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0310512029, 15:36 POF}s viewer Abolicionismo penal? Mas qual abolicionismo, “cara palida”? Pere SU a Se ed Re ee Luciano Goes’ Resumo: Os discursos abolicionistas que brotam em nossa mar- gem, de modo geral, ignoram 0 racismo como ideologia, fazendo eco ao abolicionismo escravocrata que manteve a Casa Grande in- tacta ao modular toda sua arquitet6nica racista dentro da democra- cia monocromatica. Assim, mantém os privilégios recebidos como heranga de um mundo projetado e construido branco por mos negras, perpetuando o racismo na exata medida de seu silencia- mento. Um abolicionismo penal brasileiro deve retomar o projeto de ‘emancipagdo racial oitocentista, fincado em base afroespistémica para romper as profundas barreiras do nosso apartheid, sob pena de transformar-se em um novo instrumento do sistema de controle 1 Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina -UFSC (2016) ¢ graduado ‘em Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina - UNISUL (2012). Professor do Ceniro Universitario Estacio de Santa Catarina ¢ coordenador do niileo juridico do projeto de extensdo “Vicente do Espirito Santo - $.0 5 Racismo’, ¢ Professor de Dieitos, Humanos e Dieito Penal do curse Pés-Graduagie Lato Sonsu om Direto Penal Processual Penal, do Gentro Universitario Gatdica de Santa Catarina, Vice-presidante da ‘Comissio de Iqualdade Racial, Subsecao de Séo José'SC, da Ordem des Advogados do Brasil, Seccional Santa Catarina (OAB/SC) o secretaria da Comiss3o da Verdado sobre Esctavdao Negra no Brasil da Ordem dos Advogados do Brasil, Seocional Senta Catarina (OAB/SC), Pesquisadorimembro do projeto de Pesquisa e Extensdo “Universidade Sern uros ~ USM" (UFSC), no qual fo! coordenador operacional om 2013, exercondo suas fungdes no Presidio Feminino de Flonanspols/SC, do Grupo de Pesquisa Bresildade Ctminologica (UFSCICNPQ), @ do Nucleo de Estudos atfo-Brasleios do Centro Universitario Estécio de Santa Catanna (NEAB - Estacio) Advogade crminaisa. 94 ——-RevstalnGURgénea | Srasta | ano3 | v3 | m2 | 2017 | Issn ava-sees hntls:fperiodicos.unb. index phplinsurgencia/articl/view! 1956518089 a2 0310512029, 15:36 POF}s viewer IPOUS Insite ds Pesquisa Ditos © Movants Socis racial/social, remodelando, novamente, a exemplo das prisées, as Senzalas, e aniquilando os Quilombos Palavras-chave: Abolicionismo penal marginal; Racismo; Decolonialidade. Abstract: The abolitionist discourses that coming up on our margin, jin general, ignore the racism as an ideology, echoing the slave-own- ing abolitionism that kept the Big House intact by modulating all its racist architecture within democracy monochrome. Thus, they retain the privileges received as the inheritance of a world designed and built white by black hands, perpetuating racism to the exact extent of their silencing. A brazilian criminal abolitionism must bring back the project of eighteenth-century racial emancipation, based on af- ro-empathic and decolonial to break the deep barriers of our apart- heid, under penalty of becoming anew instrument of the racial/social control system, reshaping, again, like the prisons, the Senzalas, and annihilating the Quilombos. Keywords: Marginal penal abolitionism; Racism; Decoloniality. Nao estou aqui como Representante do Brasil, mas como sobre- vivente da Republica de Palmares! E nessa qualidade que me reconhego @ me afirmo (Abdias Nascimento). INTRODUGAO Em face da faléncia do Direito Penal, enraizada desde sua concep- ¢40 por sua visceral programagdo desigual que expde sua crise ge- Nética? e explicitada por suas ilusérias promessas e inversao funcional (ANDRADE, 2012), 0 Abolicionismo Penal surgiu como uma proposta racional para sua substitui¢ao, ndo por outro Direito Penal, mas por 2 Para Eugenio Rati Zaffareni (1991, p. 15-16), “crise” nao indica, ou pode indicar, 0 ‘momento profético quo a teorizaco penalisia so refita em sua operalizaco, um horizonte Luidpic9 ne sentido mais negative que se posse conceber, mas sim“o momento em que 2 talsidade do discurso juridco-penal alcanca tal magnitude de evidéncia, que esta dasabe, desconcertande 0 penalismo da reaiao’ RevstaimsuRgénca | Brasia | eno | v3 | m2 | 2017 | IssNa7-cees 8 hntlps:fperodicos.unb. index phplinsurgencia/articl/view! 1956518089 2isa 0310512029, 15:36 POF}s viewer InSURptcia outa de deetosa movimento soos qualquer coisa melhor (BARATTA, 2011). Alterago umbilicalmente ligada a transformagao da propria sociedade com alternativas poltti- cos-criminais para @ resolugao dos conflitos, visando romper com 0 Punitivismo capilarizado que demanda e confere expansao ao Direito Penal, transformado em instrumento de vinganga por seu populismo, restando como fungdo das penas, unicamente, a produc, consciente @ insistente, de dor (CHRISTIE, 1984). Como norte abolicionista, a frase de Louk Hulsman 6 dogmatica e, até certo ponto, acalentador Se afasto do meu jardim os abstéculos que impedem o sole a agua de fertilizar a terra, logo surgirao plantas de cuja existéncia eu sequer suspeitava, Da mesma forma, o desaparecimento do sistema punitivo estatal abriré, num convivio mais sadio e mais din€mico, os caminhos de uma nova justiga (HULSMAN, 1993). Mas, se nosso jardim estiver assentado em um solo t&o sélido que ele proprio se transforma no obstaculo para o nascimento dessas no- vas plantas, o que fazer? Uma proposta abolicionista para nossa margem nao pode se limitar a0 conflito de classes ou a substituigo do capitalismo, haja vista suas chegadas tardias no Brasil e encontros com a questo racial ja, secu- larmente, solidificada, assim como o carcere, Unica resposta estatal 20 cometimento de atos ilicitos, instrumento disciplinador pelo traba- tho obrigatério, vinculado as fabricas no centro (MELOSSI, PAVARINI, 2010; FOUCAULT, 1999), que foi adotado aqui no pés-aboligéo da es- cravatura®, explicitando 0 objetivo de remontar o sistema escravagista ‘sob novos fundamentos, dando inicio ao encarceramento em massa, ou melhor, da massa negra, pois, a criminalizacdo dos “novos cida- dos’ estava estabelecida em crimes definidos especificamente para 3 Cosigo Penel de 1880, ert 45-“Apsna de prisdo cellular seré cumprida em estabstecimento ‘especial com ‘solamente cellular ¢ trabalho ebngetorio, cbservadas as seguintes regres: 2) Sno excedar de um anno, com isolamento cellular pela quinta parte de sua curacae: 1) si exceder dasse prazo, por um periodo iguel @ parte da dureyo da pana e que nao podera exceder de dous annos; ¢ nos periodas sucessivos, com trabalho em commu, segregacao noctuma e silencio durante @ da [sic 96 ——FovstainsuRgtnca | Brasta | ano3 | v3 | m2 | 2017 | ISSN 2tar-s8e4 hntlps:fperodicos.unb. index phplinsurgencia/articl/view! 1956518089 aise 0310512029, 15:36 POF}s viewer IPOUS Insite ds Pesquisa Ditos © Movants Socis 0s “ex-esoravos’: vadiagem, capoeira, curandelrismo, “magia negra’ exercida por mes e pais de santos que tanto afrontavam a ‘verdade’ cientifica médica. Na margem brasileira, explicitamente racista, pois, fundada sobre 0 racismo hereditario do centro (lugar de fala de Hulsman, estando ele mesmo assentado na concepgdo racial), se faz imprescindivel um sistema de controle que mantenha a ordem racial de sua ar- quitetOnica excludente, que pré-estabeleca lugares (de ser, estar e de falar), saberes e poderes, determinando quem mata e quem morre, quem violenta e quem é violentado, pois 0 disciplinamento, aqui, sempre teve por base castigos corporais, mutilagdes e mortes orientadas ao corpo negro. As construgées abolicionistas criticas construidas no Brasil, em sua grande maioria, continuam a “traduzir” (SOZZO, 2014) teorias centrais, no conseguindo, por diversas raz6es, ultrapassar o obstaculo racial, renegando sua radicalidade e fortalecendo nosso racismo na medi- da em que o ignora. Dogma quase intransponivel pelo enraizamento profundo em territério fertilizado por sangue negro de onde brotam in- comensuraveis manifestac6es racistas naturalizadas, todas violentas, silenciando as vozes dos corpos violentados. Provocar fissuras criticas no solo critico brasileiro, para se pensar a brasilidade, é o objetivo destas linhas, incitando a construgao dolorosa da negritude como forga-motriz de uma resisténcia vinda desde Afri- ca, enquanto desafia a desconstruggo da branquitude, para que esta ndo se intitule protagonista de um novo projeto de dominio e opressao racial, tal qual a farsa da aboligo escravocrata que sedimentou o solo do conto infantil do “pais das maravilhas raciais’ 1. O RACISMO RADICAL E SUA IMPRESCINDIVEL SUPERAGAO. Paises estruturados no racismo demandam um sistema de controle racial/social como condig4o da sua manutengao e existéncia, progra- mando racialmente seus instrumentos de dominio, opresso e violén- RevstaimsuRgénca | Brasia | eno | v3 | m2 | 2017 | IssNa7-cees 97 hntlps:fperodicos.unb. index phplinsurgencia/articl/view! 1956518089 an 0310512029, 15:36 POF}s viewer InSURptcia outa de deetosa movimento soos cia, Um complexo relacional simbiético que delimitou a democracia no interior da escraviddo transvestida de abolicao, na qual seus “detritos” foram destinados & destruigao (MBEMBE, 2014, p. 149). Corpos objetificados, despossuidos de qualquer valor, que foram metamorfoseados, a partir dos saberes criminolégicos positivistas, em (sub)oidadaos, estes em criminosos e, logo, escravos estatais pela ori- minalizagao e encarceramento negro, hoje massivo Nosso sistema punitivista de viés doméstico (BATISTA, 2002), re- sultante do paradigma objetificante fundado no sonho senhorial (FA- NON, 1968, p. 39), idealizado por cada colonizado por aproxima-los a Deus, 0 poder decidir sobre 0 destino do objeto negro, sua vida ou morte sem qualquer justificativa (MBEMBE, 2014, p. 70), ultrapassou 8 limites fazendarios sequindo os passos dos ex-escravos (tatica dos capitées do mato), com fins de manter a ordem e a estrutura intacta em meio ao caos racial provocado pela ruptura do sistema de controle legal escravagista recrudescimento cautelar do sistema de controle brasileiro refletiu 0s objetivos reais e ideais de um pais racista que tinha como problema maior a questao negra, calcada em termos genocidas como condigao de sobrevivéncia da sua falsa branquidade, Contexto que impés uma ciso em nosso Direito penal: ao lado do Direito penal deciarado para 08 cidadaos, alicergado no Direito Penal do fato construido as luzes do Classicismo, 0 Direito penal paralelo para os “sub-cidadaos’, legi- timado no Direito Penal do autor consolidado pela tradugao marginal do paradigma racial-etiolégico, que por sua vez, situa seu fundamento na periculosidade que exala dos corpos negros, um sistema outrora identificado por Lola Aniyar de Castro (2005, p. 96) como “subterra- neo’ que aqui jamais se ocultou, sendo operacionado sob os olhos de quem quiser enxergar. Hodiernamente, a programagao racista de nosso sistema de con- trole racial/social ¢ demonstrada, no Direito penal deciarado, pelos dados oficiais do Sistema de Informacées Penitenciarias do Ministé- rio da Justiga (InfoPen) que expdem a “clientela” da $* maior popu- lag&o encarcerada do mundo, identificada racialmente de antemao 98 ——_FovstainsuRgtnca | Brasta | ano3 | v3 | m2 | 2047 | ISSN 2ea7.see4 htls:fperiodicos.unb. index phplinsurgencia/articl/view/ 1956518089 9132 0310512029, 15:36 POF}s viewer IPOUS Insite ds Pesquisa Ditos © Movants Socis enquanto 0 racismo permanece inominavel e sem relagao alguma com o encarceramento (negro) em massa: pretos e pardos (segundo 0 IBGE) representam, até junho de 2014, 67% da populagao encar- cerada‘, 0 que significa que dois em cada trés presos so negros, porcentagem que se mantém no encarceramento feminino, que au- menta exponencialmente. A “faléncia” deste sistema 6 sublinhada pela indispensavel reinci- déncia construida pelo préprio etiquetamento sistémico e completa inexisténcia/ineficacia das ideologias do tipo ‘re’ (BATISTA, 2011). O aprisionamento de corpos negros, com viés industrial objetivando a exploragao da sua forga fisica, antecipa a privatizagao do sistema car- cerario modernizando as senzalas, transformando o carcere no se- gundo lugar do negro Em nosso Direito Penal Paralelo, delimitado pelo territério constru- {do como o primeiro lugar do negro (SANTOS, 2010), suas praticas fecortam todo e qualquer quadro tedrico, com estribo constitucional, tornando-o um dos mais mortiferos do mundo pela postura policial res- ponsavel, em 2014, pela morte de 2.638 pessoas, quase 70% dessas mortes foram jovens negros, vitimas do racismo institucional(izado) que continua (des)velado (BRASIL, 2014) Assim “legitimado”, o Estado brasileiro extermina os jovens negros antes que estes representem qualquer risco a estrutura estatal, ma- nipulando © genocidio com viés neutralizante/acautelatério de quem mais tem motivos para desconstrui-lo, culminando com o assassinato de um jovem negro a cada 23 minutos®, a cada 100 pessoas assassi- nadas no Brasil, 71 so negras, muitas, alvejadas pelas balas (nunca) perdidas que sempre acertam seu alvo quase exclusivo. Engendrando nesse “Direito Penal’, escamoteado nos discursos de um “Ornitorrinco punitive” (ANDRADE, 2012, p. 111), a continuidade da politica publica de desnegrecimento do pais foi assegurada pela Em verdade, 0s dados reais sao bem maiores, pois, Sdo Paulo, Estado que passul clara programacaa racial, ndo onviou seus daces 20 Ministono da Justica, 5 Relator tial da Comissao Parlamentar de Inquérito do Assassinato de Jovens do ‘Senado Federal RevstaimsuRgénca | Brasia | eno | v3 | m2 | 2017 | IssNa7-cees 9 htls:fperiodicos.unb. index phplinsurgencia/articl/view/ 1956518089 ei32 0310512029, 15:36 POF}s viewer InSURptcia outa de deetosa movimento soos deciaragao de “guerra as drogas” anunciada na pés-aboligao (20 con- trario do que induz a ideia de “coligagao” a politica de guerra estadu- nidense), pelo combate ao “comércio” e uso do “fumo de negro” (ma- conha), que na década de 1930 configurou nova programagao racial e uniu nossos direitos penais para manter o dominio e controle sobre a populacao negra, atualizando genocidio negro jamais suspenso, intra ou extramuros carcerarios pelos quais o Brasil continua contabilizar corpos da cifra negra®. Uma estratégia politica que ganha cores vivas do nosso racismo ao colocarmos luz na construgao dos “campos de batalha’, dos inimigos de sempre (sempre alvos das balas nunca perdidas, que encontram facilmente o caminho em diregdo aos corpos negros) e no fundamento. real explicitado pela guerra racial chancelada pelo Estado, ndo apenas legitimando as execugdes, mas impulsionando e financiando o modelo exterminador das UPP's. Se 0 projeto de embranquecimento, pelo exterminio direto, ou indi relo pela mestigagem ou assimilagao, possibiltou a redengzio de Cam, 0 Estado brasileiro substituiu aquela maldigao peta do Dracula, sob a qual, a “satide publica” necessita, diariamente, de sangue (negro). A lgica (in)constitucional exterminante de nossa “guerra contra as drogas’ € chancelada pelo Judicidrio, que autoriza, desde a priori, a ignorancia do bem juridico mais valioso (?), legitimada pelo discurso do “inimigo” construido racialmente, demonstrando que nossa “justiga” no possui qualquer obstaculo em seu olhar apurado, deslocando o fiel da balanga de acordo com a pigmentocracia. Essa guerra resta, irrefutavelmente, perdida, se correlacionarmos seu fundamento declarado e a estratégia adotada, porém, em seu objetivo latente (2) 0 sucesso é absoluto: 0 exterminio do “traficante’, deménio incorporado por corpos facilmente encontrados em toda e qualquer esquina marginal(izada). De outra face, 0 Judiciario, orien- 6 Aacontario daquele concsio crimnaligica conhecide,o terme negra" ndo pode ser mais usado em sentido pejorative. Outrassim, utizamos a nomenctatura“ctra negra’ aqui em ‘sua iteraidade, come referéncia ao numero real, e por iss0 incomensuravel. que envolve {ados 0s corpos negros rasultante de uma histarice poltica extarminadora que teve inicio no nosso "cescobrimento” e cuj fim nao se observa no horizonte 400 —-RevstainsuRgénoa | Brasta | aro3 | v3 | n2 | 2017 | ISsNZ4sr-sse htls:fperiodicos.unb. index phplinsurgencia/articl/view/ 1956518089 32 0310512029, 15:36 POF}s viewer IPOUS Insite ds Pesquisa Ditos © Movants Socis tado pelo racismo estrutural que basila a construgao (injconscien- te da subjetividade de seus membros, no qual as manifestacoes e representagGes racistas so infinitas, ¢ o responsdvel por transfor- mar 0 carcere no outro lugar do negro pela inexisténcia da figura do usuario de drogas, apesar das disposigdes legais que figuram como privilégio branco, para quem a duvida entre as figuras é garantida ‘como fundamental Nosso sistema de controle racial/social se embasa na periculosi- dade, instrumento racista legitimado cientificamente pela criminologia positivista, que fundamenta o encarceramento massivo, a partir da sua presungdo que exala pelos poros dos corpos negros, e a pena de morte paralela, avalizada constitucionalmente, regras de um Esta- do de excegao permanente nas margens da margem, fantasiado pelo conto infantil “Brasil: 0 pais das maravilhas raciais” que seduz grande parte de nossa “elite critica’. Uma posig&o que fortalece nosso racis- mo pelo nao enfrentamento, a estratégia politica que se reflete em nossos “Direitos Penais’, expondo os efeitos sem causa “aparente” ao escamotear sua programacdo racista, enquanto possibilita o facil reconhecimento de sua “clientela”, herangas marcadas a ferro em uma populacdo desarmada politicamente, garantindo o sucesso do genoci- dio identitario do “Ser negro” Raga no Brasil ¢ fator criminégeno e exterminante. A objetificagao de corpos negros que mantém sempre viva nos- sa génese escravocrata se avulta sobre o sistema sécio-educativo, transformando-o em um Sistema Penal para menores na pratica, pre- servando suas caracteristicas, ideologias, instrumentos e discursos, pois é incapaz de ressocializar quem nem ao menos foi socializado, re-educar que nunca fol educado, reintegrar quem jamais foi integrado em uma sociedade excludente. Um ideério que ndo pode ser compelido pelos Direitos Humanos que resta repelido pela animalidade tornada signo negro, imiscuida em sua construgdo e sindnimo de risco a humanidade, eis que: “o direito 6 [..] uma maneira de fundar juridicamente uma certa ideia de Huma- nidade enquanto estiver dividida entre uma raga de conquistadores e RovstainsuRpénca | Brasia | ano3 | v3 | n2| 20m | IssNOuTEEss 404 hntlps:fperodicos.unb. index phplinsurgencia/articl/view! 1956518089 ais 0310512029, 15:36 POF}s viewer InSURptcia outa de deetosa movimento soos uma raga de servos. Sé a raga de conquistadores é legitima para ter a qualidade humana.” (MBEMBE, 2014, p. 111) Nestes termos, toda a construgao tedrica abolicionista construida no (e para o) centro (Europa e EUA), nao ¢ realizével em nossa mar- gem pelo “mascaramento” (MBEMBE, 2014, p. 95) que oculta, nega e dissimula sua real face, por um lado, sua propria natureza racista € a necropoltica (MBEMBE, 2011) histérica derivada, que orden(ajou 0 mundo, e por outro, a histéria da Africa e de seus descendentes con- cebidos pela diaspora escravagista. Nossa natureza colonizada demanda saberes que gravitem em tor- no do racismo que contorna nossas relagées, pré-determina lugares e condiciona violéncias, sendo que aquele dever-ser abolicionista jamais serd por nossas especificidades cujos olhares centrais sao desviados, por desvelarem seus locais privilegiados e 0 Realismo marginal (ZA- FFARONI, 1991) por eles produzidos (in)diretamente. A “tradugao” da Criminologia positivista, processo complexo que determina uma verdadeira metamorfose tendo em vista sua funcio- nalidade (S0ZZO, 2014), fundada com o paradigma racista-etiologico lombrosiano, foi responsavel pela legitimagao inquestionavel da trans- figuragao do escravo recém liberto em criminoso nato, cuja periculosi- dade ontolégica, enraizada em sua ancestralidade primata, ordenava sua neutralizagao acauteladora por intermédio do exterminio ou do cércere, mantendo a secular politica de extragao da forga vital dos corpos negros, agora, escravos do Estado, aprisionados em selas que mantiveram o cativeiro e a violéncia corporal Tendo o racismo como radical, a “tradugao” desse saber racista também fundamentou uma nova ordem nas sociedades que aboliram a escraviddo em seu caréter puramente legal, mas ndo abriram mao da objetificagao negra sob o risco de desabamento de sua arquiteto- nica racista, conferindo ares modernos aos velhos instrumentos de controle raciais/sociais, mantendo, além da seguranga publica para os brancos, sua “supremacia” e dominio absoluto. Em seu livro “A democracia da aboligéo: para além do império, das prisées e da tortura’, Angela Davis (2009, p. 13) nos mostra como 0 402 evstainsuRgénoa | Brasia | aro3 | v3 | n2 | 2017 | ISsN24sr-ase hntlps:fperodicos.unb. index phplinsurgencia/articl/view! 1956518089 9132 0310512029, 15:36 POF}s viewer IPOUS Insite ds Pesquisa Ditos © Movants Socis direito penal, com imprescindivel fundamentacao criminolégico racista através das “leis dos negros’, alteraram, automaticamente, a prisdo da escravidao em escravidao da priséo no sul daquele pais, desfazendo a ilusdo democratica que, para os negros: Fora contida no mesmo momento em que fora prometida: na aboligao da escravidao. Com a aboligao da escravidao, 0s negros deixaram de ser escravos, mas imediatamente se tornaram eriminosos — e, como criminosos, tornaram-se es- cravos do Estado. Ao citar W. E. B. Du Bois ("Black Reconstruction’, 1935), fica expos- ta a vinculagao visceral entre o sistema criminal estadunidense ¢ 0 escravismo, mantendo a animalidade negra contida ao ser aprisionada pelo trabalho forgado e locago aos seus ex-senhores. A “traducao” em solo estadunidense do paradigma racista/etiologico lombrosiano estabeleceu 0 marco fundacional para 0 encarceramento negro em massa, iniciado em 1876, tendo em vista sua criminalidade inata que impulsionou, sem o cometimento de crimes violentos, sentengas des- proporcionais ou multas, as quais eram obrigados a trabalhar para pagé-las (DAVIS, 2009, p. 13) Deslocando-nos ao centro panorémico para a conservagao da or- dem racista, da periculosidade cientificazada emerge outro conceito fundamental para a compressao da faldcia abolicionista, bem como da “legalidade” daquela ilusdo: a antissocialidade negra. A resisténoia, luta por (sobre)vivéncia e busca por (re)conhecimento de direitos ra- {zes, contrariava e desafiava a “ordem natural’ e o lugar estabelecido a0 negro, a submissAo, resignagao e embranquecimento como ins- trumento de docilizagao/domestificagao. O ativismo do negro, entéo, etiquetado de “antisocial” por nao aceitar os padrées e condices que uma sociedade racista Ihe impés, foi criminalizado por suas ca- racteristicas “primatas ontolégicas” transmitidas geracionalmente, pelo atavismo ou pela hereditariedade. No Brasil, enquanto.a ordem racial brasileira se vé ruirna pés-aboligéo € com ela a hegemonia e exclusividades da raga branca que se pre- para para 0 conflito racial apés planejar esse momento durante dé- RovstainsURpEnoa | Braga | ano3 | v3. | n2| 20m | Issues 493, hntlps:fperodicos.unb. index phplinsurgencia/articl/view! 1956518089 0132 0310512029, 15:36 POF}s viewer InSURptcia outa de deetosa movimento soos cadas, a teoria Jombrosiana, transformada apés 0 processo de tra- dug&o em rodrigueana, foi a legitimagao que mantive o status quo hierarquico-racial, sendo em termos de politicas ptiblicas para a for- malizag&o do apartheid brasileiro, em concretizagao pratica de um controle racial segregacionista que permitiu 0 continuo do genocidio negro (GOES, 2016). A sistematizagao de politicas racistas somente pode se romper com uma postura verdadeiramente democrattica, que, lastreada pelo viés racial, retome e irrompa o carater puramente negativo daquela aboligao (DAVIS, 2009), sendo este processo emancipatdrio a pe- dra fundamental para um abolicionismo penal, processo que Thomas Mathiesen (2003) concebeu como veridico e aponta como exemplo perteito para alcance do “sonho abolicionista’, sem, logicamente, se atentar que seu sonho é o pesadelo real para a raga negra, mantida ainda acorrentada em cativeiro(s). A cordem em sociedades racistas pressupde a paz racial conseguida somente com 0 controle e dominio completo do mundo negro. A pas- sividade dos corpos negros, sua resiliéncia face as violéncias viven- ciadas todos os dias (sobre o passado, presente e futuro), suportam, estruturam e mantém a branquitude em seu mundo monocromattico (quase) perfeito. A liberdade negra pressupée, assim, a restrigao da liberdade branca, ruptura dos seus meios de controle e, por fim, de- moligao do seu mundo. utrossim, uma proposta abolicionista desde, e para, o realismo marginal racial brasileiro, antes de suscitar alternativas, mostra-se uma politica de sobrevivéncia e de reexisténcia direcionada & popu- lagao negra ao preconizar o fim de um sistema punitivista racista, legitimada pelo descobrimento, desvelamento ou resgate das raizes identitarias roubadas dos que aqui foram objetificados, despersona- lizados e, finalmente, desumanizados, se engajando ao projeto base do Pan-africanismo’, cuja condigao de realizagao e sucesso depende 7 Segundo Leila Leite Hemandez, 0 Pan-africanismo “é um movimento poities-ideckéaico centrado na nosio de raga, nego que sé toma primordial para unit aqueles que. & ‘despelo de suas especitccades histéicas, $20 assemelnades par sua erigem humana negra’ (HERNANDEZ, 2005, 0.138) 404 —-RavtainsuRgénea | aragna | aro3 | v3 | m2 | 2017 | SSN 244r-ss04 hntlps:fperodicos.unb. index phplinsurgencia/articl/view! 1956518089 nine 0310512029, 15:36 POF}s viewer IPOUS Insite ds Pesquisa Ditos © Movants Socis da desconstrugao de estruturas, instituigdes e conceites concebidos centralmente, sobre terreno racial, ou seja, a emancipacdo somente sera possivel, e vidvel, pela decolonialidade, a comecar pelos saberes. 2. A DECOLONIALIDADE COMO BASE FUNDANTE DO ABOLICIONISMO PENAL MARGINAL Nossa condigo de colonizados nos configurou como “Améfrica Ladina” perante 0 branqueamento enquanto renegagao da africani- dade e consolidagao do racismo como estratégia ideolégica de for- talecimento e manutengo das estruturas centrais, racialmente hie- rarquizadas, através da legalidade, eixo central da naturalizagao da violencia, e técnicas juridico-administrativas de legitimaco da do- minagao e preservagdo da ordem mundial construida pela diaspora escravocrata (GONZALEZ, 1988). Arquittetura mantida ao longo dos séculos pela colonialidade, através da qual a colonizagao mantém o controle, influéncia e dependéncia das margens mesmo sem 0 pacto fundacional imposto pelas metré- poles. Relagdo assegurada pela subordinagdo, submissao ¢ compro- metimento do grupo minoritario/dominante de colonos em relagao aos colonizadores, e controle, opressdo e violéncia de ambos em relagao a0 grupo majoritario/dominado. ‘Segundo Restrepo e Rojas (2010. p. 15): La colonialidad es un fenémeno histérico mucho mas complejo [que el colonialismo] que se extiende hasta nuestro presente y se refiere a un patron de poder que opera a través de la naturalizacién de jerarquias territoriales, raciales, culturales y epistémicas, posibilitando la reproduccién de relaciones de dominacién; este patron de poder no s6lo garantiza la explota- cién por el capital de unos seres humanos por otros @ escala mundial, sino también la subalternizacién y obliteracién de los conocimientos, experiencias y formas de vida de quienes son asi dominados y explotados. RovstainsURpEnca | Brasha | ano3 | v3. | n2| 20m | ISSNOHTEEEs 405, htls:fperiodicos.unb. index phplinsurgencia/articl/view/ 1956518089 12182 0310512029, 15:36 POF}s viewer InSURptcia outa de deetosa movimento soos A triangulago opressora apenas é possivel pela vinculagao visce- ral entre poder e saber (BATISTA, 2011), que nas margens possui um fator aglutinador,ligado as estruturas coloniais ainda funcionais, princi- palmente ao racismo, o lugar de fala (i)legitimo dos intérpretes e tradu- tores dos subaltemos que sao silenciados, obrigados apenas a ouvir (SPIVAK, 2010), porta-vozes e quardides da “colonialidade do saber” (cuja “crise” é idéntica ao do direito penal), a heranga epistemolégica central que impede a compreensdo e construgdo do mundo a partir de suas proprias raizes e epistemes (LANDER, 2005) Instalada, assim, em seio marginal, a derrubada das muralhas e ar- timanhas da colonialidade necessitam da instrumentalizagao de apor- tes decoloniais. Todavia, a decolonialidade nao pode ser confundida com descolonialidade, diferenga substancial apontada por Santiago Castro-Gémez e Ramén Grosfoguel (2007, p.17), ao salientarem que a “colonialidade do poder’, com seus reflexos globalizados, interrompeu a descolonizago, obstruindo fortemente a decolonialidade: La primera descolonializacion (iniciada en el siglo XIX por las, colonias espafiolas y seguida en el XX por las colonias ingle- sas y francesas) fue incompleta, ya que se limité a la indepen- dencia juridico-politica de las periferias. En cambio, la segunda descolonializacion — a la cual nosotros aludimos con la cate- goria decolonialidad — tendra que dirigirse a la heterarquia de las miitiples relaciones raciales, étnicas, sexuales, epistémicas, econémicas y de género que la primera descolonializacion dejé intactas. Como resultado, el mundo de comienzos del siglo XXI necesita una decolonialidad que complemente La descoloniza- ign llevada a cabo en los siglos XIX y XX. Al contrario de esa descolonializacién, la decolonialidad es un proceso de resignifi cacién a largo plazo, que no se puede reducir un aconteci- miento juridico-politico, Tendo a decolonialidade como fim, a descolonizagao ¢ meio Frantz Fanon sublinha a violéncia do processo, dada a violéncia es- trutural colonial, instrumentalizada de inumeras formas, iniciando pela desconstrugéio do proprio ser colonizado que inculcou, além do uso da violéncia como meio de resolucao de confltos, o sonho de obter 0 406 evstainsuRgénoa | rasta | aro3 | v3 | n2 | 2017 | ISsNz4sr-sse htls:fperiodicos.unb. index phplinsurgencia/articl/view/ 1956518089 sais 0310512029, 15:36 POF}s viewer IPOUS Insite ds Pesquisa Ditos © Movants Socis poder absoluto do colonizador sobre o todo apropriavel, a légica objeti- ficante como condigao de reconhecimento nas margens desfiguradas. Esse processo pressupée @ desordem mundial para reconstrui-lo a partir da transformagao dos coadjuvantes em protagonistas de sua propria histéria, uma substituigao da categoria de homem que modifica sua natureza, € assim, {A descolonizagao jamais passa despercebida porque atinge 0 ‘ser, modifica fundamentalmente o ser, transforma espectadores sobrecarregados de inessencialidade em atores privilegiados, colhidos de modo quase grandioso pela roda viva da historia. In- troduz no ser um ritmo proprio, transmitides por homens novos, uma nova linguagem, uma nova humenidade. A descolonizagao 6, em verdade, eriago de homens novos. Mas esta criago nao recebe sua legitimidade de nenhum poder sobrenatural; a “coi- sa” colonizada se faz no processo mesmo pelo qual se liberta (FANON, 1968, p. 26-27) Conforme leciona Catherine Walsh (2009, p. 14-15), pensar deco- loniaimente nao se trata apenas de um joguete silébico, mas, pensar para muito além da impossivel regressao rumo a desconstrugao e re- versao da colonizagao, pois: Laintencién, mas bien, es sefialar y provocar un posicionamien- to — una postura y actitud continua — de transgredir,intervenir, in-surgir e incidir. Lo decolonial denota, entonces, un camino de lucha continuo en el cual podemos identificar,visibilizer y alentar “lugares” de exterioridad y construcciones alternativas. A ligdo decolonial estrutura 0 saber criminolégico critico e libertario latino (um percurso que inolui um projeto criminolégico desenvolvido a varias maos*), esse processo se origina no direito & identidade origi- néia e desemboca, naturalmente, no pluralismo juridico que pretende 8 Nesse sentido, o Grupo de pesquisa coordonado pola Prof Dr* Vera Regina Pereira de Andrade, denominado “Brasiidade Criminologice”, vinculado ao GNFa, procura construit uma Cominologa brasil a pari das trabalnos desenvolvides, de modo encadeado, por ‘seus membros. RovstainsuRpénca | Brasia | ano | v3 | n2| 20m | IssNouTeess 407 htls:fperiodicos.unb. index phplinsurgencia/articl/view/ 1956518089 4132 0310512029, 15:36 POF}s viewer InSURptcia outa de deetosa movimento soos © reconhecimento e consagragao de direitos radicais, colocando o Es- tado como apenas uma forma de configuragao social (jamais a unica) € conferindo “novos” conceitos e significados as construgdes centrais, que, em relagao a alguns poves indigenas latinos, resultou em positi- vagao em suas Constituigdes.? ‘A demanda por essa identidade nao se atrela a questo de ser, ou no, institucionalizada, segundo Antonio Carlos Wolkmer (2001, p. 143), mas ‘[..] na capacidade de romperem com a padronizagao opressora e de construirem nova identidade coletiva, de base parti- cipativa, apta a responder as necessidades humanas fundamentais.” A luta por resisténcia, insurgéncia, re-existéncia e subversdo da or- dem colonialiista) pelos povos marginais originarios escravizados, se mantém pela transmissao geracional do que restou de suas identida- des, ampliando e amplificando através da “meméria coletiva” tudo 0 que suas ancestralidades deixaram como heranga, uma pedagogia de (sobrejvivéncia existencial, chamada por Catherine Walsh de “peda- gogia decoionial’, pela qual se une, e complementa, os mundos e os seres, de modo nao excludente. Para a autora: Es a partir de este horizonte histérico de larga duracién, que: lo pedagégico y lo decolonial adquieren su razén y sentido politico, social, cultural y existencial, como apuestas acciona- les fuertemente arraigadas a la vida misma y, por ende, a las memorias colectivas que los pueblos indigenas y afrodescen- dientes han venido manteniendo como parte de su existencia y ser (WALSH, 2013), proceso decolonial, assim, nao é nenhuma novidade (e jamais serail), uma vez que € o continuum da luta pelo resgate da humanidade anulada pela animalidade consolidada pelos saberesipoderes centrais, e coloniais, modelados por uma “racionalidade” exclusiva embasada ‘em pressupostos dicot6micos, uma sub-humanidade encarcerada em sua propria existéncia 9 A Bolivia @ um dos maiores exemplos do chemado ‘novo constitucionalismo" com seu Estado Plurinaciona 408 RevstainsuRgénoa | Basa | aro3 | v3 | n2 | 2017 | iSsNZ4sr-sse htls:fperiodicos.unb. index phplinsurgencia/articl/view/ 1956518089 9132 0310512029, 15:36 POF}s viewer IPOUS Insite ds Pesquisa Ditos © Movants Socis Nestas condigées, a decolonialidade da margem brasileira precisa destruir, antes, as barreiras raciais fortificadas pela politica de nao en- frentamento do racismo, dizer que precisamos de uma perspectiva marginal afrocentrada como postura de confronto, Afrocentricidade procura retomar o protagonismo negro roubado pelo racismo, para recuperar 0 controle do pensamento histérico social de matriz africana, instrumento de dominagao monopolizado du- rante séculos, por pesquisadores brancos, sabedores que “a melhor forma de controlar um povo ¢ controlar o que ele pensa sobre simes- mo” (NASCIMENTO, 2009, p. 60). Para Molefi Kete Asante (2016, p. 06), a Afrocentricidade ¢ um po- sicionamento critico em relagao a violéncia colonial da Africa e seus descendentes, além de corretiva da(s) sua(s) histéria(s), no sentido de ideologia contra-hegeménica, desiocando o lugar de enunciagao e chegada da fala, representando, assim [J uma possibilidade de maturidade intelectual, uma forma de ver a realidade que abre novas e mais excitantes portas para a comunicagao humana, € uma forma de consciéncia histériea, porém mais do que isso, & uma atitude, uma local zagac e orientagao, Portanto, estar centrado ¢ flear em algum lugere vir de algum lugar. Um proceso que para a populagao negra se estrutura, inicial- mente, em (re)conhecer-se negra no interior do processo violento de identificagao e (re)construgo de sua negritude, na exata propor- g40 em que emergem todos os privilégios e benesses presenteados pela branquitude (SCHUCMAN, 2014), enquanto (re)nega a brancura que Ihe foi imposta (FANON, 2008), heranga central incutida em nos- sa margem desde seu “descobrimento’, pois, como leciona Achille Mbembe (2015, p. 255), “tudo comeca portanto por um acto de iden- tificagao: ‘Eu sou um negro”. A decolonialidade, assim, deve iniciar pela desconstrugao do pré- prio ser colonizado, do negro brasileiro que nao se reconhece en- quanto tal, bem como desconhece, ou nao identifica, o racismo bra- RovstainsURpEnca | Brasia | ano3 | v3] n2| 200 | IssNoureSss 409 htls:fperiodicos.unb. index phplinsurgencia/articl/view/ 1956518089 6132 0310512029, 15:36 POF}s viewer InSURptcia outa de deetosa movimento soos sileiro em suas nuances, sua politica de assimilagao, e que, a0 néo ter 0 direito minimo de saber suas origens e raizes, se projeta no impossivel espelhamento da branquitude narcisica. A libertagdo de todo 0 modelo central somente ¢ aloangavel por suas préprias mos, apés desmascarar-se, conscientemente. Nessa perspectiva, a conscientizagao da negritude coletiva bra- sileira ir reclamar suas origens e, a partir delas, outros aspects que nao aqueles formulados pelos parametros centrais. O Estado, assim, perderia seu viés monista e sua hegemonia em relagao as possibilidades de resolugao de conflito, vindo a resguardar a auto- regulagdo reclamada pela comunidade. Como consequéncia desse trajeto, que busca identidades fragmentadas, emerge uma plurali- dade, relativizagdo ou coexisténcia de conceitos, ideologias, teorias e contra teorias centrais que ignoram nossas raizes e matizes para conferir-Ies legitimidade. A violencia desse projeto ¢ insita ao processo de liberdade negra, uma vez que os mundos, negro e branco, construidos e consolidados nas entranhas do colonialismo, sao incompativeis enquanto essa conjuntura excludente persistir. As respostas e re- sultados de todas as insurreigdes pretas dao conta dessa relagao diametralmente oposta. A construgao da negritude, e seu reconhecimento, desaguam em um projeto politico coletivo que se projeta ao futuro, enunciando a an- cesiralidade ('e]negada/toubada. Todos os objetivos desse constructo dependem, invariavelmente, da desconstrugao da branquitude, deter- minando redugao de seus direitos naturalizados pelo histérico racista Nesses termos, nossa democracia é obstaculo ao processo decolo- nial, pois, conforme destaca Achille Mbembe: Em democracia, a liberdade dos brancos sé € vidvel se acom- panhada pela segregacao dos Negros e pelo isolamento dos Brancos na companhia dos seus semelhantes. Ou seja, se a democracia ¢ verdadeiramente ineapaz de resolver o problema racial, a questao 6 desde logo perceber como poderd a América livrar-se dos Negros (MBEMBE, 2014, p. 149). 410 RevstainsuRgénoa | rasta | aro3 | v3 | n2 | 2017 | ISsn24sr-sse htls:fperiodicos.unb. index phplinsurgencia/articl/view/ 1956518089 anise 0310512029, 15:36 POF}s viewer IPOUS Insite ds Pesquisa Ditos © Movants Socis Deste modo, reconhecimento e reclame do direito & identidade orienta o resgate dos aspectos culturais e étnicos, anunciando postu- ras revolucionarias no modo como fomos caracterizados, questionan- do toda estrutura estatal e defendendo sua desconstrugéo como fruto do eurocentrismo genocida. A viabilidade deste programa resta indissocidvel de uma epistemolo- gia pela qual outros olhares, através de fissuras, projetem instrumentos que rompam com os estreitos limites (neo)liberais @ do préprio Estado Democrético de Direito sempre racializados, onde ndo encontraremos nenhuma resposta que nao aquela barbarre travestida de civilizagao que impSe a construgéio do “Outro” e sua imediata inferiorizagao, man- tendo nossa antiga tradicao transplantada de colocar o Estado sempre como protagonista, atitude andloga daquele “marinheiro bébado” que procura sua carteira perdida somente sob a luz de um poste, mesmo consciente de que ali ela ndo esta, pois é, somente ali que ele conse- ue "ver" alguma coisa (FLORES, 2009, p. 47). Um comprometimento que deve ser encampado pela Universidade em busca de saberes multiplos, sem a pretensao do monopolio da verdade sob base cientifizada, uma imagem construida solidamente desde seus pilares comprometidos com o pensamento colonizado que a aponta como “lugar por exceléncia de produce do conhecimento’, construindo barreiras com as epistemes centrais, refratarias &s cos- movisées periféricas, tendo sempre em vista que “las universidades han sido a la vez los talleres de Ia ideologia y los templos de la fe.” (WALLERSTEIN, 2006, p. 72) Ramén Grosfoguel (2010, p. 457) estabelece um importante aspec- to para a decolonialidade epistémica ao apontar para exigéncia de se “[.] levar a sério a perspectiva/cosmologiasivisdes de pensadores cri- ticos do Sul Global, que pensam com e a partir de corpos e lugares @tnico-raciais/sexuais subalternizados.” © proceso projetado se estrutura a partir da afrocentricidade que nos remete a (re)construgao das identidades forjadas a partir de espec- {ros e fragmentos diaspéricos que construiram 0 Brasil como um mundo branco (FERNANDES, 1972), consolidando um ethos de néo-humanos. RovstainsuRpénoa | Brasia | ano3 | v3 | n2| 20m | IssNoureCss 444 hntlps:fperodicos.unb. index phplinsurgencia/articl/view! 1956518089 8132 0310512029, 15:36 POF}s viewer InSURptcia outa de deetosa movimento soos Desde a filosofia Ubandista afiora a estratégia epistémica que torna © objetivo proposto alcancavel: a epistemologia de Exii, 0 orisha mais proximo dos homens e mais controvertido do pantedo africano, é 0 mensageiro entre os mundos. Despindo-o de toda a carga pejorativa resultante do processo milenar de diabolizagao, tornando-o simbolo da desobediéncia servil pela instrumentalizagao da lamina situada em sua cabega para quebrar os grilhdes que nos prendem a escravidéo académica eurocentrada, subversivo por natureza: Seria 0 responsavel pelo inicio de tudo, a poténcia, o movimento, © contraditério, 0 duplo, o multiplo, o brincalhao, que faz acon- tecer pelo avesso, constréi ao desfazer, arruma tudo gerando 0 aos. [..] ele inverte o caminho e o fim passe a ser o comego, que nao @ sé um caminho, mas uma encruzilhada de quatro caminhos multiplicados por milhares de outras possibilidades (KAWAHALA, 2014, p. 43). Outrossim, ultrapassar a limitadissima fronteira do eurocentrismo: para (cor)responder as necessidades que 0 problema racial brasilei- fo nos impée, é indispensavel para um abolicionismo racial pleno, apesar de ser quase imperceptivel dada a sua naturalizacdo. Porém, para tal, é preciso, como defende Vera Malaguti (2007), desvelar as feridas histOricas (abertas pelo racismo e ainda expostas), refazer nossas pegadas para recompor o pretérito, entender o presente e projetar um futuro do lugar de fala marginal, recontando-o dessa perspectiva, explicitando a radicalidade da questéo racial, condigao primordial para sua superacéo. O desvelamento do racismo estruturante de nossa sociedade ¢ 0 sistema punitivo demandado e programado por ela invoca, também, os deménios que perturbam os lindos sonhos encantados da raga/classe dominante, um fantasma que néo deve ser nomeado sob pena de se materializar em sopros emancipatérios e revoluciondrios decorrentes da conscientizagao coletiva coalizadora, outrora incorporada pelas te- midas insurreigSes negras. 412 RevetainsuRgénca | rasta | aro3 | v3 | n2 | 2017 | iSsN24sr-sse hntlps:fperodicos.unb. index phplinsurgencia/articl/view! 1956518089 9132 0310512029, 15:36 POF}s viewer IPOUS Insite ds Pesquisa Ditos © Movants Socis 3. APONTAMENTOS BASILARES PARA UM ABOLICIONISMO PENAL BRASILEIRO Assumimos uma luta que nos vincula aos abolicionistas que se opuseram escravidao. As instituicées da priséo e da pena de morte s20 os exemplos mais ébvios de como a escravidao con- tinua @ assombrar nossa sociedade (Angela Davis). Uma proposta abolicionista propria somente pode ser esbogada considerando a (des)construgao do negro enquanto “Outro” € extin- ‘940 do racismo enquanto pratica discriminatéria de onde emergem infindaveis violéncias, ou seja, pensada a partir do problema racial, um processo que transpassa 0s conflitos de classe advindos do ca- pitalismo, marco das criticas criminolégicas e abolicionistas, eis que situado antes mesmo da criagao da Europa, cuja efetivagao se diri- ge a uma mudanga substancial na concepgao da propria sociedade, concebida em termos centrais, cujo modelo é um limite para um abo- licionismo brasileiro. Nesse sentido, o processo abolicionista se direciona ao proprio Mo- vimento Negro brasileiro, que, nao raramente, bradando punigao aos autores dos delitos raciais, ndo se conscientiza que assim reforga e (re) legitima, por um lado, o instrumento de exterminio de sua juventude, do outro, sob a ldgica desvelada pelo Labelling Approach, impée a seletividade inversa que mantém a funcionalidade daquela “dualidede perversa” que nos ensina Nilo Batista (2002, p. 152) que permanece intacta através dos séculos: 0 negro s6 ¢ reconhecido enquanto foco dos nossos Direitos Penais, ao reclamar seus direitos, so invizibiliza- dos, exatamente por terem, ainda, uma subcidadania solidificada na lacuna existente entre o escravizado e 0 cidadao (branco).” Imprescindivel um olhar decolonial assentado em nosso lugar de fala escravizado para resgatar, em nossas matrizes africanas, mode- 10. Enessa perspectiva que es agSes penais propostas pelo Projeto de Extensio Vicente do Espinto Santo ~ SOS Racismio, do Centro Universitario Estacio de Santa Catarina, s40 onientadas, pautando, na proposta dé suspensao Condicional do proceso (ert 9, da Le 19.096), ou nos pedidos, a participacao dos acusados de crimes racials em seminarios & cursos que envolvam a tematica racial brasileira como altemativa 8 pristo, RovstainsURpEnca | Braga | ano3 | v3. | m2 | 200 | Issues 443 hntlps:fperodicos.unb. index phplinsurgencia/articl/view! 1956518089 20192 0310512029, 15:36 POF}s viewer InSURptcia outa de deetosa movimento soos los que no se inserem na perspectiva “civilizat6ria” que traz inorus- tada a barbarie exterminante do "Outro’ como sinénimo de progresso (MENEGAT, 2012), uma busca que vai ao encontro da nossa historici- dade racial enquanto fonte de conflitos e de direitos obsourecida pela historia oficial(izada). Esse processo objetiva 0 reconhecimento do projeto politico ge- nocida brasileiro, transformando-o em projeto politico identitario, de conscientizagao racial e potencial emancipatorio com forga su- ficiente de promover fissuras naquele solo eurocentral sdlido, por onde a decolonialidade pode penetrar, permitindo a germinacao de uma nova sociedade. Uma transformagéio que se refletira no pensamento punitivista que ignora a auséncia de fundamentagao e objetivo da prisao que nao um instrumento de vinganga, ideias arraigadas no senso comum que mo- tivam, ainda e sempre mais, a hipertrofia do Direito Penal que foi trans- formado em aparato de producao de dor, impulsionado pela violéncia que resulta, unicamente, em mais violéncia, criando um circulo viciado- -vicioso impeditivo de qualquer incluso, forga motriz da capilarizagao punitivista no imaginario coletivo comum que, sem ter consciéncia de que forma a “clientela” penal, clama, sempre, por (mais) prisdo (dor). partir desse contexto, 0 abolicionismo pleno, pressuposto do abo- licionismo penal, somente é concretizavel com 0 cumprimento das fal- sas promessas encerradas em nossa falsa abolig&o, que s&o irrealiza- veis por seu enraizamento em nossos “ismos” fundantes, estruturados exatamente na identificaco (e elimina¢ao) de “Outros” sob os quais a “clvlizagao" restou formatada Arquitetados pelo racismo, devernos desvelé-lo como ideologia originaria de violéncias e que, por suas caracteristicas atemporais e aterritoriais, hoje prescinde de qualquer legitimaco, abrindo caminho para 0 seu (re)conhecimento que transforma aquela mae gentil (de poucos) em uma madrasta cruel (para a maioria), sob o risco de “mo- dernizar” nosso velho sistema de controle racial/social, dotando-o de novos instrumentos e discursos, mantendo, novamente, intacto o apar- theid brasileiro que determina a supremacia branca e delimita todas as 414 RevstainsuRgénca | rasta | aro3 | v3 | n2 | 2017 | issn z4sr-sse hntlps:fperodicos.unb. index phplinsurgencia/articl/view! 1956518089 ain 0310512029, 15:36 POF}s viewer IPOUS Insite ds Pesquisa Ditos © Movants Socis benesses para a branquitude, enquanto assegura esse contexto com © genocidio,carcere, e toda forma de exclusao aos indesejados, para quem a violéncia estatal foi direcionada, impulsionada e naturalizada, parte da heranga composta ainda pela miséria, subempregos, sub- -moradias e sub-julgagao de, aproximadamente, §3,1% da populagao brasileira", uma das maiores populagdes negras do mundo, sempre a servigo dos “sinhés”. Uma luta que no se circunscreve a populagdo negra, pois impulsio- nada pela utopia de uma novel sociedade, busca a construgao de seus pilares em termos inclusivos. Nao defendemos, assim, uma revolugéo racial segregacionista no melhor estilo apartheid 8s avessas, muito ao contrario, nosso projeto abolicionista decolonizador se inicia com a procura e retomada da Identidade e ancestralidade negadas aos ne- gros brasileiros desde sua ninguendade (RIBEIRO, 1995). processo iniciado ainda no colo da mae Africa ao serem obrigados a rodear a “Arvore do Esquecimento”? e continuado nos navios tumbeiros, fo- mentado pelo medo branco que extinguia o “Ser Negro” pela minucio- sa separagao das “coisas” que visava impedir qualquer comunicagao. que pudesse esbogar uma revolta, metamorfoseando os negros afri- canos em escravos pelo movimento dinamico de exclusao-inclusao. Uma postura periférica deve refazer 0 caminho “civilizat6rio” para a construcao de uma nova sociedade que nao fundada em um pacto, que é sempre excludente como leciona Alessandro Baratta (1995) a0, defender um Estado mestigo, cuja base para outro modelo de socie- dade esta no modo relacional, no sentimento de pertencimento so- cial a um todo (que exclui a estigmatizagdo e criagao do “Outro” e a individualidade), e de responsabilidade da sociedade perante seus integrantes, fator indispensdvel para entender o erro individual como {1 Segundo a Pesquisa Nacional por Amostragem de Domiciio (PNAD) ds 2013, da Instituto Brasileiro do Geograta eEstatstca (IBGE). Essa poreentagem nos coloca come segundo pais com a maior ponulagao negra do mundo, perdendo apenes para a Nigeria. 12 Antes do ombarcarem para além-mar, rumo 20 “Novo Mundo” em navies tumbeiros, ‘com nomes de “Boa Vielen’, os cativos andavam em forno de uma arvore. Cada volta representava a morte da historia de seu povo, de sua hisioria, raizes, subjetiidade, ‘memoras, lembrancas,lagos, etc RovstainsuRpEnoa | Braga | ano3 | v3. | m2 | 20m | IssNoureess 445, hntlps:fperodicos.unb. index phplinsurgencia/articl/view! 1956518089 zane 0310512029, 15:36 POF}s viewer InSURptcia outa de deetosa movimento soos falha coletiva, consciéncia derivada da “auto-critica’, criagao africa na conforme estabelece Frantz Fanon (1968, p. 36), que estrutura as assembleias de aldeias, as comiss6es do povo, instituigdes piblicas responsaveis por debater e resolver os conflitos surgidos. Este modelo nao pode ser confundido com “justiga restaurativa’ que, além de manter 0 monopdlio estatal em dizer, e reconhecer, o direito, no consegue romper com os elos raciais, pois, jamais conseguiremos restaurar 0 que, de fato, nunca existiu, além de se apossar de saberes ancestrais, sem conferir os créditos & sabedoria tradicional, Nosso abolicionismo marginal tem como pedra fundamental uma Etica Ubuntista, esséncia do Quilombismo, praxis afro-brasileira de re- sisténcia e libertagao que fundou nossa tnica tentativa de construgao de uma sociedade verdadeiramente democratica, livre e de comunhao existencial (Palmares), cujo reconhecimento e legalizagao estatal é ir- relevante, eis que seu pressuposto s4o associativismos que consoli- dam a coletividade em prol da unidade social e bem-viver de todos, em todos os niveis e Ambitos (NASCIMENTO, 2002), propagando o “sou por que nés somos!". Essa “nova” postura derivada do Ubuntu palavra Banto que carac- teriza uma filosofia africana, sob a qual o préximo ¢ colocado como extensdo do ser, somente compreendido se inserido no coletivo, pro- movendo a responsabilidade matua e o sentimento de pertenga, no possuindo, assim, um Unico significado." Madibe (Nelson Mande- la), exemplificava-a utiizando como sinénimos: respeito, comparti- lhamento, comunidade, confianga, desprendimento, etc., salientando que esta filosofia procura expressar a relagdo entre o individuo e a 48 A Tosofia Ubuntu 6 facimenta compreendida a partir de um conto que relata © estudo de um eniropdlog0 durante suas pesquisas em uma tbo africana, Diz @ historia que ele havi dateaco dabeixo de uma arvore uma bonita casta de doces © chemau as criancas, ppropondo uma corrida até as guioseimas. Quam cagasso primo ficara com o prémic. Mas, quando ele disse“), todas as crianges se deram as mas @ sairam correndo em diregaa a arvore, Quando chegarem la, comecaram a distibur os doces entre si = 2 ‘comerem, felz0s. © antropélogo, entao, perguntou por que olas tiham ido todas juntas ‘se uma so poderia ter ficado com tudo, assim, cometia muito mais doces. Eas criangas ‘Simplesmante raspanderam’ Ununtu Come uma da nos pose Ter Tez sa todas as ‘outras estvessem tistes?” 416 evstainsuRgénca | Brasia | aro3 | v3 | n2 | 2017 | iSsNz4sr-sse hntlps:fperodicos.unb. index phplinsurgencia/articl/view! 1956518089 zara 0310512029, 15:36 POF}s viewer IPOUS Insite ds Pesquisa Ditos © Movants Socis ‘comunidade. Ubuntu foi base do seu governo de na Africa do Sul, mesmo apés 27 anos de prisdo. Em Babemba, tribo da Africa do Sul, acredita-se que cada ser hu- mano vem ao mundo como um ser bom, cada um desejando segu- ranga, amor, paz e felicidade para si e para seu grupo. Mas as vezes, na busca por essas coisas, as pessoas cometem erros que sao vistos pela tribo como um grito de socorro. Assim, quando um de seus inte- grantes comete um erro ou faz algo prejudicial a outrem, este é cerca- do por toda a tribo, se situando como seu eixo gravitacional. Durante dois dias, a tribo vai dizer aquele integrante todas as coisas boas que ele ja fez, se unindo para ergué-lo e reconecté-lo com sua verdadeira natureza, para (re)lembra-lo de quem ele realmente é, até que ele se lembre totalmente da verdade da qual ele tinha se conectado tempora- riamente, sua esséncia boa. Ubuntu requer comprometimento e nao dever ser usado como pala- vra de efeito para dotar de beleza discursos falsos, esvaziando 0 con- ceito que se mantém em nosso solo pela forga e resisténcia ancestral. Alertamos, entretanto, para uma postura nao romantizada em face do Ubuntu, este é apenas a matriz radical indispensdvel para a constru- 40 de uma nova coletividade, substituindo os conceitos de solidarie- dade e tolerancia que, a0 manter a hierarquizagao das relagdes, S20, falsos instrumentos de combate ao individualismo central. Abdias do Nascimento, apontando para o protagonismo negro para a reconstrugao do Brasil, refere-se as inumeras ligdes que servem como norte para outro tipo de sociedade, processo projetado por sua propria experiéncia histérico-social: ‘Os negros tém como projeto coletivo a ereqao de uma sociedade fundada na justica, na iqualdade e no respeito a todos os seres humanos, na liberdade; uma sociedade cuja natureza intrinseca tome impossivel a exploragao econémica ¢ o racismo, Uma de- mocracia auténtica, fundada pelos destituidos ¢ os deserdados deste pais, 20s quais nao interessa a simples restauracao de tipos e formes calcadas de instituigdes politicas, sociais e eco- némicas es quais serviam unicamente para procrastinar (adiar) RovstainsuRpGnca | Basia | ano3 | v3 | n2| 20m | IssNoureees 447 hntlps:fperodicos.unb. index phplinsurgencia/articl/view! 1956518089 22

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