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I.A construgao dos direitos dos jovens e adultos 4 educagao na historia brasileira recente Maria Clara Di Piero! Roberto Catal JP Na historia poli brasileira, o ano de 1985 considerado 0 mar- co da transigio democratica, quando, aps vinte anos de regime mili- {ar ditatorial, um presidente civil (eleto indiretamente, apés a derrota no Congreso da proposta de eleigaes diretas) assumiu o governo com ‘© compromisso de convorar uma Assembleia Nacional Constituinte Conhecido como “Nova Repiiblica”, 0 perfado teve o inicio conturba- 1 Faculdade de Educacao da USP. 2 Asso Fducativa, 36 Mariangela Graciano + Rosario $. Genta Lug (orgs) do pela morte de Tancredo Neves ea posse do vice José Sarney, e pelas dificuldades de seu governo em debelar a hiperinflagio. A instabilidade econ6mica da segunda metade dos anos 1980 s6 fez agravar 0 j& dramético cenétio social brasileiro, marcado pelos bai- ‘os niveis saarias, insergo precéria da maioria da populagao no mer «ado de trabalho, clevada incidéncia de pobreza e miséria, ¢ escasso acesso 3 educagio, 3 satide e A protegio social (DRAIBE, 1993) Como reflexo da expansio tardia da escola puiblica € da histé- rica negligéncia das elites com a educagio das camadas populares, agravada por aquela situago socioeconémica conjuntural, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicilios de 1983 aferiu que os brasileiros tinham, em média, pouco mais que + anos de estudos,¢ registrou 17,5 rilhdes de analfabetos absolutos, um indice médio de 20,6% da popu- lagéo com 15 anos ou mais A tesposta do primeito governo da “Nova Repiblics” a0 desalio da alfabetizagao de jovens ¢ adultos foi a extingo do Movimento Bra- sileiro de Alfabetizagao (MOBRAL}, e sua substituigo pela Funds- ‘¢40 Educar, O Mobral se desgastara nao s6 pela identificagio com as estratégias de legitimagio do regime autoritirio, mas também pela inefiedcia em aleangar os objetivos propalados ¢ por deniincias de cor- rupgio (PAIVA, 2003). Elaboradas por uma Comissio de que fer parte Paulo Freite, dentre outtos ilustres pensadores da educagio de jovens «adultos (FA), as diretrizes do novo érgio propunham que o governo federal deixasse de realizar o atendimento direto, passando a fomentar as iniciativas dos Estados, municipios, insituigdes de ensino superior, ‘empresas ¢ organizagdes da sociedade civil, Essa nova configuragio permitiu que projetos inovadores de alfabetizagao pusdessem ser apoia- dos com recursos federais que, contudo, minguaram 20 longo dos anos. A Fundago Educar teria suas atividades encerradas em 1990, logo no cio do mandato do Presidente Femando Collor de Mello, sendo suas atribuig6es absorvidas principalmente pelos Muniefpios Dineitos, diversidade, priticas ¢ experincias educativas (..) 37 As grandes mobilizagées sociais iniciadas em 1984 no movie ‘mento em prol das eleigdes ditetas para a Presidéncia da Reptiblica intensificaram-se no transcorrer da Constituinte, eujos trabalhos se estenderam de 1986 a 1988, ¢ para a qual convergiram as intimeras demandas represadas por redistribuigio de renda, garantia de dircitos sociais¢ liberdades democriticas, Frato dessa interagio dinamica dos rmovimentos sociais € da sociedade civil organizada com 0 sistema politico, a Constituigdo Federal de 1988 reslabeleceu o Estado de die reito, fandou as bases de um sistema de seguridade social ¢ reconhe- cou direitos trabalhistas e sociais, dentre os quais ao ensino paiblico e gratuito, diurno e notumo, franqueado também aos jovens ¢ adultos, com as devidas adequagdes. De acordo com o Artigo 211 da Constituigio, a responsabilidade pela provisio gratuita do ensino obrigatério (8 época restr a0 entio nsino Mé- denominado I° Grau, ¢ hoje estendido da Pré-Fseola 20 dio) recaiu concorrentemente sobre os Estados e Municipios, em regi me de colaboragao, no qual se inscreve também a Unido, que cumpre fangao redistributiva ¢ assume encargos de assisténcia técnica ¢ finan- ceira suplementar aos governos subnacionais visando a equalizagio de ‘oportunidades © d garantia do padri imo de qualidade do ensino. Nas trés décadas que se seguiram a promulgago da Constituigio, 0s direitos educativos dos jovens e adultos foram teafirmados e amplia- dos pela legislagao federal, e reproduzidos nas cartas dos Estados e leis orginicas dos Muniefpios © demorado processo de formulagio das Diretrizes ¢ Bases da Educagdo Nacional teve avangos ¢ recuos, ¢ ao seu final, em 1996, a Lei 9394 reafirmou o direito a “educagio escolar regular para jovens ce adultos, com caracterssticas e modalidades adequadas as suas neces- sidades e disponibilidades, garantindo-se aos que forem trabalhadores as condigées de acesso e permanéncia na escola” (Inciso VII do Artigo #), Uma breve Segao do Capitulo da LDB que tratou da Educagao 38 Mariangela Graciano + Rosario $. Genta Lug (orgs.) Bisica foi dedicada aos cursos © exames da EJA, em dois artigos (de rntimeros 37 © 38) que asseguram “oportunidades educacionais apro- priadas, consideradas as caracteristicas do alunado, seus interesses, condigdes de vida e de trabalho” ¢ estabelecem que o “Poder Piblico viabilizard ¢ estimularé o acesso ¢ a permanéncia do trabalhador na «escola, mediante agdes integradas ¢ complementares entre s O significado da definigao legal da EJA como direito pal jetivo dos cidadios ¢ modalidade da Educagio Bisica foi detalhado no Patecer 11 de 2000 em que a Camara de Educa¢io Bisica (CEB) do Conselho Nacional de Educago (CNE) estabeleceu as Diretrizes Curriculares para a EJA e fixou a idade minima para ingresso nos cur s0s ¢ exames de Ensino Fundamental ¢ Médio em 15 ¢ 18 anos, res pectivamente, Nesse Parecet, 0 relator enfatizou o direito dos jovens ¢ adultos a0 ensino de qualidade, & luz dos prinefpios da proporcio, cequidade € diferenga; explicitou as fungées de teparagio de diteitos educativos violados, equalizagio de oportunidades educacionais e qua- lificagao permanente; colocou limites de idade para o ingresso (dis tinguindo a BJA da aceleragao de estudos que visa & regularizagio do fluxo escolar de adolescentes); €assinalou a necessidade de flexibilizar a organizagio escolar e contextualizar 0 iculo e as metodologias de ensino, proporeionando aos professores a form: pondente (CURY, 2000), Anos mais tarde, em 2004 e 2010, foram estabelecidas pela CEB/ specifica corres: CNE Diretrizes Operacionais para a EJA que, & luz do principio da accleragio de estudos, confere liberdade a organizagao do ensino nas sériesiniciais do Ensino Fundamental, ¢ fia em 1,600 horas duragio minima dos cursos correspondentes as séries finais do Fnsino Funda mental, ¢ 1200 horas no easo do Ensino Médio. A legislag3o que estabelece os parimetros das politicas de EJA 6 complementada pelos planos plurianuais de educagao, de duracao decenal, previstos no Artigo 214 da Constituigao Federal. O primeiro Dineitos, diversidade, priticas ¢ experiéncias educativas (..) 39 deles, apravado como a Lei 10.172, vigorou de 2001 a 2011 e nenhue ‘ma de suas 26 metas foi aleangada (DI PIERRO, 2010). Apés intensos debates na Conferéncia Nacional de Educagao (CONAK} e no Con- gresso, 0 segundo Plano decenal pés redemocratizagao foi aprovado cem 2014 pela Lei 13.005, com duas de suas vinte metas relacionadas diretamente a BJA: a meta nove prope “[...] elevar a taxa de alfabe- tizagio da popula até o final da vigéneia deste PNE, ertadicar 0 analfabetismo absoluto ici com 15 anos ou mais para 93,5% até 2015 e, ¢ reduzir em 50% a taxa de analfabetismo funcional (...J"; € a meta 10 “[...] oferecer, no minimo, 25% das matriculas de EJA, nos ensi- nos fundamental e médio, na forma integrada & educagao profissional [...}% desdobrando cada uma delas em numerosas ¢ desafiadoras estra- Aégias de poltticas ede Além da obedigneia a essas leis e normas, as politicas piiblieas recentes tém sido influenciadas pelos acordos internacionais que es tabcleccram uma agenda global para a educago, como a iniciativa de Educagao para Todos (1990-2015) e as 17 Metas para o Desenvol- vimento Sustentavel (2015-2030). As politicas de RJA sio particular mente suscetiveis & ascendéncia das Conferéncias Intemacionais de Educagio de Adultos (CONFINTEAs) promovidas pela Organizagio das Nagies Unidas pata a Edueagio, Ciéneia e Cultura (UNESCO) em intervalos de aproximadamente doze anos. Realizada em Hamburgo, Alemanha, em 1997, a V CONFIN- ‘TEA estabeleceu um conceito amplo de formagao de adultos e argu- ‘mentow que, nas sociedades contemporineas em que a informagio, a ciéncia eas tecnologias ocupam papel cada ver. mais destacado, a edu- cagio de adultos € nao s6 um direito humano, mas uma necessidade para a partieipagio informada dos cidadios, e um dos fandamentos da prosperidade e da justiga social. Diante do reduzido progresso obser vado no interregno entre as duas Conferéncias, a VI CONFINTEA, realizada em Belém do Paré em 2009, reafirmou o conceito alargado ¢ 40 Mariangela Graciano + Rosario $. Genta Lugli (orgs.) 4s premissas do evento anterior, clamou pela conversio dos discursos ‘em agi, instituindo uma sistemstica de monitoramento com a produ- ‘20 periédica de relatos avaliativos. As prioridades atribuidas &alfabetizacao e & qualificagao profssio- rnal que caracterizaram as agdes de EJA do governo federal nas iiltimas tues d de politicas edu adas se devem, em parte, a essa internacionalizagao de agendas onais. O analfabetismo & um fendmeno de grandes proporgdes nos paises mais pobres da Africa, dos sul e sudeste asidtico & da América Latina, com significativa contribuigao do Brasil, o que in pele o paisa manter a alfabetizagio de jovens e adultos em sua agenda de politica educativa Por outto lado, nos paises desenvolvidos da Europa, América do Norte ¢ da Asia, as politicas de aprendizagem © educagio ao longo dda vida estio orientadas prioritariamente para a eapacitagio da forga dade internacional (LIMA, 2012), induzindo paises emergentes na cena econémica global a adotarem de trabalho com vistas 8 competi politicas similares. Isso talvez explique que em 2008, por ocasiao da reformulagao do capitulo da LDB relativo a Educagao Profissional ¢ ‘Teenolégica, a Lei 11.741 tenha modificado também o Art. 37, para nele inserir um parigrafo que estabelece que a FJA deva articularse preferencialmente 3 educagio profissional As influéncias dos organismos internacionais, contudo, nfo slo as ‘inicas a determinar os rumos das politicas nacionais de EJA, condicio- nnadas que sio pela disponibilidade de recursos para investimento no setor, 0 que conduz ao tema do financiamento da educagao. O financiamento da EJA As bases do financiamento da educagio paiblica no Brasil estio assentadas sobre a vinculagao constitucional de recursos, que 0 Artigo jnimo de 18% da reccita de 12 da Constituigao Federal fixa em um impostos da Unio e 25% da arreeadagio dos Estados © Muniefpios. Dineitos, diversidade, priticas ¢ experiéncias educativas (..) 41 (Os recursos que subsidiam 2 educagio fieam, assim, pendentes do desempenho da economia que, em tiltima instancia, & 0 que determina jonal de recursos expressa um consenso da sociedade a respeito da importincia 6 volume dos impostos arrecadados. A vinculag3o const airibuida a educagio, ¢ protege o setor da descontinuidade politica administrativa, Contudo, ni basta reservar recursos ps educaga também, que eles sejam devidamente empregados. A LDB defini no Artigo 70.0 que é admitido como despesa em manutencao e desenvol- vimento do ensino (em que se incluem, dentre outtos, os gastos com pagamento de profissionais da educagio, despesas com equipamentos ¢ instalagées, contratagto de servigos de transporte © aquisicio de ma- terial escolar) e, no Artigo 71, explictou que tipo de despesas sia veda- das (como a temuneragio de pessoal em desvio de fungio, 0 subsfdio a insti es esportivas ou culturas, ou o pagamento de alimentagio ou. satide escolar, que sio inanciados com recursos de outrasfontes) Para induzir a colaboragdo entre os entes federados em favor do ensino obrigatério, foi insttuida em 1996 uma politica de fundos contabeis, que retém a maior parte dos recursos da eduucagio em cada unidade da Federag «05 redistribui proporcionalmente as m: las efetuadas por cada mantenedor. Como a Gonstituigio 56 admite a subvinculaglo temporéria de recursos, esses fundos tém vigeneia por tempo determinado. Entre 197 © 2006 vigorou o Fundo de Desenvolvimento © Manutengdo do Ensino Fundamental ¢ Valorizagio do Magistério (FUNDEP), que focalizou 60% dos recursos dos Estados ¢ Munict pios vineulados 8 edueagio nas despesas com o Rnsino Fundamental, dedicando 60% deles 3 remuneragio e aperfeigoamento dos docentes. ‘A Unio contribuia apenas com os Fundos dos Estados cuja receita tributsria nao permitisse atingir o valor minimo por aluno, fixado anu- almente pelo governo federal. 2 Mariangela Graciano + Rosario $. Genta Lug (orgs.) Embora os parlamentares tenham aprovado a consideragio das matriculas do Ensino Fundamental na modalidade EJA presencial, ‘esse aspecto da Lei do FUNDEF foi vetado pelo entio Presidente Femando Henrique Cardoso, 0 que fez com que a EJA tivesse que disputar com a Educagao Infantil e 0 Ensino Médio os escassos re- ‘cursos nao capturados pelo Fundo, Hse veto dificultou sobremaneira {que os Estados e Mu parcialmente compensado com a eriago pelo Ministério da Educa ‘pios mantivessem os servigos de BJA, 0 que foi ‘¢20 (MEC) do programa Recomeco (mais tarde renomeado Fazendo Escola), vigente entre 1997 e 2006, pelo qual o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educagao (FNDE) concedeu recursos aos Eis- tadas ¢ Municipios com maiores indices de analfabetismo para que ampliassem o atendimento da EJA, adquirissem livros didaticos e pro- movessem a formagio em servigo de professores da modalidade. Esse prog na foi suspenso em 2007, quando entiou em vigor 0 novo Fundo de Desenvolvimento da Educagio Bésica e Valorizagio do Magistério (FUNDEB}, que procurou equacionar as necessidades de financiamento de todas as etapas e modalidades da Educagio Basi ‘ca até 2020, Como isso implicava um investimento maior no setor, 0 FUNDER capturou 20% dos impostos dos Es seja, quase todos 0s recursos vineulados 3 educagio}, € passou a cone os ¢ Muniefpios (ou tar com um aporte minimo da Unido da ordem de 10% do Fundo ‘em cada uma das unidades da Federacio, Um comité formado por representantes do MEG e das secretarias de educagio dos Hstados dos Municipios fixa, a cada ano, o valor minimo por altuno a0 ano que serve de referéncia para os célculos do FUNDEB, estabelecendo também o fator de ponderagio de cada etapa e modalidade da Fdu- cago Bisica. Os recursos do Fundo de cada unidade da Federagio sao tedistribuidos entre o Kstado e os Municipios proporcionalmente a participagao de cada um deles nas matriculas, considerados os fatores de ponderagio de cada etapa ou modalidade. A Unido complementa Diteitos, diversidade, priticas ¢ experincias educativas (..) 43 ‘0s Fundos dos Estados que nao logram artecadar impostos suficientes ppara pagar o valor mfnimo por aluno ao ano. Em 2017, 0 valor de referéneia (que corresponde ao fator de ponderacio 1) é aquele atributdo as matriculas da Educagao Infantil piiblica ¢ dos anos iniciais do Ensino Fundamental urbano de tem- po parcial; os anos finais do Ensino Fundamental, o Ensino Médio, a Edue ‘ou especial reeebem falores de ponderagio maiores ( 10 Profissional, o ensino em tempo integral, a educagiio 1e variam de 1,05 a 1,25); apenas a RJA preseneial e as ereches conveniadas com atendimento em tempo parcial recebem um fator de ponderagio me- ror (0,8) Essa desvantagem desestimula a expansio das matriculas pt blicas na BJA (uma vez que os custas nao so menores que as demais ‘modalidades), sendo uma das razbes provaveis da queda nas matriculas observada desde 1996. © quadto do financiamento da FJA s6 nao € mais problemstico porque desde 2007, quando o FUNDEB entrou em vigor e © MEC. deu inicio ao Plano de Desenvolvimento da Educagio (PDE), e em conformidade com o que estabelece a legislagao, as matriculas na EJA passaram a ser consideradas nos programas de descentralizagao de re- cursos asssténcia estudantil financiados pelo FNDE. Inicialmente, os estudantes da EJA de Ensino Fundamental pas- saram a ser contabilizados pelos Programas Nacionais Dinheito Dite- to na Escola (PDDE),’ de Alimentagao (PNAL) e ‘Transporte Escolar {PNATE}, eteve inicio o Programa Nacional do Livro Didatico para a Alfabetizagao de Jovens ¢ Adultos (PNLA), Em 2009 0 PNLA foi incor porado ao Programa Nacional do Livro Diditico para a Educagio de 3 Griado em 1995, o PDDE visa conceder maior autonomis para que as cexcolae realizem pequenas despesss com melhoriae do ensino ou da in fracstratura. O FNDE repasta recursos a organizagies sociais de apoio 3s escolas (como as asociagies de pais e mestres), que deliberam sobre 0 seu emprego com a participagio da comunidade. Os recursos distribut- «ds $80 proporcionais ao nmero de alunos das escolas. 4 Mariangela Graciano + Rosario $. Genta Lugh (orgs.) Jovens ¢ Adultos (PNLDEJA), que fomentou a produgio de obras d- daticas pelas editoras comerciais, até entio alheias ao ensino de jovens ¢ adultos. Quando a Emenda Constitucional 59 tornou obrigatério a partir de 2016 0 ensino dos 4 aos 17 anos, “assegurada inclusive sua ‘oferta gratuita para todos os que a ela nao tiveram acesso na idade pré- pria", os estudantes da BJA de nivel médio também passaram a receber os beneficios da assist estudantil, como a merenda e o transporte escolar ¢ os livros ddticos gratuitos, ¢ suas malrfculas passaram a ser contabilizadas para fins do PDDE. © papel da Uniio e 0s programas federais Desde que dew inter década de 1940, a U ages dos governos subnacionais no campo da educagao de jovens e adultos (BEISIEGEL, 1997). Na década de 1990, contudo, 0 gover no federal recuou nesse papel indutor em virtude da redefinicao do 10, no final da 10 cumpri importante papel de indugio das papel do Estado ¢ do ajuste macroccondmico realizados sob orien- tagio neoliberal* ¢, consequentemente, da prioridade concedi universalizagio do Ensino Fundamental de eriangas e adolescentes. o expresses desse recuo 0 encerramento de atividades da Funda- ‘¢30 Educar em 1990, no governo de Fernando Collor de Mello, e 0 4 O ajuste macroecondmico e a redefinigio no papel do Fstado nos anos 1990 implicaram a reorientagio dae politica sociis, abedecendo a que luo vetores: desregulamentagio; descentralizagio da gestio e do finar- ciamento, privaizagso seletiva doe serigos; focalizagaa dos programas « poplagdes benefiidriae (DRAIBE, 1993, LAUREL, 1995). No caso a educagao brasileira, a focalizagao de recursos recait sobre o ensino pAblico na etapa fundamental para eriangas e adolescentes 5 Nesse aspecto, o governo brasileira atuow em sintonia com as orientagdes de organiemor internacionais apés a Conferéncia Mundial realizada na “Tailindia em 1990, que estreitaram a agenda de Fducagio para Todos, enfatizando a educagio escolar elementar na infancia, em detriment da cedueagio de adultos (TORRES, 2000), Diteitos, diversidade, priticas ¢ experiéncias educativas (..) 45 veto 4 inclusio da EJA no FUNDEF em 1996, no governo Fernando Henrique Cardoso. Contudo, 0 fato de nao atribuir prioridade & modalidade nao im- pediu que o governo federal atuasse na EJA. Além do ja mencionado Programa Recomego, na segunda metade dos anos 1990 foram elabo- tadas as Propostas Curriculares para o 1° ¢ 2° Segmentos do Ensino Fundamental da BJA ¢ ofetecida formagio de professores no ambito do Programa Parimetros Curriculares Nacionais em Ago. Enguanto ‘© Ministétio do Trabalho e Emprego descentralizava recursos para que comissdes estaduais e municipais implementassem a Plano Nacional de Qualificagio do ‘Trabalhador (PLANFOR), 0 Ministério Extraor dinario de Politica Fundisria acolheria proposta de universidades ‘movimentos sociais ¢ daria inicio, em 1998, ao Programa Nacional de Educagio na Reforma Agréria (PRONERA), © Conselho da Comunidade Solidéria (vinculado a Presidéncia ¢ liderado pela primeira-dama, a antropéloga Ruth Cardoso}, por sua vez, langou o Programa Alfabetizacao Solidéria (PAS), uma campanha de alfabetizagao com cinco meses de duragao, inicialmente voltada aos municipios com menor indice de Desenvolvimento Humano (IDI) ¢ maior niimero de analfabetos , depois, estendida aos grandes centeos urbanos. O PAS era finaneiado pelo governo federal em parceria com ‘empresas privadas, recebendo também doagdes de individuos que ade- rissem & campanha “Adote um analfabeto” * Os municfpios beneficis- tos cediam os espagos e recrutavam os monitores de alfabetizagao “em sua maioria jovens com ensino médio sem formagao pedagégica -, «que atuavam por apenas seis meses (de mado a nao configurar vinculo cempregaticio) ¢ que recebiam uma breve formagio inicial e supervisio pedagogica de instituigdes de ensino superior piblicas ou privadas. Os resultados obtidos com 0 PAS, assim como ocorreu com © Mobral, 6 Para uma critica 2 esa campanha, consultar Akarenga (2010, p. 171-183) 46 Mariangela Graciano + Rosario $. Genta Lugli (orgs.) foram muito aquém do almejado, nio ocortendo significativa redugio do nvimeto de analfabetos no pals no pertodo de sua vigéncia (1997- 2002). Dentre as razes que contribuiram para esses resultados estio a ccurta duragio do processo de alfabetizagao, baixo investimento reali- zado e a insuficiente formagao dos educadores, que nao permaneciam ‘no Programa tempo suficiente para construir as necessatias compete! as profissionais. A partir de 2003, a Presidéncia de Luts Ingeio Lula da Silva priori« 700.0 enftentamento da desigualdade e da pobreza extrema, eriando 0 programa Fome Zero, que incluta iniciativas de seguranca alimentar, getagdo de emprego, renda minima ¢ alfabetizagao de adultos. Nesse ccontexto, foi criado o Programa Brasil Alfabetizado (PBA), que se prov pis alfabetizar 20 milhdes de brasileitos mediante a mobilizagao da sociedade civil pata atuar na campanha, O MEC repassava recursos para Estados, Muniefpios e organizagées sociais que artegimentavam, ceducandos ¢ alfabetizadores, dos quais nao se exigia formago peda- g6gica, e que recebiam bolsas diretamente do governo federal. Entre 2003 e 2005 o PBA atendeu cerca de 5 milhdes de pessoas em cursos ‘com seis meses de duragiio, mas de acordo com as Pesquisa Nacionais por Amostra de Domicilios (PNADs) o saldo positvo de alfabetizados no perfodo foi de apenas 200 mil pessoas (CATELLI, 2014). Subme- tido 2 uma avaliagio, 0 PBA foi reconfigurado em 2007: 0 governo federal restringiu os convénios as secretarias estaduais e municipais de ceducagio, que deveriam, quando possivel, engajar docentes com for ‘magao pedagégica, embora continuassem a ser admitidos alfabetizador tes sem essa formagao; 0 perfodo de alfabetizagao foi estendido para até ito meses; foram institufdas bolsas para intérpretes de Libras; dentre ‘outros aperfeigoamentos, Entre 2007 e 2013 0 PBA atendeu cerca de 1 milho de pessoas 20 ano, porém a regressio dos indices de analfabetis- ‘mo continuou lenta. A partir de 2015, em meio a crise fiscal e politica «que se abateu sobre o pats, o PBA sofreu dristico contingenciamento Diteitos, diversidade, priticas ¢ experincias educativas (..) a7 de recursos ¢, consequentemente, passou a alender um ntimeto muito menor de pessoas. Em 2017 foram abertas apenas 250 mil vagas para 0 Programa Brasil Alfabetizado. Desde 2004, a politica de EJA do governo federal passara a ser coordenada pela Secretaria de Alfabetizagio ¢ Diversidade (SECAD) do MEG.’ A expectativa era avangar na superagio da dicotomia entre alfabetizagio e educagio basica de adultos, de modo que a modalidade EJA ganhasse maior destague no ambito do Ministério, A Secretaria articula agdes relacionadas a educagio escolar indigena, diversidade Ainico-racal, género, diversidade sexual e educagio de jovens adultos, além da educagio ambiental e do campo. A ideia era manter didlogo ‘com a sociedade civil organizada ¢ fazer com que essas agendas est- ra transversal no MEC (CARREIRA, 2014) Em 2003, por ocasido da eriagao do Programa Brasil Alfabetizad, vvessem presentes de mane is havia sido reativada a Comissio Nacional de Alfabetizaglo, que em. 2004 passou a ser denominada Comisséo Nacional de Alfabetizacio Educagao de Jovens ¢ Adultos (CNAEJA), formada de representantes dos governos subnacianais, da sociedade civil, dos féruns ¢ movimen- tos sociais relacionados & EJA, para contribu na construgio de uma politica para a modalidade Uma das dficuldades da eoordenago nacional de uma politica de EJA tesidia (¢ ainda reside) na melhor articulag3o da Unido com 0s Estados e Municfpios, que sao os entes executores da modalidade. Uma das tentativas da SECAD para superar essa dificuldade foi a criagio, em 2007, do que se denominou de Agenda ‘Territorial de ‘A partir de 2011 o érgio passou a se chamar Secretaria de Alfabetizagio, Diversidade e Inchusie (SECADD), a0 incorporar a gestio da politica de edueagia especial 8 Os Frans sio articulagbes phrai que, desde o final dos ance 1990, rexinem. profescore, edhtcadores populares, etidantes,gestores,técnicose pestis res que promovem a troca de experiéncias estuam na defesa do diet dos jovens e adultos a uma educagio de qualidade (SOARES, 2003), 48 Mariangela Graciano + Rosario $. Genta Lug (orgs.) Alfabetizagao e Edueagio de Jovens ¢ Adultos, com a finalidade rew- nir em cada Unidade da Federagio os diferentes atores envolvidos nna modalidade, seja no Ambito governamental ou da sociedade civil, para estabelecer o diagnéstico e as prioridades, coordenar o planeja- ‘mento e integrar o Programa Brasil Alfabetizado as demais ages de EJA. A prinespio a iniciativa mobilizou setores da sociedade civil ¢ secretarias de educa que na maior parte dos Estados formaram as ccomissdes para a construgao dos diagnésticos e planos de ago, mas pouco se avancou na sua implementacio, ¢a estratégia acabou sendo abandonada Nos dois mandatos do Presidente Lula da Silva ocorreram outras iniciativas de EJA, além daquelas coordenadas pela SECAD. O en- tio denominado Ministério do Desenvolvimento Agririo (MDA), por cexemplo, deu continuidade ao PRONERA, que nesse governo nio s6 apoiow iativas de alfabetizagio € elevagio de escolaridade bésica, mas expandiu os cursos téenicos de nivel médio e os de nivel superior, ‘em regime de alternancia, A Secretaria Nacional de Juventude (SNJ), por sua vez, esteve a frente da eriagao, em 2005, do Projovem, voltado a pessoas de 18a 29 anos com Ensino Fundamental incompleto, © Programa aspirava contribuir para a institucionalizagao de politicas piiblicas para a jue ventude, ¢ visava promover a formacio integral, associando elevagao de escolaridade, inclusio digital, qualificagso profissional e ages co- ‘munitérias (FREITAS; RIBEIRO, 2014). Dentre suas especificidades, se destaca a concessio de bolsa para os estudantes se manterem no ‘curso, a criagio de salas de acolhimento para filhos dos jovens, ¢ um ccuriculo integrado que dialogava com temsticas do universo juvenil, dentre as quais as do mundo do trabalho, Em 2011, ja no governo dea Presidenta Dilma Roussef, o Projovem passou a ser gerido pela SE- CADUMEG, em uma ditetoria especifica criada para esse fim, Nesse ‘momento, o Programa perdeu recursos e reduziu o atendimento: em Dieitos, diversidade, priticas ¢ experiéncias educativas (..) 49 2009, 243 mil alunos haviam sido matriculados no Projovem, enquan- to que em 2013 foram inseritos apenas 97 mil jovens. Durante os governos de Luts Indcio Lula da Silva ¢ Dilma Rous- sef foram também adotadas iniciativas de educacao profissional sob a coordenagao da Secretaria de Educagao Profissional e ‘Tecnolégica {SETEC) do MEG, dentre as q grasio da Kducagio Profisional com a Edu de Educagio de Jovens ¢ Adullos (PROEJA) ¢ 0 Prog: Acesso ao Ensino Técnico ¢ Emprego (PRONATEC). (0 Proeja foi criado em 2005 para que jovens ¢ adultos tivessem is se destacam o Programa de Inte- ica na Modalila- ma Nacional de acesso a cursos de elevagao de escolaridade articulados a formagio pro- fissional inicial e continuada e a0 ensina técnico de nivel médio, rece- bendo assim uma formagio integral, «que nao se limita a preparar para © posto de trabalho, A rede federal de insitutos e centios de edueagio tecnoldgiea & a protags sta desse Programa, realizando também eur s0s de especializagio de educadores em EJA e parcerias com os muni- cipios para elevagao de escolaridade na etapa do Ensino Fundamental Mais focado na qualificagao da mao de obra para atender necessi- dades imediatas do mercado de trabalho, que se expandia na década de 2000, quando o Produto Interno Brato (PIB) eresceu em média 3,6% a0ano, 0 Programa Nacional de Acesso ao Ensino Téenico e Emprego {(Pronatec) foi criado em 2011 com o objetivo de ampliar a oferta de cursos de educagio profissional e tecnolégica. O diferencial do Progra- ima reside na oferta da bolsaformacao, que possibilta a trabalhadores estudantes do ensino piblico o acesso gratuito a cursos de qualificar <0 profissional e formagao técnica, sendo que os ofertantes dos cursos (que podem ser agentes piiblicos ow privados) reeebem do governo federal um valor por hora-aula por aluno. Em 2014, 0 Pronatee chegou a ofertar 5 milhdes de vagas (a maior parte das quais em cursos de curta duragao}, mas jé no ano seguinte, em virtude da crise fiscal, apenas 1,1 rmilhdes de vagas foram disponibilizadas, Nesse periodo, 63% das vagas 50 Mariangela Graciano + Rosario $. Genta Lug (orgs) ‘ram oferecidas pelo Servigos Nacionais de Aprendizagem Industrial e ‘Comercial (SENAI ¢ SENAC). As diferengas entre o Proeja ¢ 0 Pronatec acenderam antigas polé- micas sobre as politicas de educacao profissional, opondo, de um lado, as estratégias da educagio integral ¢, de outro, a répida qualifcagao para postos de trabalho desconectada da elevacio da escolaridade, Esta siltima dizetiva (que mareou o Planfor e também esteve presente no Pronatee) tem sido eriticada por nio enfientar problema do baixo letramento da populacio brasileira. O Indicador Nacional de Alfabe- tismo Funcional (INAF) para 0 ano de 2015 evidenciou que 27% dos brasileiros com idade enite 15 e 64 anos podem ser classificados como analfabetos funcionais, e apenas 8% da populagio dessa faixa etitia ex {aria no nivel prof jente, 0 mais clevado da escala; mesmo entre aque les que jé estavam cursando ou tinham conclufdo o Ensino Médio, apenas 45% foram classificados no nivel pleno de alfabetismo (LIMA et al, 2016). Hsses dados indicam que os trabalhadores néo precisam apenas de uma formagao técnica restrita para a ocupagio de postos de trabalho de répida obsoleseéncia, mas sim de educago basica; ou seja, ‘mais do que capacidade técnica, fatariam aos trabalhadores habilida- des bssieas adequadas para lidar com as tarefas profisionais e com as demandas do mundo letrado no cotidiano (FERREIRA, 2006), Os exames de certifica¢ao para jovens ¢ adultos A possbilidade de pessoas adultas abterem certificados escolares mediante exames de madureza & antiga na historia da educagio bra- sileira, mas foi a partir da LDDB de 1996 que os sistemas estaduais de censino foram obrigados a oferecer gratuitamente exames como cami- inho para a certificagio para jovens e adultos com mais de 15 anos, no «caso do Ensino Fundamental, e de 18 anos, no caso do Ensino Médio. ais Anisio Em 2002, o Instituto Nacional de Pesquisas Educaci ‘Teixeira (INEP), responsivel pela realizagao de avaliagées no Ambito Dieitos, diversidade, priticas ¢ experiéncias educativas (..) 31 do MEC, propés a criagéo de um instrument nacional que fosse uma altemativa aos exames supletivos realizados pelos Estados. O INEP ale- gou que os exames estaduais tinham baixa qualidade, e que em muitos casos se instalara uma “indiistria de diplomas” que colocava em tisco a credibilidade dos certificados emitidos. Argumentou também dispor de experiéncia acumulada com a implementagio do Sistema de Avar wcao da Educagio Bisica (SAEB) e o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), que Ihe p adultos com qualidade e baixo custo, mitiam realizar as exames para jovens ¢ ‘A iniromissdo da Unio em um ambito que até entio era prerro- sativa dos Estados gerou resistencias de varios govemnos e conselhos de ceducagéo, mas a redugao de despesas acabou por conduzir’ adesio de is, Os Féruns de BJA, por sua ver, lemiam que 0 ctescimento da certificagao via exames le- numerosas administragoes esta vasse a0 esvaziamento dos cursos presenciais com avaliago no proces- s0, onde os educandos teriam a oportunidade de realizar sua formago, nao apenas serem avaliados (RUMMERT, 2007). © Exame Nacional para Certificagao de Competéncias de Jovens «¢ Adulios (H NCCBJA) comegou em 2002.com apenas 14 mil inscritos « eresceu até atingir 595 mil inscrigdes em 2008, sempre com baixos indices de comparecimento e de aprovagio. Em 2009, o Inep reformulou o Enem, que adquitiu a fungio de selecionar estudantes para o Ensino Superior, ¢ incluiu a possibilida- de de certificagao por essa via, deixando de promover 0 ENCCEJA de Ensino Médio. Neste novo formato, a certficagao tomouse ainda ‘mais diffil para os jovens ¢ adultos com escolaridade descontinua: em 2013, apenas 10,37 dos que solicitaram a certficagio obtiver: na pone ‘uagio minima necesséria em todas as reas de conhecimento; 56,8% dos que obtiveram a certificagao em 2013 nfo deixaram de estudar nenhum ano, buscando no Exame apenas para acelerar ou assegurara certficagio que poderiam abter por outra via 52 Mariangela Graciano + Rosario $. Genta Lug (orgs.) Desde 2009, quando 0 Eneceja, passou a certifiear apenas 0 Ensino Fundamental, o Exame perdeu importincia para 0 governo federal, que descontinuou sua oferta. Em 2014 Eneceja teve apenas 114 mil inseritos Em 2017, 0 MEC anunciou gue 0 ENEM deixara de servir & cettificagio de jovens ¢ adultos para o Ensino Médio, que voltara a ser realizada por um exame especifico, © que a experiéneia de quase quinze aos de exames nacionais comprovou é que eles si0 muito seletivos, servindo como alternativa para as pessoas mais escolarizadas, que estio ha pouco tempo distan- tes da escola, ou ainda para pessoas que, apesar da baixa escolaridade, conseguiram desenvolver um nivel mais elevado de alfabetismo (CA- ‘TELLI, 2016), Iso ocorre também porque os exames de certificagio no Brasil ém um cariter estritamente escolar, nio tendo sido eriados para reconhecer conhecimentos obtidos na experiéncia pessoal e pro- fissional das pessoas jovens e adultas. A educagio no sistema prisional Com um total de 607 mil presos em 2014, o Brasil t maior populagio carceriria do mundo, ¢ regista uma taxa de eresci- ta nag mento médio de 7% a0 ano a partir de 2000. De acordo com Depar- tamento Penitencisrio do Ministério da Justiga, mais da metade dos pesos eram jovens de 18 a 29 anos e 67% eram negros. E apenas 10% «da populagao carcerdria estava, em 2012, envolvida em alguma ativida- de educacional, sendo que 6% dos presos exam analfabetos © 53% no linham coneluido 0 ensino fundamental O direito a educagao, previsto na Constituigio, encontra grande dificuldade de se estabelecer no sistema prisional, mas houve peque- 1nos avangos ao longo da iltima década, especialmente no plano legal Apés dois anos de intenso debate envolvendo representantes dos sgovernos estaduais das reas da educagio ¢ administragio penitencia Direitos, diversidade, priticas ¢ experiéncias educativas (..) 33 pesquisadores e organizagses sociais dedicadas & educagio ¢ aos direitos ‘humanos, finalmente em 2010 os Ministéios da Educagao e da Justi «2, asistidos pelos Conselhos Nacionais de Educagio e de Politica Cri minal e Penitencisria, chegaram a um acordo em tomo das Diretrizes Nacionais para a Oferta de Educagio a Jovens ¢ Adultos em Situagao de Privagio de Liberdade nos Bstabelecimentos Penais. A Resolugio n* 272010 inseriu a edueaga dade EJA, obrigando a presenga de profisionais habilitados na condugao das atividades, 0 fe pas prises na mod: nanciamento pailico, material diditico e merenda escolar. Os intemos do sistema prsional passaram a usufruir dos mesmos direitos garantidos aos educandos que frequentam as redes piiblicas de ensino fora dos mu- ros da prisio, o que obriga as secretarias de educagio prever sua oferta de modo adequado (AGAO EDUCATIVA, 2013), [As Diretrizesseriam reforgadas no ano seguinte pela mudanga na Lei de Execugao Penal, que passou a admit a remigao de um dia de ppena para cada 12 horas de estudo Esse quadro normativo repercutiu na politica federal em fins de 2011, quando a Presidenta Dilma Rousseff instituiu pelo Decreto 7.62672011 0 Plano Estratégico de Kducagio no ambito do Sistema Prisional (PEESP), assegurando seu ajustamento as novas Ditettizes, mediante elaboragio de Planos iste dda Unio aos Estados para Estaduais de Edueagio no Sistema Prisional A implementagio desses planos representa um enorme desafio, porque implica mudangas na cultura e nas priticas institucionais (que hoje concedem a primazia & seguranca ¢ negligenciam a formagio dos préprios agentes penitencidris), erequeracriagio de espacos para o tar batho educacional, a elaboragio de propostas pedagéigica e materias d+ daticos apropriads ¢, sobretudo, a preparagso de professores eapazes de, nesse contesto, promover uma educagio voltada aos direitos humanos. 54 Mariangela Graciano + Rosario $. Genta Lugli (orgs.) Desafios atuais Ao longo deste capitulo vimos que, desde a promulgagao da Cons- tituigao Federal de 1988, houve recuos e avangos no papel exercido pelo governo federal na indugao das politicas de EJA. A partir de 2003, quando 0 Partido dos Trabalhadores chegow ao governa nacional, a politica educacional voltada aos jovens e adultos analfabetos ou com baixa eseolaridade ganhow novo impulso, 3 medida em que foi enea rada como componente de um projeto de redugao da pobreza e das desigualdades sociais. Sendo a educagao um dos fatores de promocao social, virios programas foram estabelecidos no intuito de ampliar © financiamento e a oferta de oportunidades de alfabetizacao, educagio bisica ¢ formagio profissional de jovens adultos. Entretanto, deve-se considerar que, no 280 da educagao bisiea no Brasil, as politicas so executadas de modo descentralizado pelos govemos subnacionais, e sua efetividade depende em grande medida da iniciativa dos Estados e Municipios e da colaboragao entre os entes federados. Ocorre, que para além das demandas relacionadas 8 EJA, os Estados e Muniefpios tiveram que dar conta de outras urgéncias, como 4 expansio da Educagio Infantil ¢ do Ensino Médio de modo a aten- der a obrigatoriedade escolar dos 4 aos 17 anos instituida pela Emen- da Constitucional no. 39/2009. Diante da necessidade de ampliar a cobertura escolar e melhorar a qualidade do ensino bisico frente aos sucessivos resultados negativos nas avaliagdes nacionais, muitos Esta- dos ¢ Muniepios mantiveram a RJA em um lugar marginal na agenda das politicas publicas ‘Alem disso, o dieito & formagio ¢ aprendizagem ao longo da vida nfo esté tio bem estabelecido na cultura brasileira quanto a prerrogati- vada educagio na infincia e adolescéncia, de modo que a pressio so- cial sobre os governantes para expandir as oportunidades de escolariza- ‘edo para os jovens ¢ adultos € menor do que a exigéncia de vagas com Diteitos, diversidade, priticas ¢ experincias educativas (..) 55 ‘qualidade nas redes pablicas de ensino para as eriangas e adolescents, sujeita a agdes judiciais ¢ exposic0 nos meios de comunicagio social Diante disso, © mesmo com a ampliago dos recursos disponiveis para a EJ a partir da inclusio da modalidade no Fundeb e nos prograe ‘mas de assisténcia estudantl, assstimos no transcorrer da siltima déca- daa uma conti 1a queda das matriculas: em 2007 eram 4,9 milhies de inscritos na BJA, reduzidos a 3,3 milhées em 2015, o que representa uuma queda de 32,67. A maior redugio ocorrew nas séries inicias do Ensino Fundamental, em que as matriculas tiveram queda de 40%, conforme os Gensos Escolares do periodo. ‘A queda nas matriculas da BJA somada a redugio de vagas dos programas de alfabetizagao, elevagdo de escolaridade © qualificagéo profissional (Las como o Brasil Allbetizado, o Projovem ¢ o Pronatee), em virlude de corles orcamentirios, dificulta 0 recuo dos indices de analfabetismo, que evoluem lentamente e respondem mais 3 expansio do acesso das novas geragdes ao sistema escolar que aos esforgos de alfabetizagao de jovens e adultos.” “Também nao foram criadas ainda as condigdes necessérias para «que as metas do Plano Nacional de Eduteagao 2014-2024 sejam cum prides a comecar pela Meta 9, que prevé a superagio do analfabetismo absoluto € redugo do analfabetismo funcional 3 metade, iniciando por elevar a taxa de alfabetizago da populagio com 15 anos ou mais para 93,5% em 2015. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domictlios {PNAD) indicou que 92% da populagio estava alfabetizada naquele ano, Ja a Meta § propie elevar para 12 a média de anos de estudo da populagio de 18 a 29 anos, especialmente entre os mais pobres e que vivem no campo, reduzindo as diferengas raciais. Fm 2015, conforme a PNAD, a escolaridade média das pessoas dessa faixa etiria ficou em mnforme os Censos Demogrificos, em 1980 0 Brasil tinha 25,5% de analfabetos com 15 anos ou mais, 18,6% em 1991, 16,3% em 2000 ¢ 9,6% em 2010, 56 Mariangela Graciano + Rosario $. Genta Lug (orgs) 10,1 anos; entretanto, a juventude do campo tinha 8,3 anos de estudos, ‘0s 25% mais pobres possufam 8,5 anos de escolaridade, © a popula ‘¢30 negra de 18 a 29 anos possuia 9,5 anos de estudos, persistindo as desigualdades. Igualmente desafiadora 6 a Meta 10 do PNE, que cstipula que 25% das matriculas na BJA ocorram na forma integrada & ceducagio profissional; até 2014, apenas 1,45% das matriculas na EJA cortespondiam a cursos integrados de elevagio de escolaridade © que lifieagao profissional As dificuldades para a consecugio das metas do PNEE se agravam no contexto de crise econémica e ajuste fiscal, com redugdo de in- vestimentos na BJA a partir de 2015, seja pela queda da arrecadagao tributatia," seja pelos cortes de investimentos nos programas federais, nal n, 95/2016, que fixou uum teto de gastos puiblicos. Segundo a assessoria legislativa da Camara em especial a partir da Emenda Constituci dos Deputados, esse novo regime fiscal implicaré uma perda de re- ceitas para o setor educacional da ordem de RS 32 bilhdes ao longo dos préximos dez anos (BRASIL, 2016). Nesse contexto, é ainda mais “urgente rever os fatores de ponderagao atribuides & BJA nos caleulos do Fundeb, equiparando-os aqueles aribuidos as etapas e modalidades da educagio basiea para os demais grupos de idade Aceseassez de recursos financeiros € apenas um dos miltiplos fato- res que influem na queda de matriculas da EJA, dente os quais xe des- taca a inadequagio dos modelos de atendimento, Ainda muito presa ‘0s tempos, espagos e curriculos das escolas de criangas e adolescentes, 4 organizagio escolar dominante na BJA no atende, na maioria dos ‘casos, is necessidades formativas ¢ possibilidades de estudo dos jovens 1 Em matéria publicada no jomal Valor Econdmica em 6/2/2017, Caio Callegsri, economista do Todos pela Educagio, declarou que, quando eflactonado, o valor minimo investida por aluno ao ano do Pundeb de 2017 soften queda de I,3% em relagio a 2016; segundo ele, €0 segundo ano consecuitiva em que iso acorte, coma efit da recessio sobre aarre- cadagio de impostos Dieitos, diversidade, priticas ¢ experiéncias educativs (..) 37 « adultos dos extratos sociais de baixa renda, Pata tornar vidvel e altae tiva a frequéncia escolar para pessoas que, em sua maioria, acumulam trabalho e responsal idades familiares, ¢ que possuem rica bagagem cultural larga experiéncia de vida, 6 necessério desenvolver modelos de organizagio escolar i los espectficos ¢ propostas pe- dagégicas inovadoras tanto, € essencial introduvir a temstica da EJA nos cursos de formacio do magistério, ¢ promover a formago continuada dos ceducadores em servigo, pois muitos dos que atuam na modalidade si0 contratados temporariamente ou complementam em periodo notumo jornadas de docéncia realizadas com criangas e adolescentes no diur- no, 0 que implica 0 risco de reprodugio com os jovens ¢ adultos das estratégias pedagégicas concebidas para outtas faixas etrias, Por fim, coloca-se como um imenso desafio encarar que 0 aten- dimento ao dieito 3 educagio de jovens ¢ adultos vai além do préprio campo da educagio. Considerando que a grande maioria dos brasilet- ros com 15 anos ou mais que nao concluiram a educagao basica estdo centre as pessoas com as piores condigdes econémicas ¢ sociais, tomase necessirio recorrer a um conjunto de politicas intersetoriais que pos sam garantir 0 dircito a educago, mas também a satide, alimentacio, ‘moradia e transporte dentxe outras. Nao é possivel erer que uma pessoa poderi vollar a frequentar a escola se nao tiver renda, onde morar, suficiente comida, atendimento médico ou lugar para deixar os filhos cenquanto esté na escola Referéncias bibliograficas AGAO EDUCATIVA, Educagio nas prises: perfil de escolaridade da populagao prisional de Sao Paulo, Em Questdo, 10. Sio Pau- Jo, 2013. ALVARENGA, Marcia Soares de. Sentidos da cidadania: politicas de educagio de jovens e adultos. Rio de Janeiro, EDUERJ, 2010, 58 Mariangela Graciano + Rosario $. Genta Lugh (orgs) BEISIEGEL, Celso de Rui. 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