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EQUIPE EDITORIAL – DOCES ILUSÕES

Diagramação: F.V
ISBN nº 978-65-00-11480-5

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos


são produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com nomes, datas e
acontecimentos reais, é mera coincidência.

Todos os direitos reservados.

São proibidos o armazenamento e/ou a reprodução de qualquer parte desta


obra, através de quaisquer meios – tangível ou intangível – sem o
consentimento escrito da autora. A violação dos direitos autorais é crime
estabelecido na lei nº 9.610 de 10/02/1998 e punido pelo artigo 184 do código
penal.

Copyright © Fernanda Verônica.


Í ndice
Prefácio
Um novo começo
Prólogo
Modo sofrimento
Capítulo 01
Seguindo em frente
Capítulo 02
Descobertas e amor
Capítulo 03
Aquilo que se faz por amor está além do bem e do mal
Capítulo 04
Junto é melhor que sozinho
Capítulo 05
Rede de ilusões e desenganos
Capítulo 06
Há uma exuberância na maldade que parece ser bondade
Capítulo 07
A ironia é a expressão mais perfeita do pensamento
Capítulo 08
Toda vez que um justo grita, um carrasco vem calar
Capítulo 09
Sem ti são ermos os caminhos
Capítulo 10
Sonhar um sonho à dois e nunca desistir da busca de ser feliz
Capítulo 11
Podemos nos defender de um ataque, mas somos indefesos
Capítulo 12
A vida é um amontoado de caos e coincidências
Capítulo 13
Nem tudo pode ser... Recíproco, no entanto, algumas coisas precisam ser.
Capítulo 14
Estamos ligados aos nossos atos como um fosforo à sua chama.
Capítulo 15
Se houver amor em sua vida, isso pode compensar muitas coisas que lhe
fazem falta
Capítulo 16
Surpresas
Capítulo 17
A responsabilidade da tolerância está com os que têm a visão mais ampla
Capítulo 18
Metódico
Capítulo 19
A vida é dura. Depois de tudo, ainda te mata
Capítulo 20
A verdadeira questão é o quanto se consegue suportar
Capítulo 21
Talvez você não possa transformar o mundo, mas você pode transformar o
mundo a sua volta
Capítulo 22
Cada coisa tem sua hora e cada hora o seu cuidado
Epílogo
A vida ensina sussurrando...
Nota da autora:
P refácio
De tempos em tempos, nasce um novo talento. Mineira de Governador
Valadares, de onde emigrou com a família aos 7 anos de idade para a Bahia, mais
precisamente Conceição do Coité, região Sisaleira, ou território do Sisal, localizado
no semiárido nordeste do estado, Fernanda Verônica é um desses raros talentos, que
ora surge na Literatura brasileira.

No auge, hoje, dos seus 23 anos de idade, FV já escreve romances de gente


grande. Romances que prendem a atenção da gente desde a primeira frase,
descortinando personagens-gente em histórias tão bem contadas (toda Criação é
assim) que viramos gente-personagens perante suas histórias de narrativas densas e
ao mesmo tempo leves de se ler, devido ao estilo quase faroeste que ela imprime ao
ritmo de sua escrita ousada e sensual.

Desde o título de seus romances já somos fisgados para uma viagem


inesquecível no mundo da ficção literária não tão ficção assim de Fernanda
Verônica, onde fantasia e realidade se misturam com tamanha e estranha força que
Caetano Veloso fatalmente faria uma canção daquelas de tocar num disco-voador ao
sair das páginas-gente de um livro-vidro dessa escritora mineira que escolheu a
Bahia para viver, para morar. Para namorar linda e plenamente com a arte de
escrever. E fazer enamorar cada leitor, cada leitora. Cada crítico como eu que foi
pago para rabiscar este prefácio, mas preferiu fazê-lo de graça. Não tão de graça,
posto que enquanto eu resenhava, sob o efeito do simples contato com a obra de
Verônica, se me nascia isto daqui:

POEMA DE ANO NOVO


(RIMBAUD À FÓRCEPS)

Deixo grávida a palavra


Até que nasça o poema
E fico espantado com a graça
Da palavra grávida.

Deixo grávido o vocábulo


Até que morra o poeta
E fico espantado com a força
Do poeta morto.

(Pedro Ramúcio)

*Pedro Ramúcio é poeta, empresário e político mineiro.


Um novo começo
Tropeçar, cair e levantar são coisas que fazemos desde crianças. Mesmo
quando cantamos vitória, quando um ciclo parece ter se encerrado, quando
acreditamos que é hora de seguir em frente, que não vamos mais cair, devemos nos
acostumar: a dinâmica do cair e ter que levantar, não muda. Você só tem que
levantar, sempre. Você consegue?
“TEMOS A ARTE PARA NÃO
MORRER DA VERDADE.”
Friedrich Nietzsche
P rólogo
Modo sofrimento

GEORGE DUARTE
O escuro do meu quarto parecia aconchegante e me livrava
da bagunça que estava o resto da casa.

Eu não era o cara desorganizado ou bagunçado e se fosse,


havia alguém para limpar toda a bagunça.

O que eu queria dizer é: o meu apartamento estava fedido,


abafado, trancado, com comidas vencidas espalhadas pela sala e o
único lugar habitável era o meu quarto. Porque eu não queria ver
pessoas.

Poderia usar da teoria de estar sofrendo o fim de um amor e


poderia admitir que eu nunca passei por algo assim antes, mas o
buraco que estava no meu peito era maior e indecifrável a ponto
de eu não poder explicar.

Eu consegui.

Luiz Lobos estava preso, o juiz não cedia aos pedidos de


habeas corpus do advogado fraco dele, a vida da minha família
estava nos eixos e eu sentia que havia honrado a memória dos
meus pais.

Uma parte em mim estava em paz.

Eu só queria me sentir mais feliz com tudo isso.

Mas como diz alguma música: Cada escolha, uma renúncia.


Eu tive que abrir mão do (eu talvez estivesse sendo
equivocado, mas acreditava que não) amor da minha vida. No
fundo, acho que nós dois sabíamos que isso iria acontecer.

Quando tudo ficou ao meu favor, o nosso relacionamento foi


soterrado. Nós nos perdemos no meio de toda aquela confusão.
— Você não é assim! — a Larissa entrou no meu quarto de
uma maneira estúpida e eu só me dei o trabalho de cobrir o rosto
com o travesseiro — Pelo amor de Deus, George! — ela brigou
comigo e abriu as cortinas, e eu a olhei, a vendo fazer o mesmo
com as janelas — você tem trabalho, sabia? Os seus clientes não
podem esperar, porque você resolveu dar crise de
adolescentezinho e sofrer!
— Ok — eu falei, sem força para argumentar e ela parou no
meio do quarto, vindo até mim.
— Ela está viajando pela Europa e você enfurnado nesse
quarto desse jeito — ela reclamou, usando um tom mais
complacente e eu engoli amargo, porque ela estava sabendo lidar
com o nosso fim. Mesmo com o pai estando preso. Mas talvez
isso se atribuísse à genética ruim de Luiz Lobos. A Daniela
também lida com mais frieza em determinadas situações.
— Não consigo levantar — eu resmunguei e ela se sentou à
beirada da cama.
— Você conseguiu algo que parecia impossível, meu bem...
— ela falou, tomando a minha mão na sua — terminar um namoro
não pode ser tão ruim... Era fase de você estar comemorando a
sua vitória.
— A minha vitória... — eu zombei, chegando a rir.
— Você arruma outra mulher muito rápido, é só querer — ela
apertou os lábios num sorriso e eu respirei fundo, porque não era
o caso de querer outra mulher. Era ela. A falta dela estava me
matando — levanta, toma um banho e vamos tomar café em
algum lugar. Vou cuidar pra que alguém venha limpar esse
chiqueiro que você fez aqui dentro — ela falou, já se levantando
— Se você não levantar em cinco minutos, eu vou tirar uma
foto sua desse jeito e mandar pra um site desses fúteis. Acho bom
você não duvidar.
A Larissa saiu do quarto e fechou a porta. Eu me levantei,
chegando perto da janela, sentindo a vista doer, porque fazia dias
que eu não via a luz do sol.

Cheguei ao banheiro e me analisei, porque a barba por fazer


estava de uma maneira porca e eu não só me sentia, como parecia
estar sujo.

Depois de um bom banho e dar um jeito por fora, eu


encontrei a Larissa na sala, que já conversava com alguém que
provavelmente limparia o meu apartamento.

Nós saímos de casa e fomos tomar café em uma padaria, mas


eu estava quieto, sem querer conversar. Porque mulher tem dessas
de sofrer e falar disso o tempo todo, como se jogar pra fora com
qualquer outra pessoa fosse aliviar. Eu fui alvo disso quando a
Lari se separou. Mas eu não acreditava que ficar choramingando
e enchendo alguém com os meus problemas emocionais fosse
adiantar.
— Então, quando você volta ao escritório? — ela perguntou
e eu a olhei, bebendo um pouco do meu café duplo e sem açúcar
— o Maurício foi encontrar com a Dani em Barcelona.
— Hum.
— Achei muito bonito da sua parte, deixar que ela se
aproximasse da Bia, depois de tudo.
— Elas são irmãs — eu resmunguei.
— Você não pode ficar desse jeito.
— Eu estou bem — eu forcei um sorriso para ela, que
revirou os olhos, negando com a cabeça.
— Porque você não liga pro Ricardo e sai pra qualquer
lugar?
— Pra que? — eu zombei — Lari, eu só preciso de um
tempo.
— Um mês já foi tempo demais — ela reclamou — eu não
consigo ver você se afundando e não fazer nada!
— Eu só preciso me acostumar com tudo isso que aconteceu.
Logo, tudo volta ao normal.
— Você poderia viajar também, então. Distrair.
— Lari, por favor — eu pedi, bebendo um pouco do meu
café.
C apítulo 01
Seguindo em frente

Quando a Daniela chegou, logo contando do que aconteceu


na viagem e logo falando a nova fase da irmã (como se ela não
fosse a minha ex), lembrando como a nossa e principalmente a
minha vida estava mudando, eu decidi que não iria mais perder
tempo sofrendo como uma menininha refém do primeiro amor.

Não era justo.

Eu não queria terminar.

Eu estava disposto a passar por cima de qualquer coisa e


tentar para que déssemos certo.

Eu fiquei um mês sem fazer a barba.

Enquanto a Beatriz viajava pelo mundo. Não que isso fosse


errado. Mas ela quis o fim, ela estava seguindo em frente e eu
deveria fazer o mesmo.

Na noite da sexta-feira, eu acabei indo para um bar com o


Ricardo.

Nós bebemos e vivemos como nos velhos tempos. E eu


precisava admitir que curtir sem o peso que eu carregava antes,
era melhor. Era muito melhor.

No meio da noite, eu conheci uma mulher. Muito bonita,


papo bom, articulada e interessada no mesmo que eu esta noite.

Resultado: acabamos no meu apartamento.


Eu evitei pensar na Beatriz e no quanto eu sentia falta dela,
do corpo dela junto ao meu, porque não fazia sentido me prender
a isso. E foquei nessa mulher nos meus braços, na minha cama.

[...]

Eu acordei cedo na manhã seguinte e a mulher ainda dormia,


então eu me levantei e fui tomar um banho.

Me enrolei na toalha e fui à cozinha, pegar um copo com


água e estava voltando para a sala, quando a campainha do
apartamento tocou.

Eu parei num susto, porque a única pessoa que dava um jeito


de subir e vinha sem avisar era a Beatriz, mas descartei a
possibilidade de ser ela e fui abrir a porta.

Eu parei estático e sem reação, porque sim, era ela. Os


cabelos pareciam mais escuros, mais curtos e ela me olhava com
esses olhos firmes nos meus.
— Eu tentei te ligar — ela falou, meio sem jeito e eu engoli
pesado, porque não havia olhado o celular.
— Eu não vi, me desculpa — eu falei, sem coragem de
deixá-la entrar.
— Não vai me deixar entrar? — ela perguntou e eu forcei um
sorriso, dando espaço e ela passou, parando bem à minha frente
— eu cheguei há poucos dias e fiquei pensando sobre nós dois...
Quero dizer, aconteceram algumas coisas que mudaram os meus
planos, mas...
— Bia... — eu comecei, porque era um péssimo momento.
Aquela mulher, Raquel, iria acordar a qualquer hora e aparecer
por aqui. E eu não queria que a Beatriz me visse com outra.
— Talvez tenha sido equivocado querer terminar, mas ao
mesmo tempo, eu precisava desse tempo — ela falou e eu assenti,
sentindo o coração ficar pequeno quando ela aproximou mais,
levando uma mão para a lateral do meu rosto.
— A gente pode sair pra jantar? E conversar melhor, mais
tarde? — eu disparei e ela franziu o cenho — eu tenho uma
audiência agora e...
— Num sábado? — ela perguntou confusa.
— É uma reunião com um cliente importante. E... — eu ia
continuar a falar, mas o olhar dela focou em outra coisa e eu
apertei os lábios, fazendo uma careta de dor quando ela voltou a
me olhar.
— Reunião importante — ela replicou.
— Bom dia... — a Raquel falou sem-graça e a Beatriz ainda
acenou um sorriso para ela.
— Bem, eu já vou indo — ela falou, disseminando o seu ódio
através do olhar, em mim — boa reunião pra você, George — ela
falou o meu nome com sarcasmo antes de sair, puxando a porta
com força.

Eu levei as mãos para a cabeça e ainda ri, porque era muita


falta de sorte.
— Não apareci em um bom momento — Raquel presumiu e
eu a olhei.
— Tudo bem — eu falei, porque não poderia culpá-la.
— Você quer que eu vá embora? — ela perguntou, me
exibindo um sorrisinho e eu sorri fraco, porque eu queria. Queria
que ela fosse embora para que eu fosse correr atrás da Beatriz.
Mas eu não poderia fazer isso. Ela terminou comigo. Eu não
estava sendo desleal com ninguém.
— Vamos tomar café — eu falei, indo até ela, a puxando pela
mão.

[...]

À noite, com a desculpa de ir buscar a Daniela na casa da


Beatriz, eu aproveitei para entrar e ainda cumprimentei o irmão
dela, antes de ir até o quarto. Ela grunhiu de susto e escondeu
algo atrás do travesseiro, antes de se levantar.
— A Daniela já desceu — ela resmungou.
— Bia, você não pode ficar com raiva.
— Mas eu estou — ela retrucou e eu deixei escapar um
risinho — eu to com ódio de você.
— Você terminou comigo.
— Eu pedi um tempo! — ela falou incrédula — e eu usei
esse tempo pra viajar, não pra dormir com outra pessoa.
— Eu sofri muito achando que tinha acabado — eu falei, mas
ela me olhou como se não acreditasse.
— Sofreu com outra na sua cama.
— Aconteceu essa noite. Se eu tivesse visto a sua ligação,
não teria ficado com ninguém.
— Eu estava pensando em voltar e me esqueci
completamente da sua fama de mulherengo! — ela falou
incrédula, inconformada — meu deus, como eu sou idiota!
— Beatriz — eu resmunguei.
— George, eu acho melhor você ir — ela falou impaciente —
liga pra sua companhia dessa noite — ela falou, mas parou e deu
um risinho — ah, não! — ela exclamou como se lembrasse de
algo — procura outra mulher! Você gosta dessas coisas...
— Eu não vou lidar com o seu ciúme e infantilidade — eu
avisei, cruzando os braços, mas não consegui segurar um risinho.
— Você fez sexo com outra pessoa! — ela falou
inconformada, pressionando as têmporas com as mãos — meu
deus, eu não quero nem olhar pra você!
— Eu não estava de repente, te traindo! — eu falei, ficando
impaciente. Porque em todo esse tempo, eu nunca, nunca tive que
lidar com essas ceninhas vindas da Beatriz.

Para falar a verdade, eu nem imaginava como ela poderia ser


implicante e ciumenta. E possessiva, porque bem, ela terminou
comigo e foi viajar para a Europa. Não deu um telefonema para
saber se eu estava bem, depois dessa história toda.

E quando volta, decidindo sozinha que queria voltar, queria


me culpar por eu ter casualmente dormido com outra.
— Mas eu me sinto traída! — ela falou furiosa e eu sorri,
porque mesmo que isso fosse infinitamente irritante, ela era linda
e eu a amava — a cena daquela mulher vestida no seu roupão vai
me perseguir por toda a vida!
— Você flertou com um cara num café e eu não to te jogando
isso na cara! — eu retruquei, porque veja bem, ela estava
conseguindo me levar no seu jogo infantil.
— Eu deveria ter dormido com ele! — ela falou furiosa —
assim estaríamos quites!
— Me perdoa — eu falei e ela parou um segundo, não
acompanhando a minha bandeira de paz.

Mas ela não iria esquecer essa mulher. Que não tinha culpa
de nada. E eu não tinha idade pra fazer esse jogo de quem
provoca mais o outro.

A Beatriz pensou no que me dizer, mas fez uma carranca,


indo até a porta.
— Vai embora — ela falou, mantendo o semblante furioso e
eu parei à sua frente.
— Eu não vou desistir, mocinha — eu falei, mas ela fez
outra carranca, empurrando a porta com força quando eu saí.

Me despedi da Luísa e do irmão da Bia, seguindo a Daniela


para o meu carro. Ela me olhava de uma maneira sugestiva, antes
de começar a falar.
— Vocês não conversaram? — ela perguntou, parando na
calçada.
— Sobre a mulher que ela encontrou no meu apartamento?
— eu fui sarcástico.
— Não era sobre isso — ela suspirou — eu odeio guardar
segredos.
— Que segredo? — eu perguntei — por acaso ela está com
outra pessoa?
— Olha, tecnicamente, ela está com outra pessoa.
— E queria voltar? — eu disparei, querendo voltar lá para
descer ao seu nível de infantilidade e jogar isso na cara dela.
— Essa pessoa não impede o relacionamento de vocês.
— Eu não vou viver um relacionamento aberto, Dani. É
absurdo você insinuar isso — eu falei impaciente e a minha irmã
me lançou um olhar entediado.

Quando chegamos em casa, eu pedi jantar para nós dois, mas


o namorado dela nos fez companhia. Desde o episódio da cirurgia
e o tratamento da Dani, eu vi que precisava dar um desconto para
ele, então tentava sempre deixar as implicâncias de lado.

Abrimos um vinho e comemos jogando conversa fora.


— Você seria um cara morto se engravidasse a Daniela
agora, meu caro — eu precisei dizer, quando a conversa caminhou
em direção à gravidez, mas o Maurício riu.
— Nós dois sabemos que filhos, no nosso caso, tem que ser
planejado e pensado com antecedência, George. Eu não arriscaria
a minha vida. Não sou eu quem vai ter um bebê — ela negou com
a cabeça.
— Ótimo que você pense assim.
— A Bia queria que nós fossemos visitar o pai dela — ela
falou cautelosa, mas eu a encarei — você acha uma boa ideia?
— Eu acho que isso não deveria ser uma ideia pra você — eu
falei, respirando pesado. — Depois do que esse cara fez, ela não
deveria sentir pena dele.
— É estranho pensar que ele é o meu pai — Ela fez uma
careta.
— Você não precisa considerá-lo o seu pai.
— Eu poderia exigir a minha parte da herança — ela
zombou, mas negou com a cabeça.
— Você não é essa pessoa interesseira, Daniela — eu a
alertei.
— Esse não é um bom assunto pro jantar — o Maurício falou
e eu assenti, concordando.

Naquela noite, quando eu fiquei sozinho na sala com uma


taça maior, com vinho, estalos foram alertando a minha mente.
Como a conversa da Daniela sobre a nova fase na vida da
Beatriz, a minha vida estar mudando, a Bia estar tecnicamente
com outra pessoa, que não impediria o nosso relacionamento. E a
ênfase da Dani ao dizer: não sou eu quem vai ter um bebê.

A Beatriz estava grávida?


C apítulo 02
D e s c o b e rta s e amor

BEATRIZ LOBOS
Eu acordei muito relutante na manhã seguinte e quis chorar
ao ver no celular que ainda eram seis e dez da manhã. Ia voltar a
dormir, mas o meu celular voltou a tocar e eu vi que era a quarta
ligação do George.

Pensei em não atender, mas a possibilidade de a Daniela ter


dito tudo para ele me deixou angustiada e eu aceitei a chamada.
— O que você quer?
— Eu quero conversar com você — ele falou enfático —
porque eu andei ligando uns pontos e...
— E levou a primeira mulher bonita que te apareceu pro seu
apartamento? — eu zombei. Se já fui provocante e ciumenta a
este nível algum dia, eu não me lembrava. Sempre fui de
ponderar a lógica das coisas e buscar um motivo. No entanto, eu
culparia os hormônios.
— Beatriz, por favor.
— O que você quer?
— Você está grávida? — ele perguntou e a minha respiração
falhou — Bia?
— De onde você tirou isso? — eu perguntei, querendo
esconder isso dele, porque a minha fantasia de chegar ao seu
apartamento e contar para ele essa notícia, para que nós
reatássemos e pudéssemos buscar um jeito de pensar só nos bônus
de um bebê não planejado, foram dissipados por aquela mulher
com ele.
— Eu estive ligando fatos, coincidências, coisas que a
Daniela insinuou.
— Você acha mesmo que se por um descuido eu estivesse
grávida, o filho seria seu? — eu perguntei desdenhosa — eu caí
tão fácil na sua conversa, porque não aconteceria com outro?
— Beatriz, cadê a mulher madura, pelo amor de Deus?
— Mulher madura? — eu me sentei à cama, para gritar com
ele — eu larguei um noivo no altar pra fugir com outro homem,
não espere alguma atitude madura de uma pessoa que faz isso! —
eu desliguei, porque eu estava além de perdendo a memória,
ficando maluca.

Acordei pouco depois das onze e fui ao banheiro, mas antes


de descer, passei pelo espelho. Não havia uma maneira de alguém
me ver e apontar a gravidez. Não havia nada de diferente no meu
corpo. Na estética, quero dizer, porque emocionalmente, eu
estava pirada.

Quando cheguei à cozinha, o cheirinho de comida sendo


preparada me deu fome, mas a alegria de ver a minha mãe na
cozinha, o que era raro, deu lugar ao ódio ao ver o George
sentado à cadeira.
— Você não é bem vindo aqui — eu falei, porque eu me
sentia traída. Eu não havia planejado o bebê e ele esteve com
outra. Isso acabava comigo.
— A gente pode conversar? — ele perguntou, se levantando.
— Não. — eu falei.
— A gente não pode ficar desse jeito, Bia. Você sabe disso
— ele falou. — eu vou te esperar no seu quarto, tá bem?
— Não! — eu gritei, porque havia sapatinhos e roupinhas de
bebê na minha mesa de cabeceira, mas ele foi.
— Você não pode bancar a maluca, filha — a minha mãe
falou — o seu bebê vai querer ter um pai.
— Ele dormiu com outra! — eu falei inconformada.
— Você não tem que voltar com ele, mas você não fez o
bebê, sozinha. Vai lá falar com ele. Deixe as portas abertas pra
ele participar da vida do filho de vocês.
— Eu o odeio — eu fiz uma carranca.
— Tudo bem, mas ele ainda é o pai do seu bebê.

Eu entrei no meu quarto e fechei a porta, vendo o George


com os sapatinhos nas mãos. Deveria manter a minha raiva dele,
mas ele era o pai do bebê. E ele já sofreu tanto, por tanto na vida,
que eu não poderia privá-lo disso por estar enciumada. Ele me
olhou, esperando que eu dissesse algo, mas a minha garganta
estava travada e os meus olhos arderam, me fazendo querer
chorar.
— Quando você soube? — ele perguntou e eu funguei, não
conseguindo falar e as lágrimas desceram. Eu respirei devagar,
para limpar o meu rosto e tentei falar, mas ainda não conseguia.

Eu respirei fundo para me conter e limpei o rosto mais uma


vez.
— É uma menina? — ele perguntou, porque havia um laço
rosa no sapato e havia um vestidinho branco na mesa de
cabeceira.
— Eu e a Dani desconfiamos quando eu comecei a passar
mal em Barcelona, nos primeiros dias da viagem. — eu comecei a
falar.
— Ela já sabia... — ele falou e eu assenti.
— Mas eu achei que pudesse ser a comida de lá que me fez
mal.
— Não pensou em me ligar pra falar?
— Só que nos passeios que fazíamos, a minha pressão caía e
eu achei normal. Mas eu voltei a enjoar e fiz um teste, porque
naquela loucura que a nossa vida estava, eu não estava tomando
algum contraceptivo. Deveria, mas depois da cirurgia eu não me
lembrei.
— É uma menina? Você já tá de quanto tempo? — ele
perguntou, vindo até mim, me deixando nervosa, mas eu deixei
que ele levasse uma mão para a minha barriga.
— Quinze semanas. Soube quando já estava com nove, o que
foi estranho, mas eu comemorei a falta da menstruação por estar
viajando. E antes, com toda aquela história de depoimentos e
investigação, eu não me dei conta. Se eu tive algum sintoma,
sequer notei. — eu falei e ele se abaixou, olhando para minha
barriga, como se olhasse para o bebê — completo dezesseis
depois de amanhã. Não sei se é uma menina, ainda, mas a minha
intuição diz que é.
— Você tá feliz? — ele perguntou, erguendo o meu baby-
doll, encostando a cabeça na minha barriga, me arrancando um
risinho e eu fiz um carinho no seu cabelo, assentindo — toda vez
que eu falava sobre, você desconversava.
— As coisas mudam quando você vê o positivo no exame —
eu falei, ficando arrepiada com o beijo que ele deixou no meu
ventre — você não vai conseguir ouvir algo, George — eu falei,
mas ele deixou escapar um risinho.
— Eu ainda não acredito que a gente tá grávido — ele falou,
se levantando, me puxando para um abraço.
— Eu já tive tempo pra me acostumar — eu falei.
— Então você não ia me contar — ele presumiu e eu o olhei
rancorosa.
— Eu imaginei toda uma cena de reconciliação pra te contar
sobre o bebê e quando eu cheguei lá, você estava seguindo em
frente.
— Eu sinto muito — ele falou — se eu imaginasse que você
iria querer voltar, não teria procurado outra pessoa.
— Que ódio eu sinto disso.
— A gente não pode esquecer isso? — ele perguntou e eu lhe
olhei incrédula.
— Não!
— Você já fez algum ultrassom? Tem foto? — ele perguntou,
estrategicamente mudando o assunto.
— Espera — Eu falei, indo até o closet, mas ele veio
também.
— Porque tanta fralda? — o George perguntou, rindo.
— Porque eu não sei ainda o sexo do bebê e eu precisava
comprar algumas coisas para ele — Eu falei, abominando o seu
olhar zombando de mim — E fralda é unissex.
— Eu já posso contar pra todo mundo que vou ser pai? — ele
perguntou, pegando um dos pacotes de fralda e eu sorri fraco.
— Eu não imaginei que você ficara tão feliz ao saber. Quero
dizer, sabia que nunca fugiria das responsabilidades, mas...
— Eu quero poder cuidar de vocês — Ele me interrompeu —
Eu mereço e eu preciso fazer isso.
— Nós não temos que voltar pra você cuidar de tudo.
— Quando você vai saber o sexo do bebê? A próxima
consulta? Eu quero poder ir.
— Amanhã, mas se não der pra ver, eu vou fazer outro
exame — Eu expliquei — Me desculpa estar decidindo tudo
sozinha, mas...
— Tudo bem — Ele falou, negando com a cabeça — Eu
preciso ir pro meu escritório hoje, mas a gente pode sair pra
jantar mais tarde?
— George...
— Pra você poder me contar como tem sido. Eu quero saber
tudo sobre o bebê, sobre você, também — Ele falou cauteloso e
eu respirei fundo.
— Tudo bem — Eu falei, porque bem, nós poderíamos seguir
em frente e cuidar do bebê juntos.

[...]
C apítulo 03
Aquilo q u e s e fa z p o r a m o r e s t á a l é m
do bem e do mal

Eu me arrumei e prendi o cabelo, sentindo ondas de enjoos


ao pegar um dos meus perfumes.

Quando o George chegou, eu desci e o encontrei no seu


carro. Ele deixou um beijo no meu rosto e eu dei um sorrisinho
para ele.
— Você tá bem?
— To, sim — eu falei — pra onde vamos?
— Você escolhe.
— Eu queria um japonês e um vinho bom, mas...
— Mas você tá grávida — ele completou e eu suspirei,
assentindo.
— É muito louco estar grávida — eu falei e ele deu um
risinho.
— Quando a conversa surgiu lá em casa, eu pensei que fosse
a Dani.
— Coitado do Maurício, tendo você de cunhado se
engravidasse a sua irmã — eu zombei — sem contar que a Dani
sabe que no caso dela, filho é algo que tem que ser muito
planejado, com acompanhamento médico.
— E você, tudo bem com o bebê? Com você?
— Eu fiquei um pouco assustada, quando vi o positivo no
teste de farmácia e como passou tantas semanas até eu perceber
algo errado, porque a gente vê por aí grávidas suspeitando com
quatro semanas ou até antes — eu disparei a falar — mas quando
liguei pra minha mãe contando, ela amou a ideia e me acalmou
um pouco. A sua irmã pulava pelo quarto e afirmava que você iria
amar a notícia. Eu logo comecei a romantizar a gravidez.
— Eu preferiria estar ao teu lado, como o seu homem e apoio
pra tudo, mas eu to amando a notícia — ele falou solenemente e
eu lhe olhei rapidamente.
— Eu choro a toa — eu falei, desconversando — e é muito
louco como tudo o que eu planejava pra vida naquele momento
ficou branco e agora tudo é referente ao bebê. O que eu vou
comer, o que eu tenho que comer pra nutri-lo. Os meus planos de
futuro ficaram para trás e agora eu ou só a mãe dele. Toda vez
que eu entro na farmácia, preciso comprar fraldas — eu falei e
ele riu — e eu nem sei o quanto bebês usam.
— É muito — ele afirmou, convicto.
— Quando descobrir o sexo, eu vou poder comprar coisas,
além disso — eu neguei com a cabeça — e a minha médica me
confortou falando que era uma ótima idade, também. Não tem
algum risco e tudo está a favor.
— Bom saber, Bia — ele falou, estacionando em um
restaurante perto do seu apartamento.

Nós entramos e ironia do destino ou não, a mulher que


estava no apartamento dele com ele, estava lá. Eu respirei fundo,
porque por mais que as emoções de ódio e ciúme gritassem em
mim, havia o bebê querendo ter um pai e o foco não era o nosso
término ou esse caso que eu considerava traição, mas não era.
— Tudo bem? — ele perguntou, me olhando cautelosamente,
mas eu assenti.
— Estamos aqui pra falar do bebê — eu falei, suspirando —
o foco aqui é o bebê — continuei, como se precisasse me lembrar.
— Bia...
— Minha mãe estava pensando em vender a casa, para
comprarmos um apartamento, mas depois que eu descobri a
gravidez, ela quer ter espaço.
— Depois de tudo o que ela enfrentou, cuidar de você
grávida e esperar pelo neto parece bom — o George falou e um
garçom veio nos cumprimentar, nos guiando até a mesa.
— Comentei com a Dani sobre visitar o meu pai — eu falei,
mas ele desviou o olhar. Não era o assunto preferido, mas nós
precisávamos falar sobre ele — porque, George, ela é filha dele.
Depois de tudo o que ele causou à sua família, o mínimo a ser
feito é deixar o futuro dela garantido.
— Ela não precisa do dinheiro sujo dele.
— Ele vai assinar um documento passando os seus bens para
nós, ela merece uma parte.
— A Daniela não quer nada que venha desse cara. Ele quer
comover algum juiz fazendo isso. E nós estamos aqui pra falar do
nosso filho, Beatriz.
— Ela quer vir comigo, para vê-lo — eu continuei — o
advogado dele está tentando conseguir um habeas corpus para que
ele possa recorrer em liberdade.
— Recorrer ao que? — ele perguntou incrédulo, mas eu dei
de ombros — depois de todas aquelas provas, eles querem
conseguir um jeito de provar inocência?
— É muito difícil não ficar com pena dele, porque é o meu
pai — eu expliquei.
— Ele não teria pena de você e da sua família, Beatriz, se
tivesse como se safar acabando com vocês — ele falou enfático e
eu assenti devagar — me desculpa, mas é muito frustrante ver que
você fica esperançosa com a possibilidade de ele ser solto.
— Eu só não queria que ele fosse esse cara, entende?
— Mas ele é. Você precisa lidar com isso.

Nós ficamos em silêncio e logo o cardápio chegou. O George


pediu vinho para ele e suco para mim. Depois fizemos os pedidos
do jantar.
— Eu queria pão com manteiga — eu fiz uma careta, porque
lembrar o sabor da manteiga no pão me fazia salivar.
— Quando sairmos daqui, eu te levo onde tiver isso.
— Você vai ser daqueles pais que fazem todas as vontades da
mãe enquanto ela estiver grávida? — eu perguntei animada e ele
riu, inclinando para fazer um carinho no meu rosto.
— Vou. Tudo que estiver ao meu alcance.
— Mesmo se eu ligar às duas da madrugada querendo
lagosta?
— Você não pode ligar às duas da madrugada querendo
sorvete? — ele perguntou e eu sorri, dando de ombros.
— Você pensa em algum nome?
— Você pensa em algum? — ele devolveu a pergunta e eu
assenti.
— Mas nós podemos reconsiderar as minhas escolhas — eu
falei animada — se for menina, eu queria que se chamasse Anna.
No caso de menino, eu iria querer Gustavo.
— Eu gosto de Anna. Pra menino não poderia ser João? Eu
gosto desse nome.
— João... — eu ponderei — mas eu sinto que é menina,
sabe? — eu perguntei e ele riu, assentindo.

Nós conversamos muito durante o jantar. Todas as


informações sobre a gravidez, que eu tinha, eu passei para ele. E
ao sair do restaurante, ele me levou de volta para casa.
— Então, amanhã nos vemos?
— Bia... — ele chamou, quando eu ia descendo — me dá um
beijo?
— George — eu resmunguei, mas ele chegou a rir.
— Pra selar essa noite com uma bandeira de paz. Por favor
— ele fez um beiço e eu desci o olhar para a sua boca, me
sentindo realmente tentada.
— Você não merece — eu falei, mas ele travou o carro,
sorrindo de uma maneira travessa.
— Tem uma linha tênue entre não merecer e precisar. Nós
dois precisamos comemorar o nosso filho com um beijo.
— Não precisamos, não! — eu retruquei, deixando que ele se
aproximasse, escorregando uma mão pelo meu cabelo, a deixando
firme na minha nuca, roçando a boca na minha bochecha, logo
chegando à minha boca, mas sem me beijar.
— Posso? — ele ainda perguntou, mas eu neguei com a
cabeça, arfando, porque eu queria, mas ele esteve com outra.
Quando ele riu presunçoso e mordeu o meu lábio inferior, eu
comecei o beijo, que foi eloquente, mas ele o fez ficar lento e
intenso.

Quando acabou, o George fez um carinho na minha nuca,


deixando um beijinho suave no canto dos meus lábios.
— Eu te amo, tá?
— Tá — eu falei, mas ele riu.
— Você nunca vai me perdoar? — ele perguntou, antes de
começar outro beijo, que dessa vez foi rápido.
— Não, eu não vou te perdoar. Você estragou o nosso
momento de falar sobre o bebê aquele dia.
— Eu achei que tinha perdido você pra sempre.
— Eu vou descer, preciso dormir.
— Tudo bem. — ele falou, selando os nossos lábios uma
última vez — qualquer coisa, você pode me ligar.
— Eu vou ligar, mesmo — eu revirei os olhos — um dia
desses, eu precisei de um sorvete e o meu irmão não queria ir
buscar.
— Não se precisa de sorvete, Beatriz — ele falou entediado,
mas eu lhe lancei o meu pior olhar.
— Você não está gerando uma pessoa, George, você não
pode decidir o que eu preciso — eu fiz uma carranca, mas ele
sorriu para mim.
— Se você precisar de um sorvete no meio da noite pode me
ligar — ele falou — eu vou mimar você, Beatriz, não se
preocupa.
— Obrigada — eu falei, deixando um último beijo na sua
boca antes de descer.

Eu entrei em casa e tirei as sandálias altas, me sentando ao


sofá. Passei os dedos suavemente sobre os meus lábios, me
deixado comtemplar a saudade do beijo que acabara de acontecer,
chegando a rir de como ele seria o cara que faria todas as minhas
vontades.
— Tudo bem? — a minha mãe perguntou e eu a olhei,
assentindo.
— Eu espero que eu tenha uma menina, porque o George
concorda com Anna, mas se for menino ele prefere João — eu
falei e a minha mãe deu um risinho.
— O advogado do seu pai ligou — ela falou e eu apertei os
lábios, esperando por mais. — ele acha que se nós fossemos
depor a favor, ele conseguiria que o juiz desse um habeas corpus,
para eles recorrerem em liberdade.
— Mãe...
— O que você acha?
— Eu não sei...
— O advogado dele alegou que manter o seu pai preso, não
vai ressuscitar os pais do George e o seu pai não tem
antecedentes criminais, nem outros crimes listados.
— O que a senhora acha disso? — eu perguntei, a olhando
para analisar a sua reação.
— Acho que ele tem uma filha pequena, que precisa de apoio
financeiro.
— Ela tem apoio, a senhora sabe disso.
— Você acha que se eles conseguirem soltar o seu pai, ele
oferece riscos ao George? Você tem medo disso?
— Se não fosse o George aparecer disposto a fazer essa
bagunça na vida da gente, nada teria acontecido com o papai.
— Você vai visitá-lo? — ela perguntou.
— Sim. Eu quero poder falar sobre o bebê e saber como ele
está.
— A Dani vai com você?
— Vou perguntar amanhã — eu falei, pegando as sandálias
ao me levantar.
— Boa noite, filha — ela falou, suspirando cansada.
— Boa noite.

Eu ainda pensei se a minha mãe seria capaz de perdoar o que


o meu pai havia feito ou se só sentia pena. Porque analisando
tudo, eu conseguia chegar à conclusão de que nós só queríamos
que o meu pai não fosse esse criminoso.
C apítulo 04
Junto é melhor que sozinho

Acordei na manhã seguinte com o despertador. Durante o


banho, foi quando notei a diferença no meu corpo. Um arrepio
correu o meu corpo, porque agora era como se tudo estivesse
mesmo ficando real.

Tranquei a porta do meu quarto e fiquei analisando o meu


corpo no espelho. Isso era muito assustador e emocionante.

Porque quando eu fui dormir, não havia essa onda na minha


barriga. Não tão evidente como está agora.

Vesti a roupa íntima e enviei uma foto da minha barriga para


o George, que me devolveu com uma chamada de vídeo.
— Eu quero ver pessoalmente — ele falou, quando eu virei a
câmera para o espelho.
— Isso é muito louco — eu falei, passeando a mão pelo meu
ventre — tem uma pessoa aqui que vai crescer.
— Você é doida — ele riu — quero te levar para a fazenda,
pra contar à família sobre o bebê.
— Eu não sou a pessoa preferida da sua avó.
— Mas você é a mãe do meu filho, Bia — ele reclamou —
ela não pode te culpar por algo.
— Tudo bem, depois marcamos isso — eu falei, porque não
tinha em mente afastar o bebê de algum familiar. — eu vou me
arrumar, porque vou visitar o meu pai hoje.
— Bia...
— Eu quero contar pra ele que estou grávida — eu falei, o
vendo fazer uma carranca — me desculpa, George, mas eu sinto
que tenho que fazer isso.
— Qual a possibilidade de ele ficar feliz? — ele perguntou
impaciente — você não devia ser tão ingênua e precisa parar de
procurar uma pessoa boa nele.
— É o meu pai.
— O próximo passo é o que? Apoiar os planos do advogado
dele para soltá-lo? — ele perguntou irritado, mas eu fiquei quieta.
— Eu não sei o que eu penso sobre isso. Eu sei que ele está
preso, mas continua sendo o meu pai.
— Eu espero que você não se arrependa, Bia.
— Eu também — eu suspirei.

Terminei de me arrumar e encontrei o advogado do meu pai.


Me senti enjoada e tonta ao chegar ao presídio, ficando
amedrontada, porque eu estava sendo instruída e eu não queria
querer ajudá-lo.

Quando entrei na sala, o Dr. Aloísio Ficou na porta e havia


um policial dentro. O meu pai estava sentado à cadeira, com as
mãos algemadas sobre a mesa.
— Não tem a possibilidade de ficarmos sozinhos? — eu
perguntei, uma vez que já havia passado por uma revista
constrangedora para poder estar aqui. O policial não se moveu e
eu engoli pesado, me sentando, olhando para o meu pai.
— Eu sinto muito — eu falei, sem saber o que dizer.
— Depois de tudo, eu não imaginei que você ou o seu irmão
viessem — ele falou de uma maneira fria — não queria, na
verdade.
— Eu não queria que as coisas acabassem desse jeito — eu
falei, negando com a cabeça — quero dizer, eu não queria que o
senhor tivesse feito tudo o que fez. Inclusive o caso com a
Helena.
— Eu nunca deixaria a nossa família, Beatriz — ele falou
enfático — a Helena foi um descuido, ela acabou grávida e eu
precisei mantê-la para que ela pudesse criar a criança.
— Como o senhor está?
— Que pergunta patética — ele forçou um riso sarcástico —
eu to vivendo um inferno, não sei o que esperar da vida aqui
dentro.
— É difícil algum juiz absolvê-lo, não é?
— Eu espero que algum deles tenha piedade, porque eu
nunca teria coragem de sujar as mãos pra fazer mal a alguém —
ele falou e eu engoli pesado. Ele não tinha coragem de sujar as
mãos, mas não media esforços para pagar alguém que o fizesse.
— Eu vim pra contar uma novidade — eu falei, sentindo
vontade de chorar, porque há anos, essa notícia seria dada junto
ao Guilherme, que seria o meu marido.
— Pode dizer...
— O senhor não quer conhecer a Daniela? — eu perguntei,
me sentindo melindrosa, mas era como estar em um campo
minado.
— Se eu soubesse da existência da menina, não teria deixado
as coisas chegarem aonde chegaram — ele falou, mas não havia
uma maneira de crer nisso. — não acho que ela queira me
conhecer.
— Eu estou grávida — eu falei e o meu pai manteve o olhar
em mim, assentindo devagar — não sei se é a melhor notícia do
mundo, mas eu estou muito feliz.
— Não era desse jeito que eu iria querer comemorar isso —
ele falou, sorrindo fraco e eu tomei as suas mãos nas minhas —
mas você tem uma mãe muito sábia, Bia, ela vai te dar todo amor
e segurança pra ter o bebê.
— Sim — eu sussurrei, fungando, porque estava muito mais
sensível que o normal.
— O pai do seu bebê não é a minha figura preferida, eu não
posso ser hipócrita, mas eu espero que vocês deem o amor que
uma criança precisa.
— Obrigada — eu sussurrei.
— Vocês não vão se casar?
— Nós não estamos juntos — eu falei e o meu pai franziu o
cenho.
— Se você está grávida, vocês tem que casar — o meu pai
falou e eu dei um sorrisinho, porque isso era típico dele.
— Nós vamos dar tudo que o bebê precisa — eu prometi.
— Eu espero conseguir sair daqui, pra conhecer o meu neto
de uma maneira apropriada — ele falou.
— Eu espero também — eu falei — e espero que isso
acontecendo, o senhor seja uma pessoa melhor.
— Eu perdi tudo, Bia — ele falou, soando sincero e eu lhe
dei atenção — a única coisa que eu realmente quero, é uma
chance de fazer tudo certo.
— Tudo bem — eu falei, antes de me levantar — eu preciso
ir, porque tenho consulta hoje.
— Já sabe o sexo do bebê?
— Espero descobrir hoje — eu falei.
— Me dá um abraço, Bia? — ele pediu e eu hesitei, mas fui
até ele, o abraçando — eu só queria ter feito tudo diferente.

Eu saí da sala e o advogado entrou. Não esperei por ele e fui


encontrar o George. Eu o abracei quando o encontrei em frente ao
prédio onde ficava o consultório da minha médica, deixando que
ele me beijasse.
— Você está bem? — ele perguntou e eu assenti — foi
mesmo ver o seu pai?
— Eu estaria sendo muito ingênua de dar um voto de
confiança para ele? — eu perguntei e o George chegou a rir.
— Eu li que a gravidez afeta a capacidade de percepção da
mulher, então eu vou te dar um desconto e acreditar que tenha
sido isso — ele falou e eu fiz uma carranca.
— Pessoas podem se arrepender, você não acha?
— Acho. Acho também que dos crimes que ele cometeu, o
menos pior foi adultério. Ele mandou matar os meus pais, ele
tentou me matar e você ainda tem dúvidas de estar sendo ingênua,
Beatriz? — o George perguntou incrédulo.
— Eu não queria que o nosso filho tivesse um avô na cadeia
— eu falei e o George me encarou firme para voltar a falar.
— Eu não queria que o nosso filho tivesse avós mortos,
Beatriz. E isso eu não posso mudar — ele falou firme e eu o
olhei, sentindo os meus olhos arderem, porque até então, eu não
tinha lidado com essa realidade dura e ruim. O George fez uma
carranca, limpando as minhas lágrimas e me puxou para um
abraço.
— Eu não quero te dizer essas coisas, nem ficar brigando por
isso — ele falou e eu solucei, assentindo — mas nada me tira da
cabeça que o seu pai e o advogado dele vão querer te manipular
pra aliviar a barra dele.
— Ele ficou feliz com a gravidez — eu murmurei, mas o
George fez um carinho na minha cabeça.
— Ele não ficou feliz, Bia — ele retrucou — não tem uma
maneira de você estar grávida de um filho meu e o seu pai estar
feliz. Ele está preso porque eu o coloquei lá.

Nós ficamos algum tempo em frente ao prédio antes de


entrar, para afastar essa realidade sombria que eu queria ignorar
para fantasiar uma vida dentro dos eixos.

Na sala de espera, o George saiu para comprar chocolates,


porque bisbilhotando a conversa alheia, ouvimos uma moça dizer
que chocolates deixariam o bebê inquieto e seria mais fácil vê-lo.
C apítulo 05
Rede de ilusões e desenganos

Eu olhei assustada para o George quando ele sugeriu que


esperássemos o bebê nascer para saber o sexo, já que tínhamos
alguns nomes predefinidos.
— Eu preciso comprar algo além de fraldas — eu implorei —
e se você insistir em não querer saber, eu vou saber sozinha.
— Tudo bem — ele falou, tomando a minha mão na sua.
— Você tem alguma preferência? — eu perguntei.
— Saúde — ele falou e eu dei um risinho.
— Eu espero que seja menina — eu falei ansiosa.
— Anna — ele falou vagamente — não poderia ser Anna
Carolina?

Eu o olhei e sorri fraco, assentindo. Não gostava de nomes


compostos, mas poderia relevar e dar a ele o direito de pai, para
homenagear a sua mãe.

Quando chegou a nossa vez, apresentei o George para a


minha médica e ele logo tratou de se inteirar da gravidez,
perguntando tudo para ela. Eu queria não deixá-lo falar sobre a
minha alimentação, lembrando que, quando fiz a cirurgia para
doar parte do fígado para a sua irmã, ele controlava o que eu
comia. E ouvir a doutora falando sobre folhas verdes e brócolis,
não era a parte favorita disso aqui.
— A Bia tem uma gestação muito tranquila, não tem alguma
restrição — a minha médica falou, quando o George perguntou
sobre sexo. Eu lhe lancei o meu melhor olhar de: não vamos fazer
sexo, mocinho, mas ele usou a deixa para me roubar um beijinho.
— Quando vamos saber se é menina? — eu perguntei
animada e a doutora riu.
— Já pedi pra não colocar tanta expectativa, Bia — ela
falou, se divertindo — se for um menino, como você vai reagir?
— Vamos amar do mesmo jeito. Mas já veio de surpresa,
custa vir menina? — eu perguntei e o George riu.
— Não veio de surpresa se você não tomava nenhum
contraceptivo.
— Não teria vindo se você usasse camisinha — eu precisei
retrucar.
— Então não estaríamos aqui — a Doutora falou e eu a
olhei, porque bem, eu estava amando estar aqui.

Eu troquei a minha roupa e me deitei na maca, tão ansiosa


que chegava a tremer. O George esteve atento nas explicações da
Doutora, como no tamanho e peso do bebê.
— Preparados? — ela perguntou e eu assenti, respirando
fundo. Ela pressionou o aparelho na minha barriga, sorrindo ao
me olhar e eu chorei, porque tudo me fazia chorar.
— Uma menina? — eu perguntei e a doutora sorriu para nós,
assentindo.

Quando acabou, eu me vesti e fomos nos sentar. Ela nos


entregou as fotos da ultrassonografia e pediu alguns exames.
— Você deu sorte — ela falou para mim — depositou todas
as expectativas e estava certa.
— Eu iria amar um menino, também — eu falei, mas estava
muito feliz e animada — já posso imaginar as roupinhas dela.
— Vai ser difícil controlar o cartão de credito, papai — a
doutora brincou.

Nós saímos dali e fomos para a minha casa, porque ele


queria estar junto para contarmos sobre o sexo do bebê.
— Agora parece tão mais real — eu falei para ele, quando
entramos em casa — não preciso mais me referir como o bebê. É
a Anna.
— Anna Carolina? — ele perguntou e eu assenti, o puxando
pela mão, passando a mão pela lateral do seu rosto para beijá-lo.
— Você não tem me perguntar, quando for sobre ela. É a sua
filha também. E eu to amando essa fase.
— E eu amo você — ele sussurrou, antes de pressionar os
lábios nos meus.

[...]

Quando nós contamos que seria Anna e não Gustavo ou João,


a minha mãe começou logo a pensar sobre o quarto dela e todo o
enxoval.
— Sabe, Bia – o George falou, quando entramos no meu
quarto, depois do almoço. Eu fechei a porta e o olhei, esperando
que ele continuasse — nós vamos ter uma filha.
— Sim, nós vamos — eu concordei e dei um risinho.
— E a gente se ama.
— Com a mulher no seu apartamento nas entrelinhas, sim, a
gente se ama — eu zombei e ele fez uma carranca.
— Nós deveríamos morar juntos — ele falou e eu o olhei,
sem uma resposta coerente — vai ser mais fácil pra nós dois.
— Eu não quero deixar a minha família nesse momento — eu
falei, tentando parecer cautelosa e fui me sentar ao seu lado na
cama — imagina se o meu pai for solto?
— As chances de algum juiz honesto ceder são remotas.
— Mas elas existem — eu precisei dizer.
— Você quer que ele seja solto? — ele perguntou e eu
respirei fundo — depois de tudo o que você já o viu fazer, você
quer vê-lo solto?
— É o meu pai, George — eu lamentei — ele passou meses
naquele lugar, eu me atenho à esperança de ele ter se tornado uma
pessoa melhor.
— Beatriz, eu não quero ser egoísta, mas eu acredito que eu
esteja sendo sensato quando peço.
— Diz — eu falei, o analisando.
— Eu não quero a minha filha perto desse cara — ele falou
incisivo e eu engoli pesado — eu não queria que isso fosse pauta
pra gente conversar, mas eu não quero a nossa filha convivendo
com esse cara e se ele continuar preso, eu não quero que você
cogite a ideia de levá-la para ele vê-la.
— É o meu pai — eu precisei dizer, porque eram os meus
únicos argumentos: o laço de sangue, o apego e a pena.

O George respirou pesado, como se calculasse o que iria me


dizer, mas a emoção me cercava tão intensamente, com essa
realidade triste de termos um bebê e a nossa família ser tão
estragada. Como iriamos criar uma filha emocionalmente
saudável, se nós dois não conseguíamos entrar em acordo?

Eu poderia entender os seus motivos, que pareciam muito


mais lógicos e convincentes que os meus, mas eu não conseguia
controlar as emoções, então eu chorei.
— A gente pode falar sobre isso outra hora? — ele
perguntou, me tomando em seus braços e eu o abracei, assentindo
— eu não queria que as coisas fossem desse jeito.
— Eu não queria, também — eu sussurrei.

Poderia tentar encontrar uma maneira de explicar ao George


que eu não queria manter a nossa filha longe da família e isso
incluía o meu pai. No final das contas, eu estava apegada aos
planos dele para mim, no passado, quando eu não sabia que ele
era um criminoso.

Nós não conversamos, porque eu peguei no sono refém dos


seus carinhos.

Quando acordei, no final da tarde, me sentei desnorteada e


esfreguei os olhos, me situando, notando a falta do George.
Coincidentemente, a minha mãe entrou no quarto, encostando a
porta.
— Você está bem? — ela perguntou — tive uma conversa
com o George.
— Sobre? — eu perguntei, consertando os travesseiros atrás
de mim, para me sentar.
— Ele está preocupado — ela falou, se sentando à beirada da
cama — você parece varrer para debaixo do tapete tudo o que o
seu pai fez e trazer à tona somente a parte boa.
— Mãe...
— Bia, você tem sorte de ele não querer brigar com você —
a minha mãe sorriu fraco — eu sei que pareço meio fraca, por
sentir pena, mas quando eu vi aquele homem falar sobre a morte
dos pais dele...
— Eu não tive culpa — eu falei e a minha mãe me olhou,
respirando fundo.
— Bia, o seu pai foi o mandante dos crimes que acabaram
com a vida de dois inocentes. Ele teve duas filhas fora do
casamento, ele me traiu, ele te ameaçou e além de tudo isso, ele
estava por trás dos tiros que deram no pai da sua filha — ela
falou de uma maneira calma e eu só queria tapar os ouvidos e sair
correndo — você não tem o direito de ignorar isso por estar
grávida e você não pode acreditar que os meses que ele passou na
cadeia foram um castigo e o caráter dele mudou.
— Eu quero muito acreditar que esses tempos na cadeia
tenha o feito mudar — eu falei e a minha mãe deixou escapar um
riso.
— Eu, quando me lembro do homem que se fazia presente
nas nossas vidas há algum tempo, fico com pena e eu sinto até
falta. Mas eu sempre preciso me lembrar de como ele não mede
esforços pra se dar bem. Ele foi bom pra nós enquanto era seguro
pra ele, era cômodo, o mantinha no poder e com a influência que
ele amava ter — ela falou e eu assenti, mas parte em mim estava
agarrada ao desejo de ter um pai por perto.
— Mas...
— Bia, ele ameaçou você de uma maneira indireta para
amedrontar o George — ela lembrou e eu a encarei, porque era
como arrancar a casca da ferida — eu não consigo imaginar o
dano psicológico que ele viveu na adolescência, por ter visto os
pais morrendo. Eu não consigo imaginar a dor que ele carrega,
mas não o faça sofrer vendo a filha dele nos braços do homem
que acabou com a sua família.
C apítulo 06
Há uma exuberância na maldade que
pa r e c e s e r b o n d a d e

Eu fui até o apartamento do George, levando uma muda de


roupa para passar a noite, mesmo que eu não tivesse sido
convidada.

Ignorei a ligação do advogado do meu pai, para não ceder à


sua conversa de que o meu pai merecia uma chance de provar que
era uma pessoa melhor. Eu queria crer nisso, mas eu não podia.
Eu tinha agora uma responsabilidade maior e precisava cair na
realidade de que o pai da minha filha era um alvo para ele.

Eu precisava protegê-los, como eu pudesse fazer.


— Você tem uma mania de não avisar — o George falou, ao
abrir a porta e eu sorri para ele.
— Assim eu descubro se você não está com outra — era para
ser uma brincadeira, no entanto, ele me lançou um olhar de
reprovação.
— Você está bem?
— Um pouco confusa — eu fiz uma careta — muito confusa,
na verdade. A gente precisa conversar.

Ele pegou a minha bolsa e levou para o quarto. Eu fui no


impulso pegar um vinho, mas me lembrei que não poderia beber e
dei um risinho, servindo uma taça com a bebida para o George,
mas coloquei água para mim.
— Conversar sobre? — o George perguntou ao voltar e eu
me sentei no banco rente ao balcão da cozinha.
— Nós. Sobre a minha relutância, você sabe...
— Bia, eu posso aceitar qualquer coisa, mas o seu pai é fora
de cogitação — ele falou enfático — não tem uma maneira de
você achar que eu poderia perdoá-lo e esquecer o que aconteceu.
Não é sobre dinheiro que estamos falando.
— Eu sei — eu falei, tomando a sua mão na minha — eu
queria me desculpar. Saí da linha, por querer fantasiar uma vida
perfeita, mas é que eu sempre imaginei o meu pai presente em um
momento desses.
— Eu sinto muito, por nós dois, que ele não possa estar
presente — ele lamentou — e mesmo que pudesse, eu não iria
suportar.
— Eu entendo — eu falei, o puxando para mais perto — me
desculpa se eu fui insistente. Sempre fui muito próxima da
família e queria ter isso agora — eu resmunguei — não quero
ficar me lamentando, nós dois não temos culpa do que aconteceu.
E agora nós temos outra prioridade.
— Sim, nós temos — ele sorriu, levando a mão para a minha
barriga.

Nós fizemos o jantar, fazendo escolhas saudáveis, porque o


George sempre enfatizava que eu estava gerando uma pessoa.
— E eu acho que seria bom evitar comer fora — ele
continuou e eu o olhava, que cortava as cebolas — porque a gente
não sabe como são preparadas, as comidas em todo lugar.
— A doutora liberou o japonês — eu o lembrei.
— Se eu estiver vendo como eles preparam, eu deixo você
comer — ele falou e eu dei um risinho — e industrializados, nem
no fim de semana.
— Eu amo sorvete, não inventa de me tirar isso — eu falei,
porque não era como se eu tivesse desejos. Mas o vício por
sorvetes aumentou desde que eu fiquei grávida.

Depois do jantar, o George trouxe alguns bombons para nós


e eu senti pela primeira a Anna mexendo. Quero dizer, eu já havia
sentido algo antes, mas nada tão impetuoso como agora.

Nós escolhemos um filme e eu me aconcheguei ao seu corpo.


Ainda dei atenção ao filme no início, mas o puxei para um beijo,
que começou carinhoso.

[...]
Acordei por ouvir a voz do George apreensiva e ele
caminhava pelo quarto. Ele parou de andar ao notar que eu estava
acordada.
— A Bia acordou, Lari, depois eu ligo pra você — ele falou,
jogando o celular sobre a cama.
— Você fica muito gostoso preocupado desse jeito e sem
roupa — eu falei e ele olhou para baixo, se dando conta de que
estava nu.
— O seu pai foi solto — ele falou, indo para o banheiro e eu
me sentei, tirando as cobertas de cima de mim para levantar, o
seguindo.
— O que? — eu perguntei e ele apoiou as mãos sobre o
balcão, me olhando através do espelho.
— Eu não consigo imaginar o valor que o advogado do seu
pai pagou pro desembargador assinar o habeas corpus, mas não
foi pouco — ele resmungou, respirando fundo — meu deus, que
inferno.
— Ele não pode fazer algo contra você, porque ele seria o
único suspeito — eu sugeri.
— Ainda deu a ele a chance de recorrer em liberdade — o
George falou incrédulo — ele vai o que? Manipular todas as
testemunhas e ressuscitar os meus pais, pra ser inocentado? — ele
falou irritado, fazendo uma carranca e eu engoli pesado, por não
saber o que dizer para confortá-lo. Não havia o que dizer, na
verdade — é como se tudo o que nós passamos tivesse sido em
vão.
— Eu sinto muito.
— Você não sente, Bia — ele deu um riso nada satisfeito —
é triste saber disso, mas você não sente.
— George — eu o chamei, mas ele pegou uma toalha e saiu
do quarto.

Enrolei-me num roupão e fui atrás dele, o encontrando no


banheiro do outro quarto, em baixo do chuveiro.
— George, nada do que você fez foi em vão — eu falei,
entrando lá com ele, o abraçando, mas ele chorava — você salvou
a minha família, você sabe disso. Você mostrou pra todo mundo
quem ele realmente é, você honrou a memória dos seus pais.
— Eu não honrei a memória dos meus pais, se a minha mãe
tinha um caso com o seu pai — ele falou, soluçando — eu só
cutuquei uma casa de abelhas e agora todo mundo está em risco
de novo.
— George — eu falei, porque não acreditava que o meu pai
se arriscaria.
— Beatriz, um desembargador tomou a frente do caso. Eu
não sei como eles conseguiram convencer alguém a apoiá-los,
mas se eles têm aliados no judiciário, o seu pai não tem porquê
ter medo.
— Ele não vai fazer nada contra nós — eu prometi, como se
eu pudesse prometer e o George me empurrou contra a parede,
segurando o meu rosto para beijar a minha boca. Eu me segurei
nele, o abraçando, tentando diminuir o seu ritmo, mas ele não
deixava. O beijo acabou quando ele mordeu levemente o meu
lábio inferior, pressionando os seus nos meus.
— Ele vai fazer — ele sussurrou — eu não quero você perto
dele.
— George — eu reclamei.
— Pela nossa filha, Bia, por favor — ele falou e eu limpei as
lágrimas que voltaram a cair — eu não vou viver em paz com
esse homem solto, oferecendo riscos a todo mundo.
— Se dê uma chance de ficar em paz, por favor — eu pedi,
não deixando que ele voltasse a me beijar — você não pode viver
atormentado porque ele está solto.
— Eu não quero que você influencie a Daniela a deixá-lo se
aproximar. Porque é muito óbvio que ele vai querer bancar o bom
homem arrependido.
— Dê um voto de confiança, por favor — eu insisti, sendo
nada condescendente com ele — não fica se atormentando antes
das coisas acontecerem, você vai enlouquecer a nós dois assim —
eu terminei de falar, correspondendo ao seu beijo e ele nos levou
para a cama do quarto, indo fechar a porta.
Nós tomamos um banho decente, uma vez que a sua
frustração nos impediu de fazer sexo. Eu saí do banheiro depois
dele e o encontrei em frente ao espelho, se analisando.
— Se acalma, por favor — eu pedi, indo até ele, que me
puxou pela cintura, me deixando em frente ao seu corpo. Ele
puxou a toalha, descendo as mãos para onde a minha barriga
começava discretamente a dar as caras.
— Eu queria pegar vocês duas, a minha irmã e guardar, pra
que ninguém pudesse fazer mal — ele sussurrou e eu levei as
minhas mãos sobre as suas. — eu sinto que tudo isso é culpa
minha, por ter mexido nessa história. Foi sorte o seu pai ter
perdido as estribeiras e me dado chance de ganhar.
— Meu bem... – eu lamentei, me virando de frente para ele
— nós vamos ficar bem — eu garanti, mesmo que não pudesse ter
essa certeza.

A campainha do apartamento começou a tocar e ele franziu o


cenho.
— Alguém além de mim tem a mania de subir sem avisar? —
eu brinquei, mas ele não estava para isso e me soltou, para ir ver
quem seria.

Eu me troquei e fui até a sala, parando ao me deparar com o


meu pai depois da porta. O George estava estático, segurando a
porta aberta e me olhou, sem esboçar alguma reação.
— Eu preciso conversar com você — o meu pai falou para
ele — tem muito a ser resolvido, eu quero poder consertar as
coisas — ele falou como se ele pudesse consertar as coisas. Eu
fui até eles, parando ao lado do George e o meu pai, que tinha a
aparência renovada, longe de ser aquele cara que eu visitei no dia
anterior — você está bem, filha? — ele perguntou e eu olhei para
o George, assentindo.
— Eu não acho que seja um bom momento pra vocês
conversarem — eu falei, porque o George não esboçava alguma
reação.
— Eu serei breve — o meu pai juntou as mãos, como se
implorasse — você pode ficar, Bia, se quiser.
— Papai, eu não acho que o senhor e o George tenham algo
pra conversar — eu falei, mas ele negou com a cabeça.
— Não, mas eu preciso — ele falou, olhando para o George
— por favor. — ele completou solenemente — não tomarei mais
que cinco minutos — ele ousou dar um sorriso fraco e o George
deu dois passos, se virando para ir até o seu escritório. Eu deixei
o meu pai entrar e fechei a porta, sem reação ou explicação para
isso.
C apítulo 07
A i r o n i a é a e x p r e s s ã o m a i s p e r f e i ta d o
pensamento

GEORGE DUARTE
— Tem um bichinho zumbindo no meu ouvido perguntando o
que me deu na cabeça pra ouvir você — eu falei, ao fechar a
porta do escritório e LuizLobos riu, analisando o meu escritório.
— Eu vou ficar quieto — ele falou, mas o seu tom era
presunçoso — desde que você me deixe em paz, eu vou ficar
quieto.
— Mal saiu da cadeia e já está me ameaçando? — eu
perguntei, ficando irritado, mas ele sorriu de uma maneira
sarcástica.
— Eu sei que você tem dinheiro, mas eu tenho mais — ele
falou — quero um acordo, um tratado de paz, eu quero continuar
a minha vida e além de tudo isso, a minha filha está grávida.
— Alguma emissora de televisão tá te perdendo, Luiz— eu
parei, fingindo pensar no seu sobrenome — Santos? Eu não vou
cair nesse seu teatrinho.
— Eu quero estar perto da minha família e provar que eu
mudei.
— Você não mudou — eu resmunguei, correndo as mãos no
rosto.
— Eu vou fazer com que acreditem — ele me sorriu — eu
vou deixar você em paz, só te peço que faça o mesmo.
— Você é um criminoso, seu lugar é na cadeia.
— Eu posso ser tão superior, você não imagina — ele
zombou — nunca mencionei o assalto no hotel e mesmo tendo
como chegar ao culpado — ele apontou em minha direção — eu
deixei isso quieto.
— Você é um assassino! — eu grunhi de ódio, mas ele estava
tranquilo.
— Eu quero me aproximar da sua irmã, dar a ela pelo menos
financeiramente, o que ela merece.
— Você não vai se aproximar da minha irmã — eu falei, sem
tempo de pensar no que argumentar, porque esse cara era
manipulador e iria facilmente colocar tudo ao seu favor.
— Você engravidou a minha filha — ele falou, caminhando
até a porta, a abrindo — se a Bia está grávida, você vai casar com
ela. Não essa história de morar junto. Eu falo de casamento, véu,
grinalda, igreja — ele sorriu, acenando antes de sair andando.

Eu peguei a primeira coisa palpável e joguei contra a parede,


furioso, porque não era possível esse crápula convencer alguém
que pouco mais de um mês na cadeia o fez virar um ser humano
de bem.

A Beatriz entrou na sala, fechando a porta e eu a olhei,


fazendo um gesto para que ela parasse.
— Se você vier defender o seu pai, pode ir parando — eu
falei e ela se escorou à mesa, me puxando pela mão, passando
uma mão pela lateral do meu rosto.
— Eu queria que as coisas fossem mais fáceis e a nossa
única preocupação fosse a nossa filha — ela falou e eu fechei os
olhos, cedendo ao seu carinho no meu rosto — eu sinto muito que
tudo isso esteja acontecendo.
— Eu não acredito que o seu pai foi solto — eu falei
inconformado.
— A gente não pode seguir a vida e deixar isso se enterrar?
— ela perguntou, como se fosse simples assim.
— Bia, eu passei quase dezessete anos da minha vida
atormentado com essa história, que se saiu mais suja do que eu
imaginava. Eu não consigo enterrar isso com o culpado a solta —
eu falei convicto, a olhando cauteloso.
— Eu não quero que a gente se perca de novo por causa
disso — ela falou, suspirando.
— Você vai mesmo comprar essa história do seu pai ser
bonzinho? — eu perguntei, mas ela não me respondeu.
— Eu quero pensar na nossa filha e na nossa história. Eu
quero paz, há dois anos eu não tenho isso. E se pra isso for
preciso comprar a história do meu pai, sim, eu quero fazer.

[...]

Eu não queria acarretar brigas com a Beatriz, porque ela


estava grávida. Mas o estopim disso foi ela aceitar sair para
jantar com aquele criminoso.
— Você está grávida! — eu gritei, como se isso fosse a
melhor desculpa para que ela ficasse — qual a parte do eu não
quero a minha filha perto desse cara, você não entendeu?
— É só um jantar... — ela falou, vindo até mim e eu respirei
fundo para tentar ficar calmo — eu quero poder me aproximar da
outra filha dele.
— Sinceramente... — eu falei incrédulo.
— Volto em poucas horas, ok? — ela perguntou — não quero
ficar brigando com você toda hora.
— Você está romantizando um cara que não existe, Beatriz!
— eu falava alto, como se isso dissipasse o meu ódio — você
dizer que era típico dele exigir que nos casássemos deixa claro
que você não só acredita que ele é um bom homem, como...
— George, eu sei que nada vai apagar o que ele fez.
— Então me diz o motivo de você estar indo encontrá-lo?
Ficar a mercê do seu teatro?
— É o meu pai — ela lamentou — eu sinto muito.

E então ela se foi, porque ela era teimosa.

Fui para o meu escritório, pegando o meu celular, que tocava


numa chamada da Larissa.
— Quanto tempo você dá pra esse cara fazer outra merda e
voltar pra cadeia? — ela perguntou, zombando da situação e eu
fiz uma carranca. Não era só o fazer alguma merda que me
preocupava. Era o com quem e o que.
— Ele está planejando algo, porque não é possível...
— Ele não é burro, George. Sabe que fazer algo contra
algum de vocês o leva de volta e não vai ter propina pra tirar ele
de lá. Mas algo para tomar os negócios da ex-mulher, eu tenho
certeza que ele vai fazer — ela afirmou convicta — senão não
estaria tão empenhado em conseguir o perdão dos filhos.
— A Beatriz já perdoou — eu resmunguei — diz que
acredita em segundas chances. Acaba que leva a Daniela junto.
— Ela vai cair em si — a Lari falou, deixando escapar um
risinho — ela está grávida, deve estar fantasiando uma vida que
não pode mais ter, porque o pai é um criminoso.
— Ela tem que amadurecer isso, Lari — eu reclamei — ela
não pode esperar que o mundo se molde para ela ter tudo como
quiser.
— Ela vai cair em si — ela prometeu, mas eu fiz uma
carranca.
— O pior de tudo é que ela estando grávida, eu não tenho
espaço pra contestar — eu resmunguei, mas a Lari riu.
— Se o problema das brigas não fosse tão sério, seria
engraçado.
— Tudo ela usa o estou gerando a sua filha — eu falei,
imitando a voz dela — eu só queria paz e quando tudo parecia
estar ficando bem, esse cara consegue sair da cadeia. Ele tinha
que apodrecer lá dentro!
— Se acalma, George. Não vai perder essa fase que é tão
linda...
— Lari, esse cara mandou assassinar os meus pais! Não tem
como eu ficar calmo. Eu vou ter uma filha com a filha desse
criminoso!
— Falando assim parece assustador — ela falou e eu ouvi
um suspiro.
— Isso é assustador, uma vez que a filha dele acha que eu
posso enterrar tudo isso e viver numa boa.
— Entra no jogo desse cara. Ele vai ficar atormentado ao te
ver superando isso.
— Eu não tenho esse sangue de barata.
— Você vai perder a Beatriz de novo — ela falou e eu engoli
pesado, porque sim, essa era uma grande possibilidade — ela vai
logo ver o fingimento do pai dela, se você estiver por perto. Não
dá pra jogar limpo com quem quer te ferrar. Você fingia tanto
perto desse cara, faz isso de novo.
— Fácil assim — eu zombei.

Eu fiquei trabalhando até mais tarde no meu escritório e a


Beatriz chegou depois das dez da noite, vindo até mim, se
sentando de lado no meu colo antes de tomar a caneta da minha
mão.
— Como foi esse jantar? — eu perguntei, mas ela fez um
carinho no meu rosto, antes de beijar a minha boca — Bia... — eu
relutei, mas ela aprofundou o beijo e eu deixei acontecer.
— O meu pai queria que você tivesse ido — ela falou,
fazendo carinho no meu rosto e eu a encarei. Para não começar
outra briga, fiquei quieto — ele pode não sentir por tudo, mas eu
sei que ele não queria que as coisas tivessem tomado esse rumo.
— De ele ter sido descoberto, né? — eu perguntei,
respirando devagar para me manter calmo — porque do que ele
fez, eu duvido muito.
— A gente pode ficar longe disso tudo, pelo bem da nossa
filha — ela falou, como se fosse para encerrar — foi ideia dele,
também. Ele sabe que não vai ter o seu perdão e quer que a nossa
filha tenha uma família unida.
— Você está mesmo acreditando nisso tudo — eu falei
desacreditado — por favor, Bia, não espere o seu pai fazer algo
com outra pessoa pra...
— Se a situação fosse outra, eu escolheria a família. Mas
depois de tudo o que aconteceu, eu acho que a melhor escolha é a
nossa família. O que nós dois vamos construir juntos.
— Não deixa a máscara de coitado do seu pai, te manipular,
por favor — eu pedi, melhor, eu implorei — eu não quero que
mais alguém sofra. Ele só está fazendo isso pra na hora do
julgamento ter vocês testemunhando a favor.
— Se mantê-lo preso trouxesse os seus pais de volta, amor,
mas...
— Beatriz, mantê-lo solto também não traz. Foi um crime. O
que você espera que aconteça com todos os assassinos do nosso
país? — eu perguntei impaciente — que eles tenham advogados
de merda manipulando as pessoas ao redor? Que eles merecem
ficar soltos porque mantê-los presos não ressuscita ninguém?
Nenhum juiz deu para ele a liberdade, um desembargador
interveio pra isso. Quanto você acha que ele pagou? Uma pessoa
que suborna alguém mudou? — eu a enchi de perguntas, mas ela
respirou fundo, não me respondendo.

Naquela noite, quando a Beatriz levantou na madrugada para


ir ao banheiro, voltando nervosa por notar a calcinha suja de
sangue, nós fomos para o hospital. Ela não queria, mas eu liguei
para a sua médica. Mesmo sendo três da manhã, ela foi nos
encontrar e examinar a Bia.
— Pode ter sido algum esforço ou estresse — a doutora falou
— o colo do útero está fechadinho e os batimentos do bebê estão
bons — ela continuou, anotando algo na prancheta com o papel
— quero você de repouso, mocinha, mas se continuar vamos fazer
um ultrassom. Tudo o que nós não queremos é um descolamento
ovular.

A doutora saiu da sala e eu olhei para a Beatriz, porque ela


não era a pessoa que fazia algum esforço físico, então tudo era
emocional. Evitei falar algo que a contrariasse e fui até ela, a
abraçando, deixando um beijo no topo da sua cabeça.
— Eu te amo — eu falei e ela me abraçou de volta.

Nós voltamos para casa e ela foi para a cama. Quando entrei
no quarto, a observei dormindo e meu Deus, eu não devia amar
tanto essa mulher. Ela estava esperando a nossa filha e mesmo
que tenha sido inesperado, eu já amava a nossa Anna, eu não
queria pô-la em risco. E se para isso eu tivesse que atuar com
aquele criminoso, eu o faria.
C apítulo 08
Toda v e z q u e u m j u s t o g r i ta , u m
carrasco vem calar

GEORGE DUARTE
Essa história de ceder às vontades da Beatriz foi tão longe,
que estávamos em um rancho com o seu pai, a ex-amante e atual
esposa, e a filha deles.

Luiz Santos estranhou a minha mudança de humor e


tratamento, mas em várias conversas com a Larissa, nós
decidimos que se fosse uma guerra e esta uma fase, não era hora
de lutar contra o inimigo. Por mais sujo que eu me sentisse ao
pensar com clareza, eu estava colocando a minha filha acima de
tudo isso. Se for a escolha certa, só o tempo vai dizer.

A Beatriz logo foi explorar o lugar com a menina, Isabela. E


a tal Helena estava junto com o companheiro. Eu me sentei em
um dos bancos no meio do gramado, me escorando e olhando para
cima, porque a única coisa que eu queria para a vida era paz.

Se não fossem os anos de terapia, eu já teria pirado. Ou a


Lari, para me confortar um pouco. Porque da Beatriz, por mais
amor que eu recebesse e desse de volta, vinha pouco
entendimento. Ela estava numa fase da vida de pensar só nela e
no bebê.
— Sábia decisão — a voz sarcástica de Luizme fez sentar
direito e eu o olhei, que sendo audacioso, se sentou ao meu lado
— tudo por amor, pela Beatriz.
— E pela minha filha — eu completei e ele assentiu, olhando
para frente.
— Eu to em fase de, só vou atacar se me atacarem. E to
sendo sincero quando digo isso.
— Eu não acredito em você.
— Mas você ama a minha filha — ele completou, sorrindo
fraco — você vai ter uma filha com ela. Só não gostei do nome
composto. Você não deveria querer homenagear a sua mãe.
— Isso sou eu que decido — eu me limitei a dizer.
— As coisas teriam sido diferentes se eles aceitassem
dinheiro...
— Eu não quero ouvir mais versões dessa história — eu
falei, o interrompendo — você não é inocente.
— Eu fui ganancioso. O meu sogro estava morrendo, a Luísa
única herdeira. Eu perderia tudo... Eu não tinha nada. Nem o
sobrenome.
— Coitado de você, Luiz— eu zombei — acabar com uma
família pra construir a sua e ainda assim, perder a sua mulher por
ter uma amante. E uma filha com ela.
— Se você não tivesse aparecido, nada teria mudado.
— O seu personagem não me convence — eu falei e ia me
levantando quando ele voltou a falar:
— Eu ainda não vi um anel de noivado no dedo da minha
filha — ele falou — não gosto nada das especulações sobre vocês
dois que circulam na cidade. Isso se encerra com um casamento
decente.

Eu lhe lancei um olhar feio e saí andando, encontrando a Bia


num parquinho com a criança. Ela deixou a menina num
escorregador e veio até mim.
— Tudo bem? — ela perguntou e eu assenti.
— Tenho umas petições pra protocolar e quero fazer isso
hoje, podemos ir?
— Claro! — ela me sorriu — obrigada por se esforçar e estar
aqui. Eu sei que é difícil.
— É só por você — eu falei, me inclinando para beijá-la —
eu não sou o cara mais romântico do mundo, mas o que você acha
sobre casamento?
— Que eu não tenho contato com mais nenhuma amiga pra
ser madrinha, então a Dani é minha — ela disparou e eu sorri,
porque a Bia ainda era a menina clichê que queria se casar.
— Pra antes ou depois que a Anna nascer?
— Quero não me preocupar com isso agora — ela falou e eu
entrelacei as nossas mãos, quando começamos a andar — e
também, ficaríamos sem quarto de hospedes para fazer o dela,
precisaríamos de um lugar maior.

Ela ainda voltou para se despedir da irmã, antes de irmos


embora.

[...]

A Beatriz começou a falar sobre casamento, gravidez e casa


no caminho para casa e cada vez que eu a olhava, mesmo que o
meu sentimento não estivesse em cheque, a nossa situação estava.
Eu não queria no nosso casamento, o seu pai como testemunha.
Eu não o queria nas fotos. Como eu colocaria a minha família,
fragilizada pelo que ele fez, em um ambiente onde esse homem
estava? Como o pai da noiva, ainda por cima.

A Bia foi para o quarto da Dani quando chegamos e eu fui


trabalhar.

Na manhã seguinte, com o sangramento insistente da Bia,


nós voltamos para o hospital e dessa vez, a doutora pediu repouso
absoluto.
— E nada de sexo — ela completou e eu assenti.
— Alguma explicação pra isso? — eu perguntei.
— Ela já está com dezoito semanas, eu só posso explicar isso
com esforço excessivo ou estresse. Alguma veiazinha pode ter
rompido. Está tudo bem com o bebê, mas nada de emoções fortes,
atividades físicas, sexuais, comidas pesadas. E nada de café e
canela por enquanto. Nada que cause contrações ao útero, pra
resumir.
— Tudo bem — a Bia falou, parecendo contrariada.
— Se isso acontecer mais uma vez, eu vou ter que internar.
Nós não queremos um descolamento nesse estágio da gravidez.
Você tem passado por algum estresse emocional? — a doutora
perguntou e eu a olhei, que negou com a cabeça.

Havia algo errado. A Beatriz estava tendo de todos a sua


volta, mimos e todas as suas vontades estavam sendo feitas. Tudo
que eu podia fazer, mesmo a contragosto, eu fazia. Tudo o que ela
queria, ela tinha. E não só de mim.

Eu abri a porta do carro e ela me olhou, apertando os lábios


e eu fechei a porta quando ela entrou, dando a volta para entrar
no carro. Eu não coloquei o cinto de segurança ou liguei o carro,
mas ponderei o que ia dizer, para que não brigássemos e eu a
estressasse mais do que já tinha o feito.
— Bia, eu vou perguntar uma só vez e eu quero que você
seja sincera comigo — eu falei e ela manteve o olhar no meu,
tentando se aproximar para encerrar isso com um beijo, mas eu
recuei.
— George...
— O seu pai está te chantageando?
C apítulo 09
Sem ti são ermos os caminhos

A Beatriz permaneceu me encarando, mas os seus lábios


vacilaram, então eu dispensei uma resposta. Não sabia o nível da
chantagem, do que se tratava, se era mesmo uma chantagem ou
um tormento, mas era o bastante para pôr em risco a saúde dela e
da nossa filha.

Eu estacionei o carro e desci com ela, a acompanhando até o


apartamento, para ter certeza de que ela não iria sair.
— Repouso absoluto, por favor — eu pedi, segurando o seu
rosto para beijar a sua testa — qualquer coisa pode me ligar.
— Você vai pra onde?
— Trabalhar — eu falei, pegando os controles da TV e
carregador do celular.
— Eu posso levantar pra pegar as coisas — ela reclamou,
mas eu ainda peguei uma garrafa de água o frigobar — George —
ela resmungou, mas eu não dei atenção.
— Se precisar de alguma coisa, pede pra Dani — eu falei,
deixando um beijinho na sua boca – e qualquer coisa, me liga.
— Por favor, não procura o meu pai — ela falou enquanto eu
caminhava até a porta e eu parei, a olhando — eu não quero vocês
dois brigando.
— Tudo bem — eu falei, porque descobriria sobre isso de
qualquer maneira.

Encontrei, quero dizer, flagrei a Larissa com o Levi no


escritório dela e ele saiu da sala, acenando para mim. A Lari me
lançou um sorrisinho sem graça, consertando a sua roupa e
passou a mão pelo cabelo, me sorrindo mais uma vez.
— Eu sou uma idiota — ela falou finalmente e eu deixei
escapar um riso.
— Eu não discuto mais sobre vocês dois — eu falei, indo me
sentar — o pai da Beatriz está chantageando ela — eu falei e a
Larissa me olhou confusa.
— Como assim?
— Lari, ela já está com quatro meses e meio e a doutora tem
estranhado esses sangramentos frequentes dela. E a única razão
poderia ser esforço físico ou estresse emocional.
— Você falou isso com ela?
— Ela não respondeu, mas quando eu ia saindo ela pediu pra
que eu não fosse brigar com o pai dela — eu resmunguei — no
começo, ela estava com pena do pai, o que eu poderia até
entender. Mas depois, ela só queria que eu enterrasse essa
história e desse uma segunda chance. A Beatriz não é burra, Lari,
ela sabe o quanto foi difícil conseguir culpá-lo, ela sabia que eu
nunca iria ceder e pior, me aproximar daquele crápula pra provar
que o perdoei.
— Isso faz sentido — a Lari ponderou — então ele pode
estar ameaçando você — ela completou, mas eu neguei com a
cabeça — a mãe dela não seria, porque senão ela te contaria,
George. Qualquer outra pessoa se fosse, você saberia.
— Eu queria matar esse cara! — eu falei irritado, querendo
chorar por estar tão impotente.
— Joga o jogo dele. Na hora certa as coisas viram, você
sabe.
— Eu não posso passar a vida contando com a justiça divina,
Larissa! Enquanto ele joga com dinheiro e suborno.
— Fica quieto, pensa na Beatriz e na gravidez dela. Estresses
nessa fase são perigosos, não faz isso se tornar um risco pra vida
dela e da criança.
— Esse desgraçado deu muita sorte da Bia estar grávida —
eu resmunguei — você acredita que ele tem a cara de pau de me
cobrar casamento?
— Fingindo cuidar da imagem da filha grávida. LuizLobos
não aceitaria nunca uma filha sendo mãe solteira — ela falou
sarcástica.
— Isso parece um pesadelo — eu resmunguei.
— O melhor que você pode fazer agora é tranquilizar a
Beatriz — ela falou — ficar quieto para que ela fique calma de
que o pai dela não faça nada com você.
— É a coisa mais difícil que eu vou ter que fazer — eu
suspirei.

Quando eu cheguei em casa à noite, a Bia estava no sofá,


enrolada em um edredom e tinha um papel nas mãos. Eu passei
por ela e me inclinei para deixar um beijo na sua boca.

Tomei um banho rápido e voltei com o celular, para


pedirmos algo para jantar e ela me mostrou o convite.
— O que? — eu perguntei confuso, mas ainda abri.

“Lya Moura e Guilherme lima, convidam você para o começo


de sua vida juntos”.

Eu cheguei a rir, porque era meio bizarro e olhei para a Bia.


— Ela quer que eu seja a madrinha — ela falou e eu a olhei
surpreso.
— Você pode negar — eu falei o óbvio, porque mesmo que
ela estivesse comigo agora, não seria confortável ser madrinha do
cara que ela largou no altar.
— Eu fiquei tão surpresa que não consegui — ela fez um
beiço, se arrastando para se aconchegar ao meu corpo e eu a
abracei — agora eu vou ter que enfrentar todos os amigos e a
família do Guilherme, grávida e de madrinha da minha melhor
amiga que é a noiva dele.
— Poxa Bia, a sua história daria um livro — eu brinquei,
para amenizar e ela deu um risinho.
— E eu falei que só iria se você fosse, então você vai ser o
meu par.
— O que? — eu disparei — mas eu nem conheço o noivo.
— O Guilherme é um pobre infeliz, que não vai se casar por
amor — ela disparou, como se precisasse dizer e, eu escorreguei
a minha mão pela sua barriga, puxando o baby-doll, fazendo
carinhos ali, logo sentindo a Anna mexer.
— Eu sinto tanto amor por vocês — eu falei, subindo e
descendo a minha mão e a Bia virou o rosto, procurando pela
minha boca e eu a beijei, segurando a mão, porque ela levou a sua
sobre a minha, me forçando a descer.
— Você não pode, Bia — eu reclamei, mas ela voltou a me
beijar, fazendo um carinho na minha mão, gemendo contra a
minha boca, me deixando excitado e quando ela mordeu o meu
lábio, arfando antes de voltar ao beijo, eu deixei que ela guiasse a
minha mão para o seu sexo e um arrepio correu o meu corpo,
porque ela estava molhada. Quando eu passei a brincar um dedo
no seu clitóris, ela parou o beijo, mas manteve a boca perto da
minha. Eu passei a brincar um dedo suavemente no seu sexo,
dando atenção para o clitóris e ela me forçava a fazer mais, mas
se estávamos proibidos de fazer sexo, não poderia haver
penetração, foi o que eu pensei. Eu saí de trás dela, me abaixando
de frente entre as suas pernas e puxei a calcinha para baixo, a
tirando dela, que gemeu forte de ansiedade, puxando o meu
cabelo, antes que eu fizesse qualquer coisa. Eu a puxei para mais
perto, deslizando a língua no seu sexo, a olhando e ela assentiu,
arranhando o meu couro cabeludo, puxando os cabelos da minha
nuca e eu deixei a minha língua ir mais fundo, sentindo o seu
sexo contraindo. Eu gemi contra a sua pele, quando ela usou a
mão para deixar o clitóris exposto e eu queria deixar as
recomendações da doutora para lá ao vê-la pulsar de excitação.
Eu envolvi o seu clitóris na minha língua, brincando o dedo
indicador no seu sexo, chegando perto da sua entrada, mas sem
penetrá-la e ela gemeu mais forte, erguendo uma das pernas e a
apoiando ao sofá.
— Enfia alguma coisa em mim — ela choramingou e eu
deixei o meu dedo entrar um pouquinho, sentindo o seu sexo o
sugando e eu deixei ir só mais um pouquinho, a vendo se
empurrar na minha mão — só mais um, amor, por favor — ela
falou, rebolando na minha mão e eu gemi, abaixando a minha
bermuda, roçando o meu membro no seu sexo, colocando só a
cabecinha dentro dela, que arfou, me puxando para um beijo – só
uma vez — ela sussurrou, completamente incoerente e o seu sexo
pulsando em torno da cabeça do meu membro me deixava sem
razão, então eu fui entrando devagar. O gemido da Bia me fez ir
mais uma e outra vez e ela me abraçou pelo pescoço, me beijando
e eu deixei o peso do meu corpo cair sobre o dela, rebolando e
unindo os nossos corpos, sabendo que não poderíamos, mas
excitado demais para querer parar.
— faz mais forte, só um pouquinho — ela sussurrou,
mordendo o lóbulo da minha orelha e eu rodei o quadril, indo
mais fundo e mais forte, roçando a minha pélvis no seu clitóris.
— fica assim, só até eu gozar — ela falou e eu, feito um pau
mandado refém dela só obedecia, gemendo junto com ela e a
beijando, matando a saudade desse amor gostoso que nós dois
fazíamos. A Beatriz gemeu forte quando eu senti o seu corpo
molhando o meu e o seu sexo convulsionando em torno do meu e
eu continuei, gozando logo em seguida, gemendo satisfeito
quando acabou.

Naquela noite, quando eu levantei de madrugada para ir ao


banheiro, vi a Bia no meio de uma poça de sangue e quis chorar
arrependido, porque, meu Deus, nós não éramos dois adolescentes
sem responsabilidades e agimos feito uns.

Nós fomos para o hospital e a Bia logo foi internada pela


doutora, que não precisou nos perguntar sobre sexo, porque
vestígios de sêmen nos entregaram. Eu estava preocupado, mas a
Bia só sabia ficar ruborizada a cada bronca da doutora em nós
dois.
— Era para ter sido só um carinho e... — eu tentei explicar,
mas fui interrompido.
— Quando eu falei nada de sexo, era nada de sexo! — ela
falou impaciente — você quer perder a sua filha nessa altura da
gravidez? Você quer ter um bebê cheio de futuros problemas?
— Mas...
— Nada de sexo, nem de — ela me olhou incrédula —
carinhos. Você não pode ficar excitada, Beatriz. Nem ter
orgasmos, isso contrai o útero.
— Está tudo bem com a Anna? — Eu perguntei.
— Está tudo bem, mas eu não vou liberá-la pela próxima
semana — ela falou — e você, mocinho, nada de sexo até eu
dizer que sim — ela falou para mim e eu fui até a Bia, deixando
um beijo na sua cabeça.
— Eu não vou aguentar — ela falou baixinho, mas a doutora
ouviu e nos lançou um olhar autoritário.
— Eu não posso ajudar quem não quer ser ajudado, então
você tem ordens para me obedecer — ela falou enfática. —
quanto mais rápido você ficar bem, mais rápido a sua vida volta
ao normal.
Depois de examinar a Beatriz, a doutora fez um ultrassom,
onde descobrimos o que menos queríamos que acontecesse:
descolamento ovular. Era leve, mas de qualquer modo, não era
bom.

A Bia não queria passar a noite no hospital, mas a doutora


pediu mais exames e mais uma vez enfatizou a abstinência.
— Porque nada com a gente pode vir fácil? — a Bia
perguntou e eu apertei os lábios — eu não queria ter que ficar
cinco meses sem sexo.
— Se te consola, eu também vou ter que ficar — eu brinquei,
mas ela me cerrou os olhos.
— Ninguém te proibiu de ter orgasmos — ela falou
entediada.

A doutora trouxe um aparelho para monitorar o feto, mas a


frequência cardíaca estava boa.
— Quer avisar a sua mãe? — eu perguntei, mas negou com a
cabeça, se afastando para o canto da cama e eu me deitei ao seu
lado.
— Eu espero que fique tudo bem — ela falou, me abraçando
pelo torso.
— Você já pensou no parto? — eu perguntei e ela sorriu,
entrelaçando as nossas mãos — porque eu imaginei uma dessas
coisas com piscina de água e parto natural.
— Eu tinha pensado em cesárea — ela falou, suspirando —
em um primeiro momento. Depois fui pesquisar mais e se tudo for
a favor, eu quero normal, porque os relatos de recuperação são
mais tranquilos.
— Eu amo muito você — eu sussurrei — eu espero que fique
tudo bem com a nossa filha.
— Eu também — ela sussurrou, escondendo o rosto no meu
pescoço — eu também — repetiu, suspirando forte.
Eu pedi para que a minha secretária remarcasse todos os
meus compromissos do dia e na manhã seguinte, a Bia foi fazer
todos os exames que a doutora pediu.

Quando o seu pai chegou ali, querendo vê-la, eu queria


espancá-lo, mas engoli o meu ódio, porque ele estava
chantageando a própria filha e o cumprimentei, entrando de
cabeça nesse seu jogo sujo.

Deixei para a doutora explicar o quadro da Bia e do bebê,


mas quando ele entrou no quarto, eu fui também.
— Eu espero que tudo fique bem — ele falou, tomando a
mão da Beatriz e beijando a sua cabeça — eu estou indo para uma
entrevista de emprego, espero que dê tudo certo.
— Eu também — a Bia falou.
— A minha imagem não está nada boa, mas a sua mãe fez o
favor de mostrar que eu sou um bom gestor.
— Ela é uma mulher boa, de bem — eu falei, atraindo
atenção — você teve sorte.
— É — ele suspirou — bem, eu já vou indo. Se acontecer
algo, me liga.

Eu não falei nada sobre isso e logo a sua mãe e irmãos


vieram visitá-la.
C apítulo 10
Sonhar um sonho à dois e nunca
desistir da busca de ser feliz

BEATRIZ LOBOS
Quando a doutora esteve mais calma diante da minha
irresponsabilidade junto ao George, me explicou melhor sobre o
meu caso. Havia sangue entre o meu útero e o saco gestacional,
mas as chances de isso desaparecer eram grandes caso eu fosse
obediente.

Eu estava odiando ficar no hospital, refém de visitas de


quem quisesse vir e pior, ela proibiu o George até de me beijar.
— O meu namorado vai procurar outra e a culpa vai ser sua
— eu falei, quando terminamos mais um ultrassom, mas ela me
sorriu. Eu estava há dezessete dias internada.
— O seu namorado parece muito feliz com você, pra
procurar outra.
— Eu não aguento mais — eu falei inconformada, limpando
o gel da minha barriga.
— Tudo bem por aqui? — o George perguntou ao entrar, me
trazendo os bombons que eu havia pedido.
— Tudo ficando bem — a doutora falou — eu vou pedir mais
alguns exames, mas ela está evoluindo bem.
— Quando eu vou poder sair? — eu perguntei, me sentando
na maca.
— Não posso dizer. Quando não aparecer nenhum hematoma
no ultrassom — ela me sorriu — eu não posso confiar que vocês
vão fazer repouso absoluto em casa.
— Eu poderia prometer, mas ela me convence fácil a fazer
tudo errado — o George falou e eu lhe cerrei os olhos.
— Nada de abusar dos chocolates, ouviu? — a doutora falou,
empurrando o carrinho com o aparelho ultrassonográfico — senão
vou ser obrigada a levá-lo embora.
— Eu não vejo a hora de vocês ficarem bem — o George
falou, indo fechar a porta. Eu voltei para a cama, pegando os
bombons.
— Eu sinto os meus seios maiores, você não? — eu
perguntei e ele parou, me analisando — não vejo a hora de poder
fazer sexo com você.
— Não pensar sobre isso me deixa mais tranquilo — ele
resmungou, se sentando à beirada da cama.
— Eu to frustrada porque nem um beijo você pode me dar —
eu falei, fazendo uma carranca, mas ele sorriu, se aproximando
para pressionar os lábios nos meus. Eu levei uma mão para a
lateral do seu rosto, negando com a cabeça — não esse tipo de
beijo.
— Foi o outro tipo de beijo que nos trouxe até aqui — ele
lembrou, se levantando para não me ceder — você não é mais
criança, você sabe dos riscos.
— Mas está ficando tudo bem.
— Falei com a arquiteta que você queria, pra fazer o quarto
da Anna — ele falou, para mudar o assunto e eu abri a caixa,
pegando um dos bombons.
— Como você imagina o quarto dela? — eu perguntei,
grunhindo com o sabor do chocolate derretendo na minha boca,
mas quando ia pegar outro, ele me tomou a caixa — só mais um
— eu reclamei, puxando dele.
— Eu imagino um ambiente claro e aconchegante — ele
falou, guardando os bombons no frigobar — mas você vai
escolher algo bem moderno e luxuoso.
— Eu já disse que não vou ser essas mães neuróticas que
tomam todas as decisões sozinhas — eu reclamei, mas ele sorriu.
— Então eu posso decidir o quarto dela sozinho? — ele
indagou presunçoso e eu dei um risinho.
— Se eu puder me basear na decoração do seu apartamento,
eu cofiaria que sim. Mas é a nossa filha, nós temos que fazer isso
juntos — eu falei, consertando um travesseiro atrás de mim,
dando um espaço para ele me fazer companhia.
— Por favor, não me provoca — ele falou, tirando os sapatos
para se deitar e eu me aconcheguei no seu corpo.
— Você tem algo pra fazer hoje?
— Tenho uma reunião às cinco, mas não devo demorar — ele
falou, fazendo um carinho no meu cabelo e eu o abracei pelo
torso.
— Se você quiser, pode ir dormir em casa. Deve ser tedioso
ficar aqui.
— Eu to aqui com você — ele reclamou — não é tedioso.
— Você não pode nem me beijar, é muito tedioso — eu
resmunguei, revirando os olhos e ele deu um risinho, deixando
um beijinho rápido na minha boca, mas eu o segurei,
aprofundando o beijo, grunhindo porque ele estava calmo e
cauteloso. Quando eu ergui uma perna, a dobrando sobre o seu
quadril, ele gemeu e quebrou o beijo.
— Eu quero muito, Bia, mas a gente não pode — ele falou e
eu assenti, escondendo o rosto no seu pescoço.

O George foi para a sua reunião, mas me mandava mensagem


a cada hora, porque havia sincronizado um aplicativo para beber
água no nosso celular. E eu precisava beber muita água.

Uma enfermeira veio me trazer o jantar e eu suspirei, porque


não aguentava mais essas saladas. Tudo o que eu queria, era uma
pizza. Mas eu precisava cuidar da minha filha.
— Dessa vez veio um salmão — a enfermeira falou e eu
olhei para o salmão grelhado, junto à porção de arroz, feijão e
brócolis.
— Nada se compara a uma pizza — eu falei e ela riu.
— Você gosta de dar trabalho, mocinha.
— Tem chocolates no frigobar, se você quiser — eu falei —
eu não posso comer mesmo.
— Não pode exagerar — ela me corrigiu, indo pegar os
bombons — o seu caso está evoluindo bem, logo você sai daqui e
a sua vida volta ao normal.
— O meu ex-noivo vai casar com a minha melhor amiga —
eu falei e a Anna parou, me olhando surpresa — e eu vou ser a
madrinha.
— Mas você já superou isso, certo?
— Certo, mas ainda é estranho.
— Porque você o deixou no altar — ela completou e eu sorri
fraco, porque ela sabia — na questão de beleza, foi uma boa
troca. E o doutor Guilherme não é lá flor que se cheire quando
falamos de fidelidade.
— Você o conhece? — eu perguntei.
— Ele dá alguns plantões na emergência — ela
desconversou.
— Ele me traía? — eu precisei perguntar, mesmo que isso
não importasse mais, mas não obtive resposta. O que para mim
era uma afirmação.

[...]

Com o passar dos dias, eu fui evitando as visitas dos meus


pais, porque ficava nervosa com as conversas deles dois. Pelo que
eu li na internet, estresse emocional não era a maior causa do
meu problema, mas nenhuma das outras faziam muito sentido e se
a doutora insistia que eu precisava ficar calma, eu precisava
obedecê-la.

Eu peguei no sono depois do almoço e acordei com o George


andando pelo quarto, falando no celular.
— Não é um grande problema, Marcus — ele falou, sorrindo
ao me notar acordada — amanhã, nós falamos sobre isso, vamos
resolver. Até — ele falou, antes de desligar.
— Tudo bem? — ele perguntou, puxando uma cadeira para se
sentar ao lado da cama e tomou a minha mão na sua.
— E você? — eu perguntei preguiçosa, ganhando um
beijinho na testa.
— A doutora logo vem pra ver você — ele falou, fazendo um
carinho no meu rosto — logo você volta pra casa.
— Não vejo a hora — eu fale e a doutora Manuela entrou,
trazendo o rotineiro aparelho de ultrassonografia.
— Se hoje eu tiver a mesma impressão dos últimos dias,
penso em liberar você em dois dias.
— Porque dois dias? — eu perguntei, me sentando.
— Precaução — ela sorriu — mas eu vou continuar pedindo
repouso, que você beba muita água e se alimente de maneira
saudável.

Ela me examinou e o George evitava olhar, porque era


constrangedor. Depois do ultrassom, ela nos informou sobre a
minha situação atual e eu queria sair gritando de alegria.
— Você vai levar uma gestação saudável, se souber dosar.
Nada de exageros — ela falou, empurrando o carrinho, mas parou
perto da porta, tirando algo do bolso do jaleco — papai? — ela
chamou o George, jogando um bolo com camisinhas para ele, que
pegou, não sabendo nem o que dizer — sexo com camisinha, por
pelo menos essa semana.
— Eu odeio camisinhas — eu reclamei, mas ela riu.
— É melhor que não fazer — ela lembrou e eu assenti. O
George riu quando a doutora saiu do quarto e foi fechar a porta,
voltando para mim.
— Você sabia que o Guilherme me traía? — eu perguntei
incrédula, mas acabei rindo.
— Que canalha — o George falou fingindo estar possesso —
se você quiser, eu posso dar uns socos nele por isso.
— Que idiota — eu dei risada e ele se deitou comigo,
fazendo um carinho na minha barriga.
— Papai tá tão feliz que esteja tudo bem — ele falou,
acarinhando a minha barriga e nós sentimos a Anna mexer. Eu
virei de lado, porque assim os seus movimentos ficavam mais
perceptíveis.
— Ela fica inquieta com a sua voz — eu falei e ele assentiu,
deixando um beijinho na minha boca.
— Você vai ser tão amada, filha — ele continuou a falar com
ela e eu sorri, querendo chorar, porque eu me sentia tão amada e
cuidada por ele.
— E eu te amo tanto — eu sussurrei, sentindo os meus olhos
arderem.
— Só não vai poder namorar — ele continuou e eu dei um
risinho — papai é ciumento.
— Ela vai namorar, você vai ter que lidar com isso — eu
falei e ele me olhou.
— Eu espero que vocês saibam esconder isso de mim, muito
bem — ele falou — eu demorei anos pra aceitar a Daniela com o
Maurício.
— Coitada da Dani — eu falei lamentando, mas ainda ri.

Nós passamos a tarde falando bobagens e planejando a vida


da nossa filha. À noite, depois do jantar, o George estava
concentrado em algo no celular e eu estava concentrada nele, que
sabia sempre lidar com os desafios da vida com maestria. Eu não
saberia passar por tanto, sem ele ao meu lado, porque mesmo
quando ele não concordava comigo, procurava me entender.

Nós vimos novelas e um filme que passava na TV, comemos


chocolates e ficamos nos encarando, porque num quarto de
hospital, mesmo que agora eu só estivesse em observação, não
tinha muito que fazer.
— Apaga a luz — eu falei finalmente e ele foi apagá-la.
— Agora tira a roupa — eu pedi e ele riu.
— Alguém pode entrar aqui — ele falou, mas eu fiz uma
carranca, tirando esse pijama horrível de hospital que eu usava —
porra, os seus peitos estão mesmo maiores — ele falou, quase
indo tocá-los, mas parou — a gente pode esperar chegar em casa,
Bia. Já esperamos tanto...
— Aqui parece arriscado, você não acha? — eu perguntei,
descendo a minha calcinha, a chutando para fora, mas ele
permanecia intacto.
— Imagina se alguém entra aqui... — ele disparou, negando
com a cabeça.
— É quase meia noite, ninguém vai entrar aqui a menos que
algum de nós chame — eu reclamei — desliga a TV, vai ficar
escuro — eu pedi e ele o fez, tirando a roupa enquanto voltava
para a cama. Eu ri do seu cuidado ao nos cobrir e me virei de
frente para ele, o beijando devagar e aproximando os nossos
corpos, ficando arrepiada de tanta ansiedade e vontade disso.

Eu gemi na sua boca quando ele nos virou na cama, ficando


sobre o meu corpo e o beijo pareceu pegar mais ritmo. Eu abri as
pernas, sentindo o seu membro roçar o meu sexo e ele mordeu o
meu lábio, descendo uma mão para apertar a minha bunda,
cortando os beijos, logo os descendo pelo meu pescoço. Eu arfei,
querendo não fazer barulho quando ele passou a brincar a língua
no meu seio, escorregando o dedo no meu sexo, o fazendo
suavemente. Eu choraminguei quando ele achou um lugarzinho na
ponta do meu clitóris, que fazia o meu corpo inteiro arder de
prazer e focou ali, voltando a me beijar. O mordi entre o beijo,
pegando o seu membro, o estimulado e gemendo junto com ele ao
senti-lo se contorcer. Tentei segurá-lo quando ele foi descendo
pelo meu corpo, mas o puxão no seu cabelo virou um carinho,
com os seus beijos suaves pelo meu sexo.
— Eu amo você — eu gemi lamentosa quando a sua língua
girou pela minha entrada e ele a correu deliberadamente pelo meu
sexo, sugando o meu clitóris de uma maneira perfeita, mas ele
parou, se levantando para pegar a camisinha e quando voltou, eu
a tomei dele, tomando o seu membro na minha mão, me
abaixando um pouco para colocá-lo na boca, indo e vindo
devagar, mas quando eu fui mais além, ele escorreu a mão pelo
meu cabelo, me fazendo ficar, gemendo baixinho e foi puxando
para fora devagar, gemendo lamentoso, fazendo carinhos no meu
cabelo, mas o puxou com força quando eu pressionei a língua na
glande. Eu senti o seu corpo arrepiar e um pouco do seu líquido
ficou na minha língua. O George arfou, levando as mãos para a
cabeça e eu o vesti com a camisinha, deitando na cama.

Ele veio para cima de mim, deixando um beijinho gostoso na


minha boca enquanto me penetrava e eu fui desfalecendo sob o
seu corpo, abrindo as pernas o quanto eu conseguia.
— Vai mais forte — eu reclamei e ele afundou uma mão no
meu cabelo, tombando a minha cabeça para trás e eu gemi,
levando as minhas mãos para o seu rosto, o puxando para um
beijo e os seus movimentos ganharam o ritmo que eu queria.
Quando ele passou a ir mais fundo, ficando e me sentindo, eu
investi de volta, querendo mais e ele nos virou na cama. Eu me
apoiei nos pés, ficando agachada e apoiei as mãos no seu peitoral,
gemendo lamentosa e joguei a cabeça para trás. Ele ligou a TV,
deixando o quarto mais iluminado e levou a mão para o meu sexo,
brincando os dedos no meu clitóris que estava inchado de tanta
vontade. Quando o meu orgasmo começou a me ameaçar, eu
apoiei os joelhos na cama, me inclinando para beijá-lo. Ensaiei
dizer algo, mas os meus lábios tremeram e eu afundei o rosto no
seu pescoço, me entregando enquanto ele me segurava. Quando
estava acabando, o George me segurou, investindo em mim,
gemendo enquanto gozava.

Eu arfei, me deitando ao seu lado e ele virou para me beijar,


antes de levantar para descartar a camisinha.
C apítulo 11
Podemos n o s d e f e n d e r d e u m at a q u e ,
mas somos indefesos

Quando o clima esquentou em um almoço em família, o


George acertou um soco no meu pai, que revidou, mas logo
parou, afirmando que não iria cair no jogo do meu namorado.

Nós dois não éramos aquele casal cheio de paranoias,


inseguranças e ciúme. Nós confiávamos um no outro e mesmo
com o episódio da mulher no seu apartamento, fato que eu nem
mencionava mais, não havia motivos para outras brigas. Só isso.
A sua teimosia.

Nós dois sabíamos com quem ele estava lidando. Eu poderia


assumir que o meu pai não era uma ameaça para mim. Em um
primeiro momento, eu acreditei nele, mas depois, a conversa de
estar quieto até que mexam com ele, deixava claro que, o George
deveria ficar quieto. E eu sabia que o George não queria ficar
quieto, ele queria o meu pai preso.

Eu não queria imaginar a possibilidade de o pai da filha virar


um alvo.

Eu saí da casa, esperando pelo George ao lado do seu carro e


quando ele apareceu, destravando o carro, eu entrei e fiquei
quieta.
— Me desculpa — o George falou ao entrar — eu não
aguentei, me perdoa.
— Eu só te pedi uma coisa — eu falei baixo, irritada.
— Bia, pra que infernos ele insiste nesses almoços? Pra
testar poder? Pra sentir que nós estamos ficando quietinhos
enquanto ele faz sabe deus o que pra reconstruir a vida?
— Eu só quero que a gente fique bem, George. É só isso que
eu quero.
— Eu to tentando engolir o seu pai por você, porque eu te
amo, mas não dá mais — ele falou impaciente — o crápula do seu
pai tem muita sorte de você estar grávida, então você pode ficar
tranquila de que eu não vou fazer nada contra ele.
— Por favor — eu falei mais baixo — eu não quero ninguém
em risco.
— Você tem pena do seu pai, você o quer solto e quer me
monitorar, me fazer atuar perto dele porque tem medo e sabe do
que ele é capaz — o George falou desacreditado, ligando o carro,
nos tirando dali — sinceramente, isso é difícil de entender.

Eu fiquei quieta até chegarmos em casa e fui para o quarto,


já ele, para o escritório.

Sabia que a minha teoria de ele já foi punido e vamos seguir


em frente era difícil para o George, mas ele mesmo sabia que o
meu pai e seu advogado – de merda, como ele mesmo dizia –
tinham aliados no judiciário, não havia um motivo coerente para
neste momento da vida, da nossa vida principalmente, ele querer
buscar justiça.

Eu sentia pena e o laço sanguíneo me mantinha apegada ao


meu pai, isso era fato, eu não iria contestar. Mas eu tinha
consciência dos seus erros, quero dizer, dos seus crimes. E além
de tudo isso, depois de tudo, a minha filha era filha do George.
Eu não queria pensar na possibilidade da minha Anna entrar para
a lista de reféns do meu pai, caso ele precise montar uma para se
proteger.

Ele passou direto para o banheiro quando entrou no quarto e


eu fiz uma carranca, porque era ser muito orgulhoso não querer
lidar com a realidade. E eu acreditava que do meu jeito as coisas
continuariam calmas. Mesmo que o meu pai nos sujeitasse a
almoços como os de hoje.

O George estava no banho quando a campainha tocou. Eu


quase fiquei confusa, mas o meu pai fez dessa maneira uma vez.
Levantei para atendê-lo e fiquei sem reação ao receber o seu
abraço.
— Eu peguei esse sapatinho com a sua mãe — ele falou,
engolindo pesado — foi seu, o primeiro que compramos quando
soubemos da sua vinda. Pensei que poderia ficar para a Anna.
— Papai... — eu falei, sem saber se seria certo deixá-lo
entrar.
— Vamos tomar um café? — ele perguntou, quando eu
peguei os sapatinhos — nós precisamos conversar, filha.

Nós saímos para um café e eu não resisti ao pedir um bolo.


Primeiro, o meu pai relembrou a minha infância e de como eu
sempre quis ter uma menina, que eu tive sorte.
— Eu acho que não saberia lidar com um menino — eu falei
e ele sorriu, tomando a minha mão, que estava sobre a mesa,
entre as suas.
— Eu fiz algo errado, preciso me desculpar — ele começou,
me encarando firme — eu não queria que você se sentisse
chantageada, em algum momento.
— Pai...
— Bia, eu só quero reconstruir a minha vida. A minha
família, que era o meu bem mais precioso já foi tirada de mim, a
minha reputação, o meu império. Eu perdi tudo. Eu só quero
poder recomeçar — ele falou mais baixo — e eu não quero o
George como uma ameaça, assim como eu não quero representar
isso para ele.
— É muito difícil pra ele.
— É muito difícil pra mim, também — ele rebateu.
— Eu e o George estamos em uma fase, que ele não vai
querer conviver com o senhor. E eu preciso, na verdade, eu
entendo a dor dele.
— Se as pessoas nos virem juntos, vão ganhar confiança em
mim — ele falou mais enfático e eu engoli pesado — e você pode
me ajudar.
— Papai, eu não posso — eu falei mais baixo, me sentindo
quase amedrontada por esse olhar — ele não vai querer isso, ele
já fez o que eu pedi, eu não posso forçá-lo.
— Faça isso para o seu pai — ele insistiu, apertando um
pouco a minha mão e eu apertei os lábios numa careta — uma
mulher grávida consegue tudo de um homem que a ama.
— Pai, por favor — eu pedi — por isso mesmo, eu to grávida
e eu já tive complicações, eu não quero isso de novo.
— Eu recebi o convite do casamento do Guilherme — ele
deixou escapar um riso — se você tivesse entrado na igreja
aquele dia, a nossa vida teria tomado um rumo diferente.
— Não acredito que eu teria ficado algum tempo casada com
o Guilherme.
— George Duarte não teria tido chance de me arrebentar —
ele suspirou.
— Papai, o senhor não pode agir como se tudo o que
aconteceu não fosse grave. Ou pior, culpa do George.
— Mas era passado, Beatriz. Eu não fui o único culpado, a
mãe dele traía o seu pai, também — ele falou e eu fiquei quieta,
desviando o olhar — se eles não fossem tão teimosos, eu não
teria ficado com tanto medo para me defender.
— O George não vai mexer mais nessa história — eu falei,
porque essa história de se defender era demais para mim — eu
não vou deixar. Só não nos peça convivência, por favor. Eu não
vou interceder para isso.

Eu preferi voltar andando para casa, para não ter que ouvir
mais pedidos do meu pai. Era muito difícil ser correta, justa e
ainda lidar com essa aproximação cheia de ameaças disfarçadas.
Quando eu cheguei em casa, o George estava enrolado na
toalha e andava de um lado para o outro, com o celular na mão.
— Ela já chegou, mas de todo jeito, obrigado — ele falou,
antes de jogar o celular sobre o sofá.
— Tudo bem?
— Onde você estava? — ele perguntou cruzando os braços e
eu apertei os lábios — Bia...
— Com o meu pai — eu falei baixo e ele forçou um riso
incrédulo.
— Difícil... — resmungou — o que ele queria?
— Conversar — eu falei, porque mencionar as minhas
teorias, o deixaria ainda mais furioso. No entanto, eu já não sabia
o que o deixava mais furioso. Falar ou esconder.
— Eu desisto — ele falou, negando com a cabeça e voltou
para o quarto. Eu respirei fundo e fui até ele, fechando a porta,
porque a Dani já estava em casa.
— A gente pode conversar? — eu perguntei e ele vestiu uma
calça de moletom cinza. O George não me respondeu e se sentou
à beirada da cama, cruzando os braços e me esperando falar. Fiz
uma carranca e fui até ele, me sentando de lado no seu colo e
passei uma mão pela lateral do seu rosto, deixando um beijo na
sua boca.
— Eu sei o quanto a liberdade do meu pai te deixa furioso,
mas...
— Beatriz, não fala como se ele tivesse, por exemplo,
roubado uma margarina no supermercado — ele me interrompeu e
eu assenti.
— Eu tô grávida, amor. A última coisa que eu quero, é que
você vire um alvo, que você corra riscos — eu falei, tentando ser
sincera com ele, que finalmente me olhou, esperando por mais —
eu não quero que o meu pai se sinta ameaçado e coloque em risco
a família que nós nem construímos direito.
— Não é justo que ele fique solto.
— Tudo bem, não é, mas ele está. É uma das consequências
da justiça do nosso país. Criminosos não pagam pelos seus crimes
e vida que segue. Nós dois temos duas opções, George.
— Eu tive uma vida infeliz e cheia de tormentos por causa
desse cara — ele falou impaciente e eu respirei fundo.
— Nós poderemos fazer uma vida diferente, agora. Eu paro,
ok? Eu não vou mais ceder aos convites dele. O máximo que eu
posso, é pedir, pra, por favor, você não fazer nada.
— Eu não quero a nossa filha perto desse cara — ele voltou
a falar.
— Eu não quero que ela vire um alvo para ele.
— Como você consegue cogitar conviver com um cara que te
passa tanto medo? — Ele perguntou incrédulo e eu me levantei.
— Eu prefiro ceder às vontades dele a correr o risco de
perder você — eu falei, mas ele negou com a cabeça.
— Bia, ele está testando você! Seja mais coerente. Primeiro
vai te persuadir, quando você ver, já vai estar lá na sua mãe,
pedindo pra ela deixá-lo gerir os hotéis outra vez — ele falou
enfático e eu o olhei — então LuizLobos vai retomar tudo o que
perdeu e tomar o que vocês têm.
— Para com isso — eu pedi — ele já deixou claro que vai
ficar quieto, que quer que você fique quieto, também. Custa fazer
isso? Por mim, pela nossa filha? — eu perguntei, me sentindo
ameaçada pelo choro — eu não suportaria, George, se o meu pai
se sentisse ameaçado e fizesse algo contra você — a minha voz
falhou um pouco e ele respirou pesado, vindo até mim, me
puxando para um abraço.
— Eu não vou fazer nada contra ele — ele falou e eu o
abracei de volta — mas eu não vou mais a nenhum encontro com
ele.
— Obrigada — eu falei, fungando para não começar a
chorar.
C apítulo 12
A vida é um amontoado de caos e
coincidências

— Eu espero muito que você vá pra minha despedida de


solteira — a Lya falou e eu sorri fraco — preparei muita coisa
legal pra nós, como aquelas bebidas que a gente costumava beber.
— Eu não posso beber, Lya — eu falei, me sentindo estranha
por falar sobre a gravidez com outra pessoa. Ela me olhou
confusa.
— Quando eu te convidei pra ser madrinha, pensei só na
nossa amizade de toda a vida. O fato de o Guilherme ser o noivo
não me pareceu um empecilho.
— E não é — eu precisei dizer — eu to grávida, não posso
beber. Não vou aproveitar nada uma despedida de solteira — eu
falei, querendo completar que não era só o não poder beber. Era a
falta de intimidade com todo mundo que estaria lá.
— O que? — ela perguntou meio desconectada, segundos
depois e eu sorri, assentindo — como foi isso?
— No meio de todo aquele caos, a minha última lembrança
era o anticoncepcional.
— Por isso estão morando juntos?
— Bem, não estamos morando juntos — eu falei meio
incerta, porque as minhas coisas ainda estavam na casa da minha
mãe.
— Você queria?
— Eu não estava esperando — eu falei, porque era a melhor
resposta — mas eu to feliz.
— Como ficou essa história do seu pai?
— Lya, eu prefiro não falar sobre isso — eu falei, apertando
os lábios.
— Meu deus, você tá grávida — ela falou ainda sem
acreditar e eu dei um risinho — você sempre planejou tudo na sua
vida e está grávida!
— Ei, eu to curtindo esse momento.
— Eu não sei se o Guilherme vai querer filhos por agora —
ela falou e eu a olhei — na verdade, essa ideia de casamento
surgiu na casa dele e eu acabei topando, mas...
— Não vai largá-lo no altar, ele não merece isso pela
segunda vez — eu brinquei e ela sorriu fraco — eu pensei que
você estivesse com o amigo do George — eu falei, não
recordando o nome do rapaz.
— Acabou quando eu fiquei noiva.
— Oh... — eu murmurei — você tá feliz?
— Tô — ela apertou os lábios num sorriso — meio estranha,
mas feliz.
— É o que importa, então.

No final do dia, eu recebi uma mensagem do Guilherme,


parabenizando a gravidez.

Na verdade, eu estava na sala com o George e nós dois


estávamos no meio de um beijo quando o meu celular vibrou.

— Meu deus, o cara vai casar com a tua melhor amiga e não
te deixa em paz — o George falou enciumado, enquanto eu
agradecia.
— Você vai ser padrinho do casamento dele.
— Essa gente perde a noção do ridículo — ele falou, rindo
sarcástico — você fugiu comigo do seu casamento com ele e nós
vamos ser padrinhos dele — ele continuou incrédulo.
— Uma forma de agradecimento — eu brinquei, saindo do
seu colo — porque vai que a Lya é o verdadeiro amor da vida
dele?
— Tá na cara da Lya que ninguém é amor da vida de
ninguém ali — ele falou e eu o olhei — o que foi?
— Você sabe de algo — eu falei incrédula, mas ele franziu o
cenho — e vai me contar o que é.
— Eu não compartilho segredos de amigos — ele me sorriu
falso e eu fiz uma carranca.
— O seu amigo deve saber que a partir do momento em que
você me tem, ele também não tem segredos comigo — eu falei,
mas o George riu, me puxando de volta, negando com a cabeça.
— Ele ainda está se encontrando com a Lya? — eu sugeri,
mas ele riu, tombando a minha cabeça para trás um pouquinho,
distribuindo beijinhos pelo meu pescoço. Eu grunhi, quase me
deixando levar, mas o segurei — eu já falei que o Guilherme
deveria se casar com outra médica, né?
— Ele tem um caso com a sua enfermeira — ele falou e eu
parei, o olhando, que se divertia com a situação.
— Essa coisa de infidelidade não é engraçada, George.
— E o seu ex noivo é um babaca — ele falou — só quer
casar com a Lya por causa da família rica dela.
— Então é um acordo? — eu perguntei.
— Se os dois fingem amor e lealdade...
— Ainda bem que eu fugi, aquele dia — eu falei pensativa,
negando com a cabeça.

[...]

Eu estava na sala, sozinha no apartamento do George, vendo


sites com coisas para bebê quando a Dani entrou, vindo se sentar
ao meu lado.
— Está tudo bem? — eu perguntei, porque ela estava com
uma cara assustada.
— A gente pode conversar?
— Claro... – eu falei, franzindo o cenho, confusa.
— Eu e o Mau estávamos pensando em morar juntos — ela
falou, engolindo pesado e eu esperei que continuasse — você e o
meu irmão estão formando a família de vocês, eu não quero ficar
entre isso.
— Mas você não está entre isso — eu precisei dizer — você
faz parte.
— Bia, vocês estão numa fase que eu quero o meu espaço. E
eu amo muito o meu namorado, é a hora perfeita pra nós dois.
Vocês vão ter um bebê e eu vou dar todo amor pra ela, mas eu
quero ter o meu espaço.
— O seu irmão vai pirar — eu falei, dando um sorrisinho,
porque nós conhecíamos o George.
— Ele tem que concordar que eu quase não fico mais aqui.
— O difícil vai ser ele concordar — eu falei e ela assentiu.
— Ele sempre cede pra você — ela começou — mesmo que
você o deixe furioso, às vezes. Ele sempre faz o que você quer.
— Mas...
— Você poderia prepará-lo? — ela perguntou e eu parei
estática — nós vamos fazer um jantar na casa da Lari, eu não
quero que ele dê um show.
— Vocês vão morar na casa da Lari? — eu disparei, porque
isso era muito óbvio que o George não aceitaria.
— Não, nós já vimos o lugar pra nós dois. Fica aqui perto.
— O seu irmão vai ter uma coisa quando souber.
— Você vai saber lidar com ele — ela me sorriu.

[...]

À noite, eu pedi jantar para nós dois e abri um vinho.


Quando o George chegou, me encontrando na cozinha e
afrouxando essa gravata, eu queria agarrá-lo, mas deixei que ele
fosse para o banho.

Contive a vontade de bebericar o vinho e bebi do meu suco


de laranja, consertando os talheres sobre o balcão.
O George voltou, me abraçando por trás e eu sorri com o seu
beijinho no meu pescoço, ficando arrepiada.
— Porque será que eu amo tanto você? — ele perguntou,
descendo as mãos para a minha barriga — e você.
— A gente ama muito você, também — eu falei, me virando
de frente para ele.
— Aconteceu algo?
— Comprei algumas coisas pra Anna, tô ansiosa pra chegar.
— O que?
— Uma cadeira de balanço com uns bichinhos pendurados e
um tapete bem bonito.
— Algo que ela realmente precise?
— Vou procurar alguém que entenda de enxoval de bebê —
eu fiz uma careta — além de fraldas, eu não sei o que mais ela
vai usar. Do necessário, porque de roupinhas, eu já imagino tudo.
— Essa menina vai ser mimada... — ele presumiu e eu sorri.
— Pedi risoto com medalhão e shimeji — eu falei, servindo
o vinho para ele.
— A Daniela não veio pra casa? — ele perguntou se
sentando quando eu me sentei.
— Bebe — eu sugeri e ele riu confuso, bebendo um gole
curto do vinho — bebe mais... – eu reclamei e ele riu, colocando
a taça de volta no balcão — é sobre a Dani que eu quero falar.
— Aconteceu algo com ela?
— Bem, algo bom... — eu falei, enquanto ele servia a
comida para nós.
— Algo bom?
— Muitas coisas boas acontecem na vida de alguém aos
dezoito anos — eu falei e ele assentiu.
— A Lari está de caso com o Levi — ele contou e eu o olhei
surpresa — de segredos de amigos, esse é o máximo que eu posso
contar.
— Confirmar o caso da Lya com o Ricardo, você não pode,
né?
— Meu bem, o seu ex noivo invisível vai estar no lucro se
ela não resolver fugir também.
— Eu fico com pena dele... — eu lamentei.

[...]

Foi num momento entre o fim do jantar e o servir a


sobremesa que eu mencionei a ideia da Dani. Eu continuei
sentada, com a minha taça cheia de mousse de limão, mas o
George andava pela cozinha, murmurando incrédulo vários nãos.
— Ela é uma criança! — ele gritou inconformado, mas eu
mantive o meu foco na minha sobremesa — você está
compactuando com isso? — ele arfou e eu dei um sorrisinho —
meu deus, eu vivo no meio de duas loucas!
— eu também amo você — eu zombei — não acho que você
vai fazê-los mudar de ideia.
— Eu odeio aquele canalha! — ele gritou, então eu fui até
ele, o puxando pela mão, o colocando sentado e parei entre as
suas pernas — ela tem dezoito anos — ele falou inconformado e
eu assenti.
— E ela encontrou um amor — eu completei — ela quer
viver isso com ele, você não pode atrapalhar.
— Ele vai fazê-la sofrer.
— É um risco que todos correm, não é? — eu perguntei e ele
cedeu um pouco, me olhando — e o Maurício já deu provas de
que a ama. Ele não inventaria uma coisa dessas se não estivesse
certo disso. E nem ela.
— Eu não vou apoiar essa loucura — ele falou irritado.

[...]

Eu e o George fomos tomar café com a minha mãe e o meu


irmão, porque além de não vê-los há dias, as minhas roupas já
não me serviam mais. Então eu fui ao meu quarto, para procurar
por vestidos e roupas confortáveis.
— Eu soube que a Lya vai casar — o Benício falou, ao entrar
no meu quarto — estranho esse casamento e mais estranho ainda,
ela nos convidar.
— Ela sempre foi nossa amiga.
— Mas ela está casando com o Guilherme — ele falou,
dando um risinho.
— Eu espero que você não esteja na lista dos caras com
quem ela se encontra.
— O que? — ele perguntou confuso, enquanto eu colocava as
roupas dentro de uma mala.
— Nada — eu neguei com a cabeça — você tem visto o
papai?
— Não, Bia — ele disparou — eu não consigo olhar pra cara
dele sem lembrar de que ele ameaçou você. E mandou matar duas
pessoas.
— Você acha que eu sou uma pessoa ruim por tê-lo ouvido?
— Acho que você foi esperançosa demais — ele replicou —
não deveria ser, uma pessoa que agiu da maneira como ele fez,
não se arrependeu de algo.
C apítulo 13
Nem tudo pode ser... Recíproco, no
e n ta n t o , a l g u m a s c o i s a s p r e c i s a m s e r .

GEORGE DUARTE
Eu entrei em casa e me deparei com várias caixas pela sala,
pegando uma das notas fiscais. Ainda dei um risinho, porque a
Beatriz estava comprando tudo o que a nossa filha nunca iria
usar, com a bela desculpa de ser mãe de primeira viagem. A
minha graça foi embora, quando eu ergui o rosto e me deparei
com Luizem pé na minha sala. Franzi o cenho confuso, respirando
para me manter calmo com esse criminoso.
— O que você está fazendo aqui? — eu disparei, porque não
havia ninguém em casa.
— Estava mesmo esperando por você... — ele teve a audácia
de sorrir.
— Como você entrou aqui? — o meu tom de voz queria se
elevar, mas eu me contive e pigarreei — cadê a Beatriz?
— Eu não vou dizer como eu entrei aqui, mas isso é só pra
você ter uma noção de que se eu quero algo, eu consigo — ele
falou tranquilamente, andando pela sala, chegando a sorrir em
presunção — e eu já te dei provas de que não vou fazer nada,
mesmo assim, você insiste em envenenar a Beatriz.
— A Beatriz não é burra, ela não ia passar uma vida
atormentada no seu jogo sujo.
— Eu quero a minha filha perto de mim, eu quero que as
pessoas vejam que a minha família me perdoou — ele continuou a
falar — e eu só estou te pedindo pra não interferir nisso.
— Você é um canalha! — eu só faltei gritar, mas ele riu —
você não vai ficar perto da minha filha e...
— Minha neta — ele me interrompeu, sem nunca perder a
calma — George, eu estou aqui em missão de paz. Você vai levar
a sua vida tranquilamente, eu não vou interferir em nada, eu não
sou mais um risco pra você. Então eu quero reciprocidade.
— Eu já disse que não vou fazer nada! — eu falei irritado —
eu nem tenho mais o que fazer contra você!
— Você ferrou a minha vida, não seja modesto — ele cuspiu
as palavras em mim, como se fosse a vítima — já conseguiu o que
queria, não foi? Então não mexa mais em nada dessa história.
— A sua sorte é a sua filha estar grávida e por elas, eu faço
qualquer coisa.
— A sua sorte — ele me corrigiu, sorrindo presunçoso, me
deixando cego de ódio — eu não sou um suspeito, George. Eu sou
um cara arrependido querendo recomeçar a vida e pelo que eu
andei pesquisando, você é um cara que colocou muita gente
grande na cadeia, com essa mania fútil de ser justo. Você
engravidou a minha filha, se algo te acontece, eles não vão pensar
em mim, não em primeiro momento.
— Então isso foi uma ameaça — eu afirmei, mas ele estava
sarcástico e rindo a toa.
— Um aviso. Como disse, eu vim em missão de paz — ele
falou, caminhando até a porta — não faça a minha filha ser mãe
solteira e nem a minha neta nascer órfã.
— Eu não farei — eu falei baixo, com a boca amargando a
vontade de espancar esse ordinário.
— À propósito, a sua irmã está com planos de morar com o
namorado. Eu sugeri casamento, gosto das coisas nos eixos — ele
me sorriu e eu fechei os punhos, me segurando para não agir no
impulso — de todo modo, o meu presente já foi dado — ele
completou, acenando antes de sair e eu empurrei a porta com
força.

Não me dei o trabalho de procurar saber como ele entrou,


porque suborno fazia parte da sua rotina. Providenciei a troca da
fechadura da casa para uma com biometria e liguei para a
Daniela, mas ela rejeitava as minhas ligações.

Eu liguei para a Beatriz, mas ela estava em uma tarde com a


Lya, resolvendo as coisas do casamento da amiga.

Fui até a casa da Larissa e o Maurício me olhou surpreso,


parando entre a porta.
— Cadê a maluca da sua namorada? — eu perguntei,
chegando a arfar de tanto ódio e ele apenas me deu espaço para
entrar. Eu fui até o quarto dele, onde a Dani estava sentada na
cama e ela me olhou, deixando o celular.
— Então, você já sabe...
— Daniela, não me venha com esse cinismo! — eu falei alto
e ela foi fechar a porta.
— Eu sabia que você seria contra! — ela retrucou
inconformada.
— Contra ao que? Pelo amor de Deus! — eu gritei e ela fez
um gesto para que eu baixasse o tom — você vai aceitar o que
daquele criminoso?
— Ele me procurou numa boa pra conversar.
— Numa boa, Daniela? — eu perguntei incrédulo — você vai
cair na conversa daquele cara?
— George, ele só quer consertar as coisas.
— Claro, ele manda matar os nossos pais e quer consertar as
coisas!
— Eu sou filha dele — ela falou baixo, me encarando —
você já parou pra pensar como eu me senti com tudo isso?
— Você quer ser filha dele? — eu perguntei, arfando de
nervoso.
— Eu não sei, eu posso querer? — ela perguntou sarcástica e
eu comecei a andar de um lado para o outro, porque a sensação
que eu tinha, era de querer morrer.
— Eu não conhecia esse seu lado mercenário — eu falava
incrédulo — faltou dinheiro pra você? É isso? Quem oferece mais
leva o seu amor?
— Você está sendo injusto!
— Injusto é você dar conversa pra um monstro desses,
Daniela! É ceder à conversa dele e se deixar levar porque ele te
deu sabe deus o que! Ele sequestrou você!
— Um apartamento — ela disparou e eu parei, a olhando.
— O que?
— Ele soube que dos nossos planos e perguntou se seria uma
boa ideia. Ele não me pareceu tão mau.
— ELE QUER MANIPULAR VOCÊ! — eu gritei e ela fez
uma carranca.
— Para de gritar — ela reclamou — por favor, George, eu já
sou bem grandinha e sei o que eu to fazendo. Ele é o meu pai
biológico e eu não quero ficar a parte dos crimes dele. Ele foi
solto, seja lá como tenha conseguido. Dar chiliques de
inconformismo não vai colocá-lo de volta na cadeia. E se eu
posso usufruir do dinheiro que ele tem e que não é pouco, eu vou
fazer isso. É o mínimo que ele pode fazer depois de todo dano
que nos causou.
— Você não precisa disso, Dani — eu lamentei, fungando —
você não precisa fazer isso — repeti, antes de sair.

Ainda esbarrei com a Lari pela sala, mas sequer a


cumprimentei, porque estava a ponto de desmoronar.

Encontrei a Bia no corredor quando cheguei em casa e ela


grunhiu confusa, quando eu a puxei para um abraço, apertando-a
contra o meu corpo.
— Está tudo bem? — ela perguntou, quando conseguiu soltar
os braços para me abraçar de volta e eu neguei com a cabeça, mas
em vez de despejar as minhas frustrações e angústia, eu a beijei.
— Mandei trocar a fechadura — eu falei e ela deu um risinho
— logo alguém chega pra fazer isso.
— Algum motivo?
— Segurança — eu falei e ela assentiu — o seu pai deu um
apartamento pra Daniela.
— Sério? — ela fez uma careta surpresa, procurando pela
sua chave na bolsa, mas eu fui mais rápido e abri a porta.
— Você não sabia?
— Não — ela riu confusa — ela aceitou?
— Sim — eu resmunguei e a Beatriz franziu o cenho — você
não gostou?
— Não, é que é estranho ela aceitar — ela falou — mas é
bom, não é? Desde que o apartamento esteja no nome dela e ele
banque os impostos...
— Isso é absurdo.
— Deixe-a fazer escolhas — ela falou — o meu pai não pode
fazer algo contra ela.
— Eu não queria que ela desse espaço pra ele controlar a
vida dela.
— É muito difícil ela não ceder, George — a Beatriz falou,
se sentando para tirar as sandálias — porque ela quer começar
uma vida nova. Ela não tem uma renda que não seja você e pelo
temperamento dela, não vai querer depender do namorado. Ter um
pai querendo se redimir financeiramente é a melhor saída pra ela.
— Ela precisa estudar. Não se basear em fortunas de um pai
biológico criminoso.
— Ela não tem lembranças com os pais de vocês e se o meu
pai quiser mesmo fazer a linha de bom homem, vai fazê-la
estudar, como fez comigo e com o meu irmão — a Bia falou, me
puxando pela mão e eu me sentei ao seu lado — ela sabe que é
injusto e sente pelo que aconteceu. Mas ela não se sente culpada
e é mais uma vítima disso tudo. É justo que ela se deixe ressarcir
disso, pelo menos com dinheiro.
— Ele é um criminoso.
— Você ficar repetindo isso não muda o que ele propõe pra
conseguir o que quer — ela falou, colocando as pernas sobre a
minha para se aproximar, segurando o meu rosto entre as suas
mãos — ele não pode fazer nada contra a Dani e ele não vai.
Então fica calmo.
— Ele pode fazer algo contra mim — eu falei mais baixo e a
Bia encontrou os nossos olhares, assentindo.
— E eu não quero que isso aconteça — ela falou baixo, com
a voz chegando a falhar no final — nós duas precisamos muito de
você aqui — ela sussurrou, pressionando os lábios nos meus.
— Eu não queria que a nossa filha nascesse no meio desse
caos.
— Então vamos ficar fora disso, por favor — ela falou,
começando um beijo carinhoso.

[...]

Eu me dei o trabalho de vestir a cueca e peguei as nossas


roupas do chão, levando para o quarto. Vesti uma camiseta e uma
bermuda, encontrando a Beatriz pela sala, vestida no meu terno
apenas e com um copo de água na mão. Eu a puxei, pressionando
os meus lábios nos seus e ela riu, porque a campainha começou a
tocar.
— Vai se trocar e venha — eu falei, passeando as mãos pela
sua bunda — a fechadura é com biometria.
— Já volto — ela falou, seguindo para o quarto.
C apítulo 14
E s ta m o s l i g a d o s a o s n o s s o s at o s c o m o
um fosforo à sua chama.

BEATRIZ LOBOS
— Você está tão linda — a Lya falou ao abrir a porta. O
apartamento era o que eu iria morar com o Guilherme e a
decoração ainda era a que eu escolhi. Eu amenizei essa
estranheza, porque a minha vida era cheia disso e dos males, esse
com certeza não era um.
— Obrigada, Lya — eu falei, antes de entrar.
— Eu não quis mudar nada aqui — ela falou, porque eu
olhava o lugar. Não poderia dizer que queria estar vivendo a vida
que planejei quando compramos o apartamento, mas eu olhava
tudo com uma saudade. Porque nessa época, a minha vida era
fácil, era leve.
— É lindo, não é? — eu perguntei, sorrindo fraco.
— Como você está?
— Indo... A vida é complicada agora.
— Você e o George estão bem? — ela perguntou, nos
guiando para a cozinha.
— Nós dois, sim. Acho que depois da gravidez nós ficamos
mais conectados.
— Às vezes, parece que vocês se bastam... Simplesmente se
isolam e esquecem que o mundo tem outras pessoas que amam
vocês.
— Às vezes, parece isso mesmo — eu fiz uma careta, porque
era até ridícula a maneira como eu sentia que só ele me bastava.
— A gravidez não atrapalha vocês?
— Não... — eu falei confusa, mas ela riu.
— Quero dizer, no sexo.
— Não... — eu dei um riso, negando com a cabeça.
— Depois que o Guilherme soube de você, só fica falando
sobre gravidez, pra nós dois tentarmos também.
— Você quer? — eu perguntei.
— Eu acho que to nova ainda — ela fez uma careta e eu sorri
fraco — não sei se quero pra agora.
— Depois que acontece, você ama de todo jeito. Mas se você
não quer e tem consciência disso, não precisa fazer só por ele.
— Como o George reagiu ao saber?
— Nós estávamos terminados quando eu descobri — eu
contei e ela me olhou surpresa.
— Por isso voltaram?
— Não — eu sorri — foi acontecendo, quando eu vi, já
estava na casa dele, com ele.
— Eu queria ter essa sua áurea de ser sempre de alguém.
Porque eu gosto do Guilherme, mas às vezes sinto as coisas
meio... Estranhas. Não parece que é isso que eu quero.
— Não vai largá-lo no altar, hein — eu brinquei, mas nós
rimos.
— Mas tudo parece dizer que é a escolha certa ficar.
— Tudo parecia também, mas eu amava outro cara.
— Eu sabia que você estava apaixonada quando fui te buscar
na casa dele — ela falou e eu assenti, não querendo falar dessa
fase, porque era puro engano.

[...]

Nós passamos a tarde escolhendo os destinos da lua de mel


deles dois e pedimos pizza a noite.

O Guilherme chegou e eu o cumprimentei, sendo educada.


— Como está o bebê? — ele perguntou e eu
involuntariamente passei uma mão pela barriga, que a cada dia
parecia um pouco maior.
— É uma menina — eu precisei dizer — está tudo bem.
— Soube que você teve um hematoma subcoriônico — ele
disparou confuso, mas então eu me lembrei da Anna, a enfermeira
— fico feliz que tudo tenha ficado bem.
— Ainda bem, foram semanas difíceis — eu suspirei.
— Já pensou no nome? — ele perguntou, então a Lya
começou a tirar a mesa.
— Anna — eu sorri para ele, que me analisou um pouco — é
sério — eu completei, deixando escapar um risinho.
— Eu estava falando com a Lya, pra tentarmos, mas ela
parece não querer.
— Você mal tem tempo pra mim, amor — ela reclamou,
voltando a se sentar.
— Eu arrumaria mais tempo, eu dobraria as horas do dia — o
Guilherme falou, sorrindo divertidamente para ela — vou tomar
um banho, já encontro vocês.

Eu ainda fiquei mais um tempo com eles, mas o George


começou a ligar depois das dez, preocupado e eu me despedi.

Cheguei em casa e o meu namorado veio me encontrar,


começando um beijo gostoso, porém rápido.
— Eu sei que to parecendo pegajoso, mas eu fico tão
preocupado — ele reclamou e eu sorri, deixando que ele selasse
os nossos lábios mais uma vez.
— Tudo bem — eu falei, passando uma mão pelo seu cabelo
úmido.
— A sua mãe ligou — ele falou — queria que fôssemos
jantar com ela, já que você sumiu.
— Nós vamos, você pode marcar.
— Já jantou? — ele perguntou e eu dei um risinho, porque
ele queria monitorar tudo.
— Comi pizza.
— Pizza não é saudável — ele reclamou, mas eu não dei
importância.

Fui tomar um banho e encontrei o George lendo um livro na


cama. Ele estava tão bonito e concentrado que eu não me dei o
trabalho de trocar o roupão por uma roupa.

[...]

As semanas passaram arrastadas, entre brigas do George com


a sua irmã. Ele não aceitava as escolhas dela e andava cada vez
mais estressado.

Nós dois decidimos juntos – com a arquiteta – a decoração


do quarto da nossa filha e fomos para a fazenda da sua avó,
porque até então ela não havia nos visto. O George até tinha
contado sobre a gravidez, mas não mencionou o sexo do bebê.

Quando nós chegamos, a Dona Lígia me analisou, me


exibindo um sorrisinho tímido.
— O meu neto me contou que você teve um problema — ela
falou e eu assenti — graças a Deus que ficou tudo bem.
— Ainda bem — eu falei, um pouco nervosa até.
— Pela barriga eu aposto que é menina — ela falou, sendo
certeira e o George deu um risinho.
— É, vovó — ele confirmou.
— Fiz bolo de cenoura, espero que você goste.

Nós fizemos a tour pelos familiares do George, que foram


receptivos até, considerando o que eu poderia representar para
cada um.
— Porque todo mundo namora um parente? — eu perguntei
incrédula, quando entramos no carro e o George riu, se divertindo
com o meu ciúme. Eu dei um tapa no seu braço, furiosa — meu
deus, ela tem seios enormes! E ainda é bonita!
— Meu deus, a gravidez te deixa neurótica, às vezes.
— Olha como você trata isso! — eu gritei com ele, que ria.
— Eu te amo tanto, Bia — ele ria, mas eu fiz uma carranca,
cruzando os braços — daqui a pouco você vai receber um monte
presentes com nomes bordados.
— Eu to te odiando agora — eu falei, para ignorá-lo.
— Você vai amar o meu avô e a esposa dele — ele continuou
a falar — ele é a pessoa mais doce que eu conheço... O meu pai
era igualzinho.

Eu iria continuar a minha crise de ciúme, mas isso foi jogo


baixo. O George entrelaçou as nossas mãos quando chegamos. A
casa era simples, mas bem arrumadinha. A esposa do seu avô nos
recebeu, parecendo feliz com a vinda da bisneta e eu analisei o
senhor, que falava de uma maneira tão calma e modesta.
— Você devia aparecer mais vezes — ele falou lentamente
— o seu avô fica preocupado, sem notícia.
— Ele virá — eu prometi e ele tomou a minha mão na sua.
— Espero muito que vocês sejam felizes, minha filha — ele
falou e eu assenti, engolindo o nó na garganta. Porque já havia
visto fotos e a semelhança do pai do George era muita com o seu
avô.
— Obrigada — eu falei baixinho para que a voz não
falhasse.
— Vocês vão embora hoje? — ele perguntou.
— Vamos, amanhã tenho audiência cedinho, vovô — o
George falou.
— Quando você volta?
— Logo...

Antes de irmos, o George ainda questionou se eles estavam


precisando de algo e mesmo o seu avô insistindo que não, ele
deixou algum dinheiro.

A realidade dos assassinatos dos quais meu pai foi o


responsável, bateu em mim de uma maneira como nunca havia
acontecido. Era como se pela primeira vez, isso realmente doesse
em mim. Não por ter sido o meu pai e todas as descobertas terem
mudado toda a nossa vida, mas por ter afetado uma família
inocente, honesta e humilde, que não merecia. Ver o avô do
George e as semelhanças com o seu pai, me fazia materializar a
pessoa que deveria estar aqui, mas não estava por puro capricho e
maldade de alguém.
— Está tudo bem? — o George falou ao entrar no carro e eu
limpei o meu rosto, assentindo — o que foi?
— Nada — eu sussurrei, mas não conseguia parar de chorar.
— Você tá me deixando preocupado — ele reclamou,
segurando o meu rosto para beijar as minhas lágrimas e eu chorei
ainda mais, sentindo essa perda dele — Bia...
— Eu amo tanto você — eu precisei dizer, passando os meus
braços em volta do seu pescoço, soluçando e ele fez um carinho
no meu cabelo — eu sinto tanto que você tenha passado por tudo
isso, meu deus, eu sinto tanto...
— Bia...
— E eu ainda fui capaz de cogitar a ideia de apoiar o meu
pai — eu falei, sentindo essa dor de uma maneira tão ruim, que
chorar não parecia ser o bastante.
— Eu não te trouxe aqui pra você se sentir assim — ele
falou, afagando o meu cabelo enquanto eu só chorava.
— Me desculpa por toda vez que eu não entendi você — eu
falei, soluçando e mais lágrimas escorreram.

Com a nossa demora a sair, o seu avô veio bater na janela e


eu limpei o meu rosto, antes de o George abri-las.
— Está tudo bem? — ele perguntou e eu escondi o meu rosto
com óculos escuros.
— Está, vovô — o George falou e eu tentei sorrir.
— Está ficando tarde, se vocês quiserem ficar pra dormir...
Não é nada luxuoso, mas...
— Nós adoraríamos, mas eu tenho mesmo que ir hoje — ele
respondeu — mas logo menos estamos aí de novo, viu?
— Vou esperar... Boa viagem!
— Obrigada — eu respondi.
C apítulo 15
Se houver amor em sua vida, isso pode
c o m p e n s a r m u i ta s c o i s a s q u e l h e fa z e m
f a lt a

Eu olhava para o George, concentrado no seu computador,


mas quando ele me notou na porta do seu escritório, deu um riso
e fez um gesto com a mão, para que eu me aproximasse.
— Que foi? — ele perguntou, me puxando pela mão e eu me
sentei no seu colo.
— No final, eu penso que a gente tem sorte — eu falei,
correndo a mão na sua barba e ele franziu o cenho, mas eu roubei
um selinho — quantas pessoas tem a sorte de encontrar um amor
assim?
— Ah, claro — ele deixou escapar um risinho — se eu
pudesse mudar tudo na minha vida, a única que eu não mudaria é
isso. Nós dois.
— Acho que estar grávida me deixou tão emotiva e tão mais
apaixonada — eu reclamei, mas ele riu da minha careta.
— O pai da sua filha é um cara de sorte, então.
— E ele me mima tanto... — eu falei presunçosa e ia
começar um beijo, mas batidas na porta nos interromperam.
— Atrapalho? — a Larissa perguntou e eu me levantei —
pode ficar, Bia.
— Aconteceu algo? — eu perguntei, indo me sentar em uma
das poltronas do outro lado, junto com ela.
— O apartamento caro que a irmã de vocês ganhou — ela
falou, suspirando e o George voltou a se concentrar no
computador, porque havia dito lavar as mãos para esse assunto. O
que não era verdade.
— Algum problema com isso?
— Primeiro a Daniela queria colocar o imóvel no nome dela
e do Maurício. Isso já seria maluquice, porque ela tem dezoito
anos.
— O meu pai não deixaria — eu falei e a Larissa assentiu.
— E o meu filho não aceitaria. Então como o apartamento
era dela, ele queria custear a mobilha.
— Qual o problema nisso? — O George perguntou confuso.
— LuizLobos deu tudo de presente para eles, inclusive um
carro. Sério, o que ele tem gastado com a sua irmã está chegando
em um milhão — a Lari falou e eu engoli pesado, porque tudo
bem que a minha mãe era herdeira de uma grande fortuna e de um
grande negócio. Mas eu não imaginava que o meu pai, sozinho,
dispunha de algo tão exorbitante a ponto de gastar esse valor por
capricho.
— Ele quer fazer da filha bastarda milionária pra enganar
todo mundo — o George supôs — e essa menina está se deixando
levar por pura ganância. Eu não tenho um milhão dando bobeira
pra pegá-lo e entregar na mão de uma menina de dezoito anos.
— Ele perguntou se ela não queria o nome dele na certidão
de nascimento dela — a Larissa completou e o George voltou a
nos dar realmente atenção — o Mau está preocupado... A Dani
tem dezoito anos e está ficando deslumbrada, George.
— Eu já tentei conversar com ela. Mas ela acha justo que ele
se redima financeiramente pelo dano que causou — ele
resmungou.
— Ele pediu que ela começasse uma faculdade. Qualquer
curso, ele paga qualquer valor — ela continuou, mas nada que
fosse uma surpresa.
— Cuidar da filha bastarda vai render pontos na hora do
novo julgamento — o George falou — ele vai chorar arrependido,
alegar que se soubesse da menina não teria feito nada, vai chorar
mais um pouco e queria os outros filhos lá, tenho certeza.
— Você não vai fazer nada? — a Larissa perguntou —
porque sinceramente? Eu não quero o meu filho envolvido com
um fantoche daquele cara.
— Eu não tenho mais o que fazer, Lari — o George falou,
porque já havia tentado tudo o que pôde — ela já é maior de
idade e como vive dizendo, filha biológica daquele cara. Ela pode
até saber da gravidade do que está fazendo, mas a chance de se
tornar rica tem a cegado. Deve estar no sangue — ele disparou,
apertando os lábios ao me olhar — perdão, amor.
— Do jeito que ela tem se deixado levar, vai acabar sozinha
em um apartamento enorme.
— Sozinha — o George enfatizou — porque o que ela está
fazendo não tem perdão — ele continuou, mas eu sabia que nunca
deixaria a irmã.
— Eles vão ficar na sua casa até tudo ficar pronto? — eu
perguntei.
— Acho que sim. Isso não é um problema, Bia. O único
problema é ela amenizar os crimes de um pai biológico pra
ganhar dinheiro dele.
— Não é pouco dinheiro — eu falei abismada.
— O Maurício ainda cogitou mandá-la escolher entre ele ou
a fortuna que vem ganhando, porque os planos deles não eram
esses, mas tem medo...
— Nós vamos ter que deixá-la cair sozinha, Lari — o George
falou — e rezar pra que nada grave aconteça com ela.

A Lari foi embora e eu e o George fomos jantar fora, para


não ficar em casa remoendo todas as coisas erradas da nossa vida.
Porque nesse momento, em que a nossa filha estava mais perto do
que longe de chegar, nós queríamos aproveitar a nós dois.

[...]

Por sugestão da Lya, eu queria viajar para fazer todo o


enxoval da minha filha fora do país, mas a minha médica vetou
alguma viagem longa, devido ao episódio dos sangramentos.

Então o George contratou alguém para cuidar disso e eu


fiquei com a parte fofa.

Em um final de semana, nós fomos para um hotel fazenda,


junto com a Lya e o Guilherme. Foi ideia da Lya, uma vez que o
George seria padrinho do casamento e eles sequer se conheciam.
— Você me faz fazer cada coisa estranha, que só deus pra
não julgar — ele falou pela milésima vez e eu dei um risinho,
porque isso era mesmo estranho.
— Se eu fosse esse cara, iria querer me socar por ter levado
você — ele falou presunçoso e eu lhe fiz uma careta, porque ele
amava me bajular.
— Muito louco seria você e ele amigos — eu falei, mas ele
riu, como se isso fosse uma balela.
— Aproveita pra tomar sol, a sua médica recomenda tanto —
ele falou e eu assenti.
— Eu tenho outra ideia pra agora — eu falei, indo até ele, o
abraçando pela cintura e ele riu, escorregando uma mão pelo meu
cabelo, tombando a minha cabeça para trás.
— Você anda muito viciadinha — ele falou, deixando um
beijo nos meus lábios.
— Você que fica cada dia mais tentador — eu reclamei,
ficando arrepiada com os seus beijos descendo pelo meu ombro,
levando junto as alças do meu vestido. Eu o puxei para baixo e o
George levou junto a minha calcinha, ficando de joelhos e eu
puxei o seu cabelo, estremecendo de ansiedade. Ele deixou
beijinhos suaves pela minha barriga e eu afastei mais as pernas.
A minha respiração falhou um pouco com o toque suave da sua
língua no meu sexo e um gemido me escapou, quando ele
intensificou os movimentos da sua boca, mas quando eu ia
chegando lá, ele diminuiu o ritmo, brincando a língua no meu
clitóris. Eu reclamei, querendo guiá-lo e ele deu um risinho,
mantendo o seu ritmo. Quando aconteceu mais uma vez, eu quis
morder a língua para sentir algo que não fosse a sensação do meu
orgasmo indo embora e me afastei dele, que me puxou
bruscamente para um beijo gostoso, enquanto tirava a bermuda.
Eu fui para a cama, ficando de quatro para ele, que gemeu, se
posicionando atrás de mim, me penetrando devagar.
— Que maldade, amor — eu reclamei, porque ele sempre
queria ser cauteloso e eu sempre queria mais. Ele espalmou as
mãos na minha bunda, indo todo para dentro de mim e eu gemi
em satisfação, empurrando para ele, girando um pouquinho o
quadril e ele arfou, me apertando. Os meus gemidos saíram do
meu controle quando ele passou a vir mais forte e mais rápido e
eu puxei um travesseiro, inclinando o corpo para apertá-lo e
esconder o meu rosto ali. O George diminuiu o ritmo quando o
meu sexo pareceu estar mais molhado e gemeu lamentoso,
apertando a minha bunda com mais força. Eu investi no seu
membro e ele parou, me deixando ir e vir, gemendo baixinho,
logo brincando o polegar o meu ânus.
— Oh meu deus, Beatriz — ele praguejou, enquanto eu
rebolava no seu membro, me deliciando com essas sensações
todas.
— Me fode agora — eu pedi — porque eu quero gozar — eu
falei, apertando o travesseiro com os seus movimentos precisos
que me pegaram de surpresa. Eu empinei mais o quadril para ele,
que afastou mais uma nádega da outra, emitindo gemidos
cortados enquanto gozava junto comigo. Eu queria deixar o meu
corpo cair deitado na cama, mas ele me segurou até o seu último
espaço de prazer, me deixando ir e se jogando ao meu lado. Eu
me arrastei para me esconder entre os seus braços, me
encolhendo, ficando arrepiada com o meu corpo estremecendo e
ele deu um risinho, deixando um beijo carinhoso na minha testa.
— Quando tudo se perde, eu lembro que tenho você — ele
grunhiu e eu o abracei, enrolando uma perna em volta do seu
corpo.
— E que eu te amo muito — eu completei e ele riu,
assentindo.

Nós ficamos um tempo no quarto, até a Lya vir nos chamar,


porque o intuito era aproximar o George do Guilherme.
C apítulo 16
Surpresas
O dia do casamento da Lya e do Guilherme se aproximou tão
rápido e a minha única preocupação era não caber no vestido. A
minha barriga estava grande, fazendo muito jus a minha entrada
no sétimo mês.

O George ainda estava contrariado a ser padrinho do


casamento do meu ex-noivo, porque além de tudo, era visível que
eles não estavam ali unicamente por amor.

A cerimônia seria no salão de festas hotel e eu e o George


estávamos em um dos quartos, assim como os demais convidados.
— A minha vontade agora era largar tudo e fazer sexo com
você — eu falei e o meu namorado riu, indo abrir a porta para a
maquiadora.
— Vou deixar vocês — ele falou, saindo. Ele ainda fez uso
da politica da boa convivência com o Guilherme, sendo sempre
educado. Até mesmo quando o Guilherme mencionou a minha
fuga. Eu espantava esses pensamentos, porque hoje o contexto era
outro, mas naquela época, eu fugi por amor e ele estava apenas
me usando.

Quando tudo estava pronto, eu me olhava pelo espelho


enquanto o George consertava a gravata. O meu vestido era numa
cor de lavanda e deixava em evidência a gravidez. Eu ainda
acariciei a minha barriga, olhando para o George através do
espelho quando ele me abraçou por trás.
— Que ninguém fuja hoje — eu falei e ele riu, pegando o seu
celular para tirarmos uma foto. Tínhamos poucas, juntos, ele era
mais de tirar fotos minha e quando eu não estava vendo.

Eu ainda consegui me emocionar quando vi os dois ali, no


altar. Porque o Guilherme não refletia em mim algum sentimento
e a Lya foi a pessoa que fez parte de toda a minha vida.

O Padre começou a falar e eu encontrei o olhar do George,


que soprou beijo para mim e eu sorri para ele. Mas eu voltei à
realidade ao ouvir o Guilherme falando:
— Me desculpa, Lya — ele falou confuso, mas ainda
segurava a sua mão. A mãe dele ainda levantou, mas o seu irmão
a segurou e o meu coração começou a acelerar, porque ele não
estava fazendo isso, meu Deus, ele não estava fazendo isso.
— Eu não posso fazer isso — ele falou agora longe do
microfone, olhando rapidamente ao redor e eu passeei as mãos
pela minha barriga, como se isso protegesse a minha filha do
clima tenso que predominava no lugar — me desculpem — ele
falou, antes de sair dali, andando apressado até.

Murmurinhos tomaram conta do ambiente e o George veio


até mim, nos levando até a Lya. Ela estava sem reação e o Padre
arrumava as suas coisas.

As pessoas falavam e falavam, mas nós tiramos a Lya dali.


— Você é ótimo em levar noivas embora do casamento — eu
falei para o George, quando colocamos a Lya dentro do carro e
ele me fez uma careta sarcástica. Não falamos nada até chegar ao
apartamento do George e a Lya tirou o acessório do cabelo,
quando se sentou ao sofá.
— Você quer falar algo? — eu perguntei para ela e o George
me lançou um olhar feio, pegando um copo e colocando um pouco
de uísque, entregando para ela.
— Vou deixar vocês sozinhas — ele falou — não deixa a
Beatriz beber, Lya.
— Ei — eu reclamei — eu não faria isso.
— Eu não sei, não... — ele falou, inclinando para beijar a
minha boca, antes de ir para o quarto.
— Eu não sei por que pensei que daria certo... — ela falou,
bebendo um pouco da bebida e eu apertei os lábios — porque
parecia conveniente?
— Eu sinto muito.
— Eu tô aliviada, Bia — ela falou — só sinto um pouco
porque você não vai poder embebedar comigo.
— Ah, não vou mesmo — eu dei um risinho, acarinhando a
minha barriga.
— Eu só fantasiei uma vida que não existiria, quando topei.
Os pais do Guilherme o queriam casado, porque ele estava de
caso com alguma enfermeira. E você conhece os pais dele, a
maneira como eles se parecem com o seu pai, se tratando de
aparências.
— Você sabia disso e ainda assim aceitou? — eu perguntei
confusa.
— Eu achei que seria pura diversão. Só fui perceber que era
mesmo sério quando já estava tudo pronto.
— Lya... Isso parece mais o tipo de coisa que eu faria.
— Você não aceitaria, eu aposto — ela falou, rindo — nunca
ficaria com um cara, sabendo do seu caso com outra.
— Que confusão...
— E eu ainda tinha o Ricardo — ela bufou um riso — por
favor, eu não sei se choro pela humilhação, ou fico feliz que
tenha acabado.
— O Guilherme queria se casar com você, porque os pais
dele não aceitavam o caso dele com a enfermeira?
— É — ela resmungou — eu gostava da gente sem
compromisso. Mas eu gostava muito mais do Ricardo.
— Você é muito louca — eu disparei, chegando a rir.
— A mãe dele ainda me convenceu que com o tempo, nós
nos apaixonaríamos. Mas se você visse, se eu pudesse comparar,
também... — ela parou para beber mais um pouco — você e o
George, qualquer um nota que vocês se gostam de verdade. Ele
não pode te ver que ele te beija. Ele te beijou quando você entrou
no carro, quando estávamos vindo, ele o fez de novo quando foi
para o quarto e aposto que vai te beijar se voltar aqui.
— Beijo não quer dizer amor.
— Quer sim — ela retrucou — às vezes, a gente parecia
fazer sexo com pressa. Não aconteciam beijos.
— Que horror, Lya — eu falei e ela suspirou, colocando o
copo já vazio na mesa de centro — quer mais bebida?
— Não, eu não quero embebedar sozinha.
— Eu posso pedir pro George se embebedar com você — eu
sugeri, mas ela deu um risinho.
— Eu vou ligar pedindo perdão pra alguém — ela falou —
uma droga é que eu estou sem celular.
— Pode usar o meu — falei indo pegar o meu celular, mas o
George voltava para a sala, então eu peguei o seu.
— Ele já está vindo — ele falou, se sentando ao meu lado no
sofá.
— Você não quer um banho, Lya? — eu perguntei — devo
ter algo que te sirva.
— Quero, sim — ela falou e eu a guiei para o antigo quarto
da Daniela. Entreguei o que ela precisaria para um banho e fui
tirar a roupa e a maquiagem. Quando voltei, o George estava na
sala com o Ricardo e os dois bebiam uísque. Eu cumprimentei o
seu amigo e me sentei ao seu lado, ganhando um beijinho dele,
começando a achar engraçada essa coisa de tantos beijos.

Quando a Lya voltou, o George estava mais interessado em


brincar com a minha barriga e ver a nossa filha mexendo, então
eu o levei para o quarto.

[...]

Eu acordei cedo na manhã seguinte e o George já falava no


celular. Já fazia parte da rotina acordar e vê-lo no celular à
trabalho. Ele parou ao me notar e veio deixar um beijinho na
minha boca. Eu dei um risinho, me sentando.
Nós pedimos café da manhã para os nossos amigos e o meu
namorado me fez comer frutas, porque segundo ele, era saudável.
— Olha como essa mulher está feliz — o Ricardo falou,
quando a Lya se sentou e eu dei um sorriso para ela — nem
parece que a deixaram no altar.
— Você teve sorte — eu falei para ele.
— Muita — ele replicou, se virando para beijá-la.
Depois do café, os rapazes saíram e eu fui mostrar o quarto
da minha filha para a Lya.
— É tudo tão lindo — ela falou emocionada — mas eu
sempre achei que vocês fossem querer um lugar maior. Digo pelo
tamanho do apartamento do Guilherme.
— Mas eu quero um lugar maior — eu falei, rindo — nós só
não temos tempo pra pensar nisso agora. E acho que por
enquanto, aqui está bom pra nós dois.
— A irmã dele não mora aqui?
— Não... Ela está com o namorado — eu falei — o que você
pensa em fazer agora?
— Não sei — ela fez uma careta — pegar as minhas coisas
no apartamento do Guilherme.
— Se precisar de ajuda...
— Vou sozinha. Quero dar na cara dele e agradecer.
— Confuso — eu falei, rindo.

[...]

Passaram alguns dias desde o episódio do casamento e eu


estava deitada no sofá, enquanto o George falava com a minha
médica. Passava das nove da noite e eu sentia algo
desconfortável, que parecia com uma câimbra, mas não doía como
uma.

A doutora Manuela explicou calmamente que poderiam ser


contrações de treinamento. E replicou para o George que grávidas
passavam por isso. Mas ele insistia que ela nos encontrasse no
seu consultório, para ele ter certeza de que eu não estava em
trabalho de parto. Mas eu estava com vinte e nove semanas, não
estava em trabalho de parto.

Eu olhava para ele, andando pela sala e querendo a todo


custo discordar da minha médica, enquanto a minha barriga
ficava dura e contraía. Era desconfortável e me fazia questionar
se eu iria mesmo querer o parto natural.
— Você é patético — eu falei, quando ele cedeu e desligou.
— Ajuda a passar se você mudar de posição ou caminhar.
— Não quero andar — eu reclamei, me virando.
— Tem um campinho lá em baixo, você não quer ir?
— Se não passar, a gente dá uma volta — eu prometi.

Ele não saiu do meu lado e esperou só dez minutos, até me


arrastar para o campinho de futebol na área de lazer do
condomínio. O George ainda me fez ficar descalça e entrelaçou as
nossas mãos, nos levando pelo campo.
— A filha de uma cliente minha é corretora — ele começou a
falar, enquanto andávamos.
— A filha de uma cliente — eu lhe cerrei os olhos, mas ele
riu, voltando a falar.
— Se você quiser, nós podemos começar a ver casas maiores,
ou um apartamento maior.
— Dá tempo? — eu perguntei — eu não quero ter um bebê e
ter que lidar com mudanças.
— Eu queria um lugar com espaço pros meus avós poderem
vir nos visitar.
— Se acharmos um lugar pronto e bom... Podemos começar a
ver.

Quando voltamos, eu fui para o quarto e peguei o meu


celular, estranhando as ligações do Guilherme e uma mensagem
sua.

“foi tudo por você...”


“podemos nos encontrar? Preciso te ver”

Eu reli confusa, porque era absurdo ele me enviar essas


coisas. Eu estava grávida, ele largou a Lya no altar por uma
enfermeira.

No mais, o Guilherme não era um homem apaixonado por


mim e isso só me fazia chegar ao meu pai. E eu ficava assustada
de pensar que ele queria induzir o Guilherme a me reconquistar.
Porque se ele tinha em mente me reaproximar do meu ex, isso
queria dizer que ele estava com planos de tirar o George da minha
vida.

A minha boca chegava a amargar com o pânico da minha


constatação, porque se isso fosse real, o George estava em risco.
— Você tem feito algo que possa deixar o meu pai na
defensiva? — eu perguntei, quando ele voltou para o quarto, mas
não obtive uma resposta, ele foi para o banheiro sem me
responder.
C apítulo 17
A responsabilidade da tolerância está
com os que têm a visão mais ampla

Eu levantei e o segui para o banheiro, porque eu queria


explicações.
— Eu não vou falar disso com você — ele falou, entrando no
Box, ligando o chuveiro e eu fiz uma carranca.
— George, eu não to brincando com você — eu falei,
colocando as mãos na cintura, mas ele abriu a porta do Box, me
olhando com esse sorriso, antes de colocar dois dedos sob o meu
queixo, se aproximando para beijar a minha boca.
— E eu não quero te deixar preocupada.
— A partir do momento em que você está mexendo em algo
que envolve o meu pai, eu fico preocupada — eu falei irritada.
— Eu vou ficar bem.
— Para de falar isso como se você fosse imortal! — eu falei,
mas ele não estava disposto a colaborar comigo.

Eu voltei para o quarto, marcando um encontro com o


Guilherme, para poder acabar de vez com essa dúvida.

Troquei de roupa e fui deitar, tirando a mão do George de


mim, quando ele veio deitar.
— Vai me recusar? — ele ainda perguntou e mesmo que uma
parte em mim quisesse sexo, porque ele era gostoso mesmo sendo
teimoso e irritante, eu o ignorei.
— Bia...
— Não fala comigo — eu falei, puxando o edredom todo
para mim.

Acordei mais cedo do que ele, porque mal havia conseguido


dormir e queria trancá-lo no quarto, para que ele não pudesse sair
e assim não corresse algum risco e fui encontrar o vendido do
meu ex-noivo.
Eu entrei no apartamento quando ele abriu a porta e o
encarei, furiosa.
— O que aconteceu com o seu caráter? — eu perguntei, eu
gritei com ele, que me olhou confuso.
— Eu não iria conseguir me casar com a Lya, sendo que eu
am...
— QUANTOS MILHÕES ELE TE DEU PRA VOCÊ FAZER
ESSA CENA? — eu gritei histérica.
— Bia, do que você está falando?
— Você sabe do que eu estou falando — eu arfei — e você
deve ter ficado muito cego ao ver dinheiro, Guilherme, porque
chegar ao ponto de dias depois do seu casamento dizer que está
fazendo isso porque me ama, é descer num nível, que eu não sei
dizer!
— Bia, eu...
— Cala a boca, Guilherme! — eu resmunguei — você tem
noção do quão nocivo o meu pai pode ser? Você acredita que ele é
inocente nos crimes que foi condenado? Que o dinheiro, seja lá
quanto tenha sido que ele te deu vai me fazer te amar? Vai te
fazer me amar?
— Eu só me lembrei do nosso passado e...
— Mentira! — eu o interrompi mais uma vez — saiba que
você faz muito melhor da sua vida ao ficar com a Anna,
independente da condição financeira ou profissão dela. Porque eu
amo o George, eu o amo tanto, que qualquer ameaça direcionada
a ele, eu vou fazer o possível para defendê-lo. E esquece as
propostas ridículas do meu pai. Porque se você aceitar qualquer
acordo dele e algo acontecer com o George, eu vou matar você! E
eu acho bom você não duvidar — eu falei, chegando bem perto
dele, que me olhou assustado e saí daquele lugar.

Eu desliguei o meu celular quando o George começou a ligar


e fui para a casa da minha mãe, me escondendo no quarto do meu
irmão, mesmo que ele estivesse com uma estranha nele.
Ele foi levar a menina até a porta, depois de chamar um taxi
e voltou, se sentando ao meu lado enquanto eu chorava desolada,
esperando o meu tempo para desabafar.
— Não vai acontecer nada com ninguém — ele falou, quando
eu parei de falar e fez um carinho no meu cabelo — o papai não é
burro. Não importa o que ele diga, ele sempre vai ser o principal
suspeito se algo acontece com algum de nós e principalmente com
o George.
— Eu to vivendo um pesadelo — eu grunhi, chorando mais
— eu não sei por que o George quer fazer algo para ele, agora.
— Ele não vai ficar em paz vendo o cara que arruinou toda a
vida dele solto, Bia. Ainda mais do jeito que ele está deixando a
outra filha cheia de dinheiro e atormentando vocês.
— Porque ela tinha que aceitar algo dele? — eu perguntei
inconformada, mas há um tempo, até eu achava isso viável.
— Ele pode estar investigando isso, também — o Benício
sugeriu e eu o olhei.
— Porque ele faria isso? Custa deixar a Dani viver em paz
pra gente ficar em paz também?
— Tenta conversar com ele depois — ele falou — vamos
tomar café?

Eu liguei o celular e avisei ao George onde estava, porque


assim como eu estava preocupada para saber dele, sabia que ele
ficava para saber de mim.
— Eu vou encontrar o Maurício agora. Passo pra gente
almoçar junto, tá? — ele perguntou — não some assim sem
avisar, eu fico preocupado.
— Tudo bem.
— Quando der, eu te explico melhor o que está acontecendo
— ele falou — mas agora eu não posso.
— George...
— Amor, eu não quero esconder nada de você, mas — ele
parou de falar — eu não posso falar nada agora.
— Qual a parte do não mexer em nada que envolva o meu
pai, você não entendeu?
— Eu não consigo, Bia — ele resmungou — me perdoa, mas
não dá. Tô saindo agora, beijo.

Eu me sentei ao sofá e escondi o rosto entre as mãos, porque


não sabia mais o que era estar em paz.

Pouco antes do almoço, o meu pai apareceu e eu lhe lancei o


meu pior olhar.
— Eu só vim pegar alguns livros meus, que ainda estão aqui
— ele falou — está tudo bem?
— Se o senhor acha que vai me afastar do George de algum
jeito, está muito, mas muito enganado.
— Surtou, Beatriz? — ele perguntou, indo para a biblioteca,
mas eu o segui.
— Dias depois de deixar a Lya no altar, o Guilherme me vem
bancando o apaixonado e o senhor acha que eu não sei que tem o
seu dedo nisso?
— Ele pode estar simplesmente apaixonado por você — ele
falou tranquilamente, olhando as prateleiras, pegando um livro ali
— e ele seria sim, a sua melhor escolha.
— Ele não é a minha escolha — eu falei pausadamente.
— Beatriz, eu vou ser bem sincero com você — o meu pai
falou, colocando o livro sobre a mesa e se aproximando mais de
mim — se você quer esse seu namoradinho seguro, se você quer
que a sua filha tenha um pai, o faça ficar quieto — ele falou e eu
tombei, como se perdesse o meu chão — porque como eu venho
dizendo desde sempre: eu só quero recomeçar a minha vida. Não
vou interferir na de ninguém, se não for necessário — ele
continuou, antes de voltar a procurar mais livros.

Eu saí dali, desnorteada, porque esse dia, definitivamente


estava sendo um caos.

Passei a manhã tentando ficar calma, mas não conseguia e


toda vez que pensava em perder o George, eu chorava. Porque ele
não iria parar, seja lá o que estivesse fazendo.
Quando ele chegou, na hora do almoço, eu o abracei,
voltando a chorar, me sentindo pequena e impotente.
— O que houve?
— Por favor, por favor, para com isso — eu grunhi, o
apertando mais no abraço e ele fez um carinho nas minhas costas,
suspirando.
— O que houve, você vai me dizer? — ele perguntou e
chorei mais — Bia, por favor...
— Me diz o que você está fazendo? Você pode?
— Eu não posso — ele falou inconformado — o que te
deixou assim?
— O meu pai procurou o Guilherme — eu comecei, contando
tudo até o episódio da biblioteca.

O George andava de um lado para o outro à minha frente,


mas parou, focando em mim.
— Porque os seus pés estão tão inchados? — ele perguntou,
se abaixando para tirar as sandálias e eu olhei, vendo as marcas
da sandália nos meus pés.
— Você não precisa ligar pra minha médica por isso — eu
resmunguei, mas ele já havia pegado o celular. Eu respirei fundo,
me encostando ao sofá enquanto ele falava com a doutora.
— Nós precisamos medir a sua pressão — ele falou, no
tempo em que a minha mãe vinha para a sala — se continuar,
vamos pro pronto socorro.
— Tudo bem? — ela perguntou — porque essa cara de
choro?
— Isso que ela precisa explicar — o George falou — mas
antes eu preciso medir a pressão dela.
— Você é muito paranoico — eu reclamei, mas a minha mãe
já havia saído para pegar um aparelho para medir a pressão.
— Eu sou preocupado — ele retrucou.
— Eu também e você não faz nada pra amenizar isso — eu
repliquei e ele ficou quieto.
— Mas é normal, ela está gravida, retém muito liquido — a
minha mãe falou, mas o George negou com a cabeça.
— Ela nunca teve isso antes, não é normal — ele falou — se
continuar e você sentir algum mal estar, por favor, me avisa.
— Tudo bem.

Nós ficamos para o almoço e o George me levou para o


quarto, deitando na cama comigo depois de me fazer tirar o
macacão jeans que eu usava por algo que não me apertasse.
— Você está bem? — ele perguntou, um tempo depois e eu o
olhei, assentindo.
— Você vai me dizer o que está planejando?
— Não — ele falou, deixando um beijo na minha testa —
mas eu te amo mesmo assim.
— Para com isso — eu reclamei — eu não vou conseguir
nem dormir.
— Bia, na hora certa, você vai saber — ele falou.
— O meu pai fez algo?
— O seu pai sempre está fazendo algo — ele falou, me
analisando — e isso não é bom.
— Ele fez algo pra você?
— Ele fez algo pra Daniela — ele falou, me olhando
cauteloso e eu franzi o cenho — e ela, sendo muito ingênua e
gananciosa, está vendo vantagem nisso. Mas não há vantagem
nisso.
— Nisso o que? — eu perguntei inconformada.
— Quando eu tiver certo das minhas suspeitas, você vai
saber.
— Eu queria que você ficasse quieto.
— Eu não posso deixar que a minha irmã fique nas garras
daquele criminoso — ele falou.
— Eu não quero que a nossa filha nasça sem um pai, por
causa do meu pai — eu falei, ficando arrepiada com a gravidade
da minha afirmação.
— Eu cresci sem os meus por causa dele.
— Não já tá de bom tamanho, o estrago? — eu retruquei e
ele negou com a cabeça — o Maurício está sabendo disso?
— Ele suspeitou e me procurou.
— Ele vai se arriscar também? — eu arqueei as
sobrancelhas.
— Nós estamos sendo cautelosos, você pode ficar tranquila
— o George falou, mas eu neguei com a cabeça.
— É absurdo você achar que eu vou ficar tranquila sabendo
que você está cutucando alguma outra merda do meu pai. Ele já
deixou claro que se você se tornar uma ameaça... — eu parei de
falar, assustada e neguei com a cabeça — que pesadelo.
— Vai passar e vai ficar tudo bem — ele falou, pegando o
celular, que tocava — é o Maurício — ele falou, se levantando
para atender.

Eu me virei na cama, fazendo um carinho na minha barriga,


mas a minha filha estava quieta e eu esperava que alheia a todo
esse medo que eu sentia.

O George voltou e eu não percebi, então só o notei quando


ele se abaixou ao meu lado na cama, tomando a minha mão na
sua.
— Eu quero muito poder viver tudo ao seu lado — ele falou
baixinho e eu o olhei confusa.
— Porque você tá dizendo isso?
— Porque mesmo que eu queira te prometer o melhor, nós
sabemos dos riscos.
— Você não pode pedir proteção na justiça? Alguma coisa
que o deixe impossibilitado de te fazer mal? — eu comecei a
falar, me sentando.
— Agora, a única coisa que eu quero fazer é descobrir de
onde vem todo o dinheiro do seu pai — ele falou cauteloso e eu
franzi o cenho.
— Você vai me explicar isso uma hora — eu falei cansada e
ele assentiu.
— Eu te amo muito — ele falou e eu me inclinei para beijá-
lo, mas o seu celular começou a tocar mais uma vez — preciso ir.
— Eu vou te ligar toda hora pra saber se está tudo bem — eu
resmunguei.
— Fica calma e descansa — ele pediu, me colocando deitada
na cama, deixando um beijo na minha testa, mas me sorriu, me
beijando a boca.
C apítulo 18
Metódico

GEORGE DUARTE
Encontrei o Maurício no meu escritório e ele me jogou um
pacote sobre a mesa.
— Eu não sei por que eu quis acreditar na Daniela, mesmo
que nós já soubéssemos — ele falou e eu abri o pacote — LSD,
doce, cocaína, isso foi o que eu comprei, mas eles só lidam com
droga cara.
— E porque você comprou? — eu perguntei e ele negou com
a cabeça.
— O cara estava estranhando já, eu precisei pegar algo.
— E a Dani?
— Diz que o pai biológico quer abrir uma empresa de
cosméticos em nome dela — ele falou irritado, chegando a rir
incrédulo.
— Como ela acredita numa empresa que ela nunca pisou os
pés? — eu ainda perguntei, mas não queria uma resposta — essa
menina, sinceramente, passou dos limites.
— E não adianta tentar conversar. Ela se colocou na posição
de vítima dessa história toda, com o direito de usufruir do
dinheiro.
— Dinheiro de tráfico — eu falei abismado — por isso ele
não está medindo esforço ao soltar dinheiro na mão dela. Vai
criar uma empresa fantasma, declarar o dinheiro e, ela vai ser a
laranja — eu presumi, porque era óbvio que essa encenação de
pai querendo indenizar a filha não era só pra comover juiz. Afinal
o desembargador ele já havia comprado.
— O que a gente faz agora?
— Você falou algo com ela? — eu perguntei e ele me
encarou por um tempo — o que você falou com ela?
— Sobre as drogas — ele falou e eu apertei os lábios,
negando com a cabeça.
— Me passa o endereço de onde você comprou isso e tenta
não sair de casa — eu pedi — esse cara é perigoso, se a Daniela
fala algo pra ele, você não vai estar seguro — eu precisei alertá-
lo.
— Ela não pode ser tão burra — ele falou, mas eu o encarei,
porque as atitudes da Daniela não eram de uma pessoa
inteligente. Mas de uma pessoa interesseira e mercenária.

O Maurício foi embora e eu pedi que providenciassem um


chip para que eu pudesse entrar em contato com a pessoa que
fazia os negócios das drogas acontecerem. Luizera o financiador,
eu supus, mas não estaria à frente disso.
— Eu posso só pedir pra você não envolver o meu filho
nisso? — a Lari perguntou ao entrar na minha sala e eu a olhei —
porque eu não o quero na mira daquele cara.
— Se ele quiser, não precisa se envolver.
— George, por favor... Você tem visto a sua irmã? Você vê o
quanto ela está mudada? O quanto ela foi manipulada? Qualquer
informação que chegar até ela, ela vai repassar.
— Esse cara tem que ser preso, Lari.
— Ele pode ser preso mil vezes, que mil vezes ele vai sair —
ela falou — deixa isso quieto, por favor. Você tá querendo mexer
com gente grande e perigosa demais.
— Lari...
— Deixa esse cara em paz, deixa a Daniela se afundar junto
com ele, se ela pedir ajuda, nós estaremos aqui, mas não mexe
com isso. Se ele está envolvido com trafico pesado de drogas, ele
tá junto com gente maior e mais perigosa que ele. Não é fácil
pegar essa gente.
— Lari, o juiz vai marcar um novo julgamento, a única
pessoa que ele tem ao seu favor é a Dani. Se eu tiver provas que
ele está por trás de tráfico, ele não vai se safar. Se eu tiver provas
de que ele comprou o desembargador que deu o habeas corpus pra
ele, ele não vai se safar. E se eu tiver sorte, ele não está mexendo
com gente maior e mais perigosa. Na verdade, não é do feitio dele
estar por baixo de alguém.
— Você fala como se fosse fácil assim — ela resmungou —
por favor, toma cuidado, porque se esse homem mata você, você
não vai poder fazer nada contra ele. E você tem uma filha
chegando, se lembra disso.
— Por isso mesmo, eu quero a minha filha bem longe
daquele cara.
— Você é muito teimoso — ela reclamou.

A minha tarde foi tomada por uma audiência, mas depois


disso, eu comecei a entrar em contato com o cara que
supostamente tomava conta dos negócios ilícitos de LuizLobos.

Liguei para a Beatriz, quando estava indo para casa, mas ela
estava com a Lya, então eu fui para casa.
— Você não desiste mesmo — a voz de Luizecoou
presunçosa atrás de mim, assim que eu saí do elevador e eu me
virei para ele.
— O que? — eu perguntei confuso.
— George, eu tenho meios de sumir com você em dois
segundos e nem o melhor investigador vai encontrar o seu corpo
— ele falou e eu dei um risinho, esperando que ele continuasse —
eu já dei avisos, eu pedi humildemente para você ficar quieto e
você não está ficando.
— Mas você é muito seguro...
— Eu posso ter essa segurança — ele falou, quase me
interrompendo — eu ainda me dou o trabalho de falar sobre a
nossa boa relação por aí, então não me tenha como um suspeito.
— Você vai cair, Luiz— eu falei, quando ele ia andando para
o elevador e ele parou, se virando para mim.
— Se eu cair, você não vai estar nesse plano pra comemorar,
isso eu te garanto — ele falou, entrando no elevador e eu respirei
fundo.

Eu queria poder dizer sentir medo das ameaças, mas a sede


de vingança em mim era tão maior, que isso ficava pequeno.

Entrei em casa eu fui para o banheiro.


— Porque o meu pai estava aqui? — a Beatriz perguntou e
eu me virei para olhá-la, que abriu a porta do Box.
— Você ganha um beijo se adivinhar — eu brinquei, mas ela
me lançou um olhar feio.
— Você devia pensar mais em nós e menos nele — ela
resmungou.
— Vai ficar tudo bem, eu sinto — eu falei, a puxando para
dentro e ela me olhava, porque não acreditava nisso.
— Eu tenho começado a pensar em perder você — ela falou
baixo — porque você sabe do perigo de continuar, seja lá o que
você está fazendo e ainda assim, você não para.
— Bia, a vida não tem sentido nenhum, com os tormentos
desse cara.
— Você parece amar mais o ódio por ele, do que a nós duas
— ela falou me encarando e eu a olhei de volta, porque isso era
absurdo.
— Não diz isso — eu falei mais baixo — eu amo tanto
vocês, que não me importo de arriscar a minha vida, pra manter
vocês seguras.
— Você manteria todo mundo seguro se ficasse quieto — ela
falou, enquanto eu a ajudava a tirar a roupa.
— Digamos que se não fosse o seu pai, que fosse qualquer
outro criminoso — eu comecei, para que ela pudesse me entender
— eu faria a mesma coisa. O seu pai acha que está em vantagem
porque é o seu pai.
— George, eu só queria que a gente ficasse em paz.
— Nós vamos ficar — eu prometi, começando um beijo
rápido — eu vou tentar deixar tudo bem antes da Anna nascer.
— Você não é Deus — ela resmungou, cedendo aos meus
beijos e eu sorri.
— Mas eu vou contar muito com a ajuda dele — eu
sussurrei, aprofundando mais o nosso beijo.

[...]

Nós havíamos pedido pizza e estávamos na cama. A Bia


estava cochilando enquanto eu fazia carinhos na sua barriga. Algo
começou a tocar e eu ainda achei que fosse a pizza, mas era o
celular. Eu me levantei para ir pegá-lo, atendendo a ligação da
Larissa.
— Tentaram matar o Maurício — ela disparou, antes mesmo
que eu pudesse dizer algo.
C apítulo 19
A vida é dura. Depois de tudo, ainda te
m at a

Eu tentei contar para a Beatriz da melhor maneira possível o


que havia acontecido, porque uma coisa que ela não teve durante
a gravidez, foi paz.

Ela se trocou, porque mesmo que eu preferisse deixá-la em


casa, ela não queria ficar.

Liguei para a Larissa quando chegamos ao hospital e nós a


encontramos, para que ela pudesse explicar melhor o que havia
acontecido.
— A sorte foi que alguém o encontrou e chamou uma
ambulância — ela falou.
— O que houve com ele? — a Bia perguntou.
— Quatro tiros pelo corpo. Ele está em cirurgia, mas os
médicos ainda não me deram notícia.
— E a Dani? — ela continuou a perguntar.
— Eu não sei, Bia — ela sorriu fraco — saí de casa
atordoada, avisei ao pai dele e pra vocês, só.
— Ela vai ficar arrasada — a Bia lamentou — eu espero que
ele fique bem.

Nós fomos nos sentar e a Lari foi encontrar o pai dos seus
filhos. A Beatriz me olhava sugestivamente e eu apertei os lábios,
me aproximando dela, deixando um beijo na sua testa.
— Porque isso tá acontecendo? — ela sussurrou e eu neguei
com a cabeça.
— Vai ficar tudo bem — eu falei, como se eu pudesse mesmo
garantir.
— Se isso tem a ver com o que vocês estavam fazendo
juntos, você também não está seguro.
— Ninguém está, Bia — eu precisei dizer — se ele fez isso
com o Maurício, pode atacar qualquer um.
— O que você vai fazer agora?
— Bia, nós chegamos em uma situação que é como passar
por um tiroteio rezando pra quando acabar todos estarem a salvo
— eu falei, a olhando cauteloso — mesmo que eu ficasse quieto,
em algum momento o seu pai faria algo, pra se manter seguro.
Por uma questão lógica, eu sempre seria uma ameaça pra ele.
Toda a conversa dele de ficar quieto foi só pra se tirar do campo
de suspeitos, mas ele não conseguiu convencer ninguém.
— Que pesadelo — ela falou, respirando fundo — o que
você vai fazer agora?
— Tentar descobrir onde encontraram o Maurício e rezar pra
ter câmeras de segurança no lugar — eu falei, a olhando
cauteloso, porque não queria que depois de tudo a Bia sofresse
com mais algo nesse momento da gravidez — e o seu pai é ruim,
mas ele é burro, não vai perder a chance de confessar algo pra me
amedrontar.
— Em pensar que eu queria dar apoio pra ele — ela falou,
respirando fundo — quase acreditei na conversa de estar
arrependido.
— Gente como ele não se arrepende, amor — eu precisei
dizer.
— Eu espero que o Maurício fique bem — ela falou e nós
vimos a Daniela chegar, indo falar com a Larissa.

Ela me lançou um olhar frio antes de se sentar e a Beatriz me


olhou confusa.
— Tudo bem, Dani? — ela perguntou.
— É muita cara de pau de vocês dois — ela falou, forçando
um riso incrédulo, mas a sua face denunciava que ela estava
chorando.
— O que?
— Eu não esperava isso de você, George, então não fala
comigo — ela falou, antes de sair andando.
— Eu vou falar com ela — eu falei, me levantando.
Segui a Daniela pelo hospital e quando ela me viu, parou de
andar, limpando as lágrimas.
— Do que você estava falando? — eu perguntei e ela forçou
um riso, chorando mais.
— Eu quero muito acreditar que você não tenha feito isso
com o Maurício pra me fazer acreditar que o meu pai biológico
fosse culpado — ela falou, com a voz entrecortada e eu franzi o
cenho por esse absurdo.
— O que? — eu perguntei incrédulo.
— De tudo o que eu consigo pensar, George, a única versão
que faz sentido pra mim é essa!
— A única versão que você quer que faça — eu repliquei —
porque você se deixou envenenar por aquele cara. À troco de
que? Dinheiro?
— A nossa vida estaria calma se você soubesse ficar quieto!
— ela gritou — e eu espero que você pague por isso! — ela
continuou e voltou a andar, mas dessa vez eu não fui atrás.

Quando voltei para a sala de espera, a Lari falava com o


médico e quando ela desabou a chorar e a Bia foi até ela, eu
apressei o passo, já esperando o pior.
C apítulo 20
A verdadeira questão é o quanto se
c o n s e g u e s u p o rta r

Eu não gosto de funerais. Não conheço alguém que goste, na


verdade. A cena do velório dos meus pais se refrescou na minha
mente e eu não conseguia parar o choro. Silencioso e triste. Eu
sentia culpa, impotência. O medo começou a se tornar parte de
mim.

Ele eliminou mais um e eu não sabia mais se conseguiria


provar isso. Provar isso para o mundo não salvaria ninguém. Eu
começava a acreditar que a minha morte salvaria a todos.
Deixaria aquele monstro livre para destruir famílias por aí.

A Bia estava meio sem reação, porque ela suspeitava do


mesmo que eu e tinha medo do que estava por vir. A Daniela
estava num canto, sozinha e chorando, mas se recusava a receber
o nosso apoio. A Lari e a família do Maurício choravam perto do
caixão.

Eu revivi com dor a cena de anos atrás ao ver o caixão


descendo, porque mais uma vida foi interrompida por um crápula
psicopata.

Voltei para casa com a Bia, que se sentou ao sofá, com o


olhar vazio e eu fui até ela, me sentando ao seu lado. Nós não
falamos nada, mas eu me ajeitei no sofá e ela ficou entre as
minhas pernas. Acariciei a sua barriga, porque eu queria poder
criar a minha filha, eu queria poder dar amor para ela, mas a
minha visão de futuro estava turva agora.
— Ninguém vai investigar? — ela perguntou, tempos depois.
— Eu vou — eu falei — vou cuidar pra que tudo seja rápido.
— Coitado do Mau — ela sussurrou, colocando as mãos
sobre as minhas. Nós ficamos ali, no silêncio desse momento
ruim de perda, de luto.

Esperei passar alguns dias e procurei pela Lari, porque assim


como eu, ela queria justiça pela morte do filho.
— Você não precisava vir, Lari — o Levi falou, quando ela
chegou no escritório, mas ela seguiu para a sua sala. Nós a
seguimos, mas ela continuou o seu caminho; colocou a bolsa
sobre a mesa e se sentou à cadeira, ligando o notebook.
— O que foi? — ela perguntou — Levi, se você puder, eu
quero falar à sós com o George.
— Qualquer coisa, se precisar, eu estou na minha sala — ele
falou, saindo e eu fui fechar a porta.
— Eu sinto muito, Lari, eu... — eu comecei a falar, mas ela
fez um gesto para que eu parasse.
— Nós já sabíamos que alguém ia ser vítima daquele cara —
ela falou — só não passou pela minha cabeça que seria o meu
filho...
— Eu me sinto tão culpado, eu...
— Eu também — ela me interrompeu — e é uma dor tão
grande, porque ele era um menino tão bom... — ela lamentou —
mas agora precisamos falar do que é real. Porque toda vez que
esse cara comete um crime, ninguém aparece pra investigar.
— Mas nós vamos fazer — eu falei.

Nós passamos a tarde traçando um meio de chegar até o


culpado, porque nós sabíamos que Luiznão pararia por ali.

Com a ajuda do Levi, nós entramos em contato com um


delegado, que teve a brilhante ideia de fingir estar do lado de lá.
Tínhamos lá os riscos de ele se deixar vender, mas era a nossa
única opção e esperança.

Eu queria ter ido atrás do lugar onde o crime aconteceu, mas


o Delegado Vitório designou outra pessoa para isso, porque de
todo modo, eu era um alvo também.
Os dias foram passando e em uma noite que eu cheguei em
casa, notei a Bia no sofá, sozinha e fui até ela, porque mais uma
vez, eu estava deixando esse mar de problemas nos soterrar. E ela
estava no final da gestação, eu queria estar presente e ela
precisava disso.
— Me perdoa — eu pedi, deixando beijos pelo seu rosto até
chegar a sua boca.
— Está tudo bem — ela deu um sorrisinho — amanhã eu vou
à obstetra, você não quer vir?
— Quero — eu sussurrei, entre os beijos.
— Como estão indo?
— Eu to com tanto medo — eu falei — porque eu me sentia
invencível, mas o seu pai é muito perigoso. Ele descontou em
uma pessoa que não tinha nada a ver, pra mostrar como pode ser
nocivo.
— Eu tenho rezado tanto pra ficar tudo bem — ela sussurrou,
fazendo um carinho no meu rosto.
— Vai ficar tudo bem — eu falei e ela grunhiu — o que foi?
— A nossa filha está me deixando sem espaço — ela arfou e
eu desci uma mão para a sua barriga, fazendo carinhos ali.
— Eu amo muito vocês — eu prometi, começando um beijo
carinhoso e longo.

[...]

Para a nossa surpresa, a pessoa que estava à frente dos


negócios com as drogas não era um traficante perigoso, mas mais
um laranja sedento por dinheiro. E amedrontado. Segundo o
Vitório, ele sequer sabia sobre a morte do Maurício, mas bastou
pouca pressão, confessou tudo.
— Eu prometi aliviar a barra dele, caso ele deponha
contando tudo — o delegado falou.
— LuizLobos é o criminoso mais burro que eu já conheci —
a Larissa falou — se eu pudesse, se eu conseguisse, acabava com
a vida dele eu mesma.
— Seria um favor para a humanidade — eu falei.
— Pelo que eu andei olhando, a nova audiência está para ser
marcada — ele falou — não sei se é uma boa notícia, mas ao que
tudo indica que estarei no júri.
— Isso seria maravilhoso — a Lari falou.
— Eu tenho certeza que ele vai procurar os outros e até a
mim, para ser absolvido, mas juntando todas as provas, na hora
da decisão tudo vai mudar.
— E você não queria acreditar em justiça divina — a Lari
zombou, falando para mim.
— Nós só precisamos ter certeza de que ele vai ficar quieto
até lá — o Vitório falou — eu acredito que sim, porque não há
mais o que ser feito. O cara que está à frente dele no negócio das
drogas está agindo normalmente e eu espero que seja verdade.
Vocês vão precisar garantir a família do cara, porque ele vai ser
preso — ele continuou, direcionando o olhar para mim — e
depois disso, você vai fazer a defesa dele.
— Alguma imagem suspeita nas câmeras daquele beco? —
eu perguntei e ele assentiu.
— Um dos meus caras vai encontrar quem atirou no
Maurício. O que me estranha muito, é o suspeito não estar nem
encapuzado — ele falou, deixado escapar um riso.
— É um dos defeitos desse psicopata — a Larissa falou,
porque bem, quando o atentado foi contra mim, o atirador
também não estava com o rosto escondido.
— Para a nossa sorte — o delegado sorriu — eu trouxe esses
gravadores — ele falou, tirando quatro peças da pasta — ele é
pratico de usar, porque é só apertar o botão que estará gravando.
— Ele não deve procurar alguém tão perto do julgamento —
a Larissa disparou, mas o delegado riu.
— Se ele fosse esperto, não iria mesmo — ele concordou —
mas um cara que é mandante de um crime onde o atirador sequer
esconde o rosto... É bom estarmos prevenidos.
— E sobre a Dani — ela entrou nessa parte.
— Ela está como testemunha a favor dele — ele falou, mas
isso não era uma surpresa.
— Vai ser um choque pra ela — eu falei.
— Foi só uma menina de dezoito anos, que se deixou levar
— o delegado afirmou — mas ela vai responder por crime contra
a ordem tributária. Mesmo que ela não saiba a gravidade da
situação, ou finja não saber, ela estará testemunhando a favor do
criminoso, George. Vai ser difícil acreditarem que ela apenas
cedeu o nome para a empresa fantasma.
— Ela tem a sorte de o irmão ser um ótimo advogado — a
Larissa resmungou — porque se ela não tivesse sido tão
manipulada por aquele cara, nada teria acontecido ao meu filho.
— Teria acontecido com alguém, de qualquer forma — o
delegado falou — ele fez uma vítima pra mostrar o seu poder.
Não iria de cara ao maior alvo, até porque, ele seria o suspeito.
— O maior alvo seria eu — eu presumi.
— Você ferrou a vida do cara — ele sorriu — deveria seguir
carreira na promotoria, seria muito útil.
— O Levi falava muito, mas ele não quer — a Lari falou.
— Bem, eu sugiro que você coloque câmeras no corredor do
seu prédio, já que no elevador, eu acredito que já tenha. E no seu
escritório também. Quanto mais protegidos, mais provas teremos.
— Depois disso, alguma chance de ele conseguir sair?
— Olha, só se ele der muita sorte. Porque qualquer juiz vai
sugerir tratamento psiquiátrico e uma pena longa.
— Eu não devia, mas eu sinto alívio quando penso nisso —
eu falei e a Lari me sorriu.

Liguei para uma companhia ir instalar as câmeras onde fosse


preciso e me lembrei da Bia, então fui encontrá-la, mas ela já
estava no consultório.

Entrei na sala após pedir licença e fui até ela, que estava na
cadeira a espera da doutora.
— Pensei que não viesse — ela falou baixo. Era terrível
dizer, mas ela estava triste. Mais uma vez a nossa vida estava
tomada por problemas e investigações e eu me perdia no tempo.
— Logo vai ficar tudo bem — eu prometi — e o nosso tempo
será só nosso.
— Espero que não demore — ela falou e a doutora Manuela
entrou na sala.

A consulta seguiu tranquila e a doutora nos deu dicas para


aliviar as contrações de treinamento. A Bia estava com trinta e
duas semanas e eu queria que todo esse pesadelo já estivesse
longe da nossa vida, quando a Anna nascesse.

[...]

Eu estava ansioso e amedrontado. A Beatriz pôde focar um


pouco mais na gravidez e eu tentava administrar o meu tempo
para ela, para que no final de tudo isso, o nosso relacionamento
não estivesse soterrado.

Ela também andava com um gravador, o que poderia parecer


loucura minha, mas mesmo que fosse o seu pai, ele não era
confiável.

Cheguei em casa e encontrei a Bia na cozinha, mexendo algo


na panela e o meu coração doía ao vê-la ali, na nossa cozinha,
com essa barriga grande. Eu me aproximei devagar, a abraçando
por trás e ela grunhiu de susto.
— Demorou — ela falou, mexendo o brigadeiro.
— Desculpe — eu falei, descendo as mãos para a sua
barriga.
— Tá ansioso? — ela perguntou, porque o novo julgamento
do seu pai seria em dois dias.
— Ansioso e com medo — eu suspirei — mas tenho fé de
que vai ficar tudo bem.
— Vai sim — ela falou, desligando o fogo.

A Beatriz despejou o doce numa tigela pequena e levou para


o freezer, enquanto eu me sentei no banco rente ao balcão. Ela
veio até mim, parando entre as minhas pernas e eu inclinei para
beijá-la.
— Conseguiu falar com a Dani? — ela perguntou, quando o
beijo acabou.
— Não tentei, na verdade — eu resmunguei — não sei até
que ponto ela está magoada ou cega pela conversa do seu pai.
Não quero piorar as coisas.
— Ela perdeu o amor da vida dela, deve estar arrasada.
— Eu sinto tanta culpa, Bia — eu confessei — porque ele me
procurou, mas eu não precisava tê-lo envolvido em alguma
investigação.
— Não foi sua culpa — ela reclamou.
— A nossa sorte foi o Vitório — eu falei — e a acusação já
está abastecida com as provas e as testemunhas. Se a Dani
acordasse pra vida, não iria depor a favor daquele cara. Ela só vai
se prejudicar.
— Nós vamos ajudá-la depois.
— É — eu suspirei — nós vamos.

No dia do julgamento, eu levei a Beatriz para a casa da sua


mãe, para que ela não ficasse sozinha e angustiada. E mesmo que
ela tenha cogitado a ideia, eu não a deixaria exposta a tamanha
emoção e pressão psicológica.

Eu fui até o apartamento da Lari, mas quando saí do


elevador, esbarrei com Luizno corredor. Ele me encarou firme e
friamente, caminhando em minha direção.

Eu enfiei as mãos nos bolsos da calça, apertando o botão do


gravador, porque bem, vindo dele, tudo era uma prova para a sua
acusação.
— Então você acha que vai me vencer — ele falou
presunçoso — você não sabe mesmo onde se meteu, George...
— O que você está fazendo aqui?
— Vim alertar aquela advogadazinha de merda, só isso — ele
me forçou um sorriso — ela já perdeu um filho, é bom que
garanta a vida do outro.
— Então foi você — eu falei fingindo surpresa, esperando
por Deus que o áudio dessa gravação ficasse audível. Luizriu,
chegando mais perto.
— Não fui eu — ele falou incisivo.
— Você não suja as mãos — eu completei e ele arqueou as
sobrancelhas, presunçosamente.
— Ali foi só uma amostra, meu caro. Aquele rapaz era uma
pedrinha no sapato que mal me incomodava, mas eu precisei tirar
do caminho, estava começando a me atrapalhar.
— A sua hora vai chegar — eu disparei, mas respirei para
me manter calmo.
— A sua também — ele retrucou — você só está vivo até
agora porque a Beatriz está grávida.
— Então você vai me matar — eu falei, o encarando firme.
— Não me subestime — ele resmungou — você não é Deus
— ele falou antes de entrar no elevador, que fechou as portas e eu
entrei no apartamento da Lari.

Nós procuramos a advogada de acusação para mostrar mais


essa prova e eu acabei ficando para o julgamento. A Lari estava
na plateia e o Vitório no júri.

Tudo iria correr dentro do que nós esperávamos, porque para


nossa sorte, o bandido em questão era tão seguro de si que ficava
burro. Garantia-se nas ameaças, mas não limpava os seus rastros.
C apítulo 21
T a lv e z você não possa transformar o
mundo, mas você pode transformar o
m u n d o a s u a v o lt a

BEATRIZ LOBOS
O George me deixou na casa da minha mãe, mas eu fui com
o Benício para o fórum. Nós entramos na sala e o olhar do George
focou em mim, mas eu acenei um sorriso fraco para ele.
— Você não devia estar aqui — a Lari falou, tomando a
minha mão na sua.
— Eu fiquei muito preocupada — eu sussurrei.

O juiz deu início à audiência e a defesa do meu pai logo


começou a falar sobre recomeços e segundas chances. Expuseram
a maneira como ele tentou uma boa convivência com todos, para
se redimir e como ele estava tentando recuperar o tempo perdido
com a filha, Daniela Duarte. Que logo foi chamada para depor.
— O George podia estar lá? — eu perguntei e a Lari
assentiu.

O advogado de defesa começou as perguntas para a Dani,


que insistia em afirmar que o pai biológico não oferecia riscos e
estava disposto a se redimir pelos crimes antes cometidos.

Então o juiz deu a palavra para a acusação e a mulher


levantou, para começar as perguntas.
— Daniela, então você está ciente da empresa que está em
seu nome? — a advogada perguntou e a Dani assentiu — uma
empresa fantasma?
— Uma empresa de cosméticos — a Dani afirmou convicta.
— Meritíssimo a audiência não é sobre a empresa de
cosméticos que LuizSantos quer montar e estabilizar para a filha
— o advogado de defesa interferiu.
— Senhor juiz, nós temos algumas questões a serem
resolvidas em torno dessa suposta empresa.
— Prossiga — o juiz falou.
— Daniela, o seu namorado foi assassinado há pouco mais
de um mês, você suspeita de algo?
— Sim — a Dani falou, olhando para o George.
— A sua relação com o seu pai começou quando ele passou a
te presentear — a advogada falou, caminhando para mais perto —
o apartamento em seu nome, o carro e a quantia que está em sua
conta no banco, ultrapassam um milhão e quinhentos reais. Você
sabe de onde veio esse dinheiro?
— Meritíssimo, a acusação está constrangendo a testemunha
— o advogado do pai interferiu mais uma vez e a Lari riu:
— Mas é mesmo um advogado de merda.
— A testemunha pode responder às perguntas — o juiz falou.
— Bom, o dinheiro é para ser investido na empresa.
— Eu tenho mais algumas perguntas, senhor juiz — o
advogado do meu pai falou e o juiz fez um gesto para que ele
prosseguisse.
— Daniela, você que sofreu uma vida por ter sido enganada,
acredita que o seu pai biológico tenha mudado e que ele mereça
uma nova chance de recomeçar a vida?
— Sim, eu acredito que pessoas mudam e ele tem me
provado isso — ela falou e o meu coração começou a acelerar.
— Bom, nós trouxemos algumas provas — a advogada falou,
indo até o George e depois, até o juiz.
— LuizSantos foi condenado há quase um ano por crimes
hediondos como assassinato e tentativa de homicídio. Além de
ameaçar a própria filha. Há oito meses, o desembargador Luigi
Antônio Souza assinou o habeas corpus e no dia em que Luizfoi
solto, uma quantia de oitocentos e setenta mil reais foi depositada
em sua conta. Nesse tempo livre, ele atormentou a filha e o
namorado, George Duarte, com ameaças nocivas causando
complicações à gravidez de Beatriz. Como se não bastasse, ele se
aproximou da filha bastarda, filha da mulher que ele mandou
executar, porque estava envolvido em tráfico de drogas — ela
elevou um pouco o tom da voz — e precisava lavar o dinheiro e
declará-lo. Usando então uma empresa fantasma de cosméticos.
— Meritíssimo, essas acusações são infundadas — o
advogado de defesa falou, mas a acusação levava provas até o
juiz.
— A próxima testemunha pode entrar — o juiz falou e o um
homem entrou, indo se sentar onde a Dani estava sentada.
— Marcelo Oliveira Ramos — a advogada falou — o senhor
negociou com Maurício a venda das drogas.
— Sim, senhora.
— Como você entrou nesse negócio?
— Eu gerenciava o Hotel e a primeira coisa que a Dona
Luísa fez, foi me colocar pra fora, eu precisava de dinheiro — ele
começou, olhando para o meu pai, que agora estava complemente
sem reação — fui procurado para ficar à frente das vendas e tinha
os meus meninos para repassar. Tudo de modo discreto. Eu
precisava do dinheiro, não podia recusar.
— Você soube da morte de Maurício, certo?
— Certo.
— Pode nos contar como aconteceu?
— Meritíssimo, eles estão induzindo a testemunha a relatos
falsos — o advogado voltou a interferir, mas ele já não tinha mais
alguma credibilidade.
— A testemunha pode continuar — o juiz falou.
— Eu achei suspeita a procura do menino, porque ele não
entendia nada do que estava falando, não parecia um...
Traficante. Quando comuniquei ao Luís, ele sabia quem era e
mandou apagar o rapaz — ele falou tranquilamente.
— Porque ele está se entregando desse jeito? — o Benício
perguntou confuso.
— As coisas serão mais fáceis pra ele, do que se ele ficasse
quieto. Ia acabar levando a culpa sozinho. — a Lari explicou.
— Você o fez? — a advogada perguntou.
— Eu não sou assassino, doutora — ele falou — soube que o
menino estava morto quando me procuraram para depor.
— Meritíssimo, nós temos uma gravação onde LuizSantos
deixa em evidência que foi o mandante do assassinato de
Maurício Brechbuhler.
— Aproxime-se — o juiz falava imparcialmente.

Ela entregou para o juiz um dos gravadores que o George


distribuiu para todo mundo e o juiz aproximou o aparelho
pequeno do microfone.
— Então você acha que vai me vencer... Você não sabe
mesmo onde se meteu, George...
— O que você está fazendo aqui?
— Vim alertar aquela advogadazinha de merda, só isso. Ela
já perdeu um filho, é bom que garanta a vida do outro.
— Então foi você.
— Não fui eu — a voz do meu pai soou incisiva.
— Você não suja as mãos.
— Ali foi só uma amostra, meu caro. Aquele rapaz era uma
pedrinha no sapato que mal me incomodava, mas eu precisei tirar
do caminho, estava começando a atrapalhar.
— A sua hora vai chegar.
— A sua também, você só está vivo até agora porque a
Beatriz está grávida.
— Então você vai me matar.
— Não me subestime. Você não é Deus.

O advogado do meu pai ainda se levantou.


— Está evidente que esse áudio foi gravado em um momento
de impulso — ele falou, completamente de mãos atadas.
— Meritíssimo, temos acusações sérias contra este
advogado, que pagou propina para um desembargador — a
advogada de acusação falou firme, caminhando até o júri —
LuizSantos é um homem perigoso, que evidencia sinais de
psicopatia. Ele se sente tão seguro e invencível, que é mandante
de crimes covardes, deixando rastros fáceis de serem
encontrados. Um homem como ele não pode estar à solta. Ele
acabou com a vida de um jovem de vinte e três anos, namorado da
sua filha, só para colocar medo aos que lhe soavam como ameaça.
Ele tem sede de maldade, ele não precisava, mas se envolveu em
outro crime, o tráfico. E, além disso, deixou claro que George
Duarte não continuaria vivo. Eu encerro enfatizando: um homem
nocivo, destrutivo como ele, não pode estar solto.

Quando aconteceria a pausa para a votação do júri e a


sentença final do juiz, eu comecei a me sentir mal e saí dali com
o Benício. Ele pegou água para mim, que me sentei em um banco
que havia em um corredor.
— Dani? — eu chamei, quando a notei sentada no chão,
abraçando as pernas e fui até ela.
— Porque eu fui tão cega? — ela falou, com a voz engasgada
pelo choro. Eu não conseguia me sentar, porque a minha barriga
estava me impedindo até de ver os meus pés.
— Você foi enganada — eu falei baixinho — está tudo bem.
— O Mau está morto — ela chorava desolada — e eu ainda
me deixei acreditar que o George estava por trás disso.
— O seu irmão jamais faria isso — eu falei e ela soluçou
assentindo.
— Eu quero morrer — ela engasgou entre o choro. O Benício
veio até nós, se sentando ao lado dela e a puxou para um abraço,
acarinhando o seu cabelo.

Eu pedi para que saíssemos dali, porque estava ficando com


falta de ar e as malditas contrações vinham em momentos
inoportunos.
— Você não está em trabalho de parto, né? — o Benício
perguntou, quando eu parei de andar, porque essa dorzinha era
desconfortável.
— Não está na hora, então não — eu reclamei — isso é
normal, logo passa.

O Benício deu apoio para a Dani, porque eu estava


concentrada nas minhas contrações de treinamento, enquanto
caminhava de um lado para o outro no jardim do fórum.
Dessa vez, havia poucos jornalistas na porta e nenhum
insistiu para falar conosco.
Quando a Lari saiu, eu fui até ela.
— O seu pai teve um descontrole ao ouvir a sentença do juiz
e afirmou que a vida do George estava acabada — ela falou — eu
acho que foi blefe, mas o juiz está lá dentro com ele.
— Eu posso ir lá?
— Espera as pessoas irem embora — ela forçou um
sorrisinho amarelo.

O meu pai saiu algemado, assim como o seu advogado e os


fotógrafos aproveitaram para fotografá-los.
— Em um momento desses, eu queria ser jornalista e fazer
uma manchete bem sensacionalista — a Lari falou.
— Alguma chance de ele ser solto? — eu perguntei.
— Você quer isso? — a Larissa perguntou de volta e eu a
olhei, negando com a cabeça — o advogado dele, além de perder
a carteira da OAB, está preso. O desembargador vai perder o
cargo e não vai mais poder exercer a profissão. Acho difícil
alguém querer defendê-lo agora.
— Eu deveria estar triste, mas eu estou aliviada — eu falei
mais baixo e a Lari sorriu, nos levando para dentro.

O George, em vez de estar preocupado com as ameaças do


meu pai, tomava café com um dos caras do júri e a advogada.
— Eu me senti em uma partida de pôquer, dessas que a gente
começa o jogo com a mão ganha — a mulher falou e o George
deixou o café sobre a mesa, vindo até mim.
— Está tudo bem? — ele perguntou e eu assenti — você saiu
apressada, eu fiquei preocupado.
— Então essa é a famosa Beatriz Lobos — a mulher falou —
a sua história daria um livro daqueles. A desse rapaz aí também.
— Essa é a doutora Mariane, Bia — o George falou e eu
acenei um sorriso para ela.
— Pra quando é o bebê?
— Pra agosto — o George falou.
— Boa hora pra vocês. Depois de tudo isso, vocês merecem
— ela falou.
— Obrigada — eu falei.
— Vamos pra casa? — ele perguntou.
— Você está seguro pra sair daqui? — eu perguntei.
— Eu acredito que tenha sido só um blefe do Luís, quando
ele viu que além de não conseguir absolvição, a situação dele
havia piorado. E muito — A Mariane falou — a decisão foi
unanime.
— Mas ele vai começar um tratamento psiquiátrico — o
outro homem falou — vai amenizar um pouco.

Nós nos despedimos deles e fomos para o apartamento do


George com a Lari. A Daniela estava com o Benício, na nossa
casa.
— Como você está se sentindo? — o George perguntou,
quando eu me sentei ao sofá.
— Triste, mas aliviada — eu sorri fraco para ele — e você?
— Aliviado — ele suspirou, se abaixando à minha frente —
agora eu sinto que a nossa vida vai funcionar direito.
— Como vai ficar a situação da Dani? — eu perguntei.
— Como o apartamento já era do seu pai, se ela quiser, pode
ficar com ele.
— Não vai responder a algum processo?
— Não será necessário. O juiz viu que ela foi manipulada.
Vou cuidar pra tirar essa empresa inexistente do nome dela e a
polícia vai apreender o dinheiro. E as drogas.
— Então esse pesadelo acabou — a Lari falou, voltando com
uma garrafa de vinha duas taças e uma garrafa de água para mim.
Eu sorri para ela, me levantando, porque precisava fazer parte da
comemoração deles.

Era definitivamente o fim desse pesadelo. A mais lesada


nisso tudo foi a Lari, que perdeu o seu bem mais precioso: um
filho. E ela estava disposta a recomeçar.

Nós precisávamos fazer o mesmo.


C apítulo 22
Cada coisa tem sua hora e cada hora o
seu cuidado

GEORGE DUARTE
Eu fui buscar a Dani na casa da Beatriz, porque já havia lhe
dado tempo o suficiente para digerir essa história. Sabia que não
iria acabar a sua dor nem amenizar a sua perda, mas nós
precisávamos nos acertar.
— Eu não achei que você quisesse falar comigo — ela falou,
quando eu entrei no quarto que ela estava hospedada.
— Você é a minha irmã — eu falei confuso — eu daria a
minha vida por você.
— Eu cheguei a te acusar pela morte do Maurício — ela
falou, rindo incrédula — porque eu fui tão burra?
— Você foi gananciosa — eu precisei dizer — um cara como
aquele não iria mudar.
— Eu imaginei que pudesse, porque ele estava me
oferecendo tanto. E a conversa dele não parecia assustadora ou
cheia de ameaças.
— Ele precisava tratar você bem, pra poder usar você — eu
falei, suspirando — mas isso já acabou, está tudo bem. Vamos pra
casa?
— Eu tenho mesmo que voltar? — ela fez uma careta — logo
a Bia tem o bebê, eu não quero atrapalhar vocês.
— Você não vai atrapalhar — eu falei confuso — você não
quer vir?
— A Luísa disse que eu posso ficar o tempo que eu quiser. E
o meu quarto é cheio de lembranças do Mau... Eu não consigo
olhar, eu sinto que a culpa dele estar morto é minha — ela falou
angustiada e eu apertei os lábios, porque bem, se a Daniela não
tivesse cedido à conversa do pai biológico, o Maurício não teria
se envolvido nessa história.
— Você precisa seguir a sua vida, Dani. Eu imagino a sua
dor, a sua perda, mas a sua vida vai continuar. Se martirizar e se
culpar, não vai resolver muita coisa — eu falei.
— Eu não sinto muita vontade de algo agora — ela falou
mais baixo, se sentando à cama e eu fui me sentar ao seu lado, a
abraçando de lado, quando ela encostou a cabeça no meu ombro
— ainda bem que você veio, porque eu achei que nunca mais ia
ter o meu irmão de volta.
— Eu nunca deixaria você — eu sussurrei.
— Então tudo bem se eu ficar aqui por enquanto?
— Por enquanto — eu falei — nós vamos comprar uma casa
ou apartamento maior, você vai ter o seu espaço.
— Até lá resolvemos como eu vou ficar.
— Tudo bem — eu falei — mas qualquer coisa que você
precisar, pode falar comigo.
— Só quero saber como as coisas vão ficar, você sabe... O
dinheiro, o apartamento.
— O dinheiro era de tráfico, a polícia vai apreender. Mas o
apartamento continua sendo seu.
— Parece que tudo começou a dar errado quando eu aceitei
esse apartamento — ela resmungou — o Mau nem queria aceitar,
mas eu estava decidida, achando que sabia fazer a escolha certa.
— Ficar se culpando não vai mudar nada, Dani — eu
reclamei — agradece por tudo isso ter acabado, recomeça a sua
vida.
— Eu vou tentar.

Ainda fiquei algum tempo com a Dani e tive uma breve


conversa com a Luísa, sobre a estadia da minha irmã aqui.
— Essa Larissa — ela começou, como se não quisesse falar e
eu a olhei confuso — é casada?
— O que? — eu perguntei confuso.
— Porque o meu filho não é lá o exemplo a ser seguido e eu
tenho o visto saindo com essa mulher — a Luísa falou, fazendo
uma careta e eu deixei escapar um riso.
— A Larissa está saindo com o Benício? — eu ainda
perguntei, porque isso era bizarro.
— Bem, não sei como eles estão chamando isso, mas ela é
casada?
— Não, ela não é casada — eu falei, me divertindo com essa
suposição.
— Isso me tranquiliza — ela suspirou — o Benício é um cara
bom, mas muito festeiro e mulherengo.
— Talvez eles só estejam se divertindo — eu sugeri — tudo
bem mesmo a Dani ficar aqui?
— É ótimo, porque me faz companhia — ela sorriu fraco —
tomei a liberdade de marcar uma consulta com a minha terapeuta.
Vai ser bom pra ela, depois desse choque.
— Obrigado, Luísa.

Eu cheguei em casa e encontrei a Lari e a Beatriz na sala.


Analisei a Larissa minuciosamente, porque bem, ela era mais
velha que eu, mas nós sempre tivemos uma proximidade muito
boa. E ela não havia mencionado o meu cunhado.
— Está tudo bem, Lari? — eu perguntei a encarando e franzi
o cenho.
— O que você sabe, George? — ela perguntou zombeteira,
me passando a caixa de presente — pra mim?
— Toma vergonha — ela zombou — quando a sua mulher
está grávida, os presentes são todos pro bebê.
— E eu amo — a Bia falou.
— Nós estávamos falando sobre o parto — a Lari falou,
sendo esperta para fugir do meu interrogatório — a Bia é uma das
poucas a chegar ao nono mês sem se decidir.
— Ela só está com medo das dores — eu falei, sorrindo para
a Bia — mas ela tem algumas semanas até escolher.
— Eu tive duas cesáreas. Foi bom, mas os relatos de
recuperação de um parto normal sem complicações são
sensacionais.
— Esse é o meu medo — a Beatriz resmungou — optar por
esperar a hora da Anna e algo nos fazer partir pra cesárea.
— É muito moderno também, marcar a hora e ir lá, ganhar o
bebê — a Lari falou — já conversou com a sua médica?
— Está tudo a favor pra eu ter normal — ela falou,
respirando pesado — mas eu consigo deixá-la confusa. Não
adianta estar tudo bem se eu estiver com medo. Porque eu não
quero optar por alguma anestesia, caso seja normal. E o meu
medo é sentir dor.
— Você é mesmo confusa — a Lari riu e eu me levantei,
porque eu estaria lá, de todo modo, mas essa não era a minha
conversa preferida.

[...]

Flagrar a Larissa no seu escritório com o Benício não foi lá


uma surpresa, mas era engraçado. O irmão da Bia saiu
envergonhado e eu me sentei, enquanto a Lari prendia o cabelo.
— Você por acaso quer assistir alguma cena de sexo minha?
— ela perguntou impaciente, porque volta e meia eu a pegava
nessa situação.
— O Levi me mandou vir — eu falei e ela bufou um riso.
— O Levi, assim que eu não estiver mais disponível, vai
arrumar outra amante — ela falou, se sentando — e eu quero
renovar a minha vida, eu preciso disso. Ele destruiu o meu
casamento e o dele está intacto, não é justo que eu permaneça
sendo a outra.
— A Giovana não vai largá-lo — eu precisei dizer.
— Pois bem.
— O Benício tem idade pra ser — eu parei, rindo — o seu
sobrinho.
— Você não é esse cara preconceituoso, George — ela me
cerrou os olhos, mas sorriu — e eu to gostando dessa aventura.
— Boa sorte, então — eu falei — então, o que ele estava
fazendo aqui?
— Nós estamos juntos, vivendo uma aventura e ele veio me
ver — ela falou desinteressada.
— Ele não parece o cara que vai ter um relacionamento e se
ele ousar aprontar...
— Olha, não to preocupada. Você também não parecia um
cara que iria ter um relacionamento e está aí, casado.
— Casado ainda não — eu falei — mas pensando em uma
maneira de pedir a Beatriz em casamento.
— Tenho uma ideia — ela falou animada.

[...]

Início de agosto, um sábado e os planos eram de ir para a


fazenda. Mas a bolsa da Beatriz estourou.

Ela estava em frente ao espelho, dançando e brincando com a


barriga, quando de repente parou e nós ouvimos um estalo.

Eu parei e coloquei a camisa sobre a cama, sem vesti-la e fui


até lá. A Bia me olhou assustada e a sua respiração começou a
ficar acelerada. Ela acordou essa manhã decidida a marcar a
bendita cesariana. Ela havia entrado na trigésima oitava semana e
nós acreditávamos que ainda havia tempo.
— Eu não quero parir — ela falou pausadamente e assustada
e, eu não consegui segurar o riso.
— Eu vou ligar pra doutora Manu — eu falei, procurando o
meu celular pela cama.

A Beatriz começou a andar pelo quarto, inconformada


enquanto eu avisava a doutora que a bolsa havia estourado e ela
nos mandou ir para a maternidade, porque já estava a caminho.
— Você tá sentindo algo? — eu perguntei enquanto ela ia
para o banheiro — se você quiser, dá pra fazer a cirurgia.
— Vou tomar um banho — ela falou, respirando fundo —
espero que isso não doa.
— O banho?
— O parto, George — ela fez uma carranca.

Avisei para os nossos amigos e família, somente quando


chegamos à maternidade. A Lya chegou primeiro, estranhando a
calma da Beatriz, sobre a cama, fazendo carinho na barriga.
— Não dói? — a amiga perguntou.
— Não me pergunta sobre dor — ela resmungou — ainda
não. Parecem com as contrações que eu sempre senti, só que um
pouco pior. Se for só assim, eu acho que aguento.

Algumas horas depois, a Beatriz apertava as minhas mãos


com força, me fazendo grunhir de dor junto com ela, mas ela
chorava.
— Isso dói muito — ela soluçou, quando a contração foi
embora e eu estiquei as mãos, porque estavam doendo. Não ousei
falar nada, porque ela já havia até me culpado pela dor que
sentia.

Quando alguém entrava no quarto, ela mandava embora,


porque só me queria aqui com ela, nesse momento cheio de dor e
amor. Nós ficamos algumas horas ali. Dançamos, caminhamos
pelo corredor, ela tomou banho quente e me culpou por essa
maldita dor mais uma vez.
Ela havia marcado com uma fotógrafa para termos todo o
parto registrado e ainda ligou para ela quando saímos de casa,
mas quando a mulher chegou, ela a mandou sair do quarto, então
eu pedi para que ela voltasse quando a Anna já estivesse aqui
conosco.

A doutora veio mais uma vez, para examinar a Bia, que a


essa altura já estava agoniada querendo fazer força.
— Se não for agora, eu não vou conseguir parar — ela
grunhiu furiosa e já estava suada, de tanta força que usava para
aguentar essas malditas contrações.
— Preparados? — a doutora perguntou, bipando a sua equipe
e a Beatriz começou a chorar. Eu beijei as suas lágrimas,
deixando um beijinho na sua boca — a vida de vocês vai mudar
pra sempre em alguns minutos.
— Meu deus — a Beatriz sussurrou e eu sorri para ela,
deixando um beijo carinhoso na sua testa.

[...]
Eu segurei a minha filha no berçário, a levando para perto do
vidro, para que os nossos amigos e a família pudessem ver a
nossa Anna. Quando eu me deparei com todos ali, emocionados e
eu segurava a minha filha, comecei a chorar, porque não
acreditava que eu estava aqui vivendo isso. Depois de todos os
estragos e perdas, eu vivia um dos momentos mais completos da
minha vida.

Era como se todo o passado estivesse ofuscado e nós


estivéssemos na linha de partida, prontos para um novo começo.
E pílogo
A vida ensina sussurrando...

BEATRIZ LOBOS
A nossa Anna completava o seu primeiro mês de vida e nós
estávamos com ela na fazenda, para toda a família do George
conhecê-la. A sua prima Aninha havia feito um bolo e docinhos
para comemorarmos.

Eu olhava para o avô paterno do George e o meu peito se


apertava, porque a minha filha teria tido um avô incrível, se não
fosse o meu pai.

Nós cantamos parabéns para a minha filha e eu a levei para o


quarto, para poder amamentá-la.

Eu olhava para ela, com todos esses traços bonitos e não


conseguia explicar o quanto ela foi necessária. Era a prova do
maior amor que eu já senti. Era o ensinamento de que a vida te
atropela e você vai ter que lidar com ela.

Não gostava do pensamento de o George ter uma filha, com a


filha do homem que arruinou a sua família. Eu não era culpada,
não iria me punir. Preferia pensar que nós dois ficamos juntos e
nos apaixonamos para provar que amor não mede espaço nem
conveniência. Ele não acontece como nos contos de fadas, ele te
dá chances de vivê-lo, cabe a você agarrá-las ou não.

Os olhos da Anna pareciam ser claros, mas a avó do George,


Dona Lígia, já havia dito que isso poderia mudar. Ela era bem
branquinha e os cabelos eram claros. Não dava para afirmar nada,
porque ela iria mudar muito, mas os traços dela vieram do pai.
Pelo menos ele era um gato.
Eu contornava o seu rosto, porque eu me sentia realizada de
uma maneira muito louca.
— Você baba muito nessa nossa filha — o George falou
baixinho ao entrar no quarto e eu sorri para ele, que se sentou ao
meu lado na cama.
— Nós fizemos um trabalho perfeito — eu precisei dizer,
deixando um escapar um risinho.
— Sim, nós fizemos — ele concordou, fazendo um carinho
no cabelo ralo da nossa filha.
— Como a Dani está? — eu perguntei, porque ela relutou a
querer vir, mas estava na sala.
— Bem... Ela ainda se sente envergonhada, mas ninguém vai
ficar julgando ou a punindo.

Nós dois ficamos ali, babando a nossa filha até ela dormir e
voltamos para a sala, para comemorar a vida dela com a nossa
família. Eles tinham todos os motivos do mundo para não me
acolher, mas o fizeram.

Quando todos já haviam ido embora ou dormir, ficamos


apenas eu e o George na sala, com uma música baixa. Os meus
braços estavam em volta do seu pescoço e os seus enlaçavam o
meu corpo, enquanto ele nos guiava lentamente, quase fora do
ritmo da música. Nós nos olhávamos e eu não sabia mais explicar
esse nosso amor. Eu era tão refém dele e tão feliz ao lado dele,
que não iria mais reclamar dos estragos e perdas que nos
trouxeram até aqui. Eu queria que tudo fosse diferente, mas nós
precisávamos focar no que nós tínhamos daqui para frente.

A música acabou e ele me deu um beijo forte, deixando


escapar um risinho, tirando algo do bolso. Eu franzi o cenho e ele
parecia meio nervoso. Ele me puxou pela mão, se sentando ao
sofá e me colocou sentada de lado, em uma das suas pernas.
— Eu não sei como fazer isso — ele começou e eu levei uma
mão para a lateral do seu rosto, deixando um beijo nos seus
lábios.
— Eu te amo — eu sussurrei e ele assentiu, respirando
fundo.
— Desde que eu conheci você, eu desaprendi a ser sozinho
— ele falou, chegando a rir — o destino foi trapaceiro comigo,
porque os meus planos pareciam ser outros. Mas eu já cheguei à
conclusão de que não, eu não queria te enganar, eu queria ter
você, desde o primeiro momento. A minha vingança... Justiça —
ele corrigiu — foi só a desculpa que eu usei pra me encorajar. E
nós fomos nos aproximando e nos envolvendo e... Eu já não via
mais a minha via sem ser preenchida por você. É como se você
me conduzisse para a felicidade. De um jeito meio desengonçado,
mas gracioso. Você é o meu amor, Bia, e eu não vejo um
momento melhor pra gente começar a planejar o nosso pra sempre
— ele falou, abrindo a caixinha, me mostrando o anel com uma
pedra muito bonita no chuveirinho. Eu o olhava, meio sem
reação, porque eu sempre fui a pessoa com esses desejos clichês,
mas ele era mais cético, mais prático.
— Você quer se casar comigo? — ele perguntou e eu dei a
minha mão, para ele colocar o anel.
— Eu não consigo recusar — eu reclamei e ele riu,
colocando o anel em mim. Ainda admirei a joia na minha mão
direita, mas o puxei para um beijo, deixando que ele nos levasse
além.
— Alguém vai nos ver aqui — eu sussurrei, porque já
estávamos deitados no sofá, no meio de beijos excitantes.
— Está todo mundo dormindo — ele grunhiu, quando eu
apalpei o seu membro, por cima da roupa.
— Eu nem acredito que a gente vai se casar — eu falei,
gemendo baixinho com os seus beijos descendo pelo meu
pescoço.

[...]

Eu olhava para o George, que fazia um carinho na nossa


filha, que estava entre nós dois na cama e queria gritar para ele o
meu amor. Ele fez se tornar real um amor quase palpável,
guardando as minhas fantasias e desejos mais loucos e os mais
clichês.

Nós éramos a mistura de carinho e tesão, que todo mundo


deveria experimentar ao longo da vida. O nosso amor deu certo
desde o primeiro momento, as histórias ao nosso redor que nos
atrasaram.

Mas nós não nos culparíamos por isso.

Fim
S obre a autora

Mineira de Governador Valadares, Fernanda Verônica foi para a Bahia aos 7


anos de idade, onde mora até os dias atuais. Começou a publicar suas histórias em
2011, nas comunidades do Orkut. Atualmente tem 24 livros publicados na Amazon!

@FERNANDAVERNICAAUTORA

FANPAGE

Eu sou seu – Esse é o nosso destino (2011)


Mudanças – Livro 1 (2011)
Mudanças – Livro 2 (2012)
No limite da razão (2012)
Viradas de Jogo – Livro 1 (2012)
Viradas de Jogo – Livro 2 (2013)
Desatando (2012)
Golpe do Destino (2013)
Amor Vagabundo (2014)
O amor e outros jeitos de Sobreviver (2017)
Doces Ilusões – Atingida pelo destino (2017)
Doces Ilusões – Ganhar o impossível: perdão e amor (2017)
Doces Ilusões – Um novo começo (2018)
Amor de Novela (2018)
Ben, o Divorciado (2019)
Jorge Maravilha (2019)
Jorge Maravilha em: o que acontece depois do ponto final (2020)
Dividida em dois (2020)
Meu conflito preferido (2020)
Doce Tentação (2021)
Doce Tentação – Livro 2 (2021)
Minha Louca Tentação (2021)
Inesquecível Tentação (2021)
Imprevisível Tentação (2023)

Fique de olho nas minhas redes sociais para saber dos próximos
lançamentos!

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