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Frducagio, Socreuade & Culturas, n° 18, 2002, 723, O QUEEA SOCIEDADE DE INFORMACAO A inslabilidade designativa que caracteriza este dominio do conbecimento - tistvel na multiplicidade de momes» que se Ihe referem (soctedade da infor macfo, soctedade cognitiva, soctedade comunicacional, sociedade do conbect mento, enire outros - constitu! uma primeira referéncia problematizadora para a organizacéo deste trabalbo Em torno desta primeina referencia, sertio questio- naddos 0s conflites te6ricos que ¢ legttimo admitir como inerentes a condigao da instabilidade acima asstnalada Tratase de uma instabilidade estrutural, ou, antes, de uma instabilidade transit6ria, meramente linguisticas? Significa ela que 0s varios nomes remetem para perspectioas diferentes acerca da natureza e do papel da informagéo e da comunicagtio na estruturagao da realidade social e, portanto, quer significa que essas perspectivas no so redutiveis a uma visio unificada da sociedade da informagiio ou representa tio s6 um défice evolutivo da expressito do pensa- mento bumano, remeditivel bistoricamente? Por outras palavvas, tratase de um processo de construcéo sociale, como tal, portador de sentido, cultural e experiencialmente mediado e sujeito & contingéncia do tempo e do tugar ou, ‘pelo contrério, trata-se tdo 86 duma questito de socializacéto linguistica? Uma segunda referencia sera constituida por uma propasta de reflexiéo sobre as relaghes entre a leoria ¢ a pritica, tal como sera possivel pensé-las a ‘partir dos usos pritioos implicitos nas politicas comprometidas com a teoria da «sociedade da informagao» + Investigador do Centro de Intervengio € Investigacio Educativas (CIE) da FPCE ~ UP _oUcrga, socrepane & curruras O sentido da questio A laia de introducio a questio «O que é a sociedade da Informacio?», talvez. seja oportuno socorrermo-nos da constatacio de Boaventura de Sousa Santos quando, a propésito do que considera ser a esséncia da Ciencia Moderna, diz: «De meados do sécuilo XIX até boje a ciéncia adquiriu total hegemonia no pensamento ocidental e passou a ser socialmente reconhecida pelas virtua lidade instiumentais da sua racionalidade, ow seja, pelo desenvolvimento tecnoligico que tornou possfvel A partir desse momento, o conhecimento clentifico pode dispensas a investigacdo das suas causas como meio de juste ficacito Socialmente passou a justificar-se, ndo pelas suas causas, mas pelas suas consequénciass (Santos, 1989: 30) Com efeito, se hii dominio cientifico 2 que se aplique de forma tio ajustada este juizo sobre a Ciéncia, esse é seguramente o da «sociedade da informago» Tratase dum dominio onde, nio obstante as miltipias ambiguidades no plano das «fina- lidades causais», se vem assistindo a uma cada vez maior imbricacdo entre 0 valor instrumental da ciéncia, a sua dimensao epistémica ¢ a sua expressio ética e social a ponto de parecer ser jé indiscernivel o que se quet exptimit por conhe- cimento, comunicagio, informacdo € por produto tecnologicamente informado ‘Convenhamos que nio estamos perante uma questio facil nem no plano episte- molégico, nem no plano do juizo axioldgico sobte os efeitos priticos deste ramo do conhecimento ¢ da acco, sobretudo se admitirmos que no podemos invo- car nenhuma espécie de neutralidade, 2o mesmo tempo que no somos livres de prescindir dos resultados da ciéncia e da tecnologia, quer no que se refere a0 seu uso directamente material ¢ instrumental, quer no que diz respeito 20 seu influxo na modelacio simbélica e conceptual de que depende a nossa refe- réncia a realidade Na verdade, niio podemos dar-nos ao devaneio de suspender 0 curso do tio tecnolégico em que quotidianamente nos banhamos ou de saltat do seu Icito para 0 observarmos olimpicamente das suas margens E certamente pensando em todo este jogo de condicionamentos que Heidegger (1964: 36) nos seguintes termos: A leitura que é possivel fazer desta inversio € esclarecedora acerca das transformagdes por que tem passado 0 constructo da informacko Com efeito, a metéfora da «sociedade da informacio», como comumente tende a ser designada a sociedade actual a partir dos centros indutores da Opinio ptiblica, sugere a celebracio duma relacio de pertenca privilegiada da sociedade em que vivemos a0 mundo da informacio, telagio esta que implica uma transformagio estrutural na definicto dos modos de cognicio legitima que suportam a nossa referéncia quotidiana ao mundo e a nossa tela- cho pritica com ele Na verdade, enquanto que na expresso dnformacao da sociedades, esti subentendida uma relagio que privilegia, na informacio face & sociedade, a signi- ficagio fundamental de «forma que dé estrutura & matétiar - de acordo, aliés, com 0 sentido etimolégico do termo, dominante no proceso de comunicacio quotidiana, o que confere a essa relaco uma dimensio de processo de formacio social -, a expressio «sociedade da informacio», ao attibuir 3 informacio o esta- tuto de «possidentes € a sociedade 0 de € «sociedade da informagios! Nos tetmos do modo intensivo de producio, a informacio é simultancamente causa ¢ efeito do seu proprio processo, principio e fim e, neste sentido, a infor- macio pode ser lida como um sistema auto-finalizado, a que, de resto, a lingua- gem dos computadores imprimiu um impulse decisivo A vatiedade ou a produ- cio/emergéncia da diferenca coexiste, paradoxalmente, com a homogeneidade insctita no funcionamento matricial da linguagem sistémica da computacio: Dai que a informacio também signifique «quantidade mensuravel em bit (binaty digit, unidade de medida), técnica de tatamento da informacio segundo aabordagem métrica» (ibidem). Pot forga desta técnica, é possivel néo $6 con- verter mensagens em linguagem universal, como quantificilas para efeitos de determinacao de custos ¢, natutalmente, para efeitos de definicio dos proces sos de empresatializacio dos sistemas de informacio. ‘Atendendo ao grau de formalizacio ¢ de estandatdizagio a que esta lingua- gem esti sujeita, a questio que se poe €a de saber se ela é passivel de comuni- cago, sem que a nogio de comunicagio tenha de ser sujeita a um processo de puriticacdo seméntica tal que estaremos, necessatiamente, confrontados com a possibilidade de admitir modelos alternativos de comunicagio, 9 que remete para teorias diferenciadas, embora com profundas ambiguidades, cujos objec- 1 Segundo os tetmos do proprio Sfer () spara assegurar a sua coesto, as sociedades com mebdtia servemse da histéria € as sociedades sem meméria servemse dx comunicagio ( ) Nao se tata apenas de um problema de tecnologia, mas & também o resultado de uma tradigho, em que @ tecnotogia e comunicacio avangaram juntas como um casal indissociével, indispensivel & con- ‘quista dos grandes espagos americanos € 2 integracio cultural de uma populacio compésita A.comu- nicagio é 0 recurso de uma colectividade pobre ei simbolos histéricos> grecaenys socirpape & cursuras tos ofa se interdefinem, ora se opGem. S4o oportunas, a este propdsito, as con- sideracGes de R Betti (2000; 145): «A exigéncia de um desenvolvimento tanto qualttativo como quantitative da ciéncia da comunicagdo ndo é facil de compreenden: prende-se com um esiudo menos instrumental da ctbernética e de todas as disciplinas ligadas 4 elaboragdo automdtica, de cestos aspectos da teoria dos sistemas que os relacionam com a economia e 0 ambiente, com questées bioldgicas ¢ sociais, interessa-se pelo valor de uso da comunicagao, relacionando os signos com que esta se manifesta, primeiro com os seus designados, depots com os seus uéentess im ordem a tematizacio destas questées, importa conhecer algumas propostas teéricas, cujos termos s¢ invocam mais a titulo de contributo critico que analitico. Num primeiro momento, sera tentada uma primeira e proviséria definicio de sociedade da informacio, enquanto sistema social global, cujo estatuto ptopende a ser assumido pelos seus principais tedticos Num segundo momento far-se4 um pouco de arqueologia no terreno da socie- dade da informacao com vista a exumar algumas caractetisticas, sobretudo epistemologicas, que procuratio explicar uma tendéncia para a hegemonizacio da informacio enquanto ciéncia da computacio ¢, nesse sentido, pata o reforco da perspectiva sintéctica da comunicacio Finalmente, aproximarei algumas reflexGes do mundo educativo a partir destas perspectivas Sociedade da Informacio e novo modelo social Comecei por aludit, no exdrdio deste trabalho, ao caricter de instabilidade designativa dos termos que é suposto repottarem-se A realidade que aqui pre- tendem visar ‘A ssociedade da informacio> € uma expressio comummente usada para designar uma forma de organizacio social, econémica ¢ cultural que tem como base, tanto material, como simbélica, a informagio Esta sociedade assim otga- nizada seria aquela em que vivemos €, nos termos desta defini¢éo, que é de gr¥lAedg soctepape & curruaas resto inspirada em Castells (1999 para versio francesa, 1998 para o original inglés), a sociedade da informacio representa verdadeiramente uma nova soci¢- dade Nas palavras do proprio Castells uma soctedade pode dizer-se nova quando houve uma transformacéo estrt- tural nas relagbes de produgdo, nas relagdes de poder e nas relacoes entre as pessoas Estas transformagbes - continua - provocam una modificacto igualmente assinalavet na espacialidade ¢ na temporalidade sociais e na aparigdo de uma nova culturas Nao vamos acompanhat 0 autot ao longo do seu esforgo de demonstracio da tese que enuncia ao nivel dos planos a que se aplica, a saber nas relagGes de produicio, nas relagdes de classe € na aproptiagio do produto da riqueza. Seria, todavia, intetessante 1eter a sua nocio de capitalismo informacional, que esta em vias de se sobrepor ao capitalismo industrial, e que € tanto um conceito ope- ratétio quanto econémico e politico, porquanto permite organizar € pensar as relagées de producto ¢ as relacdes de classe a partir dos detentores do saber € da informacio, assumidos como a base do novo processo de producio Nio mudando a esséncia do capitalismo, (mantém-se de facto, a regra do lucro, € a sua apropriacio privada, bem como obviamente o ditcito de propriedade) mudou, todavia, o sistema de relagdes do capital com os seus detentores, assim como mudou a natuteza destes detentores por forca da participacao que os represen- tantes do capital intelectual detém na gestio do préprio capital Castells asse- ‘gua que nos paises da OCDE 0 grupo dos produtores informacionais representa cerca de um tergo da populacao activa, enquanto que a maior parte dos outros ttabalhadores pertence 2 mio de obra genética, potencialmente substituivel pot maquinas ou por outros trabalhadores do mesmo tipo ‘A sociedade de informacio tende a estuturar-se segundo formas especifi- cas de organizacio que sio decotrentes tanto das novas relacdes de poder como das necessidades de responder as exigéncias da produtividade e da inovacio, conceitos que integram desde a primeira hora o vocabulitio da wsociedade da informacio> Assim, a «sociedade de informacio> tende a estruturarse em forma de rede, associando projectos multinacionais ou multi-tegionais ou tao s6 de parcerias locais que nfo cortespondem apenas 3 crise do estado-nagio como interlocutor, mas também & procura de novas oportunidades, novas expetién- e0UCACES sociepans & curiuras cias ¢ nova formas de poder, com base em novas figuras de lideranca ¢ cons- trugao de influéncias Sistematizando aquilo que chama as «clivagens fundamentais> da era da informacao, Castells assinala (tb 409/19): 44) ~ suptura no mundo do trabalbo entre produtores ¢ mao de obra tndife- renciada, facilmente substituivel, 6) - a exclusdo social dum segmento impor. tante da sociedade, composto de individuos cujo valor enquanto produto- res/consumidores jé ndo tem interesse e cuja pertinéncia como pessoa é igno- ada; c) ~ 0 fosso crescente entre a logica do mercado das redes financetras mundializadas e aquilo que vivem os trabalbadores» Para além destes aspectos que poderiamos considerar essencialmente socio- técnicos, cujas possibilidades derivam do seu suporte tecnoldgico, a sociedade da informacio ambiciona set, mais do que uma forma de organizagio social, um projecto de endoutrinamento, embora 0 termo possa parecer um pouco cousado pelas suas conotacdes com a pratica da ideologia cassica Se considerarmos, porém, que 0 discurso da sociedade da informacio com- porta dimensGes imperativas ¢ se articula com uma pritica politica € econd- ‘mica que torna cada vez mais vazios de sentido social os espacos sociais pata os preencher por estruturas reticulares, organizacional e economicamente motivadas que s6 fazem sentido para os jé integrados que tendem a reforcar a légica da rede € a excluir os j exctuidos, poucas diividas restam sobte os efeitos ideologizantes inscritos nesta pritica social dominante, Faz assim algum sentido aquilo que Garnham (1998: 102) afitma acerca da estrutura reticulat pos tulada pela sociedade da informacao e tendo Castells como alvo: «a sociedade em rede constitui uma nova motfologia social que se sobtepde & accio sociale No plano ideotégico, é frequente associat © projecto da sociedade da infor- ‘magio a0 projecto emancipatésio em que se legitima racionalmente a Moder- nidade como, alias, lembra o mesmo Castells quando diz. (1999: 424): «0 sonho das Luzes esti, enfim, a0 nosso alcance; a tazio ¢ a ciéncia resolverto os pro- blemas da Humanidades Todavia - reconhece - «ha um abismo entre 0 nosso superdesenvolvimento tecnolégico ¢ o nosso subdesenvolvimento social» Apressase, todavia, a declarar «que no ha pecado original da Humanidades Nao ha nada que nio possa ser mudado por uma pritica social meditada ¢ | | . pes epucacay socrepape & currunas esclarecida. Se os homens sio informados, activos, se eles comunicam entre si, se 0 mundo do dinheito assumir as suas tesponsabilidades sociais, se (€ seguem-se uma sétie de condicionais) centio, talvez, enfim, ns saibamos viver e deixar viver, amar ¢ set amados> Optimismo moderado - diriamos -, mas de qualquer modo tornado possivel pelo poder da informacio, que aparece claramente como o factor de sintese das contradiges, a forca simbélica ¢ agregadora contea as forcas diabélicas dos «inte- resses, dos valores, das instituigdes ¢ dos sistemas de representacdes que, em suma, reprimem a criatividade colectiva, confiscam os fratos da tecnologia da informacio ¢ desviam as nossas energias pata confrontacdes destruidoras: (424) O reconhecimento de que ha uma [uta a travar entre, por um lado, os inte- esses patticulates, sejam eles dos individuos ou das instituigdes e, por outro ado, 0s frutos da tecnologia da informacio, deve set interpretado no sentido de que a tecnologia é inspitada por principios incondicionalmente bons, visando a felicidade ¢ a harmonia universal, nfo obstante os maus usos que os scres humanos fazem dela A transcentalizagio da tecnologia relativamente aos usos materiais de que € objecto representa uma condicio fundamental ¢ indispensivel & sua desmetca- dotizacio ¢, portanto, 2 sua conversio em ideal regulador do trabalho da propria ciéncia Todavia, nao se percebe muito bem como se acede a tal ideal num domi- nio to decisivo como este, nem o proprio Castells parece particularmente habi- Titado a fotnecer a chave de tal acesso, se tivermos em conta o registo benevo- lamente ut6pico em que se exprime O embate que, recentemente, eclodiu a propésito da apresentacio piiblica do genoma humano nos Estados Unidos, cnitte uma estratégia mercantilista € outra nao mercantilista, com o desfecho que é conhecido, da bem a medida da natureza do conflito que se tava entre ciéncia, ética e tecnologia Um pouco de -arqueologia da sociedade da informacio Este estado avancado em que Castells coloca a sociedade da informacio, sob a forma de uma teoria geral da pos-modernidade (cf Gasnham que considera que «Sociedade da informacio» ¢ «pésmodernidader so termos que se 1eco- _oUCacay socrspape & curiuaas brem mutuamente) culmina um proceso histérico extremamente curto ao longo do qual se assiste a uma convergéncia vertiginosa entre investigacio, ciéncia, tecnologia € poder que, nos seus primérdios, reveste a forma de confronto poli- tico-militat ¢ ideolégico Betti (2000: 146) estima «que nio € por acaso que algumas caracteristicas destes sistemas sio 0 produto directo de situagdes de extrema conflitualidade ou competicio E sabido que os primeitos sectores a que Wiener, nos Estados Unidos e Kolmogorov, na Unido Soviética, aplicaram com sucesso as metodo- logias informativas t¢m que ver com problemas acerca de toda uma sétie de sinais possiveis que representavam rotas aércas a condicionar, dispondo de sis- temas de intercepcao “perturbados”,, submarinos a localizar, misseis a ditigiry Um passo fundamental para dotar a informaco de autonomia cientifica, isto €, para fazer dela uma entidade provida de propriedades susceptiveis de serem tratadas objectivamente, consistiu em liberta-la da natureza particular dos meios fisicos que Ihe servem de suporte ¢ do significado que Ihe é atribuido quando este € objecto de interpretacio Tsso traduziu-se na homogeneizacio da realidade tanto fisica como psiquica, a cujo comportamento se tornou possivel aplicar cédigos matematicamente con- troléveis que permitiam uma leitura cientifica da realidade Neste sentido, a procura da informacio confunde-se com a prépria pratica cientifica ¢ a partis desta identificacao entre procura da informagdo ¢ pratica cientifica toda a reali- dade é interpretada como portadora de sinais redutiveis basicamente a dois valores significativos: ou informagio ou ruido. Na verdade, esses valores sio imputaveis a tealidade, consoante o grau de reconhecimento que é possivel estabelecer entre cédigos e sinais. A seleccio que se opera entre sinais € da qual depende uns serem informacio € outros ruido no é, assim, fungio da natureza dos dados, mas da natureza do sistema em que eles se integram «Assim - € citando de novo Betti (2000: 149) - no interior da teoria matema- tica, a comunicacio € uma relacio definida entre sistemas, de que nao importa sequer especificat a natureza A informacio é libertada de todas as suas espe- cificagdes inessenciais ¢ reduzida a uma medida da “surptesa” que provoca; 0 erro é apenas um problema técnico» Como € visivel, a ciéncia da informacao orienta-se por uma finalidade de base que € a de reduzir 0 grau de incerteza perante a vatiedade de eventos € gPUCACE, sociepape & curruras de possibilidades, resultando dai que a qualidade da informacio esta relacio- nada com os graus de liberdade que possibilita na escolha de uma mensagem entre todas as disponiveis. Estes graus de liberdade petdem tigor & medida que se passa dos chamados sistemas fechados, cm geral adstritos a sistemas de infor- macko da cibernética clissica (mecanicista) € da teoria classica (quantitativa) pata 0s sistemas abertos, identificados com sistemas orginicos € sociais Recor- tendo ao conttibuto da gramatica, os sistemas fechados obedecem & teotia da sintaxe, fundamentalmente, e siio por norma ptivados de contexto, enquanto que os sistemas abertos exprimem-se segundo as potencialidades da semiin- tica, (Sio passiveis de significado e de significacio) ¢ da pragmitica (envolvem questaes de acco ¢ de valor)? Um momento que parece importante assinalar na teoria da informagio o que, em termos gerais, corresponde a0 que se convencionou chamar de segunda cibernética A importincia deste momento vem do facto de ele representar uma certa ruptura com os modelos te6ricos globais em que se apoiava a primeira geracio de fisicos € engenheiros que, pela sua condicio de técnicos do controlo ¢ da comunicagio «viu-se obrigada pelo contexto histérico € pelas suas proptias ino- vacdes a preocuparse com a reducio dos desvios nos sistemas de controlo € com a supressio do tuido nos sistemas de comunicacao artificiais O resultado, testemunbado nos seus esctitos, patece ter sido uma tendéncia comum face a atitudes de “desvio” ou de “desordem” igual 4 de outros influentes expoentes ® Como é sabido, deve-se ao linguista Charles Morris o estabelecimento de trés niveis de regras no dominio do uso da Linguagem, correspondentes a outros tantos nivels de abstracgio, a que cestariam associadas funcdes diferentes © modos diferentes de estabelecet comunicagio: o nivel sintictico ssseguraria fungbes de comunicacio apenas #0 nivel dos outros signos; 0 nivel scar tico reporta a referéncia dos seus signos aos seus designados; finalmente, 0 nivel pragmatico define & sua pertinencia a partir dos usos possiveis/priticos dos seus signos Como se toma evl- dente, estes diferentes niveis de consideracio dos signos linguisticas assumem a realidade de forma bastante diferenciada, podendo reconhecer-se que 0 nivel sintictico convive bem com une relidade que fot reduzida aos aspectos formais dos signos, como, por exemplo, na estatistica mate- mitica, do mesmo modo que o nivel semintico tende « dar-se bem com uma tealidade que abstai dos problemas de utiizacio ou das conotacdes psicoldgicas dos utentes para se centrar na natu reza dum referente externo, dado pelo significado; o mesmo poderiamos dizet do nivel pragmi. tico, onde o que sc toma abjecto de comunicacto sio 0s factores circunstanciais da acgio, ou seje a questio de sentido, Para informaco mais completa, ct Morris Ch. W (1946): ¢ Pierce, Ch (1978) epucacag soctepane & curturas da mesma geracio que se interessaram pot andlogos problemas ¢ teotias ¢ por eles foram influenciados» Estéo neste caso os nomes de Talcott Parsons na Socio- logia, LéviStrauss na Antropologia e o do proprio Piaget na Psicologia cognitiva construtivista De facto, a primeira cibernética € uibutétia duma atitude epistemolégica que reconhece exterioridade ontolégica a realidade € pode por isso traduzia com recurso & representacio, significando a codificacao cientifica uma forma de traduzit essa representacao © «erro seria apenas um problema técnico», como acima se referiu, donde se pode induzir, entao, na esteita, aliés, da tra- digao cartesiana, que o erro é uma consequéncia do «mau uso da tazdo», 0 que bastard para impor o reconhecimento da importancia do método, «claro € dis- tinto:, por onde se tera acesso ao conhecimento verdadeiro correspondente 4 ideia/representacao Segundo nos informa Sfez (1994: 56), a triade constituida por Wiener, Rosen- blueth e Bigelow, logo em 1943, escreve um artigo intitulado «Behaviour, pur- pose and teleolgy», onde se propdem estudar os mecanismos capazes de recons- truit os comportamentos finalizados dos homens, com 0 que anunciavam a sua intencio de, tespeitando a matriz da enatureza humana contiibuit pata a potenciar. Ao proceder desta forma, estes primeiros representantes da teoria da informacio integram-se numa pratica cognitivista, onde o «estudo da cogniciio, enquanto representagiio, constitui o domtnio proprio das ciéncias cognitivas, dominio suposto independente da neurobiologia por um lado ¢ da sociologia, asstm como da antropologia, por outro» (Varela, 1993: 33) Em contrapattida, a valorizacio das possibilidades criativas do «uido> ou da «desordems, inerente 4 segunda cibernética significa nfo apenas um papel complementat da informagio no sentido de contribuir para a sua melhor defi- nigdo & custa da neguentropia, mas fundamentalmente um factor indispensavel 2 sua transformacio € auto-organizaco, o que reccbe um impulso e um desen- volyimento sensivcis nos anos 60, num contexto de outras transformacées em todos os dominios sociais. No dominio especifico da cibemética, é destacdvel o papel de Von Foerster, cujo trabalho, reflectindo contribuigdes de diferentes procedéncias, inclusive | j t i | 4 epucacay soctepape & culiuras da Escola de Palo Alto, inaugura uma pratica reflexiva onde o sujeito como sis- tema complexo se torna central no processo de communicacio O abandono da teoria da representacdo, tepottada a uma ordem ontolgica externa ¢ indepen- dente do sujeito € a adopcio dum ponto de vista pelo qual a stepresentacho» j& nao representa 0 mundo exterior, mas constitui um sistema de crengas interno ao organismo que funciona como um dispositivo cognitive capaz de dar sentido ao mundo e de contribuir para a produgio ¢/ou transformacio da ordem social, tal parece set a aplicagdo da segunda cibernética por Von Foerster a0 mundo da comunicagio Sfez (1994: 59/60) ao referir esse contributo, diz explicitamente: «Na verdade, um organismo mergulbado num meio néio capta dele apenas a energia ou a tnformacao tndispensdivel para pensar as suas perdas internas, para evitar a longo prazo a entropia crescente e a morte, mas integra o rufdo, que nao é uma desordem, e se estrutura segundo 0 aleatorio Esse suido é capaz de organtzar o sistema envolvente, orientar todos os elementos On seja, dar-lbes depressa uma ordem E essa a famosa “ordem pelo ruido”, a primeira das formulas a partir da qual depots se estruturam as teorias da auto-organizagiior Deve-se a Varela (1988:91) um esforco consideravel no sentido de concep- tualizar o cognitivismo néo enquanto processo de conhecimento por represen- tagdes do mundo exterior pré-determinado, mas enquanto actividade viva, capaz de «por questdes pertinentes que surgem a cada momento da nossa vida Estas questies no esto pré-definidas, mas “emagidas”, fazémo-las nds emergir sobre um pano de fundo e os critérios de pertinéncia sio ditados pelo nosso senso comum, duma maneira sempre contextual? A atticulaco do cognitivismo com 0 mundo da vida, como 0 senso comum, tevela a preocupacio de articular experiéncia social, espesiéncia organismica € experiéncia pessoal segundo processos que relevam da cognicéo criadora, 5 fo proprio Varela que faz questio de aproximat 0 neologisma dnaccos que ele considera de ori gem inglesa, do termo «actor, tentando preseivar a proximidade entre ambos, sugerindo que @ sinacgio», mais do que a acgio, & um processo intetior de faret emergit 0 acto como uma total dade organismica | . goUCAcay socinpape & curruras sinsepardvel dos nossos corpos, da nossa linguagem ¢ da nossa hist6ria cultural = em suma, da nossa *corpoteidade”»* (Varela, 1993: 210) Nesta perspectiva, a comunicacio comporta doravante uma dimensio autopoiética, o que significa a disposicio para produzir proptiedades emergen- tes ou globais em redes dindmicas, ou seja, tedes que incorporam elementos que jf nao sio apenas funcionais com o sistema, mas complementarmente con- tradit6tios. A termos em atencdo esta perspectiva que é, de resto, uma perspectiva que encotpota sugestées fortemente impregnadas de fenomenologia e de herme- néutica (Habermas, 1995), assistimos a uma inflexdo profunda no intetior do mundo da informacdo, onde hi lugar para distinguir um conjunto de nogdes que aparecem sistematicamente envolvidos na mesma galaxia semantica, quando na verdade hi diferencas profundas de sentido a estabelecet Lerbet (1993: 34), um autor que se tem esforcado por pensar o fexdmeno educativo a pattir das potencialidades da segunda cibernética, designadamente a propésito da problematizagio do sentido do € do valor emergente que assume nos saberes praticos ¢ da sua relacio com a informacio, faz questio de sublinhar que, a0 contrétio do que é suposto, a pratica no pode ser concep- tualizada como aplicacio da teoria Admitir essa possibilidade significatia tornar a questio do sentido das pii- ticas como algo dependente da informacio, constituindo-se o conhecimento como uma forma de aquisicio desta, de que resultaria aquilo que se chama pro- priamente o saber Ora, como assinala Letbet (1993), as relacdes entre infor- macio, conhecimento ¢ saber niio se processam segunde esta forma linear, mor- mente quando nos situamos num quadro de formacio de adultos Na verdade, se considerarmos com Lerbet (1993), no que é apoiado por Pineau (#b : 227 € 88), que o conhecimento é uma construcio pessoal, uma forma de auto-orga- nizag&o que se situa mais nas dimensdes do ser que do ter, temos de convit que a sua telacio com a informac%o se inverte no sentido de que é a informacio que passa a depender do complexo de conhecimentos € de disposigdes ante- tiores, cujo teor significativo determina os ctitérios mediante os quais a infor- macio é procurada e mobilizada. Nestes termos, a informacio, ao contratio do # Devesea Varela (th) a preacupacto de relacionar este pass0 com o pensamento de Foucault grveAcay sociepane & currunas que € veiculado no discurso corrente, tem um alcance limitado, pese embora a pandplia de meios a que as técnicas de petsuasio de toda a ordem Jangam mio No mesmo sentido vai a distingéo conceptual estabelecida por Legroux (i Altet, M., 1994: 6) a propésito das relacdes entre informacio, conhecimento € saber Segundo este autor «a informagio é a mensagem trocada com outrem, & comunicagio extetna; 0 conhecimento é da ordem da intimidade da pessoa, resultante duma aproptiacao pessoal interna e, enquanto tal, no é comunica- vel; o saber situa-se na interface do conhecimento ¢ da informaciov Alaia de conclusio Este conjunto de reflexdes suscitadas a ptopésito da sociedade da infor- macio esti longe de esgotar a vasta ¢ complexa problemitica em que se desdo- bra o tatamento da questio referida logo nos daremos conta das amplas repercusses que Ihe esto associadas tanto pelos recursos que necessariamente mobilizam, como pelos efeitos simbéticos e materiais que se espera que determi- nem em tomo das NTI (Novas Tecnologias da Informacao) no interior do Sistema Educativo Consideramos apenas a titulo exemplificativo, © dominio configurado Representando nos tltimos anos um esforco notavel em meios matetiais, onganizacionais ¢ humanos no sentido de corresponder a necessidades basicas de equipamento, das medidas que vém sendo tomadas destacase o «Programa Operacional da Sociedade da Informacio», cujo ambito, coberto pela medida 2 3, abrange «Projectos Integrados: das Cidades Digitais ao Portugal Digital do Eixo Priotitétio n° 2 Portugal Digitale O Programa data ja de Abril de 2000 ¢ ignora-se 0 seu impacto sobre os dominios em que se propunha intervit A sua invocagdo neste contexto fazse a titulo de ilustraco emblematica das potencialidades que the estio afectas ¢, nesse sentido, nao se hesita em pot em destaque as expectativas que the forma assinaladas através de promessas de apoio a miiltiplos projectos que se indi- cam de forma necessatiamente sincopada: + A prossecucao dos objectivos da Iniciativa Internet ¢ de outias iniciativas nacionais on da Unitio Europeia do mesmo ambito; epUCACag soctrpape & curruras + Sistema de ensino, incluindo a ligagio de escolas 4 Rede Ciéncia, Tec- nologia € Sociedade (RTCS), a ligacio € ctiacao de redes entre universi- dades ¢ institutos politécnicos A ligacio de centros de formagio de pro- fessores € a criagio de contextos educativos que petmitam a utilizacio, por professores ¢ estudantes, dos meios da sociedade ¢ da informacio para melhoria da qualidade ¢ eficicia do sistema de ensino; ‘A ciiacéo de contetides didacticos suportados em programas educativos multidisciplinares, incluindo preferencialmente, actividades de colabo- 1a¢a0 entre agentes do sistema de ensino; A disponibilizacio, em formato digital, de contetidos de interesse pibli- co ou cultural; ‘A modetnizacao dos setvigos internos da administracao local, do uso de imeios electronicos na interac¢io enter servicos municipais ¢ os munici- pes( ); » Aumento da acessibilidade 4 sociedade da informacao de todos os estra- 408 sociais, desigoadamente os projectos que visem a criagio do Espaco Internet com apoio de monitores; + A utilizagio da telemedicina para utilizagio dos meios de diagnéstico, da ptestago de servicos de saiide ( ); ‘A contribuigdo para a modernizagio do tecido econémico, para 0 aumento da produtividade das empresas nacionais, para a ctiagio de novos postos de trabalho que exijam mais elevados niveis de qualificacao, através de projectos que promovam a utilizagio das tecnologias da informacio ¢ da comunicacio ¢, designadamente, o uso da Internet € do comércio elec- tronico Ficariamos por aqui na enumeragio dos vastos, diversificados € profundos problemas que as novas tecnologias se propéem resolver. Com alguma ironia, se poderia dizer que a vastidio € a diversidade de problemas s6 sc justificam em face das mais vastas ¢ diversas possibilidades que as novas tecnologias da informacao tém para oferecet Nio se duvida das enormes potencialidades formais que esto adstritas &s ferramentas informaticas, nem se tem a intengio de menosprezat 0 impulso decisério que esta na base das medidas propostas, neste contexto Cré-se até que, nesta fase de grande desequilibrio relativamente evUCacg, sociepape & curiunas ao potencial dos restantes paises da Europa Comunitiria neste dominio, 0 dis- curso voluntatista ¢ taumatirgico encontrara alguma justificacao Ele, porém, parece ndo acautelar o essencial: a necessidade de ni confundir comunicacéo com informacio, condicio pata que se criem disposicdes efectivas de comuni- cacio que tornem necessiria a procura da informacao Gorrespondéncia Manuel Matos, Faculdade de Psicologia € de Cigacias da Educacio, Rua cdo Campo Alegre, 1021/1055, 4169 - 004 PORTO Email mmatos@psi up pt Referéncias bibliograficas ALTET, M (1994) La Formation Professionnelle des Enseignants, Paris: Presses Universitaires de France BETTI, R (2000) «Comunicacios, in Enciclopédia Binaudi, n° 42 ~ Sistemética, Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda CASTELLS, M_ (1999) La saciete er Reseaue, I'ere de information, Patis: Fayard GARNHAM (1998) «information Society as Ideology: a critiques, Loisir et Societé, 21, 1 GOLDMAN (1989) «Ihe Revolution in Educatione, Educational Theory, 39, 1 HABERMAS, } (1995) Sociofogie et Théorie du Langage, Paris: Armand Colin Editeur HEIDEGGER, M (1964) Que significa pensar, Buenos Aires: Editorial Nova TERBET, G (1993) «Sciences de autonomie et sciences de l'éducation, in Reowe Francaise de Pédagogie, n° 103 MORRIS, Charles W (1946) Signs, Language and Behaviour, Nova-lorque: Preatice Hall PIERCE, Ch (1978) Hevits ster le Signe, Paris: Seuill PINEAU,G (1993)

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