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A FILOSOFIA DA CIENCIA DE KARL POPPER: 0 RACIONA- LISMO CRiTICO! Fernando Lang da Silveira Instituto de Fisica - UFRGS Porto Alegre, RS Resumo A filosofia de Karl Popper - 0 racionatismo critico - & apresentada. Para ele todo 0 conhecimento é falivel e corregivel, virtualmente provisorio. O conhecimento cientifico é criado, construido ¢ nao descoberto em conjuntos de dados empiricos. A refitabilidade demarca a ciéncia da néo-ciéncia e a atitude de colocar sob critica toda e qualquer teoria permite 0 aprimoramento do conhecimento cientifico. A teoria do conhecimento, dos Trés Mundos ¢ 0 problema cérebro-mente sdo discutidos. 1. Introdugio No dia 17 de setembro de 1994, aos noventa ¢ dois anos de idade, faleceu na Inglaterra o célebre filésofo Karl Popper. Austriaco de nascimento, imigrou nos anos 30, fugindo do nazismo; inicialmente esteve na Nova Zelandia, estabelecendo-se depois na Inglaterra, Na London School of Economics foi professor de Filosofia da Ciéneia; em 1964 recebeu o titulo de cavaleiro (Sir). A filosofia de Popper, 0 racionalismo critico, ocupa-se primordialmente de questdes relativas 4 teoria do conhecimento, 4 cpistemologia. Ainda na Austria, em 1934, foi publicado o seu primeiro livro, Logie der Forschung ( A Logica da Pesquisa Cientifica (Popper, 1983), na versio brasileira), que se constituiu em uma critica ao positivismo légico do Cireulo de Viena, defendendo a concepgaio de que todo o conhecimento ¢ falivel ¢ corrigivel, virtualmente provisério. © pensamento de Popper também abrangeu a esfera da politica ¢ da sociedade. Em A Sociedade Aberta e seus Inimigos (Popper, 1987b © 1987c) ¢ A miséria do Historicismo (Popper, 1980b) transpde seus ensinamentos epistemold: para o campo da aco politica racional, Como todo 0 nosso conhecimento é imperfeito, estando sempre sujeito a revisdes criticas, qualquer mudanga na sociedade devei | Trabalho parcialmente publicado em Scientia, Si Leopoldo, 5 (2) : 9-28, 1994. 197 Cad. Fis, v-13,n3: p.197-2 de7.1996, ocorrer de maneira gradual para que os crros possam ser corrigidos sem causar grandes danos. A idéia de uma sociedade perfeita, atingivel através de uma revolugao social, ¢ ctiticada e considerada irracional Nos ocuparemos a seguir das idgias de Popper sobre a teoria do conhecimento, a epistemologia e sobre 0 problema cérebro-mente. Nao apresentaremos suas idéias politico-sociais IL. As explicagis cientificas e a logica dedutiva Uma das tarefas da ciéneias ¢ a explicagaio. Ao longo da histéria da pritica da explicag4o, muitos métodos ¢ tipos diferentes foram tidos como aceitiveis, mas todos eles tém algo em comum: “consistem todos de uma dedugio Wgiea; uma deducdo cuja conclusdo é 0 explicandum - uma assercao da coisa a ser explicada” (Popper, 1982, p. 321) ¢ de um conjunto de premissas - 0 explicans - constituido por leis ¢ condigdes especificas. Qualquer explicagao envolve no minimo um enunciado universal (lei) que. combinada com as condigdes especificas, permite deduzir 0 que se deseja explicar. Apenas condigdes especificas ndo so suficientes para se produzir uma explicagdo. Por exemplo, se quisermos explicar 0 aumento da resisténcia elétrica de um fio de cobre pela clevacao da temperatura, podemos supor um enunciado universal que afirma que os condutores metdlicos possuem resisténcia variando com a temperatura, Lei: a resisténcia elétrica dos condutores metilicos varia com a iemperatura. Condigdes especificas: a temperatura do fio de cobre variou de 20° C para oc. Conelusio: a resisténcia elétrica deste fio de cobre variou. Obviamente que esta nao é a tinica explicagao possivel. Outras explicagdes mais profundas ¢ complexas recorreriam a leis ¢ condigdes especificas sobre a estrutura da matéria, justificando © fendmeno macroscépico (a vari @ncia) a partir deste nivel microseépico. Uma explicagdo desta ordem envolveria uma longa cadei: dedutiva para finalmente atingir o explicandum, O importante na presente discussio ¢ 0 aspecto dedutivo das explicagdes ¢ a necessidade de se recorrer a no minimo uma lei ¢ as condigdes especificas. Outras tarefas da cigneia, como a derivagaio de predigdes © aplicagdes téenicas, também “podem ser analisadas por meio de esquema ldgico que apresentamos para analisar a explicagdo” (Popper, 1982, p. 324). (0 conhecimento das leis © das A derivagao de predigdes parte do supos condigdes especificas, obtendo-se algo que ainda nao foi observado. Nas apli técnicas so especificados os resultados a serem obtidos, como, por exemplo, a Silveira, F.L. da 198, construgiio de uma ponte, ¢ so admitidas certas leis ¢ teorias relevantes. O que se procura entio sio condicdes especificas que possam ser tecnicamente realizadas. A légica dedutiva desempenha um papel de grande importincia no conhecimento cientifico. Segundo Popper, ela — transmissora da verdade. —retransmissora da falsidade. —ndo-retransmissora da verdade. Ela transmite a verdade do cxplicans para o explicandum, ou seja, sendo verdadeiras as leis e as condigdes especificas, serd necessariamente verdadeira a conclusio. Ela retransmite a falsidade do explicandum para o explicans, ou seja, s conclusto ¢ falsa, entio uma ou mais premissas sio falsas. Ela no retransmite a verdade do explicandum para o explicans, ou seja, sendo a conclusio verdadeira, podera ser parcialmente ou totalmente falso 0 explican: Em outras palavras, de premissas falsas é possivel se obterem conclusdes verdadeiras Essas trés propriedades da légica dedutiva podem ser exemplificadas através do raciocinio dedutivo abaixo: Primeira premissa: fodos os A sao B. Segunda premissa: XV é A. Conclusio: X'é B. A transmissio da verdade das premissas para a conclusdo ocorre no seguinte exemplo onde as premissas so verdadeiras: Primeira premissa: todos os metais sdo condutores elétr Segunda premissa: 0 cobre é metal. Conclusao: 0 cobre é condutor elétrico. A retransmissio da falsidade da conclusio para as premi: seguinte exemplo onde a conclusio ¢ falsa porque a segunda premissa ¢ fal Primeira premissa: fodos os metais so condutores elétrict Segunda premissa: 0 vidro é metal. Conclusao: 0 vidro é condutor elétrico. A nao-retransmissio da verdade da conclusio para as premissas ocorre no seguinte exemplo onde a primeira premiss segunda premissa é falsa: Primeira premissa: odos os metais sio condutores. Segunda premis Conclusio: 0 carvéto é condutor elétrico. A cstrutura dedutiva das explicagdes cientificas ¢ as propricdades da légica dedutiva so importantes para a filosofia da ciéneia de Popper, em especial no método critico exposto mais adiante. ‘ocorre no a conclusio sao verdadei sea o carvao é metal. 199 (Cad.Cat Ens.Fis., v.13,n3: p.197-218, dez.1996, IIL. O problema da indugio Um dos problemas da filosofia da ciéncia investigado por Popper ¢ 0 chamado “problema da inducdo”. Acreditavam os indutivistas ser possivel justificar logicamente a obtengao das leis, das teorias cientificas a partir dos fatos; poder-se-ia, utilizando a légica indutiva, chegar as leis universais, as teorias cientificas. "E comum dizer-se “indutiva”’ uma inferéncia, caso ela conduza de enunciados singulares (...), tais como descri¢ observagdes ou experimentos, para enunciados universais, tais como hipéteses ou teorias. s dos resultados de Ora, esté longe de ser dbvio, de um ponto de vista légico, haver justificativa’ no inferir enunciados universais de enunciados singulares, independentemente de quédo numerosos sejam estes; com efeito, qualquer conclusdo colhida desse modo sempre pode revelar-se falsa; independentemente de quantos cisnes brancos possamos observar, isso nao justifica a conclusdo de que todos os cisnes so brancos" (Popper, 1985, p. 27/28). O problema da indugao também pode ser formulado de outra maneira: ha leis universais certamente verdadeiras ou provavelmente verdadeiras? Epos justificar a alegagdo de que uma teoria é verdadeira ou provavelmente verdadeira a partir de resultados experimentais ou de observagdes? Aqui também a resposta de Popper ¢ negativa. Nao importa quantas assergdes de teste (resultados experimentais ou de observagdes) sc tenha, nao é possivel justificar a verdade de uma teoria, pois a légica dedutiva nao retransmite a verdade. O confronto da teoria com as assergdes de teste nunca é direta; ha necessidade de s is com condigdes especificas ¢ derivar dedutivamente com baixo nivel de generalidade. Estas podem, em principio, rem confrontadas com os fatos. Se os fatos apoiarem as conclusdes, se forem dadas como verdadciras, no ha retransmissio da verdade para as hipoteses alto nivel de generalidade (as leis universais). Nao importando quantas “confirmagdes” de uma teoria tenham sido obtidas, é sempre logicamente possivel que, no futuro, se derive uma conchusio que nao venha a ser confirmada, Conforme 0 exposto na seegio anterior, & possivel, de premissas falsas, obter-se conclusdes verdadeiras, Outra razio contra a existéneia da logica indutiva esté em que um conjunto de fatos sempre & compativel com mais de uma generalizagio (rigorosamente com um. némero infinito de generalizagdes). Por exemplo, se todos os cisnes até hoje observados io brancos, algumas possiveis generalizagdes so as seguintes: ivel s conclusées com Silveira, F.L. da 200 ~ Todos os cisnes sdo brancos Todos os cisnes séio brancos ou negros. ~ Todos os cisnes siio brancos ou vermelhos ou azuis. Qualquer enunciado que afirma o observado ¢ um pouco mais (ou muito mais) ser compativel com as observagdes ocorridas Estes aspectos légicos que contraditam a existéncia da légi complementados nas secgdes seguintes com outros que se apdiam na histéria da ciéncia, A historia da ciéneia mostra exemplos de teorias que passaram a corrigir os fatos que pretensamente teriam servido como “base indutiva” das mesmas (a mecdnica newtoniana assim 0 fez). Além disso, ha exemplos de teorias cicntificas ques originaram no em fatos mas em teorias metafisicas (é 0 caso da teoria copernicana). ‘Tendo Popper negado a possibilidade de uma solugao positiva ao problema da indugao, parte entdo para uma resposta 4 questio do método das ciéneias empiricas (fisica, quimica, biologia, psicologia, sociologia, etc.). indutiva serao IV. O método critico Nao ¢ tarefa da logica do conhecimento “a reconstrucéo racional das fases que conduziram o ciemtista & descoberta” (Popper, 1985, p. 32) da teoria cientifica. Nao ha caminho estritamente Idgico que leve a formulagio de novas teorias. As teorias cientifi construgdes que envolvem, na sua origem, aspectos ndo completamente racionais, tais como, a imaginagio, criatividade, intuigdio, etc. “As teorias sao nossas invencées, nossas idéias — ndo se impaem a nés” (Popper, 1982, p. 144). Sdo tentativas humanas de descrever e entender a realidade, Para Popper, a tarefa da cpistemologia ou da filosofia da ciéncia é reconstruir racionalmente “as provas posteriores pelas quais se descobriu que a inspiracdo era uma descoberta ou veio a ser reconhecida como conhecimento” (Popper, 1985, p. 32). Em outras palavras, ndo deve a epistemologia se preocupar em reconstruir a inspiragio do cientista (isto é tarefa da psicologia da ciéncia) ¢ nao & importante para a questo da validade do conhecimento em que condigd formulou a teoria, O método da cigneia se caracteriza pela discussio critica do conhecimento ico e pode ser denominado método critico de teste dedutive. Dada uma teoria, é possivel, com auxilio de condigdes espceificas (ou iniciais ou de conto) ¢ com auxilio da logica dedutiva, derivar concludes. Como exemplo, consideremos a teoria sobre a queda dos corpos que afirma ser a velocidade de queda proporcional ao peso. Ou sej © cientista cient : a velocidade de queda de um corpo é proporcional ao seu peso. 201 (Cad.CatEns.Fis., v.13,n3: p.197-218, dez.1996, Condigdes especificas: este tijolo é mais pesado do que esta pedra pequena, Ambos sao abandonados simultaneamente a 2m do solo. Conclusio: o tijolo atingird o solo antes da pedra. Esta predigdo (conclusio derivada da teoria e das condigdes especific: pode entio ser confrontada com os com os fatos ou ser compativel. No primeiro caso, como a ldgica dedutiva é retransmissora da falsidade, no minimo uma das premissas ¢ falsa, se as condigdes especificas forem verdadeira a teoria foi falscada ou falsificada ou refutads No segundo caso, como a légica dedutiva nao é retransmissora da verdade, nao é necessariamente verdadeira a teoria. Na terminologia de Popper, a teoria foi corroborada, passou pelo teste empirico. Sempre havera a possibilidade de, no futuro, derivar da teoria uma conseqiiéncia que seja incompativel com os fatos e, portanto, as teorias cientificas so sempre conjecturas. Nao ha forma de se provar a verdade de uma teoria cientifica; por mais corroborada que uma teoria livre de critica © no futuro podera se mostrar problematica e podera ser substituida por outra. Os indutivistas sempre cnfatizaram a necessidade de se verificarem as teorias através das suas conseqiiéncias; na filosofia indutivista 0 importante é a verificagio, pois, através dela, poder-se-ia justificar a verdade ou pelo menos a probabilidade das teorias. Para Popper, as verificagdes relevantes sio aquelas que colocaram em risco a teoria, aquelas que aconteceram como decorréncia de tentativas de teste (de refutagdio). Casos verificadores sao facilmente encontraveis para quase todas as teorias. Exemplificando mais uma vez com a hipétese de que a velocidade de queda de um corpo € proporcional ao scu peso: ¢ possivel se encontrar uma imensidade de casos verificadores constituidos por pares de corpos do tipo pedra e pena. Outro bom exemplo de alto grau de verificagao pode ser encontrado na teoria astrolégica; qualquer astrélogo & capaz de apresentar um némero grande de previsdes concretizadas. As severas tentativas de refutar uma tcoria ¢ que resultam em corroboragées sdio as que realmente importa. A histéria da ciéneia mostra teorias que durante um certo perfodo de tempo foram corroboradas e, apesar disso, acabaram se tomando problemiticas. O exemplo mais impressionante é 0 da mecanica newtoniana: durante mais de duzentos anos foi corroborada espetacularmente. Alids, algumas corroboragdes da mecanica newtoniana mostram que a légica indutiva ¢ insustentivel. Ela corrigiu os fatos dos quai indutivistas (c 0 proprio Newton) acreditavam ter sido logicamente derivada a lei da gravitacdo universal; supostamente a lei da gravitacdo universal teria sido logicamente induzida das leis de Kepler (Newton afirmara que no inventava hipdteses e pretendia que a sua teoria houvesse sido obtida dos fatos). A lei da gravitag2o universal nfo pode ser logicamente derivada das leis de Kepler simplesmente porque cla contradiz, corrige ) fatos. Poderd entéio a conclusio ser incompativel os Silveira, F.L. da 202 as mesmas; a primeira lei de Kepler afirmava que as érbitas planetarias cram clipses, ¢ a teoria de Newton permitiu demonstrar que as mesmas nao sfio rigorosamente elipses (io aproximadamente clipses); adicionalmente Kepler afirmara que os cometas desereviam trajet6rias retilineas © a teoria de Newton _prediss aproximadamente clipticas, parabélicas ou hiperbélicas para cles. mecanica newtoniana foram surpreendentemente corroboradas (algumas apé de Newton, como a do retorno do cometa previsto por Halley - 0 cometa Halley). Ora, se existisse a logica indutiva, 0 minimo que deveria ocorrer nas indugdes das leis a partir dos fatos ¢ que as Icis no contraditassem estes mesmos fatos. Outras corroboragées importantes da mecanica newtoniana sio as descobertas dos dois tiltimos planetas do sistema solar (Netuno ¢ Plutdo). A previsio da 6rbita de qualquer plancta do sistema solar a partir das leis de Newton (as trés leis do movimento ¢ a lei da gravitagao universal) é possivel de ser realizada se adicionalmente se dispuser de um modelo sobre o sistema solar; este modelo deve especificar quantos (0 os planetas, as suas massas, as distincias ao Sol, ete. A érbita de um planeta particular depende principalmente da forca gravitacional que ele softe por parte do Sol, mas também depende das agdes dos outros planetas. No século XIX foi observado que a orbita prevista para Urano cra incompativel com as observagdes astrondmicas; Adams ¢ Leverrier, admitindo que 0 problema nfo se devia A mecénica newtoniana mas a0 modelo existente sobre o sistema solar, trabalharam sobre hipétese de existéncia de um planeta ainda nao conhecido além da érbita de Urano ~ 0 planeta Netuno, Conseguiram, inclusive, calcular a posigiio do novo planeta ¢ orientaram os astrénomos a realizarem novas observagdes; estes acabaram por confirmar a existéncia de Netuno. Esta hi se repetiu novamente, jé no século XX, em relagilo a Plutdo. A descoberta dos dois tiltimos planetas do sistema solar exemplifica um outro aspecto relative a0 método critico: a possibilidade de se evitar falseamento de uma tcoria a partir de uma hipétese suplementar; se a conseqiiéneia de uma tcoria & contraditada pelos fatos, ¢ logicamente possivel retransmitir a falsidade as condigoes especificas (no cxemplo anterior, a falsidade foi retransmitida a0 modelo sobre 0 sistema solar). Esta hipétese suplementar, que salvou a mecnica newtoniana, era testvel_independentemente; hips suplementares ad-hoc (hipéteses a favor das 's pretendem explicar) devem ser evitadas. Popper destaca que “todo 0 nosso conhecimento é impregnado de teorta inclusive nossas observagdes” (Popper, 1975, p. 75). Nao existem dados puros, fatos ncutros (livres de teoria). Exemplifiquemos mais uma vez com a mecanica newtonian: a fim de testar a previsto de uma determinada drbita planctiria, é necessario confrontar posigdes previstas para o planeta com posi¢dcs observadas a partir da Terra. Os fatos aqui scriam resultantes de um processo de observagio astrondmica; ora, estes fatos so interpretages a partir de diversas tcorias, tais como a da ética do telescépio, a morte st 203 (Cad.Cat Ens.Fis., v.13,n3: p.197-218, dez.1996, propagagio da luz no espago interplanctirio, refragio da luz na atmosfera, teoria de crros de medida, ete. Mesmo os fatos que so baseados apenas em nossa percepgiio também esto impregnados de teorias; os érgios dos sentidos ¢ o sistema nervoso s que interpretam os estimulos, \es. “Nao héi érgdos de sentido em que ndo se achem incorporadas geneticamente teorias antecipadoras” (Popper, 1975, p. 76) A inexisténcia de fatos livres de teoria implica a insustentabilidade de (0 de falscacionismo ou refutacionismo ingénuo que erradamente é atribuida a Popper. Para o refutacionismo ingénuo, uma teoria estaria indubitavelmente refutada quando os resultados observacionais (c/ou experimentais) fossem incompativeis com alguma conseqiiéneia ou conelusdo da teoria, Entretanto, tal ndo & necessariamente verdade, pois o problema pode estar nas condigdes especificas (6 0 caso da descoberta de Netuno ¢ Pluto), ou, pode se encontrar nas préprias observagdes. Ou seja, se houver alguma discrepancia entre posigdes observadas para um dado planeta, pode ser que a teoria observacional esteja com problema. Alids, isto efetivamente ocorreu quando Newton propds ao astrénomo real uma correo da luz na atmosfera, de modo a adequar os dados astron6micos as previsdes por cle feitas. Todo @ nosso conhecimento & conjectural, inclusive as falsificagdes das teorias; as falsificagdes nao se encontram livres de critieas e nenhuma teoria pode ser dada como “definitivamente ou terminantemente ou demonstravelmente falsificada” (Popper, 1987a, p. 22). Assim sendo, “qualquer falsificagao pode, por sua vez, ser testada de novo” (Popper, 19872, p.23) O progresso da ciéncia depende da objetividade cientifica. Esta “encontra- se tinica e exclusivamente na tradicdo critica” (Popper, 1989a, p. 78), na tradigaio que permite questionar qualquer teoria. Entretanto a objetividade da ciéncia nao é uma questo individual dos cientistas; individualmente o cientista é, via de regra, parcial, conquistado por suas préprias idéias. “Alguns dos mais destacados _fisicos contempordneos fundaram inclusivamente escolas que opdem uma forte resistencia a qualquer idéia nova” (Popper, 1989a, p. 77). A objetividade da ciéncia é uma questio social dos cientistas, envolvendo a critica reciproca, a “divisdo hostil-amistosa de trabalho entre cientistas, ou sua cooperacao e também sua competicao” (Popper, 1978, p. 23). O fato do cientista individualmente ser parcial ou dogm: desejavel. “Se nos sujeitarmos a critica com demasiada facilidade, munca descobriremos onde es verdadeira forca de nos is” (Popper, 1979, p. 68). A cigneia esti A procura da yerdade apesar de nao haver critérios através dos quais se possa demonstrar que uma dada teoria seja verdadeira. A atitude critica pressupde a “verdade absoluta ou objetiva como idéia reguladora; quer isto dizer, como padréo de que podemos ficar abaixo” (Popper, 1987a, p. 59). Quando uma teoria & criticada, est4 sendo questionada a pretensio da mesma ser verdadcira, da mesma ser ico ‘as feor Silveira, F.L. da 204 capaz de resolver os problemas que the competem. Mesmo nio havendo a possibilidade de demonstrar a verdade de uma dada teoria T:, algumas vezes se pode defender racionalmente que cla se aproxima mais da verdade que outra teoria Ty; tal ocorre quando T; explica todos os fatos corroboradores (contetido de verdade) © os problemiticos para T, (contetido de falsidade), adicionalmente explicando fatos sobre os quais T, no se pronunciava (a teoria T> tem entdo um excesso de contetido cm relagio a T,). Isto se dé com a teoria geral da relatividade em relacdo A teoria de Newton; a segunda ¢ uma excelente aproximagio da primeira para baixas velocidades ¢ campos gravitacionais fracos. Todos os problemas que a antiga teoria resolveu com sucesso, a nova também resolve ¢ alguns, como o caso do periélio anémalo de Merciirio que era incompativel com a mecanica newtoniana, também so explicados pela teoria geral da relatividade. Adicionalmente a tcoria de Einstein fez predigdes sobre aspectos da realidade sobre os quais a de Newton nao se pronunciava (¢ 0 caso do desvio da luz, por campos gravitacionais, corroborado no eclipse de 1919). “Contudo, Einstein jamais chegou a acreditar que sua teoria fosse verdadeira, Chocou Cornelius Lanczos, em 1922, ao dizer que sua teoria ndo era mais que um estigio passageiro: chamou-the ‘efemera™ (Popper, 1976, p. 112). Também “buscou uma melhor aproximagao da verdade durante quase quarenta anos, até a sua morte” (Popper, 1987a, p. 58). A concepgiio de que as teorias cientificas perseguem a verdade objetiva coloca a filosofia popperiana como realista. Os realistas afirmam a existéncia das coisas em si, de objetos cuja existéncia independe de nossa mente (Bunge, 1973, 1983 ¢ 1985; Silveira, 1991) © que estes podem ser conhecidos, embora parcialmente ¢ por aproximagdes vas (Rodrigues, 1986) ices "Assim, as teorias sdo invengdes nossas, idéias nossas, 0 que foi claramente percebido pelos idealistas epistemolégicos. No entanto, algumas dessas teorias sdo to ousadas que podem entrar em conflito com a realidade: sto essas as teorias testéveis da ciéncia. E quando podem entrar em conflito, ai sabemos que hé uma realidade (..). E por esta razo que o realista tem razdo” (Popper, 1989b, p. 25). V. O critério de demarcagio “Como & que se pode distinguir as teorias das ciéncias empiricas das especulacdes pseudocientificas ou metafisicas?” (Popper, 1987a, p. 177). Este é um dos problemas da filosofia da eiGncia para a qual Popper props uma solugio. A solugo mais accita tinha estreita relagdio com a questo do método: “a ciéncia se caracterizava pela sua base na observacao e pelo método indutivo, enquanto 205 (Cad.CatEns.Fis., v.13,n3: p.197-218, dez.1996, a pseudociéncia e a metafisica se caracterizavam pelo método especulativo” (Popper, 1982, p. 282). As teorias cientificas cram obtidas a partir dos fatos e podiam por eles serem verificadas. Além disso, os positivistas (0 positivismo é uma cpistemologia empiricista, indutivista) tinham uma atitude antimetafisica, considerando as teoria metafisicas destituidas de sentido por serem nao verificaveis. Os positivistas tomavam 0 ico como pejorativo. Popper nunca aceitou tais pontos de vista. Nota que as teorias fisicas, principalmente as modernas, como a teoria geral da relatividade, sao altamente abstratas ¢ especulativas. Einstein (1982) reconheceu, em suas notas autobiogriificas, que na formulagao da teoria da relatividade ele andou por caminhos muito distantes daqueles apontados pelos positivistas; ele considerou como prejudicial a concepgaio que “consiste em acreditar que os fatos podem e devem fornecer, por si mesmos, conhecimento cientifico, sem uma construedo conceptual livre” (Einstein, 1982, p. 52). Adicionalmente Popper constata que muitas crengas supersticiosas procedimentos priticos encontrados em almanaques e livros como os de interpretag de sonhos “tinham muito a ver com a observacdo, baseando-se muitas vezes em algo parecido com a inducdo” (Popper, 1982, p. 283). Os astrélogos argumentavam que a sua “ciéncia” se apoiava em grande abundancia de observagées ¢ verificagde: facilmente conseguiam encontrar grande quantidade de fatos confirmadores da teoria astrolégica. Do ponto de vista estritamente légico, a verificabilidade nao pode ser 0 critério de demarcaco pois, conforme exposto nas secdes anteriores, Popper nega que as teorias cientificas possam ser verificadas: verificadas, ou usando a terminologia popperiana, corroboradas podem ser algumas conclusdes obtidas da teoria com auxilio das condigdes especificas. Entretanto, quando isto ocorre, nao € licito tomar como verificada a teoria pois ndo ha retransmissio da verdade das conclusdes para as premis © Se a verificabilidade for apenas uma exigéncia para as conclusdes derivadas de teorias cientificas, entio a teoria do feiticeiro que prediz que amanha chove ou nao chove (nao precisamos esperar até amanha para saber que sera verificada), ou do astrélogo que vaticina “alguém importante morreré brevemente”, devera ser considerada cientifica. © ccritério de demarcagio proposto por Popper é a testabilidade, refutabilidade ou falsificabilidade para as tcorias cicntificas. “Um enunciado ou teoria é falsificdvel, segundo 0 meu critério, se ¢ 86 se existir, pelo menos um falsificador potencial” (Popper, 1987a, p. 20), ow seja, se existir pelo menos um enunciado que desereva um fato logicamente possivel que entre em conflito com a teoria, Em outras palavras, as teorias cientificas, quando combinadas com as condigdes especificas, devem proibir algum acontecimento que é logicamente possivel de ser observado. As Silveira, F.L. da 206 teorias pscudocientificas, nao cientificas ou metafisicas so irrefutaveis pois ndo proibem nada, nao possuem falsificadores potenciais. Um exemplo de como a teoria astrolégica ¢ irrefirtavel foi encontrado pelo autor deste trabalho em uma conversa com uma astréloga. A mesma havia proposto indicar a cor preferida por mim a partir do meu signo; disse-Ihe entfio que o meu signo Cancer ¢ ela me respondeu que a cor de minha preferéncia era o branco. Contestei-a, dizendo-Ihe que prefiro o vermelho ¢ ela ento propds que deveriamos saber qual era o meu ascendente. Fica transparente que esta teoria esta protegida contra a refutagio ¢ mais ainda, pode converter qualquer fato alegado em confirmagiio ou verificagio. E importante notar que a refutabilidade, como critério de demarcagao, ¢ uma propriedade estritamente logica das teorias cientificas: significa em principio que clas sao falsificaveis, possuem falsificadores potenciais. Esta questio logica nfio pode ser confundida com a de quando uma prova experimental ou observacional terminantemente falsifica uma teoria, Popper sempre notou que, apesar das teoria nt erem falsificdveis em principio, as conjecturais e sujeitas a critica (vide secgdo anterior), A falsificabilidade das tcorias cientificas & cocrente com a atitude critica. Nao ha formas de se provar a veracidade do conhecimento cicntifico ¢ entretanto a ciéneia pode perseguir a verdade através da exclusio de tcorias falsificadas, substituindo-as por novas teorias que poderao se aproximar mais da verdade. "Essa & uma concepcdo de ciéncia que considera a abordagem a 0 cientista deve indagar se pode ser criticada, se se expde a ci de todos os tipos e, em caso afirmativo, se resiste a essas criticas” (Popper, 1982, p. 284). ica sua caracteristica mais importante. Para avaliar uma teoria icas Popper co spazes de dar conta de qualquer fato e, portanto, irrefutave' pscudocientificas, ele coloca a psicanalise de Freud, a psicologia individual de Adler e © materialismo histéi a a existéncia de teorias, tidas como cient Entre essas teoria 0 de Marx, "Um marxista ndo era capaz de othar para um jornal sem encontrar em todas as paginas, desde os artigos de fundo até os anincios provas que consistiam em verificagdes da Iuta de classes; e encontra-las-ia sempre também (¢ em especial) naquilo que o jornal nao dizia. E um psicanalista, fosse ele freudiano ou adleriano, diria sem dtivida que todos os dias, ou até de hora em hora, estava a ver as suas teorias verificadas por observacdes clinicas" (Popper, 1987a, p. 180). 207 (Cad.CatEns.Fis., v.13,n3: p.197-218, dez.1996, © método de procurar verificagdes para as teorias, utilizado pelos freudianos, adlerianos, marxistas c astrélogos, além de ser acritico promovia uma atitude acritica nos leitores. “Ameacava assim destruir a atitude de racionalidade, de argumentagao critica” (Popper, 1987a, p. 181). “Alguns pensadores, acreditam, de fato, que a verdade de uma teoria pode ser inferida da sua irrefutabilidade” (Popper, 1982, p. 221). Isto € um engano ébvio pois pode haver duas teorias contririas, ambas irrefutaveis ¢ portanto, ambas ndo podem ser verdadeiras. Um exemplo de duas teorias incompativeis ¢ irrefutaveis: 0 determinismo ¢ o indeterminismo. A primeira afirma que “O futuro do mundo empirico (ou fenomenal) é pré-determinado completamente” (Popper, 1982, p. 219); a segunda afirma que nem todo o futuro do mundo é pré-determinado. Mesmo que vivéssemos em um mundo que aparentemente fosse totalmente indeterminado, surpreendendo-nos a cada momento, “o futuro poderia ainda ser pré-determinado e até antecipadamente conhecido pelos que fossem capazes de ler o livro do destino” (Popper, 1988, p. 28). Por outro lado, se 0 mundo tivesse aparéncia completamente regular ¢ determinista, “isso ndo estabeleceria que ndo exis qualquer espécie” (Popper, 1988, p. 28) Apesar da falta de testabilidade ou de contetido empirico das teorias metafisicas, clas nfo sariamente sem sentido, sem significado, como queriam os positivistas. lisse nenhum acontecimento indeterminado de “Com efeito, & impossivel negar que, a par de idéias metafisicas que dificuliaram 0 avango da ciéncia, tém surgido outras — tais como o atomismo especulativo — que o favorecem” (Popper, 1985, p. 40). Outro exemplo importante de como a metafisica inspira as. teorias s & a revolugdo copernicana. Copérnico tem a idéia de colocar o Sol como 10 invés da Terra, ndio devido a novas observagdes astronémicas mas devido a uma nova interpretagdo de fatos 4 luz de concepgdes semi-religiosas, neoplaténii Para os platonicos e neoplatdnicos, 0 Sol era o astro mais importante e por isso no poderia girar em toro da Terra. A Terra é que deveria girar em too do Sol Kepler foi um seguidor de Copérnico e, assim como Plato, estava imers em ensinamentos astrolégicos; Kepler procurava descobrir a lei aritmética subjacente estrutura do mundo (misticismo numerolégico dos pitagéricos); essa lei daria, entre outras coisas, os raios das érbitas circulares planetarias. Ele nunca encontrou o que procurava; nao descobriu, nos dados astronémicos de Tycho Brahe, a desejada confirmagao da crenga de que Marte girava em torno do Sol em movimento circular uniforme. Os dados de Tycho Brahe levaram-no a refutar a hipétese de érbita circular; depois de diversas tentativas, adotou a hipétese de érbita eliptica. Pdde entao notar que as observagdes astrondmicas podiam se ajustar a essa nova hipotese se adicionalmente cientifi centro, S. Silveira, F.L. da 208 admitisse que Marte nao se deslocava com velocidade constante. “As observagoes astronémicas néo provaram que a hipétese eliptica estava correta, mas podiam ser explicadas por essa hipétese — ajustavam-se a ela” (Popper, 1982, p. 215). Apesar da inspiragao metafisica, Kepler foi um critico. Accitou duas vezes ago de suas hipéteses pelos dados astronémicos e¢ reformulou a teoria. Mais tarde, conforme exposto em s apesar de estar rigorosamente errado (as 6rbitas planctirias nfo so exatamente clipticas), formulara uma teoria aproximadamente correta ¢ melhor que a de Copérnico. A. idgia metafisica que talvez tenha motivado o maior numero de descobertas cientificas foi a da “pedra filosofal” (existe uma substincia capaz de transformar metais vis em ouro), perseguida pelos alquimistas. Assim como teorias metafisicas podem servir de impulso A ciéncia, também podem se tornar um empecilho para o avango do conhecimento. E por demais sabido 0 quanto a Igreja Catélica tentou entravar as idéias copernicanas, em especial em relagao a Galileu. E menos conhecida, apesar de muito recente, a criagdo por Lyssenko (1898- 1976) de uma teoria “neodarwinista” inspirada no marxismo e que pret nova biologia proletéria. Muitos opositores de Lyssenko na Unido Soviética foram perseguidos entre 1935 ¢ 1965, sendo alguns eliminados fisicamente (0 eélebre bidlogo soviético Vavilov, que morreu em 1943 em uma cela sem ar ¢ sem luz, é apenas um exemplo). ar io anterior, a teoria de Newton mostrou que Kepler, india ser uma A sesstio de 1948 da Academia Lénin foi extremamente importante para que a falsa teoria de Lyssenko se estabelecesse oficialmente até 1965 na Unido Soviet "Os geneticistas sucumbem sob as acusagdes acumuladas por Lyssenko em um relatorio, ao ouvirem que 0 Comité Central do Partido Comunista e 0 proprio Stalin aprovaram o relatorio Efetivamente, Stalin foi, durante sua vida, um critério infalivel de verdade, até de verdade cientifica" (Buican, 1990, p. 91). Esses exemplos mostram como a c através das teor sicas; também revelam que estas no so nei sentido, como pregavam os positivistas Para os positivistas, era muito importante a justificagado da origem das teorias cientificas; eles admitiam como a tnica fonte valida, a observagio ¢ a experimentag’o. A experiéncia humana devia ser a origem e a funcao do conhecimento cientifico; a invengdo, a imaginag’o ¢ a especulago nao deviam desempenhar papel importante nesse proceso. Para Popper, as teorias cient “As teorias podem ser vistas como livres criagoes da nossa mente, 0 resultado de uma pode softer influéneias externas riamente sem S mel cas so invengdes, construgdes humanas. 209 (Cad.CatEns.Fis., v.13,n3: p.197-218, dez.1996, intuigdéo quase poética, da tentativa de compreender intuitivamente as leis da natureza” (Popper, 1982, p. 218). O processo de criagio de uma teoria pode envolver aspectos nao-racionais; a imaginagZio, a criatividade, a especulagao_ usualmente desempenham papel importante. Inclusive a metafisica pode servir de fonte, “Nao hd ‘fontes tiltimas’ do conhecimento. Toda fonte, todas as sugesties sao bem-vindas; todas as fontes e sugestoes estado abertas ao exame critico” (Popper, 1982, p. 55) VL A teoria do conhecimento Popper denominou de “teoria do balde mental” a concepgiio de que no conhecimento consiste de percepgdes acumuladas ou percepgdes assimiladas, separadas ¢ classificadas. Aristételes jé afirmara que nada hé no intelecto humano que antes nao tenha estado nos érgios dos sentidos. Anteriormente, os atomistas gregos admitiram que os dtomos que se desprendiam dos objetos, entrando nos érgaos do sentido, convertiam-se em sensagdes; com o passar do tempo, o conhecimento cra determinado como um quebra-cabeca que se montava a si proprio. “De acordo com essa concepeao, assim, nossa mente se assemelha a uma vasilha — uma espécie de balde — em que percepcdes ¢ conhecimento se acumulam” (Popper, 1975, p. 313). Os acessos ao balde sto propiciados pelos drgdos dos sentidos. Os empiristas radicais aconselham que interfiramos © minimo possivel com o proce de acumulagdo do conhecimento. O conhecimento verdadeiro & conhecimento puro, livre dos preconceitos que tendemos a agregar as percepgdes. Bacon aconselhava um processo de depuraco mental para afastar os “quatro idolos” (Bacon, 1984) - preconceitos que habitam a mente humana ¢ a obscurecem - ¢ assim o sujeito tornar-se- ia uma crianga, uma tibula rasa diante da natureza, Kant (1987) negou que as pereepgdes possam ser puras ¢ afirmou que os nossos conhecimentos sfio uma combinagaio de percepgdes com ingredientes adicionados pelas nossas_ mente: formas da sensibilidade ¢ do entendimento -, afastando-se entao do empirismo radical. Popper assevera que a “teoria do balde” esté cquivocada pois 0 que realmente importa a0 conhecimento percepeao, mas uma percepedo que é planejada e preparada” (Popper, 1975, p. 314). Ela € antecedida por um problema, por algo que nos interessa, por algo que ¢ especulativo ou tedrico. Para planejarmos o que observar, temos que ter anteriormente uma hipétese, conjectura ou teoria que nos oriente a sclecionar as percepgdes pretensamente relevantes & solugio do problema. Nao ¢ possivel observar tudo ¢, portanto, as observagdes sfio sempre seletiv: Os seres vivos, mesmo os mais primitivos, respondem a certos estimulos, mas nao a qualquer estimulo, O néimero de respostas é limitado, determinado por um conjunto inato de disposigdes a reagir. As respostas dependem do estado interno do - as ntifico € a observagao. “Uma observacdo é uma Silveira, F.L. da 210 organismo; este pode permanecer constante com o tempo ou pode se alterar talvez em parte sob influéneia das sensagdes. A aprendizagem com a experiéncia ¢ uma mudanga na disposigao para reagir nao decorrente apenas do desenvolvimento do organismo — maturagdo — mas também das mudangas de scu ambiente externo. A nogio de aprendizagem esté intimamente ligada & nogio de expectativa ¢ também de expectativa desiludida, Uma expectativa é uma disposi¢ao para reagir, ou “um preparativo para a reagdo, que se adapta (ou que antecipa) a um estado do ambiente ainda por vir” ' (Popper, 1975, p. 316). Nem todas as expectativas sio conscientes, como bem demonstra 0 exemplo do encontro inesperado de um degrau no final de uma escada; 0 inesperado do degrau poder nos obrigar 4 conscientizagao de que estivamos A espera de uma superficie plana, A desilusdo nos forga a alterar o sistema de expectativas. Popper considera que a aprendizagem pela experiéncia consiste basicamente em corregdes nas expectativas a partir das expectativas desiludidas. Uma observ: riamente pressupde um sistema de expectativa que até podem ser formuladas explicitamente. A observagao seri utilizada para confirma-las ou refut: -ntistas consistem s ¢ entio corrigi-las. As expectativas dos jderdvel extensdo de teorias ou hipoteses formuladas lingiiisticamente” (Popper, 1975, p. 317). A “teoria do balde” supunha que as hipéteses surgiam a partir das observagdes. De acordo com a teoria de Popper, por cle denominada “teoria do holofote”, as obscrvag6es sao secundarias as hipdteses, teorias, expectativas. E com nossas hipéteses que “aprendemos que tipos de observacdes devemos fazer: para onde devemos dirigir nossa atencdo; onde ter um interesse” (Popper, 1975, p. 318). Elas sio sos guias que iluminam a realidade, indicando-nos para onde dirigir a atengao. A existéncia de um problema é 0 ponto de partida para a aprendizagem nos seres vivos de um modo geral. Em verdade, para Popper, 0 conhecimento humano cresce por um processo que ¢ de tentativa ¢ eliminago de crro. Os seres vivos esto empenhados em resolver problemas, sendo os mais prementes os da sobrevivéneia, A mutagio (tentativa) ¢ a selegiio natural (eliminagao de erro) determinam que os seres vivos tenham érgios ¢ comportamentos que Ihes possibilitam resolvé-los; assim as caracteristicas de um organismo vivo podem ser vistas como solugdes dos problemas de sobrevivéncia. Nesse nivel as tentativas (mutagdes) so ao acaso ¢ inconscientes. As tentativas mal sucedidas so eliminadas por selecdo natural. As tentativas bem sueedidas sobrevivem com organismo; eniretanto, a sobreviveneia passada nio garante a sobrevivéncia no futuro pois, se houver, por exemplo, uma mudanga no ambiente, o ser vivo poder nao estar adaptado. nos "Desde a ameba até Einstein, 0 crescimento do conhecimento é sempre 0 mesmo: tentamos resolver nossos problemas e obter, por 2m (Cad.Cat Ens.Fis., v.13,n3: p.197-218, dez.1996, um processo de eliminagdo, algo que se aproxime da adequagdo em nossas solugdes experimentais" (Popper, 1975, p. 239). A diferenga entre a ameba e Eins suas atitudes a0 mente da ameba, Einstein tentou o melhor que pode, cada vez. que Ihe surgia uma solugdo, mostri-la falha e descobrir um erro: ele tratava criti solugdes. A ameba, se tiver uma solugdo errada, sera muito provavelmente eliminada junto com ela. “Podemos portanto dizer que 0 método critico ou racional consiste em deixar que nossas hipsteses morram em vez de nés” (Popper, 1975, p. 227) A aquisigao de um novo conhecimento “desenvolve-se sempre como resultado da modificagao de conhecimentos prévios” (Popper, 1987a, p. 33). O ponto de partida deste processo so os conhecidos inatos, determinados geneticamente. “O que hé de especial no conhecimento humano é que ele pode formular-se na linguagem, em proposicaes” (Popper, 1987a, p. 33). Assim cle se torna comunicivel, objetivo, acessivel a outros seres humanos ¢ criticavel. A linguagem é 0 veiculo através do qual podemos nos apropriar do conhecimento produzido pelos outros. As mais importantes criagdes humanas, que possibilitaram a existéneia do conhecimento objetivo (0 Mundo 3, conforme sera visto na seegio seguinte) de um modo geral ¢ do conhecimento cientifico em particular, sio as fungdes superiores da linguagem: a fungdo descritiva ¢ a fungdo argumentativa. © homem compartilha com os animais as fungdes inferiores da linguagem. A fungao sintomatica que expressa através de sinais, estados do organismo; a fungao sinalizadora que tem a propriedade de liberar ou disparar uma certa resposta ou reagdo cm outros organismos. E importante notar que estas duas fungdes sfo realmente distintas, pois, podem-se encontrar exemplos em que a primeira esta presente, mas nao a segunda; 0 contririo nfo é verdade, sendo a fungao sintomitica nece: sinalizadora, A linguagem humana é muito mais ris diversas outras fungdes, entre as quais a descritiva ¢ a argumentativa, que po: a evolugao da racionalidade ¢ finalmente a ciéncia. A descrigio ¢ indispensdvel para a ciéncia, inclusive a descrigao de estados de coisas conjecturados, que so as hipéteses, as teorias. O uso da fungao descritiva regulado pela idéia de verdade ou falsidade. As assergdes descritivas podem ser factualmente verdadciras ou falsas quando correspondem ou no correspondem aos fatos. erro. Divers mente as suas do que a dos animais, apresentando ibilitaram A fungao argumentativa da linguagem, a mais clevada das fungdes, pode ser encontrada em atividade nas discuss6es criticas. Ela ¢ a culminancia da capacidade humana de pens: r racionalmente, Silveira, F.L. da 212 O uso da argumentagdo critica é regulado pela idéia de validade. Um argumento é valido quando se mostra consistente, cocrente, no contraditério. A légica formal pode ser vista como um sistema de argumentagaio critica. almente os argumentos so contra ou a favor de alguma proposig: itiva. Na discuss it a ta a ocorre em relay assergio des hipoteses, teorias; avango do conhecimento. “Podemos dizer que a funcdo argumentativa da linguagem criou o que é talvez 0 mais poderoso instrumento de adaptacéo biolégica que jd apareceu no curso da evolucdo orgénica” (Popper, 1975, p. 217). E cla que permite, como foi notado anteriormente, que as nossas teorias morram em vez de nds. O conhecimento cientifico que sobreviveu até 0 presente momento poder no futuro ter que ser substituido por outro melhor, por outro que melhor explique os fatos. Isto podera se dar se a pressio seletiva de nossa critica aumentar, demonstrando que 0 conhecimento atual nao esti adaptado @ rea particular, pode, jamais, ser considerada absolutamente certa: cada teoria pode se tornar problemdtica (..) Nenhuma teoria cientifica & sacrossanta ou fora de critica” (Popper, 1975, p. 330). A teoria do conhecimento proposta por Popper pode ser sintetizada no esquema seguinte: a criti subs dade. “Nenhuma teoria em P| > TS EE > P, P) 6 0 problema de partida. TS ¢ a tentativa de solugdo que corresponde & hipétese ou teoria (cla nfo ¢ necessariamente Unica, podendo existir diversas tentativas em concorréncia). EE ¢ 0 processo de climinagao do erro através da critica. P2 é um novo problema que emerge; as boas teorias no apenas resolvem problemas, como também colocam novos problemas. A teoria do “holofote mental” enfatiza 0 aspecto interno ativo do suj no processo da construgio do conhecimento pois “aprendemos através da nossa atividade que nos é inata, através de uma série de estruturas que nos sao inatas e que estamos aptos a desenvolver: aprendemos através da atividade” (Popper ¢ Lorenz, 1990, p. 31). Esta coneepeao epistemoldgica é muito antiga, remetendo a Plato ou mais recentemente a Descartes, entre muito outros. Ela é conhecida na historia da filosofia como intelectualismo ou racionalismo. Entretanto, contrariamente aos outros racionalistas que acreditavam que 0 conhecimento assim produzido era indubitivel, certo ¢ verdadeiro, Popper enfatiza 0 cariter falivel ¢ corregivel do mesmo, Enfatiza a nec empiricas. Ele é um racionalista critico, to idade da critica e a necessidade de confronto com a realidade para as ciéncias 23 (Cad.CatEns.Fis., v.13,n3: p.197-218, dez.1996, "Podemos entdo dizer que o racionalismo & uma atitude de disposigao a ouvir argumentos criticos e aprender da experiéncia. E fundamentalmente uma atitude de admitir “que eu posso estar errado e vés podereis estar certos, e, por um esforgo, poderemos aproximar-nos da verdade.” (...) Em suma, a atitude racionalista (.) & muito semethante a atitude cientifica, a crenca de que na busca da verdade precisamos de cooperacdo e de que, com a ajuda da argumentacdo, poderemos a tempo atingir algo como a objetividade" (Popper, 1987¢, p. 232). VII. A teoria dos trés mundos ¢ 0 problema cérebro-mente Juntamente com John Eccles (prémio Nobel de neurofisiologia), Popper abordou um antigo problema da filosofia: 0 problema corpo-mente ou eérebro-mente. Ambos escreveram a obra “The self and lis Brain” (Popper ¢ Eccles, 1977), na qual desenvolvem a sua teoria. A existéncia de trés mundos é 0 ponto de partida des O Mundo | ¢ constituido pelos objetos ¢ estados fis mundo a matéri sa teoria. os. Fazem parte deste , a energia, os seres vivos, todos os artefatos construides pelo homem (ferramentas, maquinas, livros, obras de arte, etc.) O Mundo 2 € constituido pelos estados mentais subjetivos ou pelas experiéncias subjetivas, pelo conhecimento subjetivo. Fazem parte deste mundo os estados de conscigncia, percepgdes, emogdes, sonhos, disposigdes psicoldgicas, crengas ¢ os estados inconscientes. O Mundo 3 & constituido pelos contetidos de pensamento ou pelo conhecimento objetivo. Faz parte do Mundo 3 toda a cultura humana (as historias, os mitos, as teorias cientificas ou no, os argumentos criticos, as matemiaticas, etc.), Este mundo ¢ um produto da mente humana que passa a ter exi independente dos criadores. O Mundo das Idgias ou das Formas de Plato tem similaridades com 0 Mundo 3, mas também tem diferengas importantes. Para Plato, 0 Mundo das Idéias é anterior ao homem ¢ eternamente imutavel; o homem nao age sobre cle, nao o modifica; apenas por intermédio do scu intelecto o capta. O Mundo 3 ¢ uma criagdo humana, nao existe anteriormente aos seus criadores ¢ & mutivel. Alias, 0 ordenamento dos trés mundos obedece a cronologia histérica; 0 Mundo 2 é uma emergéncia do Mundo 1 ¢ 0 Mundo 3 emerge posteriormente, Os objetos do Mundo 3 sdo reais ape: materializados ou incorporados; uma teoria cientifi livro ¢ as suas aplicagdes tecnoldgi énei de imateriais. Eles podem até ser pode estar materializada em um em ferramentas, maquinas, etc. Entretanto, nao é Silveira, F.L. da 214 apenas a materializagio que confere realidade aos objetos do Mundo 3. Eles também sio reais porque podem induzir os homens a produzirem outros objetos, inclusive no Mundo 1 (um escultor, ao produzir uma nova obra de arte, pode animar escultores a produzir obras semelhantes; uma teoria cientifica pode levar a que os cientist explorem suas conseqiiéncias, discutam-na criticamente, criem aplicagdes pris objetos do Mundo 3 so reais porque podem agir sobre 0 Mundo I; em especial as tcorias cientificas agem sobre 0 Mundo 1, alterando, para bem ou para mal, a face da Terra. © Mundo 3, mesmo sendo uma criagiio humana, tem uma certa autonomia em relago aos scus criadores. Um exemplo disto pode ser encontrado na aritmética: © homem criou os nimeros naturais; esta criago gerou uma série de problemas nfo antecipados pelos criadores. Um destes problemas & 0 chamado problema de Euclides: hé um nimero primo superior a todos os outros? Outro & a conjectura de Goldbach (até agora nao resolvido): qualquer nimero par maior do que 2 &a soma de dois nimeros primos? Estes problemas foram descobertos muito depois da criagio dos nameros naturais; entretanto, eles existiam objetivamente dentro da teoria mesmo quando ninguém os havia pereebido, mesmo quando cles nfo faziam parte do Mundo 2 de qualquer homem (decorre deste exemplo que no se pode confundir 0 conhecimento em sentido subjetivo com o conhecimento em sentido objetivo, ou seja, reduzir o Mundo 3 a0 Mundo 2). A autonomia (parcial) das teorias em relagdo aos seus criadores & notéria ao longo da histéria da ciéncia. Ela pode ser vista nas conseqiiéncias nao intencionadas pelos criadores da teoria (por exemplo, Einstein nao intencionou conseqi buracos negros quando criou a tcoria geral da relatividade) ou nas dis proprio significado das teorias entre os seus criadores (por exemplo, sobre a interpretagdo da mecdnica quantica entre Bohr ¢ Einstein). ‘Tendo como base a teoria dos trés mundo, partem Popper ¢ Eccles para problema cérebro-mente. Eles créem na existéncia da mente autoconsciente como uma cmergéncia do cérebro © que, portanto, nao poder’ ser reduzida aos mecanismos neurofisiolégicos, fisico-quimicos do mesmo. Eles formularam a hipétese dualista~ interacionista, ou seja, existem dois drgdos, um material (0 eérebro) e outro imaterial (a mente) que interagem. Revivem a antiga hipétese defendida por Descartes ‘A mente autoconsciente & um produto da evolugao biolégica; ela emerge cm um dado momento da historia evolutiva ¢ traz um novo valor de sobrevivéneia para homem. Todos os seres vivos esto constantemente resolvendo problemas mesmo que inconscientemente (0s mais prementes so os da sobrevivéncia); a mente, com scus poderes de concentragio, imaginagio, criatividade, é um 6rgao capaz de propor solugdes conscientemente ¢ examini-las criticamente. As solugdes erradas sfio capazes de perecer através da critica, enquanto © homem que as formulou sobreviverd 25 (Cad.Cat Ens.Fis., v.13,n3: p.197-218, dez.1996, Uma das fungdes mais importantes da mente ¢ a produgdo dos objetos do Mundo 3 com os quais ela interage. A linguagem humana, para a qual todos nds temos aptiddes inatas, desempenha um papel importante na formagao da consciéneia plena. O aparecimento das fungdes descritiva e argumentativa da linguagem em uma determinada etapa da evolugdo é a raiz do poder humano de produzir os objetos do Mundo 3 ¢ discuti-los c1 umente. Os animais provavelmente também possuem consciéncia, mas em estado menos desenvolvido que o homem. Eles so desprovidos do cu (self) ou da consciéneia plena. O surgimento do cu somente foi possivel com o desenvolvimento da linguagem humana, através da qual © homem pode conhecer outras pessoas. A formulagio de teorias sobre a extensio do nosso corpo ¢ sua continuidade no tempo, apesar das interrupgdes da consciéncia através do sono, esti na base da formagao do cu. "O problema do surgimento do eu sé pode ser resolvido, segundo penso, se levarmos em conta a linguagem e os objetos do Mundo 3, a par da dependéncia em que 0 eu se coloca em relacdo a eles. A consciéncia do eu envolve, entre outras coisas, uma distincao, por vaga que seja, entre corpos vivos ¢ néio-vivos e, consegiientemente, uma teoria rudimentar a propésito das caracteristicas principais da vida e, de alguma forma, envolve uma distingdo entre corpos dotados de consciéncia e néio dotados de consciéncia" (Popper, 1977, p. 201). Continua Popper: "Envolve, ainda, a projecdo do eu no futuro; a expectativa mais ou menos consciente que a crianga tem de, com o tempo, vir a transformar-se em adulto; e a consciéncia de, por algum tempo, ter existido no passado. E envolve, assim, problemas que levam a uma teoria do nascimento e, talvez, a uma teoria da morte" (Popper, 1977, p. 201). A realimentagaio do Mundo 3 sobre 0 Mundo 2 ¢ a esséncia da formagao do cu; 0 Mundo 2 cria 0 Mundo 3, cria as teorias ¢ sofre a influéncia destas mesma teorias. “Como eus, como seres humanos, somos todos nés produtos do Mundo 3 que, por sua vez, é um produto de incontéveis mentes humanas” (Popper ¢ Eccles, 1977, p.145), Nés s sujeitos, mas também objeto do nosso pensamento, do nosso juizo critico. O carater social da linguagem permite que falemos sobre nés a outras pessoas ¢ possibilita compreendé-las quando falam sobre si mesmas. omos, ao mesmo tempo, nao apena Silveira, F.L. da 216 A idéia de um 6rgao imatcrial, a mente, provém da necessidade de explicar uma série de caracteristicas humanas, tais como 0 poder de concentragio em um problema (quando freqiientemente perdemos a consciéncia de nossa propria existéncia, envolvendo-nos intensamente na tentativa de solucioné-lo), 0 poder de invengao, de criatividade para gerar 0 Mundo 3. O executor de tudo isto nao é apen: também a mente. Haveria uma interagao entre 0 cérebro ¢ a mente no hemisfério esquerdo (csta hipotese foi apresentada por Eccles bastante antes do que se relata a seguir). Na década de sessenta 0 pesquisador Sperry passou a estudar diversos pacientes que tiveram 0 corpo caloso (érgao que conecta os dois hemisférios cercbrais) seccionado, fendido; o seccionamento do corpo caloso tinha sido o dltimo recurso para livrar tais pacientes de graves crises epilépticas. Sperry realizou diversas experiéncias que estio descritas em Popper ¢ Eccles (1977) © em Eecles (1979) ¢ das quais a conclustio é notavel; o hemisfério direito, apesar de ser extremamente inteligente, é inconsciente; ape o hemisfério juerdo é consciente. Este resultado constitui-se em uma corroboraciio da teoria dualist: so cérebro mas VIL Conclusio Podemos sintetizar os aspectos da epistemologia de Karl Popper abordados nesse trabalho em algumas proposigde: a) A concepgaio segundo a qual 0 conhecimento cientifico é des -oberto em, conjuntos de dados empiricos (observacdes/experimentagdes_neutras, livres de pressupostos) - método indutivo - é falsa. b) Nao existe observagdo neutra, livre de pressupostos; todo o conhecimento esta impregnado de teoria. ©) O conhecimento cientifico é criado, inventado, construido com objetivo de descrever, compreender ¢ agir sobre a realidade. s como verdadeiras s d) As teorias cientifi © podem ser demonstrad: io conjecturas, virtualmente provisérias, suj ¢) Todo 0 conhecimento é modifieagao de algum conhecimento anterior. Deixamos para outro trabalho (vide neste mesmo exemplar do CCEF), no qual apresentamos a epistemologia de Imre Lakatos - também um racionalista critico - as implicagdes dessas idéias para o ensino de ciéneias. s 4 reformulagGes, a reconstrugdes IX. Referéncias Bibliograficas BACON, F. Bacon - Os pensadores. Sao Paulo: Abril Cultural, 1984. BUICAN, D. Darwin e o darwinismo. Rio de Janeiro: Zahar, 1990. w (Cad.Cat Ens.Fis., v.13,n3: p.197-218, dez.1996, BUNGE, M. Filosofia da Fisica. Lisboa: Edigdes 70, 1973. Controversias en fisica. Madrid, Tecnos, 1983. ____. Racionalidad y realismo. Madrid: Alianza, 1985. ECCLES, J. O conhecimento do cérebro, Sio Paulo: Atheneu, 1979. EINSTEIN, A. Notas autobiograficas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982. KANT, I. Kant (voll) - Os pensadores. Sio Paulo: Nova Cultural, 1987. POPPER, K.R. Conhecimento objetivo. Sao Paulo: EDUSP, 1975. . A racionalidade das revolugdes cientificas. In: HARRE, R. (Org.). 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