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FICHA CATALOGRAPICA (repeaga_pelo Cento do, Casionseha-natone "Sink? Niles ao Ua, SH 7 nn i Saeed Se! lis ee PaaS er 1 ce oe Be Th hos s noes park 0 cog seme: ies maemtice 364 S113 ESBS Snail sin 4 Hetametsmiies'sio-or sie. i Plow S"Yta mtemates 364 sts Obra publicada com @ colaboracio da UNIVERSIDADE DE SAO PAULO Reivor: Prof. Dr, Miguel Reale EDITORA DA UNIVERSIDADE DE SAO PAULO Comissio Editorial: Presidente — Prof. Dr. Mario Guimardes Ferri (Instituto de Biociéncias). Membros:. Prof. Dr. A. Brito da Cunha (Instituto de Biociéncias), Prof, Dr. Carlos da Silva Lacaz (Instituto de Cisncias Biomédicas), Prof. Dr. Irineu Strenger (Faculdade do Direito) © Prof, Dr. Pérsio de Souza Santos (Escola Politécnica). Colegao Debates Dirigida por J. Guinsburg Conselho Editorial: Anatol Rosenfeld, Anita Novinsky, Aracy Amaral, Boris Schnaiderman, Carlos Guilherme ‘Mota, Celso Lafer, Dante Moreira Leite, Gita K, Guins- burg, Haroldo de Campos, Leyla Perrone-Moisés, Maria de Lourdes Santos -Machado, Regina Schnaiderman, Robert Norman V. C. Nicol, Rosa R. Krausz, Sabato Magaldi, Sergio Miceli e Zulmira Ribeiro Tavares, MEN: GOS 541.3 N13 p. Psepcee= ore Equipe de realizagio: Tradugio: Gita K. Guinsburg; Revisio: Paulo de Salles Oliveira; Produglo: Litcio Gomes Machado; Capa: Moysés Baumstein ernest nagel james r. newman PROVA DE GODEL Ww) BH Z eEviToRAPERSPECTIVA we a ‘Tul do original inal: Gilets Proof @ New York University Press - US.A Direitos para a tingua portugwest reservados EDITORA PERSPECTIVA wn SUMARIO ‘Agradecimentos.. : " 1. Introdugio B 2. 0 Problema da Consistencia- 0 | 3. Provas Absolutas de Consisténcia....- 3M | 4. 0 Sistema de Codificagio da Logica Formal. 39 5, Um Exemplo de uma Bem Sucedida Prova | Absoluta de Consisténcia.. 4s | 6. A Idéia de Mapeamento e 0 seu uso na’ Mate- mitiea ... . 55 | 7. A Prova de Gédel -... ca 6 | A.A Numeragio de Godel } B.A Aritmetizagio da Metamatcmatica | C. 0 Cerne do Argumento de Gidel EDITORA PERSPECTIVA S.A | 8, Reflexdes Finais s7 AV, BRIGADEIRO LUIS ANTONIO, 3025 ELEFONE: 258.6680 a SKO PAULO. BRASIL 01401 i Apéndices .. . fee OF ygrafia. Sumdria boo 101 A Bertrand Russell INTRODUGAO Em 1931, apareceu em um periédico cientifico ale. mio um artigo relativamente curto com o titulo rebar~ bativo: “Uber formal unentscheidbare Sze der Principia Mathematica und verwandter Systeme” (“Sobre as Pro- posigdes Indecidiveis dos Principia Mathematica e Sis- tomas Correlatos”). Seu autor foi Kurt Gédel, entio ‘um jovem matematico de 25 anos, da Universidade de Viena e, @ partir de 1938, membro permanente do Institute for Advanced Study em Princeton. O artigo & ‘um marco na hist6ria da légica e da matemética, Quando 8 Universidade de Harvard concedeu a Gddel um titulo honorifico em 1952, a citago descrevia o trabalho como um dos mais importantes progressos da légica nos tempos modernos, B Na época em que apareceu, contudo, nem o titulo do artigo de Gddel nem o conteiido eram inteligiveis & maioria dos mateméticos. Os Principia Mathematica ‘mencionados no titulo sio 0 monumental tratado em 3 volumes de Alfred North Whitehead ¢ Bertrand Russell sobre légica matemética ¢ fundamentos da matemitica, ¢ a familiaridade com esta obra nfo constitui um pré- roquisito para a pesquisa bem sucedida na maioria dos ramos da matemitica. Além do mais, o artigo de Gadel trata de um conjunto de questées que nunca atraiu mais do que um grupo relativamente pequeno de estudiosos. © raciocinio da prova era to novo na época de sua publicagdo que apenas os que estivessem intimamente familiarizados com a literatura técnica de um campo altamente especializado poderiam acompanhar 0 argu ‘mento com pronta compreensio. Nao obstante, as con. clusdes que Gadel estabsleceu so hoje amplamente reco inhecidas como sendo revoluciondiias em sua larga signi ficagao filoséfica. £ o objetivo do presente ensaio tornar 1 substincia dos achados de Godel e 0 carter de sua prova acessiveis a0 nio-especialista ‘© famoso artigo de Godel atacava um’ problema central nos fundamentos da matematica. Sera stil dar ‘um breve apanhado preliminar do contexto em que 0 Problema ocorre. Qualquer pessoa que se defrontou ‘com a geometria elementar lembrard, sem davida, que cla € ensinada como disciplina dedutiva. Nao & apresen- tada como: uma cigncia experimental cujos teoremas dovem ser acolhidos porque concordam com a observa. glo. Esta nog, de que uma proposicéo pode ser est belecida como a conclusiio de uma prova légica explicit, remonta aos antigos gregos que descobriram 0 que ‘eonhecido como ““o método axiomitico” © usaram-no para desenvolver a geometria de una manera sistemi- ica, O método axiomitico consiste em accitar sem prova certas proposigties como axiomas ou postulados (eg., 0 axioma de que por dois pontos podemos tragar ‘uma e uma s6 rota) ¢ depois derivar dos axiomas todas as proposigées do sistema como teoremas, Os axiomas constituem os “fundamentos” do sistema; os teoremas so a “‘superestrutura” ¢ so obtidos a partir dos axiomas “ to i | i com a ajuda exclusiva dos principios da logica. ‘0 desenvolvimento axiomatico da geometria causou poderosa impressio sobre os pensadores no curso dos tempos, pois 0 nlimero relativamente pequeno de axio mas carrega todo peso das inesgolavelmente numerosas proposicdes deles derivatveis. Alem disso, se. de algum Imodo a verdade dos axiomas pode ser estabelecida — © de fato durante uns dois mil anosa maioria dos estudiosos facreditou sem qualquer divida que sfio a verdade do espagg — tanto a verdade quanto a consisténcia mitua de todos os teoremas esto automaticamente garantidas. Por esta razio, a forma axiomitica da geometria se afi- gurou a muitas geragdes de notiveis pensadores como ‘© modelo do conhecimento cientifico no que ele tem de melhor. Era natural, pois, perguntar se outros ramos do pensamento, afora a geometria, podem ser situados sobre um fundamento axiomitico seguro, Contudo, ‘embora certas partes da fisica recebessem uma formu Jago axiomitica na antiguidade (e.¢., por Arquimedes), até a época moderna, a geometria era 0 tinico ramo da ‘matemitica que dispunha daquilo que a maioria dos cestudiosos considerava uma sadia base axiomitica. Mas nos tiltimos dois séculos 0 método axiomatico vveio a ser explorado com poder ¢ vigor crescents. Novos ramos da matemiitica assim como velhos, inclusive a familiar aritmética dos nimeros cardinais (ou “inteiros") foram dotados com 0 que pareciam ser conjuntos ade- quados de axiomas, Gerou-se assim uma opinifio em que era tacilamente pressuposto que todo o setor do ppensamento matemitico pode ser dotado de um conjunto de axiomas suficiente para desenvolver sistematicamente fa totalidade infinita de verdadeiras proposigdes acerca da area dada de investigagio. (© artigo de Gédel mostrou que tal pressuposigio 6 ingustentavel..Ele colocou os matemiticos diante da espantosa e méancélica conclusio de que 0 método axiomatico tem certas limitages inerentes que eliminam ‘a possibilidade de que mesmo a aritmética comum dos inteiros possa ser plenamente axiomatizada, Mais ainda, ele provou que é impossivel estabelecer a consisténcia ogica interna de uma amplissima classe de sistemas Is dedutivos — aritmética clementar, por exemplo ~ @ ‘menos que adotemos principios de raciocinio tio com: plexos que sua consisténcia interna fica 180 aberta & Givida quanto a dos proprios sistemas. A luz destas conclusées, ¢ inatingivel qualquer sistematizagio final ‘de numerosas reas importantes da matemética ¢ € impossivel dar garantia absolutamente impeciivel de que ‘muitos ramos significativos do pensamento matematico esicjam inteiramente livres de contradigio interna, ‘AS descobertas de Gédel minaram assim pré-con- cepedes profundamente arraigadas e demoliram antigas fesperangas que eram novamente alimentadas pela pes jquisn sobre os fundamentos da matemitica. Mas seu ‘artigo nfo eta inteiramente negative. Introduzia no estudo das questdes de fundamento uma nova técnica de andlise compardvel por sua natureza c fertilidade a0 metodo algébrico que René Descartes introduziu na geo: metria, Esta téenica, sugeriu.€ iniciow novos problemas para a investigagio matemitica c légica. Provocou uma Teavaliagio ainda em curso de filosofias da matemati mantidas em amplos circulos ¢ de filosofias do conhe: cimento em geral: ‘Os pormenores das provas de Gidel, em seu artigo que marcou época, slo. demasiado dificeis para que possam ser acompanhados sem considerivel treino mate- matico, Mas a estrutura bisica de suas demonstragées 0 cere de suas conclusdes podem tornar-se inteligiveis 1 Icitores com reduzidissimo preparo matemitico c 16- fico, A fim de alcangar um tal entendimento, talver seja tlil a0 leitor um breve apanhiado de certos desen- yolvimentos importantes na histéria da matemética ¢ dda moderna logica formal, Os préximos quatro capitulos deste ensaio serio dedicados a isto, 16 © PROBLEMA DA CONSISTENCIA © séoulo XIX assistiu a uma tremenda expansio ¢ intensificagio da pesquisa matematica, Muitos proble- ‘mas fundamentais que haviam resistido longamente aos melhores esforgos de pensadores antigos foram resol- vidos; novos setores de estudos matematicos foram criados; e em varios ramos desta disciplina foram assen- tados novos alicerces ou velhos fundamentos foram intei- ramente reformulados com a ajuda de téenicas mais precisas de anslise, Para ilustrar 0 fato: os gregos haviam proposto trés problemas em geometria clementar: a trisseegio, com régua ¢ compasso de qualquer angulo, 1 construgio de um cubo de volume igual ao dobro do volume de um cubo qualquer c a construgao de um quadrado de area igual 4 rea de um circulo qualquer. a Por mais de dois mil anos sucederam-se tentativas infe- lizes de resolver tais problemas, Por fim, no século XIX, provow-se que as construgdes almejadas cram logica ‘mente impossiveis. Além disso, estes esforgos produziram ‘um valioso subproduto, Como as solugées dependiam cessencialmente da determinagio dos tipos de raizes que satisfaziam certas equagdes, a preocupagdo com os fa- ‘mosos exercicios formulados na antiguidade estimularam investigagdes profundas sobre a natureza do néimero ¢ a estrutura do continuen numérico. Definigées rigorosas foram finalmente dadas para nimeros negativos, com: plexos ¢ irracionais; construiu-se uma base logica para fo sistema de niimeros reais; e assim foi fundado um novo ramo da matemética, a teoria dos nimeros infinitos. ‘Mas talvez 0 desenvolvimento mais significativo, pelos seus efeitos de grande alcance sobre a subsegiiente hist6ria da matemética, foi a solugdo de outro problema {que os gregos levantaram sem responder. Um dos axio: ‘mas que Euctides usou na sistematizagao da geometria esté relacionado as paralelas. O axioma que adotou cequivale logieamente (embora nfo seja idéntico) a hipo- tese de que, através de um ponto fora de uma reta, pode-se tragar uma ¢ uma s6 paralela a reta dada. Por vrias razies, este axioma nfo pareceu “auto-evidente aos antigos, Eles procuraram, portanto, deduzi-lo de ‘outros axiomas euclidianos que thes pareciam claramente, auto-evidentes', Seri possivel fornecer uma tal prova dos axiomas das paralelas? Geragies de matemiiticos Iutaram com a questi, sem resultado. Mas os repetidos ‘malogros em construir uma prova nao significa que nto seja possivel descobrir uma, assim como repetidos fra- (0A pip cio par et sega aa de tov paws tecsidS'efuode eso sno pre farm eas sobre ee Sfmt omar do eps. Eo ei a nbs pris oro hun pmo gu, “eno eet nnmete eau yee owe enon: Comsgientenente, nar oe do nh so paral feted qr ab Soma bse encour oii” Ms te tiga tam ffariznon co Har gh, embora nfo eer ues {uty em queer gio ita J pao, tenes “no infin Ti thy desir“ Ay am hprbol at 408 ‘Tate, No sm porunt fntutiverne eet pr o nig ees ‘oe um pnt fora de una nda, apn un etm Pade me nade {Xe ato fone emotes dec, emo noi. 18 cassos em achar a cura para o resfriado comum nao firma, fora de divida, de que a humanidade sofreré para Sempre de corizas. Foi somente no século XIX gue se demonstrou, principalmente pelo trabalho de Gauss, Bolyai, Lobachewsky e Riemann, a impossibi- Tidade de deduzit 0 axioma das paralelas de outros. Este resultado foi da maxima importincia intelectual, Em primeiro lugar, chamava atengGo da maneira mais impres- sionante para’o fato de que se pode dar uma prova da impossibilidade de provar certas proposigbes dentro de tum dado sistema, Como veremos, o artigo de G8del é uma prova da impossibilidade de demonstrar certas pro- posig6es importantes na aritmética. Em segundo lugar, a resolugio do problema do axioma das paralelas forgou a compreensio de que Euclides nio é a altima palavra em matéria de geometria, uma vez que novos sistemas, ‘gcomettia sto construtiveis mediante o uso de certo miimero de axiomas diferentes dos adotados por Buclides ¢ incompativeis com eles. Em particular, como bem se sabe, resultados fecundos © de imenso interesse so obtidos quando 0 axioma das paralelas de Buclides ¢ substituido pela pressuposigio de que é possivel tragar por um ponto dado mais de uma paralela a uma reta dada ou, altemnativamente, pola pressuposicio de que no se pode tragar paralelas. A crenga tradicional de ue 0s axiomas da geometria (ou para este cas0 08 axio- ‘mas de qualquer disciplina) podem ser estabelecidos por sua aparente auto-evidéncia foi assim radicalmente sola pada, Além disso, pouco a pouco, tornou-se claro que ‘40 matemitico puro cabe propriamente derivar teoremas de hipéteses postuladas e que nio Ihe compete, como matemético, decidir se os axiomas que pressupde so realmente verdadeiros. E, por fim, estas bem suce modificagdes da geometria ortodoxa incitaram a revi © 0 completamento das bases axiomaticas de_muitos outros sistemas matematicos. Campos de indagagdo até ai cultivados de maneira mais ou menos intuitiva foram Finalmente dotados de fundamentos axiomaticos (ver Apéndice n.* 1). ‘A conclusio geral que emerge destes estudos cri ticos dos fundamentos da matematica 6 que a vetusta 1» ‘concepgdo-da matemitica como a “ciéneia da quanti dade” € tanto inadequada como deseneaminhadora, Pois, evidencia-se que a matemitica é simplesmente a disciplina por exceléncia que tira conclusdes logicamente implicadas em qualquer conjunto de axiomas ou postu- lados. De fato, veio a ser reconhecido que a validade de uma inferéncia matemética niio depende em sentido algum de qualquer significado especial que se posst associar aos termos ou expresses contidos nos postt- iados. A matematica foi assim reconhecida como sendo ‘muito mais abstrata e formal do que se suponha tradi- ionalmente: mais abstrata porque juizos matematicos podem ser estabelecidos em principio sobre o que quet Soja mais do que sobre algum conjunto de objetos ou tragos de objetos inerentemente circunserito; ¢ mais formalmente, porque a validade das demonstragSes mate- iaticas se estriba na estrutura de juizos, mais do que na natureza de um assunto particular. Os postulados de qualquer ramo da matematica demonstrative nfo se feferem inerentemente a espago, quantidade, macis, ngulos ou orgamentos; ¢ qualquer significado especial ‘que pode estar associado com os termos (ou “*predicados Gescttivos") nos. postulados no desempenba papel tessencial no processo da derivagio de teoremas. Repe- mos que 0 problema com o qual 0 matemético puro se defronta (Giferentemente do cientista que emprega @ matemdtiea ao investigar um assunto especial) nfo é se 08: postulados por ele assumidos ou as conclusdes que deles deduz so verdadeiros, mas se as alegadas Conclusdes sito de fato conseqiéncias ligicas necessirias das pressuposigles inicins. "Fomem este exemplo, Entre os termos indefinidos (ou “primitivos") empregados pelo influente matemtico alomao David Hilbert em sua famose axiomatizacdo a_geometria (publicada pela. primeira vez em 1929) constam “ponto”, “reta”, “esté em” ¢ “entre”, Pode: mos conceder que 08 significados costumeiros ligados, & tai expressdes desempenham certo papel no processo de descoberta.e aprendizado de teoremas. Desde que 08 significados se tornem familiares, sentimos que enten- dlemos suas varias inter-relagbesc elas levam a formula 2 © A selegdo de axiomas; além disso, sugerem ¢ facilitam a formulagio de juizos que desejamos estabelecer como teoremas. Todavia, como Hilbert afirma taxativamente, na medida em que estamos interessados na. tarcfa matemética primordial de explorar as puras relaydes igieas de dependéncia entre juizos, devemos ignorar as conotagées familiares dos termos primitivos e os iinicos jgnificados” que & preciso associar-Ihes sflo os atri- bbuidos pelos axiomas em que entram?. Tal é o sentido do famoso epigrama de Russell: a matemitica para & 0 assunto em que nilo sabemos acerea do que estamos falando ¢ se o que estamos dizendo € verdadcio. Um dominio de rigorosa abstracio, despido de todos os marcos familiares certamente nfo & facil. de penetrar. Mas oferece compensagées sob a forma de uma nova liberdade de movimento e vistas inusitadas. A formalizagio intensa da matematica emancipou a ments hhumana das restrigdes que a interpretagio habitual de expressdes colocava na construsio de novos sistemas de postulados, Foram desenvolvidas novas espécies de alge- bras e geometrias que assinalavam afasimentos impor. tantes da matematica tradicional. A medida que a signi- ficagio de certos termos veio a ser mais geral, seu uso tornow-se mais amplo e as inferencias que se poderiam derivar deles, menos restrtas. A formalizagio levou a uma grande Variedade de sistemas de considerdvel inte- resse e valor matemiticos. Alguns desses sistemas, cum. pre admitir, nfo se prestavam a interpretagies tio obvia- mente intuitivas (isto &, do senso comum) quanto as da geometria euclidiana ou aritmética, mas este fato nfo ccausow alarme, A intuigio &, ein primeiro lugar, uma faculdade eléstica: nossos filhos ndo terdo provavelmente dificuldade em accitar como intuitivamente Obvios os paradoxos da relatividade, assim como nés no nos assustamos com idéias que eram tidas totalmente como rio intuitivas ha um par de geragBes. Demais, como sa bemos todos, a intuigo nfo & um guia seguro; no st See ates eer ai propriamente como critério de verdade ou Fecundidade nas indagagbes cientificas. ‘Contudo, a crescenteabstravio da matemética sus citou um problema ainda mais serio. Resultou na questfo fe saber se un dado conjunto d= postulados wtiliza- ‘los como fundamento de um sistema & internamente fonsstente de modo que nfo. sejam dedutiveis “dos postulados quaisquer feoremas mutuamente contra- Uxarios. O problema io parece urgente quando um conjunto de axiomas se ocupa com um dominio definido familias de objetos; pois entZo nao & apenas impor- fante perguntar, mas deve ser possivel verficar s¢ 08 tnjomas sf0 verdadeiros para estes objetos. Como os txiomas de Euclides foram geralmente tomados como juizos verdadeiros acerca do espago (ou objetos no {spago), nenlum matemitico antes do séeulo XIX jamais omsiderou a questfo de saber se um par de teoremas ‘ontraditrios poder algum dia ser deduzido dos axio- iis, A base para esta. confianga na consistencia da geometria euclidiana 6,0 sadio principio de que juizos Fosieamente incompativeis nfo podem ser simultanca- mente verazes; conseqiientemente, se um conjunto de juizos 6 verdadciro (¢ isto estava pressuposto quanto fos axiomas de Bucides), tas enanciados sfo mutua- mente consistentes. ‘As geometrias nfo-cuclidianas pertencem de modo claro a-uma categoria diferente, Seus axiomas foram, de inicio, considerndos evidentemente falsos com res- peito a0 espago e, por esta raz, de uma verdade duvi- {fosa no foeante a qualquer coist; assim, reconhceu-se Ge 0 problema de estabelecer a consstencia interna de sistemas ndo-cuelidianos era tremendo ¢ critica. Na seometria riemanniana, por exemplo, 0 postulado das paralelas de Euclides & substituido pela suposigio de {qe por um ponto fora de uma reta nfo se pode tragar ftenluma patalcla & reta dada, Agora admitam a per- fuunta. £0 conjunto de postulados riemannianos con Sistente? Os postulados aparentemente nfo so verda- deiron no toeante ao espago da experiéncia ordinétia, Como pois mostrar a sua consisténcia? Como, provar gue nig conduzem a teoremas contradtérios. B dbvio 2 ue a questio nto fica resolvida pelo fato de os teoremas 1 deduidos nao contradizrem ns 0s Outen = pos Subsisté a possbilidade de que o préximo teorema a ser deduzido venha transtornar os planos, Mas até que © problema seja resolvido, no se pode estar certo de que a geometria de Riemann seja uma alternativa verda- deira para o sistema euclidiano: isto & igualmente valido do ponto de vista matemitico. A prépria possbilidade de geometrias no-cuclidianas s= tornou assim depen dente da resolugdo deste problema, Vislumbrou-se um método geral para resolvé-lo. A idéia fundamental € a de descobrir um ‘'modelo” (ou “nterpretagio”) para os postulados abstratos de um sistema, de modo que cada postulado se converte em uum verdadeiro juizo sobre © modelo. No caso da geo- metriacucTidiana, como notamos, o modelo era 0 espago comum, © método foi empregado para achar outros modelos cujos elementos pudessem servir como muletas para.determinar a consisténcia de postulados abstratos. A coisa se processa mais ou menos assim: entendamos pela palavra “‘lasse” uma colegio ow agregado de ele- Imentos distinguiveis, sendo cada qual denominado um imembro da classe. Assim, a classe dos niimeros primos menores do que 10 & a colegio cujos membros so 2, 3, Se 7. Suponhamos o seguinte conjunto de postulados relativos @ duas classes Ke Z, cuja natureza especial fica indeterminada, exceto como “implicitamente” defi nida_ pelos-postulados: 1, Quaisquer dois membros de K esto con- tidos em apenas um membro de L. 2, Nenhum membro de K esti contido em mais do que dois membros de L. 3. Os membros de K ni estilo todos contidos em um dinico membro de L. 4. Quaisquer dois membros de L contem apenas um membro de K. 5, Nenhum membro de L contém mais do que dois membros de K, este pequeno conjunto, podemos derivar, por meio de regras habituais de inferéncia, certo mimero de teo- 2B remas, Por exemplo: pode-se demonstrar que K contém apenas trés membros. Mas sera 0 conjunto de tal modo ccoerente que teoremas mutuamente contraditorios jamais possam ser derivados dele? A pergunta & passivel de pronta resposta com a ajuda do seguinte modelo. Seja K a classe de pontos que consiste dos vertices de um trifingulo e L a classe de retas composta por seus lados; ¢ agora entendamos f sentenga “Um membro de K esta contido em um membro de L”, significando que um pponto que um vértice se encontra sobre uma reta que € um lado, Cada um dos cinco pos- tulados abstratos fica entdo convertido em um {juizo verdadeiro, Por exemplo, o primeiro pos- tulado afirma que dois pontos quaisquer que silo vértices do tridngulo acham-se sobre uma ‘inica reta, que € 0 lado. (Ver Fig. 1), Destarte, fica provado que 0 conjunto de postulados é consistente, 2 K (ods para wn conan de pstlsos ratio dus dase KL {dng coe vrs sfo sumo de Ke ej laos slo membros de. ‘Once goometo mostra gue os pstlados so consent, possivel também estabelecer aparentemente a consisténcia da geometria plana riemanniana mediante tum modelo que corporifique os postulados. Podemos. interpretar a expressio “plana” nos axiomas de Riemann mM como relativa & superficie de uma esfera euelidiana, a cexpressio “ponto”, como a um ponto sobre esta super- ficiee a expresso “reta”, como a um arco de um circulo maximo dessa superficie e assim por diante. Cada pos- tulado de Riemann fica entdo traitsformado em um teorema: de Euclides. Por exemplo, com base nesta interpretagéo, o postulado das paralelas de Riemann eau: através de um ponto sobre a superficie de uma esfera, nio se pode tragar nenhum arco de um circulo maximo paralelo a um dado arco de um circulo maximo (Wer Fig. 2). A primeira vista, esta prova da consisténcia da geometria riemanniana pode parecer conclusiva, Mas uum olhar mais préximo torna isto desconcertante. Pois um olho agudo discerniré que o problema nao foi reso!- vido; foi apenas deslocado para outro dominio. A prova tenta estabelecer consisténcia da geometria rieman- niana apelando para a consisténcia da geometria euclidiana. O que emerge entio & apenas 0 seguinte: a geomettia riemanniana 6 consistente se a geometr de Buclides 0 for. A autoridade de Euclides € assim invocada para demonstrar a consisténcia de um sistema que desafia a exclusiva validez de Euclides. A pergunta ineludivel €: so os proprios axiomas do sistema eucli- iano consistentes? ‘Uma resposta & indagaglo consagrada como no- tamos por uma longa tradiglo é que os axiomas eucli- dianos so verdadeiros e, portanto, cqnsistentes, Esta resposta nifo & mais tida por aceitivel; voltaremos a {sto agora e explicaremos por que ¢ insatisfatério, Outra resposta & que 0s axiomas concordam com a nossa expe- ri8ncia real, emboralimitada, do espaco, ¢ que temos jus- tificagdo para extrapolar do dimimuto ao universal. Mas, cembora se possa aduzir muita evidéncia indutiva em apoio 2 esta pretensio, nossa melhor prova seria logicamente incompleta. Pois mesmo que todos os fatos observados esteiam de acordo com os axiomas, fica aberta a possibil dade de que um fato até agora inobscrvado possa contra- dizé-los eassim destrur seu direito& universalidade, Con- sideragbes indutivas podem mostrar apenas que 08 axio- ‘mas sio plausiveis ou provavelmente verdadeiros. 25 Pe ‘A pometria doesnt de Bernard Riemann poder epesentada por un Imoelo eudiiano, O plano remannano tose n supers de uma ere ‘tits, 8 porto sobre plano converte om poss vbr ea tapefie seus ho pmo lors clon miximos Asin pro do lane ‘range, lindo por ments de etn, & eta come ume oro da ‘tr initada por art d clos bite (otra. Ds segments eo Piano serum so oi sgmentos de calor maximo sabre x everest ‘iana (emda eet, ne prolongs, ha raade me intercom, conta Sizendo asim 0 posto Js prea 6 Hilbert tentou no entanto outro caminho para o topo. A chave para a sti rota encontra-se na geometria de coordenadas cartesianas. Em sua interpretagio, os axiomas de Euclides foram simplesmente transformados em verdades algébricas. Por exemplo, nos axiomas para a geometria plana, traduzir a expressio “ponto”, de ‘modo a significar um par de némeros, a expressio “reta”, de modo a significar a relagdo (linear) entre nimeros expressa por uma equaglo de primeiro grau a duas incdgnitas, a expresso “circulo”, de modo a significar a relagio entre nimeros expressa por uma equacio quadritica de uma certa forma, ¢ assim por diante, O enunciado geométrico, de que dois pontos distintos determinam uma s6 reta transforma-se ento na verdade algébrica de que dois pares distintos de nimeros deter- ‘minam unicamente uma relacio linear; o teorema geo- miétrico de que uma linha reta corta um eireulo no méxi- ‘mo em dois pontos, no teorema algébrico de que um par de equagdes simultineas a duas incdgnitas (uma delas linear ea outra, quadratica de um certo tipo) deter- mina no méximo dois pares de nimeros reais; ¢ assim por diante. A consistencia dos postulados euclidianos € estabelecida pela demonstracio de que sio satisfeitos por um modelo algébrico, Este método de estabelecer consisténcia & poderoso ¢ eficiente. Todavia é também vulnerdvel a objecdo,jé exposta. Pois, mais uma vez resolve-se um problema em um dominio transferindo-o Para outro. O argumento de Hilbert em favor da con- isténcia de seus postulados geométricos mostra que se a Algebra for consistente, também o seri o seu sistema eométrico, Bsta prova diz claramente respeito 4 suposta consisténcia de outro sistema e no & uma prova “abso- cconsisténcia, temos uma fonte persistente de dificuldade. Ela se encontra no fato de que os axiomas sfo interpre- tados por modelos compostos de um infinito numero de elementos. Isto torna impossivel abarcar os modelos em um némero finito de observagies; dat ser sujeita a diivida a verdade dos préprios axiomas. No argumento indutivo em favor da verdade da geomet ‘um niimero finito de fatos observados acerca do espago concorda presumivelmente com os axiomas. Mas a con- clusio. que o argumento procura firmar envolve uma extrapolagio de um conjunto finito para_um conjunto infinito de dados. Como podemos justificar este salto? De outra parte a dificuldade é minimizada, senfio com- pletamente eliminada, Ii onde € possivel imaginar um ‘modelo apropriado que contenha apenas um néimero finito de elementos. O modelo de tridngulo usado para mostrar a consisténcia dos cinco postulados abstratos para as classes K e L. 6 finito; ¢ é relativamente simples determinar por inspegiio real se todos os elementos no modelo satisfazem efetivamente os postulados, e a: se eles slo verdadeiros (¢ portanto consistentes),Para ilustrar: examinando cada um por seu turno os vértices do tridngulo modelo podemos saber se dois quaisquer esto de um mesmo lado — de modo. que o primeiro postulado & estabelecido como verdadeiro. Uma vez que todos os elementos do modelo, assim como as relagdes importantes entre eles, acham-se abertos 2 ins- pocdo direta e exaustiva e uma vez que a probabilidade da ocorréneia de enganos a0 inspeciond-los € pratica- mente nula, a consistencia dos postulados nesse caso no ¢ assunto de davida gemuina, Infelizmente, a maioria dos sistemas de postulados 4gue constitui os fundamentos de importantes ramos da dda matemitica, nfo pode espelhar-se em modelos finitos. Considerem 0’ postulado da aritmética elementar que afirma ter todo inteiro-um sucessor imediato diferente de qualquer inteiro precedente. & evidente que o modelo necessirio para testar o conjunto ao qual este postulado pertence no pode ser finito, mas deve conter uma infi- nidade de elementos. Segue-se que a verdade (€ por- tanto a consisténcia) do conjunto no pode ser estabe- lecida por uma inspegiio exaustiva de um néimero limitado de elementos. Aparentemente chegamos a um impasse. “Modelos finitos bastam em principio para estabelecer a consisténcia de certos conjuntos de postulados; mas estes slo de pequena importincia matemitica. Modelos nio-finitos, necessirios 4 interpretagio da maioria dos sistemas de postulados de importincia matemitica so 28 deseritiveis apenas em termos gerais; e nilo podemos concluir como coisa natural que as. descrigdes esto isentas de contradigdes ocultas. £ tentador sugerir a esta altura que podemos estar seguros da consisténein de formulages em que se des- initos so as, nogées bisieas empre- ie, “distintas”, Mas a histéria do pensamento’ndo traiou curinhosa- mente da’ doutrina das idéias claras ¢ distintas ou da doutrina do conhecimento intuitivo implicita na suges- to, Em certas dreas da pesquisa matematica onde ‘suposigdes sobre colegdes infinitas desempenham papéis centrais, apareceram contradigdes radicais, a despeito dda clareza intuitiva das nogGes implicadas nas. pres- suposigdes e a despeito do cariter aparentemente consis- tente das construgdes intelectuais realizadas. Tais contra- digdes (teenicamente consignadas como “antinomias”) surgiram na tcoria dos nimeros infinitos desenvolvida por Georg Cantor no século XIX; ¢ a ocorréncia destas contradigdes tornou patente que a claroza aparente, ‘mesmo de uma nogao tdo elementar como a de classe (ou agregado) ndo garante a consisténcia de qualquer sistema particular erigido com base nele. Uma vez. que a teoria matemética das classes que trata das proprie- dades e relagdes de agregados ou colegdes de elementos & muitas vezes adotada como o fundamento de outros, ramos da matemitica, e em particular da aritmética clementar, & pertinente perguntar se contradigdes simi lates as encontradas na teoria das classes finitas infectam. as formulagdes de outras partes da matemitica, De fato, Bertrand Russell construiu uma contra- digo dentro da estrutura da propria légica clementar que é precisamente anloga & contradig&o desenvolvida rimeiro na teoria de Cantor das classes infinitas, A antinomia de Russell pode ser colocada como segue, As classes parecem ser de duas espécies: as que no contem clas préprias como membros e as que contém, Uma classe chamar-se-A “normal” se somente se néo contiver a si mesma_como membro, do_contrério..chamar-se-& “ndo-normal”, Um exemplo de dlasse normal € a classe dos matemiticos, pois evidentemente a propria classe 2» & um matemético e portanto nfo & membro de si mesma. Um exemplo de classe nilo-normal & a classe de todas as coisas pensiveis; pois a classe de todas as coisas pensiveis € ela propria pensivel e & portanto um mem- bro de si mesma. Represente por “Na classe de rodas as classes normais, Perguntamos se N mesmo é uma classe normal, Se N o for, & um membro de si mesmo (pois por definigio N contém todas as classes normais); mas neste caso N 6 no-normal porque, por definigio, ‘uma classé qué contém a sii mesma como membro niio-normal, De outro lado se N é nfio-normal, & mem- bro de si mesmo (por definigo de niio-normal); mas, neste caso, N é normal porque por definig&o os membros de N sio classes normais. Em sintese, N & normal se, apenas se, N for nflo-normal, Segue-se que o enunciado “N € normal” € tanto verdadeiro quanto falso, Esta contradigio fatal resulta do uso nio-critico da nogio aparentemente diéfana de classe. Outros paradoxos fo- ram descobertos mais tarde, cada qual construido por meio de modos de raciocinio familiares ¢ aparentemerite ‘convineentes. Os matematicos vieram a compreender ‘que para o desenvolvimento de sistemas consistentes a familiaridade ¢ a clareza intuitiva sfo canigos fracos para servir de apoio, ‘Vimos a importincia do problema da consisténcia nos familiarizamos com o método classicamente padrio para resolvé-lo com a ajuda de modelos. Foi mostrado que na majoria dos exemplos o problema requer 0 uso de modelo nio-finito, cuja descrig&o pode por sua vez ‘ociltar inconsisténcias. Devemos coneluir que, embora (6 método do modelo seja um instrumento matemético precioso, nfo proporciona resposta final ao problema que pretendia resolver, 30 PROVAS ABSOLUTAS DE CONSISTENCIA As limitagdes inerentes ao uso de modelos para 0 éstabclecimento da consisténcia€ 0 erscene tomor de due as formulagdee-padido de mutes sistemas maton thos possam abrga todas as conradigbes interna, evo & oven borg do problema, Una aemata pan 8 provas reativas de" conssténcia foi propos por Hilbert Ele procurou construir provas “absolutes” me, diantes as quai seria possivelestiblecer os sstoman de coniséncia sem presupor a consisténcia de algun ouzo sistema. Cumpre-nos explicarabreviadamente ese modo de ver como preparacao para 0 entendimento da reali raslo do Godel © primeiro’passo.na construgio de uma prova bsouta tal como Hilbert coneeben 0 assunto reside na 31 completa formalizagio de um sistema dedutivo, Isto ‘plica drenar as expressées que ocortem no interiér do sistema de todo significado: € preciso consideri-las sim. plesmente como signos vazios. Como se deve combinar € manipular tais signos é exposto em um conjunto de ‘egras precisamente estabelecidas. O propdsito deste pro- cedimento & construir um sistema de signos (denominado “cilculo”) que nada esconde ¢ que contém apenas aquilo gue nele introduzimos explicitamente, Os postulados e teoremas de um sistema totalmente formalizados so “cadeias” (ou seqiiéncias finitamente longas) de marcas sem significado, construidas segundo regras para combi- nar os signos elementares do sistema em conjuntos maio: res, Além disso, quando um sistema foi inteiramente formalizado, a derivagdo de teoremas a partir de poste lados nao é mais que a transformagiio (de acordo com regras) de um conjunto de tais “eadeias” em outro con- junto de, “cadeigs”. Desta, mancira, fica climinado 0 Perigo de empregarmios quaisquer prineipios inconfessa dos de raciocinio, A formalizagio & um negocio dificil ardiloso ¢ serve @ um valioso propésito, Revela estru turas e fungGes em sua nua elareza, como o faz 0 corte de um modelo de méquina em funcionamento, Uma vez formalizado um sistema, as relagdes ldgicas entre ‘pro- pposigdes matematicas ficam a vista; pode-se ver os pa- res estruturais de varias “cadeias” de signos “sem signifieado", como permanecem unidos, como esto combinados, como se aninham um no outro e, assim or diante. ‘Uma pigina coberta com marcas “sem significado” de uma tal matematica formalizada néo afirma nada — simplesmente um desenho abstrato ou um mosaico dota do de determinada estrutura. Todavia, & possivel des. crever claramente as configuragdes de semelhante sistema ¢ efetuar enunciados acerca das configuragSes e de suas varias relagdes entre si E possivel dizer que uma “cadcin”™ E bonita ou que se parece com outra “eadeia” ou que uma “endeia” parece constituida por trés outras, e assim por diante. Tais enunciados silo evidentemente significativos © podem transmitir importantes informagées sobre o sistema formal. Cumpre. observar entretanto que tais 32 munciados significativos sobre um sistema matemético {ou formalizado) sem. significagio evidentemente nao pettencem eles proprios a0 sistema, Bles pertenesm no {gue Hilbert chamou de “'metamatemitica”, a linguagem ue versa sobre a matemética. Os enunciados metamate- Indticos so enunciados acerca dos signos que ocorrem dentro de wm sistema matemitico formalizado (isto €, uum cielo) ~ acerca dos tipos e arranjos de tas signos {quando eles se combinam para formar cadeias mais lon- fs dc marcas denominadas fOrmulas ou acerca’ das felagoes entre fSemulas obieniveis como consegiéncia das regras de manipulagao especificadas para clas ‘Alguns exemplos ajudario a entender as distingdes de Hilbert entre matemética (isto 6 um sistema de signos sem significago) e metamatemética (enunciados signifi tativos sobre a matemética, os signos que ocorrem no ‘Alculo, seus arranjose rlacbes). Considere a expresso 243=35 Esta expressio pertence & matemitica (aritmétiea) sendo inteiramente construida de signos aritméticos elementa- res. De outro lado, o enunciado “2-43 =5" € uma formula aritmética; afirma algo acerca da expresso exibida. © enunciado no expressa um fato aritmético ¢ nfo pertence & lingua gem formal da aritmética; pertence & metamatemitica, pordue caructeriza uma eerta cadeia de signos matemiti- cos como sendo uma formula. O seguinte enunciado pertence & metamatemitica Se 0 signo =" for utilizado em uma formula de aritmética, devera ser ladeado tanto & dircita como & esquerda por expressdes numiéricas Este enunciado assenta uma condigio necessiria para © emprego de um certo signo aritmético em formulas aitméticas: a estrutura que uma formula aritmética deve aprésentar se the cumpre corporificar o referido signo. Considerem as trés formulas subseqdentes 3B Cada uma delas pertence & matemética (aritmética) por- que cada qual esti inteiramente composta de signos aritméticos. Mas o enunciado Sx" 6 uma varidvel pertence A.metamatemética, uma vez que caracteriza’ um certo signo aritmético como pertencente a uma classe cespecifica de signos ((sto é & classe das varidveis), Mais uma vez, 0 enuneiado seguinte pertence & metamate- mitica’ A formula “0 =0” & derivivel da fOrmula “x = x” pela substituigdo da variavel “x” pelo nu- meral “0”. Ele especifica de que mania se pode obter uma formula aritmética de outrae, destarte, desreve como as duas fbemmulas se relacionam entre si Similarmente, 0 enun- ciado “O40 pettence & metamatematica, pois afirma a respeito de luma certa formula que ela no & derivivel dos axiomas da aritmética ¢ assim assevera que uma certa relagio no vale entre as formulas indicadas do sistema. Final- ‘mente, o préximo enunciado pertence & metamatematica Aritmética & consistente 6 um teorema (isto & niio & possivel derivar dos axiomas da aritmética

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