico
de Torsades de Pointes
(TdP) sustentada. Observe
o padrão de batimentos
em que o eixo do QRS
parece girar de maneira
Figura 13.13. Fonte: Arquivo interno. sistemática.
103
Capítulo 13
104
Capítulo 13
Ritmo
idioventricular
acelerado (RIVA) em paciente
Figura 13.14. Fonte: Arquivo interno. com infarto de parede inferior.
Os primeiros quatro batimentos
mostram o padrão típico,
seguido por um retorno do
ritmo sinusal e, em seguida,
O RIVA é particularmente comum no infarto o reaparecimento do RIVA.
agudo do miocárdio e pode ser um sinal Observe que o 5º, 6º, 12º
de reperfusão coronariana, espontânea ou e 13º complexos QRS são
após procedimentos (trombólise química ou “batimentos de fusão” devido
à ocorrência quase simultânea
implante de stent). Essa arritmia geralmente
de um batimento sinusal e um
é de curta duração e geralmente não requer ventricular.
terapia específica.
A fibrilação
ventricular
(FV) pode produzir
ondas grossas e finas. A
desfibrilação imediata deve
Figura 13.15. Fonte: Arquivo interno.
ser realizada.
Taquicardia
ventricular
evoluindo para fibrilação
ventricular registradas
durante o início de uma
Figura 13.16. Fonte: Arquivo interno. parada cardíaca.
105
Capítulo 14
INTRODUÇÃO
N
o processo normal de ativação ECG EM DISTÚRBIOS DA CONDUÇÃO
ventricular, o estímulo elétrico chega VENTRICULAR: PRINCÍPIOS GERAIS
aos ventrículos a partir dos átrios por
N
meio do nó atrioventricular (AV) e do sistema
a presença de um bloqueio de
His-Purkinje. A primeira parte dos ventrículos
condução, seja de ramos ou de
a ser estimulada (despolarizada) é o lado
fascículos, ocorrerá atraso na
esquerdo do septo ventricular. Logo após,
condução elétrica para a região que está
a despolarização se espalha para a massa
“bloqueada”, fazendo com que esta região seja
principal dos ventrículos esquerdo e direito
despolarizada por último. Com isso o vetor
por meio dos ramos esquerdo e direito do
de despolarização ventricular será deslocado
feixe. Normalmente, todo o processo de
para esta região. Em outras palavras, o vetor
despolarização ventricular em adultos, o que
principal do QRS muda o seu eixo e se desloca
corresponde à duração do complexo QRS, é
em direção às regiões do coração que mais
concluído em até 0,11 segundo.
demoram para serem estimuladas. Quando o
Qualquer processo que interfira na
bloqueio ocorre em troncos (ramo direito ou
estimulação fisiológica dos ventrículos pode
esquerdo), além do desvio do eixo também
prolongar o QRS ou alterar o seu eixo. Este
ocorre uma lentificação da despolarização,
capítulo se concentra nos efeitos que os
alargando o QRS. Quando o bloqueio é de
bloqueios ou atrasos no sistema de ramo do
fascículos, a única anormalidade será o desvio
feixe têm no complexo QRS e nas ondas ST-T.
do eixo do QRS, sem comprometer a duração
do QRS.
Antes de iniciar o estudo dos distúrbios de
condução, vamos recordar a despolarização
normal dos ventrículos, conforme discutido no
capítulo 3. A figura abaixo ilustra a sequência
de despolarização ventricular.
Sentido e
direção
das ondas sequenciais
de despolarização
ventricular, no plano frontal
(à esquerda) e no plano
horizontal (à direita). Vetor
1: despolarização do septo
interventricular. Vetor 2:
despolarização ventricular
propriamente dita. Vetor
3: despolarização da parta
alta (base) dos ventrículos.
Figura 14.1. Fonte: Arquivo interno.
106
Capítulo 14
O
bloqueio do ramo direito (BRD)
desacelerará de forma acentuada
a estimulação ventricular direita e
o complexo QRS será alargado. A forma do
QRS comBRD pode ser prevista com base em
alguns princípios familiares.
A primeira parte dos ventrículos a ser
despolarizada é o septo interventricular, cujo ventrículos esquerdo e direito. O BRD também
vetor aponta para frente, para baixo e para a não afeta essa fase, porque o ventrículo
direita. No ECG normal, essa despolarização esquerdo é eletricamente predominante,
septal produz uma pequena onda r na produzindo ondas S profundas nas derivações
derivação V1 e uma pequena onda q na torácicas direitas e ondas R altas nas
derivação V6 (Fig. 14-2A). O BRD não afeta derivações torácicas esquerdas (Fig. 14-2B).
a fase septal da estimulação ventricular (o
septo é estimulado por um do feixe do ramo A alteração do complexo QRS produzida
esquerdo). A segunda fase da estimulação pelo BRD é resultado do atraso no tempo
ventricular é a despolarização simultânea dos total necessário para estimulação do
ventrículo direito. Isso significa que após o
ventrículo esquerdo ter se despolarizado
completamente, o ventrículo direito continua a
despolarizar.
Essa despolarização atrasada e lenta do
ventrículo direito produz uma terceira fase
de estimulação ventricular, gerando um vetor
para fora através do ventrículo direito, ou seja,
direcionado para a direita e para a frente.
Assim, uma derivação colocada sobre o lado
direito do tórax (por exemplo, V1) registra este
Passo-a-
passo
da sequência de
despolarização ventricular
na presença de bloqueio
de ramo direito. O vetor
3 representa o atraso
despolarização do
ventrículo direito.
107
Capítulo 14
Bloqueio de
ramo direito.
À esquerda, em azul, está
o vetor que representa
o atraso de condução
no ventrículo direito. À
direita está o registro
eletrocardiográfico do
fenômeno nas derivações
DI, V1 e V6.
108
Capítulo 14
Bloqueio de
ramo direito.
Note o padrão típico
rSR’ em V1. O atraso de
condução no ventrículo
direito pode ser notado
também pela presença de
uma onda S entalhada em
DI e aVL, bem com uma
Figura 14.4. Fonte: Arquivo interno.
onda R entalhada em DIII
e V4.
Bloqueio de
ramo direito.
Note o padrão típico rR’ em
V1, sem a presença de onda
S nesta derivação. Note
também os entalhamentos
dos complexos QRS em
algumas derivações.
109
Capítulo 14
SIGNIFICADO CLÍNICO
O
pode ser permanente ou transitório. Às vezes,
bloqueio de ramo esquerdo (BRE)
aparece apenas na presença de taquicardia
também produz um complexo QRS
(BRD relacionado à frequência), um achado
alargado, embora muito diferente
não diagnóstico.
daquele com BRD. A principal razão para essa
A embolia pulmonar, que produz sobrecarga
diferença é que o BRD afeta principalmente a
cardíaca aguda do lado direito, pode causar
fase terminal da ativação ventricular, enquanto
atraso na condução do ventrículo direito,
o BRE também afeta a fase inicial.
geralmente associado à taquicardia sinusal.
Lembre-se de que a primeira fase da
No entanto, em pacientes com infarto agudo
estimulação ventricular, a do septo, é iniciada
da parede anterior, um BRD novo pode indicar
pelo feixe septal do ramo esquerdo. O BRE
um risco aumentado de bloqueio cardíaco
altera esse padrão normal, e então o septo
completo, particularmente quando o BRD está
passa a se despolarizar no sentido inverso
associado a bloqueio de fascículos anterior
(da direita para a esquerda). Assim, a primeira
alteração produzida pelo BRE é uma perda da
onda r septal normal em V1 e da onda q septal
normal em V6 (Fig. 14-6A).
Bloqueio
de ramo
esquerdo.
À esquerda está ilustrada
a mudança de direção do
vetor septal (fig. 14.6A).
Note o alargamento
típico do QRS, produzindo
entalhamento na onda R de
V6 e na onda S de V1 (fig.
14.6B).
110
Capítulo 14
Bloqueio
de ramo
esquerdo.
Note o a onda S profunda
em V1, além de ondas R
alargadas e entalhadas em
DI e V6.
ECG de 12
derivações
mostrando um padrão
típico de BRE. Note o
alargamento do complexo
QRS, com entalhamento
característico em algumas
derivações. Além disso há a
inversão da polaridade da
onda T em relação ao QRS.
111
Capítulo 14
Comparação
entre os
padrões de complexo QRS
nas derivações V1 e V6:
normal, bloqueio de ramo
direito (BRD) e bloqueio de
ramo esquerdo (BRE).
112
Capítulo 14
SIGNIFICADO CLÍNICO
113
Capítulo 14
O
ramo direito é uma via única e
consiste em apenas um feixe
principal, sem divisões. Por outro
lado, o sistema do ramo esquerdo é
subdividido em dois fascículos, um anterior e
um posterior. Assim, pode-se considerar este
sistema trifascicular de condução ventricular
bloqueios nos troncos dos ramos direito (BRD)
como uma “rodovia de três pistas”, uma pista
e esquerdo (BRE) já foram apresentados.
da direita e duas da esquerda (figura 14-10).
O que acontece se ocorrer um bloqueio
apenas em um fascículo do ramo esquerdo?
Um bloqueio de condução pode ocorrer em
Este tipo de bloqueio é chamado de
um único ponto ou em vários pontos nesse
hemibloqueio ou bloqueio fascicular.
sistema trifascicular. O padrão de ECG com
Diferente de um bloqueio de ramo (BRD
ou BRE), um hemibloqueio não alarga o
complexo QRS, mas modifica o seu eixo de
despolarização.
Sistema
trifascicular
de condução. Note que
o ramo direito não se
subdivide, enquanto o ramo
esquerdo se ramifica em
fascículos anterossuperior e
posteroinferior.
114
Capítulo 14
Bloqueio do
fascículo
anterior esquerdo.
115
Capítulo 14
Duplo
bloqueio:
bloqueio completo do
ramo direito + bloqueio do
fascículo anterior esquerdo.
Note o padrão de QRS largo
(rR’) em V1 e V2 associado
ao desvio de eixo do
QRS para cima e para a
esquerda.
Figura 14.12. Fonte: Arquivo interno.
Duplo
bloqueio:
bloqueio completo do
ramo direito + bloqueio
do fascículo posterior
esquerdo. Note o padrão de
QRS largo (rR’) em V1 e V2
associado ao desvio de eixo
do QRS para baixo e para a
direita.
Figura 14.13. Fonte: Arquivo interno.
116
Capítulo 15
INTRODUÇÃO
E
ste capítulo e o próximo abordam 1. ISQUEMIA MIOCÁRDICA
tópicos de extrema importância em
E
medicina clínica - o diagnóstico de Uma obstrução coronariana promove
isquemia e infarto agudo do miocárdio (IAM). limitação do fluxo sanguíneo
Termos e conceitos básicos são brevemente (isquemia) ao miocárdio, reduzindo
discutidos primeiro, bem como a sequência a oferta de oxigênio e nutrientes ao mesmo.
de eventos típicos envolvendo o IAM com Esta isquemia pode ser transitória, como na
supradesnivelamento do segmento ST angina pectoris relacionada ao esforço físico,
(IAMST) e no eletrocardiograma. O próximo mas se for mais grave e prolongada pode
capítulo discute a diversidade de padrões de induzir necrose (infarto) de uma porção do
ECG associados à isquemia sem elevação do músculo cardíaco.
segmento ST e infartos sem onda Q. Um diagrama simplificado do ventrículo
esquerdo é apresentado na figura 15-1.
Observe que o mesmo consiste em uma
camada externa (epicárdio) e uma camada
interna (endocárdio). Essa distinção é
importante porque a isquemia pode ser
limitada à camada interna ou pode afetar
praticamente toda a espessura da parede
ventricular (isquemia transmural).
Corte
transversal
do ventrículo esquerdo
mostrando a diferença entre
um infarto subendocárdico,
que envolve a metade
interna da parede
ventricular, e um infarto
transmural, que envolve
toda a espessura da parede.
De forma generalizada,
a presença de ondas Q
patológicas indica infarto
transmural, enquanto nos
infartos subendocárdicos
estas ondas estão ausentes.
117
Capítulo 15
2. SUPRIMENTO SANGUÍNEO DO
MIOCÁRDIO
O
suprimento sanguíneo cardíaco
é fornecido pelas três principais
artérias coronárias e seus ramos supre o septo ventricular e grande parte da
(fig. 15-2). A artéria coronária direita supre a parede livre (anterior) do ventrículo esquerdo,
porção inferior (diafragmática) do coração e a artéria coronária circunflexa, que supre
e o ventrículo direito. O tronco da artéria a parede lateral do ventrículo esquerdo.
coronária esquerda é curto e se divide em Este padrão de circulação pode ser variável.
artéria coronária descendente anterior, que Às vezes, por exemplo, a artéria circunflexa
também supre a porção inferoposterior do
ventrículo esquerdo.
As três
principais
artérias coronárias que
fornecem sangue ao
coração.
3. ELEVAÇÃO DO SEGMENTO ST NA
ISQUEMIA TRANSMURAL
O
IAM “transmural” é caracterizado
por isquemia que evolui
progressivamente para necrose
de uma porção da parede ventricular. A
fisiopatologia da maioria dos casos de IAMST
se relaciona à oclusão de uma das artérias
coronárias por uma placa aterosclerótica
rompida, seguida pela formação de um
coágulo neste local, obstruindo o fluxo
sanguíneo distalmente. O coágulo na “artéria
culpada” é composto de plaquetas e fibrina.
Outros fatores podem causar IAMST, como
por exemplo: abuso de cocaína, dissecções de
118
Capítulo 15
A, Fase
aguda
de um infarto de parede
anterior: elevações do
segmento ST e novas ondas
Q. B, Fase em evolução:
inversões profundas
da onda T. C, Fase de
resolução: regressão
parcial ou completa das
alterações ST-T (e às vezes
Figura 15.3. Fonte: Arquivo interno.
das ondas Q). Em A, observe
as alterações recíprocas
(“imagens em espelho”)
de ST-T nas derivações
inferiores (II, III e aVF).
A, Fase
aguda
de um infarto do miocárdio
de parede inferior:
elevações do segmento ST
e novas ondas Q. B, Fase
em evolução: inversões
profundas da onda T.
C, Fase de resolução:
regressão parcial ou
completa das alterações
Figura 15.4. Fonte: Arquivo interno.
ST-T (e às vezes das ondas
Q). Em A, observe as
alterações recíprocas ST-T
nas derivações anteriores (I,
aVL, V2, V4).
119
Capítulo 15
Formas
variáveis
de elevações do segmento
ST observadas com infartos
agudos do miocárdio.
120
Capítulo 15
IAM com
supradesnivelamento do
segmento ST na parede
anterior. A: Na fase inicial,
ondas T altas e positivas
(hiperagudas) são vistas em
V2 a V5. B: Após algumas
horas, elevação acentuada
do segmento ST (corrente
da lesão) nas mesmas
derivações e ondas Q
anormais em V1 e V2.
IAMST na
parede
anterior com ondas T
hiperagudas em V2 a V5. Há
ainda discreta elevação do
segmento ST em aVL. Note
Figura 15.7. Fonte: Arquivo interno.
as depressões recíprocas
de ST em DII, DIII e aVF e a
extrassístole atrial (ESA) em
V4.derivações e ondas Q
anormais em V1 e V2.
121
Capítulo 15
O
IAM, particularmente quando
transmural, além de produzir
levam a ondas Q, e nem todos os infartos
alterações na repolarização
de ondas Q se correlacionam com necrose
(segmento ST-T) muitas vezes também produz
transmural.
alterações na despolarização, modificando
Em resumo, ondas Q anormais são
o complexo QRS. O sinal característico é o
marcadores característicos de infarto
aparecimento de novas ondas Q.
(necrose). Elas significam a perda de voltagens
Lembre-se de que uma onda Q é
elétricas positivas causadas pela morte do
simplesmente uma deflexão negativa inicial
músculo cardíaco. Novas ondas Q de um IAM
no complexo QRS. Se todo o QRS for negativo,
geralmente aparecem no primeiro dia do
então ele é denominado complexo QS.
infarto.
Uma onda Q em qualquer derivação
indica que o vetor de despolarização está
direcionado para longe (o vetor “foge”)
daquela derivação específica. No infarto, o 5. LOCALIZAÇÃO DE INFARTOS
resultado de uma necrose na parede muscular NO ECG
é uma região que não se despolariza, ou seja,
O
tem-se uma “área eletricamente inativa”.
Como já mencionado, os infartos
Assim, em vez de ondas positivas (R) sobre a
podem afetar as paredes anterior,
área infartada, ondas Q são registradas (um
lateral, inferior e posterior do
complexo QR ou QS).
ventrículo esquerdo, bem como o ventrículo
Mas cuidado ao interpretar estes significados!
direito. Pode haver ainda uma combinação
A tendência de equiparar ondas Q patológicas
de padrões, como por exemplo o infarto de
com necrose transmural é uma simplificação
paredes inferior e posterior (IAM inferodorsal)
excessiva. Nem todos os infartos transmurais
ou de paredes lateral e posterior (IAM
laterodorsal). Os infartos anteriores podem
ainda ser classificados em anterosseptal,
estritamente anterior ou anterolateral/
anteroapical, dependendo das derivações que
mostram sinais de isquemia (figs. 15-8 a 15-10).
IAMST na
parede
anterior. Os complexos QS
em V1 e V2 indicam infarto
anterosseptal. A seta (em V2)
indica um entalhe típico do
complexo QS visto no infarto.
Além disso, as inversões
difusas da onda T em DI, aVL
e V2 a V5 indicam isquemia
da parede anterior ou infarto
sem onda Q.
Figura 15.8. Fonte: Arquivo interno.
122
Capítulo 15
IAMST na
parede
anterior em evolução. O
paciente sofreu o infarto 1
semana antes. Há ondas Q Figura 15.9. Fonte: Arquivo interno.
anormais (DI, aVL e V2 a V5)
com discretas elevações
de ST e inversões da onda
T. O desvio acentuado do
eixo do QRS para esquerda
é resultante de bloqueio
fascicular anterior esquerdo.
Infarto
anterolateral
extenso. O infarto ocorreu
1 semana antes. Observe a
má progressão da onda R
de V1 a V5 com ondas Q nas
Figura 15.10. Fonte: Arquivo interno.
derivações DI e aVL. As ondas
T são ligeiramente invertidas
nestas derivações. Neste ECG,
o desvio do eixo para a direita
é resultado da perda das
forças da parede lateral, com
ondas Q vistas em DI e aVL.
123
Capítulo 15
124
Capítulo 15
IAMST da
parede
inferolateral. Observe as
elevações de ST em DII, DIII
e aVF e, mais sutilmente,
em V5 e V6. As depressões
recíprocas de ST estão em
DI, aVL, V1 e V2. Este último
achado pode ser recíproco à
isquemia lateral ou posterior.
Figura 15.11. Fonte: Usado com permissão de Nathanson LA, McClennen S, Safran C, Goldberger AL: ECG
Wave-Maven: Self-Assessment Program for Students and Clinicians. http://ecg.bidmc.harvard.edu.
IAM da
parede
inferior.
Este paciente sofreu um
infarto do miocárdio 1 mês
antes. Observe as ondas Q Figura 15.12. Fonte: Arquivo interno.
e as inversões simétricas
da onda T em DII, DIII e aVF,
além do achatamento da
onda T na derivação V6.
Após o infarto, as ondas Q e
as alterações ST-T podem
persistir indefinidamente ou
podem se resolver parcial ou
completamente.
Infarto antigo
(há 1 ano) da parede
inferior. Observe as ondas
Q proeminentes em DII, DIII
e aVF. As alterações ST-T
essencialmente voltaram ao
normal.
125
Capítulo 15
IAM posterior.
Observe as ondas R altas em
V1 e V2. Este paciente tem
um infarto prévio da parede
inferior (ondas Q em DII,
DIII, aVF) e provavelmente
também um infarto lateral
(inversões da onda T em
V4 a V6). Observe também
as ondas T positivas e
reciprocamente altas nas
derivações precordiais
anteriores V1 e V2.
Figura 15.14. Fonte: de Goldberger AL: Infarto do Miocárdio: Diagnóstico Diferencial
Eletrocardiográfico, 4ª ed. St. Louis, Mosby, 1991.
126
Capítulo 15
Isquemia do
ventrículo
direito em paciente com IAM
da parede inferior. As ondas
Q e elevações do segmento
ST em DII, DIII e aVF são
acompanhadas por elevações
de ST (setas) nas derivações
precordiais direitas (V1 e
V3R). As alterações ST-T
na derivação V6 indicam
isquemia da parede lateral.
Figura 15.15. Fonte: Goldberger AL: Infarto do Miocárdio: Diagnóstico Diferencial As depressões do segmento
Eletrocardiográfico, 4ª ed. St. Louis, Mosby, 1991. ST em DI e aVL são recíprocas
às elevações do segmento ST
inferiores.
6. SEQUÊNCIA CLÁSSICA DE
MUDANÇAS ST-T E ONDAS Q
NO IAMST
A
té este ponto, as alterações de
despolarização ventricular (complexo
QRS) e repolarização (complexo ST-
T) produzidas por um IAM foram discutidas
separadamente. Conforme mostrado
nas figuras 15-4 e 15-5, essas mudanças
geralmente ocorrem sequencialmente.
Ordinariamente, o primeiro sinal de isquemia
transmural é a elevação do segmento ST
com suas depressões recíprocas (“imagens
em espelho”). As elevações de ST (correntes
de lesão) persistem por horas a dias.
127
Capítulo 15
A
emergência com queixa de dor precordial
Um problema diagnóstico típica. Mas terá um baixo valor preditivo
frequentemente encontrado é decidir se o paciente é um jovem de 25 anos, sem
se as ondas Q são anormais. Nem comorbidades, e que realiza um ECG de rotina
todas as ondas Q são indicadores de infarto. como exame admissional.
Por exemplo, uma onda Q é normalmente
vista em aVR. Além disso, pequenas ondas
q “septais” são normalmente vistas nas
derivações torácicas esquerdas (V4 a V6) e em 8. ANEURISMA VENTRICULAR
A
uma ou mais das derivações DI, aVL, DII, DIII
e aVF. Lembre-se do Capítulo 4 o significado Após um infarto extenso, pode-se
dessas ondas q septais. O septo ventricular desenvolver um aneurisma ventricular,
despolariza da esquerda para a direita. As que é uma porção gravemente
derivações torácicas esquerdas registram cicatrizada do miocárdio ventricular infartado
essa dispersão de voltagens para a direita que não se contrai normalmente. Em vez
como uma pequena deflexão negativa (onda disso, durante a sístole ventricular, a porção
q) que faz parte de um complexo qR no qual a aneurismática se projeta para fora enquanto
onda R representa a despolarização da maior o restante do ventrículo está se contraindo.
massa de músculo ventricular. O aneurisma ventricular pode ocorrer na
Essas ondas q septais normais devem ser superfície anterior ou inferior do coração.
diferenciadas das ondas Q patológicas do Pacientes com aneurisma ventricular
infarto. frequentemente apresentam elevações
persistentes (semanas ou meses) do
segmento ST após um infarto (fig. 15.16). No
entanto, a ausência de elevações persistentes
do segmento ST não exclui a possibilidade de
um aneurisma.
128
Capítulo 15
Aneurisma de
parede
anterior do ventrículo
esquerdo em paciente
que teve um infarto há 5
meses. Observe as ondas
Figura 15.16. Fonte: arquivo interno. Q proeminentes em V1 a
V3 e aVL, as elevações
persistentes de ST nessas
derivações e suas depressões
recíprocas nas derivações
inferiores (DII, DIII e aVF).
O
diagnóstico de infarto pode ser feito
com relativa facilidade na presença
de bloqueio de ramo direito (BRD).
Lembre-se de que BRD afeta principalmente
a fase terminal da despolarização ventricular,
produzindo uma onda R′ alta nas derivações
torácicas direitas e uma onda S profunda nas ventricular, produzindo ondas Q anormais.
derivações torácicas esquerdas. Quando BRD e um infarto ocorrem juntos, uma
O infarto afeta a fase inicial da despolarização combinação desses padrões é observada: o
complexo QRS é anormalmente largo (0,12 s
ou mais) como resultado do bloqueio de ramo,
a derivação V1 mostra uma deflexão terminal
positiva e a derivação V6 mostra uma onda S
profunda.
Se o infarto for anterior, o ECG mostra uma
perda da progressão da onda R com ondas
Q anormais na região anterior e alterações
características de ST-T. Se o infarto for inferior,
ondas Q patológicas e alterações ST-T são
vistas em DII, DIII e aVF. Um infarto da parede
anterior com um BRD é mostrado na figura
15-17.
129
Capítulo 15
IAM com
elevação
em parede anterior e bloqueio
de ramo direito (BRD). Os
complexos QRS largos com
ondas R terminais altas em V1
e V2 indicam o BRD. O padrão
concomitante de IAM anterior
é indicado pelas elevações
de ST em V1 a V4 (também
discretamente em DI e aVL) e
ondas Q em V1 a V3. Depressões
recíprocas do segmento ST
são vistas nas derivações dos Figura 15.17. Fonte: Usado com permissão de Nathanson LA, McClennen S, Safran C, Goldberger AL: ECG
Wave-Maven: Self-Assessment Program for Students and Clinicians. http://ecg.bidmc.harvard.edu.
membros inferiores.
O
diagnóstico de BRE na presença
de IAM é consideravelmente mais
complicado e confuso do que o de
BRD. A razão é que o BRE interrompe tanto a
fase precoce quanto a tardia da estimulação
ventricular e também produz alterações
secundárias de ST-T. complicado são vistas nas derivações V4 a V6
Como regra geral, o BRE oculta o diagnóstico (com ondas R proeminentes). O aparecimento
de infarto. Assim, um paciente com padrão de inversões da onda T nas derivações V1
de BRE crônico que desenvolve um infarto a V3 (com ondas S proeminentes) é uma
agudo do miocárdio pode não apresentar as anormalidade primária que não pode ser
alterações características do infarto. atribuída ao próprio bloqueio de ramo (fig. 15-
Ocasionalmente, pacientes com BRE 18).
manifestam alterações ST-T primárias O problema do diagnóstico de infarto com
indicativas de isquemia ou infarto real. As BRE é ainda mais complicado pelo fato de que
inversões da onda T secundária do BRE não o padrão BRE tem várias características que se
assemelham àquelas observadas no infarto.
Assim, um padrão BRE pode imitar um padrão
de infarto. Um BRE geralmente mostra uma
progressão lenta da onda R nas derivações
torácicas devido à maneira reversa como o
septo ventricular é ativado (ou seja, da direita
para a esquerda, o oposto do que acontece
normalmente). Consequentemente, com BRE,
130
Capítulo 16
A. Padrão
típico de
bloqueio
de ramo esquerdo (BRE).
Observe a progressão lenta
da onda R nas derivações
precordiais direitas e a
discordância dos vetores
QRS e ST-T refletida pelas
elevações do segmento ST
nas derivações precordiais
direitas e as depressões
ST com inversões da
onda T nas derivações
Figura 15.18. Fonte: arquivo interno.
precordiais esquerdas. B.
Subsequentemente, o ECG
deste paciente mostrou
o desenvolvimento de
inversões primárias da onda T
nas derivações V1 a V3 (setas)
causadas por isquemia da
parede anterior e provável
infarto.
N
o capítulo anterior foi abordado o sem infarto real) pode estar limitada ao
infarto agudo do miocárdio (IAM) subendocárdio (camada interna) do ventrículo,
associado à elevação do segmento estando associada a infradesnivelamentos ao
ST, à presença de ondas Q anormais e invés de supradesnivelamentos do segmento
inversão da onda T. Entretanto, em muitos ST.
casos a isquemia miocárdica (com ou
131
Capítulo 16
1. ISQUEMIA SUBENDOCÁRDICA
C
omo pode ocorrer isquemia
subendocárdica sem isquemia
transmural ou infarto?
Lembre-se que a isquemia transmural de isquemia é a depressão do segmento ST
produz elevação do segmento ST, uma na parede acometida. Conforme mostrado
corrente de padrão de lesão. Isso resulta na figura 16-1, este infradesnivelamento
de lesão epicárdica. O subendocárdio é tem um formato quadrado característico.
particularmente vulnerável à isquemia porque A derivação aVR, ao contrário, mostrará um
está mais distante do suprimento sanguíneo supradesnivelamento de ST (“imagem em
coronariano e mais próximo da alta pressão da espelho”).
cavidade ventricular. Essa camada interna do Em resumo, a isquemia miocárdica
ventrículo pode se tornar isquêmica enquanto envolvendo o subendocárdio geralmente
a camada externa (epicárdio) permanece produz infradesnivelamento do segmento
perfundida com sangue. ST, enquanto a isquemia aguda envolvendo o
A alteração mais comum no ECG neste padrão epicárdio produz supradesnivelamento deste
segmento. Essa diferença se reflete na direção
da corrente de lesão entre as duas síndromes;
modificando o sentido do vetor (figura 16-2).
A isquemia
subendocárdica pode
produzir depressões do
segmento ST.
Na isquemia
subendocárdica, as forças
elétricas (setas) responsáveis
pelo segmento ST são
desviadas em direção à
camada interna do coração,
causando depressão de ST
na derivação V5, que está
voltada para a superfície
externa do coração. B:
Na isquemia transmural
(epicárdica), as forças
elétricas (setas) responsáveis
Figura 16.2. Fonte: arquivo interno.
pelo segmento ST são
desviadas em direção à
camada externa do coração,
causando elevações de ST na
derivação sobrejacente.
132
Capítulo 16
Depressões
do segmento
ST na derivação V4 do ECG
de um paciente com dor
torácica durante o exame.
B: ECG com retorno do
segmento ST à linha de
base após administração de
nitroglicerina sublingual.
Figura 16.3. Fonte: arquivo interno.
133
Capítulo 16
Teste de
esforço
de um paciente com doença
arterial coronariana. A: ECG
em repouso. B: Depressões
de ST durante o esforço físico.
A derivação
V5 mostra
depressão fisiológica
do segmento ST que
pode ocorrer com o
exercício. Observe a
depressão da junção J
(seta) com segmentos ST
acentuadamente inclinados Figura 16.5. Fonte: arquivo interno.
para cima. (De Goldberger
AL: Infarto do Miocárdio:
Diagnóstico Diferencial
Eletrocardiográfico, 4ª ed. St.
Louis, Mosby, 1991.)
134
Capítulo 16
2. INFARTO SUBENDOCÁRDICO
S
e a isquemia na região
subendocárdica for suficientemente
miocárdio estiver infartada, as ondas Q
grave, pode ocorrer um infarto real.
anormais geralmente não aparecem. Isso
Nesses casos, o ECG mostrará depressões do
porque o infarto subendocárdico geralmente
segmento ST mais persistentes em vez das
afeta a repolarização ventricular (complexo
depressões transitórias típicas.
ST-T), mas não a despolarização (complexo
A figura 16-6 mostra um exemplo de infarto
QRS). No entanto, conforme será discutido no
não-Q com depressões persistentes de ST.
final deste capítulo, exceções podem ocorrer,
É possível que ondas Q apareçam no infarto
e os chamados “infartos não transmurais”
subendocárdico puro?
podem estar associados a ondas Q.
Resposta: se apenas a metade interna do
Outro padrão de ECG às vezes visto no infarto
não-Q é o de inversões da onda T, com ou
sem depressões de ST (fig. 16-7)
Infarto não-Q
em paciente com queixa de
dor torácica intensa. Observe
as depressões difusas de ST
em DI, DII, DIII, aVL, aVF e V2
a V6, além da elevação de ST
em aVR. Esses achados são
consistentes com isquemia
subendocárdica grave.
Infarto não-Q
em um paciente com dor
torácica típica e com níveis
elevados de troponina
sérica. Observe as inversões
profundas da onda T em
DI, aVL e V2 a V6. As ondas
Q proeminentes em DIII e
aVF representam um infarto
Figura 16.7. Fonte: arquivo interno. antigo da parede inferior.
135
Capítulo 16
A
isquemia miocárdica pode produzir
variadas alterações no ECG. Por
exemplo, o infarto pode causar
ondas Q anormais associadas a elevações
de ST e inversões da onda T. O aneurisma
ventricular pode estar associado a elevações
persistentes do segmento ST. A isquemia
subendocárdica durante uma crise de angina
pode produzir depressões transitórias do
segmento ST. Em outros casos, o infarto
pode estar associado a depressões de ST ou
inversões de onda T, mas sem ondas Q.
136
Capítulo 16
Homem de 30
anos
com história de angina
variante de Prinzmetal
com supradesnivelamento
transitório de ST. A: ECG em
repouso com alterações
inespecíficas de ST-T nas
derivações inferiores. B:
ECG durante precordialgia:
elevações de ST em DII,
DIII e aVF, e depressões
recíprocas de ST em DI
e aVL. C: Segmentos ST
retornam à linha de base
após alívio da dor com
Figura 16.8. Fonte: Goldberger AL: Infarto do Miocárdio: Diagnóstico Diferencial nitroglicerina. O cateterismo
Eletrocardiográfico, 4ª ed. St. Louis, Mosby, 1991. cardíaco mostrou obstrução
coronária direita grave
com espasmo intermitente
produzindo oclusão total
e supradesnivelamento
transitório do segmento ST.
A isquemia
miocárdica nas síndromes
coronarianas agudas produz
diversas alterações no ECG.
Às vezes, o ECG pode ser
normal ou mostrar apenas
alterações inespecíficas de
ST-T.
137
Capítulo 16
PONTOS CHAVE
A
A elevação de ST (corrente de
lesão) é o sinal mais precoce
de isquemia transmural aguda
no infarto. Elevações transitórias também elevações não seguem a sequência evolutiva
são observadas na angina de Prinzmetal. observada no infarto e não estão associadas a
Elevações de ST que persistem por semanas infradesnivelamentos recíprocos do segmento
após um IAM podem representar um ST (imagens em espelho).
aneurisma ventricular. Elevações do segmento ST também podem
Na figura 16-10 (ECG de um adulto jovem ser vistas na pericardite e na miocardite
normal), observe a elevação dos segmentos aguda.
ST. Esta é uma variante benigna conhecida Elevações crônicas de ST (especialmente nas
como padrão de repolarização precoce. derivações V1 e V2) são vistas em associação
Neste padrão, os segmentos ST nas com a hipertrofia ventricular esquerda e no
derivações torácicas podem subir 2 a 3 mm bloqueio de ramo esquerdo. Outras causas de
acima da linha de base. No entanto, estas elevações de ST incluem hipotermia sistêmica
(ondas J ou ondas de Osborn) e padrão de
Brugada.
A elevação do
segmento ST,
mais acentuada nas
derivações torácicas, em uma
variante normal. Esse padrão
de repolarização precoce
pode ser confundido com as
Figura 16.10. Fonte: arquivo interno.
elevações do segmento ST do
infarto agudo do miocárdio ou
da pericardite.
138
Capítulo 16
N A
em todos os infradesnivelamentos s inversões profundas da onda T
do segmento ST são indicativos geralmente ocorrem durante a fase
de isquemia subendocárdica. de evolução de um IAM. Elas são
Outras causas incluem as alterações ST-T o resultado de um atraso na repolarização
associadas à hipertrofia ventricular esquerda regional produzida pela lesão isquêmica.
(anteriormente referidas como padrão “strain”) No entanto, assim como nem todas as
e a isquemia transmural aguda. elevações de ST refletem isquemia, nem
Lembre-se de que a isquemia aguda da todas as inversões profundas da onda T
parede anterior pode estar associada a são anormais. Ondas T invertidas podem
depressões recíprocas do segmento ST ser normais em derivações com complexo
(“espelho”) em nas derivações inferiores QRS negativo (por exemplo, em aVR).
(DII, DIII e aVF). Por outro lado, a isquemia Também pode ser normalmente negativa
da parede inferior pode estar associada a nas derivações V1 a V2. Além disso, alguns
depressões recíprocas de ST nas derivações adultos têm um padrão de inversão de onda
anteriores (DI, aVL e V1 a V3). T juvenil persistente, com ondas T negativas
O segmento ST também pode estar deprimido nas derivações torácicas direita e média
em duas condições comuns: efeito digitálico e (tipicamente V1 a V3).
hipocalemia. Ondas T invertidas e profundas também
podem ser encontradas na sobrecarga
ventricular direita (em derivações torácicas
direitas), na sobrecarga ventricular esquerda
(em derivações torácicas esquerdas),
na pericardite e em alguns pacientes
com acidente vascular cerebral (AVC),
particularmente hemorragia subaracnóidea
(padrão de onda T de AVC) (fig. 16-8). A causa
dessas alterações de repolarização marcantes
em alguns tipos de lesão cerebrovascular
não é certa, mas provavelmente refletem
alterações no sistema nervoso autônomo.
ECG de um
paciente
com hemorragia
subaracnóidea aguda mostra
inversões gigantes da onda
T, geralmente associadas a
intervalos QT prolongados,
simulando o padrão
observado no infarto do
miocárdio.
139
Capítulo 16
U
nem sempre são indicativas de isquemia
miocárdica e a causa pode não ser justificada ma nota final de cautela deve ser
em muitos pacientes. enfatizada: o ECG é um indicador
razoavelmente sensível, mas
dificilmente perfeito, de infarto miocárdico.
A maioria dos pacientes com infarto agudo
7. COMPLICAÇÕES DO INFARTO DO do miocárdio ou isquemia grave apresenta
MIOCÁRDIO alterações no ECG descritas nos capítulos 15
e 16. Entretanto, particularmente durante os
A
primeiros minutos ou horas após um infarto, o
s principais complicações do IAM ECG pode ser relativamente não diagnóstico
podem ser mecânicas/estruturais ou ou mesmo normal. Além disso, um BRE pode
elétricas. mascarar completamente as alterações de um
As complicações mecânicas incluem infarto agudo.
insuficiência cardíaca, choque cardiogênico, Portanto, o ECG deve ser sempre considerado
aneurisma do ventrículo esquerdo, ruptura do na perspectiva clínica, e o diagnóstico de
coração, pericardite, disfunção do músculo isquemia ou infarto do miocárdio não deve ser
papilar, extensão e expansão do infarto e descartado simplesmente porque o ECG não
embolia. mostra as mudanças clássicas.
As complicações elétricas incluem as arritmias Além disso, como observado anteriormente,
e distúrbios de condução. O IAM pode causar a distinção tradicional entre IAM transmural
virtualmente qualquer arritmia, incluindo e subendocárdico com base nos achados
taquicardia ventricular sustentada ou fibrilação do ECG é uma simplificação excessiva e
ventricular levando à parada cardíaca. muitas vezes inválida. Em alguns pacientes,
pode ocorrer infarto extenso sem ondas
Q; em outros, pode ocorrer lesão não
transmural com ondas Q. Por essas razões,
os cardiologistas têm abandonado os termos
transmural e subendocárdico ao descrever
um infarto clinicamente diagnosticado e, em
vez disso, usam mais apropriadamente os
descritores IAMST, IAM não ST, IAM-Q e IAM
não-Q, além de denotar as derivações que
mostram as mudanças.
140
Capítulo 17
O
ECG é afetado por drogas, 1. EFEITOS DE MEDICAMENTOS
distúrbios eletrolíticos e uma NO ECG
variedade condições metabólicas,
e o ECG pode ser o principal exame inicial
que indique uma anormalidade grave, 1.1 ANTIARRÍTMICOS
como a hipercalemia ou a toxicidade por
antidepressivos tricíclicos. Esses tópicos Diversos medicamentos podem afetar o ECG,
são apresentados neste capítulo. Ao final é através de diversos mecanismos: efeito direto
apresentada uma breve revisão de alterações sobre na função de marcapasso, no sistema
de ST-T (não específicas versus específicas). de condução especializado ou nas células
atriais e ventriculares, bem como alteração na
atividade do sistema nervoso autônomo (vagal
e simpático).
Os cardiologistas costumam utilizar um
sistema de classificação abreviado das drogas
antiarrítmicas (quadro 17-1). Embora tenha
falhas, é amplamente empregado; portanto,
estudantes e médicos devem conhecê-lo.
141
Capítulo 17
Prolongamento
do intervalo QT em paciente em
uso de quinidina. A amiodarona
também pode prolongar o QT.
142
Capítulo 17
ECG de um
paciente
com overdose de
antidepressivos tricíclicos:
taquicardia sinusal,
alargamento de QRS
(por desaceleração da
condução ventricular) e
prolongamento do QT (por
repolarização retardada).
2. EFEITOS DE DISTÚRBIOS
ELETROLÍTICOS NO ECG
C
oncentrações séricas anormais de
potássio e cálcio podem alterar o ECG.
A hipercalemia pode ser letal devido à
sua toxicidade cardíaca.
alteração observada é o estreitamento e
a apiculação das ondas T, que adquirem
2.1 DISTÚRBIOS ELETROLÍTICOS: o formato “em tenda”. Em sequência vêm
HIPERCALEMIA o prolongamento dos intervalos PR e o
achatamento das ondas P, que podem
Conforme ilustrado na figura 17-3, a desaparecer completamente. Elevações
hipercalemia progressiva produz uma contínuas produzem um atraso na condução
sequência de alterações no ECG que intraventricular, com alargamento dos
afetam tanto a despolarização (QRS) quanto complexos QRS (figs. 17-3 e 17-4). À medida
repolarização (segmentos ST-T). A primeira que o potássio sérico aumenta ainda mais,
os complexos QRS continuam a se alargar,
levando a um grande padrão ondulado (onda
senoidal) e assistolia.
143
Capítulo 17
A primeira
alteração
com hipercalemia é a
onda T apiculada. Com
aumentos progressivos
no potássio sérico, os
complexos QRS se
alargam, as ondas P
diminuem em amplitude
e, finalmente, um padrão
de onda senoidal leva à
assistolia.
ECG de um
paciente
com potássio sérico de
8,5 mEq/L: ausência de
ondas P e complexos QRS
bizarros e largos.
144
Capítulo 17
Padrões de
ECG
que podem ser observados
na hipocalemia:
achatamento da onda T,
ondas U proeminentes,
depressões do segmento
S, inversões da onda T.
Esses padrões não são
diretamente proporcionais
ao nível de potássio sérico.
ECG de um
paciente
com potássio sérico
145
Capítulo 17
A hipocalcemia
prolonga o intervalo QT
por esticar o segmento ST.
A hipercalcemia diminui o
intervalo QT ao encurtar o
segmento ST de modo que
a onda T parece “decolar”
diretamente do final do
complexo QRS.
146
Capítulo 17
A
Elevações extremas (acima de 15 a 20 mEq/L),
hipotermia sistêmica tem efeito
podem levar ou contribuir para parada
na repolarização de diferentes
cardíaca.
camadas dos ventrículos e pode
desenvolver um padrão distinto de ECG: uma
elevação em forma de corcova localizada
na junção entre o final do complexo QRS e
o início do segmento ST (ponto J) (fig. 17-8).
Essas ondas J patológicas são denominadas
Ondas de Osborn. Este padrão desaparece
com o reaquecimento.
Abaulamento
do ponto J
(o início do segmento ST)
em paciente com hipotermia
sistêmica. As ondas J
proeminentes (setas) são
chamadas de Ondas de
Osborn.
4. FATORES METABÓLICOS:
ANORMALIDADES ENDÓCRINAS
A
maioria dos distúrbios endócrinos
não produz alterações específicas
no ECG. Em alguns casos, no
entanto, o ECG pode desempenhar um papel
importante no diagnóstico e tratamento de
anormalidades hormonais. Por exemplo, o
hipertireoidismo é frequentemente associado
a uma taquicardia em repouso. O achado
147
Capítulo 17
O
tópico final deste capítulo é uma
breve revisão dos principais
5. FATORES METABÓLICOS: fatores que causam alterações
ACIDOSE E ALCALOSE de ST-T (repolarização). O termo alteração
inespecífica de ST-T é comumente usado em
A
eletrocardiografia clínica. Muitos fatores (por
acidose metabólica e a alcalose,
exemplo, drogas, isquemia, desequilíbrios
por si só, não estão associadas
eletrolíticos, infecções e doença pulmonar)
a achados específicos do ECG.
podem afetar o ECG. Como já mencionado,
A acidose metabólica está tipicamente
a fase de repolarização (complexo ST-T) é
associada à hipercalemia e a alcalose
particularmente sensível a esses efeitos e
metabólica à hipocalemia. A aparência
pode apresentar uma variedade de alterações
inespecíficas como resultado de múltiplos
fatores (figs. 17-9 e 17-10). Essas alterações
incluem leves depressões do segmento ST,
achatamento da onda T e leves inversões da
onda T (fig. 17-9).
O
achatamento
da onda T
(2ª e 3ª figuras) e inversão
da onda T (4ª figura) são
alterações relativamente
inespecíficas do ECG que
podem ser causadas por
vários fatores.
148
Capítulo 17
ECG
mostrando
alterações inespecíficas
de ST-T. Observe o
achatamento difuso da onda
T.
Exemplos
de alterações ST-T
relativamente específicas.
149
Capítulo 18
18 - Toxicidade digitálica
INTRODUÇÃO
E
ste capítulo se concentra nas arritmias
e distúrbios de condução causados
pela toxicidade dos digitálicos. Os
glicosídeos digitálicos, especialmente a de estímulos dos átrios para os ventrículos
digoxina, ainda são amplamente prescritos, através da junção AV.
e a toxicidade relacionada ao uso destes Desde que uma série de medicamentos mais
fármacos continua sendo um importante eficazes e seguros se tornaram disponíveis
problema clínico. atualmente, o uso de digitálicos está limitado
A toxicidade digitálica tem uma ampla aos pacientes com FA e ICC sistólica e que não
gama de apresentações, desde sintomas toleram betabloqueadores ou bloqueadores
inespecíficos, como náuseas e vômitos, até dos canais de cálcio, ou é usado como
arritmias potencialmente fatais. A gestão adjuvante à terapia. Mesmo assim, a margem
clínica desta condição deve centrar-se na de segurança para uso dos digitálicos é
prevenção e no reconhecimento precoce. relativamente baixa. A diferença entre as
concentrações terapêutica e tóxica é estreita.
1. DIGITÁLICOS: MECANISMO DE
AÇÃO E INDICAÇÕES 2. TOXICIDADE VERSUS EFEITO
O
DIGITÁLICO
s digitálicos (glicosídeos cardíacos),
A
correspondem a uma classe de toxicidade digitálica refere-se às
drogas cardioativas que exercem arritmias e distúrbios de condução,
efeitos mecânicos e elétricos no coração, bem como os efeitos sistêmicos
sendo a digoxina a mais prescrita na prática tóxicos produzidos por esta classe de drogas.
clínica. Portanto, toxicidade não deve ser confundida
A ação mecânica dos digitálicos é aumentar com efeito digitálico (figs. 18-1 e 18-2), que se
a força das contrações miocárdicas em refere ao “sinal de impregnação digitálica” do
pacientes com coração dilatado e insuficiência complexo ST-T (associado ao encurtamento
cardíaca crônica sistólica (ICC). A ação elétrica do intervalo QT) normalmente observado em
relaciona-se à diminuição da automaticidade pacientes que usam digitálicos em doses
e condutividade nos nódulos sinoatrial (SA) terapêuticas. Alguns cardiologistas fazem
e atrioventricular (AV), em grande parte pelo analogia deste aspecto observado no ECG
aumento do tônus parassimpático (vagal). com a forma de uma “colher de pedreiro’.
Consequentemente, os digitálicos são usados Deve-se ter em mente nem todos os
para controlar a resposta ventricular na pacientes que tomam digitálicos apresentam
fibrilação atrial (FA) e no flutter atrial, que são essas alterações.
caracterizados pela transmissão excessiva Assim, presença do efeito digitálico no ECG,
por si só, não implica toxicidade. No entanto,
a maioria dos pacientes com toxicidade
digitálica manifesta alterações ST-T do efeito
digitálico em seu ECG.
150
Capítulo 18
Escavação
característica do complexo
ST-T produzido por digital.
A
característica
escavação do complexo
ST-T produzido por
digitálicos é melhor
observada nas derivações
V5 e V6. Neste ECG, baixa
voltagem também está
presente, com amplitude
QRS de 5 mm ou menos em
todas as derivações dos
membros.
3. SINTOMAS SISTÊMICOS E
SINAIS DE TOXICIDADE DIGITÁLICA
A
toxicidade digitálica pode produzir
sintomas sistêmicos gerais
(fraqueza, anorexia, náuseas e
vômitos), distúrbios visuais (percepção de cor
alterada) e neurológicos. Como regra geral,
praticamente qualquer arritmia e todos os
graus de bloqueio AV podem ocorrer (quadro
18-1).
151
Capítulo 18
Ectopia
ventricular
é um achado comum
em toxicidade digitálica.
Figura 18.3. Fonte: arquivo interno. A: Ritmo subjacente
de fibrilação atrial. B:
Bigeminismo ventricular
em um caso de intoxicação
digitálica: a cada complexo
QRS normal segue-se uma
extrassístole ventricular.
152
Capítulo 18
Taquicardia
ventricular
bidirecional, onde os
complexos QRS alternam
sucessivamente a direção,
batimento a batimento.
Figura 18.4. Fonte: arquivo interno. Nenhuma onda P está
presente.
Taquicardia
atrial
(cerca de 200 batimentos/
min) com bloqueio AV 2:1
produzindo uma frequência
ventricular de cerca de 100
Figura 18.5. Fonte: arquivo interno.
batimentos/min.
Fibrilação
atrial
com frequência ventricular
muito lenta devido à
toxicidade digitálica. Em
pacientes com fibrilação
atrial subjacente, a
toxicidade digitálica
é frequentemente
manifestada por uma
Figura 18.6. Fonte: arquivo interno.
lentificação excessiva ou
uma “pseudo-regularização”
da frequência ventricular.
153
Capítulo 18
4. FATORES PREDISPONENTES À
TOXICIDADE DIGITÁLICA
V
ários fatores aumentam
significativamente o risco de
intoxicação por digitálicos (quadro
18-2).
Idade avançada;
Hipopotassemia;
Hipomagnesemia;
Hipercalcemia;
Miocardiopatia hipertrófica;
Hipoxemia;
Doença pulmonar crônica;
Infarto do miocárdio (especialmente o infarto agudo);
Insuficiência renal;
Hipotireoidismo;
Síndrome de Wolff-Parkinson-white com fibrilação atrial.
DISTÚRBIOS ELETROLÍTICOS
Hipopotassemia, hipomagnesemia
e hipercalcemia aumentam o risco miocárdio ou isquemia parecem ser mais
arritmias induzidas por digitálicos. Assim, sensíveis aos digitálicos. Os digitálicos
a concentração sérica de eletrólitos deve podem piorar os sintomas de pacientes com
ser monitorada em pacientes em uso de miocardiopatia hipertrófica, uma doença
digitálicos, especialmente se houver uso cardíaca hereditária associada à contratilidade
associado de diuréticos. cardíaca excessiva. Em pacientes com a
síndrome de Wolff-Parkinson-White e FA,
os digitálicos aceleram a transmissão de
impulsos ao longo do trato AV, levando a
DOENÇA COEXISTENTE uma grave taquiarritmia. Pacientes com
hipotireoidismo também são mais sensíveis
A hipoxemia e a doença pulmonar crônica aos digitálicos.
também podem aumentar o risco de Uma vez a digoxina é excretada
toxicidade digitálica, provavelmente porque principalmente na urina, qualquer grau
estão associadas ao aumento do tônus de insuficiência renal requer uma dose de
simpático. Pacientes com infarto agudo do manutenção mais baixa de digoxina. Assim,
pacientes idosos podem ser mais suscetíveis
à toxicidade digitálica, em parte devido à
diminuição da excreção renal do fármaco.
154
Capítulo 18
INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS
F
um complexo molecular responsável pela
oge ao objetivo deste livro discutir
excreção intestinal e renal do digitálico. A
abordagens terapêuticas. Em linhas
espironolactona também pode aumentar os
gerais, o tratamento da toxicidade
níveis de digoxina devido à diminuição da
digitálica envolve o tratamento da arritmia
depuração renal.
aguda a descontinuação do digitálico
responsável e monitorização cuidadosa do
estado hemodinâmico do paciente.
Em quadros de overdose, como nas tentativas
de auto-extermínio, o digitálico pode causar
5. PREVENÇÃO DA TOXICIDADE hipercalemia com risco de vida porque a
DIGITÁLICA droga bloqueia o mecanismo da membrana
O
celular que bombeia potássio para dentro
primeiro passo no tratamento das células em troca de sódio. Estes
é sempre a prevenção. Antes pacientes devem ser tratados com anticorpo
de qualquer paciente iniciar o bloqueador de digitálicos administrado por
tratamento com digoxina ou um medicamento via intravenosa. Uma informação importante:
relacionado, as indicações devem ser não se deve administrar cálcio IV quando a
cuidadosamente revisadas. O paciente hipercalemia estiver presente em um paciente
deve ter um ECG basal, eletrólitos séricos com toxicidade digitálica.
(principalmente potássio, magnésio e cálcio) Finalmente, os médicos devem estar cientes
e medições de ureia e creatinina. Outras de que a cardioversão elétrica por corrente
considerações incluem a idade e o estado contínua de arritmias em pacientes com
pulmonar do paciente, bem como se o toxicidade digitálica é extremamente perigosa
paciente está tendo um infarto agudo do e pode precipitar TV fatal e fibrilação. Portanto,
miocárdio. não se deve cardioverter eletricamente
Sinais precoces de toxicidade digitálica pacientes com suspeita de toxicidade
(por exemplo, aumento da frequência de digitálica (por exemplo, FA com resposta
extrassístoles ventriculares, bradicardia ventricular lenta, AT com bloco, etc.).
sinusal ou aumento do bloqueio AV) devem
ser cuidadosamente verificados.
Além disso, as dosagens de digoxina
devem ser reduzidas antes do início de
medicamentos que aumentam rotineiramente
os níveis de digoxina.
155
Capítulo 19
19 - Marcapassos e CDIs
INTRODUÇÃO
E
1. MARCAPASSOS: DEFINIÇÕES
ste capítulo faz uma breve introdução E TIPOS
M
a um tema assustador para iniciantes,
mas muito importante da análise arcapassos são dispositivos
diária de eletrocardiogramas: marcapassos e eletrônicos projetados para corrigir ou
cardiodesfibriladores implantáveis (CDIs). compensar anormalidades na geração
do impulso cardíaco (por exemplo, disfunção
do nó sinusal) ou condução (por exemplo,
bloqueio atrioventricular de alto grau). Um
marcapasso consiste em dois componentes
principais: (1) um gerador de pulso (bateria e
microcomputador) e (2) um ou mais eletrodos,
que podem ser fixados na pele (marcapasso
transcutâneo utilizado na emergência) ou
diretamente no interior do coração (fig. 19-1).
Esquema
de um
marcapasso
implantado composto
por um gerador (bateria
com microcomputador)
conectado a um eletrodo de
fio único (cabo) inserido pela
veia subclávia esquerda no
ventrículo direito.
156
Capítulo 19
Esquema
de um
marcapasso
implantado composto
por um gerador (bateria
com microcomputador)
conectado a um eletrodo
de fio único (cabo) inserido
pela veia subclávia esquerda
no ventrículo direito. Os
marcapassos de dupla
câmara possuem eletrodos
tanto no átrio direito quanto
no ventrículo direito.
Marcapassos biventriculares Figura 19.1. Fonte: arquivo interno.
podem estimular ambos os
ventrículos e o átrio direito.
157
Capítulo 19
Com o
eletrodo do
marcapasso
colocado no átrio
direito, uma espícula do
marcapasso (A) é vista antes
de cada onda P. O QRS
Figura 19.2. Fonte: arquivo interno. complexo é normal porque
o ventrículo não está sendo
eletronicamente estimulado
e o sistema de condução
atrioventricular (AV) está
funcional.
Marcapassos ventriculares de câmara única,
com o eletrodo posicionado no ventrículo
direito, são primariamente usados em
pacientes com fibrilação atrial crônica com
uma resposta ventricular excessivamente
lenta (figuras 19-1 e 19-3). Nestes casos,
eletrodo em câmara atrial não está indicado
porque a fibrilação atrial impossibilita uma
estimulação atrial eficaz.
O ritmo
ventricular
(QRS) é completamente
regular devido à estimulação
ventricular. No entanto,
o ritmo subjacente é de
fibrilação atrial. As ondas
fibrilares são pequenas em
amplitude e são mais bem
vistas na derivação V1. A
maioria das interpretações
de ECG por computador
lerá isso como “estimulação
Figura 19.3. Fonte: arquivo interno.
ventricular” sem notar
fibrilação atrial. A menos
que o leitor especifique
“fibrilação atrial” no relatório,
este importante diagnóstico,
que traz risco de acidente
vascular cerebral, passará
despercebido. Além disso,
no exame físico, o clínico
pode ser “enganado” a
pensar que o ritmo regular é
sinusal.
158
Capítulo 19
Marcapassos
de dupla
câmara
(DDD) detectam e estimulam
tanto os átrios quanto os
ventrículos. O marcapasso
emite um estímulo (espícula)
sempre que uma onda P
nativa ou complexo QRS
não é detectado dentro de
algum intervalo de tempo
programado.
Figura 19.4. Fonte: arquivo interno.
Morfologia
de
batimentos
estimulados por marcapasso
de dupla câmara. Estão
presentes espículas
de estimulação atrial e
ventricular. A espícula atrial
é seguida por uma onda P.
A espícula de estimulação
ventricular é seguida por um
complexo QRS largo (com Figura 19.5. Fonte: arquivo interno.
morfologia de bloqueio de
ramo esquerdo) e por onda
T apontando na direção
oposta (discordante).
159
Capítulo 19
Ondas P
negativas
(setas) após os batimentos
estimulados; isso ocorre
Figura 19.6. Fonte: arquivo interno. devido à ativação dos
átrios de baixo para cima,
seguindo os batimentos
ventriculares estimulados.
160
Capítulo 19
PROGRAMAÇÃO DE MARCAPASSO
DE CÂMARA ÚNICA
161
Capítulo 19
Ciclo de
estimulação
VVI (10 batimentos). A
detecção de atividade
intrínseca nos ventrículos
inibe a saída do marcapasso.
Uma vez que a pausa
após o último complexo
QRS atingir 1 segundo, o
marcapasso produz um pico
Figura 19.7. Fonte: arquivo interno. de estimulação resultando
em um batimento
estimulado (QRS largo).
Batidas 2 e 8 são batidas de
fusão (coincidindo batidas
conduzidas e ritmadas).
PROGRAMAÇÃO DE MARCAPASSO
DE DUPLA CÂMARA
162
Capítulo 19
2. CARDIOVERSOR-DESFIBRILADOR
IMPLANTÁVEL (CDI)
O
s cardioversores-desfibriladores
implantáveis (CDIs) são dispositivos programáveis de tratamento: estimulação
eletrônicos que podem detectar antitaquicardia (ATP) e choques de corrente
arritmias ventriculares potencialmente contínua (DC). O ATP funciona estimulando
letais e administrar a terapia elétrica o coração mais rápido do que a taxa de TV.
apropriada, incluindo choques desfibrilatórios. Isso permite que o sinal penetre no circuito
Os modernos CDIs se assemelham a de reentrada da arritmia, “quebrando” esta
marcapassos na aparência, mas com alça e restaurando o ritmo sinusal. O ATP
geradores um pouco maiores e derivações encerra aproximadamente 50% das arritmias
ventriculares direitas mais espessas (fig. 19-8). ventriculares, evitando a necessidade de
Ambos são implantados de forma semelhante. choques do CDI. Ao contrário do choque,
Todos os CDIs atuais são capazes de o ATP é indolor e geralmente passa
estimulação (função de marcapasso) e despercebido pelo paciente.
podem ser de câmara única, câmara dupla Se o ATP não converter a arritmia, até seis
ou biventricular. A detecção de arritmia choques consecutivos (sincronizados ou não)
baseia-se na frequência cardíaca e pode ser podem ser administrados pelo dispositivo
programada por faixas de frequência cardíaca (veja a fig. 19-9). As baterias modernas do CDI
diferentes (por exemplo, faixas de TV lenta, de têm a capacidade de fornecer mais de 100
TV rápida e de FV a 160, 180, 200 batimentos/ choques e geralmente duram de 5 a 7 anos.
min). Os tratamentos de arritmia podem então Como a detecção de taquiarritmias é baseada
ser configurados separadamente em cada na frequência cardíaca, existe o risco de
uma destas faixas (fig. 19-9) como parte da terapias inadequadas para taquiarritmias
terapia automática estadiada (por camadas). supraventriculares com respostas
Os CDIs fornecem duas modalidades ventriculares rápidas (por exemplo, fibrilação
atrial). Os CDIs usam algoritmos sofisticados
para discriminar TV de taquicardias
supraventriculares. Foge ao objetivo deste
texto discutir estas particularidades.
Um
dispositivo
cardioversor
desfibrilador implantável
(CDI) se assemelha a um
marcapasso com um
gerador de pulso e um
sistema de eletrodos.
163
Capítulo 19
Terapia de
arritmia
em camadas (estadiada)
por cardiodesfibriladores
implantáveis. A: Estimulação
antitaquicardia em caso de
taquicardia ventricular. B:
Choque de cardioversão
para taquicardia ventricular.
C: Choque de desfibrilação
para fibrilação ventricular.
O
s marcapassos são dispositivos muito
confiáveis e o mau funcionamento
dos mesmos é raro. Os problemas
comumente encontrados são: falha na
Falha na detecção (veja a fig. 19-
captura, falha na detecção e falha no ritmo.
10): é caracterizada por atividade
Falha na captura: ocorre quando há de estimulação excessiva e
geração de estímulos pelo marcapasso, inadequadamente cronometrada. Pode
mas estes estímulos não são seguidos ser devida ao deslocamento do eletrodo,
por atividade elétrica do coração sensibilidade ajustada inadequadamente
(fig. 19-10). As causas mais comuns ou alterações na amplitude do
são deslocamento do eletrodo, sinal intrínseco devido a isquemia,
vazamento no circuito de estimulação, anormalidades eletrolíticas, ou fibrose.
saídas de estimulação ajustadas
Falha na geração de ritmo (fig.
inadequadamente e aumento no limiar
19-11): geralmente se deve à
de estimulação devido a isquemia,
inibição do marcapasso por sinais
fibrose ou anormalidades eletrolíticas
elétricos não cardíacos, como do
(por exemplo, hipercalemia).
músculo esquelético, diafragma,
fontes eletromagnéticas externas
(eletrocautério, litotripsia, máquinas de
ressonância magnética).
164
Capítulo 19
Observe
que os
batimentos
1, 3 e 4 mostram picos de
marcapasso e complexos
QRS largos normalmente
estimulados e ondas T.
Os batimentos restantes
mostram apenas picos de
marcapasso sem captura.
Figura 19.10. Fonte: arquivo interno. (O marcapasso também não
detecta os complexos QRS
lentos e espontâneos do
paciente.)
O ritmo
subjacente
é o bloqueio AV de segundo
grau (2:1). Apesar da Figura 19.11. Fonte: arquivo interno.
frequência ventricular muito
lenta, o marcapasso não
funciona.
165
Capítulo 20
INTRODUÇÃO
U
ma grande variedade de processos
patológicos pode afetar o ECG, como
as condições que afetam o pericárdio
(pericardite aguda e derrame pericárdico),
o próprio miocárdio (não incluindo isquemia geralmente levemente deprimido na
e infarto) e os pulmões (embolia pulmonar que levam. Outras derivações podem
aguda e doença obstrutiva crônica). mostrar depressão de PR combinada
e elevação de ST. Como a elevação
do segmento PR na derivação aVR
se assemelha a um dedo indicador
dobrado, esse padrão é chamado de
1. PERICARDITE AGUDA “sinal da articulação”.
PONTO CHAVE
A pericardite aguda pode ser causada por
Na pericardite aguda, os segmentos infecções (virais ou bacterianas), tumores
PR e ST tipicamente apontam metastáticos, doenças do colágeno, infarto do
em direções opostas (“sinal de miocárdio, cirurgia cardíaca e uremia.
discordância do segmento PR- Os padrões de ECG da pericardite
ST”), com o PR sendo elevado assemelham-se aos observados no infarto
(frequentemente em apenas 1 mm agudo do miocárdio (IAM). O padrão lesão
ou mais) na derivação aVR e o ST na fase inicial geralmente é caracterizado
por elevações do segmento ST, resultante
da inflamação do epicárdio e do pericárdio
sobrejacente (Fig. 20-1).
Pericardite
aguda
causando elevações
difusas do segmento ST nas
derivações I, II, aVF e V2 a V6,
com depressões recíprocas
do segmento ST na Figura 20.1. Fonte: arquivo interno.
derivação aVR. Em contraste,
uma corrente de lesão
atrial concomitante causa
elevações do segmento
PR na derivação aVR com
depressões PR recíprocas
nas derivações torácicas
esquerdas e na derivação II.
166
Capítulo 20
Observe as
inversões
difusas da onda T nas
derivações I, II, III, aVL, aVF e
V2 a V6.
Figura 20.2. Fonte: arquivo interno.
2. DERRAME PERICÁRDICO
N
a maioria dos casos, o derrame
pericárdico é o resultado de uma
pericardite, mas pode ocorrer em
associação a outros transtornos, como
mixedema (hipotireoidismo) ou ruptura
do coração. A maior significância clínica
do derrame pericárdico é o risco de
tamponamento cardíaco, com repercussão
hemodinâmica (hipotensão arterial), podendo
ser causa de parada cardíaca com atividade
elétrica sem pulso.
O sinal ECG mais comum de derrame
pericárdico é a baixa voltagem dos complexos
QRS, com amplitude igual ou inferior a 5 mm
(0,5 mV) em cada uma das seis derivações
periféricas, podendo ou não haver baixa
167
Capítulo 20
Alternância
elétrica
no tamponamento
pericárdico. Observe a
alternância batimento a
batimento no eixo P-QRS-T;
isso é causado pelo
movimento oscilatório
periódico do coração em um
grande derrame pericárdico.
Voltagem relativamente
baixa do QRS e taquicardia
sinusal também estão
presentes.
3. MIOCARDITE
U
ma variedade de condições (por
exemplo, infecções virais) pode
estar associada à miocardite, cuja inespecíficas de ST-T até alterações de
apresentação clínica é variável, desde repolarização que ocorrem com pericardite
assintomática à insuficiência cardíaca grave e aguda. Ocasionalmente, os achados de
até morte súbita. Em alguns casos, pericardite ECG de miocardite grave podem simular
e miocardite ocorrem juntas. exatamente os de IAM, mesmo com elevações
Os achados de ECG com miocardite também de ST inicialmente e o desenvolvimento de
são bastante variáveis, desde alterações ondas Q patológicas. Arritmias atriais ou
ventriculares podem ocorrer com miocardite,
assim como distúrbios de condução
atrioventricular (AV) ou ventricular.
168
Capítulo 20
4. INSUFICIÊNCIA CARDÍACA
CRÔNICA
A
insuficiência cardíaca crônica (ICC),
é uma síndrome complexa que
pode resultar de múltiplas causas,
incluindo miocardite, IAM extenso, hipertensão esquerdo (e frequentemente do direito)
arterial sistêmica, doença cardíaca valvar e ocorrem sem doença arterial coronariana,
cardiomiopatia. O ECG pode fornecer pistas hipertensão ou lesões valvares significativas.
úteis para o diagnóstico em alguns desses Nesses casos, aplica-se o termo
pacientes: cardiomiopatia dilatada (“congestiva”).
Ondas Q proeminentes e alterações Pacientes com cardiomiopatia dilatada de
ST-T típicas sugerem extenso infarto qualquer causa podem ter um padrão distinto
subjacente. de ECG, denominada “tríade ECG-ICC”, que é
caracterizada por:
Padrões de hipertrofia ventricular
esquerda podem ocorrer com Baixas voltagens nas derivações das
cardiopatia hipertensiva, doença extremidades: QRS com amplitude de
valvar aórtica (estenose ou 8 mm ou menos.
regurgitação) ou regurgitação mitral. Altas voltagens de QRS nas
A combinação de aumento atrial derivações torácicas, de modo que a
esquerdo (ou fibrilação atrial) e sinais soma da onda S na derivação V1 ou
de hipertrofia ventricular direita (HVD) V2 mais a onda R em V5 ou V6 seja 35
sugerem fortemente estenose mitral. mm ou mais.
Cardiomiopatia
dilatada
idiopática grave em um homem
adulto jovem. A tríade de (1)
voltagens QRS relativamente
baixas nas derivações dos
membros, (2) voltagens QRS
precordiais proeminentes e (3)
progressão muito lenta da onda
R nas derivações torácicas (rS
em V4) é altamente sugestiva
de cardiomiopatia dilatada.
Este achado é relativamente
específico, mas não sensível.
Figura 20.4. Fonte: arquivo interno.
169
Capítulo 20
5. EMBOLIA PULMONAR
O
ECG não é um teste sensível para
embolia pulmonar. A obstrução
no sistema da artéria pulmonar
produzida por um êmbolo pode levar a
relaciona-se à dilatação do ventrículo
determinadas alterações no ECG, mas
direito.
nenhum padrão é sempre diagnóstico. Todos
os padrões a seguir podem ser vistos (figura Deslocamento do eixo QRS para a
20-5): direita.
Taquicardia sinusal. Depressões do segmento ST
consistentes com isquemia
Arritmias como extrassístoles
subendocárdica.
ventriculares e fibrilação atrial.
Bloqueio de ramo direito (BRD)
Sobrecarga ventricular direita: ondas T
incompleto ou completo (rSR′ amplo
invertidas nas derivações V1 a V4. Este
na derivação V1).
padrão anteriormente era chamado
“strain”. A presença dessas alterações, particularmente
quando combinadas, é sugestiva, mas
Padrão SIQ3T3: onda S na derivação
não diagnóstica de embolia pulmonar.
I e uma nova onda Q na derivação Muitos pacientes com embolia pulmonar
III com inversão da onda T nessa maciça apresentam apenas pequenas
derivação. Este padrão provavelmente alterações inespecíficas no ECG. Assim,
tanto a sensibilidade diagnóstica quanto a
especificidade do ECG com embolia pulmonar
são limitadas.
ECG na doença
pulmonar
crônica. Observe a constelação
característica de voltagens
relativamente baixas nas
derivações das extremidades,
desvio do eixo para a direita,
padrão de sobrecarga atrial
direita (P pulmonale) e progressão
lenta da onda R. O eixo da onda P
também é mais vertical do que o
normal (quase +90°).
170
Capítulo 21
6. DOENÇA PULMONAR
OBSTRUTIVA CRÔNICA (DPOC) ventrículo direito pode contribuir para
a zona de transição tardia do eletrodo
O
torácico.
Pacientes com DPOC podem
apresentar alterações relativamente Eixo do QRS vertical ou deslocado
características de achados de ECG para a direita no plano frontal. A
(figura 20-6), incluindo: posição anatomicamente vertical
do coração no tórax de um paciente
Baixa voltagem do QRS. O
com enfisema (e às vezes aumento
aprisionamento excessivo de ar
do ventrículo direito) faz com que o
pulmonar causa a baixa voltagem.
eixo médio do QRS seja verticalizado
Progressão lenta da onda R nas ou mesmo deslocado para a direita
derivações torácicas. Este fenômeno (maior que +100°)
resulta, em parte, do deslocamento
Sobrecarga atrial direita: ondas P altas
para baixo do diafragma. Assim, os
e relativamente estreitas (figura 20-6),
eletrodos do tórax são colocados
com eixo de onda P vertical ou para a
relativamente mais altos do que o
direita (+90° ou mais).
normal. Além disso, a dilatação do
INTRODUÇÃO
E
ste capítulo aborda um roteiro para
interpretar um ECG. Você deve cultivar
um método sistemático de leitura de
ECGs que seja aplicado em todos os casos. (velocidade de registro, calibração) e da
Os erros mais comuns estão relacionados a “qualidade geral da imagem”, buscando
omissões, ou seja, falhas em observar dados artefatos ou interferentes. Em seguida, eles
sutis, porém críticos. Por exemplo, ignorar um analisam cada uma das 14 características
intervalo PR curto pode fazer com que você necessárias. Esse processo deve ser repetido
não identifique o padrão Wolff-Parkinson- e verificado várias vezes antes da conclusão
White. Prolongamento do intervalo QT, um final.
potencial precursor de Torsades de Pointes É necessário adiantar que os laudos
e parada cardíaca súbita, às vezes passa computadorizados são frequentemente
despercebido. incompletos ou incorretos. Servem apenas
A maioria dos leitores experientes aborda o como guias. Assim, comprometa-se
ECG obedecendo um “roteiro”. Primeiro, eles inicialmente com a sua análise para, em
fazem uma varredura geral da configuração seguida, comparar com a interpretação do
computador. Às vezes, ele irá apontar algo que
você perdeu, mas muitas vezes ele vai perder
algo que você encontrou.
171
Capítulo 21
Quadro 21.1.
14 parâmetros a serem analisados em cada ECG
1. Padronizações de registro: qualidade técnica, velocidade (25 mm/seg) e
calibração (10 mm = 1 mV);
2. Ritmo;
3. Frequência cardíaca;
4. Intervalo PR;
5. Onda P: amplitude e duração;
6. QRS: duração;
7. QRS: voltagem (amplitude);
8. QRS: eixo médio;
9. Intervalo QT e QT corrigido;
10. Progressão da onda R nas derivações precordiais;
11. Ondas Q anormais;
12. Segmento ST;
13. Ondas T;
14. Ondas U.
1. PADRONIZAÇÕES DE REGISTRO
O
eletrocardiógrafo deve estar 2. RITMO
O
calibrado de forma que a marca de
padronização tenha 10 mm de altura O ritmo cardíaco pode ser descrito
(10 mm = 1 mV). São raras as necessidades de em uma das quatro categorias a
se modificar esta padronização, seja para mais seguir:
(1 mV = 20 mm) ou para menos (1 mV = 5 mm).
Ritmo sinusal.
A velocidade padrão de registro (25 mm/
seg) também deve ser verificada. Além disso, Ritmo sinusal com batimentos
verifique se há reversão das derivações de ectópicos (extrassístoles) atriais ou
membros e artefatos técnicos. ventriculares.
Ritmo totalmente ectópico (não
sinusal): taquicardia paroxística
supraventricular (TPSV), fibrilação ou
flutter atrial, taquicardia ventricular ou
ritmo de escape juncional.
Ritmo sinusal ou ectópico (por
exemplo, taquicardia atrial) com
bloqueio atrioventricular (BAV) de
172
Capítulo 21
A
flutter são difíceis de discernir, ou podem ser
confundidas com as ondas P de taquicardia onda P não deve exceder 2,5 mm
atrial. de amplitude (0,25 mV) e 3 mm
(0,12 seg) de largura em todas as
derivações. Ondas P altas e pontiagudas
sugerem sobrecarga atrial direita (P
pulmonale), enquanto ondas P largas (e às
3. FREQUÊNCIA CARDÍACA vezes entalhadas) são vistas na sobrecarga
C
atrial esquerda.
alcule a frequência cardíaca. Para
ritmos regulares, divida 1500 pela
distância, em milímetros, entre duas
ondas R. 6. COMPLEXO QRS: DURAÇÃO
A
Para um “ritmo sinusal normal” (condução
AV 1:1), a frequência ventricular (QRS) é Normalmente, a largura do QRS
igual à frequência atrial (P). Uma taquicardia é de até 0,1 segundo (2,5 mm) em
representa uma frequência superior a 100 todas as derivações. O diagnóstico
batimentos/min, enquanto uma frequência diferencial de um complexo QRS largo é
inferior a 50 batimentos/min significa uma descrito no capítulo 14 (bloqueios de ramos
bradicardia. e fascículos). O diagnóstico diferencial de
taquicardias de complexo largo é descrito no
Capítulo 13.
4. INTERVALO PR
7. COMPLEXO QRS: AMPLITUDE
O P
intervalo PR normal (do início da
onda P ao início do complexo QRS) rocure sinais de hipertrofia ventricular
é de 0,12 a 0,20 segundos. Um direita ou esquerda (ver Capítulo 12).
intervalo PR uniformemente prolongado é Lembre-se de que pessoas magras,
atletas e adultos jovens frequentemente
apresentam alta voltagem sem hipertrofia
ventricular esquerda (HVE). As principais
causas de baixa voltagem estão descritas no
capítulo 20.
173
Capítulo 21
E
stime o eixo QRS médio (normal
entre −30° e +120°) no plano frontal e pode ocorrer na hipertrofia ventricular direita,
verifique se há desvios. Consulte o no infarto posterior e na dextrocardia.
capítulo 6.
U O
m intervalo QT/QTc prolongado ndas Q proeminentes nas derivações
indicar distúrbios eletrolíticos II, III e aVF podem indicar infarto da
(hipocalcemia ou hipocalemia), parede inferior. Ondas Q proeminentes
efeitos de drogas (quinidina, procainamida, nas derivações anteriores (I, aVL e V1 a V6)
amiodarona ou sotalol) ou isquemia podem indicar infarto da parede anterior.
miocárdica (geralmente com inversões
proeminentes da onda T). Os intervalos
QT encurtados são observados com
hipercalcemia e efeito digitálico. As fórmulas
para corrigir o intervalo QT pela frequência 12. SEGMENTO ST
P
cardíaca (QTc) são discutidas no Capítulo 5.
rocure elevações ou depressões
anormais do segmento ST.
I A
nspecione as derivações V1 a V6 para
ver se o aumento normal na relação s ondas T normalmente são positivas
R/S ocorre à medida que você se em derivações com complexo QRS
move pelo tórax. O termo “progressão lenta” positivo (incluindo DII) e negativas
da onda R (ondas R pequenas ou ausentes nas em aVR. A polaridade nas outras derivações
derivações V1 a V3) pode ser sinal de infarto periféricas depende do eixo elétrico do QRS.
do miocárdio anterior, mas também pode ser Assim, podem ser negativas em DIII mesmo na
observado em outras situações, incluindo: presença de um eixo QRS positivo.
colocação alterada de eletrodos, hipertrofia
ventricular esquerda, doença pulmonar
crônica e bloqueio de ramo esquerdo.
O termo “progressão reversa” da onda R é
14. ONDAS U
P
usado para descrever ondas R anormalmente
Procure por ondas U proeminentes.
altas na derivação V1 que diminuem
Essas ondas, geralmente mais
progressivamente em amplitude. Esse padrão
aparentes nas derivações torácicas
V2 a V4, podem ser um sinal de hipocalemia
ou toxicidade por drogas (por exemplo,
amiodarona, quinidina ou sotalol).
174
Capítulo 21
A
pós analisar as 14 características
do ECG, você deve formular uma com efeito ou toxicidade por droga (sotalol,
interpretação geral com base nesses etc.) ou hipocalemia. Sugere-se correlacionar
achados, sempre levando em consideração o com a história clínica do paciente”.
contexto clínico. Um outro ECG pode mostrar ondas P largas,
Por exemplo, um ECG pode mostrar um desvio do eixo para a direita e uma onda R alta
intervalo QT/QTc prolongado e ondas U na derivação V1 (ver Fig. 21-1). A interpretação
proeminentes. A interpretação pode ser poderia ser: “Achados consistentes com
“Anormalidades de repolarização consistentes anormalidade atrial esquerda (aumento) e
hipertrofia ventricular direita. Esta combinação
é sugestiva de estenose mitral.”
ECG para
interpretação:
(1) padronização—10 mm/mV; 25
mm/seg (calibração eletrônica); (2)
ritmo – sinusal normal (3) frequência
cardíaca – 75 batimentos/min; (4)
intervalo PR—0,16 seg; (5) Ondas
P—tamanho normal; (6) largura do
QRS — 0,08 seg (normal); (7) intervalo
QT—0,4 seg (ligeiramente prolongado
para frequência); (8) Voltagem do
QRS — normal; (9) eixo QRS médio –
cerca de 30° (complexo QRS bifásico
na derivação II com complexo
QRS positivo na derivação I); (10)
Figura 21.1. Fonte: arquivo interno. Progressão da onda R nas derivações
torácicas – transição precordial
precoce com onda R relativamente
alta na derivação V2; (11) ondas Q
anormais — derivações II, III e aVF;
(12) Segmentos ST – levemente
elevados nas derivações II, III, aVF,
V4, V5 e V6; levemente deprimido
nas derivações V1 e V2; (13) Ondas
T – invertidas nas derivações II, III,
aVF e V3 a V6; e (14) ondas U—não
proeminentes. Impressão: Este ECG
é consistente com um infarto do
miocárdio de parede inferolateral
(ou infero-posterolateral) de idade
indeterminada, possivelmente
recente ou em evolução. Comentário:
A onda R relativamente alta na
derivação V2 pode refletir perda de
potenciais laterais ou envolvimento
real da parede posterior.
175
Capítulo 21
O
você precisa encontrar a causa desta
ECG, como qualquer outro registro
frequência rápida. É resultado de ansiedade,
eletrônico, está sujeito a inúmeros
febre, hipertireoidismo, insuficiência
artefatos que podem interferir
cardíaca crônica, hipovolemia, drogas
na interpretação precisa. Alguns dos mais
simpaticomiméticas, abstinência de álcool ou
comuns são descritos aqui.
alguma outra causa?
Desta forma, a interpretação de um ECG
torna-se parte integrante do diagnóstico TREMOR MUSCULAR
clínico do paciente.
Tremor muscular, seja voluntário ou
involuntário (por exemplo, parkinsonismo),
pode produzir ondulações na linha de base
CUIDADO: INTERPRETAÇÕES DE que podem ser confundidas com flutter ou
fibrilação atrial ou às vezes até taquicardia
ECG COMPUTADORIZADO ventricular (Fig. 21-2).
S
istemas computadorizados (softwares)
para análise de ECG tornaram-se mais
sofisticados e precisos, sendo hoje
amplamente utilizados. Apesar dos avanços,
tais análises ainda apresentam limitações Artefatos
importantes e não raramente estão sujeitas a
erros diagnósticos. Portanto, interpretações
simulando
grandes arritmias. A, Artefato
de movimento simulando uma
taquicardia ventricular rápida.
Os complexos QRS normais,
indicados pelas setas (e
amplamente obscurecidos pelo
artefato) podem ser vistos a uma
taxa de cerca de 100 batimentos/
min. B, tremor parkinsoniano
causando oscilações da linha
de base na derivação II que
mimetizam fibrilação atrial.
Observe a regularidade dos
complexos QRS, que fornecem
uma pista de que a fibrilação
atrial não está presente. (De
Mirvis DM, Goldberger AL:
Electrocardiography. In Bonow
RO, Mann DL, Zipes DP, Libby P
(eds): Braunwald’s Heart Disease,
Figura 21.2. Fonte: arquivo interno.
9th ed.
176
Capítulo 21
Deflexões
simulando
batimentos ventriculares
prematuros, produzidos pelo
movimento do paciente.
Um artefato produzido por
interferência de 60 Hz também
está presente.
PADRONIZAÇÃO IMPRÓPRIA
177
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