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Universidade Federal Fluminense REITOR Antonio Claudio Lucas da Nobrega VICE-RETTOR Fabio Barboza Passos Eduff ~ Editora da Universidade Federal Fluminense ‘CONSELHO EDITORIAL Renato Franco [Diretor] ‘Ana Paula Mendes de Miranda (Caso José da Costa Gladys Viviana Gelado Johannes Kreschmer Leonardo Margues Luciano Dias Lsekann Liz Mors Cabral ‘Marco Antnio Rexo da Siva ‘Marco Moriconi Marco Otivio Bezerra Ronaldo Gismondi Silvia Patwzt Vigner Camilo Alves Silmara Dela Silva Fernanda Luzia Lunkes Dantielli Assumpgao Garcia Angela Baalbaki Anélise de discurso, uma introducao O sujeito: entre a ideologia e o inconsciente Neste capitulo, apresentamos 0 modo como a Analise de Dis- curso compreende a nogao de sujeito, bem como sua relagao com a ideologia e o inconsciente. Diferenciaremos também, nesse quadro teérico, as nogdes de forma-sujeito e posicao sujeito, Para tal, inicia- ‘mos nossa discussao retomando um dos poemas de Alberto Caciro, um dos heterénimos do poeta portugués Fernando Pessoa, que abor- daa relagao entre o sujeito e a realidade. Um dos sentidos possiveis que decorrem de sua leitura que a realidade do “eu” Ihe é dada por um mundo exterior, alheio ao su- jeito, mas que o constitui, Uma das questées centrais nesse poema é essa relagao entre a existéncia ea esséncia, entre a exterioridade, que pode ser percebida e mesmo experienciada pelo poeta, e seu interior, sobre 0 qual ele pouco ou nada sabe. Os versos “Sei que o mundo existe, mas nio sei se existo, / Estou mais certo da existéncia da mi- nha casa branca/ Do que da existéncia interior do dono da casa bran- a” espelham justamente essa contradigao propria do sujeito: saber muito mais do mundo e das coisas que o cercam do que de si mesmo, daquilo que de fato 0 constitui. Ou, ao menos, julgar que sabe sobre ‘o mundo ea exterioridade a partir daquilo que pode ver, ouvir e sen- tir em suas experiéncias didrias. O fato € que o desejo de chegar 20 conhecimento da verdade sobre 0 mundo e sobre si mesmo & aquele que move o sujeito, e, como veremos, isso ter’ suas consequéncias em sua relagZo com a linguagem. Na Filosofia, esse desejo humano de saber a verdade jé estava representado, por exemplo, no Mito da caverna, escrito pelo fildsofo grego Platao. Por meio desse mito, explica-se a experiéncia huma- nna como a vida em uma caverna, em meio a sombras e projecdes, © aponta-se a necessidade de se conhecer a verdade para sair dessa escuridao, Com isso, o homem deixaria de considerar as sombras como se fossem a realidade. No Mito da caverna, Platéo afirma ser possivel chegar a verdade pelo conhecimento, jé no poema de Alber- to Caeiro, o eu questiona até mesmo “sua” flosofia, uma vez que ad- miti-la € afirmar sua prépria existéncia enquanto sujeito, coisa que, para ele, é impossivel, como vemos nos tiltimos trés versos. Na Literatura e na Filosofia, a condigo humana sempre pro- Vocou reflexes ¢ a questio no muito diferente no campo dos estudos da linguagem: diferentes concepgdes desta trazem consigo diferentes modos de pensar 0 sujeito e, por consequéncia, novas ‘maneiras de entender sua rela¢do com a prépria linguagem e com o mundo, Na Anilise de Discurso, 0 sujeito € compreendido de um modo bem especitico: como sendo dotado de um inconsciente e interpelado pela ideologia. So justamente essas particularidades do sujeito do discurso que vamos observar com mais detalhes neste capitulo, O sujeito na Anilise de Discurso ‘Nos capitulos anteriores, afirmamos que o sujeito € compreen- dido, na Andlise de Discurso, como uma posigio e nao como o indi- viduo em si. Por isso, em diferentes momentos, discorremos sobre a “posigdo sujeito mae” em oposicao & de “filho’, sobre a “posigéo sujei- to membro do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra” por oposigio a de “latifundiario” e ainda sobre a “posicao sujeito indio” que se opie a do “colonizador”. Mencionamos outras posigdes sujeito também, mas nao detalhamos o porque dessa compreensio de sujeito F isso o que faremos agora e, para tanto, comegaremos pensando em como sujeito tem sido entendido ao longo dos estudos da linguagem, Na historia da chamada Linguistica moderna, que tem como marco a publicagao do Curso de Linguistica Geral, de Saussure (1916/1977), podemos identificar 0 predominio de dois modos de se conceber o sujeito da linguagem: a) como um falante a quem compe- te apenas 0 uso da lingua enquanto sistema e que, com isso, perma- nece de fora do escopo dos estudos linguisticos; eb) como centro da linguagem, responsével pelo emprego da lingua e por seu funciona- ‘mento em determinadas circunstancias. Nas teorias linguisticas que tém como objeto de estudos a in- gua em sua imanéncia, o que observamos é a exclusio do sujeito do campo de estudos da linguagem. Saussure, ao estabelecer a dicotomia entre lingua e fala (langue e parole), efetiva essa exclusio: 0 objeto de estudos da Linguistica é a lingua em seu cardter sistemético, enquan- to a fala, que consiste justamente no uso da lingua pelos falantes, € entendida como uma consequéncia desta (SAUSSURE, 1916/1977). Logo, o ambito do falante, lugar de atuagao do sujeito na relagao com a lingua, fica de fora do enquadramento tedrico-linguistico. ‘Ao operar essa divisao, Saussure abre espaco para que se ins- titua também aquela que apontamos como uma segunda tendéncia de abordagem para o sujeito nos estudos da linguagem: a que coloca © sujeito no centro do dizer como o responsivel pelo emprego da lingua. Como afirma Pécheux, [..] tudo se passa como se a linguistica cientifica (tendo por objeto a lingua) liberasse um residuo, que &0 conceitofiloséfico de sueito live, pensado como o avesso indispensivel, ocorrelato necessirio do sistema. A fala, enquanto uso da lingua, aparece ‘como um camninho da iberdade humana (PECHEUX, 1975/1987, .71, grifo do autor, E nessa direcao, da liberdade do sujeito na relagio coma linguagem, que irao caminhar alguns importantes estudos lin- guisticos que se consolidam a partir da década de 1960. E 0 caso das teorias pragmaticas, por exemplo, representadas por Austin € Grice, e das perspectivas interacionistas, muitas delas decor- rentes de leituras das propostas de Bakhtin, O que essas perspec- tivas tedricas tm em comum é 0 fato de conceberem um sujeito da linguagem que tem dominio do seu dizer, que controla e escolhe o que diz.e como diz, sendo assim capaz, de usar a lingua a favor de suas intengdes e necessidades comunicativas. O fragmento que trouxemos de Pécheux (1975/1997) explicita ‘uma critica ao que ele chama de “caminho da liberdade humana’ nos estudos linguisticos. Na Andlise de Discurso, essa visio de sujeito da Jinguagem totalmente livre em seu dizer € pensada como resultado de um efeito imaginério. Ou seja, o sujeito da linguagem olha para si mesmo como se ele fosse um falante livre para fazer suas escolhas e dizer o que pensa, mas esse modo como ele proprio se vé jéé um efei- to do funcionamento da ideologia. Com isso, a Anélise de Discurso desloca o sujeito da linguagem do centro do dizer ao compreender que ele se constitui como sujeito ao ser interpelado pela ideologia. Antes de compreendermos melhor como se dé esse processo de interpelacio do individuo em sujeito pela ideologia, que apenas mencionamos no Capitulo 3, vale retomar como surge nos estudos lingui ‘Um de seus marcos s20 0s estudos de Benveniste, um dos primeiros linguistas a tratar da subjetividade e dos seus efeitos na linguagem em um de seus textos mais famosos ~ “Da subjetividade na lingua- gem’, no qual ela é definida como a capacidade do locutor de se constituir como “sujeito” da linguagem ao preencher a categoria de icos essa concepsao de sujeito como o senhor da linguagem. pessoa da lingua. Essa subjetividade, conforme o autor, s6 é possivel se experimentada por contraste, isto é, no processo da enunciagio 20 instituir-se como um “eu”, Ocupando assim a posigdo de sujeito, © locutor institui necessariamente um “tu”, a quem ele se dirige. Nos termos deste autor: Eu nao emprego eu a nio ser dirigindo-me a alguém, que seré nia minha alocugio tu, Essa condicio de didlogo ¢ que € cons- titativa da pessoa, pois implica em reciprocidade ~ que eu me torne tu na alocugdo daquele que por sua vez se designa por eu A linguagem s6 ¢ possivel porque cada locutorseapresenta como sujito, remetendo a ele mesmo como eu no seu discurso. Por isso, eu propée outra pessoa, aquela que, sendo embora exterior ‘mint, torna-se o meu eco ~ ao qual digo fu e que me diz tu (BENVENISTE, 1958/1995, p. 286, gritos do autor). £ desse modo, ao reconhecer na estrutura da lingua a pre- senga dos signos vazios ~ representados pelos pronomes pessoais € também por indicadores de tempo e espaco -, os quais necessitam de um sujeito para que possam ser preenchidos de significado, que Benveniste reconhece a presenca da subjetividade na linguagem. Nas palavras do autor, “A linguagem é pois, a possibilidade da subjetivi- dade, pelo fato de conter sempre as formas lingufsticas apropriadas 8 sua expressio; ¢ 0 discurso provoca a emergéncia da subjetividade {..]” (BENVENISTE, 1958/1995, p. 289). Se o preenchimento da ca- tegoria de pessoa por um sujeito éa condigao para o emprego da lin- gua, é possivel chegarmos a conclusdo de que o sujeito ocupa, dessa perspectiva tedrica, uma posicdo fundamental: a de centro da enun- ciagéo, tendo em vista que somente é possivel o funcionamento da ngua por sua agao enquanto sujeito. £ essa a concepgao de sujeito que sera deslocada pela Andlise de Discurso. Da perspectiva tedrica proposta por Michel Pécheux, a nogao. de subjetividade interessa na medida em que ela possibilita compre- ender como a lingua acontece no homem. Conforme afirma Orlandi (1999, n.p.), “A subjetividade é assim estruturada no acontecimento do discurso. Dito de outra forma, o acontecimento significativo que é 6 discurso tem como lugar fundamental a subjetividade’. Mas se tra- ta, nesse caso, desta entendida como a condigao humana de sujeito da linguagem e néo como um subjetivismo que coloca o homem na origem do seu dizer. Jano primeiro texto em que propée sua teoria para Anélise de Discurso, Pécheux (1969/1997) traz uma primeira formulagdo para a nogao de sujeito, Afirma Indursky (2008, p. 10, grifo do autor), a0 tra- tar do sujeito na Analise de Discurso proposta por Michel Pécheux, que “Ao contrario de entendé-lo como um ‘organismo humano indi: vidual (GADET & HAK, 1990, p. 82), ele prefere concebé-lo como ‘um ‘ugar determinado na estrutura social”. Esse entendimento do sujeito ~ como “lugar determinado na estrutura social” - decorre da relagdo fundante que a teoria do discurso proposta por Pécheux ‘mantém com o Materialismo Hist6rico. Nessa perspectiva, 0 sujeito é © sujeito da ideologia, uma vez que, como ja salientamos no capitulo anterior, um dos efeitos desta, segundo Althusser (1970/1985), esta na interpelacio dos individuos & condicao de sujeito. O individuo, em sua natureza bioldgica e psiquica, € chamado a ser sujeito pelo funcionamento da ideologia, que € esse mecanismo de producao de evidéncias (PECHEUX, 1975/1997) que nos diz como as coisas sio e como nio si, Como somos sujeitos de linguagem, ¢ pela linguagem, ‘em seu funcionamento simbélico, que nos sio ditas como as coisas sao e como elas nao sao. Por ser contratia & nogio de sujeito idealista da teoria da enunciagdo e & de sujeito universal dos formalistas, a Anélise de Dis- curso trabalha com um sujeito descentrado, que nao ¢ origem nem centro do dizer. Nao se trata, portanto, do sujeito cartesiano ~ ra- ional, soberano, consciente. A esta imagem, opds-se aquela de um sujeito dividido, determinado pelo inconsciente e pela ideologia. Para citarmos alguns exemplos:ndo escolhemos nosso nome, alguém o escolhe por nés; néo escolhemos as regras familiares, elas ja esto definidas quando nascemos e nelas somos inseridos; também somos, ao menos inicialmente, inseridos na religiéo seguida por nos- sa familia, no modo de produgao do pais onde nascemos, ¢ assim por diante. E por isso que podemos afirmar que é pela linguagem que 0 hhomem é interpelado pela ideologia a ser sujeito, porque é pela lin- guagem que & chamado a ter um nome, um mimero de registro, uma religido, uma profissao etc. Essas sio apenas algumas evidéncias, mas que mostram o processo de interpelagao dos individuos em sujeitos no contexto sécio-histérico em que vivemos. Vejamos 0 que nos diz Orlandi (1999, n.p.) a0 apresentar a proximidade entre linguagem e ideologia para Pécheux: M, Péchewx, a0 mesmo tempo em que introduz a questao da ‘deologia, critica a mancira como as teorias da enunciagio se submetem a ilusio das evidéncias subjetivas (do sujeito como \inico,insubstituveleidéntico a si mesmo), Sem deixar de lem- brar que a evidéncia da existéncia espontinea ao sujeito (como origem ou causa desi éaproximada de outra evidencia, que éa da evidéncia do sentido (a iusto da literalidade). ‘Ao langar mao da nogdo de ideologia para pensar 0 funciona~ mento do discurso, Pécheux se desloca em relagio as teorias enun- ciativas que, como vimos em Benveniste, consideram o sujeito como © centro do dizer. Para Pécheux (1975/1997), essas perspectivas te6- ricas sdo tomadas pela evidéncia subjetiva, que éa de que o sujeito existe desde sempre, de que ele nao teve de passar pela interpelagéo da ideologia para chegar & condigao de sujeito. Do mesmo jeito que promove a evidéncia do sujeito, Orlandi (1999) nos chama a atengio para o fato de que a ideologia promove também a evidencia do sentido, que éa ilusio de que o sentido s6 pode ser um, estando preso a literalidade daquilo que é dito, Da perspectiva da Anélise de Discurso, como j vimos, néo podemos falar em um sentido, mas em efeitos de sentido, O efeito da evidéncia do sentido € também um funcionamento da ideologia, que, junto & evidéncia do sujeito, produz o que Pécheux ird chamar de teatro da consciéncia. Embora a prépria condicio do sujeito decorra da interpelagao pela ideologia, este efeito nao é claro para o sujeito, que tem certeza de que & 0 dono de seu dizer e de suas escolhas. £ este efeito, que resulta no sujeito consciente de si, que Pécheux ira chamar de teatro da consciéncia. Vejamos como Mariani e Magalha © efeito da teatralizagao da consciéncia nos suijeitos s (2011) explicam E cada um, com sua singularidade (que lhe € opaca),é interpe- lado pela ideologia¢ se inscreve em certas posigdes de sujeito, ‘ou sea, vai aderindo por identificagio-interpelagdo ideoldgica a determinados sentidos que circulam na sociedade ena cultura sob determinadas condigoes historicas e sob a forma como Estado administra a distribuigio ce saberes vai aderindo ou nao adeterminados sentidos que contribuer na sustentacio daquilo ‘que osujeito supe como sua identidade (estivel) em termos de crengas, quererese prticas (Como foi salientado, na teatralizagio da consciéncia, resultante da interpelagio-identificasio, o sujeito vé-se naturalmente ‘convergindo para sentidos que Ihe parecem dbvios, repetindo aquilo que the parece evidente sem questionar a historicidade ‘que sustenta essa evidéncia. Ou no, mesmo inscrito na teatra- est, inverte, lizagdo do consciente, © sujito reage, diverge, resist desacomoda, nega, faz objegio e desloca sigificantese sentidos [us] (MARIANE MAGALHAES, 2011, p. 131) teatro da consciéncia decorre do fato de que a ideologia tem como primeiro efeito ocultar seu proprio funcionamento para 0 sujeito, Se por um lado a nogio de sujeito na Anilise de Discurso dialoga com a de sujeito da ideologia, proveniente do Materialismo Historico, por outro, ela convoca a nogio de sujeito do inconsciente, trazida pela Psicandlise. Para pensar a nogao de sujeito do discurso, Pécheux recorre & uestio do sujeito em Lacan, que, por sua ver, faz uma releitura da descoberta de Freud, o inconsciente, recorrendo ao estruturalismo linguistico. Lacan mostra que o inconsciente € o lugar desconhecido,estranho, de onde emana o discurso do pai, da familia, da lei, enfim, do Outro e em relagéo ao qual © sujito se define, ganha identidade, Assim, o sueito€ visto como ta. a partir do discurso ‘uma representagdo ~ como ele se repre do pai, da familia etc. - sendo, portanto, da ordem dalinguagem (MUSSALIM, 2001, p. 107). Uma questio pode surgir: por que considerar o sujeito do in- consciente, como pensado na Psicandlise, para falar sobre 0 sujeito do discurso? Como jé dissemos, Lacan, em suas releituras de Freud, ird aproximar o sueito do inconsciente do sujeito da linguagem, r- tomando para isso os estudos de Saussure sobre esta. Como afirma ‘Mariani (2006), ao trazer uma citagéo de Lacan (1982, p. 194 apud MARIANI, 2006, p.7), [..]considerando a hipétese lacaniana “de que o individuo queé afetado pelo inconsciente é 0 mesmo que constitu’ o que chamo de sujeito de um significante’, sujito do inconsciente ¢ cadeia signifcante se constituem simultaneamente. Logo, para se falar em sujeito, a partir de entio, é necessério Jevar em conta a existéncia do inconsciente, parte constitutiva dele, como mostravam os estudos psicanaliticos de Freud e Lacan. Embora, em sua formulagao sobre o sujeito, Pécheux recorra, de um lado, as nodes de sujeito da ideologia no Materialismo, mais especificamente no modo proposto a partir da releitura de Marx por Althusser e, de outro, a0 sujeito do inconsciente, tal como apresen- tado em Lacan em suas releituras de Freud, a nogio de sujeito na Aniélise de Discurso néo é simplesmente um equivalente a nenhuma dessas duas nogées. O sujeito da Anilise de Discurso tem sua especi- ficidade. Como bem define Orlandi (2001, p. 20): (.., osujeito de inguagem ¢ descentrado pois éafetado pelo real dla ingua ¢ também pelo real da histria, nio tendo o controle sobre o modo como elas 0 afetam. Isso redunda em dizer que 0 sujeto discursivo funciona pelo inconscientee pela ideologia. © quadro a seguir demonstra justamente essa diferenga entre as concepgées de sujeito do Materialismo Historico, da Psicandlise e a Anilise de Discurso: MARX [> ALTHUSSER] Sujeito da IDEOLOGIA FREUD [> LACAN] Sujeito do INCONSCIENTE SAUSSURE [> PECHEUX] Sujeito do DISCURSO lingua [ideologia /inconsciente] Quadro 4 - 0 sujeito do discurso. Reprodugao do quadro publicado ‘em Rodriguez-Alcalé (2005, p. 17). ‘Como podemos observar no quadro, o sujeito discursive nao se confunde nem com o ideolégico nem com o da Psicandlise: ele & pensado como posigao. Para finalizarmos esta reflexio sobre 0 su- jeito do discurso, trazemos uma citagio de Indursky (2008) que, a ‘nosso ver, sintetiza muito bem a nogao de sujeito no quadro tedrico da Anilise de Discurso proposta por Michel Pécheux: [J] 0 sujet que o fundador da Teoria da Anilise do Discurso ‘convaca é um sujeito que nao esté na origem do dizer, pois € uplamente afetado, essoalmente esocialmente. Naconstituigio de sua psiqué, este sujeto & dotado de inconsciente.E, em sua ‘consttuigio socal ele &interpelado pela ideologia. E a partir deste lago entre inconsciente e ideologia que 0 sujeito da anise do discutso se constitui.F sob o eftito desta aticulagio que o sujeito da AD produz seu discurso. Besta éa natureza da subjeti- ‘vidade convocada por Pécheux: uma subjetividade ndo-subjetiva (ENDURSKY, 2008, p. 10-11, grifo do autor). F para esta condicdo do sujeito do discurso e(m) sua cons- tituigdo histérica que nos voltamos agora, pensando as nogdes de forma-sujeito e posigio sujeito do discurso. Forma-sujeito e posicéo sujeito Entre a nogéo de sujeito da ideologia, preconizada pela teo- ria materialista, e a de sujeito do inconsciente, toma lugar 0 sujei- to do discurso, dotado de um inconsciente e interpelado em sujeito pela ideologia. Como afirma Henry (1992, p. 188-189), “o sujeito € sempre, € a0 mesmo tempo, sujeito da ideologia e sujeito do desejo inconsciente e isso tem a ver com o fato de nossos corpos serem atra- vessados pela linguagem antes de qualquer cogitagao’. No quadro teérico-metodolégico da Anélise de Discurso, quando falamos em sujeito, trazemos & tona duas nodes: a forma- -sujeito do discurso e a posigdo sujeito. E ao ser interpelado pela ide- ologia que o individuo, em sua existéncia bioldgica e psiquica, passa a ser sujeito, Esta condigdo de sujeito & justamente aquela que faz do individuo um ser social e politico. Ser sujeito é assim, assumir uma forma de existéncia na formagio social em que se vive, ¢ isso se da Por agao da ideologia, que nos diz 0 modo como devemos ser sujeito em um determinado momento histérico, A forma-sujeito decorre da interpelagdo ideolégica, ela é “a forma de existéncia histérica de qual- quer individuo, agente das praticas sociais” (ORLANDI, 2010, p. 18). Sea forma-sujeito é um modo de ser sujeito determinado his- toricamente, a diferentes momentos histdricos podem corresponder diferentes formas-sujeito, pois, em cada perfodo histérico, alteram- -se as verdades, ou seja, aqueles saberes que sustentam a formacio social. Logo, hé mudanas nos sentidos em circulagio e, consequen- temente, nos modos como os préprios sujeitos se veem e se tornam “agentes das priticas sociais” vigentes. Em estudo sobre a forma-sujeito hist6rica, Claudine Haroche (1992) mostra como, durante a Idade Média, o individuo era inter- pelado & condigéo de sujeito pela religiao. Disso decorre a forma- -sujeito caracteristica daquele periodo, que éa medieval (ORLANDI, 2010). Com o inicio da chamada Era Moderna, no entanto, alteram- -se as relagdes sociais e, consequentemente, também os modos de ser sujeito, Com a constituigdo dos Estados modernos, ocorre a separa- a0 entre o poder politico o religioso,e a subordinagio explicita do homem ao discurso religioso da lugar & subordinacéo, menos expli-

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