Revista Critica de Ciéneias Sotiais n° 12 Outubro de 1983
RECENSOES CRITIOAS
NOTAS DE LEITURA SOBRE
A INTENSIFICACAO DA PRODUCAO AGRICOLA
Henri Nallet — A Intensificagao da Produgao Agricola
terpretacdes ¢ perspectives de investigagio, Lisboa, Ulmeiro/
(Agricultura, 1983, 115 p.
Varios — Intensificacdéo da Produgao Leiteira (colectinea
de textos), Aveiro, Unido das Cooperativas de Produtores de
Leite de Entre Douro e Mondego—Lacticoop, 1983, 269 p.
1. manifesta a relacio entre estas duas obras, recente-
mente publicadas, ¢ ambas muito interessantes para’ quem se
preocupa com o papel da agricultura na formago social. por-
‘tuguesa.
‘Uma delas, a de H. Nallet, resulta da sua participagdo
num semindrio sobre a intensificagao da producio agricola rea~
lizado em Lisboa em 1979 ¢ & uma sintese autorizada sobre a
abordagem tedrica que, principalmente influenciada por Claude
Servolin, tem um lugar destacado nos estudos rurais em Franga
desde que, no inicio dos anos 70, a ruptura com a ideia de uma
linear homogeneizacao capitalista dos espacos rurais deu lugar
a analises portadoras de maior capacidade’ para identificar os
mecanismos da racionalidade das formas de produgao erealmen-
te existentesy e dos processos (diferenciados) pelos quais se
articulam com 0 sistema econémico.
As sperspectivas de investigacao» que daqui resultam colo-
cam-nos no campo de andlise desenvolvido pelos estudos que
mais marcam a colectinea sobre a -producao leiteira.
Mas nao 6 a hipotética epaternidade> daquela corrente
franeesa face a estes estudos que aqui me interessa proble-
matizar. Julgo antes que & importante sublinhar como esta co-
lectdnea ilustra mais um passo na investigagao séria sobre um162 Revista Critica de Ciéncias Sociais
sector muito significative da agricultura portuguesa. E estes
1passos so seguros quando, como acontece por exemplo no texto
ePerspectivas de desenvolvimento da produgao leiteira no mi-
nifiindio. O caso de Aveiroo (Agostinho de Carvalho, Vitor Bar-
ros, Ramos Rocha e Joaquim Rolo), a investigacao se preocupa
com: a) «a compreensao das légicas de funcionamento dos di-
ferentes tipos de exploracao» e, nomeadamente, no caso domi
nante das exploracoes familiares, da unidade familia-explora~
go e dos processos da sua reproducdo; b) a recusa da genera~
lizagio normativa de critérios econémicos inerentes a produ-
eo capitalista; c) a compreensao dos resultados do desenvolvi-
mento de uma actividade produtiva, reconhecendo os seus reais
agentes e identificando os mecanismos que se revelam centrais;
4) a proposta de perspectivas de desenvolvimento portadoras
de vantagens para os sujeitos que as viabilizaram e capazes de
contribuirem para a coeréneia do sistema produtivo nacional.
2. Julgo ainda que a anilise conjunta destes dois livros
merece que se sublinhem duas ideias centrais, deduzidas das
questées colocadas pelos autores: i) uma toma como pretexto
uma reflexio sobre a abordagem apresentada por Nallet e pro-
cura equacionar algumas das diferencas que a realidade por-
tuguesa oferece face a este modelo; ii) outra relaciona-se com
as particularidades do «sector leiteiro» no contexto da agricul-
‘tura portuguesa.
i) O raciocinio de Servolin/Nallet & conhecido: face
resposta desadequada dada pela economia cléssica (Quesnay,
‘Young, os mais claros, mas também Smith e Ricardo), pela ver-
so neo-classica (a reducao & concepeao empresarial da explo-
ragio agricola), pelas teorias da sindustrializacio da agricul-
turay e mesmo pelos cliissicos do marxismo, a procura das «for-
mas reais» do desenvolvimento da producao agricola no capi-
talismo conduz ao reconhecimento do carécter dominante da
exploracéo familiar. A , neste caso, esté em reconhecer a pluralidade
extremamente mais complexa que caracteriza o papel da agri-
cultura na formacao social portuguesa. No omitindo os cami-
nhos proprios por onde age a articulacio mercantil, julgo que
um dado marcante daquele papel advém da importincia que
a agricultura complementar (a de reprodugio, no
quadro familiar rural, de forca de trabalho com actividade
nao-agricola) tem no nosso pais. De facto, em pontos centrais
da nossa estrutura econémica, talvez por debilidade da propria
estrutura néo-agricola, a agricultura é 0 mticleo de uma com-
plexa rede de complementaridades.164 Revista Critica de Cidncias Sociais
22 ponto: é por isto que me parece importante uma ati-
tude tedrica e metodolégica que, no caso de Portugal, nos colo-
que para além da simples consideracao das relagdes ‘mercantis
(designadamente dos pregos relativos) para abranger a globa-
lidade das relagdes econdmicas. Julgo que é a consideracao da
natureza da relacdo salarial no conjunto da economia portu-
guesa, e designadamente da sua esfera industrial, que constitui
um ponto de partida central para desenvolver’a anélise do
papel da agricultura,
Desta maneira poder-se-4 testar a importancia atribuida
& forca de trabalho como eixo de continuidade entre os secto-
res agricola e nao-agricola (a mao de obra nao seré uma varid-
vel discreta, como supéem os modelos dualistas de erescimento),
sem deixar de tomar em conta que é a natureza estratégica do
salario no proceso de acumulagio do capital que preside 20
Sogo de relogdes mercantis que desvaloriza os produtos agri
cols.
ii) A producto leiteira é diz-se na colecténea, um ccaso
impars, um pois sfo as regioes de pequenos
produtores que tém reforgado o seu peso na produgao total e ¢ 0
escalao de 1-5 vacas que revela maiores contribuigdes para os
aumentos de produtividade verificados
Naturalmente que esta evolucao nao é alheia a um con-
junto de condigées que a facilitaram — pressio do consumo, po-
Iiticas estatais, acgao cooperativa. Mas, 0 emodelo técnico> que
enformava as medidas de politica estatais nao contemplava os
pequenos produtores, antes patrocinava as exploragies (prati-
camente inexistentes) com um minimo de 30 vacas, relegando
para o campo do «nfo vidvels e endo racionals todo o resto —afi-
nal os agentes reais da evolugao verificada
A analise das condigdes de evolugao da produgio leiteira
colocam-nos face as perspectivas do seu desenvolvimento. A
opeio é, mais uma ver, clara: .
José Reis