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SINOPSE

Há uma razão para eu nunca ir a festas...

Eu o vi em uma nuvem de fumaça, como se fosse carne


feita para o pecado. Mesmo machucado e espancado, nunca
havia visto nada mais bonito.

A menos que eu me odeie, deveria ficar longe de Nero.

Ele é um destruidor de corações.

Um criador de confusão.

Um desastre ambulante.

O problema é o seguinte: estou em sérios problemas com


um policial corrupto. A única pessoa que pode me salvar é
Nero. Nós não somos amigos. Se ele me visse me afogando,
lançar-me-ia uma âncora.

Mas ele é a única chance que tenho.

Ele não é um herói, ele é um Savage Lover1.

1 Amante Selvagem.
1

Estou presa sob este Silverado há três horas. Estou


retirando a transmissão, um dos meus trabalhos menos
favoritos. É complicado, pesado, bagunçado e um trabalho
completamente difícil. E isso em condições normais. Estou
fazendo isso no dia mais quente do verão.

Nossa loja não tem ar-condicionado. Estou encharcada


de suor, o que deixa minhas mãos escorregadias. Além disso,
ON acabou de tocar no rádio pela terceira vez consecutiva e
não posso fazer nada a respeito.

Finalmente tirei todos os parafusos e a cruzeta do


caminho. Estou pronta para deslizar a transmissão. Tenho que
ter cuidado para fazer isso sem problemas, para não danificar
a embreagem ou o conversor de toque .Esta transmissão pesa
66 quilos agora que esgotei os fluidos. Tenho um macaco para
ajudar, mas ainda gostaria que meu pai estivesse por perto
para uma força. Ele dormiu logo após o jantar esta noite, tem
estado exausto recentemente, mal consegue manter os olhos
abertos para comer um prato de espaguete.

Eu disse a ele para ir para a cama e eu cuidaria disso.


Afrouxo a transmissão no macaco, em seguida, puxo-a
para fora da caminhonete. Em seguida, reúno todas as porcas
e parafusos e coloco-os em saquinhos etiquetados, para não
perder nada importante.

Essa foi a primeira coisa que meu pai me ensinou em


conserto de automóveis – seja organizada e meticulosa.

“o máquinas complicadas. Você mesma tem que ser como


uma máquina. Não há espaço para erros.”

Depois de liberar a transmissão, decido pegar um


refrigerante para comemorar. Podemos não ter ar-
condicionado, mas pelo menos a geladeira está sempre fria.

Meu pai é dono de uma oficina na Wells Street. Vivemos


acima dela, em um pequeno apartamento de dois quartos.
Somos apenas eu, meu pai e meu irmão mais novo, Vic.

Subo as escadas, limpando minhas mãos em um pano.


Estou com o macacão despojado até a cintura e a camiseta
ensopada de suor. Ela também está manchada com todo tipo
de fluido que sai de um carro, além de simplesmente sujeira.
A loja está empoeirada.

Minhas mãos estão sujas de uma forma que exigiria cerca


de duas horas e uma escova de aço para ficarem limpas. Há
óleo incrustado em cada rachadura e linha da minha pele, e
minhas unhas estão permanentemente manchadas de preto.
Limpar minhas mãos remove um pouco da bagunça, mas
ainda deixo impressões digitais na geladeira quando abro a
porta.

Pego uma Coca-Cola e abro, pressionando a lata gelada


contra meu rosto por um momento antes de beber.

Vic sai de seu quarto, vestido como se fosse a algum


lugar. Ele se veste como se devesse estar em um videoclipe –
jeans justos, camisas brilhantes, tênis que ele cuidadosamente
limpa com uma escova de dente se eles sujarem com ao menos
uma partícula de algo. É para onde vai todo o seu dinheiro, se
algum dia ele conseguir algum dinheiro.

Tenho que resistir à vontade de despentear seus cabelos,


que são longos e desgrenhados e da cor de caramelo. Vic tem
apenas dezessete anos, oito anos mais novo que eu. Eu me
sinto mais como sua mãe do que como sua irmã. Nossa mãe
verdadeira o largou na porta quando ele tinha dois anos e meio.
Ele era uma coisinha magricela com grandes olhos escuros que
ocupavam metade de seu rosto e os cílios mais escandalosos –
por que os meninos sempre têm cílios melhores? Nenhuma
roupa ou pertences, exceto por um boneco do Homem-Aranha
que estava sem uma perna. Ele carregava isso para onde quer
que fosse, até mesmo no banho, e segurando com força
enquanto dormia à noite. Não sei onde eles moravam antes,
nem quem é o pai dele. Meu pai o acolheu, e todos nós vivemos
aqui desde então.

— Onde você vai? — Pergunto-lhe.

— Sair com amigos, — diz ele.


— Que amigos?

— Tito. Andrew.

— O que vocês vão fazer?

— Não sei. — Ele pega sua própria Coca e abre. — Assistir


a um filme, provavelmente.

— Um pouco tarde para um filme, — eu digo.

São 21h40. Poucos filmes começam depois das 22h00.

Vic apenas dá de ombros.

— Não fique fora até tarde, — digo a ele.

Ele revira os olhos e passa por mim saindo da cozinha.

Percebo que ele está usando um novo par de tênis. Eles


parecem ridículos para mim – brancos e grossos, com algumas
linhas cinzentas esquisitas nas laterais. São tênis de basquete,
mas não acho que você realmente os usaria para jogar
basquete, a menos que estivesse jogando na lua no ano 3000.

Eles parecem caros.

— Onde você conseguiu isso? — Eu exijo.

Vic não encontra meus olhos.

— Troquei meus Jordans com Andrew, — diz ele.

Eu sei quando meu irmão está mentindo. Ele sempre foi


terrível nisso.
— Você não roubou isso, não é?

— Não! — Ele diz com veemência.

— É melhor não, Vic. Você tem quase dezoito anos, essa


merda fica em seu registro...

— Eu não os roubei! — Ele grita. — Tenho que ir, vou me


atrasar.

Ele joga a mochila no ombro e sai, deixando-me sozinha


na cozinha.

Termino meu refrigerante, carrancuda. Amo Vic com cada


centímetro de espaço livre em meu coração, mas me preocupo
com ele. Ele anda com garotos que têm muito mais dinheiro do
que nós. Garotos que moram nas mansões de Wieland e
Evergreen, cujos pais têm advogados na discagem rápida para
pagar a fiança de seus filhos idiotas se eles fizerem algo
estúpido.

Não temos esse mesmo luxo. Eu digo a Vic repetidamente


que ele tem que se esforçar e estudar bastante em seu último
ano para que entre em uma boa faculdade. Ele não tem
interesse em trabalhar com papai e eu.

Infelizmente, ele também não tem muito interesse na


escola. Ele acha que vai ser DJ. Eu ainda não o desiludi sobre
isso.

Jogo a lata de refrigerante na lixeira, pronta para voltar


para a loja novamente.
Passei mais uma hora tratando da transmissão. O
proprietário do Silverado não quer uma substituição – ele quer
que nós o reconstruamos. Como não sabemos exatamente o
que há de errado com a maldita coisa, terei que desmontá-la
completamente, limpar todas as partes e verificar o que está
desgastado ou quebrado.

Enquanto trabalho, penso em Vic. Não acredito em sua


história sobre os tênis e não gosto que ele esteja saindo com
Andrew. Andrew é o pior de seus amigos – arrogante, mimado
e mesquinho. Vic é um garoto de bom coração. Mas ele quer
ser popular. Isso o leva a fazer um monte de merdas estúpidas
para impressionar seus amigos.

Limpo minhas mãos novamente e pego meu telefone.


Quero verificar Find My Friends2 para ver se Vic realmente foi
ao cinema.

Puxo seu pontinho azul e, com certeza, ele não está em


nenhum cinema. Em vez disso, ele está em algum endereço na
Avenida Hudson – parece uma casa. Não é a casa de Andrew,
ou qualquer outra pessoa que eu conheço.

Aborrecida, mudo para o Instagram e clico nos stories de


Vic. Ele não postou nada, então verifico a conta de Andrew.

Lá estão eles – todos os três meninos em algum tipo de


festa em casa. Vic está bebendo em um copo vermelho, e Tito

2 Aplicativo usado para rastrear celulares.


parece completamente bêbado. A legenda diz: Vamos bater um
recorde esta noite.

— Oh, inferno, não, — eu assobio.

Colocando meu telefone no bolso do macacão, pego as


chaves do meu Trans Am3. Se Vic pensa que vai encher a cara
com aqueles babacas, ele está enganado. Ele não deveria estar
bebendo, e ele deveria trabalhar em um turno na Stop n’ Shop
amanhã de manhã. Se ele dormir de novo, vão despedi-lo.

Acelero até o local de seu pontinho azul – ou pelo menos,


acelero o máximo que posso sem superaquecer o motor antigo
do meu carro. Este carro é muito mais velho do que eu, e
principalmente o estou mantendo vivo por pura força de
vontade atualmente.

São apenas sete minutos de carro até a casa. Eu poderia


a ter encontrado com ou sem o aplicativo – a música
estrondosa é audível a três quarteirões de distância. Dezenas
de carros se alinham na rua de ambos os lados. Os festeiros
estão literalmente transbordando da casa, entrando e saindo
pelas janelas e desmaiados no gramado.

Estaciono o mais perto que consigo, depois corro para a


casa.

Abro caminho para dentro em meio à multidão,


procurando meu irmão mais novo.

3 Trans Am é uma versão do Firebird, automóvel fabricado pela extinta Pontiac.


A maioria dos festeiros parece ter seus vinte anos. Esta é
uma festa completa, com beer pong, garotas de topless jogando
strip-poker, barris de cerveja, casais a meio caminho de trepar
nos sofás e tanta fumaça de maconha que mal consigo ver meio
metro na frente do meu rosto.

Tentando localizar meu irmão, não estou exatamente


olhando para onde estou indo. Esbarro em um grupo de
garotas, fazendo uma delas gritar de raiva enquanto sua
bebida espirra na frente de seu vestido.

— Cuidado, vadia! — Ela uiva, girando.

Oh, foda-se.

Eu consegui esbarrar em alguém que já me odiava: Bella


Page.

Nós estudamos juntas no colégio, há algum tempo.

Fica ainda melhor. Bella está parada com Beatrice e


Brandi. Elas costumavam se chamar de “The Queen Bees4”.
Não ironicamente.

— Oh meu Deus, — Bella diz em sua voz arrastada,


falando com sua voz estridente. — Devo estar mais bêbada do
que pensava. Porque eu juro que estou olhando para a Grease
Monkey5.

É assim que elas me chamam.

4 As Abelhas Rainhas.
5 Macaco de graxa pode ser uma gíria para mecânico ou também pode ser uma gíria para um ladrão
franzino com habilidade para invadir.
Já se passaram pelo menos seis anos desde que ouvi esse
apelido.

E, no entanto, isso instantaneamente me enche de


aversão de mim mesma, como costumava acontecer.

— O que você está vestindo? — Beatrice diz com desgosto.


Ela está olhando para o meu macacão com o tipo de expressão
horrorizada geralmente reservada para acidentes de carro ou
genocídios em massa.

— Achei que algo cheirava a lixo, — diz Brandi, franzindo


o narizinho de botão perfeito.

Deus, eu esperava que essas três tivessem se mudado


depois do colégio. Ou talvez morrido de desinteria. Não sou
esquisita.

Bella tem seu cabelo loiro elegantemente arrumado em


um coque longo. Beatrice definitivamente conseguiu uma
cirurgia nos seios. E Brandi tem uma pedra brilhante no dedo.
Mas as três ainda são lindas, bem vestidas, e me olham como
se eu fosse uma merda na sola dos sapatos.

— Uau, — digo suavemente. — Eu realmente senti falta


disso.

— O que você está fazendo aqui? — Beatrice diz, cruzando


os braços magros sob os novos seios.

— Você não deveria estar de volta àquela garagem de


merda lavando o rosto com óleo? — Brandi zomba.
— Eu pensei que ela estivesse em cima de Cermak, —
Bella disse, fixando-me com seus olhos azuis frios. —
Chupando pau por dez dólares, assim como sua mãe.

O calor, a fumaça e o som da festa parecem desaparecer.


Tudo o que vejo é o rosto bonito de Bella, contorcido com
desdém. Mesmo quando estou furiosa pra caralho com ela,
tenho que admitir que ela é linda: cílios grossos e pretos ao
redor de grandes olhos azuis. Batom rosa escárnio.

Isso não me impede de querer arrancar seus dentes


perfeitos com meu punho. Mas seu pai é um banqueiro figurão,
armazenando dinheiro para todos os filhos da puta chiques em
Chicago. Não tenho dúvidas de que ele me processaria até o
esquecimento se eu atacasse sua princesinha.

— Pelo menos ela ganha dez dólares, — diz uma voz


baixa. — Você geralmente faz isso de graça, Bella.

Nero Gallo está encostado nos armários da cozinha, as


mãos enfiadas nos bolsos. Seu cabelo escuro está ainda mais
longo do que no colégio, e está caindo em seu rosto. Isso não
cobre o hematoma sob o olho direito ou o corte feio no lábio.

E nenhum desses ferimentos pode prejudicar a beleza


ultrajante de seu rosto. Na verdade, eles servem apenas para
destacá-lo.

Nero é a prova da perversidade do universo. Nunca um


objeto tão perigoso foi disfarçado em um invólucro tão
atraente. Ele é como uma fruta tão viva e suculenta que dá
água na boca só de olhar. Mas um gosto que vai envenenar
você.

Ele é sexo líquido em um quadro de James Dean. Tudo


nele, desde seus olhos cinzentos até seus lábios carnudos e
sua bravata arrogante, é calculado para fazer seu coração
congelar no peito e, em seguida, voltar à vida se ele sequer
olhar para você.

O humor das garotas muda completamente quando o


avistam.

Longe de ficar irritada com sua resposta, Bella ri e morde


o lábio como se ele estivesse flertando com ela.

— Eu não sabia que você estava vindo, — ela diz.

— Por que você saberia? — Nero diz, rudemente.

Não tenho interesse em falar com Nero e, definitivamente,


nenhum em continuar minha conversa com The Queen Bees.
Eu tenho que encontrar meu irmão. Antes que eu possa
escapar, Nero diz: — É seu o Trans Am lá fora?

— Sim, — eu digo.

— É um LE de 1977?

— Sim.

— O mesmo que Burt Reynolds.

— Isso mesmo, — eu digo, sorrindo apesar de mim


mesma. Não quero sorrir para Nero. Eu gostaria de ficar o mais
longe possível dele. Mas ele está falando sobre a única coisa
que eu realmente amo.

Burt Reynolds dirigia o mesmo carro em Smokey and the


Bandit – exceto que o dele era preto com uma águia dourada
no capô, e o meu é vermelho com listras de corrida. Desbotado
e amassado, mas ainda bem legal, na minha opinião.

Bella não tem ideia do que estamos falando. Ela


simplesmente odeia que Nero e eu estejamos conversando. Ela
precisa chamar a atenção de volta para si mesma,
imediatamente.

— Eu tenho um Mercedes G-Wagon, — diz ela.

— Papai deve ter tido um bom ano, — diz Nero, franzindo


o lábio superior cheio, mais inchado do que nunca por causa
do hematoma.

— Ele certamente fez, — Bella murmurou.

— Graças a Deus, existem heróis como ele ajudando


todos aqueles pobres bilionários a esconder seu dinheiro, —
digo.

Bella vira a cabeça como uma cobra, obviamente


desejando que eu vá embora ou morra para que ela possa ficar
sozinha com Nero.

— Por favor, diga-nos como você está salvando o mundo,


— ela sibila. — Você está fazendo trocas de óleo para órfãos?
Ou você é a mesma perdedora que era no colégio? Eu
realmente espero que não seja o caso, porque se você ainda é
uma degenerada suja, realmente não sei como vai pagar pelo
meu vestido que acabou de estragar.

Olho para seu vestido branco apertado, que tem três


minúsculas manchas na frente.

— Por que você não tenta lavá-lo? — Digo a ela.

— Você não pode jogar um vestido de oitocentos dólares


na máquina de lavar, — Bella me diz. — Mas você não saberia
disso, porque você não lava suas roupas. Ou qualquer outra
coisa, aparentemente.

Ela cheira minha camiseta imunda e meu cabelo preso


para trás com uma bandana sebosa.

Fico queimando de vergonha quando ela me olha assim.


Não sei por quê. Eu não valorizo a opinião de Bella. Mas
também não posso contestar os fatos: sou pobre e estou com
uma aparência péssima.

— Você está perdendo seu tempo, — diz Nero em tom


entediado. — Ela não tem oitocentos dólares.

— Deus, — Beatrice ri, — Levi realmente precisa começar


a conseguir segurança para essas festas. Manter o lixo longe.

— Tem certeza de que gostaria de barrar as pessoas? —


Nero diz, suavemente.
Ele pega uma garrafa de vodca no balcão, toma vários
goles e se afasta das garotas. Ele nem olha para mim, como se
tivesse esquecido que eu estava lá.

The Queen Bees também se esqueceram de mim. Elas


estão olhando para Nero, melancolicamente.

— Ele é um idiota, — diz Beatrice.

— Mas ele é lindo pra caralho, — Bella sussurra, sua voz


baixa e determinada. Ela está olhando para Nero como se ele
fosse uma bolsa Birkin e um salto Louboutin, tudo em um.

Enquanto Bella está consumida pela luxúria, aproveito a


oportunidade para seguir na direção oposta, procurando por
Vic. Não o encontro no andar principal, tenho que subir as
escadas e começar a espiar os quartos onde as pessoas estão
se agarrando, cheirando ou jogando Grand Theft Auto6.

A casa é enorme, mas está degradada. Obviamente, esta


não é a primeira festa que acontece aqui – a madeira está
entulhada, as paredes estão cheias de buracos aleatórios. Pela
aparência dos quartos, acho que várias pessoas moram aqui –
provavelmente só homens. Os convidados são uma mistura
estranha de socialites como Bella visitando e um elemento
muito mais rude. Não gosto que meu irmão se misture com
essa multidão.

6 Famoso jogo de videogame conhecido como GTA.


Finalmente o localizo no quintal, jogando pingue-pongue
em uma mesa ao ar livre. Ele está tão bêbado que mal consegue
segurar a raquete, sem fazer contato com a bola.

Eu o agarro pelas costas de sua camiseta e começo a


arrastá-lo para fora.

— Ei, que diabos! — Ele grita.

— Estamos saindo, — eu rosno para ele.

— Acho que ele não quer ir, — disse Andrew para mim.

Eu realmente desprezo Andrew. Ele é um merdinha


arrogante que gosta de se vestir e falar como um gangster.
Enquanto isso, seus pais são cirurgiões, e sei que ele foi aceito
com antecedência na Northwestern.

Seu futuro está garantido. Ele pode brincar de ser um


menino mau e, quando se cansar disso, irá para a faculdade,
deixando meu irmão na sarjeta.

— Saia da minha frente, antes que eu chame seus pais,


— eu estalo para ele.

Ele sorri para mim. — Boa sorte com isso. Eles estão em
Aruba agora.

— Tudo bem, — eu digo. — Vou chamar a polícia e te


denunciar por embebedar menores.

— Tudo bem, tudo bem, estou indo, — diz Vic


turvamente. — Deixe-me pegar minha mochila, pelo menos.
Ele pega sua mochila debaixo da mesa de sinuca, quase
tropeçando nos próprios pés com aqueles tênis ridículos.

— Vamos, — eu digo, puxando-o com impaciência.

Eu o arrasto pelo portão lateral, não querendo andar pela


casa novamente e arriscar outro encontro com Bella.

Assim que voltamos para a calçada, relaxo um pouco.


Estou chateada com Vic por ficar bêbado, no entanto.

— Você ainda vai trabalhar amanhã, — digo a ele. — Vou


acordar você às sete, e não me importo se estiver de ressaca.

— Cara, eu odeio aquela porra de lugar, — reclama Vic,


arrastando-se atrás de mim.

— Oh, você não gosta de empacotar mantimentos? — Eu


estalo. — Então talvez você deva se recompor e receber uma
educação adequada, para não ter que fazer isso pelo resto da
vida.

Eu o coloco no banco do passageiro do Trans Am, batendo


a porta para fechá-lo. Depois, dou a volta para o lado do
motorista.

— Você não foi para a faculdade, — diz Vic ressentido.

— Sim, e olhe para mim, — digo, apontando para minhas


roupas sujas. — Vou trabalhar nessa loja para sempre.

Eu me afasto do meio-fio. Vic encosta a cabeça na janela.

— Achei que você gostasse... — Ele diz.


— Eu gosto de carros. Não gosto de trocar o óleo das
pessoas e consertar suas coisas, depois ouvi-los reclamar do
preço.

Entro na Goethe, devagarinho porque está ficando tarde


e a rua não está muito bem iluminada.

Mesmo assim, Vic está começando a ficar um pouco


verde.

— Encoste, — ele diz. — Eu vou vomitar.

— Espere um segundo. Não consigo parar bem...

— Estacione! — Ele grita, empurrando com força o


volante.

— Que diabos! — Eu grito, puxando o volante novamente


antes de atingirmos os carros alinhados ao longo do meio-fio.
Antes que eu possa encontrar um bom lugar para parar, luzes
vermelhas e azuis brilham no meu espelho retrovisor. Ouço o
curto uivo de uma sirene.

— PORRA! — Eu gemo, parando ao lado da estrada.

Vic abre a porta, inclinando-se para que possa vomitar na


rua.

— Recomponha-se, — murmuro para ele.

Antes que eu pudesse fazer qualquer outra coisa, o


policial saiu do carro e está batendo na minha janela,
iluminando meu rosto com a lanterna.
Abaixo o vidro, piscando e tentando umedecer minha
boca seca o suficiente para falar.

— Você esteve bebendo esta noite? — O policial exige.

— Não, não estive. — Eu digo a ele: — Desculpe, meu


irmão está doente...

O policial ilumina Vic em vez disso, iluminando seus


olhos injetados de vermelho e sua camisa respingada de
vômito.

— Saiam do carro, — diz o policial para Vic.

— Isso é realmente...

— Para fora do carro! — Ele late novamente.

Vic abre a porta e sai tropeçando, tentando evitar o


vômito. Seu pé pega em sua mochila, puxando-a para a rua
também.

O policial o faz ficar de pé com as mãos no teto do meu


carro.

— Você tem alguma arma com você? — Ele diz enquanto


dá um tapinha em Vic.

— Uh-uh, — meu irmão diz, balançando a cabeça.

Também saio do carro, mas fico do meu lado.

— Vou levá-lo para casa, policial, — digo.


O policial faz uma pausa, com a mão do lado de fora da
perna de Vic.

— O que tem no seu bolso, garoto? — Ele diz.

— Nada, — diz Vic estupidamente.

O policial enfia a mão no jeans de Vic e tira um pequeno


pacote. Meu estômago afunda até os dedos dos pés. Existem
dois comprimidos no saco.

— O que é isso? — O policial diz.

— Eu não sei, — diz Vic. — Não é meu.

— Fique onde está, — ordena o policial. Ele pega a


mochila de Vic e começa a remexer nela. Um minuto depois,
ele puxa um saco de sanduíche cheio de, pelo menos, cem
comprimidos idênticos.

— Deixe-me adivinhar, — diz ele. — Estes não são seus


também.

Antes que Vic possa responder, deixo escapar: — São


meus!

Merda, merda, merda. O que eu estou fazendo!?

O policial olha para mim com a sobrancelha levantada.


Ele é alto e em forma, com um queixo quadrado e olhos azuis
brilhantes.
— Você tem certeza sobre isso? — Ele diz baixinho. — É
muito produto. Muito mais do que uso pessoal. Você está
encarando posse com a intenção de distribuir.

Estou suando e meu coração está disparado. Este é um


grande problema, porra. Mas vai ser problema meu, não de Vic.
Não posso deixá-lo destruir sua vida assim.

— É meu, — eu digo com firmeza. — Tudo é meu.

Vic está olhando para frente e para trás entre mim e o


policial, tão embriagado e tão assustado que não tem ideia do
que fazer. Eu o olho nos olhos e lhe dou um aceno mínimo de
minha cabeça – dizendo para manter a boca fechada.

— Volte para o carro, garoto, — o policial diz para Vic.

Vic sobe de volta no banco do passageiro. O policial fecha


a porta, trancando-o dentro. Então volta sua atenção para
mim.

— Qual é o seu nome, senhorita? — Ele diz.

— Camille Rivera, — eu digo, engolindo em seco.

— Policial Schultz, — ele diz, apontando para o distintivo.


— Venha aqui, Camille.

Ando ao redor do carro, então estamos ambos parados


sob o brilho dos faróis.

À medida que me aproximo do policial, percebo que ele é


mais jovem do que pensava – provavelmente apenas cerca de
trinta ou trinta e cinco anos, no máximo. Tem cabelo loiro
cortado rente, penteado nas laterais e rosto bronzeado. Seu
uniforme está rigidamente engomado.

Ele está sorrindo para mim, mas nunca tive tanto medo
de alguém em minha vida. Ele está literalmente segurando
meu destino em suas mãos, na forma de um saco plástico de
comprimidos.

— Você sabe o que é isso, Camille? — Ele diz.

Olho para os comprimidos. Eles se parecem com as


vitaminas do Flintstones – estampados na forma de ônibus
escolares, na cor amarelo claro. Acho que é Ecstasy.

— Sim, eu sei o que são, — digo. Minha voz sai em um


coaxar.

— Illinois tem leis rígidas contra MDMA7, — disse o


policial Schultz, em voz baixa e agradável. — Possuir apenas
um comprimido pode resultar em uma condenação por crime.
Quinze comprimidos ou mais significam uma sentença mínima
obrigatória de quatro anos de prisão. Eu diria que você tem
cerca de cento e cinquenta comprimidos aqui. Além dos que
estão no bolso do seu irmão.

— São meus também, — eu digo. — Ele não sabia o que


era. Pedi a ele que segurasse para mim.

7 Metilenodioximetanfetamina, também conhecido como ecstasy.


Há um longo silêncio enquanto o policial me encara. Não
consigo ler a expressão em seu rosto. Ele ainda está sorrindo
um pouco, mas não tenho ideia do que esse sorriso significa.

— Onde você mora? — Ele me pergunta.

— Na Wells Street. Acima da Axel Auto. Essa é a minha


loja – a loja do meu pai. Eu também trabalho lá.

— Você é mecânica? — Ele diz, olhando para minhas


roupas.

— Sim.

— Não se vê muitas mecânicas.

— Eu duvido que você conheça muitos mecânicos, — eu


digo.

Não é o melhor momento para o sarcasmo. Mas estou tão


farta dos comentários. Principalmente de homens.
Principalmente aqueles que não confiam em mim para
trabalhar em seus carros, quando não distinguiriam um pistão
de um plug.

Felizmente, Schultz ri.

— Apenas um, — diz ele. — Mas acho que ele está me


roubando.

O silêncio se arrasta entre nós. Estou esperando que ele


coloque as algemas em meus pulsos e me jogue na traseira de
sua viatura.
Em vez disso, ele diz: — Axel Auto na Wells Street?

— Sim.

— Eu vou te ver lá amanhã.

Fico olhando para ele sem entender, sem entender o que


ele quer dizer.

— Leve seu irmão para casa, — diz o policial.

Ele joga os comprimidos na mochila e fecha o zíper. Em


seguida, joga-a em seu porta-malas.

Ainda estou parada ali, congelada e confusa.

— Eu posso ir? — digo estupidamente.

— Por enquanto, — ele diz. — Falaremos mais amanhã.

Volto para o meu carro, meu coração batendo


dolorosamente contra minhas costelas. Minha boca tem gosto
de metal e meu cérebro está gritando comigo que isso é muito
estranho.

Mas não vou discutir. Estou me afogando em problemas


– vou pegar qualquer boia que for jogada em mim.

Só espero que não seja uma âncora disfarçada.


2

É sexta à noite. Estou esperando por Mason Becker fora


de uma velha usina de aço abandonada em South Shore.

Este lugar é uma viagem de merda. É bem na água e tão


grande que é maior do que todo o centro de Chicago. Mesmo
assim, está completamente deserto – abandonado desde os
anos 90, quando a indústria do aço finalmente entrou em
colapso.

A maioria dos edifícios foi demolida. Você ainda pode ver


a placa da US Steel toda coberta de ervas daninhas. Parece que
o fim do mundo aconteceu, e sou a única pessoa que sobrou
para ver isso.

Na verdade, toda essa área é uma merda. Eles não a


chamam de Cidade do Terror por nada. Mas é onde Mason
queria se encontrar, então aqui estou.

Ele está atrasado, como de costume, porra.

Quando finalmente chega, ouço seu carro antes de vê-lo.


Seu motor está batendo. Ele dirige um Supra velho e horrível,
com um grande e longo arranhão nos painéis onde sua ex-
namorada cavou com as chaves na lateral de seu carro.
— Ei, por que você chegou tão cedo? — Ele diz, colocando
a cabeça para fora da janela e sorrindo para mim.

Mason é alto e magro, com cabelo encaracolado e raios


raspados nas laterais acima de suas orelhas.

— Você colocou as velas de ignição erradas, — digo a ele.


— É por isso que seu carro parece um cortador de grama.

— Cara, do que diabos você está falando, acabei de trocar


isso na semana passada.

— Quem fez isso?

— Frankie.

— Sim? Deixe-me adivinhar, ele fez um acordo com você.

Mason sorri. — Ele fez isso por cem dólares e um


saquinho de maconha. E daí?

— Então ele usou os plugues errados. Provavelmente os


tirou do carro de outra pessoa. Você deveria ter me pedido para
fazer isso.

— Você vai consertar isso?

— Porra, não.

Mason ri. — Isso é o que achei que você diria.

— Então. — Eu deslizo para fora do capô do meu carro.


— O que você tem para mim?
Mason sai do Supra, abrindo o porta-malas para que eu
possa dar uma olhada. Ele tem três pistolas FN-57, um rifle
monstro calibre .50 e meia dúzia de .45s na parte de trás.

São todos de marcas e modelos diferentes, os números de


série arquivados de maneira grosseira. Não é tão legal quanto
as coisas que recebíamos dos russos, mas eles não estão
exatamente falando conosco agora, visto que matamos o chefe
deles alguns meses atrás. Portanto, preciso de um novo
fornecedor.

Mason traz suas armas do Mississippi. Esse estado tem


as leis de armas mais amigáveis do país. Você pode comprar o
que quiser em lojas de penhores e shows, e não precisa
registrar depois. Então Mason manda seus primos pegarem
tudo que precisamos, então ele os traz pelo oleoduto da I-55.

— Se você não gostar desses, posso conseguir outros, —


diz Mason.

— Quantos primos você tem? — Pergunto-lhe.

— Não sei. Pelo menos cinquenta.

— Sua família faz alguma coisa além de foder?

Ele bufa. — Tenho certeza que não. Gosto de manter a


tradição.

Eu olho as armas mais uma vez. — Isso é bom, — digo a


ele. — Vou levar tudo.
Nós discutimos sobre o preço por um tempo – ele, porque
ainda está tentando trazer Patricia de volta,
independentemente do que ela fez na lateral de seu carro, e
provavelmente quer comprar algo legal para ela. Eu, porque ele
me fez dirigir até aqui para este bairro miserável onde o lixo
está soprando como erva daninha.

Finalmente concordamos e eu entrego a ele o maço de


dinheiro. Ele transfere as armas para o meu porta-malas, para
o compartimento escondido que construí sob o pneu
sobressalente.

Se alguma cadela alguma vez arranhasse meu Mustang,


eu a jogaria no lago. Eu amo esse carro. Construí a partir de
blocos, depois que bati meu Bel Air.

— Então, — Mason diz, uma vez que o negócio esteja


fechado. — O que você fará esta noite?

— Não sei. — Eu encolho os ombros. — Nada, eu acho.

— Levi está dando uma festa na casa dele.

Eu considero isso. Levi Cargill é um garoto de


fraternidade com um fundo fiduciário que gosta de fingir que é
Pablo Escobar. Nunca gostei dele no colégio e não gosto dele
agora. Mas ele dá festas decentes.

— Você vai lá agora? — Eu pergunto a Mason .

— Sim, você vai comigo?

— Tudo bem. Mas vamos levar meu carro.


Mason franze a testa. — Eu não quero deixar o meu aqui.
Alguém vai foder com isso.

— Ninguém vai se preocupar com seu carro a menos que


Patricia o encontre novamente. Nem vale a pena retirar para a
sucata.

Mason parece ferido. — Você é esnobe, sabia disso?

— Não, — eu digo. — Gosto de todos os carros. Exceto o


seu.

Mason entra no lado do passageiro e voltamos para Old


Town. Ele tenta foder com minha lista de reprodução, e dou
um tapa em sua mão antes que ele possa tocá-la. Eu o deixo
abrir as janelas, porque está quente como o inferno e a brisa é
agradável.

Dirigimos até a casa de Levi, onde a festa já está a todo


vapor.

Este era um lugar legal quando Levi o herdou de sua avó.


Ele tem abusado desde então, dando tantas festas que os
vizinhos provavelmente têm os policiais na discagem rápida.
Eles não dizem nada para Levi, no entanto. Ele pode ser um
pretensioso pomposo, mas tem um temperamento
desagradável, o suficiente para explodir em qualquer
octogenário que se atreva a atacá-lo.

Já vejo algumas pessoas que reconheço. Geralmente é


esse o caso. Morei em Chicago minha vida toda. Fui para a
escola em Oakmont, a dez minutos daqui. Tentei um semestre
na Northwestern, mas saí seis semanas depois. Odeio ficar
sentado em salas de aula e odeio ainda mais fazer testes. Não
dou a mínima para física ou filosofia. Gosto de coisas práticas.
Reais. Palpáveis.

Fui a uma palestra em que o professor passou a hora


inteira tagarelando sobre a natureza da realidade. Se ele não
consegue entender a realidade, como é que eu vou entender?

Você sabe o que pode entender de frente para atrás, de


cima para baixo? Um motor de carro. Você pode desmontá-lo
até o último parafuso e montá-lo novamente.

Falando nisso, enquanto andamos até a casa, vejo um


Trans Am vermelho parado no meio-fio. Precisa de pneus novos
e de uma pintura nova, mas é um clássico do mesmo jeito.

Estou dando uma olhada completa, até que uma ruiva


bem torneada atrai meus olhos para outra direção. Ela está
caminhando para a casa com uma saia preta justa e botas, o
cabelo preso em um rabo de cavalo alto que balança enquanto
ela caminha.

Eu automaticamente passo atrás dela, andando perto o


suficiente para que ela se vire para ver quem está atrás dela.

— Oh, olá Nero, — diz ela, um sorrisinho atrevido


aparecendo em seu rosto. Ela tem covinhas em ambos os lados
da boca, com pequenos piercings de prata através deles. Ela
parece familiar, e também gostosa pra caralho naquela saia
curta e seu top curto e apertado. Seios pequenos, mas tudo
bem. Como disse a Mason, não sou exigente.

— Ei, Red, — eu digo, já que não consigo lembrar o nome


dela. — O que você está fazendo aqui sozinha? Você não tem
medo do Big Bad Wolf8?

— Era para ser você? — Ela diz, olhando-me de cima a


baixo, de modo que seus cílios descem para suas bochechas e
sobem novamente.

— Bem, eu definitivamente sou grande, — digo em voz


baixa, aproximando-me dela.

— Já ouvi isso, — ela diz, sorrindo para mim.

— Sim, de quem?

Sei que as garotas adoram fofocar sobre os caras com


quem transam, e sei que ela disse isso apenas para flertar, mas
estou irritado do mesmo jeito. Isso me irrita quando as pessoas
falam sobre mim. Mesmo que seja um elogio.

Red ouve o rosnado na minha voz. Ela vacila, o sorriso


desaparecendo.

— Bem, você costumava sair com Sienna...

— Eu não saí com ela, — eu rosno. — Eu a deixei chupar


meu pau na sauna uma vez.

8 Grande Lobo Mau.


— Sim, — Red ri. — Essa é a noite que ela me falou. Ela
disse que você...

— Por que você não me mandou uma mensagem quando


chegou aqui? — Uma voz masculina interrompe.

Um cara grande e corpulento com uma camiseta do Bears


passa o braço em volta do ombro de Red. Ele tem um daqueles
rostos em que tudo está quase no lugar certo, mas há algo
estranho nisso. Um queixo quadrado, mas um rosto comprido.
Nariz reto, mas olhos muito fundos em ambos os lados. Eu me
lembro desse cara, porque ele é um idiota completo. Seu nome
é Johnny Verger.

Ele tem dois de seus amigos com ele, alguns outros


idiotas fracassados que provavelmente jogaram futebol com
nosso garoto Johnny uma vez.

Todos eles estiveram bebendo enquanto esperavam por


Red. Posso sentir o cheiro da cerveja escorrendo de seus poros.
Acima de tudo, Johnny – ele tem os olhos turvos e é
beligerante.

— Eu estava entrando, — Red diz nervosamente.

— Com Nero Gallo? — Johnny zomba.

— Talvez você devesse colocá-la na coleira, — eu digo. —


Então você pode garantir que ela não fale com mais ninguém.

— Por que você não vai se foder? — Johnny rosna para


mim. — Ela não está interessada.
— Duvido que você saiba como é uma garota interessada,
— respondo.

Red olha para mim por baixo dos braços de Johnny, seus
cílios dando aquele pequeno golpe de flerte novamente.

— Viu? — Eu digo baixinho — É aquele olhar. Como se


elas quisessem que você as agarrasse e as curvasse sobre a
mesa mais próxima.

Johnny solta Red, olhando carrancudo para ela. As


bochechas de Red estão queimando tanto quanto seu cabelo.

— Que porra é essa, Carly? — Ele exige.

— Eu não estava fazendo nada! — Ela diz. Mas seus olhos


estão voando de volta para mim, traindo cada pequeno
pensamento sujo em sua cabeça.

Johnny empurra Red. Ela tropeça para trás em suas


botas de salto alto, caindo de bunda no gramado.

— Ei! — Ela grita, as lágrimas brotando em seus olhos.

Ninguém a ajuda a se levantar. Johnny e seus amigos têm


sua atenção inteiramente fixada em mim. Eu também a ignoro,
porque não sou um cavaleiro branco. É ela quem está
namorando esse idiota. Ela pode lidar com seus acessos de
raiva sozinha.

Aparentemente, Johnny está decidido a fazer de sua


pequena briga meu problema.
— Mantenha suas mãos imundas longe do que é meu, —
ele rosna.

— Eu não toquei nela, — eu digo. — Mas se eu quisesse,


com certeza não iria pedir sua permissão primeiro.

— Oh sim, valentão?

Johnny está lotando meu espaço, tentando me forçar a


recuar. Fico parado, olhando para ele, apenas esperando que
ele dê o primeiro soco. Ele é tão grande e está tão bêbado que
o verei chegando a um quilômetro de distância.

— Johnny... — um de seus amigos diz em advertência.

— Sim, eu sei quem é o pai dele, — Johnny rosna. — Eu


também conheço os irmãos dele. Não tenho medo de um bando
de gângsteres sebosos. Não é mais 1920.

— É 1980? — Pergunto-lhe. — Porque você parece aquele


idiota do Cobra Kai.

Não sei se Johnny captou a referência. Isso o irrita de


qualquer maneira. Ele ruge e bate com o punho do tamanho
de um tijolo na minha cabeça.

Eu me abaixo dele, flexiono minhas pernas como pistões


e direciono minha cabeça diretamente para o rosto de Johnny.
O topo do meu crânio encontra seu nariz com uma força
nauseante. Um roshambo9 de partes do corpo, o crânio bate

9Forma abreviada de se referir ao jogo pedra, papel e tesoura, em inglês. Nesse caso, a autora fez
uma referência ao jogo online em que dois oponentes jogam pedra, papel e tesoura, e o ganhador
pode acertar o adversário, misturando um jogo de luta com a brincadeira pedra, papel e tesoura.
contra o nariz todas as vezes. O som da fratura é
estranhamente oco, como um taco de beisebol contra uma
abóbora. O sangue jorra de ambas as narinas de Johnny,
encharcando a frente de sua camiseta do Bears em um
instante.

— ARGH!!! POOOORRAA!! — Johnny uiva todo


desarticulado.

Seus dois amigos correm para mim de ambos os lados.

Eu estava esperando por isso. Ainda assim, não posso


fazer muito para afastá-los. Tenho 1,98 m, sou forte, mas
magro. Esses caras provavelmente pesam 100 quilos cada.
Eles parecem que passam seus fins de semana no banco e
injetando esteroides de cavalo de corrida um na bunda do
outro. Posso não ter ficado muito tempo nessas aulas de física,
mas aprendi o suficiente para saber que sua massa combinada
vai me derrubar.

Então, em vez de esperar que eles se chocassem contra


mim, corro na direção do que está na esquerda, escorregando
em seu tornozelo com os dois pés esticados, como se estivesse
deslizando para o alvo. Seu tornozelo dobra em um ângulo
horrível e ele tomba em cima de mim.

Infelizmente, isso dá ao amigo tempo para me chutar bem


na cara. Ele me acerta na boca, cortando meu lábio superior.
Chutar é um golpe terrível, especialmente três contra um.
Johnny ainda está uivando e apertando o nariz, e Red
está gritando também, embora eu não tenha certeza por que
motivo – porque estou brigando com esses dois idiotas ou
porque arrebentei o rosto do namorado dela.

Estou esmurrando cada centímetro do segundo cara que


consigo alcançar. Ele realmente me irritou com aquele chute
no rosto. Eu o coloco no chão e estou batendo nele de novo e
de novo até que meus dedos estejam sangrando. Seu amigo
manca e me acerta no olho, e eu respondo com uma cotovelada
em seu rosto.

Neste ponto, os gritos de Red atraíram uma multidão.


Cinco ou seis caras nos separam, puxando-me de cima daquele
que me chutou no rosto.

Enquanto estou sendo contido, Johnny aproveita a


oportunidade para me dar um soco no estômago. Isso me deixa
sem ar. Se eu não tivesse pessoas segurando meus dois braços,
eu esfaquearia o filho da puta por isso. Tenho um canivete no
bolso. Eu não ia usar isso em uma luta amigável, mas agora
ele está realmente me deixando louco.

Antes que eu possa me soltar, Levi se coloca entre nós,


empurrando-os para trás.

— Tudo bem, tudo bem, vocês se divertiram, — diz ele.

Levi tem cabelo loiro descolorido e um monte de correntes


em volta do pescoço. Ele está vestindo um blusão de estrelas e
listras e jeans desbotados. Eu diria que ele se parece com o
Vanilla Ice10, mas o cara tomaria isso como um elogio.

— Se vocês quiserem continuar lutando, precisam ir para


outro lugar, — diz ele.

— Eu vou matar esse merdinha! — Johnny ruge, ainda


segurando o nariz.

— Tudo bem, — Levi diz novamente. — Mas não aqui.

Ele olha para mim. Eu cuspi um pouco de sangue na


grama.

— E você? — Levi diz.

— Estou bem, — digo. — Eu vou entrar.

— Bom.

Levi acena com a cabeça para seus amigos me soltarem.


Eu me endireito, jogando o cabelo para trás do meu rosto.

— Você está morto, Nero, porra — Johnny sibila quando


passo por ele.

Eu apenas sorrio para ele, sangue em meus dentes. Se eu


estiver de mau humor da próxima vez que o vir, vou cortar a
porra da sua garganta sem uma palavra de aviso.

10 Rapper americano
Vou para a casa de Levi, que é ainda mais quente do que
lá fora e cheia de gente. O ar está tão denso com a fumaça que
eu poderia ficar chapado apenas respirando fundo.

O calor faz meu lábio latejar. Vou para a cozinha,


planejando pegar um punhado de gelo.

A cozinha de Levi é uma cápsula do tempo dos anos 70 –


armários de pinho e geladeira cor de abacate. Vovó não fez uma
renovação e Levi com certeza não vai se incomodar. Duvido que
ele tenha feito em sua vida uma refeição aqui. Os balcões estão
cobertos por caixas de comida pela metade.

Abro a porta do freezer. A única coisa dentro é uma


garrafa de vodca vazia. Sem gelo, nem mesmo nas bandejas.

Fecho novamente. Acima do baque da música eletrônica,


ouço um sotaque irritante que é muito familiar para mim. Bella
Page, afundando suas garras em alguém.

Olho para as meninas. São as três cadelas malvadas,


cercando uma garota com cachos escuros amarrados para trás
por uma bandana.

Normalmente não dou a mínima para o que Bella está


fazendo. Na verdade, prefiro evitá-la a todo custo. Não há nada
de interessante sobre ela praticar sua rotina de garota má – na
verdade, eu ficaria muito mais chocado ao vê-la fazendo
qualquer outra coisa.

É a vítima atual que me chama a atenção.


Camille Rivera.

Agora, isso é uma explosão do passado. Eu poderia estar


olhando através de um túnel do tempo de oito anos. Bella está
atacando-a como costumava fazer nos bons velhos tempos. E
assim como naquela época, Camille parece que quer acertar
Bella bem nos olhos.

Eu sempre fiquei surpreso por Bella ter ido tão longe para
foder com Camille. Não é como se elas estivessem em
competição ou algo assim. Bella tinha o dinheiro, as roupas,
os amigos, os namorados (praticamente qualquer um que
valesse a pena foder na escola, além de mim – embora não por
falta de tentativa da parte dela). Além disso, falando
objetivamente, Bella é muito mais gostosa. Ela tem aquele
beicinho de supermodelo, pernas de um quilômetro e meio, e
aquela coisa de eu-tirei-quatro-costelas-para-parecer-magra
acontecendo.

Camille não é nem um pouco feminina. Ela se veste como


Billy Joel em “Uptown Girl”. Ela está constantemente suja. Ela
tem uma voz baixa e rouca que dificilmente pertence à mesma
conversa com o tom mordaz de Bella. E ela é tão pobre quanto
suja. Seu pai faz um bom trabalho, mas nunca cobrou o
suficiente. Sua loja está tão degradada que é anti-marketing
para o negócio. Ela era uma das únicas crianças que sempre
trazia seu próprio almoço para a escola, em vez de comprar no
refeitório ou lanchonete. Eram sempre sobras deprimentes em
embalagens velhas de iogurte, nem mesmo Tupperware. Bella
costumava criticá-la por causa disso, junto com uma centena
de outras coisas.

Mas a primeira coisa que Bella dá a mínima à Camille é


sobre sua mãe.

Todo mundo sabe que a mãe de Camille trabalhava como


stripper. Ela teve Camille super jovem, e ainda estava tirando
a roupa quando estávamos em Oakmont. As pessoas
costumavam jogar notas de dólar em Camille no corredor. Eles
diziam que iriam visitar sua mãe no Exotica e perguntavam à
Camille que música deveriam pedir.

Talvez seja por isso que Camille se esforça tanto para ser
franca. Ela desvia a atenção masculina como se fosse seu
trabalho. Tentando provar que ela não é nada como sua mãe.

Ou talvez ela simplesmente odeie tomar banho. Como


diabos eu saberia?

Bella faz algum comentário maldoso sobre a mãe de


Camille.

É aí que me insiro na conversa. Não porque eu me importe


em defender Camille, mas porque Bella precisa de algum
material novo.

Todas as garotas se viram para olhar para mim, Camille


acima de tudo.

Bella sorri para mim, uma mão em seu quadril e seu peito
empurrando para cima para minha aprovação.
— Eu não sabia que você estava vindo, — ela ronrona.

— Por que você saberia? — Digo, friamente.

O sorriso de Bella se transforma em um beicinho.

Ela está com muita sede desde o dia em que a conheci. É


engraçado – trepei com muitas garotas de quem não gosto. Mas
eu sempre resisti à Bella. É quase um jogo neste ponto. Quanto
mais ela quer, mais gosto de não dar a ela. Ela é tão mimada,
provavelmente é a única vez em toda sua vida que não
conseguiu o que queria.

Isso não vai acontecer. Nem esta noite, nem nunca. Eu


sei como ela seria difícil de se livrar depois – não preciso desse
tipo de drama.

Bella é a única pessoa que pode ser tão cruel quanto eu.
Confie em uma cobra para reconhecer outra. Quem sabe que
tipo de merda maluca ela faria se estivéssemos sozinhos e nus.

Aqueles lábios rosados e brilhantes se abrem quando ela


está prestes a atirar novamente.

Para interrompê-la, eu viro para Camille e digo: — É o seu


Trans Am lá fora?

Camille estava tentando fugir. Minha pergunta a deixa


paralisada. Ela se vira de novo, não exatamente encontrando
meus olhos.

— Sim, — ela diz calmamente.


— É um LE de 1977?

— Sim.

— O mesmo que Burt Reynolds.

Ela sorri.

Não tenho visto Camille sorrir muito. Estou surpreso


como seus dentes são bonitos e como parecem brancos contra
sua pele bronzeada e rosto manchado de graxa.

— Eu tenho um Mercedes G-Wagon, — Bella diz em voz


alta.

Jesus Cristo. Ela teria. Aposto que é branco com aros


ouro rosa e um monte de merda pendurada no espelho
retrovisor.

A conversa continua por mais alguns minutos, mas estou


ficando rapidamente entediado com isso.

Camille dá um tapa em Bella sobre seu pai idiota, o que


é divertido de ver. Mesmo que tenha efeito zero – você não pode
forçar Bella a refletir. Ela tem tanta clareza quanto um poço de
petróleo de quinze metros.

Meu lábio começa a latejar de novo e eu quero acabar com


todos eles. Roubo um gole da bebida de alguém do balcão,
depois me livro das meninas, pensando que desafiarei Mason
para uma partida de Madden11 se ele não tiver ficado muito
grogue para jogar.

Em vez disso, esbarro com Red nas escadas. Ela está com
os olhos lacrimejantes, lendo algo em seu telefone.

— Como está sua bunda? — Eu pergunto a ela.

— Machucada, — diz ela. — Não graças a você.

— Não fui eu quem te empurrou. Foi o namoradinho.

— Ele é um idiota! — Ela chora, olhando para o telefone


mais uma vez, e então o enfia na bolsa.

Presumo que Johnny a esteja reclamando por meio de


mensagens de texto, para onde quer que ele tenha ido.
Provavelmente o hospital, se ele se preocupa em endireitar o
nariz.

— Eu sei como você poderia se vingar dele... — Eu digo.

Estou muito perto de Red – perto o suficiente para sentir


sua respiração em meu braço. Invadir o espaço pessoal das
mulheres é uma ótima maneira de deixar suas intenções
claras. Você deixa o cheiro de seus feromônios bem no nariz
delas. Isso as deixa loucas, como uma cachorra no cio.

Red olha para mim, olhos arregalados e lábios


entreabertos. Sua pequena língua surge para umedecer o lábio
inferior.

11 Série de jogos eletrônicos sobre futebol americano.


— Você está tentando me colocar em apuros novamente...
— Ela diz.

Ela não diz isso como se estivesse me repreendendo. Ela


diz isso como se estivesse me implorando para continuar.

Curvo minha cabeça para falar bem em seu ouvido.

— Bem, eu não quero te causar problemas. Então aqui


está o que vou fazer. Vou tocar em você. E você me diz quando
quiser que eu pare...

Eu começo em seu joelho, lentamente deslizando minha


mão pela parte interna de sua coxa. Suas pernas estão recém-
depiladas e sedosas. Sua carne estremece sob meus dedos.

Posso sentir sua respiração acelerar enquanto deslizo


minha mão mais alto. Ela não está me impedindo. Na verdade,
ela mexe os pés levemente para abrir as pernas.

Minha mão vai sob a bainha de sua saia. A parte interna


de sua coxa está quente e ligeiramente úmida ,mais quente do
que um pântano da Louisiana. A música pulsante vibra nas
paredes.

Meus dedos alcançam a borda de sua calcinha. Faço uma


pausa para ver se ela vai dizer alguma coisa... tudo que ouço
são seus pequenos suspiros rápidos contra o lado do meu
pescoço.

Enfio meus dedos sob o elástico de sua calcinha e


encontro os lábios aveludados de sua boceta, tão bem
depilados quanto suas pernas. Deslizo meu dedo indicador
pela fenda de seus lábios, escorregadios e molhados, embora
eu mal a toquei ainda. Red solta um pequeno miado
desesperado.

Ela agarra meu rosto e me beija como se estivesse


tentando me engolir inteiro. Tem gosto de refrescos de vinho e
batom. Ela está lançando sua língua em minha boca, abrindo
meu lábio novamente.

Empurro meus dedos dentro dela e ela geme em minha


boca, esfregando seu corpo contra o meu.

— Leve-me lá para cima, — ela implora.

Pego a mão dela, levando-a escada acima para o quarto


mais próximo. Já tem um casal lá dentro, mas estão apenas se
beijando na cama, ainda totalmente vestidos. Eu agarro o cara
pelas costas de sua camisa e o puxo para cima, empurrando-
o para fora da porta.

— Ei, que diabos! — Ele grita.

A garota pisca para mim, rímel manchado e a camisa


meio desabotoada para que eu possa ver seu decote generoso
acima do sutiã rendado.

— Fique ou saia, — eu digo a ela.

Ela olha para mim por um segundo e depois sorri. — Eu


vou ficar.

— Por mim tudo bem.


Eu jogo Red ao lado dela na cama.

Então fecho a porta na cara do outro cara e tranco.


3

Quando acordo de manhã, o sol entra pelas cortinas de


vime da pequena varanda envidraçada que chamo de quarto.
Seu brilho me enche de alívio, como se fosse lavar os pesadelos
da noite anterior.

Então a realidade desaba sobre mim. Aqueles não eram


pesadelos. Fui absolutamente parada na Goethe Street por um
policial, que agora tem uma mochila cheia de evidências no
porta-malas.

São 7h22. Vic deve estar no trabalho às 8h.

Entro em seu quarto, arrancando o cobertor dele.

— Ei... — Ele geme, a ressaca é demais para protestar.

— Entre no chuveiro, — ordeno.

Ele tenta rolar e colocar o travesseiro sobre a cabeça. Eu


arranco isso também.

— Se você não se levantar agora, voltarei com uma jarra


de água gelada para despejar na sua cabeça, — digo a ele.

— Tudo bem, tudo bem.


Ele rola para fora da cama caindo no chão, em seguida,
cambaleia para nosso único banheiro.

Vou para a cozinha fazer café.

Existem apenas dois quartos em nosso pequeno


apartamento. Meu pai tem um e Vic tem o outro, que é
minúsculo, sem janelas e sem armário – provavelmente
destinado a ser um escritório, na verdade. Eu durmo na
varanda. Meu pai tentou torná-la habitável, resistente a
intempéries , mas é mais quente que o inferno no verão e
congelante no inverno. Se chover, minhas roupas ficam
úmidas e meus livros incham com a umidade.

Mesmo assim, gosto do meu quarto. Gosto da maneira


como a chuva e o granizo batem no vidro. Em noites claras,
posso abrir as cortinas e ver as estrelas misturadas com as
luzes da cidade, em todos os lados.

Ouço o barulho do chuveiro ganhando vida. É melhor que


Vic realmente esteja se lavando e não apenas deixando a água
correr enquanto escova os dentes.

A cafeteira começa a assobiar enquanto o bendito líquido


despertador marrom escuro desce pela cafeteira.

No momento em que Vic tropeça na cozinha, com o cabelo


úmido e os sapatos desamarrados, tenho torradas e um ovo
poche esperando por ele.

— Coma, — eu digo.
— Eu não acho que posso, — diz ele, dando à comida um
olhar nauseado.

— Coma a torrada, pelo menos.

Ele pega meio pedaço, esmagando-a sem entusiasmo.

Ele afunda na cadeira, passando a mão pelo cabelo


espesso e bagunçado.

— Ei, Mill, — ele diz, olhando para os meus pés. — Eu


realmente sinto muito pela noite passada.

— Onde você conseguiu aquela merda? — Eu exijo.

Ele se contorce na cadeira. — De Levi, — ele murmura.

Levi Cargill é o traficante de drogas que é dono da casa


em que estávamos ontem à noite. Ele foi para a mesma escola
que eu. Como a maioria dos idiotas da festa.

— Você está traficando para ele? — Eu sibilo, mantendo


minha voz baixa porque meu pai ainda está dormindo, e não
quero que ele ouça.

— Às vezes, — murmura Vic.

— Para quê? — Eu exijo furiosamente. — Para comprar


um monte de tênis caros de merda? Para acompanhar aquele
idiota do Andrew? É por isso que você vai jogar fora seu futuro?

Vic nem consegue olhar para mim. Ele está olhando para
o nosso linóleo sujo, miserável e envergonhado.
Não é nem mesmo seu futuro que ele jogou fora. É o meu.
Esse policial está vindo atrás de mim hoje. Ele nunca vai me
escrever uma multa.

Apesar da minha fúria com meu irmão, não me arrependo


do que fiz ontem à noite. Vic é inteligente, mesmo que não
esteja agindo como tal agora. Ele obtém as melhores notas em
biologia, química, matemática e física. Se ele se esforçar e
estudar este ano, e deixar as tarefas perdidas, ele pode entrar
em uma ótima escola. Conseguir algumas bolsas, até.

Amo meu irmão mais do que tudo no mundo. Vou para a


prisão antes de vê-lo incinerar sua vida antes mesmo de
começar.

— Comece a trabalhar, — digo a ele. — E nada de fazer


merdas com Andrew e Tito depois. Eu quero que você volte aqui
e se inscreva para aqueles cursos AP12 de verão, como você
disse que iria.

Vic faz uma careta, mas não discute. Ele sabe que está
pegando leve comigo. Ele pega a outra metade de sua torrada
e se dirige para a porta.

Termino meu café e como o ovo poche que Vic não quis.
Foi cozido demais. Eu estava muito distraída para prestar
atenção ao cronômetro.

12Advanced Placement; programa nos EUA que oferece currículos e exames para alunos do ensino
médio. Universidades americanas podem oferecer créditos de colocação e cursos aos que tirarem
notas altas.
Meu pai ainda está dormindo. Eu me pergunto se devo
colocar mais alguns ovos para ele. Ele nunca dormia, mas
ultimamente tem dormido dez ou onze horas à noite. Ele diz
que está envelhecendo.

Decido deixá-lo dormir um pouco mais. Pego um novo


macacão e desço para a loja. Tenho que terminar com aquela
transmissão, então começo a trabalhar trocando as pastilhas
de freio no Accord do Sr. Bridger.

São quase dez horas quando meu pai finalmente se junta


a mim. Ele parece pálido e cansado, o cabelo arrepiado em
mechas finas sobre a cabeça meio careca.

— Bom dia, mija, — ele diz.

— Ei, pai, — eu digo, colocando novos selos na


transmissão. — Você pegou seu café?

— Sim, — ele diz. — Obrigado.

Meu pai tem apenas 46 anos, mas parece muito mais


velho. Ele tem estatura mediana, rosto redondo e amigável e
mãos grandes de dedos grossos que parecem que mal
conseguem segurar uma chave inglesa, mas podem manipular
as menores peças e parafusos com facilidade.

Quando ele era jovem, tinha cabelos pretos e grossos e ele


rugia em um Norton Commando, dando carona às meninas
para a escola na garupa de sua moto. Foi assim que conheceu
minha mãe. Ele estava no último ano, ela no segundo. Ela
engravidou dois meses depois.
Eles nunca se casaram, mas viveram juntos por alguns
anos no porão da minha avó. Meu pai era louco por minha
mãe. Ela realmente era linda e inteligente. Ele disse a ela para
continuar indo para a escola enquanto ele trabalhava como
mecânico e cuidava de mim à noite.

O dinheiro era apertado. Minha mãe e minha avó não se


davam bem. Meu pai começou a ficar gordinho porque não
tinha mais tempo para jogar futebol e estava vivendo dos
mesmos sanduíches de manteiga de amendoim e nuggets de
frango que eu comia.

Minha mãe sentia falta de seus amigos e da diversão que


costumava ter. Ela começou a ficar fora cada vez mais tarde,
não para a escola, mas para ir a festas. Eventualmente, ela
desistiu. Ela não voltava para casa com mais frequência. Na
verdade, não a víamos por vários dias.

Lembro-me dessa parte, só um pouco. Minha mãe


aparecia uma vez a cada uma ou duas semanas, e eu corria
para vê-la, essa senhora glamourosa que sempre cheirava a
perfume chique e usava vestidos justos em cores brilhantes,
assim como minhas bonecas Barbie. Ela não gostava de me
pegar ou de me sentar em seu colo. Assim que meu pai fizesse
muitas perguntas ou minha avó a criticasse sobre algo, ela ia
embora novamente. E eu ficava perto da janela e chorava, até
que meu pai me pegasse e fizesse um prato de sorvete ou me
levasse para a garagem para me mostrar algo em sua
motocicleta .
Eventualmente, meu pai economizou o suficiente para
configurar a Axel Auto. Saímos da casa da vovó para o pequeno
apartamento acima da loja. Minha mãe nunca nos visitou lá.
Acho que ela nem sabia onde era.

Então, uma noite, quando eu tinha dez anos, alguém


tocou a campainha. Não ouvimos no começo, por causa da
chuva. Eu estava assistindo ER com meu pai, comendo pipoca
de uma tigela gigante colocada no sofá entre nós.

Quando a campainha tocou novamente, eu pulei,


derrubando a tigela de pipoca. Meu pai parou para pegá-la e
corri para a porta. Eu abri. Havia uma senhora parada ali, sem
nenhum casaco. Seu cabelo escuro estava encharcado, assim
como sua blusa agarrada a sua pele, então eu pude ver o quão
magra ela estava.

Nenhum de nós se reconheceu por um minuto. Então ela


disse: — Camille?

Eu a encarei de boca aberta. Talvez ela tenha pensado


que eu estava com raiva. Talvez ela tenha ouvido meu pai
caminhando em direção à porta, gritando: — Quem é? — De
qualquer maneira, ela se virou e desceu correndo as escadas.
Ela deixou Vic para trás.

Ele estava se escondendo atrás de sua perna. Ele tinha


dois anos, era pequeno para a idade, olhos enormes e escuros
e cabelos quase louros na época. Por um segundo, não tive
certeza se ele era um menino ou uma menina, por causa
daqueles cílios e porque seu cabelo não era cortado há algum
tempo. Ele tinha o polegar na boca e estava segurando um
brinquedo do Homem-Aranha.

Nós o trouxemos para dentro de casa. Meu pai tentou


ligar para qualquer amigo de minha mãe que ele conhecesse,
além de seus pais e primos. Ninguém sabia onde ela estava.
Ele se ofereceu para levar a criança para a casa dos pais dela,
mas eles disseram que chamariam a polícia se ele o fizesse.
Eles ainda não haviam perdoado minha mãe por engravidar de
mim em primeiro lugar.

Então, Vic ficou conosco por um tempo. Isso fez com que
ele ficasse conosco para sempre. Na verdade, nem sabíamos
qual era o nome dele para começar. Ele não falava naquela
época. Eu escolhi “Vic” porque eu estava muito interessada em
Law and Order, e pensei que os carros de polícia Crown Vic
eram legais pra caralho.

Mais tarde, quando eu estava no colégio, soubemos que


minha mãe trabalhava na Exotica. Eu nunca fui vê-la. Acho
que meu pai fez isso, para tentar descobrir o que diabos estava
acontecendo com ela. Não acho que ele teve respostas. Ele
apenas disse que Vic ficaria conosco permanentemente.
Naquela época, Vic estava com sete anos, firmemente instalado
na segunda série e no t-ball13. Ele não se lembrava de nossa
mãe.

Então, todos nós vivemos aqui desde então. É minha casa


e eu adoro isso. Adoro o cheiro de óleo, gasolina e detergente

13 Esporte em equipe baseado e simplificando o críquete, beisebol e softball para crianças.


industrial na loja. Adoro a sensação de desgaste do meu
macacão e o arranjo perfeito das minhas ferramentas, onde
posso agarrar a catraca certa sem nem mesmo olhar.

Meu pai fecha o zíper de seu macacão favorito, que


costumava ser azul marinho, mas foi lavado tantas vezes que
é quase cinza. Eles estão pendurados em seus ombros. Ele
perdeu peso.

— Você está de dieta ou algo assim? — Eu digo,


cutucando-o de brincadeira na lateral.

— Não, — ele diz. — Só não tenho tempo para comer.


Estou bem, hein?

Ele sorri, fazendo uma pose de Atlas como Arnold. Ele não
tem músculos, então suas mangas estão penduradas em seus
braços.

Eu sorrio fracamente em resposta. — Sim, — eu digo. —


Está ótimo, pai.

Meu pai me ajuda a terminar a transmissão, para que


possamos colocá-la de volta no lugar na caminhonete. É muito
mais rápido com duas pessoas. Ele é tão rápido e hábil com as
mãos que me deixa à vontade novamente. Ele certamente não
perdeu seu toque.

Ainda assim, noto que ele está respirando um pouco mais


pesado do que o normal e suando no calor da garagem.

— Você quer que eu pegue o ventilador? — Pergunto-lhe,


— Não, — ele diz. — É como uma sauna grátis aqui. Se é
bom para os suecos, é bom para nós.

Ainda assim, pego um refrigerante para nós dois da


geladeira do andar de cima.

Enquanto bebemos, ouço o sino tocar na frente da loja.


Novo cliente.

— Vou atender, — digo ao meu pai.

Eu me apresso na frente, colocando meu refrigerante na


mesa da recepção. Não temos recepcionista – a mesa está lá
apenas por aparência e para quando meu pai tentar sentar e
mexer em todas as contas e recibos que deveríamos ter
organizado assim que os recebemos.

Vejo um homem com uma camiseta branca justa e um


boné dos Cubbies, olhando nossa pilha de revistas de carros
clássicos.

Ele ergue os olhos quando me ouve. Vejo aquele queixo


quadrado e rosto bronzeado, e o sorriso amigável.

Merda.

É o policial Schultz. Eu estava tão distraída com a


caminhonete e meu pai que me esqueci totalmente dele.

— Camille, — ele diz. — É bom ver você de novo.

Gostaria de poder dizer o mesmo.

— Policial Schultz.
— Me chame de Logan.

Eu realmente não quero, então eu apenas aceno


rigidamente.

— Você e seu pai são os donos deste lugar? — Ele diz,


olhando ao redor.

— Uh-huh.

Não há nada sofisticado em nossa loja. É apertada,


encardida, decorada da maneira mais triste possível com
alguns pôsteres antigos e uma única árvore de ficus que nunca
nos lembramos de regar. Ainda assim, não gosto de seu tom
condescendente ou da maneira como ele aparece aqui como se
estivesse marcando território no único lugar no mundo que
pertence a mim.

— Você mora naquele apartamento lá em cima?

— Sim.

— E seu irmão Victor também?

— Uh-huh.

— Ele estuda em Oakmont?

— Sim. Este será o último ano dele.

— Eu estudei lá, — diz Schultz, enfiando as mãos nos


bolsos da calça jeans. O movimento flexiona seus peitorais sob
a camiseta branca e justa. Ele não vestiu um uniforme para vir
me ver. Talvez ele esteja tentando me deixar à vontade. Não vai
funcionar, e nem sua conversa fiada.

— Sim, eu também, — digo.

— Em que ano você se formou?

— 2013.

— Ah. Eu formei em 2008. Nós apenas nos


desencontramos.

— Acho que sim.

Meu pai enfia a cabeça para fora da garagem. — Precisa


de ajuda? — Ele diz.

— Não! — Eu digo, rapidamente. — Tenho tudo sob


controle.

— Tudo bem. Me chame se precisar de alguma coisa. —


Meu pai dá um aceno amigável para Schultz, sem saber que
esse cara está aqui para foder regiamente com a vida de seus
filhos. Schultz retribui uma pequena saudação.

Espero meu pai ir embora, então volto minha atenção


hostil de volta para Schultz.

— Vamos direto ao ponto, — eu digo.

— Claro, — diz Schultz, sorrindo com facilidade. —


Vamos fazer isso. Você estava com 114 comprimidos de
MDMA.
Porra.

— Registrei a parada no trânsito e a aquisição, mas o


Departamento de Polícia de Chicago tem alguma flexibilidade
para fazer prisões.

— O que isso significa?

Ele me fixa com aqueles olhos azuis brilhantes, sorrindo


agradavelmente.

— Bem, pense em sua carga de drogas como uma dívida.


Você deve ao estado de Illinois quatro anos. Mas você não vai
fazer bem a ninguém sentada na prisão. Na verdade, você
custará muito dinheiro aos contribuintes. Portanto, é benéfico
para as pessoas boas deste estado se você pagar suas dívidas
de outra maneira.

Não gosto da maneira como ele está tão perto, olhando


para mim.

— Como vou fazer isso? — Eu digo.

— Bem... você já ouviu falar de um IC?

Sim. Como eu disse, eu assisti muito Law and Order


enquanto crescia. Eu sei sobre Informantes Confidenciais.

— Você quer que eu delate, — eu digo categoricamente.

— Prefiro chamar de ‘ajudar a polícia a apreender


criminosos perigosos’.
Criminosos perigosos que cortarão minha garganta se
souberem que estou falando com a polícia.

— Você já ouviu a frase ‘Delatores se ferram’? —


Pergunto-lhe.

Ele inclina a cabeça para o lado, olhando-me de cima a


baixo, embora não possa ver nada através do meu macacão.

— Você já ouviu a frase ‘Não deixe cair o sabão’? — Ele


diz, sua voz baixa e zombeteira. — Eu não acho que você
gostaria de uma prisão federal, Camille. As mulheres lá são tão
brutais quanto os homens. Pior, às vezes. Elas adoram quando
uma linda jovem é jogada para dentro. É uma isca na água.
Elas nem querem se revezar.

Minha pele se arrepia. Odeio ser ameaçada. E estou


especialmente chateada por ele estar fazendo isso por causa de
um pacote de drogas de uma festa de merda. Há pessoas se
matando todos os dias nesta cidade. Ele vai me atormentar
porque um bando de garotos ricos gostam de ficar chapados e
dançar ao som de uma música de merda?

— O que você espera que eu faça? — Eu digo, com os


dentes cerrados. — Use uma escuta ou algo assim? Não
conheço nenhum criminoso sério. Apenas um bando de idiotas
que gostam de ficar chapados. E não somos nem amigos.

— De onde veio ecstasy?

— Levi Cargill, — eu digo sem hesitação. Não tenho


problema em jogar aquele cara debaixo do ônibus depois que
ele recrutou meu irmão menor para vender drogas para ele. —
Ele vive em...

— Eu sei onde ele mora, — diz Schultz.

— Se você já sabe quem ele é, o que espera que eu faça?

— Aproxime-se dele, — diz Schultz. — Descubra onde ele


consegue seu produto. Encontre os nomes de todos os seus
revendedores e fornecedores. Relate para mim.

— Eu não sou o Inspetor Poirot14! — Eu choro. — Não sei


como fazer nada disso!

— Você vai descobrir, — diz Schultz com zero de simpatia.


Ele me entrega um cartão de visita. No verso, ele escreveu seu
número de celular pessoal.

— Memorize esse número. Acostume-se a ligá-lo, — diz


ele. — Nós vamos nos ver muito.

Sufoco um gemido. Eu gostaria que fosse o máximo que


já vi de Schultz. Ou Levi também, por falar nisso.

— E se eu não conseguir mais informações? — Pergunto-


lhe.

— Então você vai para a prisão, — Schultz diz friamente.


— E seu irmão também. Não se esqueça, ele tinha produto no
bolso. Ele tem idade suficiente para ser acusado como um
adulto.

14 Personagem literário que trabalha como detetive, aparece em alguns dos livros da Agatha Christie.
Pressiono meus lábios para não gritar com Schultz. Vic e
eu somos apenas ferramentas para ele. Ele não se importa se
nos destruir, contanto que consiga outra contagem em seu
livro de prisão.

— Memorize esse número, — Schultz me diz novamente.

— Vou colocar no meu telefone, — digo. Assim, posso ter


certeza de nunca atender quando você ligar.

— Perfeito. Você tem mais daqueles refrigerantes? —


Schultz diz, acenando com a cabeça para a lata meio vazia na
mesa da recepção.

— Não, — eu minto. — Acabou.

Schultz ri. Ele sabe que estou mentindo.

— É bom ver você, Camille, — ele diz. — Vamos fazer isso


de novo em breve.

Fico lá com meus braços cruzados até que ele vá embora.

Quando volto para a garagem, meu pai diz: — O que ele


queria?

— Nada, — eu digo. — Orientações.

Meu pai balança a cabeça. — Turistas.

— Sim.

— Pelo menos ele era um fã do Cub.

— Essa é a única razão pela qual falei com ele.


Meu pai ri, o que se transforma em tosse. A tosse
continua um pouco, longa o suficiente para que, quando ele se
endireite, seus lábios fiquem um pouco azuis.

— Você está bem, pai? — Pergunto-lhe.

— É claro, — ele diz. — Eu poderia ir deitar um pouco


embora. Se você tem esses freios cobertos.

— Claro, — eu digo. — Eu cuido disso.

— Obrigado, querida.

Ele sobe as escadas arrastando os pés para o nosso


apartamento.

Eu o vejo ir, meu coração cheio de pavor.


4

Quando desço para o café da manhã, Greta fez uma


fornada de biscoitos frescos para acompanhar o café, além de
uma fritada de pimenta vermelha naquela frigideira de ferro
antiga, provavelmente mais velha do que ela.

Ela me oferece a comida. Eu só quero o café.

— Mais para mim, então, — Dante diz, pegando uma


segunda porção de fritada.

Meu pai está na ponta da mesa, lendo três jornais ao


mesmo tempo. Podemos ser as únicas pessoas que ainda
recebem o jornal – mantendo sozinhos o Tribune e o Herald em
funcionamento.

— Posso conseguir esses no seu iPad, — digo à Papa.

— Não gosto do iPad, — diz ele, teimosamente.

— Sim, você gosta. Lembra daquele jogo que você


continua jogando, onde você tem que atirar ervilhas nos
zumbis?

— Isso é diferente, — ele grunhe. — Você não está lendo


as notícias se não sujar as mãos de tinta.
— Como quiser, — eu digo.

Eu tomo um gole do café. É café de verdade – fortemente


torrado, agridoce, feito em uma cafeteira de alumínio com três
câmaras. Greta também faz cappuccino e macchiato sob
encomenda, porque ela é uma porra de anjo.

Ela não é italiana de verdade, mas você nunca adivinharia


pela maneira como ela cozinha a comida tradicional que meu
pai adora. Ela trabalha para ele desde antes de se casar com
minha mãe. Ela ajudou a criar todos nós. Especialmente
depois que Mama morreu.

Greta é rechonchuda, com um pouco de ruivo no cabelo.


Ela tem um número surpreendente de histórias de sua
juventude selvagem, uma vez que você consegue um pouco de
bebida nela. E ela é a única pessoa a trazer vida para a casa
agora que Aida se mudou.

Dante apenas se senta em sua extremidade da mesa


como uma montanha silenciosa e faminta, recolhendo comida.
Papa não vai falar a menos que encontre algo chocante no
jornal. Sebastian está morando no campus e só volta para casa
nos fins de semana.

Nunca pensei que sentiria falta de Aida. Ela sempre foi


uma cachorrinha irritante, latindo nos meus calcanhares. Ela
adorava nos seguir em todos os lugares que íamos, tentando
fazer tudo o que estávamos fazendo, mas geralmente se
metendo em problemas.
É engraçado que ela se casou primeiro, visto que é a
caçula. Sem mencionar ser

a última garota que você esperaria colocar em um vestido


branco bufante.

Inferno, ela pode ser a única de nós a se casar. Tenho


certeza de que não vou fazer isso. Dante ainda está ligado à
garota que ele namorou, embora ele nunca admitiria. E
Sebastian... bem, não consigo mais adivinhar o que ele fará.

Ele pensou que iria para a NBA. Então seu joelho ficou
todo fodido pelo marido de Aida, Callum, quando nossas
famílias não se davam bem. Agora Seb está meio que
flutuando. Ainda fazendo fisioterapia, tentando voltar à
quadra. Às vezes se juntando a Dante e eu quando temos
trabalho a fazer. Neste inverno, ele atirou em um gângster
polonês. Acho que fodeu com a cabeça dele. Existe ser um
criminoso e existe ser um assassino... você cruza essa linha e
não há como voltar. Isso muda você.

Certamente me mudou. Mostra como uma pessoa pode


deixar este mundo em uma fração de segundo. Morto no tempo
que leva para desligar um interruptor de luz. E é isso – nada
infinito, como o nada infinito que veio antes. Toda a sua vida é
apenas uma breve labareda no vazio. Então, o que importa o
que fazemos? Bem, mal, bondade, crueldade... é tudo uma
faísca que se apaga sem deixar vestígios. Toda a existência da
humanidade não significará nada, uma vez que o sol se
expanda e queime o planeta em uma crosta.
Aprendi essa lição desde muito jovem.

Porque matei alguém pela primeira vez quando tinha


apenas dez anos.

É nisso que penso enquanto bebo meu café.

Papa termina seu primeiro artigo, mudando para o


próximo. Ele faz uma pausa antes de começar a ler a primeira
página, olhando para Dante.

— Qual é o nosso próximo projeto agora que a Oak Street


Tower está pronta? — Ele diz.

Dante enfia o garfo na última mordida da fritada.

— A ponte da Clark Street precisa de renovação, — diz


ele. — Nós poderíamos apostar nisso.

Gallo Construction tem assumido projetos cada vez


maiores recentemente. É engraçado – a máfia italiana entrou
em contração para que pudéssemos controlar os sindicatos.
Tudo começou em Nova York. Por décadas, não houve um
único projeto de construção em Nova York que não fosse
controlado pela máfia de uma forma ou de outra. Subornamos
e armamos fortemente os dirigentes sindicais, ou até mesmo
nos elegemos. Quando você controla um sindicato, controla
toda uma indústria. Você pode forçar os trabalhadores a
desacelerar ou interromper a construção se os desenvolvedores
não fizerem as “doações” adequadas. Além disso, você tem
acesso a enormes fundos de pensão sindicais, quase
totalmente não regulamentados e prontos para lavagem de
dinheiro sem impostos ou roubo direto.

Mas aqui está a ironia: quando você entra em um negócio


por motivos nefastos, às vezes começa a ter um lucro legítimo.
Foi o que aconteceu com os chefões da máfia que se mudaram
para Las Vegas – eles abriram cassinos para lavar seu dinheiro
ilegal e, de repente, os cassinos estavam ganhando mais
dinheiro do que os negócios ilegais. Opa, você é um empresário
legítimo.

Aos poucos, isso está acontecendo com a Gallo


Construction. Chicago está crescendo, especialmente o nosso
lado da cidade. The Magnificent Mile, Lake Shore Drive, os
corredores de varejo South e West Side... há cinco bilhões em
construção comercial acontecendo somente neste ano.

E estamos obtendo mais do que podemos suportar.

Acabamos de terminar um arranha-céu de mil e duzentos


metros de altura. Papa quer o próximo projeto alinhado. Pela
primeira vez, tive uma ideia...

— E o terreno South Works? — Eu digo.

— O que tem isso? — Papa diz, olhando para mim por


baixo de suas sobrancelhas grossas e grisalhas. Seus olhos
estão escuros como um besouro, tão penetrantes como
sempre.

São 168 hectares, completamente intocados. Deve ter o


maior potencial inexplorado em toda esta maldita cidade.
— Você já viu uma cobra tentando comer um crocodilo?
— Dante diz. — Mesmo que possa estrangular o jacaré, ela
engasga tentando engoli-lo.

— Não temos capital para isso, — diz Papa.

— Ou os homens, — acrescenta Dante.

Isso pode ter sido o caso há um ano. Mas muita coisa


mudou desde então. Aida casou-se com Callum Griffin, o
herdeiro da máfia irlandesa. Então Callum se tornou vereador
do distrito mais rico da cidade. Como a cereja do sundae, a
irmã mais nova de Callum ficou com a cabeça do polonês
Braterstwo. Portanto, temos acesso a mais influência e mão de
obra do que antes.

— Aposto que Cal estaria interessado na minha ideia, —


digo.

Dante e meu pai partilham uma carranca.

Eu sei o que eles estão pensando. Nosso mundo inteiro já


foi jogado no liquidificador. Fomos rivais amargos dos Griffins
por gerações. Agora, de repente, somos aliados. Está indo bem
até agora. Mas não há nenhum bebê para selar a aliança ainda
– nenhum herdeiro compartilhado entre as duas famílias.

Dante e Papa são fundamentalmente conservadores. Eles


já tiveram todas as mudanças que podem engolir.

Em vez disso, terei de apelar para sua natureza


competitiva.
— Se vocês não quiserem fazer isso, tudo bem. Os Griffins
provavelmente podem lidar com isso sozinhos.

Dante solta um suspiro que é mais como um estrondo.


Como um dragão em uma caverna, forçado a despertar em
resposta a um intruso.

— Guarde a insinuação para as meninas no bar, — ele


rosna. — Eu entendi seu ponto

— Cento e sessenta e oito hectares, — repito. —


Propriedade à beira-mar.

— Perto de um bairro de merda, — diz Papa.

— Não importa. Lincoln Park costumava ser um bairro de


merda. Agora Vince Vaughn mora lá.

Papa considera. Eu não falo enquanto ele pensa. Você não


mexe o cimento quando ele já está firme.

Por fim, ele acena com a cabeça.

— Vou marcar uma reunião com os Griffins para discutir,


— diz ele.

Ruborizado com o sucesso, pego um dos biscoitos de


Greta, mergulho no último gole do meu café e desço as escadas
para a garagem subterrânea.

Se eu me identificasse com algum super-herói, seria o


Batman. Esta é minha Batcaverna. Eu poderia viver nela
indefinidamente, brincando com máquinas e só saindo à noite
para ter problemas.

Atualmente estou trabalhando em uma motocicleta


Indian Scout 1930, um Shelby CSX 1965 e um Chevy Corvette
1973. Além do Mustang que tenho dirigido. É um Boss 302 de
1970, dourado com listras pretas de corrida. Todo em metal
original, V-8 com transmissão manual, apenas 77.250
quilômetros nele. Troquei os assentos de vinil por couro de
ovelha.

Então há meu favorito absoluto. O carro que procurei


durante anos para encontrar: o Talbot Lago Grand Sport.
Passei mais horas com aquele bebê do que todos os outros
juntos. É meu único amor verdadeiro. Aquele que nunca vou
vender.

A única coisa que sinto o menor sentimentalismo são


meus carros. Somente a maquinaria me dá aquele impulso de
cuidar e nutrir. É a única vez que posso ser paciente e
cuidadoso. Quando estou dirigindo, realmente me sinto calmo.
E até um pouco feliz. O vento sopra em meu rosto. Acelerando
em uma estrada aberta, tudo parece limpo e brilhante. Não
vejo os pequenos detalhes – as rachaduras, sujeira e feiura.
Não até que eu pare e comece a andar novamente.

Enfim, é por isso que gosto mais do verão. Porque eu


posso passear o dia todo e não me preocupar se meus carros
ficarem fodidos com neve, granizo e sal na estrada.
Eu nem me importo de ser o chofer de Dante. Temos um
monte de lugares para ir esta manhã – temos que deixar a folha
de pagamento para nossas equipes de construção. Todos
querem ser pagos em dinheiro, porque metade deles deve
pensão alimentícia e impostos e ainda precisam de dinheiro
para bebidas, jogos de azar e aluguel. Falando em jogos de
azar, temos que limpar o ringue de pôquer ilegal que estamos
retirando do King's Arms Hotel.

Grande parte do nosso dia é esse tipo de trabalho tedioso.


Sinto falta da injeção de adrenalina de fazer trabalhos
adequados.

Quando eu tinha quinze anos e Dante vinte e um,


costumávamos fazer a merda mais maluca. Assaltos a
caminhões blindados, até alguns assaltos a banco. Então ele
se alistou do nada e passou os seis anos seguintes no Iraque.
Quando voltou, ele estava completamente diferente. Mal fala.
Ele não aguenta piada. E perdeu aquele espírito temerário.

Depois de fazermos a ronda, almoçamos no Coco Pazzo,


depois Dante tem que se encontrar com nosso capataz. Não
tenho nenhum interesse nisso, então eu o deixo, planejando
voltar para casa e fazer alguns trabalhos no Mustang. Desde
que liguei o motor, ele está superaquecendo loucamente. Não
ajuda nada o fato de que está quarenta graus hoje e Dante está
sentado no meu banco do passageiro como um bloco de granito
de 110 quilos, colocando pressão no motor.
Na verdade, embora eu esteja dirigindo devagar no
caminho para casa, meus medidores continuam subindo cada
vez mais, e o carro está se esforçando para subir a mais ínfima
das colinas. Porra. Posso nem mesmo conseguir voltar.

Enquanto estou dirigindo pela Wells Street, vejo a placa


desgastada da Axel Auto. Impulsivamente, puxo o volante para
a esquerda, dando a volta na lateral do prédio para poder
estacionar na garagem de automóveis.

Eu não venho aqui há séculos. Axel Rivera pedia peças


para mim, antes que você pudesse comprar qualquer coisa
online. E ele costumava trabalhar para meu pai, antes de eu
chegar a um nível em que pudesse consertar qualquer um de
nossos veículos sozinho.

Espero ver Axel trabalhando no box como se nenhum


tempo tivesse passado.

Em vez disso, vejo uma figura muito mais esguia curvada


sob o capô de um Accord, lutando com algo no motor. Camille
está lutando com um pedaço, finalmente puxando-o para fora
e endireitando-se. Ela coloca a tampa em um banco próximo,
enxugando o rosto suado com as costas do braço. Então,
decidindo que não é o suficiente, ela tira a camisa, usando-a
para secar o rosto, pescoço e peito com uma toalha.

Ela está vestindo apenas um sutiã de algodão liso por


baixo, molhado de suor. Estou surpreso ao ver como Camille
está em forma. Seus braços são magros e fortes, e há uma
linha de músculo de cada lado do umbigo. Além disso, ela tem
mais em cima do que eu poderia imaginar – seios fartos e
macios, cobertos pelo material úmido e aderente do sutiã. Ela
sempre se veste como um cara. Acontece que ela é na verdade
uma garota sob toda aquela sujeira.

Eu limpo minha garganta. Camille pula como um gato


assustado. Quando ela vê quem é, ela me encara e puxa a
camiseta de volta sobre a cabeça.

— Isso não é um show erótico, — ela retruca. — Exotica


fica a doze quarteirões dessa direção.

— Exotica queimou, — digo a ela.

Na verdade, eu mesmo queimei, quando estava brigando


com o dono. Foi minha primeira incursão em um incêndio
criminoso. Foi muito satisfatório ver as chamas rugindo como
uma coisa viva, como um demônio convocado do inferno. Eu
pude ver como as pessoas ficam viciadas nisso.

— Mesmo? — Camille diz, olhos arregalados. Ela tem


olhos extremamente escuros – uma cor castanho profundo e
líquido, tão escuro quanto seu cabelo e cílios. Como ela não
sorri muito, seus olhos dão a maior parte da expressão ao
rosto. Ela parece nervosa com o que eu disse.

Oh, isso mesmo – Exotica é onde sua mãe trabalhava.

— Sim, — eu digo. — Queimou no inverno. É apenas um


lote vazio agora.
Ela parece desconfiada, como se ela pensasse que estou
fodendo com ela.

— Como queimou?

— Acho que alguém girou em torno de um poste muito


rápido, — sorrio. — Atrito do fio dental. Basta uma faísca para
iniciar um incêndio.

Ou várias latas de gasolina e um isqueiro.

Camille franze a testa para mim. — O que você quer? —


Ela diz.

— Esse é o seu melhor atendimento ao cliente? — Eu


pergunto a ela. — Não admira que este lugar esteja tão
ocupado.

Eu finjo olhar em volta para uma série de clientes


invisíveis.

As narinas de Camille dilatam-se.

— Você não é um cliente, — ela sibila.

— Eu posso ser, — eu digo. — Meu motor está


superaquecendo. Quero dar uma olhada antes de dirigir o resto
do caminho para casa.

Não peço permissão para puxá-lo para um box; apenas


dirijo o carro para uma cabine vazia. Então eu saio e abro o
capô.

Camille aparece, curiosa apesar de si mesma.


— Você tem usado peças originais? — Ela me pergunta.
— Você pode obter quase qualquer coisa para os modelos de
1965 a 1968, mas assim que você avança para 1971 a 1973...

— Este é 1970, — digo a ela.

— Ainda...

— É tudo original! — Eu estalo.

— Algum desempenho do kit de freio?

— Bem... sim.

Ela faz um irritante “Hmph!”, como se ela tivesse provado


seu ponto.

Estou começando a me lembrar por que ninguém gostava


de Camille na escola. Porque ela é uma pequena sabe-tudo
teimosa.

— Você adicionou um turbo? — Ela diz. — Qual é a


potência atual?

Ela está realmente me irritando. Ela está agindo como se


eu fosse um garoto rico da Wacker Drive, sem saber porra
nenhuma sobre o meu próprio carro.

— Não está desequilibrado! — Eu estalo.

— Então por que está superaquecendo?

— Você me diz, gênia mecânica!


Ela se endireita, olhando para mim. — Eu não tenho que
te dizer nada. Eu não trabalho para você.

— Onde está o seu pai? — Eu digo. — Ele sabe o que está


fazendo.

Eu sabia que isso iria irritá-la, mas subestimei o quanto.


Ela agarra a chave inglesa mais próxima e a brande como se
fosse me bater na cabeça com ela.

— Ele está dormindo! — Ela grita. — E mesmo se não


estivesse, ele diria exatamente a mesma coisa que estou
dizendo. Que é FODA-SE!

Ela se vira e sai furiosa da garagem, subindo as escadas


para sabe-se lá onde. Provavelmente seu apartamento. Tenho
certeza de que toda a família dela mora acima da loja. “Toda a
família” significa seu pai e aquele irmão mais novo que está
vendendo ecstasy para Levi. Eu me pergunto se ela sabe disso.
Eu não acho que Camille sequer bebeu no colégio – ela sempre
foi o tipo responsável.

Bem, isso é problema dela, não meu.

Meu problema agora é fazer meu carro andar sem


problemas novamente. E se Camille vai pular fora, então ainda
vou usar suas ferramentas. Não fazia sentido deixar uma
garagem em perfeito estado ir para o lixo.

A maior parte de seu equipamento é mais antigo que


Moisés, mas é bem conservado, organizado e limpo. Eu coloco
o rádio em uma estação melhor, então não tenho que ouvir
Shakira ou o que quer que seja. Logo estou até o cotovelo no
motor, separando o Mustang.

Depois de cerca de uma hora, concluí que pode ter havido


um pouquinho de verdade no que Camille disse. Com algumas
das modificações que fiz no motor, ele está funcionando com o
dobro da potência que originalmente deveria suportar. Posso
precisar repensar algumas das adições.

Mas isso é trabalho para minha própria garagem. Por


enquanto, só preciso completar o resfriamento. Eu resolvo isso
e jogo algumas centenas de dólares na bancada em troca das
ferramentas e materiais.

Posso ser um criminoso, mas não sou pão-duro.


5

Estou tão brava que poderia gritar!

Quem diabos Nero pensa que é, entrando na minha loja


e agindo como se eu apenas varresse o chão por aqui?

Posso ouvi-lo mexendo nas minhas ferramentas. Estou


pensando em pegar a lavadora de alta pressão e arrancá-lo de
lá como um cachorro de ferro-velho.

Só não faço isso porque meu pai começa a tossir de novo.


Ele deveria estar tirando um cochilo, mas ele continua
acordando a cada dez minutos com outra rodada de tiques e
gemidos. Eu me sinto congelada no lugar na cozinha, vacilando
entre entrar para ver como ele está e deixá-lo sozinho se ele
estiver caindo no sono novamente.

Tenho uma sensação nauseante de pavor, como se


estivesse em um prédio abandonado e as paredes começassem
a desmoronar ao meu redor. Vic está se metendo em
problemas. Esse policial está na minha bunda. E agora algo
está errado com meu pai. Não é apenas a tosse – ele está doente
há um tempo. Mas não temos seguro. Somos autônomos. Já
olhei várias vezes e o plano mais barato que conseguiríamos é
de mil e duzentos dólares por mês. Tenho sorte de ter uns cem
dólares extras depois de pagarmos por serviços públicos,
mantimentos e o aluguel deste lugar, que continua
aumentando a cada ano.

Eu continuo trabalhando cada vez mais, apenas para ver


meus sonhos escorregarem por entre meus dedos como areia.
Eu quero que meu irmão vá para uma boa escola e se torne
alguém grande, como um médico ou engenheiro. Eu quero que
ele more em uma daquelas casas grandes e chiques em Old
Town, não em um apartamento. Quero que meu pai tenha uma
grande poupança para que possa se aposentar quando a parte
pesada do trabalho for demais para ele. Quero que ele possa
tirar férias em algum lugar ensolarado de vez em quando.

E para mim...

Eu não sei. Eu nem sei o que quero para mim.

Eu quero não me sentir como uma perdedora de merda.


Quero ter tempo para amigos e namoro. E adoraria poder fazer
o tipo de trabalho que realmente me interessa. Amo carros,
mais do que tudo. Mas trocar as pastilhas de freio é, na melhor
das hipóteses, tedioso. Adoraria poder fazer projetos mais
criativos.

Há um enorme mercado para modificações


personalizadas e está crescendo o tempo todo. Se eu tivesse
capital, poderíamos fazer acabamentos foscos, envoltórios de
vinil, luzes customizadas, kits de carroceria, todo tipo de coisa.
Isso é apenas um sonho, no entanto. Mal pagamos o
equipamento que temos. E se meu pai não melhorar logo,
também não vamos ter trabalho extra.

Pelo menos ele está se acalmando, finalmente. Acho que


ele está realmente dormindo.

Eu faço torrada com manteiga de amendoim para mim e


como com um copo de leite. Quando tenho certeza de que ele
está descansando um pouco e o barulho que vem de seu quarto
é apenas um ronco, coloco meu prato na pia e volto para a
garagem para dizer a Nero que se mande.

Parece que ele já se foi.

O lado direito do box está vazio, seu Mustang


aparentemente consertado o suficiente para levá-lo de volta
para casa.

O rádio está tocando Drake. Ele mudou minha estação.


Não há profundezas a que este homem não vá afundar? Eu
coloco de volta na Top Hits, mudando para “Watermelon
Sugar” ao invés. Obrigada, Harry Styles. Você é um verdadeiro
cavalheiro. Você nunca iria foder com as chaves de torque de
uma mulher e depois forçá-la a ouvir o pior produto de
exportação do Canadá.

Pelo menos Nero limpou depois de usar. Na realidade... a


única coisa que ele deixou fora do lugar foi um maço de notas
na bancada.
Eu ando até ele, lentamente, como se pudesse haver um
escorpião escondido dentro.

Eu pego. Há seiscentos dólares aqui. Todas são notas de


cem, é claro. Idiota.

Eu seguro as notas, me perguntando por que Nero se


preocupou em deixar dinheiro. Não porque ele se sentiu
culpado por ser um idiota – nunca o ouvi se desculpar por
nada, nem uma vez. Não quando ele quebrou o braço de Chris
Jenkin durante a aula de basquete de ginástica. E certamente
não quando ele recebeu um boquete das gêmeas Henderson,
no mesmo dia, com uma hora de intervalo, sem dizer a
nenhuma das irmãs que ele estava indo atrás de uma
combinação.

E isso foi apenas na merda do ensino médio. Ele fez muito


pior desde então. Atividade criminosa séria, se os rumores
forem verdadeiros. Dizem que ele está na máfia italiana, junto
com seu irmão. Eu não duvido disso. Seu pai é um chefão, não
apenas um mafioso regular.

Lembro-me da primeira vez que vi Enzo Gallo estacionar


em um Lincoln Town Car cinza e elegante que parecia ter um
quilômetro de comprimento. Ele saiu da parte de trás vestindo
um terno de três peças, sapatos Oxford e um sobretudo xadrez.
Eu nunca tinha visto um homem vestido assim. Achei que ele
fosse o presidente.

Ele apertou a mão de meu pai e eles conversaram por um


longo tempo. Eles estavam rindo em um ponto. Pensei que eles
deveriam ser amigos. Depois descobri que o Enzo é assim com
todo mundo. Ele conhece todos em nossa vizinhança – os
italianos e todo mundo.

Ele é um ditador benevolente. Meu pai me disse que, a


certa altura, todas as empresas no noroeste de Chicago
pagaram uma taxa de proteção de 5% aos Gallos. Os irlandeses
tinham o nordeste. Mas quando os Gallos entraram no ramo
da construção civil, eles reduziram a extorsão à moda antiga.

Agora vejo seu nome em arranha-céus no centro da


cidade. Realmente não consigo imaginar Nero trabalhando em
uma retroescavadeira. Agora, enterrando um corpo sob uma
fundação... eu posso definitivamente ver. Aposto que ele
sorriria enquanto o fizesse.

Não, se Nero deixou dinheiro, não foi para ser legal. É


porque seiscentos dólares são alguns trocados para ele.

Para mim, não. Eu coloco no meu macacão. São os


mantimentos de dois meses, ou um quarto do aluguel. Eu
aceito, mesmo que venha do bolso do demônio.

Eu termino de completar os fluidos no Accord, então vou


para o minúsculo escritório da frente para pagar algumas
contas.

Enquanto estou mexendo em nosso pagamento de contas


online, meu celular começa a zumbir. Pego sem olhar,
pensando que é Vic querendo uma carona do trabalho para
casa.
— Você já sentiu minha falta, Camille? — Uma voz
masculina diz.

Eu me afasto do telefone, olhando para o nome no visor:


Policial Dickhole15.

— Eu realmente não tive a chance de sentir sua falta, —


eu digo. — Tente ficar longe por mais tempo.

Ele ri. — Eu sabia que tinha escolhido a garota certa, —


diz ele. — O que você fará esta noite?

— Organizar minhas meias.

— Pense de novo. Você vai para Wacker Drive.

— O que há em Wacker Drive? — Eu pergunto


inocentemente.

— Você sabe exatamente o quê, — diz Schultz. — Estou


surpreso por não ter visto você lá.

— Eu conserto carros. Eu não os bato em postes, — eu


digo.

— Bem, tenho certeza de que você vai gostar do show de


qualquer maneira, — diz Schultz. — Seja agradável com Levi.
Comece a ser melhor amiga de todos os seus amigos do ensino
médio novamente.

Eu tremo. Schultz conhece minha conexão com essas


pessoas. Ele está aprendendo mais sobre mim. Não quero ser

15 Idiota.
amigável, tenho certeza. Ele está afundando seus ganchos
cada vez mais fundo.

Guardo todas as minhas roupas no armário de casacos.


Meu quartinho improvisado não tem armário, nem espaço para
cômoda. Eu só tenho algumas roupas de qualquer maneira. A
maioria delas tem a mesma aparência. Jeans. Algumas
camisetas. Camisetas que vêm em um pacote de cinco da
Hanes. Um par de shorts que costumava ser uma velha calça
jeans.

Eu os visto, junto com um tênis e uma camiseta. Então


olho no espelho do banheiro. Tiro a bandana azul-marinho que
prende meu cabelo. Meus cachos saltam, crespos na umidade
do verão.

Eu gostaria de ter cachos Beyoncé. O que eu realmente


tenho são cachos Howard Stern, onde eles se destacam por
toda parte como se eu tivesse sido eletrocutada. Até as pontas
estão um pouco mais claras do sol, como se realmente
tivessem sido eletrocutadas com dez mil volts. Eu geralmente
os mantenho amarrados.

De jeito nenhum vou usar meu cabelo solto. Mas posso,


pelo menos, colocá-lo corretamente. Esfrego um pouco de
manteiga de karité e depois torço em um coque no topo da
cabeça. Alguns cachos aparecem, mas não me importo. É bom
o suficiente.

Pego meu Trans Am e dirijo até Lower Wacker Drive.


Wacker é como três rodovias empilhadas uma em cima da
outra. As duas primeiras ruas têm tráfego, mas a estrada mais
baixa é muito menos movimentada. Ela corre paralela ao rio,
com pesadas vigas de suporte que delimitam a estrada em
ambos os lados.

Já estive aqui antes, uma ou duas vezes, embora


aparentemente não quando Schultz estava por perto para ver.
Não pude resistir a ver alguns dos carros mais rápidos da
cidade se enfrentando em corridas de rua ilegais.

Não é apenas um racha. São drifting16 e burnouts17


também. De vez em quando, uma corrida fica fora de controle
e alguém bate em um carro estacionado ou poste. Esse alguém
foi Nero Gallo no outono passado, ou foi o que ouvi. Ele bateu
seu amado Bel Air competindo com Johnny Verger. Foi
estúpido da parte dele até mesmo tentar – um carro clássico
não pode competir com um BMW novinho em folha, nem em
velocidade nem em manuseamento, independentemente das
modificações que Nero fez nele. Mas esse é o problema dele.
Ele tem seu nível normal de loucura. E então ele tem seus
momentos em que parece desejar a imolação pura. Ele é

16 Técnica de direção de carros em que o motorista gira o volante para que as rodas dianteiras estejam

sempre em uma direção oposta à curva, controlando o nível de derrapagem, fazendo o carro
literalmente andar de lado.
17 Manobra de carro em que o motorista mantém o veículo parado, mas com as rodas girando

rapidamente, fazendo com que o atrito do pneu com o chão, gere fumaça ou faíscas.
alguém que deseja sair em um momento de glória. O “sair” é
mais importante do que o “momento de glória”.

Quando chego lá, vejo meia dúzia de carros com os faróis


acesos, circulando preguiçosamente, com mais uma dúzia
estacionados ao redor. Vejo Supras, Lancers, Mustangs,
Imprezas, alguns M-2s e um Nissan GT-R prata cromado.

Eu estaciono meu carro e me junto à multidão,


procurando por pessoas que conheço.

Vejo Patricia Porter. Ela é uma linda garota negra que


estava um ano à minha frente na escola. Ela tem o cabelo preso
em um rabo de cavalo alto e uma pequena argola de ouro na
lateral do nariz.

— Patricia! — Eu chamo.

Ela olha para cima, demorando um segundo para se fixar


em mim, antes de abrir um sorriso.

— Faz muito tempo que não vejo você, — ela diz.

— Eu sei. Sou sem graça. Eu não saio.

Ela ri. — Eu também. Trabalho muitas noites, a menos


que alguém queira me encontrar para um brunch quando eu
sair...

— Onde você trabalha?

— Midtown Medical. Eu sou uma técnica de raio-x.

— Estou surpresa que você não esteja brilhando, então.


— Quer dizer, eu uso um avental de chumbo. Mas sim,
desenvolvi vários superpoderes até agora...

Estou feliz em vê-la. É bom lembrar que nem todo mundo


com quem fui à escola era um idiota. Apenas a maioria deles,
infelizmente.

Falando nisso, Bella Page está rondando por aí. Não com
suas pequenas seguidoras desta vez, mas com um cara que eu
não conheço – ele está vestindo uma jaqueta jeans e tem um
visual meio europeu oriental, todo o cabelo penteado para trás
e maçãs do rosto salientes. Há uma cruz tatuada na lateral do
pescoço.

Ele é o dono do GT-R, aparentemente. Ele tem ótimo gosto


para carros, senão para mulheres. Eles o chamam de Godzilla
por um motivo. Você pode contornar as vigas em um desses
como se estivesse descendo uma maldita montanha em
ziguezague.

Eu estava planejando ficar realmente parada e esperar


que Bella não me visse, até que Patricia grite, — Ei, Bella –
onde estão seus suportes de livros?

Bella franze a testa para nós, irritada por termos dado o


primeiro tiro antes mesmo dela nos ver.

— Elas não estão aqui esta noite, — diz ela.

— Isso é estranho, — Patricia diz. — Eu pensei que elas


foram colocadas cirurgicamente.
— Isso se chama ter amigos, — Bella diz, em seu tom mais
doce e condescendente. — É por isso que somos The Queen
Bees, e vocês duas perdedoras mal são um D18.

Eu balanço minha cabeça para ela.

— Você realmente não mudou desde o colégio, — digo a


ela. — Isso não é um elogio.

— Sim. Vocês sabem que se deram seu próprio apelido.


Isso é péssimo, — diz Patricia.

Eu bufo.

Não sei quem as chamou de The Queen Bees, mas


certamente posso imaginar aquelas três vadias sentadas
discutindo ideias. Provavelmente levou a tarde toda.

Bella estreita os olhos para nós até que eles sejam como
duas fendas verticais azuis brilhantes.

— Você sabe o que mais não mudou desde o colégio? —


Ela diz. — Vocês duas ainda são feias, pobres e com ciúme
total de mim.

— Bem, você acertou um em três, — digo a ela. — Estou


muito falida.

— Obviamente, — Bella diz, deixando seus olhos


varrerem toda a minha pessoa. Então ela se vira e se afasta,

18A autora fez uma referência à grade de notas usada nos EUA, onde um D seria o mesmo que um 6
em uma prova.
para se juntar ao namorado que não parece ter notado que ela
sumiu.

Patricia ri, totalmente despreocupada com aquele


pequeno encontro.

— Deus, eu pensei que ela estaria morando em outro


lugar agora, — ela diz. — Torturando alguns outros cidadãos
inocentes.

— Inocente é um exagero... — Eu digo.

Alguns dos carros já estão se alinhando – os modelos


japoneses firmes e eficientes e o poderoso músculo americano.
Eu vejo um Supra branco com um longo arranhão na lateral
esperando ao lado de um Impreza roxo.

Patricia parece profundamente interessada nesta corrida


em particular. Ela está observando de perto, mordendo a ponta
da unha do polegar.

Os carros decolam, gritando fora da linha. O Impreza sai


primeiro na frente, mais rápido, mas o Supra começa a
alcançá-lo na reta. Há uma curva antes da linha de chegada –
o Supra é forçado para fora, mas sai na frente novamente
quando os carros se endireitam. Eles cruzam a linha de
chegada, o Supra à frente por uma polegada.

É apenas quatrocentos metros. Durou um total de


quatorze segundos.
Mesmo assim, não consegui respirar o tempo todo. Meu
coração está na minha garganta e sou atingida por um vívido
raio de alegria.

Patricia parece igualmente emocionada – ela solta um


grito de felicidade, como se estivesse torcendo pelo Supra o
tempo todo.

— Quem era aquele? — Eu pergunto a ela.

Ela cora, parecendo um pouco envergonhada. — Esse


cara, Mason, — ela diz. — Estamos meio que namorando.

Os dois carros dão a volta. Patricia se apressa para


encontrá-los, correndo através dos feixes dos faróis deles. Sigo
atrás dela, curiosa para ver esse Mason.

Ele sai do Supra: alto, magro, com relâmpagos raspados


na lateral do cabelo, vestindo um jeans skinny rasgado.

Ele está rindo do motorista do Impreza.

— Eu disse a você, você não tem a velocidade máxima...

Mason interrompe ao ver Patricia.

— Patricia! Baby! Por que você não atende o telefone? —


Ele chora. — Eu liguei para você oitocentas vezes. Ouça, estou
lhe dizendo, baby, eu nunca te traí...

— Eu sei disso, — Patricia disse calmamente.


— Você sabe... — Ele a encara. — Se você sabe disso...
então por que...que porra... você riscou meu CARRO!? — Ele
grita.

— PORQUE VOCÊ DEIXOU MINHA AVÓ NO


AEROPORTO! — Patricia grita de volta para ele. — Você disse
que iria buscá-la enquanto eu estava no trabalho! Ela esperou
TRÊS HORAS, MASON! Essa mulher tem oitenta e sete anos!
Ela viu o Hindenburg explodir. Na verdade, ela ouviu –
PORQUE NÃO HAVIA TV, PORRA!

Mason está parado ali, congelado, com uma careta de


culpa no rosto. Ele definitivamente esqueceu tudo sobre a avó
de Patricia até este exato momento.

— Ok, ok, — ele diz, erguendo as mãos. — Eu posso ter


adormecido...

— ADORMECIDO?

— Mas você não tinha que riscar meu carro, baby! É um


clássico!

— Nana é um clássico, Mason! NANA!

Isso é muito melhor do que um racha. Um grande círculo


de pessoas se formou ao nosso redor, e eu juro por Deus,
alguém está apostando se Patricia vai bater em Mason ou ir
para o carro dele novamente.

— Ela teve que comer no Wendy's do aeroporto, Mason!


Isso é muito pior do que o Wendy's normal!
Naquele momento, vejo Levi Cargill parado no lado oposto
do círculo. Ele está vestindo um agasalho esportivo rosa
choque e um diamante do tamanho da minha unha do dedo
mindinho na orelha direita. Não consigo entender por que o
policial Schultz precisa da minha ajuda para rastrear Levi,
quando você provavelmente pode vê-lo do espaço sideral.

Eu me aproximo dele, querendo falar com ele a sós.

Ele está falando com dois caras que parecem bandidos.


Quando eu faço contato visual, ele se afasta da mochila e se
aproxima.

— Quer comprar alguma coisa? — Ele me pergunta.

— Não, — eu digo.

Ele deixa seus olhos vagarem pelo meu corpo, sorrindo


sugestivamente. — Você quer algo de graça, então? É grande e
grosso e eu posso...

— Na verdade, é sobre meu irmão.

— Quem?

— Victor.

— Oh. — Ele para de sorrir. — Você o arrastou para fora


da minha festa na noite passada.

— Certo. Ele não vem mais para isso. E ele não está
vendendo mais para você também.
Os lábios de Levi se estreitam em uma linha longa e reta.
Ele suga o ar pelas narinas.

— Isso não depende de você, — ele diz. — É entre mim e


Vic.

— Victor tem dezessete anos, — eu digo baixinho. — Ele


é menor de idade e não está vendendo drogas para você.

Levi agarra meu braço entre os dedos que parecem pinças


de aço. Ele me arrasta para longe do círculo de faróis, para trás
de um pilar de cimento.

— Aqui está o problema, — ele sibila. — Seu irmão me


deve cento e cinquenta comprimidos. E ele também me deve
um novo revendedor, se estiver planejando sair.

— Eram cento e dez, — eu digo.

— Ele está me pagando por cento e cinquenta ou esse é o


número de golpes que eu vou praticar com meu taco de golfe
na parte de trás de seu crânio, — Levi cospe na minha cara,
cavando seus dedos em meu braço.

— Quanto custa isso? — Eu murmuro, tentando não


mostrar o quanto dói.

— Dez dólares o comprimido, — diz Levi.

Não tem como eles custarem tanto assim. Mas ele está
obviamente determinado a me extorquir.
— Tudo bem, — eu rosno. — Vou pegar o dinheiro para
você.

— Sim? E o revendedor?

Eu hesito. Eu não quero desabar sobre esse cara. Não


quero mais vê-lo depois de hoje.

Mas tem alguém que não vai me deixar voltar para casa e
esconder minha cabeça debaixo do travesseiro. O policial
Schultz espera que eu obtenha informações. Ele vai esperar
muito mais do que a notícia de que Vic “saiu”.

— Eu farei isso, — eu digo.

— Você? — Levi zomba.

Eu puxo meu braço de seu aperto. — Sim, — eu digo. —


Eu conheço muito mais pessoas do que Victor. As pessoas
entram e saem da minha loja o dia todo. Provavelmente posso
dobrar as vendas de Vic.

— Eu pensei que você fosse uma boa menina, — Levi diz,


desconfiado. — Ouvi dizer que você nem mesmo chupa um pau
com as luzes acesas.

— Luzes acesas ou apagadas não importa para mim, —


eu digo para Levi. — De qualquer maneira, eu não tocaria no
seu por qualquer preço.

Levi bufa. — Você também não é meu tipo, sua vadia


vestida de Justin Bieber.
Eu quero dizer a Levi que ele parece uma mãe legal, mas
guardo isso para mim. A única maneira de sujar esse cara é
trabalhando para ele. E se é isso que tenho que fazer para tirar
Schultz do meu pé, bem... Eu não tenho outra escolha.

— É o melhor que posso fazer, — digo a ele. — Meu irmão


vai para a faculdade. Ele não vai ficar por aqui como o resto de
nós.

Levi zomba.

— Eu fui para a faculdade. Há mais drogas no campus do


que no resto da cidade.

— Sim, bem, também há diplomas.

Levi me olha uma última vez.

— Tudo bem, — diz ele. — Venha em casa amanhã.

— Perfeito. Eu irei.

Eu me afasto dele, tentando não hiperventilar.

Ótimo. Agora sou traficante de drogas.

Não estou exatamente com vontade de comemorar, mas


pelo menos terei algo para dizer a Schultz na próxima vez que
ele ligar. A menos que ele seja atropelado por um ônibus nesse
meio tempo.
6

Eu não estava planejando descer para Wacker Drive.


Correr é estúpido, eu sei disso. Mas isso me atrai de novo e de
novo. É aquele cheiro de combustível de alta octanagem e a
forma como os motores rosnam como uma besta sob o capô.
Um carro quer correr como um cavalo.

E eu quero estar atrás do volante.

O tempo fica mais lento. Você pode viver um ano inteiro


no espaço de quatorze segundos. Posso ver tudo – cada seixo
na calçada, cada gota de umidade no para-brisa. Posso sentir
todo o funcionamento do motor através da vibração da
alavanca de câmbio sob minha palma.

Bati meu Bel Air aqui. Aquela foi uma noite ruim. Eu
estava furioso pra caralho. Em um daqueles estados onde sinto
vontade de ver a cidade inteira queimar ao meu redor. Não sei
por que fico assim. Há algo errado comigo.

Se sinto algo doloroso, quero mais dor, mais raiva, mais


violência.

Talvez seja porque você não consegue se livrar da dor.


Tudo o que você pode fazer é tentar queimar tudo.
De qualquer forma, Mason está correndo hoje à noite e eu
quero ver isso.

Ele tem seu Supra contra o Impreza de Vinny. É uma


corrida amigável – dois mil dólares em jogo.

Enquanto os carros estão se alinhando, vejo um familiar


Trans Am vermelho parando sob a estrada coberta. Camille
Rivera desliza para fora do banco do motorista. Ela está vestida
com roupas normais pela primeira vez – bem, normal em
comparação com seu macacão usual. Ela está falando com a
ex-namorada de Mason.

É estranho. Eu não via Camille há anos. Agora ela sai


duas vezes por semana.

Bella Page está aqui também, com Grisha Lukin. Ele é


russo – nasceu aqui, mas seu pai é um oligarca da velha
guarda com laços com a Bratva. Minha família está em uma
situação difícil com a Bratva agora. Os russos ainda não
escolheram um novo chefe, depois que os Griffins mataram o
antigo.

De qualquer forma, conheço Grisha há muito tempo.


Então, devemos ser legais. Ou, pelo menos, frio o suficiente
para mantê-lo civilizado.

Ele me dá um breve aceno de cabeça quando travamos os


olhos. Faço o mesmo. Estou sentado no capô do meu Mustang,
bebendo um forty Olde English19. É uma merda absoluta, mas
dá uma agitação agradável. Era tudo o que tinham no bar da
Quincy Street.

Mason e Vinny saem da linha, correndo pela estrada


coberta. O Impreza tem mais potência para começar, mas o
Supra o alcança no final, e Mason o ultrapassa.

Assisti-los correr me dá vontade de fazer isso também.


Sinto aquela coceira, em que minha cabeça começa a ficar
confusa e meus pensamentos estão todos confusos, e sei que
a única coisa que me dará clareza é acelerar na estrada a
duzentos e sessenta quilômetros por hora.

— Coloque-me na escalação, — digo a Carlo. Ele está


executando as corridas esta noite.

— Com quem? — Ele diz.

— Eu não me importo.

Vou correr com qualquer um. Não é pelo dinheiro. É o


desafio.

Percebo que Camille está falando com Levi Cargill. Ela


parece irritada. Nenhuma surpresa nisso – Camille é tão
espinhosa quanto um ouriço, mesmo nas melhores
circunstâncias. Mas eu não vi isso ligado a Levi antes. Talvez

19Cerveja considerada licor de malte, chamada assim nos EUA por ter um alto teor alcoólico.
Geralmente são vendidas em garrafas de 1.183 litros, também chamadas de “forty ounces”.
Camille tenha descoberto que ele está usando seu irmão para
mover ecstasy.

É melhor ela ter cuidado. Levi pode parecer um idiota


total, mas ele tem um temperamento desagradável. Às vezes,
os meninos ricos são os piores bandidos de todos. Eles querem
provar que são durões.

Eu posso sentir que estou ficando tenso. Meus olhos


estão fixos nos dois, em Levi em particular. Apenas esperando
que ele enfiasse a mão no bolso ou levantasse a mão para ela.

Não sei por que deveria me importar. Camille e eu nem


somos amigos.

Mas acho que a respeito um pouco. Ela não é enfadonha,


como as amigas de Bella, ou cheirando a desespero como a
própria Bella. Camille é... real. Ela é quem ela é e não se
desculpa. Há honestidade nisso.

Talvez essa seja a verdadeira razão pela qual Bella a


odeia. Porque Bella está se esforçando tanto para ser a pessoa
mais bonita, mais desejável e mais fascinante ao redor, e isso
nunca realmente funciona, e ela sabe disso. E então aqui está
essa outra garota que não está tentando ser nenhuma dessas
coisas. E é como um insulto para Bella. Porque Camille nem
quer jogar o jogo, então como Bella pode ganhar?

Ou talvez eu esteja bêbado.


Eu não sei o que diabos se passa na cabeça de Bella. Tudo
o que sei é que ela está confrontando Camille novamente,
começando outro conflito em sua guerra sem fim.

Eu deslizo para fora do capô do carro, andando devagar


para que eu possa ouvir.

— Bem, é uma pena que tudo o que você tem é aquele


monte de lixo rolando, — Bella está dizendo, — ou você pode
participar também. Mas você prefere apenas assistir, não é?
Isso é o que perdedores fazem. Eles ficam de lado observando
pessoas mais interessantes vivendo suas vidas.

— Você pode se surpreender, — Camille diz calmamente.

— Sobre o que? — Bella diz.

— Quão rápida aquela lata enferrujada pode ir. E


também, como poucas pessoas a considerariam interessante.

Bella enrubesce. Ela está sempre fazendo isso consigo


mesma, tentando dominar Camille, e nunca consegue . Você
pensaria que ela teria desistido há muito tempo.

— Duvido que seu carro consiga chegar à linha de


chegada na mesma noite que o meu, — diz Bella.

— Só há uma maneira de saber, — responde Camille.

Bella ri, sem acreditar.

— Qual é a aposta? Não me diga seu carro – eu não


aceitaria aquela lata se você me pagasse.
— Eu tenho seiscentos, — Camille diz. Ela puxa as notas
dobradas do bolso.

Eu bufo. Esse é o meu maldito dinheiro que paguei a ela


esta tarde. Ela vai gastar em uma corrida com Bella?

É completamente estúpido. Mas estou gostando dessa


Camille imprudente. Seu queixo é teimoso e seus olhos
escuros são ferozes.

— Estamos fazendo isso ou não? — Camille diz.

— Eu quero, — Bella zomba. — Vou me sentir tão mal


tirando as economias de toda a sua vida...

— Sim, eu aposto.

Camille se aproxima do Trans Am, subindo no banco do


motorista.

O G-Wagon de Bella não foi feito para corridas. Mesmo


assim, ela tem o modelo mais novo, um V-8 biturbo de 4.0
litros. É rápido, para um tanque de seis mil libras.

No lado oposto, você tem o Trans Am de Camille, que


talvez ela tenha aumentado, ou talvez seja amarrado com
barbante. Acho que vamos descobrir.

Quando chegam à linha, Camille olha para a frente,


descendo o trecho, fria como um pepino. Talvez ela esteja
nervosa, mas não quer demonstrar, por pura teimosia. Bella
está tentando parecer durona, mas ela não se sai tão bem
quanto Camille. Ela manda um beijo para Grisha. Ele sorri,
divertido com tudo isso.

Carlo está parado entre os carros, erguendo os braços


sobre a cabeça. Ele faz a contagem regressiva — Três... dois...
UM!

Seus braços balançam para baixo e os carros saem da


linha.

Camille têm reflexos mais rápidos. Ainda assim, o G-


Wagon se afasta primeiro. Camille tem que mudar de marcha
manualmente, o que significa que ela tem um começo mais
lento. Mas, à medida que ela passa habilmente da segunda
para a terceira para a quarta marcha, o carro salta para frente
em rajadas, como se fosse uma locomotiva e ela estivesse
cavando carga após carga de carvão.

É apenas uma corrida de 400 metros. Menos de quinze


segundos de duração. Talvez dezesseis, com esses dois carros.

Posso ver Mason parado no final da fila, observando para


ver qual veículo passa primeiro.

Camille sobe. O carro dela está mais do que rugindo –


está berrando. Uma nuvem de fumaça sai de baixo do capô.
Ela continua empurrando de qualquer maneira.

Não posso deixar de admirar sua direção. Camille tem


coragem. E ela sabe como tirar o máximo proveito de seu carro.
Enquanto isso, o G-Wagon balança instavelmente em sua
base. É pesado, e Bella provavelmente está com o pedal do
acelerador no chão. Camille enche deliberadamente o SUV.
Bella gira o volante com muita força para corrigir. A oscilação
se transforma em um fishtail20. Camille passa voando,
cruzando a linha de chegada.

Elas circulam de volta, Bella dirigindo imprudentemente


rápido como se ela ainda pudesse vencer, Camille se movendo
com cautela, porque há um fluxo constante de fumaça cinza
escuro saindo do canto de seu capô.

Antes mesmo de Bella sair do carro, ela já grita que


Camille trapaceou. — Isso foi uma palhaçada! Você tentou me
tirar da estrada! — Ela grita.

— Eu não toquei em você, — Camille diz.

— Porque você não se importa se arranhar a merda do


seu carro! — Bella grita, furiosamente. Ela se vira e chuta ao
lado do Trans Am de Camille, fazendo um amassado no painel
do lado do motorista.

Isto é inaceitável nas corridas de rua. Você não fode com


o carro de ninguém.

Camille se lança contra Bella, contida apenas por Patricia


e Carlo, que se jogou entre as meninas.

20Problema de manuseio do veículo que acontece quando as rodas traseiras perdem tração, fazendo
o veículo derrapar.
— Ei, ei, relaxem! — Ele diz, esticando os braços em
direções opostas.

— Está fodendo tudo! — Camille está gritando.

— Parece o mesmo que foi feito antes, — Bella zomba de


volta para ela.

— Aqui, — Grisha coloca um maço de notas na mão de


Camille. — Você ganhou. Há um extra para o carro.

Bella sorri, satisfeita por ter seu namorado pagando por


seus erros.

Camille pega o dinheiro, mas está tão irritada que está


tremendo. Ela está brava porque Bella nem pagou sua aposta,
muito menos o dano. Parece que Camille tem que contar
silenciosamente até dez antes que ela possa se afastar de Bella,
abrindo o capô de seu carro e liberando uma nuvem de fumaça
tingida de óleo.

— Porra de lixo, — Bella sibila, sem especificar se ela está


falando sobre Camille ou seu carro.

Camille a ignora, focada apenas em seu carro.

Mason, Carlo e eu circulamos em volta dela,


irresistivelmente atraídos por nossa curiosidade para ver o que
deu errado. Eu fico ao lado de Camille, olhando por cima do
ombro. É exatamente a posição que tomamos quando ela
estava olhando para o meu carro hoje cedo.

— Aqui estamos nós de novo, — eu digo.


Ela me lança um olhar irritado, sem ver graça nisso.

— Caramba, — diz Mason. — Isso não parece bom...

— POLÍCIA! — Alguém grita.

O efeito é instantâneo. A palavra é como uma granada


lançada no centro do grupo. Todo mundo se espalha.

Não é que eu me importe tanto com uma passagem. Não


seria a minha primeira. Mas não gosto de passar o resto da
noite em uma sala de interrogatório, se os policiais tiverem a
brilhante ideia de tentar me ferrar enquanto têm chance.

Estou prestes a dar o fora, até que vejo Camille parada


indefesa ao lado de seu carro.

— Vamos! — Patricia chama por ela. — Venha conosco!

Patricia está subindo no Supra de Mason. Ela gesticula


freneticamente para Camille se juntar a eles.

— Eu não posso deixar do meu carro! — Camille


responde.

Eu ouço sirenes se aproximando dos dois lados.

Eu deveria apenas sair.

Se Camille quer ser presa, essa é sua escolha idiota.

Camille pousa a palma da mão no carro, com expressão


angustiada. Como se fosse matá-la deixar o Trans Am. Como
se fosse seu bebê.
— Esqueça o carro, — eu grito para Camille. — Você pode
voltar amanhã.

Ela lança um olhar assustado na direção dos carros de


polícia, mas ainda está grudada no Trans Am fumegante. Ouço
pilotos acelerando em todas as direções, enquanto ainda estou
parado aqui como um idiota.

Impulsionado pelo aborrecimento, pego Camille no colo e


a jogo por cima do ombro.

— EI! — Ela grita. — Ponha-me no chão! O que você es...

— Cale a boca, — eu rosno, correndo até o meu carro.

Estou acotovelando Camille, mas não poderia me


importar menos. Eu abro a porta do passageiro e a jogo para
dentro.

— Eu não preciso que você...

Bato a porta na cara dela e corro para o lado do motorista.

Uma viatura está vindo direto para nós. Somos os únicos


idiotas ainda estacionados na avenida principal. Mason já se
retirou assim que me viu agarrar Camille.

O policial está com a sirene tocando e as luzes acesas. No


alto-falante, ele late: — Fiquem onde estão!

Em vez disso, coloco meu pé no acelerador e o pressiono


até o chão.
7

— O que você está fazendo!? — Eu grito enquanto Nero


acelera para longe dos policiais.

Duas viaturas nos perseguem, sirenes uivando


furiosamente. A polícia está dirigindo Chargers, basicamente o
carro policial mais agressivo já construído. Eles são novos,
rápidos e construídos como um tanque, com racks frontais
para nos varrer da estrada se eles pegarem um pedaço de nós.

Nero está olhando para a frente. Seu rosto está


estranhamente calmo. Não, apague isso – acho que ele está
realmente gostando disso. Sua carranca perpétua está
apagada, e o menor indício de um sorriso puxa o canto de seus
lábios.

— Ei, psicopata! — Eu grito com ele. — Acho que eles


querem que você encoste!

— Não vou fazer isso, — diz Nero, calmamente.

Jesus Cristo. Bem quando eu acho que não posso ter


mais problemas, agora estou fugindo da prisão.
Estamos descendo a Wacker Drive, chegando ao fim da
faixa que está relativamente sem tráfego ou semáforos. Logo
vamos ficar presos em ruas transversais.

— Se segure, — diz Nero.

— O quê? Por que...

Ele puxa o freio, girando-nos em um círculo fechado. Os


pneus guincham e o cheiro de borracha derretida enche o
carro. O mundo inteiro gira como um carrossel.

Agora estamos enfrentando os dois carros de polícia


correndo em nossa direção, e Nero pisou fundo no acelerador
novamente. Estamos correndo em direção a eles como um jogo
da galinha21. Eu me abaixo em meu assento, não querendo ser
vista e também sentindo que Nero está prestes a nos jogar de
frente contra a polícia.

Em vez disso, ele dispara no vão entre os dois carros de


polícia com apenas alguns centímetros de sobra de cada lado.
Seu espelho lateral atinge o espelho da viatura, arrancando-o.

Então estamos disparando pela estrada novamente, indo


na direção oposta. Eu ouço o guincho dos carros-patrulha
tentando frear e virar. Os Chargers são rápidos, mas
definitivamente não são tão manobráveis. E presumivelmente,
os policiais que os conduzem realmente se preocupam em

21 É qualquer competição com dois jogadores em que nenhum quer ”recuar” ou deixar o outro ganhar,
apesar de que não recuar possa ser muito perigoso. O clássico jogo da galinha ocorre quando duas
pessoas dirigem carros em alta velocidade diretamente uma contra a outra.
permanecer vivos, então eles não estão girando como um
demônio em um kart.

— Simplesmente pare! — Eu imploro a Nero. — Você vai


nos matar!

— Provavelmente não, — diz ele, como se não se


importasse muito de uma forma ou de outra.

Nero vira forte para a esquerda na Adams, jogando-me


contra a porta do passageiro.

— Você deveria apertar o cinto, — diz ele.

Tento puxar o cinto de segurança pelo corpo, o que não é


fácil quando Nero está pegando cada nova curva como se
estivesse tentando se confundir, apenas puxando o volante
para o lado quando estamos quase passando.

Estamos tecendo através de Greek Town. Ainda posso


ouvir as sirenes, mas não consigo ver os carros-patrulha. Não
sei dizer se eles estão atrás de nós ou a um quarteirão de
distância.

Nero parece saber exatamente onde eles estão, porque ele


fica voltando e mudando de posição.

Tenho que admitir, sua direção é magistral. Nunca vi


alguém dirigir um carro como este, especialmente um velho
Mustang que não foi feito exatamente para isso. Ele muda as
marchas como se elas fossem líquidas, os tendões se
destacando em sua mão e antebraço. Sua pele é lisa e
profundamente bronzeada, sem pelos nos antebraços, então
posso ver cada onda de tensão subindo pela carne.

Seu cabelo preto cai em seu rosto enquanto viramos a


esquina. Ele o joga de volta com um aceno de cabeça, como um
cavalo inquieto. Sua mandíbula está tão rígida quanto seu
braço. Ela flexiona enquanto ele range os dentes.

Enquanto observo Nero dirigir, em vez de observar a


estrada e todos os outros carros que estamos quase batendo,
meu pânico começa a se dissipar. Estou hipnotizada pela visão
dele. Nunca vi alguém tão focado.

Também nunca olhei para Nero por tanto tempo.

Eu nunca pude.

Eu poderia apenas roubar olhares, sabendo que ele


estava tão tenso, tão alerta, que cada vez que eu arriscava um
olhar ele voltava aquele olhar ardente para mim, me
encolhendo a nada no calor de seu olhar. Eu não queria
chamar sua atenção. Eu não queria que ele brigasse comigo
por ousar olhar para ele.

Agora meus olhos estão fixos nele como se o estivesse


vendo pela primeira vez.

É muito.

Ele preenche meu cérebro.

Talvez seja a adrenalina do momento, mas nunca vi nada


mais bonito.
Sua mandíbula é uma linha reta e aguda sob aqueles
lábios ridiculamente carnudos. Sua boca tem um formato
perfeito – beicinho, cruel, móvel, sarcástico. E ainda suave e
infinitamente atraente. Ele parece mais italiano que qualquer
um de seus irmãos, sua pele quase tão morena quanto a
minha. É suave e limpa. Seu nariz largo é forte o suficiente
para equilibrar aqueles lábios. E então você tem os olhos dele...

Deus todo-poderoso, por que você deu ao homem com a


alma mais negra os olhos mais celestiais?

Eles são longos, estreitos e de cor cinza claro. Mais claro


que sua pele. O cinza quase parece prateado, atravessado por
faixas mais escuras que irradiam da pupila como uma
explosão estelar.

Ele vira os olhos para mim, lançando um olhar para a


estrada. Parece que um prego atingiu meu peito. Por apenas
um segundo, eu queria ser bonita, então ele iria querer me
olhar do jeito que estou olhando para ele.

Ele fixa os olhos na estrada novamente.

As sirenes estão um pouco mais distantes agora. Talvez


duas ruas depois.

Nero verifica o espelho retrovisor mais uma vez, depois


vira o volante para a direita e entra em um estacionamento
subterrâneo. Ele nos leva para o segundo nível, parando em
um lugar apertado entre uma van e um caminhão. Ele apaga
as luzes.
— Vamos esperar aqui um minuto, — diz ele.

É apenas no silêncio repentino que ouço meu sangue


correndo em meus ouvidos, e percebo o quão rápido meu
coração está batendo todo esse tempo.

Eu afundo no meu assento, com falta de ar.

Cubro meus olhos com as mãos, tentando bloquear o


carro, a garagem e Nero, para poder respirar.

O peso de todos os problemas em que estou me


pressionando como um bloco de pedra. Victor, meu pai,
Schultz, Levi... Eu posso ver todos eles circulando ao meu
redor, todos precisando de algo. Agora eu nem tenho meu
carro, e estou presa aqui com Nero , prestes a ser presa a
qualquer segundo.

Meu coração está parando no meu peito. Minha


respiração fica mais rápida e irregular. Eu sinto que estou
morrendo.

Nero agarra minha mão e a tira do meu rosto. Ele


pressiona com força a carne entre o polegar e o indicador.

O choque e pressão corta meus pensamentos acelerados.


Concentra todas as sensações naquele ponto da minha mão.

Nero continua apertando, seus dedos fortes tão


implacáveis quanto um torno.

Bem quando a pressão está se transformando em dor, ele


começa a massagear o polegar na minha palma. Ele está
segurando minha mão entre as suas, massageando os
músculos exaustos dos meus dedos e palma.

Nunca percebi como minhas mãos ficam cansadas,


trabalhando o dia todo. A massagem é agonia e êxtase. Isso me
dá um alívio tão poderoso que mal posso suportar.

Minha respiração fica mais lenta. Estou sentada mais


reta, focada apenas na minha mão.

Nero larga a mão esquerda e pega a direita. Ele faz a


mesma coisa, esfregando toda a tensão da minha carne.

Ele parece saber exatamente onde tocar, como se pudesse


ler minhas dores com a ponta dos dedos.

Nunca imaginei que Nero pudesse ter um toque delicado.


Eu o vi entrar em mais lutas do que posso contar. Ele é como
uma arma ambulante – violenta, imprevisível, causando
destruição em tudo o que toca.

Eu também o vi com garotas. Mesmo assim, ele sempre


foi rude e agressivo.

Isso é diferente.

Talvez porque ele não me veja como uma garota.

Ele está me tocando como tocaria no motor de um carro


– com o desejo de consertar. Ele me diagnosticou e está me
fazendo correr bem novamente.
Eu puxo minha mão. — Obrigada, — eu digo. — Estou
bem agora.

— Bom. — Nero concorda.

Ele se vira para frente mais uma vez, percorrendo seu


telefone. Ele põe um pouco de música, baixinho, para o caso
de algum policial estar rondando o estacionamento nos
procurando.

— Aqui, — ele diz.

Ele me passa uma garrafa de licor de malte, cerca de um


terço já bebido.

Eu quase rio. — Isso é o que você bebe?

— Eu bebo o que estiver à mão, — ele diz, sem sorrir.

Eu tomo um gole. Tem um sabor picante e espumoso, sem


o amargor da cerveja. Ela queima no caminho para baixo,
espalhando calor pelo meu peito, ajudando a me acalmar um
pouco mais. Eu tomo outro gole.

— Isso é realmente... nada mal, — digo.

Nero pega a garrafa e bebe vários goles pesados. Eu vejo


sua garganta se movendo a cada gole. Ele a devolve para mim,
enxugando a boca com as costas da mão.

Eu bebo novamente, tentando não pensar que estamos


compartilhando mais do que bebida, nossos lábios tocando a
mesma borda do vidro.
Estamos em silêncio. O único barulho é o balançar do
licor na garrafa e a música que Nero está tocando.

A batida constante do rap é intercalada com um belo


refrão – melancólico e tristonho. Lembro-me de como Nero
mudou minha estação de rádio. Ele deve gostar desse tipo de
coisa. Não é o que eu costumo ouvir, mas estou gostando
agora, com o calor do licor de malte se espalhando pelo meu
corpo e a escuridão do estacionamento subterrâneo nos
envolvendo.

O carro de Nero cheira bem. Quer dizer, cheira muito,


muito bem. Como couro caro, o aroma do licor, óleo de motor
e o perfume masculino do próprio Nero. Eu geralmente não me
sento perto o suficiente dele para notar. Há um cheiro quente
e atraente subindo de sua pele: espinheiro e noz-moscada,
nenhum indício de doçura.

É intoxicante. Ou algo é. Minha cabeça está leve e sinto


uma onda de honestidade. Como se eu devesse apenas dizer o
que estou pensando. Eu nunca faço isso, normalmente. Eu
mantenho meus pensamentos bem trancados.

— Por que você fez isso? — Eu pergunto a Nero.

— Porque foda-se a polícia, — diz ele.

— Não. Quero dizer, por que você me levou com você?

Ele toma outro gole, dando-se tempo para pensar.

— Eu não sei, — ele disse finalmente.


— Por que você deixou o dinheiro na minha loja?

— Porque usei suas ferramentas.

— Você deixou muito.

— Quem se importa? — Ele diz com raiva. — Eu não dou


a mínima para dinheiro.

Eu não pergunto a ele com o que ele se importa. A


resposta é óbvia – nada.

Estou tentando resolver isso.

Nero não é gentil. Ele não faz coisas para ser “legal”.
Principalmente para mulheres. Ele tem uma trilha de corações
desprezados à um quilômetro e meio atrás dele. Não existe uma
garota bonita nesta cidade que não tenha sido apanhada pela
chama de seu charme, apenas para queimar como uma flor de
papel.

A única razão que consigo pensar é que Nero não me vê


como uma dessas mulheres. Ele não está interessado em mim,
ou ele me pegaria e me usaria como as outras.

Não. Sou como um cachorrinho faminto na rua. Ele me


jogou um pouco de sobras porque era fácil e não custava nada.

— Não preciso da sua pena, — digo a ele. Estou olhando


para ele, raiva queimando de mim. Posso não ficar furiosa
como Nero, mas também tenho amargura dentro de mim. Eu
posso ser perigosa. Se eu quisesse ser.
Nero olha para mim com aqueles olhos cinzentos frios.
Ele está me separando, levando em conta cada falha e defeito.
Os cachos crespos escapando do meu coque, os círculos
escuros sob meus olhos por falta de sono, a graxa incrustada
sob minhas unhas e nas linhas dos meus dedos. Meus lábios
rachados e minhas roupas de merda.

— Por que você está brava? — Ele diz. — O que você quer
que eu diga?

— Eu quero saber por que você não está agindo como


costuma agir.

— É isso que você quer?

Sua voz é baixa e seus olhos estão fixos no meu rosto.


Seu corpo fica tenso como se ele fosse me bater.

Meus lábios se abrem. Não sei o que vou dizer.

Não tenho chance de dizer nada.

Nero fecha o espaço entre nós em um instante.

Seus lábios se chocam contra os meus. Eles são macios,


mas também famintos. Ele me beija descontroladamente,
como se este fosse o último momento de nossas vidas. Sua
língua enfia em minha boca e seu gosto é tão inebriante quanto
o licor, rico e quente e de girar a cabeça. Suas mãos estão
fechadas em volta do meu rosto, dedos como ferro. A música
ainda está tocando: “Sober” do G-Eazy. Ele está sugando o
ar para fora dos meus pulmões. Ele pode estar puxando minha
alma também, se ele realmente for um demônio que se
alimenta da luxúria das mulheres.

Eu não me importo se ele estiver. Meu coração está


batendo forte, meu corpo inteiro doendo de necessidade.

Eu o quero, eu o quero, eu o quero.

Então ele me solta, tão abruptamente.

Ele se recosta no banco. — Pronto, — ele diz.

Estou chocada e abalada, os lábios ainda latejando.

Ele ainda está como uma estátua, sem sentir


absolutamente nada. Isso foi apenas uma piada para ele – me
dando uma amostra do que ele pode ligar e desligar à vontade.

Eu não consigo desligar. Minhas coxas estão apertadas


juntas, meu corpo inteiro gritando por mais.

— Podemos ir, — diz Nero. — Os policiais provavelmente


já desistiram.

Ele liga o motor, ainda sem olhar para mim.


Provavelmente porque há desespero por todo o meu rosto, e
isso é constrangedor para ele.

— Você está sóbrio o suficiente para dirigir? — Eu digo.

— Sim, — ele diz, colocando o carro em marcha à ré. —


Eu teria que beber aquela garrafa inteira para sentir qualquer
coisa.
Ele tem razão. O licor de malte não é tão forte.

Eu gostaria de poder culpar isso por estar bêbada. Eu


gostaria de poder apagar e esquecer tudo de manhã.
8

Nós temos uma reunião com os Griffins hoje para falar


sobre o desenvolvimento de South Shore.

Nos encontramos no The Brass Anchor, que se tornou


nosso ponto regular, desde aquela primeira noite em que Papa
e Fergus Griffin tiveram que negociar em terreno neutro para
evitar uma guerra total.

Todos nós esperamos em nossos carros naquela noite,


Papa e Fergus se aproximando na frente das portas duplas,
rígidos e formais. Hoje o clima é completamente diferente. Papa
aperta a mão de Fergus como faz com todos os seus velhos
amigos, segurando o cotovelo de Fergus com a mão oposta e,
em seguida, batendo-lhe com força no ombro enquanto o solta.

— Você está parecendo bem, Fergus, — Papa diz. — Diga-


me como você nunca envelhece. Há formol naquele uísque
irlandês?

— Espero que não. Cabelos grisalhos são bons para os


negócios, — diz Fergus, sorrindo. — Ninguém confia em um
jovem.
— Não é isso que eu ouço, — diz Papa, virando-se para
apertar a mão de Callum também. — Ouvi dizer que você está
realizando todos os tipos de coisas.

— Sim, nós estamos, — diz Callum.

A outra metade desse “nós” não é Fergus – é Aida, minha


irmãzinha. Ela beija Papa nas duas faces.

Nunca pensei que veria esse dia, mas Aida realmente


parece muito profissional. Ela está vestindo uma camisa
masculina com as mangas arregaçadas, enfiadas em calças de
cintura alta. Ela usa saltos e brincos, e até um pouco de brilho
labial. Não é totalmente convencional, mas ela parece chique.

— O que diabos é isso? — Eu digo, deixando-a me beijar


na bochecha também. — Onde estão seus tênis?

— Oh, eu ainda os tenho, — diz Aida, dando-me uma


piscadela. — Se você quiser correr comigo.

— Eu gosto de correr, — digo.

Os olhos de Aida brilham. — Tem alguma história boa


para mim? — Ela diz.

Ela já participou de corridas de rua algumas vezes. Nunca


a deixei usar meu carro. Isso seria como entregar um arpão
para Jason Voorhees – é apenas implorar pelo caos.

— Bella Page tentou correr com Camille Rivera, — digo a


ela.
— Eu não gosto de Bella, — Aida diz, fazendo uma careta.

— E quem gostaria?

— Não sei. Talvez aquelas pessoas que gostam de comer


armamento com molho picante.

— Masoquistas, — eu digo.

— Certo. — Ela sorri. — Então o que aconteceu?

— Bella quase rolou seu G-Wagon.

— Ugh! Não posso acreditar que perdi isso. Quem é a


garota que ganhou?

— Camille?

— Sim.

— O pai dela é dono daquela loja de automóveis na Wells.

— Hm. Ela é amiga sua? — Aida diz, seus olhos


penetrantes examinando meu rosto.

Merda. Aida é como um míssil buscador de calor. Se


houver alguma informação que você está tentando esconder
dela, ela irá aprimorá-la com uma precisão de tirar o fôlego e,
em seguida, arrancá-la de você.

E eu nem estou escondendo nada. Não há nada para


contar.

— Eu meio que a conheço, — eu digo.


— No sentido bíblico? — Aida me provoca, do seu jeito
mais irritante e persistente.

— Não.

— Uma garota com quem você não dormiu? O que, ela


tem três olhos? Sem dentes? Qual é o problema?

Jesus Cristo. Já dei munição demais para Aida.

A verdade é que Camille não é meu tipo de jeito nenhum.


Mas eu meio que senti que poderíamos nos tornar amigos – um
pouco. Eu meio que gostei dela. E eu não gosto de ninguém.
Quase não gosto da minha própria família. Na verdade, agora,
estou gostando de Aida pela metade.

Então foi uma coisa nova para mim, sentir que andar com
Camille não era a pior coisa do mundo. Então ela estava tão
estranha no estacionamento subterrâneo. Eu não sabia dizer
se ela gostava de mim ou me odiava, se ela queria que eu a
tocasse ou não. Então, agi como sempre faço com as mulheres,
quando quero que elas calem a boca. Eu a beijei.

E aqui está a parte mais estranha de todas. O beijo foi...


bom.

Com muitas garotas, existe uma espécie de rotina


mecânica no sexo. Elas querem revisar sua lista de truques,
como um pônei de exibição. E muito do que elas fazem é muito
falso. Quando elas montam em cima de você, elas estão
posando o tempo todo, exigindo que você as olhe e reconheça
a sensualidade delas. E elas não são sexys. Elas são carentes
e patéticas. Quero conseguir o que quero com elas, o mais
rápido possível, para poder ficar sozinho novamente.

Antes do sexo tem o flerte desajeitado. E depois do sexo


vem o choro e o apego. Eu passo pelo rodízio de loiras, morenas
e ruivas. Mas no final, elas são todas iguais, e me sinto vazio
depois. Usado, mas não muito satisfeito.

Beijar Camille foi diferente. Ela cheirava a óleo de motor,


gasolina e sabão – todos os meus aromas favoritos. Sua boca
não estava toda lambuzada de batom. Eu podia sentir o gosto
de seus lábios e sua língua. Eles tinham uma doçura suave,
sob a especiaria do licor de malte – como baunilha. Quase
imperceptível no início, mas persistente agradavelmente.

A maneira como ela beijava era diferente também. Ela


parecia estar me explorando, me testando. A certa altura, vi
que seus olhos estavam abertos, olhando para o meu rosto. O
que deveria ter sido desagradável, mas não foi. Seus olhos
eram grandes, escuros e curiosos. Como se tivéssemos
inventado algo novo, que ninguém no mundo havia tentado
antes, e ela não queria perder um momento disso.

Todas essas coisas eram estranhas e confusas para mim.

Não quero compartilhar nada disso com Aida. Mas a cada


milissegundo que hesito, ela está descobrindo o significado por
trás do meu silêncio. Portanto, tenho que dizer algo.

— Fico feliz em ver que se casar não amadureceu você, —


digo a ela. — Exceto pelas roupas.
Aida sorri. — Parece que você está tentando mudar de
assunto com um ataque pessoal...

— Aida, — eu rosno, — Se você não sair da minha bunda,


eu vou...

Somos interrompidos por Papa, que terminou a parte de


conversa fiada desta reunião.

— Vamos entrar? — Ele me diz.

Estou prestes a dizer: “Com prazer”. Então avisto um


homem na calçada, encostado em um poste de luz. Ele está
usando óculos escuros, mas está bem claro que ele está
olhando diretamente para nós. Ele tem cabelos loiros
penteados curtos nas laterais, um queixo quadrado e uma
constituição atlética. Ele está vestindo uma camiseta e jeans.
Ainda assim, há algo na postura arrogante e na aparência
limpa que me faz pensar que é policial.

— Vá em frente, — digo a meu pai. — Vou alcançar você


em um minuto.

Ele olha para o homem e acena com a cabeça.

— Vejo você em um minuto, — ele diz.

Os outros entram no restaurante. Eu espero até que eles


entrem, então eu ando em direção ao nosso voyeur. Estou
pensando que ele vai se assustar e ir embora. Em vez disso, ele
fica exatamente onde está, os braços cruzados, um pequeno
sorriso no rosto.
— Como posso ajudá-lo, policial? — Eu digo, enquanto
me aproximo.

Ele sorri. — Oh, eu só estava me perguntando como o seu


carro estava depois que você o testou ontem à noite.

— Eu não sei do que você está falando, — eu digo. —


Fiquei em casa a noite toda.

— Você deveria obter um veículo menos distinto se quiser


usar essa linha.

Eu encolho os ombros. — Há muitos Mustangs na cidade.


Você tem um número da placa para o veículo em questão?

Já troquei minha placa. Eu fiz isso no minuto que cheguei


em casa. Tenho dezenas de placas sobressalentes, nenhuma
das quais pode ser ligada ao meu nome.

— Você chamou minha atenção algumas vezes este ano,


— diz o policial, seus óculos escuros como olhos vazios de
olhos arregalados me encarando.

— Isso é um interrogatório ou você está tentando flertar


comigo? — Eu digo.

— Que bonitinho. — O policial não está mais sorrindo. —


Vocês, Gallos, acham que podem fazer o que quiserem nesta
cidade. Seu irmão é preso por assassinato, foge da Cadeia do
Condado de Cook e, de alguma forma, suas acusações são
retiradas algumas semanas depois? Eu tenho novidades para
você. Nem todo policial tem a mão no pote de biscoitos. Alguns
de nós realmente se preocupa em ter vocês malditos mafiosos
gananciosos trancados onde vocês pertencem – em uma gaiola,
com os outros animais.

— Oh, você é um policial limpo? — Eu digo. — Parece um


mosquito amigável ou um Twinkie22 gourmet. Não tenho
certeza se existe; Tenho certeza de que nunca vi isso.

Ele sorri novamente. Parece um cachorro mostrando os


dentes.

— Só certificando que você está em alerta, Nero. Gosto de


um jogo justo, por isso estou avisando. Estou te observando.
Se você passar a porra de um dedo sobre a linha, estarei lá
para bater as algemas em você. E você não vai sair delas como
seu irmão fez.

— Se este é um exemplo de suas habilidades de vigilância,


não estou preocupado, — zombei.

— Sou eu dizendo exatamente o que vai acontecer. E isso


vai acontecer de qualquer maneira. Porque é isso que vocês
idiotas arrogantes e desprezíveis parecem não conseguir
compreender. Vocês sempre vão perder no final. Há mais de
nós do que de vocês. Somos mais inteligentes, bem treinados
e com mais recursos. Eu tenho toda a cidade atrás de mim.
Mas vocês continuarão infringindo a porra da lei de qualquer
maneira. Vocês não sabem de mais nada. Vocês não podem ser
outra coisa.

22 Um popular bolinho americano, descrito como ”pão de ló dourado com um recheio cremoso”.
— Huh, talvez você esteja certo, — digo, balançando a
cabeça lentamente. — Mas você se senta atrás de uma mesa
preenchendo relatórios de incidentes por US $ 65 mil por ano.
Enquanto tomo champanhe em festas com seu chefe. Então,
acho que vou arriscar.

Eu me afasto dele, ainda sentindo seu olhar fixo nas


minhas costas.

Quando me junto aos outros no restaurante, meu pai diz:


— Quem era aquele?

— Algum policial.

— O que ele queria?

— Para me informar que ele suspeita que nossa família


pode, em algum momento, ter se envolvido em atividades
ilegais. Aparentemente, a polícia desaprova isso.

Papa não acha graça. Ele franze a testa, suas


sobrancelhas grossas e cinzentas se juntando sobre o nariz
largo.

— Aconteceu alguma coisa ontem à noite? — Ele exige.

Porra, ele é pior do que Aida. Cada um deles é como um


cão de caça, farejando a fraqueza.

— Não, — eu minto.

— Descubra quem ele é e o que ele realmente deseja, —


diz meu pai.
— Eu irei.

Com isso, voltamos à discussão da propriedade Steel


Works. Fergus Griffin admite que está de olho nisso há um
tempo.

— Vai exigir uma quantidade absurda de capital. Além de


todos os favores que já nos foram devidos, — diz ele.

— Se eu fosse prefeito, poderia fazer isso, — diz Callum.

— Williams se candidata à reeleição em oito meses, — diz


Papa.

— Difícil de vencer o atual, — diz Fergus.

— Não é impossível, no entanto, — Aida diz.

— Eu sou vereador há apenas um ano, — Callum junta


os dedos. — É um grande salto.

— A campanha será cara. — Fergus franze a testa. — Os


russos esvaziaram nossas reservas de caixa.

— Nós também estamos com pouco dinheiro no


momento. Mergulhamos muito na Oak Street Tower. Não verei
o retorno até que esteja tudo alugado, — diz Papa.

— Podemos precisar trazer outro parceiro, — diz Fergus.

— O Braterstwo? — Callum diz.


Seu pai se encolhe. Ele ainda não se acostumou com o
fato de que Mikolaj Wilk, o chefe dos Braterstwo, sequestrou e
se casou com sua filha mais nova.

— Talvez, — Fergus diz rigidamente.

— Veremos nossas opções, — diz Papa.

A reunião termina rapidamente.

Enquanto levo Papa para casa, ele diz: — Informe seu


irmão de tudo o que conversamos.

Dante cuida de todos os projetos que já temos em


andamento, enquanto o resto de nós está planejando adicionar
mais trabalho ao seu prato.

Vou resumir para Dante. E então vou perguntar a ele o


que acha da minha ideia de obter capital.

Não tenho interesse em tentar atrair outros investidores.


Se precisamos de dinheiro, devemos obtê-lo à moda antiga –
roubando.

Como aquele policial me lembrou, afinal somos mafiosos.


9

Eu acordo cedo para que eu possa trabalhar o máximo


possível antes de ter que seguir para o meu segundo emprego
de traficante de drogas degenerada.

Estou tão chateada com isso que mal consigo me


concentrar. Devo trocar um sensor de oxigênio em um velho
Chevy e está demorando o dobro do normal.

Meu pai ainda está dormindo. Minha preocupação com


ele é outra pedra adicionada à mochila de estresse que carrego
o tempo todo. Se ele não se animar em um ou dois dias, vou
arrastá-lo fisicamente para a clínica temporária. Até jogá-lo por
cima do ombro se for preciso, como aquele idiota do Nero fez
comigo.

Acho que ele me salvou de uma multa, ou pior.

Mas então ele teve que foder comigo depois. Não há


favores de Nero. Ele é sempre uma moeda com dois lados.

Eu o conheço há anos, à distância. Bem o suficiente para


saber que me apaixonar por Nero Gallo é a coisa mais estúpida
e autodestrutiva que eu poderia fazer.
Sim, ele é lindo. Sim, ele cheira a sexo puro e pecado.
Sim, ele pode ocasionalmente ser um pouco útil, quando o
impulso o pega.

Mas ele é um buraco negro de egoísmo. Ele devora a


atenção feminina com um apetite voraz e nunca, jamais, dá
nada em troca.

Sem mencionar que cada minuto que passo perto dele


pode me levar para a cadeia, de uma forma ou de outra.

Eu não preciso disso. Estou fazendo um ótimo trabalho


em destruir meu futuro por conta própria.

Porra, eu tenho que pegar meu carro de volta também.


Isso significa uma viagem cara de Uber ou uma longa viagem
no transporte público.

Termino o Chevy para poder seguir em frente, depois tiro


o macacão. Prefiro usar minhas roupas de trabalho – é assim
que me sinto mais confortável. Mas eu tenho que fazer Levi me
levar a sério. Eu tenho que colocar algum tipo de sujeira nele,
ou então Schultz nunca vai me deixar em paz.

Pego a esquerda, o ônibus e ando vários quarteirões até


Lower Wacker Drive. Meu carro ainda está lá, felizmente
inteiro, e felizmente estacionado na sombra para que tenha a
chance de esfriar. Quando tento o motor, ele ronca por um
minuto e depois liga. Não está exatamente correndo bem, mas
deve me levar até a casa de Levi.
Eu dirijo com cautela, ganhando velocidade uma vez que
tenho certeza de que não vai explodir na minha cara. Eu volto
para a casa vitoriana negligenciada de Levi na Avenida
Hudson.

A casa fica ainda pior durante o dia. Lixo e latas de cerveja


vazias estão espalhados pelo gramado. Também um sofá virado
e uma rede com alguém dormindo nela. Os degraus da casa de
Levi são inclinados devido ao gelo e derretimento das estações
de Chicago. A madeira pintada é tão lascada que parece pele
descascada.

Subo na varanda, batendo rapidamente na porta. Há uma


longa espera, então um grande samoano abre a porta.

— E aí, — ele grunhe.

— Estou aqui para ver Levi, — digo.

Ele me encara por um minuto, então move seu corpo para


o lado apenas o suficiente para que eu passe.

O interior da casa tem aquele almíscar de tanta gente


dormindo e ninguém lavando os lençóis. Há pelo menos cinco
pessoas em vários estados de consciência na sala de estar de
Levi. Eles estão espalhados sobre a mobília velha e empoeirada
que sua avó deve ter comprado nos anos 70 – sofás longos e
baixos. Poltronas reclináveis em tons de mostarda e roxo.

As mesas finais estão repletas de garrafas de cerveja,


cinzeiros e parafernálias de drogas. A TV está ligada, mas
ninguém está olhando para ela.
O próprio Levi está vestindo um robe, aberto para mostrar
seu peito nu. Ele está usando uma cueca samba-canção
listrada e um par de chinelos fofos que parecem patas de urso.
Seus pés com chinelos estão apoiados na mesa de centro e ele
está fumando um baseado.

— Minha mais nova funcionária, — ele anuncia na sala.


— Pessoal, esta é Camille. Camille, este é o pessoal.

Vou precisar de seus nomes verdadeiros. Não acho que


Schultz ficará impressionado com “pessoal”.

Eu aceno para as pessoas que realmente se preocupam


em olhar em minha direção.

Levi dá uma longa tragada em seu baseado. Seus olhos já


parecem vidrados e avermelhados.

— Aqui, — eu digo, jogando para ele um maço de dinheiro


– meus ganhos com a corrida. — Isso é pelos comprimidos que
meu irmão perdeu.

Levi acena com a cabeça para o corpulento samoano, que


pega o dinheiro e o guarda.

— Você conseguiu isso de Bella? — Levi dá uma


risadinha.

— Do namorado dela, — eu digo.

— Ele não é namorado dela. Ele está apenas transando


com ela, — Levi ri.
— Quem é ele? — Eu pergunto.

— Grisha Lukin.

— Que nome é esse?

— Russo, — Levi diz. Seu olhar fica ligeiramente mais


nítido. — Você é meio intrometida, hein?

— Na verdade, não. — Eu encolho os ombros. — Eu


apenas pensei que conhecia a maioria das pessoas em Old
Town. Eu moro aqui desde sempre.

— Sim, mas você nunca sai da sua lojinha, — Levi ri. —


Eu acho que nunca vi você bêbada no colégio. Agora você vai
se divertir, no entanto.

Ele estende o baseado para mim.

— Não, obrigada, — eu digo.

— Não estou perguntando, — ele retruca. — Sente-se.

Sento-me no sofá ao lado dele, tentando manter o espaço


entre nós sem tornar isso muito óbvio. Ele empurra o baseado
na minha mão.

Eu dou uma tragada lamentável. Até isso me faz tossir. O


gosto espesso e forte enche minha boca e minha cabeça gira.
Eu não gosto de maconha. Eu não gosto de ficar fora de
controle de mim mesma.

— Aí está, — Levi ri. — Agora você pode relaxar.


Isso me faz relaxar – fisicamente, pelo menos. Afundo nas
almofadas, sentindo-me levemente tonta e com menos pressa
para sair daqui.

Eu reconheço a garota do outro lado de mim. O nome dela


é Ali Brown. Ela estava três anos à minha frente na escola.
Seus pais são donos da floricultura em Sedgewick.

— Ei, — eu digo.

— Ei, — ela responde.

Ela tem cabelo cor de palha e sardas. Ela está usando um


top curto sem sutiã e uma cueca com o logotipo do Superman
por toda parte. Ela parece meio adormecida.

Depois de uma longa pausa, ela diz: — Eu conheço você.

— Sim, — eu digo. — Nós duas fomos para Oakmont.

— Não, — ela diz. — Eu vi sua foto.

Ela está muito mais alta do que eu pensava. Ainda assim,


para agradá-la, eu digo: — Que foto?

Ela pausa novamente, respirando superficialmente.


Então ela diz: — Aquela em que você estava tomando sorvete
no cais.

Eu enrijeci. Meu pai tinha uma foto assim. Ele tirou


quando eu tinha quatorze anos.

— Do que você está falando? — Eu digo.


— Sim, — ela suspira. — Estava no vestiário, colada no
espelho. Aposto que sua mãe a colocou lá.

Agora meu rosto está em chamas. Ela está falando sobre


Exotica. Ali deve ter trabalhado como dançarina ou
recepcionista.

— Quem é sua mãe? — Diz um cara esparramado em um


pufe.

— Ela é uma prostituta, — um dos outros caras ri.

— Cale a boca, porra, — eu estalo. Tento pular do sofá,


mas Levi me puxa de volta para baixo.

— Relaxe, — ele diz. — Pauly, não seja um idiota. Nós as


chamamos de acompanhantes.

— Minha mãe não era uma acompanhante, — eu assobio.


— Ela apenas trabalhava como dançarina.

— Uma stripper, — Pauly ri. — Ela te ensinou algum


movimento? Há um poste lá em cima. Por que você não nos
mostra como a mamãe o sacode?

— Por que eu não balanço a porra da sua cabeça dos seus


ombros! — Eu rugi, lutando para sair do sofá baixo e afundado
enquanto estava fraca e enervada pela erva. É fácil para Levi
me puxar para baixo novamente.

— Ninguém se importa com o que sua mãe fez, — diz ele.


Ele passa o braço em volta dos meus ombros, o que eu não
gosto de jeito nenhum. Posso sentir o cheiro de seu suor e o
cheiro forte de maconha em seu hálito. — Meus pais são dois
riquinhos do caralho e isso é tão embaraçoso quanto. Você não
pode ficar lutando, no entanto. Você tem que ser uma boa
garota. Faça seu trabalho. Faça algum dinheiro. Se divirta.

As pontas dos seus dedos balançam sobre meu seio


direito. Ele os deixa pousar, apenas com a minha camiseta
entre nós. Eu me forço a não me contorcer.

Eu vejo Ali nos observando. Não que ela esteja com


ciúmes – mais como uma criança observando os peixes em um
aquário.

— Sim, tanto faz, — murmuro. — Eu preciso de mais


ecstasy, então.

Levi acena para o samoano. O cara volta cerca de cinco


minutos depois com um saco de papel, a parte superior
dobrada. Ele o entrega para mim.

— Onde devo vender isso? — Eu pergunto a Levi.

— Onde você quiser. Festas, raves, campus... o céu é o


limite. Você é sua própria chefe. Depois de mim, é claro. — Ele
sorri.

— Você fez isso? — Pergunto-lhe. — Como posso saber se


é bom? Não quero que nenhum dos meus amigos fique doente.

A fachada de amizade de Levi se desfaz. Seus olhos


injetados de sangue me observam de muito perto, seu braço
apertando meu ombro.
— Você sabe que é bom porque confia em mim, — ele
sibila.

Ele está na casa dos vinte anos, mas seus dentes são
amarelos como os de um homem velho e sua respiração é
horrível.

— Certo, — eu digo. — OK.

Ele finalmente me solta. Eu me levanto do sofá,


segurando o saco de papel.

— Você pode vendê-los em qualquer lugar de quinze a


vinte e cinco cada um, — diz Levi. — Você me deve dez para
cada.

Eu concordo.

— Traga-me o dinheiro em uma semana.

Eu aceno novamente.

O samoano me leva de volta para a porta da frente,


embora esteja a apenas três metros de distância.

— Até mais, — eu digo a ele.

Ele me lança um olhar desdenhoso, fechando a porta na


minha cara.

Mesmo que esteja quente como o inferno lá fora, o ar tem


um gosto fresco depois do cheiro forte da casa de Levi. Eu não
quero voltar lá. Principalmente em uma semana.
E de onde diabos devo continuar arrumando dinheiro
para isso? Não quero realmente vender ecstasy.

Dirijo a alguns quarteirões de distância, então paro para


ligar para Schultz.

— Ei, — eu digo. — Eu recebi outro lote de comprimidos


de Levi. O que você quer que eu faça com isso?

— Traga para mim, — ele diz. — Encontro você no


Boardwalk Burgers.

Eu gemo silenciosamente. Hoje vai ser um tour por todas


as pessoas que eu menos quero visitar?

— Tudo bem, — eu digo. — Estarei aí em quinze.


10

A primeira coisa que faço quando chego em casa é


começar a pesquisar sobre esse policial.

Não demora muito para encontrá-lo. O policial Logan


Schultz, graduado na academia em 2011, depois circulou pelo
Bureau de Patrulha por um tempo. Dois anos atrás, ele foi
transferido para a Divisão de Crime Organizado.

Isso é exatamente o que eu esperava. Crime Organizado


abrange Investigações de Vícios, Narcóticos e Gangues. Todas
as minhas coisas favoritas.

Mas estou curioso para saber quem realmente é esse


palhaço.

Estou lidando com um escoteiro? Ou um policial


desonesto clássico que quer molhar o bico?

Agora, isso é um pouco mais complicado de dizer. O


policial Schultz tem várias queixas apresentadas contra ele e
foi investigado duas vezes por má conduta. Mas, pelo que
posso ver, ele só teve problemas por agredir suspeitos e não
aceitar subornos.
Ele também recebeu algumas condecorações. Mais
recentemente, o Top Gun Arrest Award por recuperar armas
de fogo ilegais.

Há uma foto dele recebendo uma medalha pregada no


peito por um homem com um nariz longo e torto e cabelos
grisalhos ralos. A legenda me informa que este é o chefe Brodie.
Tenho certeza de que vi Brodie nas festas esnobes sobre as
quais estava provocando Schultz. Na verdade, não gosto de
assistir a eles – mas tudo faz parte para garantir poder e
influência em Chicago.

Alinhando as datas do grande caso de Schultz, estou


supondo que ele estava envolvido naquele ataque à Bratva no
ano passado – ouvi dizer que eles perderam quase 20 milhões
em munições russas de alta qualidade.

Portanto, parece que nosso menino é um verdadeiro


empreendedor. Realmente fazendo barulho na polícia de
Chicago.

Tento pesquisar suas redes sociais, em busca de


evidências de esposa, filhos, namorada ou maus hábitos
exploráveis. Está tudo bem fechado – sem perfis públicos. Ou
talvez nenhum perfil.

No entanto, encontro um artigo de notícias antigo de 18


de abril de 2005:

POLICIAL FORA DE SERVIÇO DE CHICAGO


ASSASSINADO EM SOUTH SHORE
O policial Matthew Schultz faleceu esta manhã, após ser
baleado aproximadamente à 1h30 na esquina leste da 77th
Street com a sul da Bennet Avenue.

O superintendente da polícia Larson disse que o policial


estava dirigindo perto de Rosenblum Park quando um agressor
desconhecido se aproximou do veículo em um semáforo. O
atirador atirou pela janela do carro do policial, acertando
Schultz três vezes no peito e na cabeça.

Larson disse que policiais realizando uma blitz nas


proximidades ouviram o tiroteio e responderam à cena. Câmeras
de segurança próximas capturaram imagens parciais do evento.

Schultz foi levado às pressas para o Jackson Park


Hospital, onde foi submetido a uma cirurgia de emergência, os
esforços médicos não tiveram sucesso e ele foi declarado morto
às 5h22.

Schultz deixa esposa e filho. Doações para a família podem


ser feitas através do Fundo dos Irmãos Caídos.

Ora, ora, ora. Não é preciso ser um detetive de boa-fé para


supor que o “filho sobrevivente” é o novo policial Schultz. Ou
que sua rotina de anjo vingador supostamente compensaria o
fato de papai ter levado uma bala em South Shore.
O interessante é que a notícia não menciona o que papai
estava fazendo dirigindo por South Shore à paisana no meio
da noite. E não vejo nenhum seguimento sobre pegar o
atirador.

Eu me pergunto se o jovem Schultz, sabe a resposta para


esse pequeno mistério.

Bem, isso é o problema dele. Eu tenho meu próprio


problema para enfrentar. Ou seja, como vou arranjar algum
capital para o desenvolvimento da Steel Works.

Vou precisar de muito dinheiro. Nem um par de milhões


– uma moeda séria.

O que pode significar apenas voltar às minhas raízes.

Dante e eu costumávamos trabalhar juntos quando eu


era adolescente. Isso foi antes de ele entrar para o exército. Ele
estava selvagem pra caralho então. Absolutamente destemido.

E eu estava em um estado de pura loucura. Nossa mãe


havia morrido. Nosso pai estava um caco. Eu precisava de algo,
qualquer coisa para agarrar.

Quando Dante começou a planejar trabalhos, implorei a


ele que me deixasse ir junto. No início, eu era apenas o vigia
ou o motorista. Isso progrediu quando Dante viu que eu tinha
talento para o trabalho.
Roubamos quase uma dúzia de caminhões blindados
enquanto eu estava no colégio, levando de $ 80.000 a $
650.000 por ataque.

Sempre roubei os carros de fuga. Eu poderia entrar em


um estacionamento e sair em um sedan agradável e discreto
em menos de dez minutos. Roubar o estacionamento de longa
duração do aeroporto era o melhor – ninguém nem notaria que
o carro havia sumido. Portanto, havia pouca chance de ser
relatado como roubado enquanto estávamos no meio do
trabalho.

Para um carro de fuga, você quer algo com coragem e


velocidade, mas também discreto e com cores opacas. Algo que
se funde com o ambiente. Quatro portas para entrada e saída
fáceis e um grande porta-malas para guardar o saque.

Um Mercedes E-Class sempre foi uma boa aposta, ou um


BMW mais antigo. Até um Camry funcionou bem.

Procuramos os motoristas da Brinks23 que eram velhos e


gordos. Perto da aposentadoria e cansado demais para ficar de
olho. Nada de jovens cowboys com coceira usando calças de
combate, com visões de glória em suas cabeças.

Nós gostamos dos caminhões da Brinks. Rotas regulares,


rotinas de segurança consistentes. Nós os atacamos no início
da manhã quando eles atendiam os caixas eletrônicos, antes
que os bancos estivessem realmente abertos.

23 Empresa americana de segurança e proteção privada.


Deixaríamos o dinheiro em uma casa segura. Em seguida,
dirigimos o carro de fuga para o meio do nada, mergulhamos o
interior em alvejante e colocamos chamas em tudo.

Agora, tudo isso era uma boa diversão e boa prática. Mas
vou precisar de um pagamento muito maior do que um
caminhão blindado pode fornecer.

Tenho que ir direto à fonte.

Direto em um dos maiores cofres de toda Chicago. Um


que armazena ouro, diamantes e dinheiro não declarado para
os cidadãos mais ricos da cidade.

O cofre de propriedade de Raymond Page.

Fica bem no coração do distrito financeiro, no final do que


eles chamam de “LaSalle Canyon” o longo túnel de arranha-
céus que inclui a Câmara de Comércio e a Reserva Federal de
Chicago.

O pai de Bella não possui o maior banco, mas o Alliance


com certeza é o mais sujo. É como o nosso pequeno Deutsche
Bank, lavando dinheiro para os oligarcas e ajudando os ricos
a contornar os incômodos regulamentos das finanças
internacionais.

Pelo que ouvi, seus registros são mais complicados do que


um código Navajo24, e quase tão autêntico quanto O Senhor dos

24Linguagem utilizada como sistema de criptografia da Marinha dos Estados Unidos durante a
Segunda Guerra Mundial.
Anéis. O que quer dizer que acho que posso roubar muito
dinheiro que ninguém consegue rastrear.

Agora, a parte complicada é que, embora Raymond Page


possa ser desonesto, ele não é estúpido. Na verdade, ninguém
é paranoico quanto um criminoso. O Alliance Bank
provavelmente tem um dos sistemas de segurança mais rígidos
da cidade.

Mas nenhum sistema é perfeito. Sempre há uma


rachadura.

E já sei como vou encontrar. Através da filhinha de


Raymond, é claro.
11

Eu me encontro com Schultz no Boardwalk Burgers, para


baixo pelo píer. Ele já está comendo um hambúrguer duplo
com batatas fritas em uma das mesas ao ar livre.

— Você quer alguma coisa? — Ele me pergunta.

Eu balancei minha cabeça.

— Tem certeza? Eu posso incluir nas despesas.

Tudo o que ele diz tem um tom provocativo. Ele cobre


todas as suas declarações, tornando difícil entender sua real
intenção. Ele está se gabando porque pode descontar suas
refeições? Ele está brincando sobre como é bobo preencher um
formulário para um hambúrguer de cinco dólares? Ele está me
lembrando que agora sou uma informante, efetivamente em
sua folha de pagamento? Ou ele está tentando flertar comigo?

Não gosto dessa última possibilidade.

Mas não posso ignorar como Schultz está


constantemente me prendendo com seus olhos azuis
brilhantes. Parado muito perto de mim. Escondendo um tom
sugestivo em cada declaração.
Assim que me sento em frente a ele na mesa de
piquenique, ele empurra a cesta de batatas fritas pela metade
para mim. Eu balancei minha cabeça novamente. Não quero
nada na minha boca que ele já tenha tocado.

— Então, — ele diz, dando um gole em seu refrigerante.


— O que você descobriu?

— Fui às corridas de rua ontem à noite. Levi estava lá. Eu


disse a ele que meu irmão não está mais vendendo para ele.
Então ele me fez pagar pelo produto que você pegou e disse
que, em vez disso, tenho que vender para ele.

— Bom. — Schultz sorri.

— Eu realmente não vi com quem Levi estava saindo


naquela noite. Os policiais vieram e terminaram antes que
qualquer outra coisa acontecesse.

Eu vejo um pequeno brilho nos olhos de Schultz.

— Eu sei, — ele diz. — Um dos participantes entrou em


uma perseguição com alguns carros-patrulha. Você conhece
Nero Gallo?

Até mesmo o som de seu nome envia uma onda de calor


até minha nuca.

Tento manter minha expressão neutra.

— Nós fomos para a mesma escola, — eu digo.


— Os policiais pensaram que ele tinha uma morena no
carro com ele. Você sabe quem pode ser? Eu notei seu Trans
Am lá embaixo. Eu os impedi de apreendê-lo, a propósito.

— Obrigada, — eu digo, rigidamente.

Ele termina a última mordida em seu hambúrguer,


limpando a boca com o guardanapo. Olhando para mim o
tempo todo.

— Então era você? — Ele diz. — Você estava correndo com


Nero?

Eu impulsivamente pego uma de suas batatas fritas, para


me dar um segundo para pensar. Já está morna e encharcada.
Tem gosto de gordura e sal.

Eu mastigo com força e depois engulo.

— Não, — eu minto.

— Camille, — Schultz ronrona, seus olhos azuis


perfurando em mim. — Isso não vai funcionar se você mentir
para mim.

— Eu mal conheço Nero, — eu digo.

— Você o conhece, no entanto.

Eu hesito. — Sim.

— Você já transou com ele?

— NÃO!
Agora o calor subiu até minhas bochechas. Schultz está
sorrindo. Ele adora me enervar. Ele acha que isso o deixa me
ler.

— Nem uma vez? Ouvi dizer que ele tem algum tipo de
pau de ouro. O Casanova definitivo, certo? Garotas jogando
suas calcinhas nele como se ele fosse Justin Timberlake?

Schultz está zombando, mas há uma ponta de ciúme em


suas palavras. Ele é bonito, em forma. Ele acha que ele próprio
merece esse tipo de atenção feminina.

— Talvez você devesse sair com ele, — murmuro.

Schultz me encara e depois dá uma risada falsa.

— Boa, — diz ele.

— Aqui está o que você precisa entender, — digo a ele. —


Eu era uma perdedora no colégio. Eu conheço essas pessoas
porque todos nós crescemos em Old Town. Vivemos no mesmo
raio de vinte quarteirões a maior parte de nossas vidas. Mas
mal somos conhecidos. Eles não gostam de mim nem confiam
em mim. Posso tentar me aproximar deles, mas ninguém vai
contar seus segredos para mim tão cedo. Muito menos Nero
Gallo.

— Você sabe o que a família dele faz? — Schultz diz.

— Sim. Eles são a velha guarda da máfia italiana.

— Não apenas máfia. Seu pai, Enzo, é o chefe em Chicago.


Eu encolho os ombros. — E?

Schultz se inclina para a frente, o rosto iluminado de


empolgação. A ambição arde em seus olhos.

— Você pode imaginar a promoção que eu receberia se


derrotasse os Gallos?

— Sim, — digo, revirando os olhos. — Não acredito que


ninguém tentou antes.

Schultz ignora meu sarcasmo. — A chave para Enzo Gallo


são seus filhos. Não Dante – ele é muito cuidadoso. Não
Sebastian – ele nem mesmo é um mafioso. É Nero. Aquele
merda imprudente e vingativo. Ele é o ponto fraco da família.

Schultz se esqueceu de Aida. Ou ele acha que ela está


muito bem protegida pelos Griffins atualmente.

— Não sei se chamaria Nero de ‘ponto fraco’, — digo.

— Por quê?

— Ele é mais inteligente do que você pensa. Ele obteve


uma das maiores pontuações da escola nos ACTs25. Suas notas
eram péssimas porque ele nunca entregou nenhuma tarefa.

— Veja, — Schultz diz suavemente. — Você o conhece

— Eu sei que ele é um psicopata total. Me pedir para


chegar perto dele é como me pedir para me aconchegar com

25 Exame de admissão usado pela maioria das faculdades e universidades para tomar decisões sobre
o ingresso do aluno.
uma cascavel. Ele consegue uma dica de que algo está
acontecendo, e ele vai me apunhalar em um piscar de olhos.

— Melhor não estragar tudo, então, — Schultz diz


friamente.

Ele não dá a mínima para o que acontece comigo. Eu sou


uma ferramenta. E nem mesmo uma muito valiosa. Não um
compressor de ar ou uma chave de impacto sofisticada – sou
apenas um funil de plástico barato. Facilmente substituído.

— Agora, — diz Schultz, recostado na cerca que envolve


a pequena área de jantar ao ar livre. — Conte-me mais sobre
Levi.

Eu respiro fundo, quase aliviada por estar fora do assunto


de Nero.

— Fui à casa dele hoje para comprar mais produtos. O


que você quer que eu faça com isso, a propósito?

— Vamos ver, — diz Schultz.

Eu entrego a ele o saco de papel. Ele olha para dentro,


tirando um dos comprimidos. É pequeno e amarelo, com o
formato de um ônibus escolar, igual aos que ele tirou da
mochila de Vic.

Schultz sorri. Aparentemente, ele está satisfeito que o


suprimento de Levi seja tão uniforme.

— Vou levar isso, — diz Schultz. Ele conta uma dúzia e o


devolve para mim, colocando em um Ziploc — Guarde alguns,
para que possa vendê-los nas festas quando Levi estiver
assistindo.

Eu fico olhando para ele. — Isso não é ilegal?

— Obviamente.

— Mas você não dá a mínima para as pessoas pegando


ecstasy. Não de verdade.

Schultz bufa. — Eu não dou a mínima para peixinhos


quando estou caçando tubarões.

Enfio o saquinho no bolso. — Preciso de dinheiro para os


outros, — digo a ele. — Levi espera que eu traga dez dólares
por comprimido.

— Ele está roubando você, — Schultz ri.

— Sim, sem brincadeira. Ele me tem na mão, graças a


você.

— Isso parece divertido, — Schultz sorri. — Ter você na


mão.

Deus, ele me dá vontade de vomitar.

— Não tenho dinheiro para pagar, — insisto.

— Bem. — Schultz pega um clipe de nota e conta o


dinheiro. — Pague-o com isso. Mas certifique-se de esperar o
tempo suficiente para que ele pense que você realmente vendeu
o ecstasy.
Eu pego as notas dobradas. É estranho que um policial
carregue tanto dinheiro.

Schultz está vestindo roupas normais novamente. Eu só


o vi de uniforme uma vez, quando ele me puxou. Eu acho que
é assim que ele normalmente se veste, e ele estava usando o
uniforme para o efeito naquela noite. Para me intimidar.

Ele obviamente está observando Levi há um tempo. Não


acho que foi uma coincidência que ele tenha me mandado
encostar.

— Você me seguiu da casa de Levi? — Pergunto-lhe.

Schultz inclina a cabeça para o lado, sorrindo.

— O que você quer dizer? — Ele diz.

— Você estava esperando por mim, depois da festa?

— Eu estava esperando por alguém, — diz ele. — Alguém


que eu poderia usar.

Que sorte a minha que aconteceu de ser eu.

— Você provavelmente sabe tanto quanto eu sobre as


pessoas na casa de Levi, — digo.

— Diga-me de qualquer maneira.

Eu respiro, tentando me lembrar de tudo exatamente. —


Tem um grande cara samoano que age como seu guarda-
costas ou algo assim. Foi ele que foi buscar as drogas.
Schultz acena com a cabeça. — Sione, — ele diz.

— Então, havia cinco ou seis outras pessoas na sala de


estar.

— Quantos eram? Cinco? Ou seis?

Eu fecho meus olhos, tentando imaginar a sala


novamente.

— Cinco, — eu digo. — Uma garota chamada Ali Brown –


ela foi para a escola comigo. Não acho que ela trabalhe para
Levi ou algo assim. Parecia que ela estava ali apenas para ficar
chapada. Ou talvez eles estejam namorando.

Schultz acena com a cabeça. Ele pode já tê-la visto.

— Então havia Levi. E três outros caras. Um se chamava


Pauly.

Esse era o idiota que estava falando sobre minha mãe.


Meu rosto fica vermelho de novo, lembrando-me disso. Eu
costumava ouvir muita merda sobre ela quando estava na
escola. Então ela desapareceu há cinco anos. Levei um tempo
para perceber – visto que ela nunca me ligava muito de
qualquer maneira.

— Qual era o nome do outro cara? — Schultz diz.

— Eu não sei.

— Algo mais?

Tento me lembrar.
— Levi deve manter as drogas em algum lugar no andar
principal. Sione saiu da sala para pegá-las, mas não o ouvi
subindo as escadas. Não sei quem traz o ecstasy, no entanto.
Perguntei a Levi de onde vem isso e ele não me disse nada.
Basicamente disse para cuidar da minha própria vida.

— Bem, não seja tão óbvia, — diz Schultz. — Descubra


de outra maneira.

Ele espera que eu faça seu trabalho por ele. Exceto que
não tenho nenhum treinamento e nenhum desejo de fazer
nada disso. Eu me sinto desprezível apenas por mencionar o
nome de Ali. Eu não quero colocá-la em problemas. Ela não fez
nada comigo.

— Acho que Ali estava apenas passando, — digo


novamente. — Ela não fez nada de errado.

Schultz balança a cabeça para mim.

— Essas pessoas são criminosas e desprezíveis, — diz ele.


— Não tente protegê-los.

Isso me irrita. O que o faz pensar que é melhor do que


eles? Aposto que ele fez todos os tipos de merdas obscuras no
cumprimento do dever. Não é “moral” contra “imoral”. É
apenas um grupo de pessoas em duas equipes opostas.

Fui convocada para a equipe de Schultz. Mas eu não


gosto de estar lá. Não quero jogar o jogo de forma alguma, para
nenhum dos lados.
— É melhor eu ir, — eu digo, me preparando para sair.

— Mantenha contato, — lembra Schultz.

Enquanto nós dois levantamos, ele agarra meu braço,


dizendo: — Espere.

Ele passa o polegar pela minha bochecha, sob meu olho


direito. Eu tenho que me esforçar para não recuar.

— Você tinha um cílio ali, — ele diz, sorrindo.

Certo. Eu aposto que sim.

Quando volto para o apartamento, vejo a porta do meu


pai ainda firmemente fechada. São quase duas horas da tarde
e não parece que ele saiu do quarto. A única caneca na mesa
é a que usei esta manhã.

Eu posso ouvi-lo se movendo, pelo menos. Mas ele está


tossindo de novo.

— Papai? — Eu chamo. — Estou em casa.

Sem resposta.

Pego minha caneca e coloco na pia, com água corrente


para enxaguar a borra de café.
Papai tem outro acesso de tosse que termina em ânsia de
vômito. Eu pulo, correndo até sua porta e batendo.

— Papai? Você está bem?

Eu empurro a porta. Ele está sentado na cama, curvado,


cutucando a curva do braço.

Quando ele olha para cima, seu rosto está cinza. Há


espuma vermelha em seus lábios.

— PAPAI!

— Eu estou bem. Eu só preciso descansar...

— Estamos indo para o hospital!

Eu o puxo da cama, segurando-o firmemente pelo


cotovelo. Ele não é tão difícil de segurar. Ele perdeu pelo menos
quinze quilos. Por que não prestei atenção antes? Ele está
doente há alguns meses. Achei que fosse apenas um resfriado
teimoso...

Eu o ajudo a descer as escadas, embora ele continue me


dizendo que pode andar sozinho. Duvido – a cor dele é horrível
e ele não parece estável em pé. Eu o levo para fora da garagem
porque meu carro está estacionado nos fundos.

— Você terminou aquele Chevy? — Meu pai chia.

— Sim, — eu digo. — Não se preocupe com isso, pai.

Entramos no meu Trans Am e eu o levo ao Midtown


Medical. Temos que esperar uma eternidade, porque é sábado
e porque “tossir” não é exatamente uma alta prioridade na
emergência. Muitas pessoas tropeçam com ferimentos na
cabeça ou braços pendentes, além de um cara que acertou um
prego na palma da mão, durante uma pequena reforma que
deu errado.

— Agora você sabe como Jesus se sentiu, — disse-lhe


uma avó de cabelos azuis.

— Jesus não teve que ficar sentado olhando para ele, —


diz o homem, olhando para o prego com uma expressão
nauseada.

Finalmente, uma enfermeira nos leva e temos que esperar


ainda mais enquanto eles fazem uma série de exames,
incluindo uma radiografia de tórax.

Estou tão estressada que nem reconheço a técnica por


um segundo.

— Ei! — Patricia me cumprimenta. — Este é o seu pai?

— Oh sim. — Eu sorrio fracamente. — Pai, esta é minha


amiga Patricia.

— Eu gosto do seu uniforme, — diz meu pai. — Eu não


sabia que eles os faziam assim.

Patricia está usando um conjunto de aventais lavanda


com um lindo padrão floral na parte superior.

— Oh sim. — Ela sorri. — É um desfile de moda regular


aqui.
Patricia configura o raio-x, depois me faz ficar em
segurança no canto com ela enquanto ela tira as imagens.

— Como se parece? — Eu pergunto a ela nervosamente.

— Uh... bem, não devo dizer nada até que o médico dê


uma olhada, — diz ela.

Mas eu vejo uma pequena linha de estresse aparecendo


entre suas sobrancelhas quando ela olha para as imagens se
formando na tela.

Meu coração aperta no meu peito.

Estou pensando que ele provavelmente está com


pneumonia. Havia sangue em sua tosse, mas ninguém contrai
tuberculose mais, ou seja lá o que for aquela doença que matou
todos os vitorianos. Só pode ser pneumonia. Eles vão lhe dar
alguns antibióticos e ele ficará bem em algumas semanas.

Depois que os testes são feitos, Patricia leva a mim e a


meu pai até um cubículo fechado com cortinas.

— Eles estarão com você em breve, — ela diz, dando-me


um sorriso simpático.

Outros quarenta minutos se passaram, então um jovem


médico de aparência alegre entra. Ele se parece com Doogie
Howser, se Doogie fosse asiático e usasse tênis Converse.

— Senhor Rivera, — diz ele. — Eu tenho os resultados do


seu raio-x.
Ele fixa as imagens em uma placa iluminada, de forma
que as porções brancas do raio-x brilhem intensamente contra
o preto. Posso ver a caixa torácica de meu pai, mas não os
próprios pulmões. Existem várias massas acinzentadas abaixo
das costelas que suponho serem órgãos, ou talvez o diafragma.

— Então, nós olhamos seus pulmões e não estamos vendo


fluido aqui. — O médico aponta para a metade inferior dos
pulmões. — No entanto, você verá que há um nódulo ou massa
bem aqui.

Ele circula o dedo indicador em torno de uma área


ligeiramente pálida, à direita da coluna. Não é branco brilhante
como o osso. Na verdade, é difícil de ver.

— Um nódulo? — Digo, confusa. — Como um cisto ou


algo assim?

— É possível, — diz o médico. — Precisamos obter uma


confirmação do tecido antes de podermos diagnosticar.
Podemos fazer isso por uma biópsia guiada por TC ou por meio
de broncoscopia...

— Espere, diagnosticar o quê? — Eu digo. — Qual


problema você acha que é?

— Bem. — O médico se mexe desconfortavelmente. — Não


posso dizer com certeza até que tenhamos uma amostra...

— Mas o que mais poderia ser? Se não for um cisto?

— Câncer, — diz o médico suavemente.


— O quê? — Estou olhando para ele de boca aberta. —
Meu pai não fuma.

— Muitas coisas podem causar câncer de pulmão, — diz


o médico. — Exposição ao radônio, poluentes, escapamento de
diesel...

Eu estou balançando minha cabeça. Isso não pode estar


acontecendo.

— Nada está certo ainda, — diz o médico. — Vamos tirar


uma amostra de tecido e...

Não consigo nem ouvir as palavras que saem de sua boca.


Estou olhando para meu pai, que está sentado em silêncio na
beira da maca, macacão trocado por um daqueles aventais
humilhantes que nem fecham nas costas. Ele parece magro e
pálido.

Ele tem quarenta e seis. Não tem como ele ter câncer.

— Não se preocupe, pai, — digo a ele. — Provavelmente é


outra coisa.

Estou forçando um sorriso.

Enquanto isso, estou afundando, afundando em águas


negras e profundas.
12

Eu volto para a casa de Levi Cargill porque ele está dando


outra festa e presumo que Bella estará lá. Ele faz um bom
trabalho com essas festas – cobrando um pagamento na porta,
cinco dólares por cerveja de merda e depois vendendo coisas
mais pesadas por meio de seu pequeno exército de lacaios.

Ele nunca toca no produto. Isso é o que o torna um bom


chefão – sempre delegando.

Além disso, ele adora um bom tema. Esta noite é uma


espécie de festa de espuma – ele tem máquinas espalhando
bolhas em tons de arco-íris por todo o quintal da frente e de
trás. A piscina está tão cheia de sabão que faz mais espuma do
que água.

A maioria das garotas está usando biquínis, ou estavam


quando a festa começou. Agora estão nuas e escorregadias,
atirando bolas de praia ou beijando-se para atrair ainda mais
a atenção masculina.

Acredite em mim, adoraria dar-lhes essa atenção.


Infelizmente, tenho que encontrar a única garota que prefiro
não ver.
Com certeza, Bella está reclinada em um flamingo inflável
gigante no meio da piscina, junto com sua melhor amiga
Beatrice. As duas garotas estão usando biquínis brancos
combinando. O de Bella é o tipo que consiste basicamente em
três pequenos triângulos presos com barbante.

Ela está bronzeada e em forma. Ela conseguiu manter a


maquiagem no lugar, apesar de toda a espuma. Eu realmente
deveria dar crédito a ela.

Mas eu não vou.

Bella exige que eu seja atraído por ela. Ela espera isso.

Eu odeio o que tenho que fazer.

Ainda assim, preciso de algo dela. Então me inclinei em


uma das espreguiçadeiras ao lado da piscina, deixando Bella
flutuar bem na minha linha de visão. Dou a ela exatamente o
que ela quer, que são meus olhos em sua pele nua. Eu a vejo
rindo e posando com Beatrice, lançando olhares na minha
direção. Até que ela finalmente rola do flamingo e nada na
minha direção.

Ela sobe a escada, a água escorrendo por seu corpo. Seus


mamilos rígidos cutucam a parte superior do biquíni branco.
Joga para trás seu cabelo loiro, que ela cuidadosamente
manteve fora da piscina.

— Vê algo que você gosta? — Ela ronrona.


— Sim. Onde posso conseguir um desses carros
alegóricos? — Eu digo.

— Você pode ter o meu.

— Isso é generoso.

— Eu sou uma pessoa legal, — Bella disse docemente. —


Assim que você me conhecer.

— Talvez você esteja certa, Bella. Talvez devêssemos ir


almoçar algum dia.

Ela levanta uma sobrancelha, ligeiramente desconfiada.


— O quê, como um encontro?

— Apenas duas pessoas comendo comida na mesma


mesa. Conhecendo-se melhor.

Ela está tentando não concordar facilmente.

— Eu não sabia que você era do tipo que namora.

— Pessoas mudam. Você é legal agora, e eu sou um


romântico.

Bella morde o lábio. Ela provavelmente acha que parece


sedutora, mas está sujando os dentes com batom.

— Quando? — Ela diz.

— Amanhã. Você conhece o Poke Bar no La Salle?

— Sim.
Claro que ela conhece. É do outro lado da rua do Alliance
Bank.

— Eu te encontro lá às onze.

— Ok.

Ela está sorrindo, satisfeita e animada. Estou tentando


esconder meu sorriso também, mas por razões totalmente
diferentes.

— Você quer ir pegar uma bebida agora? — Ela diz.

— Eu não posso. Tenho que encontrar Levi.

— Oh. — Ela franze a testa, desapontada.

— Vejo você amanhã, no entanto, — eu digo.

Eu a deixo na piscina, fingindo sair em busca de Levi. Na


verdade, não preciso falar com mais ninguém. Coloquei meu
plano em ação. Agora posso relaxar e tomar alguns drinks sem
Bella me acompanhando.

Esbarro em Mason na sala de estar. Ele está curvado no


sofá, afogando suas mágoas em uma garrafa de uísque pela
metade.

— Ei, cara, — eu digo. — Qual é o seu problema?

Ele toma outro gole de bebida, olhando melancolicamente


para o outro lado da sala. Sigo seu olhar até onde Patricia está
dançando muito perto de um homem bonito e musculoso em
uma camisa polo.
— Quem é aquele cara? — Pergunto-lhe.

— Rocco Dean, — diz Mason amargamente. — Ele


trabalha na Ridgemoor.

— Ah, sim, ele dá aulas, certo?

— Golfe e tênis, — diz Mason, tomando outro gole


miserável.

— Hm — digo, pegando emprestado a garrafa de Mason


para um gole rápido. — Faz sentido. Patricia é gostosa. E
aquele cara é muito mais bonito do que você.

Mason puxa sua bebida de volta. — Cara, cala a boca.

— Só estou dizendo que não é sua culpa – não há nada


que você possa fazer a respeito. É apenas o seu rosto. Talvez
se você tivesse uma personalidade melhor...

Ele tenta me dar um soco no braço, e eu bato seu punho,


rindo.

— Ela diz que não tenho ambição. Não vou a lugar


nenhum.

— Você mora na casa da sua mãe.

— Eu preciso de um emprego melhor.

Eu roubo sua bebida novamente, tomando um gole


pesado. — Eu posso ter algo para você, — digo a ele.

— Oh sim? — Ele se anima.


— Não é exatamente simples. Precisamos de um
motorista, alguns músculos, um arrombador de fechadura e
alguém para lidar com alarmes. Além de alguns equipamentos
personalizados.

Mason sorri. — Que tipo de equipamento?

— Vou te dar uma lista, — eu digo. — Amanhã.

Mason é hábil com a fabricação. Se eu der as


especificações, ele pode montar quase tudo.

— Dante é o músculo? — Ele diz.

— Possivelmente.

Não tenho certeza se vou conseguir envolver meu irmão


mais velho nisto. Ele se tornou tão conservador. Talvez seja
melhor falar no último minuto, quando as rodas já estiverem
em movimento.

— Presumo que você esteja trabalhando nas fechaduras,


— diz Mason.

— Claro.

— Podemos usar Jonesy para os alarmes.

— Sim, se ele estiver de volta aos remédios.

— E o motorista?

Nesse momento, Camille Rivera entra na sala. Ela parece


uma merda absoluta – o cabelo é um emaranhado louco de
cachos. Enormes olheiras sob os olhos. Expressão como se ela
tivesse acabado de assistir a um acidente de carro explodir na
frente, dela.

Estou decidindo, precisa ser determinado — eu digo a


Mason.

Eu intercepto Camille nos barris. Ela acabou de se servir


de um copo da cerveja de merda de Levi e está bebendo.

— De onde você veio? — Eu pergunto a ela.

— Não é da sua conta, — ela resmunga.

Ela termina sua cerveja e serve outra, o copo meio cheio


de espuma.

— Você está com pressa, — digo, observando-a beber


aquela cerveja com a mesma rapidez.

— Não preciso do seu comentário, Nero, — diz ela,


esvaziando o segundo copo . — Você é a última pessoa no
planeta que deveria estar falando merda por eu beber demais.

Normalmente, esse seria o ponto da conversa em que eu


diria a ela ir em frente – literalmente. Mas hoje não. Eu posso
ver lágrimas brilhantes brilhando no canto dos olhos de
Camille. Em todos os anos que a conheço, em todas as vezes
que a vi irritada, agitada ou estressada, nunca a vi chorar. Nem
uma vez.
Há algo muito errado com essa visão. É como um leão
com a crina raspada. Isso me faz sentir a única coisa que não
quero– pena.

— O que está acontecendo? — Eu pergunto a ela. — O


que aconteceu?

— Com o que você se importa? — Camille grita. — Pare


de fingir que é bom comigo! Só piora.

Ela está chamando a atenção das pessoas ao nosso redor,


mas eu não me importo.

Ela tenta se afastar de mim e eu agarro seu braço e a


puxo de volta. Eu a giro, seu corpo pressionado contra o meu.
Está quente como o inferno na casa, e a carne de Camille está
ainda mais quente. Meu sangue está correndo forte e posso me
sentir fazendo uma careta, os dentes à mostra, enquanto exijo:
— Diga-me o que está acontecendo!

Ela me encara, aqueles grandes olhos escuros


arregalados e furiosos. — Me solta, Nero!

— Não até que você me diga o que está errado!

— Ela disse para soltar, — uma voz masculina


interrompe.

A porra do Johnny Verger. Ele está abrindo caminho até


nós, bancando o herói cavalheiresco. Ele tem aquele olhar
ranzinza no rosto que me diz que ele está ansioso por uma
briga novamente. Estou satisfeito em ver que seu nariz ainda
parece inchado, com dois hematomas em forma de asas
estendendo-se sob seus olhos.

— Como está seu rosto, Johnny? — Eu pergunto a ele,


sem soltar o braço de Camille.

— Melhor do que o seu vai estar, — ele rosna.

Uma multidão está se formando ao nosso redor. Eu posso


ver Bella e Beatrice de um lado, ainda usando seus biquínis e
nada mais. O rosto de Bella está iluminado de emoção,
antecipando a violência que está por vir.

Os olhos de Camille vão e voltam entre Johnny e eu.

— Não preciso da sua ajuda, — ela diz a Johnny.

— Esse idiota precisa aprender uma lição, — diz Johnny.


— Sobre manter as mãos para si mesmo.

— Talvez você devesse ensinar essa lição à sua namorada,


— eu zombei dele. — Ela parece colocar as mãos... e boca...
onde ela quiser...

Johnny ruge e balança os dois punhos para mim ao


mesmo tempo.

Solto Camille , empurrando-a para fora do caminho para


que ela não seja atingida pelo fogo cruzado. No tempo que leva
para empurrá-la para o sofá mais próximo, Johnny me bate
com força na orelha esquerda com um daqueles punhos
carnudos. Eu ouço um som de estouro e luzes brilhantes
explodem na frente dos meus olhos.
Eu caio de costas e Johnny tenta pular em cima de mim,
mas chuto meu calcanhar com força em sua barriga, jogando-
o para trás. Então pulo de novo, sem nem mesmo tocar o chão
com as mãos. Estou correndo atrás dele, enquanto ele ainda
está cambaleando para trás. Eu o acertei duas vezes no rosto
e uma vez no corpo.

A sede de sangue está em mim. Eu mal posso sentir meus


punhos fazendo contato com sua carne, embora eu possa ver
cada impacto. Eu quero bater nele cada vez mais forte. Eu
quero transformá-lo em mingau.

Johnny se volta para mim. Eu me esquivo do primeiro


soco. O segundo me acerta na mandíbula. A dor é chocante,
cegante.

Eu amo isso pra caralho. Esta é a única coisa que parece


real. A única coisa que parece genuína. Eu odeio esse idiota, e
ele me odeia. Queremos nos separar.

Derrotá-lo prova que sou melhor do que ele – mais


inteligente, mais rápido, mais forte.

Já matei homens antes, quando era preciso. Isso era


trabalho e não gosto disso.

Lutar é diferente. É pura diversão. E eu sou muito bom


nisso. Um contra um, quase nunca perco.

Johnny é um cara grande. Um adversário digno. Quando


ele me bate de novo, bem no peito, quase posso respeitá-lo.
Eu ainda vou desmontá-lo.

Eu procuro por seu próximo golpe, então eu me abaixo


dele e o chuto novamente no peito, fazendo-o bater de costas
no armário de porcelana da avó de Levi. As portas de vidro se
estilhaçam, pratos quebrados caindo sobre os ombros de
Johnny.

É quando o samoano me acerta com um soco que parece


um tronco de pau-brasil na cabeça. Eu não esperava que isso
acontecesse e não havia como me preparar para isso. Isso tira
meu cérebro da cabeça, então nem me sinto caindo no chão.
Num segundo estou de pé, no próximo meu rosto está
pressionado no carpete imundo.

Eu ouço um grito – possivelmente Camille. O samoano me


dá alguns chutes no corpo que reorganizam alguns órgãos.
Isso doeria muito se eu ainda estivesse totalmente consciente.

Tudo o que ouço é Levi gritando: — Eu disse sem brigas


na casa!

Então eu caio na escuridão.

Eu acordo em uma espécie de varanda envidraçada.


Posso ver o canto de um letreiro em néon no alto e a beira de
um arranha-céu. O resto é apenas céu negro de verão, denso
de nuvens. A umidade é tão densa que parece gaze.

Estou prestes a me afastar novamente, até ouvir o


estrondo de um trovão. Isso me puxa de volta à consciência.

Alguém está lavando meu rosto. Está usando uma toalha


áspera. O toque não é áspero – é gentil e cuidadoso, limpando
o sangue da minha carne dolorida.

Minha mãe costumava lavar meu rosto assim quando eu


estava doente.

Ela é a única pessoa que me viu assim – indefeso.


Vulnerável.

Tento me sentar. Camille me empurra de volta, dizendo:


— Relaxe

Estou deitado em algum tipo de colchão fino de merda,


bem no chão, sem estrutura da cama embaixo dele. A pequena
sala tem cheiro de umidade. Mas também cheira a sabonete e
gasolina – como a própria Camille. Vejo uma pilha de
brochuras no canto e alguns vasos de plantas. Esses, pelo
menos, estão prosperando.

Este é o quarto dela. O quartinho mais patético que já vi.

Camille está ajoelhada ao lado da cama. Ela tem uma


tigela de água quente na frente dela, suja com o meu sangue.
Ela torce o pano, escurecendo ainda mais a água.

— Aquele samoano me bateu? — Eu digo.


— O nome dele é Sione, — Camille me informa.

— Puta que pariu, nunca levei um soco assim.

— Estou surpresa que você ainda tenha algum dente na


boca, — diz ela.

— Ei, apague isso. Eu acho que Dante bate com força


assim. Quando ele está realmente bravo.

— Você parece trazer isso para as pessoas, — Camille diz.

Posso estar errado, mas acho que há uma sugestão de


sorriso em seu rosto. Ela provavelmente está gostando disso.
Me vendo ter o que mereço por uma vez.

— Como você me trouxe aqui? — Eu pergunto a ela


curiosamente.

— Eu arrastei você, — Camille franze a testa. — E você


não é leve, por falar nisso.

— Mais leve do que uma transmissão, — eu digo,


sorrindo.

— Não muito, — ela responde.

Ficamos em silêncio por um minuto. O silêncio é


interrompido pelo tamborilar das gotas de chuva no telhado de
vidro. Eu olho para cima, observando cada uma das gotas de
chuva estourando contra o vidro. Logo há muitas para contar.
O tamborilar se transforma em um som de bateria constante,
que diminui e flui de maneira suave.
— Eu amo a chuva de verão, — Camille diz.

— Você deve gostar deste quarto.

— Sim, — diz ela com uma espécie de orgulho feroz.

Eu olho ao redor do quarto novamente. É sujo e


minúsculo. Mas posso ver por que ela gostaria – é uma cápsula
minúscula de privacidade total. Um espaço que pertence
apenas a ela. Metade fora, metade dentro. Na chuva, mas
protegido.

— Por que você sempre faz isso? — Camille me pergunta.

— O que? — Eu digo.

— Por que você é tão violento?

Eu posso sentir que estou corando. O calor faz meu rosto


latejar de novo, especialmente nos lugares em que fui atingido.
Minhas costelas estão gemendo. Sione pode ter quebrado
algumas.

Eu quero dizer algo cruel, para puni-la. Ela não tem o


direito de me julgar. De fazer perguntas.

Mas, pela primeira vez, mantenho meu temperamento.


Camille me tirou daquela festa. Ela me arrastou até aqui e
tentou me limpar. Ela fez isso – não Mason, ou Bella, ou
qualquer outra pessoa. Ela não precisava me ajudar. Mas ela
fez isso de qualquer maneira.
Olho para Camille. Realmente olhei para ela, na luz fraca
e aquosa. Sua pele brilha como se estivesse iluminada por
dentro. A umidade transformou seu cabelo em um halo
selvagem de cachos, ao redor de sua cabeça. Seus olhos
escuros parecem enormes e tragicamente tristes. Eu vejo a dor
neles.

Eu sei os motivos pelos quais ela deveria estar infeliz – ela


é pobre, sua mãe a abandonou, seu pai não consegue manter
esta loja junta e ela está tentando criar seu irmão delinquente
sozinha.

Mas tudo isso nunca pareceu incomodá-la antes. Por que


ela está finalmente desmoronando?

— O que aconteceu hoje? — Eu pergunto a ela. — Por que


você está tão triste?

Ela torce o pano com raiva, recusando-se a olhar para


mim.

— Eu não estou, — ela diz.

Mesmo enquanto ela está dizendo as palavras, duas


lágrimas escorrem pelos lados de seu rosto, em perfeito
paralelismo.

— Diga-me o que aconteceu.

Não é uma ordem. É apenas um pedido. Ainda assim, ela


balança a cabeça, fazendo com que as lágrimas caiam em seu
colo.
— Não, — ela diz. — Não é da sua conta. E eu não confio
em você.

— Bem, — eu digo. — Isso é provavelmente inteligente.


Eu não sou tão confiável.

Camille me lança um olhar desconfiado, como se ela


pensasse que estou brincando com ela.

— Não sou uma flor frágil, — diz ela. — Eu cresci bem


aqui em Old Town, assim como você.

— Não exatamente o mesmo. Você é uma boa menina.

— Não, eu não sou. — Ela balança a cabeça. — Você não


tem ideia do que sou capaz de fazer.

Eu me sento novamente, estremecendo com a dor nas


minhas costelas. Ela não tenta me impedir desta vez. Eu me
inclino para mais perto dela, o cabelo caindo sobre meus olhos.

— Eu tenho uma ideia, — eu rosno.

Pego seu rosto entre as mãos e a beijo. Desta vez eu faço


isso lentamente, para que ela pudesse se afastar se ela
quisesse. Ela fica completamente imóvel. Ela me deixa correr
minha língua sobre seus lábios e, em seguida, enfiar em sua
boca, provando-a. Ela tem gosto um pouco de cerveja, um
pouco de Coca Cola e um pouco a ela mesma.

Seus lábios são macios e flexíveis sob os meus. Os lábios


superior e inferior são quase igualmente carnudos.
Desta vez sou eu quem espreita seu rosto de perto. Seus
cílios grossos e escuros se espalham contra suas bochechas.
Sua pele é lisa e limpa. Seu rosto está mais redondo do que o
normal – não um oval de supermodelo. Mas isso a faz parecer
jovem, especialmente quando seu cabelo está solto.
Especialmente quando ela não está carrancuda pela primeira
vez.

Ela cheira a chuva fresca e roupa limpa. Sua língua


massageia a minha – gentilmente, suavemente.

Ela leva as mãos ao meu rosto também, e sinto o cheiro


dos últimos resquícios de diesel em sua pele. Um dos meus
aromas favoritos no mundo – inebriante e cru. Isso faz meu
coração bater contra minhas costelas latejantes.

Eu a puxo para baixo em cima de mim, tentando não


gemer de dor em minhas costelas. Deitamos lado a lado no
colchão estreito e irregular, ainda apenas nos beijando.

Nunca beijei uma garota assim, sem tentar ir mais longe.


Estou tão envolvido em como é bom que não estou indo para a
próxima coisa. Eu só quero provar, cheirar e tocá-la, assim.

Talvez eu ainda esteja flutuando com aquele golpe na


cabeça, porque mal sinto o chão abaixo de nós. Sinto-me
envolto na chuva e em sua pele quente. Sinto uma onda de
contentamento que não conhecia há anos.

Não sei por quanto tempo. Talvez uma ou duas horas. O


tempo não tem sentido, porque é o único que importa. Se você
pudesse ver minha vida inteira disposta em uma corda, esta
seria o único filete brilhante. O único momento de felicidade.

Então minha mão roça seu seio, acidentalmente, e ela fica


rígida.

Não sei se ela está se afastando ou se gostou. Mas o


momento está quebrado.

Nós dois estamos recuando, olhando um para o outro.


Ambos confusos.

A chuva parou. Eu não percebi, quando aconteceu. A sala


está totalmente silenciosa.

— Eu deveria ir para casa, — eu digo.

Não sei se estou dizendo o que quero ou o que acho que


ela quer.

Ela concorda.

— Obrigado. Por... você sabe. — Eu gesticulo sem jeito


para a tigela de água suja.

Camille acena com a cabeça novamente, os olhos mais


escuros do que nunca.

E é isso. Eu vou embora. Querendo saber o que diabos


está acontecendo comigo.
13

Quando Nero cai no chão, Sione, Johnny Verger, e cerca


de cinco outros caras começam a chutar e pisá-lo de todos os
ângulos. Nero tem mais do que alguns inimigos, ansiosos para
dar sua surra enquanto não consegue revidar.

Mason tenta intervir, saltando sobre Johnny por trás,


mas ele não é páreo para todos eles.

Tenho que me jogar fisicamente em cima do Nero para


fazê-los parar.

Eu faço isso por impulso, porque tenho medo que eles vão
matá-lo. Na verdade, parece que ainda querem, quer eu esteja
atrapalhando ou não. Mas Levi me apoia.

— Já chega, — diz ele a Johnny e aos outros.

Ele me deixa levar Nero para fora da festa, para o meu


carro. Provavelmente porque ele não quer ter problemas sérios
com os Gallos.

— Você vai levá-lo para casa? — Levi me pergunta.


Ele parece nervoso, como se ele pensasse que Dante Gallo
poderia estar de volta uma hora depois para colocar fogo em
sua casa inteira.

— Não, — eu digo. — Vou levá-lo para minha casa.

Digo isso a Levi para tranquilizá-lo. Mas assim que me


afasto do meio-fio, não parece uma ideia tão ruim. Afinal, não
estou exatamente ansiosa para enfrentar os Gallos eu mesma
– Enzo me assusta muito, e Dante não é muito melhor. Além
disso, Nero não está em condições de me defender.

Então eu o levo para minha casa e o arrasto escada


acima, o que realmente não é uma tarefa fácil. Ele é pesado
como o inferno, um peso morto. Além disso, onde quer que eu
coloque minhas mãos, não posso deixar de notar o quão duro
é seu corpo. Mesmo inconsciente, Nero é feito de músculos
tensos e magros em quase todos os lugares.

Deito-o na minha cama e tento limpá-lo um pouco.

Ele é uma bagunça absoluta. É quase como se ele


quisesse ter seu rosto esmagado. Como se ele estivesse
tentando destruir sua beleza.

Não vai funcionar. Os cortes e hematomas não podem


esconder o que está por baixo.

Com cada pedaço de sangue e sujeira que limpo de sua


pele, revelo mais um centímetro daquele rosto perfeito.
É engraçado como os rostos mais bonitos são atípicos.
Nero não se parece com Brad Pitt ou Henry Cavill – ele se
parece apenas com ele mesmo.

Ele tem rosto comprido, maçãs do rosto salientes e queixo


pontudo. O branco de seus olhos e seus dentes brancos
brilham contra sua pele morena, sempre que ele fala ou olha
em sua direção. Suas sobrancelhas são linhas retas pretas
diretamente acima dos olhos cinza claro – olhos que às vezes
parecem brilhantes como a luz das estrelas, e às vezes tão
escuros quanto a parte inferior de uma nuvem de tempestade.
Ele tem um nariz largo, que quase seria grande demais para
seu rosto. Exceto que equilibra perfeitamente seus lábios
carnudos e macios. Lábios que deveriam ser gentis. Mas estão
sempre torcidos por um sorriso de escárnio.

Ele tem uma mecha de cabelo preto, sem nenhum traço


de castanho. Cai sobre seus olhos, então ele joga de volta. É
um gesto impaciente e raivoso, como se ele estivesse irritado
com o próprio cabelo, ou qualquer outra coisa que se atreva a
tocar seu rosto.

Ele se veste como James Dean, com uma jaqueta de couro


surrada que parece mais velha do que ele, jeans rasgados,
botas ou Chuck Taylor imundos.

Esse é o Nero que conheço há quase toda minha vida.

O que está deitado na minha cama é um pouco diferente.


Por um lado, ele está dormindo. Desmaiado ou nocauteado,
não tenho certeza. Portanto, aquele olhar intenso de raiva está
ausente de seu rosto. Suas feições estão relaxadas. Quase em
paz.

A única outra vez que o vi assim foi quando estávamos


dirigindo juntos em seu carro. Certo, estávamos fugindo da
polícia. Mas foi a única vez que o vi que ele quase parecia feliz.

Sua camiseta está rasgada pela luta. Há um longo corte


em seu peito. Eu limpo isso, junto com seu rosto.

Percebo que a pele de seu peito é tão lisa e sem pelos


quanto o resto dele, e profundamente morena. Estou surpresa
ao ver que ele não está coberto de tatuagens. Na verdade, ele
não tem nada que eu possa ver.

Eu lavo seu rosto limpo. Ele geme quando eu toco as


partes inchadas de seu rosto. É um som lamentável.

Eu percebo que ele realmente está com dor.

Nunca pensei em Nero como alguém capaz de sentir dor


como uma pessoa normal. Ele sempre parece gostar.

Eu olho para ele deitado ali, e penso como ele é jovem,


realmente. Apenas vinte e cinco, como eu. Ele sempre pareceu
muito mais velho. Especialmente quando estávamos na escola
juntos.

Mas ele era apenas uma criança naquela época. Ele mal
é um adulto agora.

Ele simplesmente cresceu asperamente. Mais áspero do


que eu.
Os Gallos têm dinheiro. Mas quantos anos ele tinha a
primeira vez que alguém colocou uma arma em sua mão?

Eu olho para aquela mão, enrolada em seu peito,


tentando segurar algo. Seus nós dos dedos estão
ensanguentados e surrados. Seus dedos são longos, finos e de
formato fino.

Deslizo minha mão na sua apenas por um instante, para


dar a ele algo para segurar. Também tenho dedos longos.
Nossas mãos se unem perfeitamente. Como dedos dentro de
uma luva. Como se fossem feitos um para o outro.

Os olhos de Nero se abrem. Eu puxo minha mão,


sentando nos calcanhares antes que ele perceba alguma coisa.

Ele tenta se sentar e eu o empurro de volta.

Conversamos um pouco. Mais calmamente do que já


conversamos antes.

Então ele me beija. Não como se ele tivesse me beijado no


carro. Aquilo foi violento, agressivo, como um castigo. Isso é o
oposto. É gentil. Quase terno.

Nos beijamos por tanto tempo que esqueci quem ele é e


quem eu sou. Esqueci que jurei para mim mesma uma centena
de vezes que nunca, nunca, nunca deixaria Nero Gallo segurar
meu coração para que pudesse rasgá-lo em pedacinhos e pisar
neles, como faz com todo mundo.
Em seguida, sua mão roça em meu seio e eu suspiro,
porque a sensação de sua palma passando sobre meu mamilo
é como um choque elétrico disparando pelo meu corpo. E ele
se afasta de mim, parecendo surpreso e quase horrorizado.

Então ele vai embora.

E fico sozinha na minha cama por horas, perguntando-


me por que o deixei me beijar. E por que ele queria, afinal.

Na manhã seguinte, sinto-me tonta e minha cabeça está


latejando. Eu quase nunca bebo. Aquelas duas cervejas na
casa de Levi não me fizeram nenhum favor.

Eu tropeço para fora da cozinha, onde Vic está realmente


fora da cama, com seus livros espalhados sobre a mesa e seu
nariz a alguns centímetros de seu papel enquanto ele rabisca
anotações.

— O que você está fazendo? — Eu pergunto desconfiada.

— Eu me inscrevi nesses cursos AP como você disse, —


diz Vic.

Ele parece humilde e apologético, como se estivesse


tentando fazer penitência comigo.
Ele sabe que fui forçada a vender ecstasy para Levi
Cargill. Não contei a ele sobre o policial Schultz. Trabalhar com
a polícia é uma das coisas mais perigosas que você pode fazer
em Old Town. Se Vic soubesse o que eu estava fazendo, isso só
o colocaria em perigo.

— Para que são essas anotações? — Pergunto-lhe.

— Biologia Evolutiva, — diz ele. — É tudo uma questão


de seleção natural e descendência comum e especiação.

— Como aquela coisa com Mendel e as plantas de ervilha?


— Eu digo.

Lembro-me vagamente de preencher um monte de


quadrados que deveriam nos ensinar traços recessivos e
dominantes.

— Sim, — diz Vic. — Basicamente.

— Quais são esses gráficos que você faz para herança? —


Pergunto-lhe.

— Quadro de Punnett, — diz Vic.

— Eu me lembro disso.

— Bem, nós cobrimos isso na biologia normal, — diz Vic.


— Isso é um pouco mais avançado. Veja...

Ele vira a página de seu livro e faz um gesto para que eu


me sente e leia com ele.
— Então, estou lendo sobre epigenética, que é a
modificação da expressão do gene, ao invés da alteração do
código genético em si.

Ele não está lendo isso no livro. Ele está apenas


tagarelando de seu próprio cérebro. Vic é tão inteligente. É por
isso que não suporto a ideia de ele jogar a vida fora em algum
trabalho servil – ou pior, sem emprego algum. Apodrecendo em
uma cela de prisão porque cometeu o erro de confiar em um
cara como Levi.

— Mas olhe aqui, — ele diz, apontando. — Aqui eles estão


falando sobre mutações herdadas. Este está no gene FOXC2.
É chamado distiquíase. É a mesma mutação que Elizabeth
Taylor teve. Isso dá a você uma fileira dupla de cílios.

— Isso é legal, — eu digo, tentando lembrar exatamente


como Elizabeth Taylor era.

— Eu também tenho! — Vic diz com orgulho.

— O que? — Eu me inclino para examinar seu rosto.

Ele tem cílios muito grossos. Isso o fazia parecer uma


menina quando era pequeno – especialmente quando seu
cabelo não era cortado com frequência.

— Como você sabe que tem isso? — Pergunto-lhe.

— Porque olhe – os cílios não são apenas grossos. Eles


crescem em duas linhas.
Eu olho atentamente em seus olhos. É verdade – os cílios
crescem um em cima do outro, não apenas em uma única
fileira.

— Isso é... ruim? — Pergunto-lhe.

— Isso pode causar irritação, — diz ele. — Não para mim,


felizmente. A distiquíase é realmente rara. Mas é um distúrbio
autossômico dominante.

Eu fico olhando para ele sem expressão.

— Passado de pai para filho, — acrescenta ele, prestativo.

— Mamãe tinha isso?

Vic franze a testa. — Como eu deveria saber?

Às vezes esqueço que ele não se lembra dela. Ela nunca


veio visitá-lo, depois da noite que ela o deixou em casa.

Acho que nosso pai falava com ela às vezes. Na verdade,


tenho quase certeza disso, depois do que Ali disse. A única
maneira de minha mãe ter conseguido aquela foto minha seria
se papai a tivesse dado a ela.

Ali disse que minha mãe a mantinha no espelho. Isso não


me faz sentir bem.

Na verdade, isso me irrita. Ela não tinha o direito de olhar


para uma foto minha, quando não se importava em ver sua
filha real, que ainda morava no mesmo bairro que ela.
— Isso é muito legal, — eu digo para Vic, tentando tirar
os pensamentos de nossa mãe da minha cabeça. — Fico feliz
em ver você estudando.

— Devo ter tempo para terminar todo o curso antes do


fim do verão, — ele me diz.

— Isso é ótimo, Vic. Estou orgulhosa de você, cara.

Eu bagunço seu cabelo cor de caramelo, enquanto me


levanto da mesa.

Vic realmente é um garoto bonito. Ele tem muitas das


melhores características de nossa mãe, embora seja mais
justo.

Tento me lembrar se minha mãe tinha cílios grossos. Ela


tinha olhos grandes e escuros como eu e Vic. Mas não sei se
os cílios eram algo especial.

Na verdade, por mais que eu odeie admitir, eu só vi uma


pessoa com cílios como Vic: Bella Page. E eu a conheço há
tempo suficiente para saber que ela os tem desde que éramos
crianças. Eles não são extensões como tantas garotas estão
recebendo atualmente. Ela sempre teve cílios grossos e pretos,
mesmo quando era uma garota loira e magra...

Meu estômago dá um aperto estranho dentro de mim.

Eu vi os pais de Bella uma vez na nossa cerimônia de


formatura do ensino médio. Sua mãe era magra e loira, muito
parecida com Bella. Seu pai era alto, com uma careca
brilhante. Mas ele tinha uma característica bastante marcante:
sobrancelhas grossas e escuras e cílios. Eles faziam seus olhos
parecerem estranhamente femininos em um rosto masculino.

Isso é apenas uma coincidência, tenho certeza.

— Ei, Vic, — eu digo. — Quão rara é essa doença – essa


mutação?

— Não sei. — Ele encolhe os ombros. — Talvez um em


cinquenta milhões?

Bem, merda.

É uma grande coincidência.

Eu deveria estar trabalhando na garagem de automóveis,


mas em vez disso, estou no centro, no distrito financeiro.

É aqui que o pai de Bella trabalha. Ele é dono do Alliance


Bank, na LaSalle Street. Ou, pelo menos, é o que o Google me
diz. É confirmado pela diretoria da empresa localizada perto da
recepção.

Não sou estúpida o suficiente para falar com a


recepcionista de aparência arrogante. Eu sei que não há
nenhuma maneira na terra verde de Deus que ela vai me enviar
no elevador para qualquer escritório de canto deslumbrante
que Raymond Page ocupa. Os gerentes de banco não se
encontram com mecânicos aleatórios que vêm vagando pela
rua.

Na verdade, a recepcionista já está me olhando com


desconfiança, com base no fato de que estou vasculhando o
saguão há cerca de dez minutos, e estou vestida com jeans e
um casaco com capuz, em vez do terno e pasta aparentemente
necessários para ganhar entrada para os níveis superiores.

Depois de desligar o fone em sua ligação mais recente, ela


me encara com um olhar gelado e diz: — Posso ajudar? — no
tom de voz normalmente reservado para dizer às pessoas que
sua braguilha está aberta.

— Eu estou esperando por... meu tio, — eu digo


desajeitadamente.

Ela levanta uma sobrancelha em descrença.

Eu viro minhas costas para ela, procurando por algum


lugar escondido fora de vista enquanto espero Raymond
descer.

É quase hora do almoço. A menos que ele esteja


planejando comer em seu escritório, ele provavelmente sai
para comer um bife e um martini em um dos muitos
restaurantes chiques em um raio de três quarteirões deste
lugar.

O lobby é todo em mármore preto e superfícies reflexivas


elegantes. Não há bons lugares para se esconder. Nem mesmo
um vaso de planta para se agachar. Posso ver a recepcionista
ficando impaciente, lançando olhares na minha direção com
cada vez mais frequência. Parece que ela vai chamar um dos
seguranças uniformizados a qualquer minuto.

Naquele momento, o elevador apita. As portas douradas


se abrem e três homens de terno passam por ali. O do meio é
alto, careca e obviamente no comando.

Raymond Page.

Eu me apresso para interceptá-lo.

Posso ver o segurança vindo em nossa direção do lado


oposto. Ele sabe quem Page é melhor do que eu, e não tem
intenção de me deixar falar com ele. Infelizmente para o
guarda, estou mais perto. Eu me posiciono bem na frente de
Raymond, então ele não tem escolha a não ser parar ou correr
direto para mim.

— O que? — Ele estala, interrompendo sua conversa com


os outros dois homens.

— Sr. Page? — Eu digo.

— Sim? — Ele diz friamente.

Ele está olhando para o meu rosto, seus olhos escuros e


severos como os de um falcão, com aquelas sobrancelhas
franzidas e seu nariz pontudo entre elas. Seu rosto é áspero –
de pele grossa e fortemente enrugada. Mas não há como
confundir aquela fileira dupla incongruente de cílios que
revestem seus olhos como kohl.

— O que é isso? — Ele late, novamente.

— Eu... eu conheço sua filha Bella, — eu gaguejo.

— Então você deve saber melhor do que me interromper


no trabalho, — diz ele.

Ele passa por mim e passa pelas portas para fora, os


outros dois homens correndo atrás dele. O segurança me
impede de segui-lo.

— Hora de ir, — ele diz, os braços cruzados sobre o peito.

— Já estou saindo, — eu respondo, indo para a porta


oposta.

Eu não posso acreditar nisso. A menção da filha de


Raymond não o interessou nem um pouco. Ele não tinha
curiosidade. Nenhuma preocupação de que algo pudesse ter
acontecido com ela.

Quase me faz sentir mal por Bella.

Até que a vejo atravessando o saguão de braços dados


com a última pessoa no mundo que eu esperaria ver aqui: Nero
Gallo.

Nero parece igualmente surpreso. Não sei se já o vi sem


palavras antes. Sua boca está aberta de um jeito que seria
quase engraçado, se a visão dele e Bella juntos não fosse um
soco no estômago.

Bella olha para frente e para trás entre nós, confusa e


irritada.

— O que você está fazendo aqui? — Ela zomba. —


Candidatar-se a um emprego de zeladora?

Eu não olho para ela. Estou olhando para Nero. Ele está
mais bem vestido do que já vi antes, com uma camisa de botões
e calças compridas. Seu cabelo está até penteado para trás. Se
eu não o conhecesse, pensaria que era um dos jovens
profissionais do prédio. O encontro perfeito para a filha do
dono do banco.

— Indo almoçar? — Eu pergunto a eles. Meus lábios estão


secos. É difícil falar.

— Nós já comemos, — Bella diz, como se eu fosse uma


completa idiota. Pela primeira vez, acho que ela está certa. —
Nero queria um tour pelo novo prédio do papai.

— Você acabou de perder o papai, — digo a eles,


observando o rosto de Nero.

Acho que vejo um lampejo de algo ali. Definitivamente não


é decepção.

— Como você sabe? — Bella exige.

— Eu acabei de vê-lo sair.


Ainda estou olhando para Nero, tentando descobrir
exatamente o que diabos está acontecendo aqui.

Ele odeia Bella. Ele sempre odiou. Ele fez isso para me
deixar com ciúmes? Mas ele não sabia que eu viria aqui hoje.
Nem eu sabia até uma hora atrás.

Por que ele encontraria Bella para almoçar, vestido como


um riquinho? Não faz sentido.

A menos que ele não esteja aqui por Bella...

Olho rapidamente ao redor do saguão, para ver se algum


de seus amigos está à espreita. Não há ninguém aqui – exceto
a multidão normal de financistas e clientes ricos.

Nero vê minha expressão mudar. Seu rosto escurece. Ele


não me quer fodendo com isso por ele.

— Vamos indo, — ele diz à Bella.

— Não sei se posso mostrar o cofre se o papai não estiver


aqui... — Bella diz.

O cofre...

Nero me lança um olhar, dizendo-me para manter minha


boca fechada.

Acho que sei por que ele está aqui.

Ainda assim, isso me faz queimar de ciúme, vê-lo de


banho tomado e barbeado, com Bella pendurada em seu braço.
Ela está usando um lindo vestido de verão amarelo e salto alto,
seu cabelo louro e elegante brilhando cada vez que ela joga a
cabeça. Eles formam um casal lindo.

Enquanto isso, pareço tão miserável que quase fui


expulsa deste lugar antes de dizer uma palavra.

— Eu não vou segurá-los. Aproveite o seu encontro, —


assobio para Nero.

— Nós vamos, — Bella diz com uma doçura venenosa.

Nero não diz nada. Mas posso sentir seus olhos


queimando minhas costas enquanto saio pisando duro do
banco com ar-condicionado, de volta ao calor sufocante.

Eu sabia. Eu sabia disso, porra.

Nero não dá a mínima para Bella, e ele não dá a mínima


para mim. Ele usará qualquer uma de nós quando atendermos
ao seu propósito.

Ele é uma cobra. Fui uma idiota por deixá-lo enfiar suas
presas em mim por um instante.

Ainda assim, sinto-me parando na calçada. Como se ele


fosse deixar Bella lá e correr atrás de mim.

Claro que não.

Estou apenas parada ali sozinha, enquanto os carros


passam zunindo e os pedestres precisam se afastar de mim.

O que quer que Nero tenha planejado lá, é muito mais


importante do que eu.
14

De todos os atos tortuosos e criminosos que cometi, levar


Bella para almoçar é o mais repugnante.

Sinceramente, acho que teria achado o sequestro de um


ônibus escolar cheio de crianças menos desagradável.

Eu tenho que sentar à mesa dela no Poke Bar, ouvindo


cada pensamento estúpido chacoalhando em seu cérebro,
enquanto sorrio e finjo estar interessado.

Eu odeio fingir, porra.

Não ajudou que eu tive que me vestir como Patrick


Bateman em American Psycho. Camisa de botões, sapatos
polidos... não é para o benefício de Bella. É para não chamar a
atenção dos guardas de segurança assim que formos para o
Alliance.

Eu deixei Bella pensar que foi ideia dela. Eu faço a ela


algumas perguntas sobre onde o pai dela trabalha – perguntas
para as quais eu já sabia as respostas – e ela diz: — É do outro
lado da rua – você quer ver?
Eu verifico meu relógio –12h38. Já vi Raymond sair para
almoçar precisamente às 12h33, três dias seguidos. Eu amo
um banqueiro que mantém uma agenda apertada. Isso o torna
tão convenientemente previsível.

Não tenho interesse em encontrar Raymond. Na verdade,


eu o quero fora do caminho para que eu possa vasculhar todos
os lugares que eu não deveria visitar, com a ignorante Bella
como minha guia.

Mas, em vez do querido e velho papai, esbarramos em


Camille.

Parece que eu dei um tapa nela.

Eu sei o quão ruim parece, eu e Bella vestidos como a


porra de um conjunto de bonecas Ken e Barbie. Eu quero dizer
a ela que não é o que parece. Que é a desculpa mais estúpida
do mundo. Exceto por esta vez, quando é realmente verdade.

Não que eu deva alguma desculpa a ela. Camille e eu não


estamos namorando. Tudo o que fizemos foi nos beijar.

Mas aquele beijo...

Ok, talvez isso significasse algo. Não sei o quê, mas não
posso negar que teve um efeito em mim.

Então, não estou gostando da expressão no rosto de


Camille, como se eu a tivesse esfaqueado no coração. Pior
ainda é sua expressão quando ela começa a descobrir que há
algo suspeito sobre eu bisbilhotar no banco.
Camille é muito inteligente para seu próprio bem. Seus
olhos estão correndo ao redor do saguão enquanto Bella está
tagarelando, e eu queria colocar uma focinheira nela e
simultaneamente dizer à Camille para não foder com isso para
mim, porque ela está parecendo em parte irritada, em parte
magoada e muito suspeita. A receita perfeita para um desastre,
se ela quiser explodir tudo isso na minha cara.

Felizmente, ela entende a dica e vai embora.

Realmente não me sinto melhor, observando-a sair pelas


portas de vidro duplo. Na verdade, eu meio que quero ir atrás
dela. Quero explicar – ou pelo menos garantir a ela que este é
um almoço de negócios e nada mais.

Eu posso vê-la parada na calçada, parecendo perdida,


como se ela não conseguisse decidir para onde ir a seguir. Ela
parece pequena à distância. Quando ela está bem na minha
frente, os olhos brilhando e os braços cruzados na frente do
peito, ela é meio intimidante. Eu esqueço que ela é realmente
muito pequena.

— O que você está olhando? — Bella diz, impaciente.

— Nada, — eu respondo, balançando a cabeça.

Eu quero me dar um tapa. Eu tenho que colocar minha


cabeça de volta no jogo e acalmar as penas eriçadas de Bella.
Ela sempre teve um problema com Camille.

— O que ela está fazendo aqui? — Bella atira. — Eu sinto


que ela está em todo lugar que olho ultimamente! Deus, é pior
do que o ensino médio! Por que ela simplesmente não fica em
sua lojinha de merda como costumava fazer?

Eu quero dizer a Bella que quando você não recebe uma


mesada de cinco dígitos do papai todo mês, você meio que tem
que ir a lugares e fazer coisas. Mas eu engulo esse pensamento
profundamente, engessando um sorriso no meu rosto.

— Então você não pode descer para a sala do cofre


sozinha? — Eu digo à Bella, fingindo checar meu relógio. — É
melhor eu ir, então. Acho que não tenho tempo para esperar
pelo seu pai...

— Eu realmente queria que ele conhecesse você, — Bella


faz beicinho.

Sim, aposto que Raymond Page adoraria me conhecer


também. Meu pai é um dos poucos agitadores de Chicago que
não guarda seu dinheiro aqui. Ironicamente, é porque ele acha
que Raymond é muito sujo. Papa sempre diz: “Não infrinja a
lei enquanto você está infringindo a lei.” O que ele quis dizer
com isso é que você só deve cometer um crime por vez. Do
contrário, você chama atenção para si mesmo. Afinal, Al
Capone nunca teria sido pego por contrabando se os federais
não pudessem processá-lo por sonegação de impostos.

O fato de os Gallos não fazerem negócios com Page é


exatamente por que não tenho problema em roubá-lo às cegas.
Ele não está sob nossa proteção.
— Bem... — Bella diz hesitante. — Eu ainda posso levar
você lá embaixo! Simplesmente não podemos entrar sem o
papai.

— Você tem certeza? — Eu digo.

— Sim, claro! — Ela responde, tentando soar mais


confiante do que parece.

Ela me leva até o elevador particular, guardado por um


gorila carrancudo de terno.

— Ei, Michael, — Bella diz a ele. — Quero mostrar ao meu


amigo a sala do cofre.

— Ele está na agenda? — Michael grunhe.

— Não, — Bella ri. — Eu nunca estou na agenda.

— É melhor eu ligar para o Sr. Page, — Michael diz, os


dedos grossos alcançando seu walkie-talkie.

— Ok, — Bella diz descuidadamente. — Ele está em uma


reunião de almoço agora.

Michael hesita.

— Está tudo bem, — Bella diz, em um tom passivo-


agressivo. — Ele ficará menos bravo se você o interromper do
que se você não me ajudar.

Os dedos de Michael caem do walkie-talkie.


— Ok, — diz ele. — Vocês podem descer. Não toquem em
nada, no entanto.

— Claro que não. — Bella sorri docemente.

Michael aperta o botão do elevador e nos deixa entrar. As


portas se fecham e descemos para o cofre subterrâneo.

Enquanto descemos, digo a Bella: — Aposto que seu pai


conhece todo mundo importante em Chicago.

Bella enrubesce de prazer. — Ele conhece todo mundo, —


ela concorda. — Toda vez que ele me leva para uma festa, ele
sabe o nome de todo mundo, e todos o conhecem. O prefeito,
todos os CEOs, até celebridades...

Enquanto Bella está falando, eu observo o painel de


controle do elevador e a localização de cada câmera e sensor.

Quando entramos na sala do cofre, ando lento e


deliberadamente, contando meus passos. As abotoaduras
idiotas que estou usando não são apenas para parecer um
babaca das finanças. Cada vez que ajusto a do meu pulso
direito, estou tirando uma foto. Posso inclinar a abotoadura
em qualquer direção para tirar fotos do elevador, da sala do
cofre e da própria porta do cofre.

Não há decorações aqui. Nenhum nicho ou vaso útil que


eu pudesse usar como esconderijo. Tenho uma câmera
secundária que quero guardar no local, mas só consigo ver um
bom lugar para ela: perto do extintor de incêndio. Eu vagueio
naquela direção, perguntando a Bella, — Então o que está no
cofre? Barras de ouro ou algo assim?

— Todos os tipos de coisas, — Bella diz. — Na realidade...


— ela se aproxima de mim, baixando a voz. — Eu ouvi meu pai
falando ao telefone. Ele disse que tinha um grande diamante
de um cara russo... mas eu acho que ele morreu? E ninguém
voltou desde então. Ele acha que o resto deles não sabe sobre
isso.

Meu coração pula uma batida. É difícil manter minha


expressão neutra, como se isso não significasse nada para
mim.

Os Griffins mataram Kolya Kristoff neste inverno. Ele era


o chefe da Bratva. E ele era um filho da puta chamativo. Eu
podia vê-lo escondendo algumas pedras aqui, sem contar ao
resto de seus homens.

O pobre Raymond deve estar terrivelmente tentado...


sabendo que não há registro da pedra gigante em sua posse,
mas tem medo de vendê-la, caso os russos descubram...

Talvez eu devesse resolver seu dilema livrando-o do


diamante.

Enquanto estou falando com Bella, chego atrás de mim,


fora do campo de visão das câmeras de segurança, e coloco
minha própria pequena câmera sob o bico do extintor de
incêndio.
O único problema com este minúsculo dispositivo é que
tenho que colocar o receptor acima do solo, a uma distância de
cem metros do cofre.

— Então, seu pai construiu este banco recentemente? —


Eu pergunto a Bella.

— Três anos atrás – se isso for recente, — ela ri.

— Eles construíram o cofre ao mesmo tempo?

— Eu acho. — Ela ri novamente. — Definitivamente


estava aqui quando eu visitei. Quer ver mais alguma coisa?

— Não. — Eu sorrio. — Eu entendi a ideia.

Enquanto voltamos, eu digo à Bella: — Você parecia


conhecer Michael muito bem.

— Ele está sempre vigiando o elevador, — Bella diz. — Ele


é um pouco persistente, mas é bom o suficiente.

Ou seja, ele a deixa fazer o que ela quiser no final.

As portas se abrem e eu estendo minha mão para


Michael.

— Obrigado por nos deixar fazer um tour, — eu digo,


sacudindo sua pata carnuda.

Enquanto isso, coloco meu receptor bem em cima do


walkie-talkie. É metal preto, do tamanho de um parafuso. A
menos que olhe atentamente para a antena, ele nem notará.
Ele silenciosamente transmitirá as imagens da câmera
escondida neste prédio, direto para o meu laptop em casa.

— Volte logo, — Michael diz educadamente.

Eu pretendo.
15

Quando eu chego em casa, eu bato na porta de Vic.

— Entre! — Ele chama.

Eu empurro a porta. Seu quarto é minúsculo. Ele tem


apenas uma janela minúscula no alto de uma parede, como
em uma cela de prisão. Ele não parece se importar, no entanto
– ele cobriu as paredes com pôsteres de todos os seus músicos
favoritos, e o espaço está tão lotado e bagunçado quanto o
quarto de qualquer adolescente.

Ele tem uma mesa espremida ali com sua cama. Ele está
atualmente trabalhando naquela mesa, curvado sobre o laptop
que comprei para ele alguns anos atrás.

Ele se senta um pouco rápido demais quando eu entro no


quarto.

Eu olho automaticamente para a tela, para verificar se ele


está fazendo o trabalho do curso.

Em vez disso, vejo algum tipo de programa de música.


Parece um monte de barras deslizantes e gráficos ondulados.

— O que é isso? — Pergunto-lhe.


— Bem... — Vic parece culpado.

— Vamos. Fale logo.

— É essa coisa de fazer batidas, — admite.

— Que tipo de batidas?

— Você sabe. Faixas instrumentais para músicas.

Eu realmente não sei, mas estou interessada. Venho e


sento-me na beira da cama.

— Vamos ouvir, — eu digo.

— Ok... — Vic diz nervosamente.

Ele coloca o cursor sobre o ponto certo na tela e pressiona


enter.

A batida sai de seus alto-falantes minúsculos. Não sei


muito sobre esse tipo de música, mas posso ouvir que é
otimista e cativante, com um som de funk dos anos 70.

— Você fez isso? — Eu pergunto a Vic.

— Sim, — diz ele, sorrindo timidamente. — Ouça este


aqui.

Ele clica em outra faixa. Desta vez, a batida é um pouco


estranha, com um fundo instrumental que parece pertencer a
um filme de Kung Fu.

— Vic, isso é muito legal! — Eu digo a ele.


— Obrigado, — ele diz.

— O que você faz com elas?

— Bem... Eu postei algumas online. E eu as vendi, na


verdade.

— Oh sim? Quanto alguém paga por uma batida dessas?

— Bem, no começo eu estava cobrando vinte dólares. Mas


agora estou recebendo cinquenta por faixa.

— Sério?

— Sim.

Estou impressionada. Meu irmãozinho empreendedor


encontrou uma maneira que parece legal de ganhar dinheiro.

— Eu gostaria de ter uma mesa de mixagem melhor, —


diz ele. — Se eu vender mais algumas, provavelmente poderei
comprar uma. Mas eu sei que tenho que economizar para a
faculdade também, — acrescenta ele apressadamente.

— Economize para os dois, — digo a ele. — Metade para


a faculdade, metade para o equipamento que você precisa.

— Tudo bem, — Vic sorri. — Justo.

Estou muito orgulhosa dele. Sempre soube que meu


irmão mais novo era brilhante. Ele só precisa voltar sua
atenção na direção certa. Para coisas que irão ajudá-lo na vida,
em vez de colocá-lo em apuros.
Eu olho para seu rosto magro e bonito, dominado por
seus olhos escuros e cílios de menina. A verdade é que ele não
se parece inteiramente com minha mãe. Ela era cem por cento
porto-riquenha. Vic é mais claro. É possível que seu pai fosse
um cara branco.

Eu procuro suas feições, tentando encontrar evidências


de Raymond Page em seu rosto. Minha mãe poderia ter
conhecido um homem assim? Namorado com ele ou dormido
com ele?

Todos os tipos de homens visitaram Exotica. No que diz


respeito aos clubes de strip, era um dos mais chiques da
cidade. As pessoas diziam que minha mãe também trabalhava
como acompanhante. Eu não queria acreditar. Mas é possível
que ela conheceu Raymond e acidentalmente engravidou.

Essa não é uma informação que Page gostaria que outra


pessoa soubesse. Ele teria sido casado com a mãe de Bella na
época. E mesmo que ela esteja bem com ele sendo mulherengo,
duvido que isso se estenda a sexo desprotegido com strippers.

Deus, fico enjoada só de pensar nisso.

— O que? — Vic diz. — O que você está olhando?

— Aquela coisa de cílios, — digo a ele.

Ele ri. — É bem legal.

— Vic, — eu digo hesitantemente. — A mãe alguma vez te


contou alguma coisa sobre o seu pai?
— Não, — diz ele, franzindo a testa. — Eu disse que ela
não contou.

— Você se lembra de algum cara vindo em torno do


apartamento dela? Alguém com quem ela namorou quando
você era pequeno?

— Eu não me lembro de nada sobre ela. — Vic faz uma


carranca.

— Que tal um homem alto e careca?

— Por que você está me perguntando todas essas coisas?


— Vic diz com raiva. — Eu não me importo quem é meu pai
verdadeiro. Axel é meu pai.

— Eu sei disso, é claro que ele é, — tento acalmar Vic. —


É apenas... talvez seu pai verdadeiro tenha dinheiro. Ele pode
lhe dever pensão alimentícia.

— Não sou mais criança, — diz Vic. — É tarde demais


agora.

Não acho que seja verdade, estritamente falando. Vic


ainda tem dezessete anos. Raymond Page é um homem rico.
Posso conseguir algo para Victor, para ajudar a pagar a
faculdade.

Porque não vou ser capaz de interferir mais nisso. Meu


pai recebeu os resultados dos testes no hospital. Ele tem
Adenocarcinoma em estágio 3. Seu médico diz que ainda não
parece ter se espalhado e que ele tem uma boa chance de
recuperação se for imediatamente para a cirurgia.

Mas não temos seguro. Eu disse ao hospital que estamos


falidos. Eles estão tentando obter ajuda financeira para nós,
estabelecendo um plano de pagamento ,entretanto isso vai
esgotar cada centavo que tenho, sem nada sobrando para Vic.

O que me faz pensar que pode valer a pena pedir dinheiro


a Raymond. Não adoro a ideia – ele é rico e poderoso. E se sua
filha é alguma indicação, ele provavelmente é um idiota
completo. Mas que outra escolha eu tenho? Se ele realmente é
o pai de Vic, ele deve algo a ele.

Jesus. Acabei de perceber que isso significa que Bella é


irmã de Vic. Ou meia-irmã, eu acho. O mesmo que eu.

Isso me irrita. Eu não gosto de Bella tendo qualquer


conexão com meu irmão mais novo. Isso me deixa com ciúmes
e territorialidade. Fui eu quem criou o Vic. Fui eu que sempre
o protegi e cuidei dele.

Bem, não importa. Não é com Bella que preciso falar. É


Raymond. E preciso de um plano melhor do que apenas
emboscá-lo no trabalho. Ele não vai querer ouvir o que tenho
a dizer. Eu preciso de provas.

— Não se esqueça dos seus deveres de escola, — eu digo


para Vic, bagunçando seu cabelo ao sair.

Eu volto para o compartimento de automóveis. Sou só eu


aqui hoje – meu pai está no Midtown Medical revisando seu
plano de tratamento com o Dr. Yang. Eu queria ir com ele, mas
ele me lembrou que tínhamos dois carros que deveriam estar
prontos no final do dia. E não há mais ninguém para fazer o
trabalho além de mim.

Mesmo que as tarefas sejam simples, estou totalmente


imersa. Ligando o rádio tão alto que tenho certeza de que está
ecoando na rua, estou até o cotovelo afundado na graxa, me
perdendo no intrincado motor de um Camry 2018. É um alívio
focar nisso e em nada mais.

Não consigo pensar em meu pai, ou em Vic, ou em Nero.


Estou apenas trabalhando duro e rápido, fazendo tudo o mais
rápido possível.

Fico tão perdida no trabalho que começo a me sentir bem.


Aquela velha música da Joan Jett toca no rádio e começo a
cantar junto, esquecendo que as portas do compartimento do
carro estão abertas e qualquer um pode me ouvir: “Bad
Reputation” de Joan Jett.

— Esta é sua música tema? — Uma voz masculina rosna


em meu ouvido.

Eu grito, endireitando-me tão rápido que bato minha


cabeça no capô aberto do Camry.

Estrelas brilhantes explodiram na frente dos meus olhos


como flashes. Coloco minha mão imunda na minha têmpora e
sinto o sangue quente escorrendo.
Eu me viro, ficando cara a cara com o policial Schultz,
que está parado perto demais de mim.

— O que você está fazendo aqui? — Eu suspiro.

— Você não estava respondendo minhas mensagens de


texto. Ou minhas ligações.

— Estou trabalhando, — eu rosno. — Não estou


exatamente com meu telefone preso ao quadril.

Ele não recuou, então há apenas alguns centímetros de


espaço entre nós. Ele me prendeu entre ele e o Camry. Minha
cabeça está latejando e meu coração ainda está batendo forte
com o choque da surpresa.

— Você pode se mexer? — Eu digo. — Minha cabeça está


sangrando.

— Deixe-me dar uma olhada nisso, — diz Schultz.

— Não preciso da sua ajuda.

Ele me empurra para baixo no banco mais próximo, sem


ouvir. Pega um punhado de toalhas de papel e as pressiona
contra minha têmpora. Ele está sentado ao meu lado, seu rosto
bronzeado a apenas alguns centímetros do meu. Posso sentir
o cheiro do chiclete de hortelã em seu hálito.

— Desculpe, eu te surpreendi, — ele diz.

Ele está sorrindo. Ele não parece nem um pouco


arrependido.
— Você não deveria estar aqui, — murmuro. — Se alguém
te vir...

— Eu não estou usando meu uniforme.

— E daí? Você não mora aqui. As pessoas vão notar você.


E não para estourar sua bolha, mas você cheira a policial.

— Fala sério, — ele diz. — Com essas roupas?

Hoje ele está vestindo uma espécie de camisa Tommy


Bahama e shorts cargo. É um pouco menos óbvio do que seu
equipamento esportivo, mas ainda não soa muito bem se ele
está tentando parecer um turista. É aquele corte de cabelo
militar, os ombros rígidos e a maneira atenta com que olha ao
redor da sala. Os turistas são muito mais ignorantes.

— Então, o que você tem para mim? — Ele diz.

Eu recordo as poucas informações que reuni na última


festa de Levi –principalmente os nomes de pessoas que vi
comprando drogas.

Schultz não parece muito interessado em nada disso.

— E quanto ao fornecedor dele? — Ele diz.

— Como eu vou descobrir isso? Levi nem gosta de mim,


muito menos confia em mim.

Há uma informação que pode interessá-lo.

— Sione deu uma surra em Nero Gallo, — eu digo. — Você


poderia prendê-lo por isso.
— Prender ele? — Schultz zomba. — Dar a ele uma
medalha, isso sim.

Eu suspiro de irritação. — Você não dá a mínima para


nenhum dos crimes que eu realmente testemunhei. Então eu
não sei o que te dizer, — eu digo.

— Você poderia me dizer o que estava fazendo no Alliance


Bank, — diz Schultz friamente.

Minha garganta aperta.

Como ele sabe disso?

Este filho da puta está me seguindo.

Eu quero repreendê-lo, mas tento me fazer de boba em


vez disso.

— Eu estava abrindo uma conta, — digo.

— Boa tentativa, — zomba Schultz. — Você não tem saldo


bancário para interessar a Raymond Page.

— Você ficaria surpreso. Depois de vasculhar as


almofadas do sofá, tinha quase trinta e oito dólares.

Schultz não achou graça. Ele pressiona o chumaço de


toalhas de papel com força contra o corte na minha cabeça, me
fazendo estremecer.

— É tudo uma piada para você, Camille? — Ele rosna.


— Eu não acho perseguição muito engraçado, — eu digo,
olhando de volta para ele.

— Eu não estava te seguindo, — diz Schultz. — Eu estava


seguindo seu amigo Nero.

— Eu nem o vi lá, — minto.

— Você viu a nova namorada dele? — Schultz pergunta,


sua voz um sibilo suave.

Agora minha garganta está tão apertada que mal consigo


respirar. Eu sinto aquela mesma onda de ciúme amargo,
lembrando como Nero e Bella estavam lindos, parados lado a
lado. Ela é o tipo de garota que ele deveria namorar, se ele
realmente quisesse namorar alguém. Rica. Linda. Bem
relacionada.

Eu sou uma porra de ninguém. Uma vergonha. Você pode


imaginar Nero me apresentando à sua família? Ele nunca faria
isso. Meu pai aspirou o carro de Enzo Gallo, pelo amor de
Deus. Você pode muito bem namorar a filha do seu empregado.

— Você está falando sobre Bella? — Eu solto .

— Claro. Quem mais?

— Eu não sabia que eles estavam namorando. Bom para


eles.

Minha mentira é incrivelmente patética. Schultz balança


a cabeça maravilhado com o quão estúpida eu pareço.
— Ouvi dizer que eles têm algum tipo de coisa liga-desliga
desde o colégio, — diz Schultz, olhando bem nos meus olhos.
— Aposto que ela é uma gata do inferno. Garotas com
problemas com o papai sempre são...

— Eu disse a você, — eu sussurro. — Eu não sou amiga


de nenhuma dessas pessoas...

— Certo. — Schultz balança a cabeça lentamente. — Você


é apenas uma solitária. Uma perdedora. Está certo, Camille?

Deus, eu o odeio pra caralho. Ele ainda está pressionando


aquele pedaço de toalha de papel contra meu crânio, cravando
o polegar no corte. Tentando me machucar deliberadamente.

— Sim, — eu digo. — Suponho que você esteja no mesmo


barco. Já que íamos para a mesma escola, e nunca ouvi seu
nome antes.

Eu vejo um músculo pular em sua mandíbula. Oh, ele


não gostou disso. Schultz pode criticar, mas não aguenta o
mesmo.

— Você parece do tipo esportivo, — eu digo. — Deixe-me


adivinhar – você entrou para o time de calouros, mas não para
o time principal do colégio... nunca recebeu a jaqueta 26...

— Não, — Schultz diz calmamente. — Eu nunca recebi.


Mas recebi muitos prêmios desde então. Prendendo a escória

26Estudante que obteve o nível de participação exigido no time do colégio, ganhando assim um
uniforme específico.
de Chicago. Os malditos ratos que se alimentam da sujeira
desta cidade.

Eu empurro sua mão, me levantando do banco.

— Você sabe, — digo a ele. — Nem todo mundo escolhe


ser um rato. Alguns de nós nascemos na sarjeta.

Schultz também se levanta. Ele não pode suportar que eu


seja mais alta do que ele. Ele tem que me desprezar.

— Poupe-me de sua triste história, Camille, — ele diz. —


Você faz escolhas todos os dias. O mesmo que todo mundo.

— Você realmente vê um herói quando se olha no


espelho? — Pergunto-lhe.

— Eu gosto muito do que vejo, — ele responde. — Eu sei


que você é próxima de Nero. Não é por acaso que vocês dois
estão sempre no mesmo lugar ao mesmo tempo. Você fica com
ele e se reporta a mim. Chega de brincadeiras, Camille. Este é
o seu último aviso.

Ele coloca as mãos nos bolsos, levantando a ponta de sua


camisa tropical idiota. Eu vejo o brilho de uma arma enfiada
em sua cintura. Uma ameaça silenciosa, destinada
diretamente para mim.

— Não volte aqui, — digo a ele.

— Não me faça voltar, — ele cospe. — Este lugar fede pra


caralho.
Ele se vira e se afasta.

Eu afundo de volta no banco, minhas pernas cedendo sob


mim.

Schultz é um idiota.

Não há nada de errado com o cheiro de gasolina e óleo.

O que fede é o hálito dele, sob a cobertura daquela goma


de hortelã.
16

Estou planejando o roubo do cofre do Alliance.

Se eu fizesse uma lista de tarefas, ela teria cerca de oito


mil itens.

Um roubo é bem-sucedido ou falha na fase de


planejamento. Dante costumava fazer todo o planejamento
para os roubos de caminhões blindados. Meu irmão mais velho
é inteligente. Mas sou mais inteligente.

Sim, isso está certo. Não sou apenas um rosto bonito. Eu


sou um maldito Moriarty por baixo. Portanto, este roubo vai
ser planejado nos mínimos detalhes, com contingências e
contingências para contingências. No final, sairei daquele
banco com oito dígitos em dinheiro e nenhuma evidência
deixada para trás. E espero fazer tudo isso sem disparar um
único tiro.

Não sou contra a violência. Na verdade, eu prefiro me


divertir. Mas não há elegância em um latrocínio. Sem
mencionar que há muita chance de você mesmo levar uma
bala.
Quero roubar Raymond de forma tão limpa que ele não
tenha ideia de quem pegou o dinheiro ou para onde foi.

Esse tipo de estratégia requer uma mente clara. Deixei de


beber e fumar. Estou até dormindo oito horas por noite.

E ainda... Não estou experimentando aquela clareza


mental de que preciso.

Por um único motivo: Camille.

Eu conheço essa garota a maior parte da minha vida. Eu


nunca pensei sobre ela, a menos que ela estivesse bem na
minha frente. Então, por que diabos ela está surgindo na
minha cabeça vinte vezes por dia?

Toda vez que estou sentado quieto, examinando plantas


roubadas do banco ou tentando fazer uma lista de
suprimentos, lá está o rosto dela, nadando na frente dos meus
olhos.

Cada vez que pego meu telefone para ligar para um dos
meus em breve cúmplice ao invés , sinto vontade de ligar para
ela.

Eu fico pensando em suas mãos, tocando meu rosto tão


suavemente quando volto à consciência. Penso naqueles
enormes olhos escuros que parecem falar diretamente comigo,
mesmo quando ela não está dizendo uma palavra.

Nunca pensei que ela fosse bonita antes.

Agora me pergunto como pude ser tão cego.


Tudo nela é adorável, quando você olha de perto. As
camadas rosa-concha de suas unhas. Suas orelhas pequenas
e redondas espreitando por todos aqueles cachos selvagens. A
pequena linha entre as sobrancelhas quando ela franze a testa.
O brilho natural de sua pele, sem maquiagem ou glitter
espalhados por toda parte. O leve rubor rosado sob suas
bochechas castanhas. Aqueles olhos expressivos, tão escuros
e ainda tão brilhantes. Às vezes olhando para mim com fúria
ou desdém. Às vezes é divertido, embora ela não queira. E às
vezes, às vezes deixando escapar algo mais... Tristeza. Medo.
Preocupação. Ou saudade...

Você tem que olhar bem para ver qualquer uma dessas
coisas.

Mas, uma vez que você vê, isso faz as outras garotas
parecerem chamativas e exageradas em comparação. Mesmo
no banco ontem, Bella estava arrumada com requinte, em uma
roupa que provavelmente custava cinco dígitos. E tudo que eu
conseguia pensar era que ela parecia vulgar e falsa ao lado de
Camille. As unhas laqueadas, o decote puxado para cima, o
cabelo descolorido, a bolsa nova e reluzente do tamanho de um
atlas... era tudo demais. Eu só queria olhar para o único cacho
caindo sobre a testa de Camille, e a maneira como ela o afastou
com uma mãozinha esguia.

Jesus, pareço um lunático.

Eu não sei o que está acontecendo comigo.


Camille nem gosta de mim. Por que ela gostaria? Eu tenho
sido um idiota total com ela. Nada pessoal – eu estava apenas
sendo eu mesmo. Mas eu não sou um cara bom. Não um
material para namorado. Sempre soube disso. Sou egoísta.
Impulsivo. Facilmente ofendido. Persigo o que eu quero e odeio
assim que consigo.

Não acho que as pessoas possam mudar. E não sei ser de


outra maneira.

E ainda assim...

Pela primeira vez na minha vida, gostaria de ser diferente.

Quando eu deitei ao lado de Camille e a beijei, eu


realmente me senti feliz por um segundo. Eu me senti
conectado a ela. Senti como se ela tivesse aberto sua concha
apenas um pouquinho, e eu também, sem nos preocuparmos
se a outra pessoa iria nos esfaquear em nosso lugar mais
vulnerável.

Aí acabou, e eu não sei como voltar lá, porque não sei


como aconteceu em primeiro lugar.

Pego meu telefone mais uma vez, encontrando o número


dela. Consegui de Mason, que conseguiu de Patricia.

Eu poderia ligar para ela. Eu poderia convidá-la para um


encontro.
Mas a ideia de sentar na mesa com uma garota apenas
me lembra do meu almoço estúpido com Bella. Eu odiei isso.
Foi falso pra caralho.

Abaixo o telefone novamente, carrancudo.

Dante entra na sala. Tenho meus papéis espalhados por


toda a mesa de carvalho antiga na sala de jantar. Nós nunca
mais comemos aqui. Costumávamos fazer jantares em família,
quando Aida e Seb ainda estavam aqui. Agora comemos
principalmente na mesinha da cozinha, onde Greta não precisa
andar muito para nos trazer a comida. Metade do tempo
nossas refeições nem mesmo se sobrepõem – Greta apenas
mantém a comida quente no fogão.

Eu meio que sinto falta daqueles jantares de família. Acho


que o último que tivemos foi na noite da festa de Nessa Griffin.
Todos comemos no telhado, sob as videiras. Podíamos ver fogos
de artifício quebrando sobre a baía.

Aquela noite mudou muitas coisas. Aida queria invadir a


festa dos Griffins. Eu concordei. Não tínhamos ideia do que
viria a seguir, daquele pequeno impulso bobo: o sonho de Seb
se separou dele. Aida se casou contra sua vontade. Uma
aliança com os Griffins. Uma guerra com os Braterstwo.

Não é que eu queira que as coisas voltem. Mas eu gostaria


que você pudesse saber quando um momento mudará sua vida
para sempre. Eu gostaria de ter gostado daquele jantar um
pouco mais e não ter tido tanta pressa em me levantar da
mesa.
— O que é tudo isso? — Dante grunhe.

Ele está pingando de suor, acabando de chegar de uma


corrida.

Meu irmão já era uma fera quando tinha dezesseis anos


e só ficou maior desde então. Acho que ele passou a maior
parte do tempo no Iraque trabalhando na base. Ele voltou para
casa do tamanho de um touro crescido. Agora ele é um maldito
Kodiak.

Eu o ouço em nosso ginásio no porão, grunhindo e se


esforçando. Temos um antigo conjunto de halteres, salpicado
de ferrugem. Dante pendura um par de correntes gigantes em
volta do pescoço, depois faz flexões, abdominais e mergulhos
até que seus músculos estejam protuberantes em lugares onde
as pessoas nem deveriam ter músculos.

— Você parece torcido. Você já tentou arranjar uma


namorada em vez disso? — Pergunto-lhe.

— Olha quem fala, — diz Dante. — Pelo menos eu tive


uma, uma vez.

Ai sim. Mas não falamos sobre ela. A menos que você


queira que Dante arranque seu braço e te alimente com ele.

— Eu tive muitas namoradas, — eu digo. — Por uma ou


duas horas.

Dante bufa. — Mamãe não gostaria que você falasse


assim, — diz ele.
Agora é a minha vez de enrijecer. Essa é a única mulher
que eu não quero discutir.

— Não sabemos o que ela teria gostado, — digo. — Porque


ela não está aqui.

Dante me olha em silêncio, tentando decidir se deve dizer


mais alguma coisa. Em vez disso, ele retorna aos papéis
espalhados.

— Isso é um cofre? — Diz ele, apontando para o diagrama


superior.

— Claramente.

— Por que você tem o esquema de um cofre?

— É o dia da pergunta óbvia? — Pergunto-lhe.

Dante dá um longo suspiro. Como seus pulmões são


como um fole, ele sopra vários papéis da mesa.

— Papa sabe sobre isso? — Ele diz.

— Não. Você sabe que o Dr. Bernelli diz que o estresse faz
mal ao coração. Eu estava planejando contar a ele depois.

Meu pai está atualmente no buraco nove com Angelo


Marino, o chefe da segunda maior família italiana em Chicago.
Papa odeia golfe, mas ele deveria fazer mais exercícios. Marino
o atraiu com promessas de BLTs27 no clube e belas garçonetes.
Em troca, Marino consegue falar aos ouvidos de Papa sobre

27 Sanduíche que leva no nome as iniciais de seus ingredientes principais; bacon, alface e tomate.
como seus quatro filhos inúteis podem progredir dentro da
organização.

Papa vai demorar horas para chegar em casa, o que


significa que posso trabalhar sem interrupções. Além de
Dante, é claro.

Dante está silenciosamente olhando as plantas, seus


olhos escuros disparando de página em página.

— Este é o banco do Page, — ele diz calmamente.

— Adivinhou na primeira tentativa.

— Você está planejando roubá-lo?

— Não ele, exatamente. Apenas quem mantém dinheiro


em seu banco.

— Você sabe que ele lida com algumas pessoas sérias.


Você não está roubando de um bando de médicos e advogados.

— É por isso que vou manter isto anônimo. Não vou


deixar um cartão de visita como normalmente faria.

Dante não abre um sorriso.

— Raymond não é um burocrata, — diz ele. — Ele suja as


mãos.

— Dante, — eu carranca. — Somos os piores filhos da


puta da cidade ou não? Não tenho medo de Raymond Page. Ou
qualquer outra pessoa que mantém uma conta lá.
Dante pensa, silenciosamente.

— Qual é o lucro? — Ele diz finalmente.

— Substancial. Oito dígitos. E isso não inclui o Winter


Diamond. Acho que Kristoff o escondeu no cofre. Ninguém
sabe, exceto eu.

O St. Petersburg Bratva liberou essa joia em particular da


coleção Imperial no Museu Hermitage, há oito anos. Não sei se
Kristoff comprou ou roubou de seus irmãos. Mas garanto que
se a outra Bratva soubesse onde está, não o deixariam nas
mãos de Raymond por muito tempo.

O diamante sozinho provavelmente vale cinquenta


milhões para o comprador certo.

— Um golpe. E podemos financiar todo o nosso projeto na


costa sul.

Dante balança a cabeça lentamente. — Isso é arriscado,


— diz ele.

— A construção em grande escala é uma das melhores


maneiras de lavar o dinheiro sujo, — digo. — Os russos fazem
isso o tempo todo.

— Você poderia fazer muitos inimigos.

— Só se eu for pego. — Eu sorrio. — Além disso,


dificilmente estamos nadando em amigos agora. Quanto pior
pode ficar? Ainda teremos os Griffins do nosso lado. Contanto
que deixemos sua caixa fechada em paz.
— Você não vai envolvê-los nisso?

Eu balancei minha cabeça.

— Não acho que eles vão infringir a lei pessoalmente. Eles


têm uma imagem a manter.

— Mas você não. — Dante sorri.

— Não. Minha reputação é a pior possível.

Dante examina meus papéis novamente. Eu não o


interrompo – não adianta tentar apressar meu irmão. Ele gosta
de pensar sobre as coisas.

Mas sua eficácia vai além da minha paciência.


Eventualmente, eu digo: — Então, você está dentro?

— Não, — diz Dante.

— Por que diabos não?

Ele cruza os braços sobre o peito enorme.

— Porque você está indo pelas costas do Papa.

— Já disse, não quero aumentar a pressão arterial dele.

— Besteira. Você sabe que ele não gostaria. Ele diria que
é muito arriscado.

— Nenhum de vocês se importou com isso quando


derrubamos todos aqueles caminhões blindados.
— Isso foi diferente. — Dante franze a testa. —
Precisávamos do dinheiro naquela época.

— Precisamos de dinheiro agora!

— Não, não precisamos. Podemos fazer de outra maneira.


Aceitar parceiros...

— Eu não quero mais parceiros!

— Você é imprudente.

— E você perdeu a coragem! — Eu grito. — O que


aconteceu com você? Você adorava desafios.

Dante parece realmente zangado agora. Demora muito


para acender seu fusível. Mas, uma vez que o faça, há muita
dinamite por trás disso. Ele aperta a mandíbula, reprimindo o
que realmente quer dizer.

— Eu costumava tomar muitas decisões estúpidas, — ele


rosna. — Então eu cresci.

Não tenho o mesmo autocontrole que Dante. Eu perdi


totalmente a paciência.

— Você simplesmente não gosta que tudo isso seja ideia


minha, — eu cuspo. — Você quer ser o chefe para sempre.

— Eu não dou a mínima para ser o chefe, — Dante rosna,


se afastando de mim. — Eu gostaria que você fosse maduro o
suficiente para assumir.
Com isso, ele sai da sala de jantar, indo para os fundos
da casa para seu quarto.

— Sim, vá tomar um banho! — Eu grito atrás dele. — Você


fede, porra!

Não é muito gratificante ficar sozinho com meus papéis


espalhados.

Mas eu não dou a mínima para o que Dante diz. Vou fazer
este trabalho e vou executá-lo de forma brilhante. Vou afundar
cada centavo no South Shore e triplicar nosso império nos
próximos cinco anos. Vou nos levar de chefões da máfia a uma
das famílias mais ricas de todo o maldito país.

Os Griffins não são os únicos com ambição.

Posso ter temperamento, mas também tenho inteligência


e visão.

Eu vou fazer isso acontecer.

E nada ficará no meu caminho.


17

Eu tenho que ver Levi de novo, porque eu tenho que dar


a ele o dinheiro pelo saco de ecstasy que eu deveria vender.
Além disso, por mais que eu queira evitar, preciso ver Bella
Page.

Eu descobri como posso confirmar se Raymond é


realmente o pai de Vic. A princípio, pensei que precisaria
roubar sua xícara de café vazia ou chiclete mastigado. Não
consigo tirar um fio de cabelo de sua cabeça, porque o cara é
careca como um ovo e duvido que seus seguranças me deixem
chegar a três metros dele novamente.

Mas então percebi que não preciso testar o DNA de


Raymond. Eu tenho a segunda melhor coisa – sua filha.

Claro, eu duvido que Bella vá querer cuspir em um tubo


para mim. Mas se eu puder pegá-la em um momento
vulnerável... Tenho certeza de que posso inventar algo.

Depois, há a outra pessoa que espero e temo ver... Nero.

Só de pensar nele faz meu coração disparar.


Eu quero vê-lo novamente. Apenas quero. É estúpido e
odeio admitir, mas não posso evitar o que sinto.

Ligo para Patricia para ver se Levi vai dar mais festas em
um futuro próximo.

— Não que eu saiba, — ela diz. — Mas todo mundo vai


para uma fogueira na praia esta noite.

— Você vai? — Eu pergunto a ela.

— Sim. Mas não com Mason. Tive uma entrevista de


emprego perfeitamente boa marcada para ele no restaurante
do meu primo, e ele me disse que ‘tem outra coisa em
andamento’. E eu fiquei tipo, você está brincando comigo cara?
É melhor que não seja nada ilegal, porque você me disse que
acabou com toda aquela merda e agora de repente está
ocupado demais para um serviço de servir que rende cento e
cinquenta em gorjetas por noite? Isso não faz sentido...

Estou ouvindo Patricia, mas meus ouvidos se animam


com a primeira parte de seu discurso retórico. Mason tem algo
em andamento? O mesmo acontece com Nero, pelo que posso
dizer. Algo no Alliance Bank. Não é preciso ser um gênio para
adivinhar o que pode ser.

— Ele queria o seu número, aliás, — diz Patricia.

— Mason? — Eu digo em confusão.

— Não. Nero. Mason me pediu, e eu sei que era para dar


a ele.
Nero pediu meu número de telefone?

Ele não ligou. Também não enviou uma mensagem de


texto.

Mas talvez ele quisesse...

— Aconteceu alguma coisa depois da corrida? — Patricia


me pergunta.

— Não! — Eu digo, um pouco rápido demais.

— Você tem certeza? — Eu posso ouvir a descrença em


sua voz, e o tom de provocação que significa que ela está
sorrindo do outro lado da linha. — A maneira como ele
arrastou você para fora de lá como um homem das cavernas...
meio quente, não foi?

— Ele estava apenas me impedindo de ser presa, — digo,


feliz por Patricia não poder me ver corar.

— Mas por quê? Ele não é exatamente o tipo


cavalheiresco...

— Não sei. Acho que somos amigos. De certa forma.

— Amigos que têm bebês um do outro...?

— Não!

Patricia está rindo, gostando de ter algo para me


provocar. Normalmente, ela é a única com uma vida romântica
dramática. Esta pode ser sua única chance de me convencer.
— Meu Deus, garota, — diz ela, — se você acabar
transando com ele, você tem que me dizer como é.

Um pequeno arrepio desce pela minha espinha.

— Eu não farei isso, — eu digo baixinho.

— Por que não? É como escalar o Everest ou


paraquedismo. Minha amiga Jess fez isso e ela disse...

— Eu não quero ouvir sobre isso! — Eu digo


bruscamente. Não suporto ouvir sobre Jéssica ou qualquer
outra garota com quem Nero esteve. Estou queimando de
ciúme, e ele nem mesmo pertence a mim. Nem um pouco.

É por isso que eu nunca poderia namorar com ele, mesmo


se quisesse. Isso me comeria viva.

— Desculpe, — Patricia diz, castigada.

— Não, me desculpe, — eu digo. — Você não fez nada de


errado. Estou apenas nervosa. Você sabe que meu pai...

— Sim, — Patricia diz suavemente. — Eu vi o arquivo


dele. Eu realmente sinto muito por isso. Quer que eu traga um
jantar ou algo assim? Eu faço uma sopa incrível com frango
assado e cenoura...

— Acho que ele já foi para a cama. Obrigada mesmo


assim. Isso é muito gentil.
— Oh. Bem... venha aqui e podemos nos preparar para a
fogueira juntas, — diz Patricia. — Tomar uma taça de vinho
antes de irmos e relaxar um pouco.

— Claro, — eu digo. — Isso soa muito bem.

— OK. Dez horas, então.

— Tudo bem. Obrigada, Patricia, — eu digo.

— Claro. Te vejo em breve.

Dirijo até o apartamento de Patricia na esquina da Willow


Street às 21:45. Cheguei cedo, porque não tinha certeza de
quanto tempo levaria para chegar aqui.

Ela mora no décimo segundo andar de um belo prédio de


tijolos brancos. Pego o elevador e bato em sua porta. Ela abre
imediatamente, vestindo um robe rosa e chinelos fofos.

— Ei! — Ela diz. — Não estou vestida ainda.

— Tudo bem! Estou adiantada.

Eu a sigo para dentro. Eu não tinha visto a casa dela


antes – é limpa e iluminada, e decorada de uma forma que
algumas pessoas parecem entender instintivamente, onde
tudo não combina exatamente, mas tudo se coordena para
fazer o lugar parecer elegante e confortável, e uma casa real.
Ela tem uma grande estante de livros na sala de estar, com
todos os livros organizados pela cor de suas capas, de forma
que correm pelas estantes como um arco-íris, do vermelho ao
violeta.

— Sente-se! — Patricia diz alegremente.

Ela aponta em direção a um sofá branco imaculado com


almofadas astecas azuis. Não sei se devo mover os travesseiros
ou sentar neles. Além disso, tenho medo de manchar o sofá ou
derramar a taça de vinho que Patricia me entrega.

— Seu apartamento é tão legal, — digo a ela. — Há quanto


tempo você mora aqui?

— Cerca de um ano.

— Jesus. Morei na minha casa quase toda a minha vida


e acho que temos, talvez, uma foto pendurada.

Patricia ri. — Eu sempre disse a mim mesma que teria


minha própria casa, sem colegas de quarto. Com lareira, uma
bela coleção de sapatos e uma vista.

Ela puxa as cortinas transparentes para que eu possa ver


pela janela.

— Dá uma olhada nisso, — diz ela com orgulho.

Com certeza, entre os vários edifícios, ela tem uma vista


direta até o Lincoln Park.
— Absolutamente perfeito, — eu digo.

Patricia dá um gole em seu vinho, olhando com satisfação


as verdes copas das árvores.

— É por isso que sempre gostei de você, — ela me diz. —


Você trabalhou duro. Eu também. Sabíamos o que tínhamos
que fazer. Acho que Mason nunca vai crescer e ser alguém com
quem eu possa contar.

— Ele se preocupa com você, no entanto, — eu digo.

— Eu sei, — diz Patricia. — Mas eu continuo tentando


mudá-lo. E você sabe que isso nunca funciona no final.

— Você saberia melhor do que eu, — eu digo, tomando


um gole do meu vinho. — Acho que meu relacionamento mais
longo durou um mês.

— E por que isso? — Patricia pergunta, colocando o vinho


na mesa de centro. — Você sabe que é linda, Camille. Por mais
que você tente esconder.

— Não sei. — Eu balanço minha cabeça, com vergonha


de encontrar seus olhos. — Apenas ocupada com o trabalho e
as coisas de família.

— É normal ser egoísta, às vezes, — Patricia diz. — Minha


família inteira é uma bagunça. Isso não me impediu de ir atrás
do que quero. Eu vou continuar trabalhando. Continuar
economizando dinheiro. Fazer algo para mim mesma. Se eles
querem ficar no mesmo ciclo para sempre, isso é problema
deles.

— Isso faz sentido... — Eu digo, torcendo a haste fina da


minha taça de vinho entre meus dedos. — É complicado para
mim... Vic e meu pai precisam da minha ajuda. E eles
merecem. Meu pai sempre trabalhou muito duro. Ele é apenas
azarado.

Patricia acena com simpatia.

— Bem! — Ela diz. — Você pode se divertir hoje à noite,


de qualquer maneira. Você trouxe roupas para vestir?

— Não... — Eu digo, olhando para minha calça jeans e


camiseta. — Eu ia usar isso.

— Para a praia? — Ela balança a cabeça para mim, então


me agarra pela mão e me puxa em direção ao seu quarto. —
Vamos, sua tonta. Você pode pegar algo meu emprestado.

O armário de Patricia é tão bem organizado quanto o resto


do apartamento. Ela vai passando pelos cabides, retirando
alguns itens para segurá-los na minha frente, em seguida,
colocando-os de volta. Por fim, ela tira um macacão estampado
que me lembra as almofadas do sofá.

— Coloque isso, — ela ordena.

— Uh-uh, — eu balanço minha cabeça. — Sem ofensa,


mas esse macacão me lembra de algo que uma criança usaria.
Além disso, como você faz xixi quando está vestindo isso?
— Basta puxar para baixo, — Patricia ri.

— Tipo, todo o caminho?

— Sim.

— Então, estarei totalmente nua?

— Basicamente.

— Como vou fazer isso na praia?

— Você apenas... às vezes você tem que sofrer para ficar


sexy, — Patricia me informa.

— Isso não parece uma grande compensação.

— Nem mesmo pelo Nero? — Ela diz, me dando um olhar


malicioso.

Cara, ela realmente não vai deixar isso morrer.

— Especialmente por ele, — eu digo.

— Besteira! — Patricia diz. — Eu sei que há algo


acontecendo com vocês dois. Você está vindo para festas de
repente. Ele está salvando você da polícia...

Eu pressiono meus lábios, como se isso fosse me ajudar


de repente a me tornar uma mentirosa melhor.

— Fale logo! — Patricia diz.

Isto não é apenas uma taça de vinho amigável. Ela é uma


maldita interrogadora da CIA.
— Ótimo! — Eu grito, rachando como se estivesse sendo
afogada. — Nós nos beijamos.

— Eu sabia! — Ela murmura, os olhos brilhando de


alegria.

— Mas é isso! — Eu acrescento apressadamente. — E


provavelmente nunca mais vai acontecer.

— Provavelmente... — Patricia diz.

— Provavelmente. Quase definitivamente.

— Certo. — Ela sorri. — E?

— E o quê?

— Ele tem gosto de torta de cereja?

— Não, — eu rio. — Mas ele tem um cheiro incrível...

— Deus, eu sei... — Patricia geme. — Eu experimentei a


jaqueta dele uma vez no colégio. Eu queria viver dentro dela
para sempre...

— O suor dele é como hortelã. Isso faz minha cabeça


girar.

É bom admitir isso para alguém.

Patricia está adorando – descobrindo que tenho


sentimentos, afinal. De vez em quando.

— É isso, — ela diz. — Nós iremos até o fim esta noite.


Você vai ficar linda pra caralho.
Eu a deixei me puxar para o banheiro. Ela passa quase
uma hora cuidando do meu cabelo e do meu rosto.

O cabelo é a parte mais complicada.

— Você usa um tratamento pré-xampu? — Patricia me


pergunta.

— Tipo... escová-lo? — Eu digo.

— Doce Jesus, por favor, me diga que você não escova o


cabelo.

— Quero dizer... Eu meio que preciso.

— Oh meu Deus. Um pente de dentes largos, mulher,


nunca uma escova. E quanto ao seu condicionador profundo?
E você usa um envoltório de cetim à noite?

— Eu uso o xampu Suave...

Patricia engasga como se eu tivesse atirado nela.

— Você está me matando, — ela sibila.

Com muito condicionador leave-in e uma quantidade


infinita de paciência, Patricia consegue domar minha juba e
transformá-la em algo que realmente parece intencional – ou
pelo menos um pouco menos eletrocutado.

Ela passa muito tempo no meu rosto também, hidratando


minha pele e modelando minhas sobrancelhas antes mesmo
de começar a aplicar a maquiagem.
Enquanto ela esfrega o hidratante sob meus olhos e em
meu rosto com movimentos suaves e constantes de seu
polegar, eu quase posso chorar. Nunca fui cuidada assim. É
tão gentil e tão amoroso.

— O que há de errado? — Patricia diz.

— Desculpe, — eu fungo. — Eu só... uh... minha mãe


nunca me mostrou como fazer meu cabelo e todas essas coisas.

Patricia larga o frasco de hidratante e me abraça.

— Desculpe, — eu digo novamente. — Eu sei que isso é


estúpido. Sou uma adulta, poderia ter aprendido sozinha...

— Sério, não há problema, — diz Patricia. — Por favor,


mostre-me como trocar o óleo do meu carro, porque não o fiz
desde que o comprei.

— Combinado, — eu digo, abraçando-a de volta um pouco


forte.

— Tudo bem, — Patricia diz finalmente, quando ela


termina de trabalhar no meu rosto. — Dê uma olhada.

Ela me vira para encarar o espelho.

É engraçado porque eu não pareço tão diferente – ainda


sou eu. Apenas uma versão de mim que brilha como a porra
de um anjo. Um toque de brilho nos lábios e bochechas, um
pouco de delineador e uma juba de cachos suaves em espiral,
escuros nas raízes, desbotando para um caramelo bronzeado
nas pontas.
Até o macacão parece muito fofo. Ele pende dos meus
ombros, deixando-os nus, com faixas padronizadas de verde,
azul e creme que parecem bonitas e de verão, sem serem muito
brilhantes.

Patricia me empresta sandálias e brincos de argola com


missangas, até que de repente consigo um traje completo.

Então Patricia se apronta, o que leva um quarto do tempo


sem resultados menos impressionantes. Ela veste um top
branco de verão solto com shorts que fazem suas pernas
parecerem com cerca de um quilômetro de comprimento e
puxa o cabelo em seu rabo de cavalo alto característico.

— Ok, droga, — eu digo. — Por que você é tão boa em


fazer as pessoas parecerem gostosas?

— Eu sei! — Patricia sorri. — Eu perdi minha vocação


como estilista de celebridades.

Nós dirigimos no carro de Patricia até Osterman Beach.


Leva apenas alguns minutos, já que fica do outro lado do
Lincoln Park. Já é quase meia-noite e estou confusa porque
geralmente as praias públicas estão fechadas a esta hora. Sem
mencionar o fato de que fogueiras e álcool são proibidos o
tempo todo.

— Não vamos ser expulsas? — Eu digo a Patricia.

— Não, — ela balança a cabeça. — Miles Kelly está dando


a festa. Seu pai é o Supervisor do Departamento de Parques.
Desde que não assassinemos ninguém, ficaremos bem. E
mesmo assim... depende de quem comete o assassinato.

Com certeza, embora a longa extensão de areia fria esteja


deserta, ninguém nos impede de caminhar até a água. Posso
ver a fogueira já saindo de seu cubículo de areia – primeiro,
uma tocha distante, e depois, à medida que nos aproximamos,
um farol que mostra as silhuetas agrupadas ao redor.

Eu olho para trás em direção ao Lincoln Park. Da água,


você vê três vistas distintas em camadas uma sobre a outra –
a praia, depois o parque verdejante atrás e, além disso, as
pontas salientes dos arranha-céus no centro da cidade. Parece
estranho, como se as três visualizações diferentes não se
encaixassem.

É igualmente estranho ver a praia tão vazia. Posso ouvir


as ondas batendo suavemente na areia. Eu posso ver estrelas
fracas na meia cúpula negra do céu.

É difícil reconhecer alguém ao redor do fogo. Todo mundo


parece laranja e brilhante, apenas partes de seus rostos
iluminados. Levi e Sione se destacam, porque o cabelo loiro de
Levi é impossível de perder, e também o tamanho de Sione.
Acho que a figura ao lado deles é aquele idiota do Pauly.
Quando vejo Ali Brown, aceno para ela.

Ela caminha até Patricia e eu.

— Bebida? — Ela diz, oferecendo a cada um de nós uma


Heineken.
— Obrigada, — Patricia diz, abrindo as tampas com suas
chaves.

— Você está diferente, — disse Ali, olhando para mim com


seus olhos sonhadores.

— Oh, obrigada, — eu digo. — Patricia me vestiu...

— Não, não as roupas, — Ali diz. — É o seu rosto. Você


parece animada.

Eu tinha acabado de escanear o resto dos convidados,


procurando por Nero. Eu coro, envergonhada por estar sendo
tão óbvia.

Eu não o vejo em lugar nenhum. Embora eu veja aquele


cara russo com quem Bella estava namorando – Grisha Lukin.
Ele está agachado na areia, jogando dados com alguns outros
caras. Pode ser um jogo de bebida, ou então ele está tomando
doses para se animar quando perde.

“Nobody's Love” está tocando em um alto-falante


Bluetooth. As pessoas estão sentadas em toras polvilhadas
com areia, outras em cobertores de estilo mexicano estendidos.
Duas garotas dançam de uma maneira suave, apenas
balançando ao som da música.

A vibração é pacífica. Talvez porque Nero não esteja aqui,


nem Bella também. Apenas Beatrice, que parece muito menos
agressiva, sem o resto de seu time. Ela realmente manda um
pequeno aceno em direção a mim e Patricia.
Uma das meninas trouxe um pacote de marshmallows.
Beatrice tenta assar um na fogueira, mas as chamas estão
muito altas e ele incinera instantaneamente. Ela grita e
balança o graveto para fora das chamas, jogando a bagunça
pegajosa carbonizada na direção de Levi e Sione. Quase acerta
o sapato de Levi, caindo na areia bem ao lado de seu pé.

— Cuidado, — ele rosna para Beatrice. — Ou eu vou jogar


você na porra do lago.

— Desculpe, — ela se encolhe.

Levi parece que está com um humor azedo. Eu não sei o


por quê. Ele está esparramado em um cobertor, sem falar,
apenas olhando carrancudo para todo mundo. Sione tenta
fazer algum comentário para ele, e Levi nem se dá ao trabalho
de responder.

Ali se senta na tampa de um cooler. Ela tem uma


daquelas garrafinhas plásticas de solução para bolhas e está
soprando bolhas para longe da fogueira, sobre a areia escura
e lisa.

Eu me sento ao lado dela.

— Quer tentar? — Ela diz. Ela me entrega a varinha de


bolha.

Eu não uso uma desde que era criança. É mais difícil do


que eu esperava criar um fluxo constante de bolhas perfeitas
como Ali está fazendo.
— Você está soprando muito forte, — ela ri. — Veja.

Ela pega a varinha de volta, franzindo os lábios e


soprando uma lufada de ar lento, constante e suave em uma
dúzia de bolhas redondas e brilhantes que vão girando na
areia.

— Como foi sua semana? — Eu pergunto a ela.

— Boa, — ela diz. — Foi meu aniversário na terça-feira.

— O que você fez?

— Nada, — diz ela serenamente. — Fui dar um passeio


sozinha no Lincoln Park. Foi perfeito.

— Levi não te levou para sair?

Ela ri. — Não. Ele disse que íamos jantar, mas então seu
irmão ligou e eles brigaram. E ele não queria mais ir.

— Por que eles estavam brigando? — Eu pergunto,


casualmente.

— Oh... o irmão dele está voltando de Ibiza.

— E?

— E ele quer sua casa de volta.

— Eu pensei que Levi era o dono daquela casa?

— Não, — Ali diz pacientemente. — O outro.


Eu franzo a testa, confusa. Ali é um enigma, porque ela é
estranhamente inocente e parece dizer tudo o que vem à sua
cabeça. Mas ela também parece presumir que eu já sei do que
ela está falando, quando na verdade não tenho a porra da ideia.

Quero continuar falando com ela, mas posso ver Levi nos
observando com uma expressão malévola no rosto.
Capturando meu olhar, ele me faz um gesto com um
movimento de cabeça.

Eu me levanto com relutância, juntando-me a ele em seu


cobertor.

— E aí? — Eu digo.

— Por que você está falando com Ali? — Ele exige.

— Uh.. porque ela é legal? — Eu digo.

— Você sabe que ela costumava dançar no Exotica.

— Sim, ela mencionou isso.

— Foi lá que eu a conheci.

— Bom para você, — eu digo, tentando soar sincera. A


ideia de Levi dar em cima de Ali enfiando notas de um dólar
em sua calcinha não é nada romântico para mim.

— Eu vi sua mãe lá também, — Levi diz. — Antes de ela


parar.

Minha pele pinica de raiva e nojo.


Eu não dou a mínima se minha mãe costumava dançar,
ou o que quer que ela tenha se metido. Isso foi escolha dela. O
que eu desprezo é como todos tentam usar isso como uma
arma contra mim – para me envergonhar e me degradar.

— Ela era muito gostosa, — diz Levi, com um sorriso feio


no rosto. — Mais quente do que você.

— Eu sei disso, — eu digo rigidamente. Todo mundo


sempre dizia como minha mãe era linda. Ela queria ser atriz
quando era jovem. Ela queria entrar para a história como um
daqueles rostos atemporais, como Sophia Loren ou Ava
Gardner.

Em vez disso, ela engravidou de mim.

Não estou com raiva dela por me abandonar. Ela tinha


dezesseis anos – muito mais jovem do que eu agora. Mais jovem
do que Vic, até. Apenas uma criança.

Estou brava porque ela nunca voltou. Eu tenho que ouvir


sobre ela de idiotas como Levi. Eu tenho que saber que ela
ainda está aqui em Chicago. Eu tenho que me perguntar se ela
está bem. E eu tenho que me perguntar por que ela nunca mais
me ligou. Ela está com vergonha? É doloroso para ela? Ou ela
simplesmente não se importa?

Levi ainda está sorrindo para mim daquele jeito cruel.

Por que os homens gostam de machucar as mulheres?


Por que ele se sente bem me fazendo sentir mal?
— Estou com o seu dinheiro, — digo, entregando-lhe o
maço de notas que Schultz me deu.

— Bom, — Levi diz, passando para Sione. — Fico feliz em


ver que não teremos problemas.

Não neste segundo, de qualquer maneira.

— Você tem algum ecstasy sobrando? — Levi pergunta.

— Um pouco.

— Deixe-me ver.

Tiro o saco do bolso – aquele que Schultz me disse para


guardar caso eu precisasse. Existem cerca de doze
comprimidos dentro.

— Bom. — Levi acena com a cabeça novamente. — Pegue.

Eu fico olhando para ele.

— Pegar para quê? — Eu digo estupidamente.

Levi se senta um pouco mais reto, o sorriso


desaparecendo de seu rosto. Seus olhos estão fixos nos meus.
Suas pupilas são minúsculas alfinetadas escuras na extensão
de suas íris azul-claras.

— Pegue um. Agora mesmo, — diz ele.

Tento engolir, minha boca seca.

— Por quê? — Eu digo.


— Porque eu não confio em você, porra.

Meu coração está batendo rápido, mas minha respiração


está lenta. Nunca tomei uma única droga na vida além de
algumas tragadas de maconha. Principalmente porque estava
tentando ser responsável. Mas também porque essas coisas
realmente me assustam. Não gosto de não estar no controle de
mim mesma. Sem mencionar que não tenho ideia de onde Levi
tirou isso. Pode haver veneno de rato aqui, pelo que sei.

— Eu não gosto de ecstasy, — eu digo fracamente.

— Eu não dou a mínima para o que você gosta, — Levi


sibila. — Pegue um agora, ou você vai se arrepender.

Eu lancei um olhar rápido ao redor para o grupo.


Ninguém está olhando para mim. Ninguém está vindo em meu
socorro. Patricia está conversando com Ali. Beatrice está
dançando com as outras meninas. A única pessoa que está
prestando atenção em mim é Sione, que fica a poucos metros
de distância, silenciosamente vigiando caso Levi precise dele.
Ele não vai ser de nenhuma ajuda para mim – ele
provavelmente enfiaria todo esse saco na minha garganta, se
Levi desse a ordem.

— OK... — Eu digo hesitante.

Eu tiro um comprimido amarelo. É duro e farináceo, como


uma aspirina.

Eu coloco na minha língua, bebendo-o com goles da


minha Heineken.
— Abra a boca, — Levi sussurra.

Abro a boca e coloco a língua para fora, mostrando que


engoli.

Levi ri, quebrando a tensão.

— Tudo bem, — diz ele. — Vá se divertir.

Tento rir também, mas não consigo nem sorrir direito. Eu


me levanto do cobertor, tropeçando para longe dele.

Oh merda, oh merda.

Não tenho ideia do que está para acontecer comigo. Eu


realmente não sei nada sobre ecstasy, o que é irônico, já que
sou um dos traficantes do exército de Levi. Quanto tempo leva
para fazer efeito? Posso me esconder em algum lugar e vomitar
antes que algo aconteça?

Já estou me sentindo ansiosa e suada, mas não sei se é


por causa da droga ou só dos nervos.

Jesus, por que as pessoas fazem isso para se divertir?

Estou enlouquecendo, porra.

Patricia agarra meu braço.

— Ei! O que há de errado?

— Nada. Eu só... uh, posso falar com você por um


segundo?

— Claro. O que você quer...


Eu ia perguntar a Patricia o que diabos eu deveria fazer.
Mas, naquele momento, estou distraída com a visão de Bella
Page se juntando a Grisha e seus amigos no lado oposto da
fogueira. Grisha passa o braço em volta do ombro de Bella
assim que a vê, aparentemente sem saber que ela tinha um
encontro com Nero outro dia.

Não estou interessada em delatá-la. Na verdade, há


apenas uma coisa que eu quero de Bella.

— Deixa pra lá, — eu digo para Patricia. — Vamos


conversar com Bella.

Patricia me encara como se eu tivesse enlouquecido.

— O que? Por que faríamos isso?

— Apenas me agrade, ok? — Eu digo.

Suspirando, Patricia caminha pela areia comigo,


caminhando em direção ao pequeno grupo de pessoas.

— Ei! É Mario Andretti28! — Grisha diz enquanto nos


aproximamos. Ele ri e estende o punho para um solavanco,
aparentemente sem guardar rancor sobre a minha corrida
contra Bella.

Bella está menos satisfeita. Ela franze a testa para mim,


provavelmente pensando que não pode ir a um maldito lugar
nesta cidade sem me ver.

28 Ex-piloto da Fórmula 1. Considerado um dos maiores pilotos dos Estados Unidos.


Bem, ela está certa. Eu vou ficar cara a cara com ela até
conseguir o que quero.

— Ei, Bella! — Digo, com falsa simpatia. — Como foi seu


almoço outro dia?

Seus olhos ficam grandes e suas bochechas coram,


quando ela percebe que eu poderia explodir seu
relacionamento com Grisha se eu quisesse.

— Foi ótimo, — diz ela, forçada a ser civilizada.

— Que almoço? — Grisha pergunta.

— Bella e eu nos esbarramos fora do escritório do pai


dela, — eu digo, alegremente. — Eu estava comendo no River
Roast.

— Adoro aquele lugar, — diz Grisha. Virando-se para


Bella, ele disse: — Você deveria ter me convidado!

— Eu não pensei que você gostaria de conhecer meu pai


ainda, — Bella disse sem jeito.

— Os pais me amam. — Grisha sorri. — Eu sou muito


charmoso,

— Meu pai não gosta de ninguém, — Bella diz séria. Seu


rosto parece triste, como se isso a incluísse.

Não me permitindo sentir pena dela, chego atrás dela e


enrosco meus dedos em alguns fios de seu cabelo. Com um
puxão rápido, eu os puxo, fazendo Bella gritar e girar como se
uma abelha a tivesse picado.

— Ai! — Ela grita. — Que diabos?

— Desculpe, — eu digo vagamente. — Eu pensei que


tinha um fio de cabelo na sua camisa. Acho que ainda estava
preso.

Bella estreita os olhos para mim, silenciosamente


fumegando. Ela sabe que estou fodendo com ela, mas não pode
dizer nada caso eu destrua sua estúpida história de almoço.

Enfio os fios de cabelo no bolso, esperando ter o suficiente


para servir ao meu propósito e que não sejam arruinados por
ficarem parados no bolso de um macacão por algumas horas.
Eu realmente não sei como funciona todo esse material
forense. Eu poderia perguntar a Schultz, se ele não fosse tão
idiota.

Naquele momento, a coisa mais estranha acontece


comigo.

Sou atingida por uma onda de calor e relaxamento.

De repente, a noite parece dez vezes mais bonita do que


antes. O movimento da água batendo na costa parece pacífico
e rítmico. Eu ouço cada crepitar do fogo atrás de mim. A luz
refletida fica linda nos rostos das pessoas ao meu redor. Seus
olhos cintilam e seus dentes brilham cada vez que sorriem.
Sinto uma onda de amor por todas essas pessoas, mesmo
aquelas que mal conheço. Eu olho para Patricia e penso o
quanto a admiro – ela é forte, inteligente e trabalhadora. Foi
incrivelmente gentil da parte dela me vestir tão bem esta noite,
me emprestar suas roupas. Eu gostaria de tê-la conhecido
melhor no colégio.

Então eu olho para Bella e acho que ela realmente é linda.


Eu não queria admitir antes, mas existem algumas
semelhanças entre o rosto dela e o do meu irmão. Seus grandes
olhos azuis podem ser tristes e vulneráveis como os de Vic.
Esses cílios bonitos e grossos são iguais. Eles me lembram de
quando Vic era pequeno e tão, tão doce. Eles me fazem sentir
nostálgica e melancólica.

Bella sempre foi horrível comigo, mas, de repente, vejo


seu comportamento como um reflexo de sua própria dor,
dirigida a mim, mas não tendo nada a ver comigo – não
realmente. Uma vez que posso separar essas duas coisas, não
me machuca mais. Isso só me faz perceber o quanto ela deve
estar sofrendo por dentro, para atacar assim o tempo todo.

Sinto uma compulsão de compartilhar esse pensamento


com ela. De ser totalmente honesta.

— Bella, — eu digo. — Eu gostaria que você e eu


pudéssemos ser amigas. Eu não acho que somos tão
diferentes. Acho você inteligente e determinada. E eu acho que
você passou por alguma merda difícil, igual a mim. Aposto que
temos muito em comum, apesar das aparências.
— Que diabos você está falando? — Bella diz com uma
expressão horrorizada.

Seu nojo com a ideia de sermos parecidas uma com a


outra me faz rir. Estou vagando em uma nuvem de paz. Ela
não pode me aborrecer de forma alguma.

— Eu estava com ciúmes de você... — Eu digo a ela. —


Você tinha dinheiro e amigos. Mas seu pai é uma merda. E eu
tenho um ótimo pai... mas ele está muito doente. Acho que
acabei de perceber que todo mundo tem algo os
atormentando...

Bella está sem palavras. Sua boca está aberta. Posso dizer
que ela está tentando descobrir se isso é alguma nova
estratégia da minha parte, uma nova maneira de chegar até
ela. Cada interação que já tivemos é combativa, então ela não
sabe como processar isso.

Patricia agarra meu braço e me puxa para longe de Bella.

— Cara, o que há com você? — Ela sussurra.

Eu ri. É engraçado porque, embora Patricia esteja


puxando meu braço com força, na verdade é bom...

Tento apertar o braço dela, e isso também é bom, a


maneira como meus dedos afundam em sua pele.

— O que você está fazendo? — Patricia diz.

Eu rio ainda mais com a expressão perplexa em seu rosto.


Estou me divertindo muito. Acho que nunca me diverti
em uma festa antes. Sempre houve algum tipo de
constrangimento. Agora eu não poderia me sentir constrangida
nem se tentasse. Eu não me importo com o que acontece.
Estou apenas em paz e interessada em tudo.

Tudo parece lindo. Ali ainda está soprando bolhas em


cima do cooler O fluxo de bolhas parecem joias translúcidas,
flutuando com o vento.

Eu sigo as bolhas, até que meus olhos são atraídos para


o estacionamento onde o Mustang de Nero está entrando.

— Veja! — Digo feliz para Patricia. — Nero está aqui!

Eu começo a marchar em direção ao carro dele.

— Uh, não acho que você deva falar com o Nero agora...
— Patricia diz.

— Estou bem! — Eu digo a ela alegremente.

Estou correndo pela areia em direção ao carro de Nero. É


difícil ser rápida, porque todo o meu corpo parece mole e
relaxado, em um estado de sonho.

Nero está saindo do veículo. Sua silhueta se destaca


nitidamente contra as luzes da rua atrás dele. Eu vejo seu
corpo alto. Ombros largos, pernas fortes em seus jeans
apertados. Ele se vira para o lado e vejo suas coxas flexionando
e a curva de sua bunda, que é tão esbelta e poderosa quanto o
resto dele.
Uma onda de luxúria quase me derruba.

Estou ciente de certa forma que o comprimido que Levi


me fez tomar fez efeito. Mas o problema é o seguinte: o ecstasy
não está produzindo emoções que não existiam antes. Em vez
disso, é como uma chave, girando as fechaduras de todas as
portas dentro do meu cérebro. Está escancarando as portas,
deixando tudo que eu fechei, derramar de uma vez.

Quando vou até Nero, é com a intenção de me jogar em


cima dele. Eu preciso dele. Desesperadamente. Se eu não o
tiver, vou morrer.

Ele me avista e se vira para me encarar totalmente. Ele


passa a mão pelo cabelo, para afastá-lo do rosto. Esse gesto
parece levar uma quantidade infinita de tempo. Eu vejo os fios
de cabelo preto como tinta passando por seus dedos, alguns
escapando para cair sobre seus olhos novamente. Eu vejo suas
sobrancelhas retas e escuras se juntando. Aqueles olhos cinza-
aço focados em mim. Ele morde o lábio inferior carnudo e o
libera, um movimento inquietante e infinitamente sexual.

— Eu esperava que você estivesse aqui, — digo.

Eu normalmente nunca diria algo tão vulnerável. Mas


com o que quer que isso esteja correndo em minhas veias,
perdi a capacidade de me esconder. Sou obrigada a ser
honesta.

— Sim? — Nero diz, surpreso.

— Sim. É por isso que vim.


— Eu pensei que você estava com raiva de mim. Porque
eu estava com Bella.

— Isso machucou meus sentimentos por um minuto, —


eu admito. — Mas eu sei por que você estava no banco.

Ele está olhando para mim, tentando descobrir o que


diabos está acontecendo.

— Você vai... contar a alguém?

— Não, — eu digo simplesmente.

— Por que não?

— Porque eu não dou a mínima para o que você faz. Eu


só me importo... com o que você sente por mim.

Nero franze a testa. — O que está acontecendo com você?


— Ele diz.

— Levi me fez tomar ecstasy.

Ele solta um bufo surpreso, como se achasse que estou


brincando.

— Você está falando sério?

— Sim.

— Você está bem? — Ele diz. — Deixe-me olhar para você.

Ele coloca a mão no lado do meu rosto e inclina meu


queixo para que possa olhar nos meus olhos.
No momento em que seus dedos tocam meu rosto, eu
sinto uma onda intensa de prazer, como se as pontas dos
dedos estivessem acariciando meus nervos em carne viva. É
uma onda de calor e sensualidade, que parece deixar faíscas
visíveis em seu caminho.

— Oh sim, — diz ele, olhando para minhas pupilas


dilatadas. — Você está drogada pra caralho.

Ele se inclina em seu carro, tirando uma garrafa de água.

— É melhor você beber isso.

Ele tira a tampa. Eu bebo metade da garrafa. Tem um


gosto delicioso e refrescante, embora não esteja fria.

— Você quer que eu te leve para casa? — Ele diz.

— Não, — eu digo sonhadora. — Fico triste em casa.


Quero ficar com meu pai, mas também quero chorar toda vez
que o vejo. Eu não aguento mais.

— O que há de errado com seu pai? — Nero pergunta


bruscamente.

— Câncer de pulmão.

— Oh, — diz Nero. Há raiva real e simpatia em sua voz.


— Eu sinto muito. Eu não sabia disso.

Ele parece estar procurando o que dizer ou fazer. Posso


dizer que ele se sente desconfortável e impotente, e isso o deixa
ainda mais irritado.
Normalmente, isso também me faria sentir estranha, e
um de nós diria algo estúpido que ofenderia a outra pessoa.
Mas agora, nada pode me ofender. Eu sinto que estou vendo
as coisas de uma maneira completamente diferente. Eu
entendo Nero e eu me entendo.

— Você quer dar uma caminhada ou algo assim? — Nero


diz, desesperado.

— Sim, — eu digo. — Eu quero.

Caminhamos ao longo da margem do lago, para longe da


fogueira. Estamos caminhando ao longo da linha d'água na
areia molhada. Tirei as sandálias e Nero abandonou os
sapatos, de modo que a água fria bate em nossos pés
descalços. Para mim, isso é totalmente incrível. Nero também
não parece se importar.

Pela primeira vez na minha vida, estou falando aberta e


livremente, sem segurar nada. Estou contando a Nero
absolutamente tudo. Sobre meu pai e meu irmão, o fato de que
estou falida pra caralho e não tenho ideia de como vou pagar
pela escola de Vic ou pelo tratamento do meu pai.

Eu até conto a ele sobre minha mãe. Como eu sinto tanto


falta dela. E então eu me odeio por sentir falta dela, porque eu
sei que não deveria me importar quando ela obviamente não
dá a mínima para mim. E como me sinto culpada por ter aquele
buraco no meu coração, quando meu pai sempre tentou tornar
nossa família completa, com ou sem ela.
Caminhamos longe o suficiente do fogo e das luzes da
cidade que está quase totalmente escuro. Não consigo mais ver
o rosto de Nero. Isso remove o último resquício de reserva. Eu
me sinto segura contando qualquer coisa a ele.

Sentamo-nos na areia e descanso minhas costas contra


seu corpo para me aquecer.

— Se eu perder meu pai, não terei nada, — digo a Nero.


— Ele é a única pessoa que já tentou cuidar de mim. Terei que
ajudar Vic sozinha. E eu não sou uma grande irmã. Eu nem
mesmo tenho minha própria vida planejada, como diabos
posso dizer a Vic o que ele deve fazer?

Nero ficou quieto por um longo tempo. Tempo suficiente


para eu achar que falei demais.

Então, finalmente, ele diz: — Minha mãe adoeceu quando


eu era pequeno. Meu pai achou que era uma gripe. Ela estava
em seu quarto. Ele disse a todos nós para deixá-la em paz e
deixá-la descansar. Eu não escutei, no entanto. Queria
mostrar a ela um canivete que meu tio me deu. Então eu entrei
sorrateiramente lá.

Posso sentir seu coração batendo forte, contra minhas


costas. Fico em silêncio, imaginando Nero como um menino, já
bonito demais de uma forma que seria incomum e quase
assustadora em uma criança.

— Subi para o quarto dela. Ela estava deitada na cama.


Muito pálida, sem respirar normalmente. Eu senti... medo.
Achei que deveria ir embora. Mas ela me viu e fez sinal para
que eu fosse até ela. Ela tinha... mãos muito bonitas. Ela era
uma pianista concertista.

Ele engole em seco, sua garganta fazendo um som de


clique.

— Eu deitei no travesseiro ao lado dela. Ela tentou


escovar meu cabelo com os dedos. O que ela fazia o tempo todo.
Mas desta vez, ela não conseguia mover sua mão direito e seus
dedos se enredaram. Afastei a mão dela, porque estava com
medo. Sua mão estava úmida e seu hálito cheirava a metal.

Seus braços estão me apertando, apertando-me com


muita força. Eu não digo nada para interrompê-lo.

— Eu ficava pensando que deveria ir buscar meu pai. Mas


eu sabia que teria problemas por tê-la acordado, quando ela
deveria estar dormindo. Então, de repente, ela começou a
engasgar. Mas não em voz alta. Silenciosamente. Eu estava
bem ali, então pude ver seu rosto. Sua boca estava aberta, sem
nenhum som saindo. Seu corpo estava estremecendo. Eu
ficava pensando que tinha que gritar pelo meu pai, tinha que
me levantar e correr para buscá-lo. Mas eu estava congelado
no lugar. Eu não conseguia me mover. Não conseguia nem
fechar os olhos. Eu estava apenas olhando para o rosto dela
enquanto os vasos sanguíneos explodiam em seus olhos. Não
entendi o que estava acontecendo, que ela estava sufocando.
Ela parecia possuída, com o branco dos olhos todo
ensanguentado. Foi horrível. E então ela morreu, e eu ainda
não me mexi. Eu não conseguia me mover ou falar, ou fazer o
menor som. Eu apenas observei e deixei acontecer. Eu deixei
minha mãe morrer.

Eu me viro para encarar Nero, para ver seu rosto o melhor


que posso.

Na escuridão, só consigo ver o brilho cinza de seus olhos


e a umidade em suas bochechas.

Eu tenho que sentir o caminho para beijá-lo. Eu o beijo


suavemente, sentindo o gosto do sal em seus lábios.

— Isso não foi sua culpa, — eu digo.

Eu o beijo novamente. E então repito: — Não foi sua


culpa, Nero.

Espero que depois de todas as coisas que disse a ele esta


noite, com total honestidade, ele saiba que estou dizendo a
verdade agora.

Por um momento ele parece congelado, incapaz de


responder a mim.

Então ele me beija de volta, profundamente e


intensamente.

Todos os meus sentidos estão intensificados a um nível


febril. Posso sentir seus cílios fazendo cócegas na minha
bochecha, sua língua emaranhada com a minha, seus dedos
enfiados no meu cabelo.
Estou com frio porque o calor do dia está finalmente
passando. Eu puxo a camisa de Nero sobre sua cabeça para
que eu possa correr minhas mãos sobre sua pele quente. Eu
beijo seu pescoço, passo minha língua em sua garganta, todo
o caminho até seu peito.

Posso sentir o gosto de sal em sua pele. Parece estourar


contra minha língua com faíscas visíveis. A suavidade de sua
pele é incrível – quase seria como a de uma garota, exceto que
não há nada de feminino em Nero. Sua força é selvagem,
raivosa, vingativa, animalesca , mas nunca feminina.

Nero ganha vida em resposta. Ele puxa para baixo a parte


superior do meu macacão e pressiona seu peito nu contra o
meu, me segurando com força. Em seguida, ele passa as mãos
nos meus seios, sentindo sua forma sem realmente poder vê-
los, como se fosse cego.

— Puta que pariu, Camille, — ele geme. — Seu corpo é


surreal.

Eu rio. Eu não posso evitar.

— Você pensou que eu era um menino por baixo do


macacão?

— Não, — ele rosna, — eu te vi um dia na garagem. Eu


sabia que você estava escondendo os seios mais lindos que se
possa imaginar, porra.

Ele os leva em sua boca, sacudindo os mamilos com a


língua até que eles endurecem e tornam-se pontos de carne
doloridos. Ele os suga por sua vez, indo e voltando entre eles
conforme a sensação aumenta e aumenta em ondas.

Agora percebo porque MDMA se chama Ecstasy. A


intensificação do prazer físico é aguda e extrema. Mesmo as
menores coisas se tornam incrivelmente prazerosas – a mão de
Nero deslizando pela parte externa do meu braço ou seus
dedos se enroscando nos meus. Coisas que já seriam sexuais
tornam-se quase orgásticas. Eu quero que ele chupe meus
seios para sempre. É tão dolorosamente bom que tudo o que
posso fazer é gemer e me contorcer contra ele, agarrando sua
nuca e pressionando seu rosto com mais força em meus seios.

Nero puxa o macacão para baixo, então fico


completamente nua. Então ele me agarra pelos quadris e
enterra o rosto na minha boceta.

Eu não sou virgem. Já fiquei com alguns caras antes. Mas


o que estou aprendendo é que Nero possui habilidades em um
nível totalmente diferente. Achei que as garotas se atiravam
nele por motivos estéticos. O que eu não sabia é que ele é um
mestre do sexo. Não é à toa que as mulheres se transformam
em Ofélias29 desesperadas quando ele segue em frente – depois
de cinco minutos disso, acho que estou completamente
viciada. Não sei como vou viver sem isso.

29Personagem da obra Hamlet, de William Shakespeare. Ofélia foi uma jovem que caiu em um rio e
morreu afogada, em maio de 1579. Embora se tenha concluído que a jovem desequilibrou enquanto
carregava muito peso, rumores indicavam que sofria de uma desilusão amorosa que conduziria ao
suicídio.
Ele está usando os dedos, lábios e língua de maneiras que
nunca imaginei. Ele é gentil, mas atento. Procurando todas as
minhas áreas mais sensíveis, depois provocando e
atormentando-as até que quase posso soluçar de prazer. Ele
está lambendo meu clitóris, as dobras da minha boceta e até
minha bunda.

Quando ele se aventura lá embaixo, tento me esquivar,


mas ele me mantém presa com aquelas mãos grandes e fortes,
me forçando a deixá-lo colocar a língua em qualquer lugar que
ele queira. E aquela parte do meu corpo que eu nunca imaginei
como sexual, de repente parece ser feita de mil receptores de
prazer, apenas esperando o tipo certo de toque. É pervertido,
travesso e escandalosamente íntimo.

Ele move sua língua de volta para o meu clitóris, usando


os dedos para aplicar apenas a menor quantidade de pressão
na minha bunda. Ele não está me penetrando com o dedo,
apenas esfregando o polegar sobre aquele pequeno botão, que
se tornou tão escorregadio e úmido quanto o resto de mim. Ele
intensifica todas as outras sensações, criando prazer de uma
forma totalmente nova.

Ele desliza dois dedos em minha boceta, aumentando a


pressão de sua língua contra meu clitóris. Estou rolando meus
quadris contra seus dedos e língua, tão estimulada que mal
tenho fôlego para gemer.

Eu olho para o céu escuro e vejo muito mais do que


estrelas – vejo raios de luz como uma chuva de meteoros. É
como chuva feita de raios. Não sei se é real ou imaginário e não
posso perguntar a Nero porque ele está mais do que ocupado.
Tudo o que sei é que a luz parece correr pelo céu enquanto o
orgasmo finalmente explode dentro de mim. É um arco de
brilho branco brilhante, tão deslumbrante e intenso que eu
poderia chorar.

Minhas pernas estão tremendo, meu corpo inteiro está


tremendo tanto que meus dentes batem juntos.

— Oh meu Deus, — eu sussurro. — O que diabos você fez


comigo...

Nero está puxando minhas roupas de volta ao meu corpo,


tentando encontrar minhas sandálias no escuro. Ele me veste
totalmente de novo, antes que eu pense em dizer: — Você não
quer continuar?

— Claro que sim, — ele rosna. — Eu sinto que meu pau


vai rasgar minhas calças. Mas não vou fazer mais nada até que
você esteja sóbria.

— Estou totalmente lúcida! — Eu digo a ele.

— Isso não é a mesma coisa que sóbria.

Tento beijá-lo novamente, mas ele me impede.

— Camille, — ele diz. — Eu quero você. Mas não... não


como costumo fazer. Não apenas para foder e dar o fora.
Antes, eu teria pensado que era uma desculpa. Mas eu
senti a maneira como ele me beijou, a maneira como ele tocou
meu corpo. Eu sei que Nero me quer tanto quanto eu o quero.

Ele está exercendo autocontrole. Algo que eu não poderia


fazer para salvar minha vida agora.

— Eu vou te levar para casa. Amanhã... se você quiser me


ligar...

— Eu quero, — eu digo.

— Veremos como você se sente de manhã.

Estou mole demais para discutir.

Ele meio que anda, meio que me carrega de volta para seu
carro.

E eu o deixei me levar para casa, meu corpo e cérebro


ainda corado de prazer.
18

Deixar Camille de volta em sua casa é a coisa mais difícil


que eu já tive que fazer.

Quase nunca recusei sexo. E definitivamente não de


alguém de quem realmente gostei. Mas nunca gostei de
ninguém antes.

Isso me assusta.

Eu sei como o sexo pode distorcer as emoções. Como isso


causa dor e conflito.

Pela primeira vez, realmente sinto uma conexão com uma


mulher. Estou com medo de estragar tudo, agindo como
sempre faço. Com medo de destruir essa coisa frágil entre nós,
como destruo tudo o mais.

Deus, Camille está deslumbrante. Ela está vestida com


uma roupa bonitinha que eu sei que ela deve ter colocado para
mim. O fato de ela ter feito algo fora do normal, quando ela
geralmente é tão prática e teimosa... me abala.

E , além disso, realmente combina com ela. O azul fica


lindo contra sua pele. Ela tem uma juba selvagem de cachos,
suas bochechas estão vermelhas e seus lábios estão inchados
e seus olhos parecem maiores e mais escuros do que nunca
com as pupilas dilatadas como as de um gato.

Ela está recostada contra a porta do meu carro, expondo


sua garganta marrom lisa e o topo daqueles seios deliciosos.
Puta que pariu, gostaria de ter visto eles na luz.

Mas não é bom pensar nisso agora. Meu pau ainda está
furioso dentro da minha calça jeans, dolorosamente curvado
para baixo na perna da minha calça contra a minha coxa,
latejando continuamente.

Deus, o gosto de sua boceta... Ainda posso sentir o cheiro


dela em meus dedos e rosto. É inebriante. Eu quero mais.

Não. Porra, não.

Vou levá-la para casa e não vou tirar vantagem dela


enquanto ela está sob efeito.

Camille pousa a mão em cima da minha, onde estou


segurando o câmbio.

Ela olha para mim com aqueles olhos escuros líquidos. —


Eu quis dizer tudo o que disse, — ela me diz.

Meu peito está apertado. — Eu também, — eu digo.

Não acredito que contei a ela sobre minha mãe. Nunca


disse isso a ninguém. Ninguém sabe disso. Nem meus irmãos.
Nem mesmo meu pai.
Depois que minha mãe morreu, fiquei ali olhando para
ela por quase uma hora. Então, finalmente toquei sua mão.
Não estava mais suada. Estava fria e seca.

Isso pareceu quebrar o encanto. Eu rolei para fora da


cama e corri para fora do quarto. Corri para o sótão e me
escondi lá até que Dante finalmente me encontrou. Ele disse
que Papa teve que levar nossa mãe ao hospital. Mas eu podia
ver pela expressão em seu rosto que Dante já sabia que ela
estava morta. Eles simplesmente não sabiam que eu tinha
visto. Que eu vi acontecer. E não fiz nada para ajudar.

Nunca contei a ninguém porque estava com muita


vergonha. Eu sei que era criança. Mas eu ainda fui um covarde
de merda.

Eu me odiava por isso. Então me odiar se transformou


em odiar tudo e todos.

Mas eu não odeio Camille.

Eu a respeitava quando ela era durona e não cedia a


ninguém.

E agora me sinto confuso e quase honrado que depois de


todo esse tempo quando ela finalmente se abriu para alguém...
foi comigo.

Eu não mereço isso. Eu não sou gentil. Eu não sou


compreensivo.
Mas... Eu quero merecer isso. Eu quero ser um porto
seguro para ela. Mesmo que eu não saiba exatamente como
fazer isso.

— Eu tenho que te dizer outra coisa, — Camille diz.

— O que é?

— Há um policial que está me importunando. Ele está me


fazendo vender ecstasy para Levi.

— O quê?

— Ele pegou meu irmão fazendo isso e, para manter Vic


longe de problemas, eu disse que trabalharia para ele como
uma IC.

— O nome dele é Schultz? — Eu pergunto.

— Sim, — ela diz. — Logan Schultz.

Eu posso sentir a raiva crescendo dentro de mim


novamente. Tenho que manter meu corpo rígido, para que
minhas mãos não tremam.

Camille pode sentir de qualquer maneira, com sua mão


pousada sobre a minha. Ela me olha com uma expressão
assustada.

— Me desculpe, — ela diz.

Estou com raiva, mas não pelo motivo que ela pensa.
Estou furioso que mais uma pessoa está se amontoando
em Camille, dobrando-a e dobrando-a muito além do ponto
onde qualquer outra pessoa iria quebrar.

Eu não dou a mínima se algum policial ambicioso quer


dar um tiro em mim. Mas ele não devia mexer com Camille. O
pensamento dele esperando do lado de fora da loja dela como
ele esperava do lado de fora do The Brass Anchor, com aquele
sorriso estúpido no rosto...

Isso me faz querer localizá-lo e colocar uma faca em seu


coração.

— Você disse alguma coisa a ele? — Eu pergunto a


Camille.

— Algumas coisas sobre Levi, — ela diz.

Isso não é bom. Se Levi descobrir o que Camille está


fazendo, ele será violento e imprudente o suficiente para tentar
machucá-la.

Eu vou matá-lo também, se ele ao menos pensar nisso.

— Eu não contei a ele nada sobre você! — Camille se


apressa em me assegurar.

— Eu não me importo com isso, — digo a ela. — Não tenho


medo de Schultz. Vou enterrá-lo se ele ameaçar você.

Camille empalidece.
— Não quero que você mate ninguém por mim, — diz ela.
— Estou falando sério, Nero. Não quero que ninguém se
machuque por minha causa.

Eu a olho nos olhos. — Então, como podemos ficar


juntos? — Eu pergunto a ela. — Eu posso mudar algumas
coisas sobre mim. Mas não isso.

Um arrepio percorre seu corpo. Não sei se é a ideia de


estarmos juntos, como um casal. Ou se ela está perturbada
com o que sabe sobre mim. Que usarei a violência quando for
preciso, sem hesitação.

Chegamos na Axel Auto. Eu paro no meio-fio, desligando


o motor.

— Você quer que eu te leve até a porta? — Eu pergunto a


ela.

Ela balança a cabeça. — Eu posso fazer isso. Estou de


volta ao normal agora, eu acho.

— Ligo para você amanhã, — digo a ela.

Ela se inclina para frente e me beija suavemente nos


lábios.

— Falaremos mais amanhã, — diz ela.


Eu vejo Camille entrar em sua loja, mas não vou para
casa.

Se Schultz está apoiando-se em Camille, ele é um


problema maior do que eu pensava. Eu preciso olhar para ele
novamente, mas de um ângulo diferente desta vez. Eu quero
saber sobre Matthew Schultz.

Passo o resto da noite dirigindo por aí, visitando velhos


amigos. Pessoas com 40 anos ou mais, que viviam no bairro de
South Shore em 2005, quando o Schultz mais velho era
policial.

Quero saber quem atirou nele naquela noite.

Ninguém ataca um policial fora de serviço e coloca uma


bala em sua cabeça por acidente. Isso não foi um roubo de
carro que deu errado.

Sem mencionar que poucos homens de família com


mulher e filho em casa estão dirigindo por aí às 1h30. Não por
Rosenblum Park. Espero descobrir uma amante, um vício em
jogo, um esquema de corrupção. O Schultz mais velho tinha
um inimigo – quero saber quem era.

Falo com Jeremy Porter, um veterano que tem uma loja


na esquina da 76th com a Chappel, bem perto do parque. Ele
diz que se lembra da noite em que o tiroteio aconteceu, porque
ele estava gerenciando sua loja, e ouviu os tiros e as sirenes
em seguida. Mas ele diz que não viu nada.
— A notícia dizia que havia filmagens de segurança, —
digo a ele. — Elas vieram da sua loja?

Ele balança a cabeça. — Não. Você não podia ver nada


daqui. Eu não tinha câmeras naquela época.

— De onde você acha que veio a filmagem?

Ele encolhe os ombros. — Pode ser da funerária de


Jeffrey. Mas já fechou.

Eu verifico com o Chinese Kitchen, ao lado de onde


costumava ser a funerária. O dono não sabe de nada e não
quer falar comigo.

— Não quero problemas, — ele me diz. — Estou fechando


para a noite. Não volte aqui.

No final, é August Bruce quem me dá minha pista. Ele é


dono de um pub em South Shore, não perto do parque, mas
ainda na vizinhança.

Ele tem cerca de sessenta anos, com uma mandíbula de


buldogue e braços de Popeye. Ele me oferece uma bebida por
conta da casa, embora eu saiba que ele é o filho da puta mais
econômico vivo. Ele gosta do Papa, então está tentando ser
hospitaleiro.

Pego a cerveja, ignorando a garrafa empoeirada e o trapo


imundo que Bruce está usando para limpar o bar.

— Sim, eu conhecia Schultz, — diz ele.


Ele acende um cigarro enrolado à mão, ignorando o fato
de que não deveria fumar dentro de seu próprio pub. Parece
que ele faz muito isso aqui.

— Como você o conheceu? — Eu pergunto.

— A irmã dele se casou com meu sobrinho. Além disso,


ele cresceu no lado sul. Estrela do beisebol. Ganhou o estadual
como arremessador. Foi recrutado por South Bend, mas nunca
foi convocado. Então, todo mundo na vizinhança o conhecia.

— Então ele se tornou um policial.

— Isso mesmo, — Bruce ri. — As pessoas só conhecem


dois tipos de carreira aqui. Crime ou captura de criminosos.
Você escolhe um time, assim como escolhe um campo.

— Mas ele era um policial sujo.

Bruce franze a testa, dando uma tragada no cigarro e, em


seguida, tirando um pedaço de tabaco da língua. — Quem te
disse isso? — Ele diz.

— Alguém acabou com ele. Isso não acontece por acaso.


Além disso, lei das médias30...

Bruce balança a cabeça. — Schultz era tão honesto


quanto parece. Modelo de herói real.

— Tem certeza?

30É um termo leigo usado para expressar a crença de que os efeitos de um evento aleatório irão se
igualar em uma pequena amostra. Neste caso, significa que policiais corruptos fazendo coisas ilegais
resulta em morte.
— Tanto quanto você pode conhecer alguém.

— Quem atirou nele, então? Alguém que ele prendeu?


Alguém que ele estava investigando?

— Poderia ser. — Bruce encolhe os ombros. — Ou...

Eu espero, deixando-o aproveitar o suspense.

— Você sabe quem odeia um policial herói? — Bruce diz,


olhando para mim. — Um policial sujo.

— Isso é baseado em fatos ou apenas um palpite?

Bruce encolhe os ombros pesados. — Dois policiais


chegaram bem rápido. Engraçado eles realizando uma blitz às
1h30 em South Shore. Nunca vi isso em todo o tempo que
morei aqui.

Eu acho que acabou.

Então eu me levanto e bato no ombro de Bruce.

— Obrigado, — eu digo. — Você levantou algumas


questões interessantes.

— Sim, tenha cuidado com quem mais você levanta essas


questões, — diz Bruce. — Ninguém gosta de cavar lixo velho.

Não, eles não gostam.

Mas eu nunca dei a mínima para o que as pessoas


gostam.
19

Quando acordo de manhã, o sol parece terrivelmente forte


e minha cabeça lateja. Tropeço até a cozinha, ainda usando o
macacão de Patricia, e me sirvo de um copo gigante de água da
pia da cozinha. Eu engulo, me sentindo como uma uva passa
seca ao sol.

Eu bebo e bebo até minha barriga latejar. Então bato o


copo na mesa, estremecendo com o barulho alto que ele faz no
balcão.

Lembro-me daquela frase da música do Jay-Z: “Ecstasy


te fez sentir uma campeã...”

Bem, na manhã seguinte, sinto-me como uma boxeadora


que levou uma centena de golpes no rosto e caiu do ringue.

E isso antes de me lembrar de como vomitei verbalmente


cada pensamento da minha cabeça para Nero Gallo.

Estou ficando mais vermelha do que uma Ferrari só de


pensar nisso. Contei tudo a ele. Cada segredo que eu tinha.
Incluindo o fato de que estou completamente apaixonada por
ele.
Mas... não é um desastre total.

Porque Nero também me disse algo. Não me esqueci disso


– ele me contou o que aconteceu com sua mãe. Tenho a
sensação de que não é algo que ele compartilha com muitas
pessoas.

E depois... oh, eu definitivamente me lembro do que


aconteceu depois disso.

Apenas o orgasmo mais dilacerante da minha vida. Um


orgasmo que provavelmente deveria ser ilegal, porque não há
nenhuma maneira de algo tão bom poder ser entregue sem
mais nem menos. É demais para um ser humano aguentar.

Oh, sim, lembro-me de cada segundo daquele encontro.


Está gravado em meu cérebro para sempre.

E, no entanto, não fizemos sexo depois. Em vez disso,


Nero me levou para casa.

Quase acho que ele estava tentando ser um cavalheiro.


Porém, eu ainda devo estar drogada para acreditar nisso.
Porque Nero é a coisa mais distante de um cavalheiro que já
conheci. Ou pelo menos ele era... até a noite passada.

Este é um enigma muito grande para o meu cérebro


latejante refletir. Tenho algo totalmente diferente com que me
preocupar. Cinco cabelos loiros enfiados no bolso do meu
macacão. Eles ainda estão lá – um pouco arenosos, mas
relativamente ilesos.
Eu os coloco em um envelope, pesquisando o lugar mais
próximo para fazer um teste de paternidade. Encontro um
lugar chamado Fastest Labs, que parece exatamente o que
estou procurando. “Serviços de teste imediatos e abrangentes
– Sem hora marcada bem-vindo!” Perfeito.

Eu dirijo até lá com meu envelope de DNA roubado preso


em meu pequeno punho suado.

Não tomei banho, não mudei de roupa ou lavei a


maquiagem do rosto da noite anterior, então estou parecendo
significativamente menos fofa do que quando Patricia terminou
de usar sua magia em mim. Mas eu não dou a mínima. Eu me
encaixo bem com o resto das pessoas que esperam pelo teste
obrigatório de drogas e álcool.

Entrego o envelope a uma técnica. Ela veste um par de


luvas de plástico e usa uma pinça para tirar os fios de cabelo
do envelope, segurando-os sob a luz fluorescente forte e
semicerrando os olhos.

— Normalmente queremos de sete a dez fios de cabelo, —


diz ela. — Mas você tem alguns folículos decentes presos. Isso
pode funcionar.

— Eu tenho uma escova de dentes do outro indivíduo, —


eu digo.

Eu passo a escova de dentes de Vic em um saquinho de


plástico. Eu poderia ter obtido um cotonete de dentro de sua
boca, mas eu realmente não queria dizer a ele o que estava
fazendo, mais do que disse a Bella. Vic insiste que ele não se
preocupa com seu pai biológico. E talvez ele realmente não
queira saber. Mas ele precisa de dinheiro para a escola. Somos
muito pobres para ser orgulhosos.

— Quero saber a relação familiar, — digo à técnica. — Se


houver.

— Sem problemas, — ela diz. — Vai demorar algumas


horas. Supondo que possamos reunir DNA suficiente para
percorrer o sistema.

— Tudo bem, — eu digo. — Eu vou esperar.

Pego uma cadeira na sala de espera, uma posicionada no


canto para que eu possa inclinar minha cabeça contra a parede
e tentar tirar uma soneca. Várias vezes eu cochilo, apenas para
ser acordada novamente quando a recepcionista chama o
nome de alguém cerca de dez vezes o volume necessário para
o pequeno espaço.

Pelo menos eles têm um refrigerador de água. Bebo cerca


de mais oito copos de água e vou ao banheiro várias vezes.

— Você é parte peixe? — Um velho me provoca, depois da


minha quinta ou sexta bebida.

— Eu gostaria, — eu gemo. — Então eu não seria capaz


de ouvir a enfermeira Ratched ali.

— NAGORSKI! — A recepcionista berra no auge de seus


pulmões, fazendo as janelas chacoalharem.
— Essa é a vantagem de ficar surdo, — diz o velho
serenamente. — Acabei de desligar meu aparelho auditivo.

Demora mais uma hora para a recepcionista gritar —


RIVERA!

Assim que ela o faz, eu pulo para pagar minha taxa de


$149 para receber meus resultados.

Estou sem dinheiro, então tenho que colocar a cobrança


no cartão de crédito. Demora algumas tentativas para
encontrar um que ainda não tenha atingido o limite.

— Você realmente deveria pagar isso, — a recepcionista


me diz, quando meu MasterCard finalmente permitiu a
cobrança. — Manter um balanceamento é ruim para sua
pontuação de crédito.

— É um jogo divertido entre mim e o banco, — digo a ela.


— Gosto de mantê-los na dúvida.

Ela estreita os olhos para mim, tentando decidir se estou


brincando.

— A responsabilidade financeira não é motivo de piada,


mocinha.

— Você está certa, — eu digo, arrancando o envelope de


resultados de sua mão. — Vou pagar esses cartões quando
ganhar na loteria.

Pego o envelope para abri-lo.


Minha mão está tremendo um pouco e tenho uma
sensação de pavor.

Tive todo esse trabalho para provar minha teoria, mas a


verdade é que prefiro estar errada. Nos últimos quinze anos,
Vic pertenceu a mim e ao meu pai, e a mais ninguém. Ele era
o centro do nosso mundo. Nós o amávamos loucamente. Meu
pai construiu para ele uma fantasia de Transformers de
Halloween que realmente poderia se transformar de um robô
em um caminhão de bombeiros. Todos os dias eu fazia seu
lanche para a escola e desenhava pequenos desenhos na
sacola para fazê-lo rir. Planejamos suas festas de aniversário,
seus presentes de Natal. Todos íamos aos jogos do Cubs juntos
– sentados nas piores cadeiras, mas não importava, porque
éramos a pequena família perfeita. Feliz com nossos assentos
na última fila e nossos cachorros-quentes.

Não sei por que achei uma boa ideia foder com isso.

Exceto que meu pai e eu estamos afundando. Não posso


suportar arrastar Vic conosco. Se não podemos dar a ele o
futuro que ele merece, então alguém tem que fazer isso.

Então, rasgo o envelope e retiro os resultados.

Demoro um minuto para entender o que estou vendo.

Indivíduo 1: Victor Rivera.

Indivíduo 2: Mulher desconhecida.

21,6% compartilhados, 29 segmentos.


Relações Possíveis: Tio / Sobrinha, Tia / Sobrinho, Avô /
Neta, Avó / Neto, Meio-Irmãos.

Certo. O teste não pode dizer a idade dos participantes,


então é apenas adivinhar como eles podem estar relacionados.
Mas eu conheço Victor e Bella. Bella não é sua tia, ou sua avó.
O que significa... ela é definitivamente sua meia-irmã.

Soltei um longo suspiro. Não sei se devo ficar aliviada ou


profundamente infeliz.

Acho que estou inclinada para o último.

Você poderia rasgá-lo agora mesmo. Jogue no lixo. Nunca


conte a ninguém.

Eu poderia fazer isso. Mas eu estaria fazendo isso por


mim. Não por Vic.

Eu me dou cinco minutos para sentir uma sensação de


perda. Então coloco o papel de volta no envelope e endireito os
ombros.

Vou para casa tomar banho. Então vou rastrear Raymond


Page. Vou fazer com que ele me escute desta vez – mesmo que
eu tenha que enfiar aquele envelope em sua garganta.
Volto para o Alliance Bank bem a tempo da pausa para o
almoço de Raymond.

Desta vez, sou um pouco mais inteligente. Limpei-me,


colocando o único vestido bonito que tenho – é preto e eu o
usei no funeral da minha avó, mas me ajuda a me encaixar um
pouco melhor neste bairro. Espero do lado de fora do banco e
sigo Raymond até o restaurante de sua escolha, ficando para
trás meio quarteirão para que ele não me veja.

Ele sai do prédio quase exatamente na mesma hora de


antes, com um funcionário diferente ao seu lado desta vez –
um cara gorducho de óculos, que fica tentando ler informações
para Raymond de uma pasta, enquanto simultaneamente
tenta acompanhar o passo largo de Raymond o que o obriga a
correr ao lado de seu chefe.

Raymond não leva em consideração os pedestres em seu


caminho. Ele segue em frente, confiando na autopreservação
de todos os outros que precisam sair de seu caminho.

Ele entra em um restaurante sofisticado de frutos do mar


chamado La Mer. Eu observo pela janela enquanto as
recepcionistas praticamente se derrubam para cumprimentá-
lo e acomodá-lo.

Quando eu entro, elas me dizem um muito menos


amigável: — Posso ajudar?

— Estou aqui com o tio Ray, — digo, apontando na


direção em que Page desapareceu.
— Oh, — a garota diz. — Vou levá-la à mesa.

— Tudo bem, — eu digo, passando por ela. — Eu quero


surpreendê-lo.

Ao me esgueirar para a mesa de Raymond, vejo o cara


gorducho tomar um gole rápido de sua água e depois correr
para o banheiro.

Perfeito.

Eu deslizo para a cabine em frente a Page. Ele mal olha


para cima a princípio, pensando que é apenas seu amigo de
volta. Então ele me vê sentada em frente a ele, e sua expressão
muda de leve surpresa para pura fúria.

— É melhor você ter um motivo extremamente bom para


me incomodar de novo, — ele sibila.

— Você não se preocupou em perguntar o que eu queria


da primeira vez, — digo a ele.

— Eu não dou a mínima para o que você quer, — ele diz,


seus olhos escuros se estreitando. Eles são a única
característica marcante em um rosto de outra forma áspero.
Os cílios que são tão bonitos em Vic são totalmente
perturbadores em Raymond. Eles o fazem parecer uma boneca
assustadora – o tipo que ficaria em uma prateleira em um filme
de terror, então ganha vida à noite para te esfaquear.

Mas não posso deixar que ele me intimide. Estou aqui por
Vic, não por mim.
— Talvez sua esposa esteja interessada no que tenho a
dizer, — digo a ele. — A menos que ela esteja bem com você a
traindo.

Raymond não gosta nada disso.

Sua mão chicoteia sobre a mesa, agarrando-me pelo


pulso.

— Você acha que pode me ameaçar? — Ele sibila. — Você


tem alguma PORRA de ideia de quem eu sou?

Eu me recuso a estremecer, não importa o quanto ele


tente torcer meu braço.

— Eu sei exatamente quem você é, — digo a ele. — É por


isso que estou aqui.

Com minha mão livre, puxo o envelope do bolso e o deslizo


pela mesa na direção dele. Já digitalizei o resultado do teste,
caso ele tente rasgá-lo ou algo assim.

— Que porra é essa? — Raymond diz.

Sem esperar pela minha resposta, ele puxa o papel e o lê


de relance.

Cobri o nome de Vic com um marcador preto, mas o resto


da informação está lá.

— Explique, — Raymond diz secamente.

— Você tem um filho, — digo a ele. — Eu comparei o DNA


dele com o de Bella.
Eu vejo seus olhos pularem rapidamente da página e
depois voltarem para baixo.

É difícil ler sua expressão. Ele está com raiva,


obviamente. Mas ele solta meu pulso, lendo mais de perto.

Eu me pergunto se ele está realmente satisfeito com a


ideia.

Bella é sua única filha, pelo que eu sei. Ele não parece
dar a mínima para ela. Talvez ele sempre quis um menino?

— Quem é esse suposto filho? — Ele diz.

Eu hesito. Eu ia contar a ele. Mas agora estou percebendo


que posso estar criando uma situação perigosa para Vic. Eu
não conheço Page de jeito nenhum. Exceto que ele está
conectado a um monte de criminosos, e ele próprio não tem
medo de infringir a lei.

— Eu não vou te dizer isso agora, — eu digo.

— Por que não?

— Porque eu quero saber suas intenções, primeiro.

Raymond solta uma gargalhada latida. — Minhas


intenções?

— Isso mesmo.

O colega de Raymond voltou à mesa. Ele é um cara baixo


e atarracado com uma barba cuidadosamente aparada e um
terno caro que ainda não lhe cai muito bem. Seus óculos
escuros parecem do tipo que Tony Stark usa, mas muito
menos legais.

Ele para quando me vê ocupando seu lugar.

— Oh, olá... — Ele diz, sem jeito.

Sem olhar para ele, Raymond diz: — Vá lavar as mãos de


novo, Porter.

— Certo, — Porter diz, virando-se nos calcanhares e


marchando de volta para os banheiros sem um segundo olhar.

— Você tem seus funcionários bem treinados, — eu digo.

— Você nem imagina o que eu poderia dizer a ele para


fazer, — diz Raymond, em um tom gelado. — Se eu pedisse a
ele para arrastar você para fora deste restaurante e jogá-la
diretamente no tráfego, eu nem teria que dizer ‘por favor’.

Minha pele está pegajosa. Eu quero desesperadamente


piscar, mas não vou me permitir largar seu olhar por um
segundo. Homens assim se alimentam do medo.

— Olha, — eu digo. — É bastante claro que você não gosta


de ser incomodado. Não vou perder seu tempo. Você
engravidou uma acompanhante e agora tem um filho. Ele não
tem interesse em criar algum grande escândalo público. Nem
eu. Não sei o que você deve em pensão alimentícia –
provavelmente algum número insano. Não somos gananciosos
– estou apenas pedindo um pagamento único para fazer isso
desaparecer, permanentemente. Cinquenta mil para a
educação de seu filho. E você nunca mais terá que ouvir falar
de nenhum de nós novamente.

Não é muito dinheiro. Page está usando um relógio que


provavelmente custa essa quantia. Inferno, seu terno poderia
também.

Raymond parece estar pensando a mesma coisa. Ele


lentamente dobra os resultados do teste em um retângulo
perfeito, então o desliza de volta para o envelope. Ele o passa
sobre a mesa para mim.

— Que garantia eu tenho de que você não vai voltar para


mais? — Ele me pergunta.

— Minha palavra, — digo a ele.

Ele olha para minha expressão severa e firme.

Em seguida, ele enfia a mão no bolso da camisa e tira um


talão de cheques. Ele tira a tampa da caneta – elegante, com
ponta de ouro, com gravura.

Ele preenche um cheque, rasga-o do talão e o empurra


sobre a mesa para mim.

— É isso que estou disposto a pagar, — ele me diz.

Eu pego. O cheque diz “$ 0,00”.

— Nem. Um. Centavo. De. Merda, — Raymond ferve. —


Se algum dia eu voltar a ver seu rosto, ou esta minha assim
chamada cria, apresentarei vocês dois a um colega meu que
não é tão amigável quanto Porter. Gosto de chamá-lo de
dentista. Ele arrancará cada um de seus dentes com um
alicate, até o último molar. E temo que ele não use anestésico.
Vamos ver como você negocia bem então, com a boca apenas
com gengivas. Você tem minha palavra sobre isso.

Eu coloquei o cheque na mesa com as mãos trêmulas.

— Não, — sussurra Raymond. — Leve com você. Como


um lembrete. Se eu ouvir um maldito sussurro nesta cidade
sobre um filho bastardo... Não acho que será difícil encontrar
você. E fique longe da minha filha.

Eu me levanto da mesa. Estou com medo de que


Raymond vá se levantar também, mas ele permanece sentado.
Ele não faz nada para me impedir quando saio cambaleando
do restaurante.
20

Fiquei acordado até as primeiras horas da manhã,


rastreando informações sobre Matthew Schultz, então acabei
dormindo muito mais tempo do que o normal. Já passa do
meio-dia quando finalmente acordei com uma batida na minha
porta.

— O quê? — Eu gemo, sem me preocupar em levantar


minha cabeça do travesseiro.

— Tem alguém esperando por você, — Greta diz.

— Quem?

— Venha ver por si mesmo, — diz ela impacientemente.

Eu rolo para fora da cama – literalmente rolo para fora


dela, no chão. Estou usando apenas cuecas samba-canção e
posso sentir meu cabelo espetado em todas as direções, mas
não me importo muito. Se fosse alguém importante, Greta teria
me avisado. Provavelmente é apenas Aida – embora Deus saiba
que ela não esperaria na porta. Ela marcharia direto para o
meu quarto se quisesse.

Talvez seja Cal.


Greta já saiu pisando duro sem esperar por mim. Ela
odeia quando dormimos. É o Puritan31 nela. Ela gosta de bater
nas panelas e frigideiras na cozinha quando acha que estamos
sendo preguiçosos. Felizmente, eu estava exausto o suficiente
para dormir esta manhã.

Eu tropeço descendo a escada instável, tão estreita que


Dante tem que virar de lado toda vez que ele sobe. É
provavelmente por isso que ele tem seu quarto no andar
principal. Eu não suporto ter pessoas rangendo sobre minha
cabeça. Gosto de estar o mais alto possível, em algum lugar
com vista. Mais ou menos como o quarto de Camille.

Bem... falando no diabo.

Camille Rivera está parada na minha porta.

Ela parece sombria e pálida, usando um vestido preto que


realmente não combina com os últimos dias de agosto. Ela
enrubesce quando me vê, baixando os olhos para os sapatos.
Lembro que estou praticamente nu. Eu me inclino contra o
batente da porta, ficando perto dela, porque ela é bonita
quando está nervosa.

— Você acordou cedo, — eu digo.

— São duas horas da tarde, — Camille diz, incitada a


olhar para mim por sua necessidade de me corrigir. Enquanto

31Pessoa que pratica ou prega um código moral mais rigoroso ou declaradamente mais puro que
aquele que prevalece.
seus olhos correm sobre meu peito nu, ela cora mais forte do
que nunca.

— Mesmo assim, — eu resmungo, minha voz rouca de


sono. — Achei que você ficaria cansada depois da noite que
teve.

Camille lança outro olhar para mim, então cobre o rosto


com as mãos para esconder a cor.

— Você poderia colocar uma camisa, por favor? — Ela diz.

— Por que eu iria querer fazer isso?

— Para que eu possa falar com você sem...

— Sem o quê? — Eu digo, inclinando-me ainda mais


perto.

— Não vou olhar até você se vestir, — diz ela, cobrindo os


olhos com a mão.

Seus lábios parecem muito tentadores, sob a venda de


sua mão. Eu poderia me inclinar e beijá-la agora, sem aviso.

Mas não quero provocar Camille muito. Eu sei que ela


veio aqui por um motivo.

— Tudo bem, entre, — eu digo a ela.

— Aí dentro? — Ela chia. — Na sua casa?

— Sim, — eu digo. — Por que não?

— Quem está em casa? — Ela pergunta nervosamente.


— Apenas Greta. Você já a conheceu.

Hesitante, Camille me segue para dentro. Eu a vejo


olhando em volta para a madeira escura antiga, as lâmpadas
feitas à mão, as janelas de chumbo com seus painéis de vidro
colorido.

Ainda é uma grande mansão, embora seja extremamente


antiga. A maioria das características principais são as mesmas
de quando foi construída – uma forma complicada e
assimétrica. Telhados triangulares inclinados com
acabamento em gingerbread trim. Texturas estranhas nas
paredes internas.

Adicionamos algumas coisas, como a enorme garagem


subterrânea, a academia e a sauna.

Os Gallos pertencem a esta casa, de uma maneira que


você raramente vê mais na América. Fomos criados nela.
Moldados por ela. Old Town é nossa casa e sempre será.
Enquanto outras famílias da máfia se mudaram para a
moderna Gold Coast, ou mais ao norte, nós ficamos bem aqui,
no coração de nosso próprio povo.

Camille pode ver isso. Ela vê as fotos das gerações


anteriores. Os móveis são mais velhos do que eu.

— Há quanto tempo vocês moram aqui? — Ela me


pergunta, os olhos arregalados.

— Bem, meu bisavô a construiu em 1901, então... muito


tempo, porra, — eu digo.
Camille balança a cabeça com espanto. Ela se esqueceu
sobre eu me vestir. Ela parece chocada com esta casa que deve
ter dez vezes o tamanho de seu pequeno apartamento. Talvez
ainda maior, se você contar os níveis do porão.

— Eu esqueci como você é rico, — ela diz estupidamente.

— Eu pensei que garotas gostassem disso, — eu digo,


tentando aliviar o clima.

Camille me lança um olhar de dor e eu imediatamente me


arrependo do meu comentário estúpido. Por que nunca consigo
pensar na coisa certa para dizer a ela? Sempre soube conseguir
o que queria das mulheres antes. Era fácil manipulá-las.

Mas não quero manipular Camille.

Quero que estejamos naquele espaço no qual às vezes


tropeçamos por acidente, onde nos entendemos. Onde tudo
está claro entre nós.

Parece que nunca consigo chegar lá intencionalmente.


Quanto mais tento, mais eu estrago tudo.

— Você está muito bem, — eu digo, desesperadamente.


— Mas você sabe, eu gosto do outro jeito também...

— O macacão? — Camille diz, o fantasma de um sorriso


em seu rosto.

— Sim. Eu gostei daquele. Na realidade... você quer ver


algo?
— Talvez... — Camille diz.

Ela parece assustada que eu possa mostrar a ela minha


coleção de armas ou uma sala cheia de cadáveres.

— Vamos, — eu digo, agarrando a mão dela.

Seus dedos se ligam aos meus. Suas mãos são pequenas,


mas fortes. Eu gosto das pequenas partes de graxa em seus
dedos. Eu tenho a mesma coisa em minhas mãos. Se eu
levasse a mão dela ao meu rosto e inalasse, eu sei exatamente
como a pele dela cheiraria. Como diesel, sabonete e baunilha.

Eu a conduzo pela cozinha, passando por Greta, que


parece assustada ao ver Camille realmente dentro de casa.

— Olá de novo, — Greta diz.

— Esta é Camille, — digo a ela.

— Eu sei, — Greta diz, apontando uma colher para mim.


— Nós nos encontramos na porta.

— Greta é quem me criou, — digo a Camille.

— Não se atreva a tentar colocar isso em mim, — Greta


diz, carrancuda para mim. — Você nunca ouviu nada do que
eu disse.

— Eu ainda sou seu favorito, — eu digo, sorrindo.

Enquanto conduzo Camille para a garagem, ela me


pergunta: — Isso é verdade?
— O quê?

— Você é o favorito de Greta?

— Não, — eu bufo. — Nem mesmo perto. É Sebastian com


certeza.

— Quem é o favorito do seu pai? — Camille diz.

— Aida. Ou Dante.

Chegamos ao fim da escada. Camille olha para mim, seus


olhos escuros procurando meu rosto.

— Isso te incomoda? — Ela pergunta.

— Não, — eu digo. — Por que incomodaria?

Não me permito realmente pensar sobre a pergunta antes


de responder.

Em vez disso, eu a puxo para frente, acendendo as luzes


do teto.

Camille engasga. É um espaço amplo, de teto baixo,


sustentado por pilares. O piso de cimento é recém pintado e
cada um dos carros tem sua própria vaga. São oito carros e
duas motos. Dois dos carros pertencem a Papa e um a Dante.
O resto é tudo meu.

Camille corre tocando cada um deles por vez – o Scout, o


'Vette, o Jaguar, o Shelby. Mas ela fica por mais tempo no meu
favorito absoluto: o Talbot Lago Grand Sport. Ainda um
trabalho em andamento, totalmente incapaz de dirigir. Vai ser
lindo pra caralho, no entanto. Minha obra prima.

— Onde você conseguiu isso? — Ela sussurra.

— Comprei em um leilão na Alemanha. Teve apenas um


motorista. Este velho, que o comprou em '54. Ficou em seu
celeiro por anos. Tive que despachá-lo para cá por um
cargueiro.

— Você fez todo o trabalho por conta própria?

— Até o último pedaço disso.

— Deus... — Camille geme. — Olhe essa carroceria...

O Grand Sport tem linhas suaves e elegantes – longas


como um carro clássico americano, mas com um estilo
europeu chique. É um pouco como um Rolls Royce e um
Porsche misturados.

— Eu sei, — eu digo. — É o único igual – eles venderam


o chassi básico, depois a carroceria sob medida foi feita por um
fabricante de carrocerias personalizado.

— De que cor você está pintando?

— Era preto, originalmente.

— Isso é bom... — Ela diz. — Mas imagine isso em


vermelho sangue...

— Eles nunca fizeram essa cor, — eu rio.


— Eu sei. Mas eles deveriam ter feito.

Eu nunca trago ninguém aqui. Até mesmo Dante quase


nunca entra. Camille é a única pessoa que conheço que ama
carros antigos do jeito que eu amo – como se eles fossem uma
coisa viva. Eu posso dizer que ela está morrendo de vontade de
olhar sob o capô, para colocar as mãos em cada pedaço do
motor. Normalmente isso me deixaria impaciente e territorial,
mas não posso deixar de gostar, vendo-a correr tão ansiosa
quanto uma criança.

— Ohhh! — Camille geme, olhando para todas as minhas


ferramentas. — Você tem tudo aqui. Você conseguiu, Nero.
Você finalmente me deixou com ciúmes.

Seus olhos estão brilhantes como azeviche e suas


bochechas estão cheias de cor. Seus lábios e bochechas
parecem muito vermelhos perto do vestido preto.

— Eu pensei que já tinha te deixado com ciúmes antes,


— eu digo, em voz baixa. — Quando você me viu com Bella.

— Eu sei que você não gosta dela, — Camille disse,


ficando muito quieta.

— Mas você estava com ciúmes de qualquer maneira.

Dou um passo em sua direção, e ela dá um passo para


trás, então ela está encostada no capô do Grand Sport. Seus
olhos voam para o meu peito nu mais uma vez, lembrando que
eu não coloquei nenhuma roupa.
Eu corro minha mão pelo meu cabelo, afastando-o do
meu rosto. Vejo seus olhos seguirem minha mão, então correm
pelo meu braço, pelo meu torso nu, até a minha cueca samba-
canção. Eu sei que ela pode ver a protuberância do meu pau
através do material fino. Especialmente agora que estou
começando a ficar excitado.

Camille lambe os lábios nervosamente.

Estou perto o suficiente para quase sentir o calor de sua


respiração. O cheiro de gasolina está pesado no ar. Ele
aumenta minha frequência cardíaca, embora não tanto quanto
o cheiro da própria Camille.

Em um movimento, envolvo minhas mãos em volta da


cintura dela e a levanto, então ela está sentada no capô do
carro. Estou parado entre suas coxas, seu rosto exatamente no
mesmo nível do meu. Estamos cara a cara, nariz com nariz.

— Eu nunca quero que você fique com ciúmes, — eu digo


a ela. — Não há mais ninguém, Camille. Ninguém que me fez
sentir assim.

Ela olha nos meus olhos, os lábios tremendo.

Não sei se ela acredita em mim.

Sou muitas coisas, mas nunca mentiroso...

— Nós começamos algo ontem à noite, — eu digo. — Você


está pronta para terminar?
Em resposta, Camille agarra meu rosto entre as mãos e
me beija.

É como se ela injetasse nitrogênio direto no meu motor.


Minha excitação aumenta mil por cento em um instante. Eu a
empurro para baixo no capô, atacando-a com meus lábios e
mãos. Estou lambendo, beijando, chupando, por toda a boca e
garganta. Eu puxo a saia de seu vestido e enfio minha mão na
frente de sua calcinha, encontrando aquela boceta quente e
molhada. Afundo meus dedos dentro dela, fazendo-a gemer em
minha boca.

Eu odeio que ela esteja vestida. Estou farto de receber


pedaços de Camille, nunca ela inteira de uma vez. A sensação
de seus seios no escuro, o gosto de sua boceta... não é nem
perto do suficiente.

Pego sua calcinha e a rasgo, o tecido rasgando como


algodão doce sob meus dedos febris.

Meu pau já escapou da minha cueca samba-canção. É


uma fúria forte, exigindo ser colocado dentro dela. Tudo o que
tenho que fazer é segurar a base dele e apontar na direção
certa.

Eu sei que deveria ter um preservativo. Sempre usei um


antes. Não quero filhos ou qualquer outra surpresa
desagradável.
Mas eu quero estar com Camille totalmente e
intimamente. Eu não quero transar com ela com uma barreira
entre nós.

Eu quero que minha primeira vez seja com ela. Então eu


empurro dentro dela, naquele calor e umidade que agarra cada
milímetro do meu pau nu. A sensação é dez vezes mais forte
do que esperava. Meus joelhos quase cedem sob mim, apenas
com aquele único impulso.

Estou afundado vinte centímetros nesta mulher que


invadiu cada fibra do meu corpo, que está me deixando
totalmente louco. Quase explodo ali mesmo. É preciso até o
último resquício de controle para conter.

Uma vez que recupero o controle, começo a foder com


força e rápido, desesperadamente e descontroladamente. Não
consigo desacelerar. É como uma corrida de rua – tenho
adrenalina pura batendo nas veias. Tudo que eu quero é mais,
mais, mais.

Nunca experimentei nada assim. Estou acostumado a


ceder a emoções selvagens. Luxúria, violência, raiva... isso
supera todas elas, e não está nem perto. A sensação da boceta
de Camille queimando em volta do meu pau, suas unhas
arranhando minhas costas, seus dentes beliscando meus
lábios, sua língua enfiada profundamente em minha boca...

Estamos tentando separar um ao outro. Mas não por


ódio. Pelo desejo de encontrar aquele centro vulnerável e cru
novamente. Camille tem mais paredes ao seu redor do que um
castelo medieval. E estou igualmente determinado a manter as
pessoas afastadas – com uma barreira de raiva, imprudência,
crueldade.

Ainda assim, escalamos as paredes um do outro. Porque


reconhecemos um no outro o que sabemos sobre nós mesmos.
Que ambos estamos sofrendo. Ambos sozinhos. Ambos
querendo alguém que pudesse entender.

Eu quero Camille como nunca quis nada na minha vida.

Eu quero que ela me ame.

Ela é a única que me conhece, então ela é a única que


pode.

E eu quero amá-la.

Eu sou péssimo nisso – nunca tive prática.

Mas eu quero levar toda essa paixão, ciúme e obsessão


dentro de mim, e quero dar tudo a ela. Eu quero dar a ela o
melhor de mim, seja o que for.

Só espero que seja o suficiente.

Camille está se agarrando a mim com todo o seu corpo.


Ela está com os braços em volta de mim e sussurrando em meu
ouvido: — Nero... oh meu deus, Nero...

Suas coxas apertam em torno de mim. Eu sinto sua


boceta me apertando com força, apertando mais e mais
enquanto ela começa a gozar. Beijo seus lábios inchados,
sentindo a diferença em sua respiração enquanto seu corpo
despeja todas as substâncias químicas do prazer de um
clímax: serotonina, oxitocina, dopamina.

A boca de Camille tem um gosto melhor do que qualquer


comida que já comi. Isso me satisfaz e me deixa faminto, tudo
de uma vez.

Eu sinto uma onda de umidade em volta do meu pau de


seu clímax. Sua boceta relaxa um pouco, então posso fodê-la
ainda mais fundo do que antes. Eu não quero parar. Eu quero
que isso continue para sempre.

Porém, é impossível. Não posso acreditar que aguentei


tanto.

Camille está olhando para mim com aqueles olhos


enormes e escuros. Olhando bem nos meus olhos como ela fez
na primeira vez que nos beijamos.

É sua expressão tanto quanto seu corpo que me faz gozar.


A maneira como ela olha para mim e a maneira como ela me
faz sentir. Eu explodo. Absolutamente explodo. O orgasmo me
atinge. Isso me faz chorar com um som semelhante a um
soluço.

Eu desabo em cima dela, prendendo-a no capô do carro,


ambas as mãos segurando as dela, nossos dedos entrelaçados
em cada lado de sua cabeça. Eu enterro meu rosto em seu
pescoço, meu corpo ainda tremendo e se contorcendo com o
último orgasmo.
Suas pernas estão presas em volta da minha cintura. Eu
não saí dela.

Posso sentir seu coração batendo de um lado do peito e o


meu do outro. Eles estão separados por apenas alguns
centímetros, separados por carne e nada mais.

Quando eu finalmente me levanto, meu pau ainda está


tão duro que sai dela com um som de estalo. Sêmen quente
desce pela parte interna de sua coxa.

— Tudo bem? Eu deveria ter perguntado, — eu digo.

— Está tudo bem, — Camille cora. — Podemos ser mais


cuidadosos da próxima vez.

— Eu nunca fiz isso antes, — digo a ela. — Descoberto


assim.

— Nem eu, — ela diz.

Eu a ajudo a se levantar e puxar a saia do vestido para


baixo. A calcinha está arruinada.

Camille parece tão atordoada quanto eu. Não é uma


sensação desagradável. Na verdade, é pacífico. É totalmente
silencioso na garagem, sem nenhum barulho da casa acima ou
das ruas da cidade além.

Não há constrangimento entre nós. Nós nos separamos


fisicamente, mas ainda me sinto conectado a Camille.
Ela olha para mim, colocando um cacho selvagem e
escuro atrás da orelha.

— Tenho que te perguntar uma coisa, Nero, — ela diz.

— Qualquer coisa, — eu respondo.

— Você vai roubar o cofre do Alliance Bank?

— Sim, — eu digo, sem hesitação.

— Quando?

— Em duas semanas.

Ela respira fundo. — Eu quero entrar nisso.

— Você quer... o quê?

— Eu quero te ajudar a roubar o banco. E preciso do


dinheiro. E . FODA-SE Raymond Page.

Minha frequência cardíaca, finalmente começando a


diminuir, começa a aumentar novamente.

Esta não é uma boa ideia. Em primeiro lugar, Camille não


tem experiência em atividades criminosas. Em segundo lugar,
nós dois estamos sendo rastreados por um policial muito
intrometido no momento. E terceiro, este não é um piquenique
de domingo. Isso é um grande furto na mais alta escala, roubar
de um cretino de classe A implacável e bem relacionado.

— O quê? — Camille diz, seus olhos procurando meu


rosto. — Você não acha que eu posso fazer isso?
Eu suspiro. — Eu acho que você pode fazer praticamente
qualquer coisa, Camille. Mas ninguém pode roubar um banco
sem alguma chance de ser pego. Ou um tiro. Ou pior.

— Eu poderia ser um vigia? — Camille diz. — Eu não


preciso de um compartilhamento completo. Apenas o
suficiente para ajudar meu irmão e meu pai.

— Eu poderia te dar dinheiro, — digo a ela.

— Não! — Ela chora. — Não estou procurando caridade.


Eu só quero um trabalho.

Deus, não consigo nem olhar para ela. Esses grandes


olhos escuros podem me obrigar a fazer qualquer coisa.

Estou arrastando isso, porque não quero dizer sim.

No entanto, já sei que não posso recusar.

— Tudo bem, — eu suspiro. — Mas você tem que fazer o


que eu digo, desta vez.
21

As semanas que se seguem são as mais bizarras da


minha vida.

Nero e eu estamos planejando um verdadeiro assalto a


banco. E a cada minuto fora disso, sempre que estamos
sozinhos, não podemos manter nossas mãos longe um do
outro.

O que começou em sua garagem progrediu para sexo em


seu carro, em meu carro, na sua casa, na minha casa, na
praia, em um elevador, no banheiro de um pub irlandês e em
qualquer outro lugar que nos encontremos.

Nunca imaginei que pudesse sentir algo assim. Esse tipo


de obsessão por alguém.

Quando não estou com Nero, estou pensando nele. E


quando estou com ele, não consigo tirar meus olhos dele.

Tudo o que ele faz me excita. A maneira como seu


antebraço flexiona quando ele está mudando de marcha. A
maneira como ele passa a mão pelo cabelo. O brilho perverso
em seus olhos quando ele olha para mim. A maneira como ele
me agarra e me puxa para seus braços no segundo em que
estamos sozinhos.

E o sexo... Meu Deus, não consigo nem pensar nisso sem


corar do couro cabeludo até os dedos dos pés.

Fica cada vez melhor.

Ele é um maldito mágico com as mãos. Você pode ver na


maneira como ele toca qualquer objeto – quando está mexendo
em um motor ou apenas mexendo em algo que está no bolso,
como um isqueiro ou uma moeda. Ele pode fazer uma moeda
dançar nos nós dos dedos e então desaparecer, movendo o
metal com a mesma fluidez da água.

E quando ele coloca essas mãos no meu corpo... Eu


derreto como manteiga em uma torrada quente. Ele me faz
gozar de novo e de novo, às vezes cinco ou seis vezes antes
mesmo de começar a me foder.

É a única coisa que me mantém sã. Porque agora eu


mesma tenho que fazer todo o trabalho que chega na loja,
enquanto cuido do meu pai e fico de olho em Vic.

A escola recomeçou. Vic terminou seu curso de verão de


AP como prometido, e ele tem se esforçado para fazer seus
trabalhos escolares regulares. Ele trabalha três turnos por
semana na Stop n' Shop e me disse que economizou $ 600 para
a faculdade, mais $ 240 para a mesa de mixagem que tem
sonhado em comprar. Eu nem quero pensar que ele tem
andado com aquele idiota do Andrew, embora eu não tenha
perguntado a ele sobre isso, porque eu não quero ir com toda
a Gestapo32 contra ele.

Há uma semana, meu pai fez uma cirurgia para remover


o nódulo do pulmão. Agora ele está fazendo radioterapia três
vezes por semana, para ter certeza de que não há nada para
trás. Ele está em má forma – totalmente incapaz de subir e
descer as escadas sem mim. Ele não quer comer, mas eu faço
batidas para ele, e Patricia trouxe a sopa dela também.

Eu desabei completamente durante a cirurgia. Chorando


como um bebê, sozinha na sala de espera.

Então senti um braço cair sobre meus ombros.

Era Nero. Eu não disse a ele que estaria no hospital – ele


deve ter ouvido de Patricia. Ele ficou sentado comigo por horas,
apenas me segurando assim. O cheiro de sua pele era tão
quente e reconfortante. Eu deveria ter ficado com vergonha de
chorar na frente dele, mas não estava. Porque me lembrei
daquela noite na praia quando ele me contou sobre sua mãe,
e seu rosto também estava molhado.

Uma coisa é ser confortada por alguém que é legal com


todos. E é uma coisa totalmente diferente receber cuidados da
última pessoa no mundo que você esperaria ser carinhoso. Eu
sabia que isso era tão estranho para Nero quanto para mim.
Isso é o que fez com que significasse muito mais para mim.

32 Era a polícia secreta oficial da Alemanha Nazista.


Que ele estava fazendo algo tão fora do normal, apenas por
mim.

Quando trouxe meu pai de volta para casa, Nero está lá


novamente, para ajudá-lo a subir as escadas e colocá-lo em
sua cama. Ele não é apenas bom para mim, ele é bom para o
meu pai. Gentil com ele. Respeitoso. Lembrando-o de uma
época, alguns anos atrás, quando meu pai encontrou um para-
choque para um velho Corvette que Nero não conseguia em
nenhum outro lugar.

— Portanto, devo um favor a você, — diz Nero. — Porque


eu ainda tenho aquele Corvette. Devíamos dar uma volta nele,
quando você estiver se sentindo melhor.

Meu pai mal consegue falar. Ele aperta o braço de Nero,


antes de se deitar na cama, exausto.

Antes de Nero ir embora, ele me puxa de lado e diz: —


Liguei para o hospital. Eu disse a eles para enviarem as contas
para mim.

— Eu não quero que você faça isso! — Eu digo a ele. —


Em outra semana, terei o suficiente para cobrir sozinha.

Nero franze a testa. Seu rosto só fica mais bonito quando


ele está com raiva, mas também é assustador. Como um anjo
vingador.

— Sobre isso... — Ele diz. — Schultz tem me seguido por


toda parte, como a porra de chiclete nos meus sapatos.
— Eu sei, — eu digo. — Eu também o vi. Ele até me seguiu
até o hospital.

— Isso significa que ele nos viu juntos.

— Eu sei.

— Bastante.

— Eu sei.

Schultz não tem me enviado mensagens de texto. O que


provavelmente é um sinal sinistro. Eu sei que ele não desistiu
– ele espera que eu traia Nero e Levi também.

— No dia do trabalho, pensei que você deveria levá-lo a


algum lugar. Como diversão, — diz Nero. — Você ainda terá
sua parte.

— De jeito nenhum, — eu balanço minha cabeça. — Você


está apenas tentando me manter fora disso.

— Eu não estou! — Nero insiste. — Precisamos nos livrar


dele de alguma forma. Se ele vir tudo acontecer...

— Então nós o despistamos. Mas ainda estarei dirigindo.

Eu sou a piloto de fuga. Esse é o meu trabalho – e estou


fazendo isso. Estou recebendo o que Raymond Page deve ao
meu irmão. E algo mais também.

Não quero dizer isso, não para Nero. Mas quero provar a
ele que posso fazer parte de seu mundo. Não sou a boa menina
que eu era no colégio. Sou de Old Town até o âmago, assim
como ele.

— Tudo bem, — diz Nero, quando vê que não estou


recuando. — Isso significa que teremos que mudar o plano...

— Então mude, — eu digo.

Ele solta um estrondo de aborrecimento.

— Não é tão fácil!

— Você nunca faz nada da maneira mais fácil – por que


começar agora?

— DEUS! Você é tão teimosa. — Nero flexiona e aperta os


dedos, como se fosse gostar de me estrangular agora.

— Eu posso fazer isso, — digo a ele.

— Eu sei que você pode, — Nero suspira. — Não é com


isso que estou preocupado.

— O quê, então?

— Eu não quero que você se machuque!

Meu coração dá um salto dentro do meu peito. Não com


a ideia de lesão corporal grave – com a expressão no rosto de
Nero. Sua fúria incandescente com a ideia de que alguém
pudesse colocar a mão em mim.

— Olha, — ele diz, enfiando a mão no bolso e puxando a


faca. É aquela que ele mantém com ele o tempo todo, às vezes
fazendo truques com ela quando está perdido em pensamentos
ou entediado.

Ele tenta entregá-la para mim.

Eu balanço minha cabeça. — Eu não estou esfaqueando


ninguém.

— Você poderia, — diz ele, agarrando minha mão e


fechando meus dedos à força em torno do cabo. — Você nunca
sabe o que pode acontecer, Camille. Prometa que manterá isso
com você, aonde quer que você vá.

Hesito, então aceno lentamente.

— Tudo bem, — eu digo.

Eu não tenho que realmente usá-la. Basta carregá-la por


aí.

Nero me mostra como abrir a lâmina e fechá-la


novamente. Ele me mostra como segurá-la, como girar a faca
para cima ou alterar o aperto para um golpe para baixo.

Tento não me distrair com o cheiro de sua pele e seus


dedos quentes se fecham sobre os meus.

— Lembre-se de que não há luta justa, — ele me diz, seus


olhos cinzentos frios como aço. — Você sempre vai ser a
oponente menor. Você tem que aproveitar qualquer chance que
puder. Vá para os pontos vulneráveis – olhos, nariz, garganta,
virilha, joelho, peito do pé. Você tem que ser implacável e suja.
Ou você não tem esperança de vencer.
Eu engulo em seco.

— Não acho que isso seja necessário, — digo a ele.

— Por bem, espero que não. Ainda vamos praticar, — diz


ele.

Nero dobra a faca e enfia no meu bolso, sua mão


demorando contra minha coxa.

Impulsivamente, puxo-o para o meu quarto e fecho a


porta atrás de nós.

— Eu pensei que você tinha que ir cuidar do seu pai? —


Ele me provoca.

— Tenho mais cinco minutos.

Eu o empurro no meu colchão, desabotoando sua calça


jeans.

Seu pênis salta para fora, já duro. Eu nunca o vi em


qualquer outro estado – ele parece ficar excitado sempre que
estamos a um metro e meio um do outro.

Não tenho muito com que comparar, mas o pau de Nero


é lindo, assim como o resto dele: longo, grosso, com uma curva
para cima. Só um pouco mais escuro que o resto de sua pele.

E aqui está a parte que eu nunca admitiria: o gosto é


incrível.

Eu deslizo minha língua por todo o comprimento, da base


à ponta. Quando chego à cabeça, uma pequena gota do pré-
sêmen claro está esperando por mim. Fecho minha boca sobre
a cabeça de seu pênis, lambendo-o com a parte plana da minha
língua.

Ele tem gosto de sal e especiarias.

Nero geme e eu digo: — Shh! Meu pai vai te ouvir.

Eu tomo o máximo de seu pênis que pode caber em minha


boca. Minha boca está cheia de água com o gosto de sua pele,
o que faz seu pau deslizar facilmente para dentro e para fora.

Eu uso meus lábios e língua e ambas as mãos,


deslizando, apertando, lambendo e sugando tudo de uma vez.
Nero está girando os quadris, respirando profundamente e se
esforçando para não fazer mais nenhum som. Ele não pode
evitar, no entanto. Enquanto eu acelero meu ritmo, ele coloca
meu travesseiro sobre sua cabeça e geme, pressionando-o em
seu rosto com as duas mãos.

Eu amo poder fazer isso com ele. Nero é o homem mais


intimidante que conheço, mas por esses cinco minutos, ele
está à minha mercê. Eu posso arrancar aqueles gemidos dele
com minha língua, e posso fazê-lo explodir quando eu quiser.

Eu retiro apenas um pouco mais. Então vou trabalhar


nele, construindo o ritmo e a intensidade até saber que ele não
será mais capaz de se conter.

Com certeza, suas costas arqueiam e ele empurra com


força no fundo da minha garganta. Eu sinto seu pau se
contraindo, antes que ele solte um jorro de sêmen fervente no
fundo da minha garganta.

Ele soa como se estivesse sendo torturado. O travesseiro


não pode cobri-lo.

Eu não me importo – adoro fazê-lo gritar. Ele fez o mesmo


comigo várias vezes.

Eu mantenho meus lábios em volta de seu pau até ter


certeza de que ele terminou. Então eu o solto, limpando minha
boca com as costas da minha mão.

— Você vai me matar, — diz Nero, debaixo do travesseiro.

Eu rio, absurdamente satisfeita comigo mesma.

— Agora você pode ir, — digo a ele.

Ele joga o travesseiro de lado, seus olhos se estreitam


para mim.

— De jeito nenhum, — diz ele. — Não até que estejamos


quites.

Ele salta sobre mim, jogando-me no colchão e subindo em


cima.
22

Planejar um trabalho é como construir uma máquina de


Rube Goldberg. Uma em que você só tem uma chance única
de mover a bola do ponto A para o ponto B. Você configura
todas as polias e rampas, alavancas e rodas. E, finalmente,
quando você tiver certeza de que todas as partes da máquina
são perfeitas, até o menor ângulo, então você começa a jogar.
Se terminar, você sai com o dinheiro. Se não der certo, você e
todos os seus amigos vão passar o resto da vida na prisão.
Como o melhor cenário.

Nunca me concentrei realmente nas consequências


antes.

Ter Camille envolvida muda isso. Eu não posso


decepcioná-la. Eu simplesmente não posso. Ela não aceita
dinheiro de mim. Mas podemos roubá-lo, juntos.

Pedi à Mason para fabricar o equipamento de que


precisamos, usando a loja de seu tio. Jonesy está de volta aos
remédios – ou assim ele jura – e de volta à pesquisa do sistema
de alarme do Alliance Bank, em vez de pesquisar
obsessivamente as teorias da conspiração QAnon33 como tem
feito nos últimos quatro meses.

Eu sou o único a fazer o verdadeiro arrombamento do


cofre. Construí para mim mesmo um modelo em escala do
sistema de porta magnética e da grade elétrica, que venho
praticando com a venda para que possa fazê-lo apenas com o
toque. E estou decidindo exatamente onde Camille deve estar
na noite do roubo, para liderar nosso amigo Schultz em uma
alegre perseguição, sobrando tempo suficiente para que ela
possa pegar a todos nós depois.

A única coisa que não tenho são músculos. Dante ainda


não está interessado no trabalho, embora pelo menos ele não
tenha me delatado ao Papa sobre isso. Eu poderia conseguir
outra pessoa, mas não confio em ninguém fora do círculo
íntimo. E provavelmente não fará diferença no final. Se tudo
correr conforme o planejado, não haverá troca de balas, nem
de socos.

Se houver, terei que cuidar disso sozinho.

Portanto, há uma última coisa a esclarecer. Um pequeno


mistério que quero acabar de uma vez por todas.

Eu tenho que fazer uma viagem para fazer isso. Eu estava


planejando ir sozinho. No último minuto, pergunto ao meu
irmão mais novo se ele quer ir junto.

33Teoria da conspiração de extrema direita detalhando um suposto plano secreto por um suposto
”estado profundo” contra o ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trumpo e seus apoiadores.
Sebastian sempre esteve na periferia dos negócios da
família. Ele deixou claro que não tinha interesse em
administrar mesas de pôquer ou sacudir desenvolvedores em
troca de dinheiro. Ele queria uma vida normal – educação
universitária, atletismo universitário, talvez até uma carreira
profissional.

Em seguida, ele passou de estrela do basquete a mal


andando em uma noite.

Ele não guarda rancor de Callum ou Aida – a rixa entre


nossas famílias é água sob a ponte. Mas isso o mudou. Ele
passou de gentil e sonhador a silencioso e imprevisível.

Ele ainda está frequentando as aulas na universidade –


na verdade, ele as frequentou durante todo o verão, ficando no
campus em vez de voltar para casa por alguns meses, como
costumava fazer. Ele quase nunca volta para casa no fim de
semana, também. Quando o faz, parece de ressaca.

Eu sei o que é ter uma noite mudando sua vida. Ter um


demônio rastejando para dentro de você e fixando residência.

Ligo para Seb e pergunto se ele quer ir comigo para


Braidwood.

Há um longo silêncio do outro lado da linha, então Seb


diz, — Sim. Por que não.

Eu pego o Escalade de Dante para que Seb tenha mais


espaço para esticar as pernas. Ele é o menino mais novo da
família, mas o idiota esguio tem cerca de 1,90 m, mais alto
ainda do que Dante. E, na verdade, ele não está tão magro
como costumava ser.

— Você anda malhando? — Pergunto-lhe.

— Sim. — Ele concorda. — Estava fazendo fisioterapia no


joelho. Então achei melhor acompanhar isso. Como não estou
mais no time, tenho tempo disponível.

Ele olha pela janela, sem sorrir. Seu rosto de menino está
crescendo, sua mandíbula se alargando. Ele costumava ter
feições suaves e cabelos longos e ondulados, quase tão
cacheados quanto os de Aida. Agora seu rosto parece mais
nítido, com uma sombra escura ao longo de sua mandíbula.

— Você não tem vindo muito para casa, — eu digo. —


Você está saindo com alguém?

Seb balança a cabeça.

— Não preciso te fazer essa pergunta, — ele diz.

— Na verdade, — eu digo, — eu estou.

— Não brinca? — Seb olha para mim, um pouco do velho


sorriso em seu rosto. — O quê, você conheceu Taylor Swift?

— Não, — eu sorrio. — Você conhece Camille Rivera?

Seb balança a cabeça.

— O pai dela é dono daquela oficina na Wells.


— Oh... — o reconhecimento surge em seu rosto. — Você
quer dizer a Grease...

— Não a chame assim! — Eu estalo.

— Desculpa! — Seb levanta as mãos. — É assim que


alguns alunos a chamavam. Sempre achei ela legal. Meio
durona.

— Ela é, — eu digo.

Meu coração está acelerado e estou segurando o volante


com muita força. Eu sei que Seb não quis dizer nada com isso
– ele não tem um pingo de maldade em seu corpo. Ou pelo
menos, ele nunca teve antes. Mas a ideia de alguém falando
merda sobre Camille me faz querer rastrear cada pessoa com
quem fomos para a escola e torcer a porra de seus pescoços.

— Isto é sério? — Seb pergunta.

Eu quero dizer sim. Mas não tenho certeza se posso


responder por Camille.

— Para mim é, — digo a ele.

Sebastian balança a cabeça lentamente. — Estou feliz por


você, cara, — ele diz.

— Ela está me ajudando com um trabalho no banco em


uma semana.

— Oh sim? Que banco?

— Alliance.
Sebastian solta uma risada baixa. — Você não está
brincando, não é? O Papa sabe?

— Não, então fique calado. Dante sabe, mas ele não está
vindo.

— Você quer outra mão? — Seb pergunta.

Eu olho para ele com surpresa.

— Está falando sério?

Seb encolhe os ombros. — Por que não?

— Você sabe... Eu só pensei que você queria uma vida


normal.

Sebastian franze a testa. — Sim, bem, isso era uma


fantasia, obviamente. Eu não sou Michael Jordan. Foi estúpido
pensar isso.

— Seb, você era realmente bom. Com um pouco mais de


terapia...

— FODA-SE a terapia! — Ele estala. — Isso não resolve.


Antes do acidente, eu jogava nove horas por dia, treinando
constantemente. Eu tinha que melhorar a cada jogo, sempre
forçando. Agora mal consigo voltar para onde costumava estar.
E todos os caras com quem eu estava jogando tiveram meses
para seguir em frente. Eles passaram por mim. Acabou.

Nunca o ouvi admitir isso antes. Todos nós pensamos que


ele continuaria tentando, pelo menos até a formatura.
Antes, eu não saberia o que dizer a ele.

Mas se há uma coisa que aprendi com meu tempo com


Camille, é que você não pode dizer nada para consertar uma
situação como essa. E você não precisa tentar. Você apenas
tem que estar presente para a outra pessoa.

Então eu digo: — Sinto muito, Seb. É uma situação de


merda, e você não merecia que isso acontecesse com você.

Seb fica quieto por um minuto. Então ele diz: — Obrigado,


irmão.

— Se você quiser fazer esse trabalho comigo... Eu ficaria


feliz em ter você.

— Sim?

— Definitivamente, — eu digo.

Mas, primeiro, nossa pequena visita de fim de noite...

Paramos em Braidwood por volta das dez da noite. É uma


pequena cidade, talvez seis mil pessoas. A maioria deles
trabalha na usina nuclear. O mesmo acontece com o homem
que viemos ver. Eric Edwards é um segurança, que evita atos
de espionagem industrial pela soma de US $ 12 a hora.

É um passo atrás dos dias em que ele patrulhava as ruas


da cidade para o DP34 de Chicago. Ele foi dispensado sem
previdência depois que quebrou o braço de um garoto durante

34 Departamento de Polícia.
uma prisão por roubo. Acontece que aquele garoto era o filho
de quatorze anos do comissário dos bombeiros, então aquele
pequeno ato de agressão não foi varrido para debaixo do tapete
como as vinte e duas reclamações que Edwards recebeu antes.

Mas não estou aqui por causa de criança alguma.

Estou aqui porque Edwards foi um dos dois policiais que


encontraram Matthew Schultz fora do Rosenblum Park em 18
de abril de 2005.

Agora ele mora em uma casinha minúscula nos arredores


da cidade, entre o Dollar General e o Hicks Gas and Propane.

Já vi fotos de seus dias de policial, quando ele tinha um


bigode grosso e preto e um físico relativamente esguio. Eu mal
reconheço o gordo fodido sentado em sua fogueira, vestindo
uma calça de pijama listrada e uma camiseta Ghostbusters
que nem chega perto de cobrir sua barriga peluda. Ele está
assando uma salsicha no palito, a primeira de muitas se a
quantidade de pães que ele colocou no prato é uma indicação.

Ele olha para cima quando nosso carro entra na sua


garagem. Ele não se move da cadeira de jardim surrada que
mal parece capaz de suportar seu tamanho.

Seb e eu saímos do carro. Nós o abordamos por dois


lados, como papai sempre nos ensinou. Flanqueando como
lobos.

— O que vocês querem? — Edwards exige, olhando para


nós.
— Só um momento do seu tempo, — eu digo baixinho. —
Eu tenho três perguntas para você. Se você responder
honestamente, podemos seguir nosso caminho.

Os olhinhos de porco de Edwards estreitam ainda mais


enquanto ele olha entre mim e Seb.

— Quem são vocês? — Ele diz. — Vocês trabalham para


Flores?

Eu não sei quem é Flores, e não me importo.

— Não é assim que o jogo funciona, — eu o lembro. — Eu


faço as perguntas. Você responde.

— Eu não tenho que jogar a porra do seu jogo, garoto,

Edwards aponta para sua velha pistola de serviço,


pendurada no braço da cadeira no coldre. Eu levanto uma
sobrancelha, fingindo estar impressionado.

— Você vê isso Seb? Ele tem uma arma.

Sebastian e eu travamos os olhos. Então, no mesmo


instante, Seb usa sua perna boa para chutar os suportes
tensos da cadeira de gramado, enquanto eu arranco a arma e
o coldre fora do alcance de Edwards.

A cadeira desaba sob ele e ele cai para trás. Ele agita o
braço, tentando agarrar a arma. Eu coloco minha bota em sua
mão, prendendo-a no lugar.
Sebastian faz o mesmo com o outro braço de Edwards.
Agora ele está deitado na grama, olhando para nós, uivando de
fúria.

— Quieto, — eu estalo, — ou eu enfio uma dessas meias


imundas na sua boca.

Edwards está usando um par de meias de lã rançosa sob


as sandálias. Ele imediatamente se acalma, sabendo melhor
do que eu o quão nojento isso seria.

— O que vocês querem? — Edwards rosna.

— Eu te disse, — eu digo. — Três perguntas. Primeiro,


quem atirou em Matthew Schultz?

— Como diabos eu vou saber? — Edwards diz.

— Resposta errada. — Eu aceno para Sebastian. Ele


coloca o outro sapato na garganta de Edwards e começa a
pressionar para baixo.

Edwards engasga e gorgoleja, seu rosto ficando vermelho


congestionado. Seb relaxa um pouco e Edwards chora: — Não
sei! Ninguém sabe!

Seb começa a empurrar para baixo em sua garganta


novamente e Edwards cuspiu algo que eu não consigo
distinguir.

— Calma, — eu digo para Seb. Em seguida, para


Edwards: — Última chance. O que você estava dizendo?
Edwards engasga e sufoca, dando-lhe uma tosse com
catarro.

— Ele tinha muitos inimigos, — diz ele.

— Quem?

— Todo mundo. As pessoas diziam que ele estava


trabalhando com a corregedoria, entregando outros policiais.

— Então, quem o queria morto?

— Eu não sei! — Edwards uiva. Seb levanta o pé


novamente e Edwards chora: — Tudo que sei é que deveríamos
estar no parque naquela noite. Para atender a chamada.

— Que chamada?

— Sobre o tiroteio. Só não sabia que seria um tiroteio até


chegarmos lá.

— Quem disse para vocês estarem lá?

Edwards se contorce, tentando arrancar seus pulsos de


debaixo de nossos pés. Ele fecha a boca e balança a cabeça de
um lado para o outro, como uma criança tentando recusar
comida.

— Quem? — Exijo, pressionando seu pulso até que ouço


os tendões estourarem.

— Owww! — Edwards uiva. Então quando Seb começa a


pressionar seu pescoço pela última vez, ele engasga, — Brodie!
Foi Brodie!
Eu aceno para Seb para deixá-lo em paz.

Em seguida, tiro o peso do braço de Edwards para que ele


possa se sentar e esfregar os pulsos com uma expressão
amuada.

— Brodie disse para você estar lá naquela noite? — Eu


digo.

— Sim.

— Você conseguiu a filmagem de segurança que mostrava


o tiroteio?

— Sim. Mas nunca assisti. Eu dei para meu parceiro.


Coop deveria registrá-la. Em vez disso, ele desapareceu.

— Conveniente, — eu digo.

— Com o que você se importa? — Edwards murmura,


olhando para Seb e eu. — Vocês não são policiais. Quem
diabos são vocês, afinal?

— Eu sou o cara que não vai te matar esta noite, — digo


a ele. — De nada.

Chutando sua arma mais longe do alcance, eu aceno para


Seb e voltamos para o SUV.

Enquanto entramos, Seb diz: — Você sabia de quem ele


estava falando? Esse cara, Brodie?

— Sim, — eu aceno. — Eu sei quem é.


Eu vi uma foto dele pregando uma medalha em Logan
Schultz.
23

Estou roubando um banco hoje.

Parece completamente irreal. De pé na minha cozinha


minúscula e suja, tudo parece tão prosaico e familiar que não
consigo me imaginar fazendo nada além das atividades
normais de cozinhar, limpar ou trabalhar na oficina.

Ainda hoje, eu mudo de (principalmente) cidadã


cumpridora da lei para completa criminosa.

Nero e eu temos nosso plano em prática. Eu sei o que


devo fazer.

No entanto, não posso deixar de me concentrar nas mil


maneiras pelas quais tudo pode dar errado. Se eu esquecer
uma única parte disso. Se eu cometer apenas um erro...

Não. Isso não pode acontecer.

Tento imaginar meu pai, a primeira vez que ele me


mostrou como desmontar um motor e montá-lo novamente.

Essas são máquinas complicadas. Você mesma tem que


ser como uma máquina. Não há espaço para erros.
O plano é um grande motor. Tenho que ser metódica e
precisa como nunca antes.

Estou dolorosamente tensa durante a primeira parte do


dia. Lembro a Vic que ele tem um turno na Stop n' Shop depois
da escola. Certifico-me de que ele se lembra de pegar sua
lancheira da geladeira. Trago o café da manhã para meu pai
na cama. Troco um par de pastilhas de freio na loja. Então eu
faço o almoço para meu pai. Desta vez, ele pode vir sentar-se
à mesa para comer comigo.

— Você está bem, mija? — Ele diz. — Você está pálida.


Você está ficando doente?

— Claro que não, — eu digo. — Você sabe que eu nunca


fico doente.

— Sim, você fica, — diz ele, sorrindo tristemente. — Você


apenas nunca reclama sobre isso.

— Tenho que sair hoje à noite, pai, — digo a ele. — Vic


está no trabalho – você ficará bem aqui sozinho?

— Com certeza, — ele diz. — Você não tem que cuidar de


mim, querida. Estou cada vez melhor. Eu estarei de volta lá
embaixo trabalhando em breve.

Visto que ele mal consegue mancar pelo apartamento,


duvido muito. Mas estou feliz que ele esteja otimista.

— Me ligue se precisar de alguma coisa, — digo a ele.


— Eu vou ficar bem. Vou assistir Once Upon A Time In
Hollywood hoje à noite – vai passar no Showtime. Esse é um
filme com carros lindos. Tarantino adora um carro clássico. Eu
li que ele usou dois mil deles, apenas para preencher as ruas
ao fundo. Você se lembra do que Brad Pitt dirige naquele filme?

— Não sei. — Meu pai, Vic e eu fomos ver o filme no


cinema. Ficamos hipnotizados o tempo todo. Não apenas pelos
carros – pela forma como ele nos sugou para 1969, como se
estivéssemos vivendo cada minuto dele. — Oh espere! — Eu
digo. — Era um Cadillac?

— É isso aí! — Papai diz, sorrindo. — Um DeVille de 1966.


O mesmo carro que Tarantino usou em Reservoir Dogs.

— Como você sabe disso?

— Eu leio Entertainment Weekly enquanto estou


esperando na fila do supermercado. Agora não, obviamente.
Mas quando eu comprava mantimentos.

— Bem, é melhor você voltar logo, pai. Porque eu sempre


me esqueço do leite, e quando digo ao Vic para trazer um pouco
para casa, ele pega aquela coisa rosa horrível. Coloca no cereal
dele e tudo. É nojento.

— Seu irmão está profundamente perturbado, — papai


concorda, balançando a cabeça sombriamente.

Fico muito feliz em vê-lo brincando de novo. Eu me estico


sobre a mesa para abraçá-lo, ignorando o fato de que estou
coberta de graxa e ele ainda está frágil sob seu roupão.
— Boa sorte no seu encontro hoje à noite, — papai diz,
piscando para mim.

Eu coro. — Não é um encontro.

— Claro, claro, — ele diz. — Estou feliz em ver você


saindo. Você merece, Camille.

— Obrigada, pai.

É estúpido, mas meu pai me desejando sorte na verdade


me acalma um pouco. Eu volto para a loja para terminar o meu
trabalho do dia, então tomo banho e troco de roupa.

Só então estou pronta para ligar para Schultz.

O telefone toca várias vezes. Eu me movo inquieta,


preocupada que ele não vá atender. Ele provavelmente está
chateado comigo por ignorar todas as suas ligações e
mensagens de texto recentemente.

Finalmente, ouço sua voz arrastada dizendo: — É melhor


que seja bom.

— É, — digo a ele. — Eu descobri onde Levi fabrica seu


produto.

— Você tem certeza? — Schultz diz, incapaz de esconder


a ansiedade em sua voz.

— Com certeza.

— Você está na loja? Estou indo buscá-la.


— Sim, — eu digo. — Te vejo em um minuto.

Quarenta minutos depois, estou na delegacia, tendo sido


trazida pela porta dos fundos por Schultz.

Tirei a camisa, para que uma policial possa prender um


microfone entre meus seios.

— Você não tem uma maneira melhor de fazer isso? — Eu


pergunto a Schultz.

— Esta é a melhor maneira, — ele me diz. — Essa coisa é


um quarto do tamanho que costumava ser. Você tem um
transmissor, microfone e bateria e tudo é pouco maior do que
um isqueiro.

— Eu só... Eu sinto que alguém vai ver.

— Não, — Schultz diz, deixando seus olhos vagarem pelos


meus seios. — Você tem uma... fenda muito grande para
escondê-lo.

Vejo a policial estreitar os olhos, lançando um olhar feio


para Schultz, mas ele nem percebe.

— Então, como vou saber quando todos vocês vão


invadir? — Eu pergunto a Schultz.
— Não podemos simplesmente arrombar a porta sem
motivo. Você tem que fazer Levi te levar para o laboratório.
Então você tem que fazer com que ele se incrimine, na fita.

— E se ele não quiser?

Schultz sorri friamente. — Então você está por conta


própria.

Desgraçado.

— Está tudo pronto, — a policial diz.

Eu puxo minha camiseta de volta sobre a minha cabeça,


virando e me curvando um pouco para ter certeza de que o
microfone permanece colocado.

— Como se sente? — Ela me pergunta.

— Esquisita.

— Você vai se acostumar com isso, — Schultz me garante.

Vejo uma dúzia de outros policiais vestindo coletes à


prova de balas e equipamentos táticos. Eles estão planejando
fazer um ataque ao laboratório de Levi.

Mas só se eu puder criar uma causa provável para eles


entrarem. Se eu estragar tudo, Schultz disse que eu vou estar
abandonada. Sozinha no porão de Levi.

E essa não é a pior parte – a pior parte seria Nero e


Sebastian, presos no banco sem um piloto de fuga.
Isso não pode acontecer. Eu não posso decepcioná-los.

Quando estou saindo da sala, Schultz agarra meu braço,


me puxando de volta para dentro. Somos apenas eu e ele – os
outros policiais estão se preparando.

— Onde está seu namorado esta noite? — Ele me


pergunta.

— Ele está fora da cidade, — eu digo, suavemente.

— Ele sabe que você está delatando Levi Cargill esta


noite?

— Ele não dá a mínima para Levi, — eu digo.

Schultz está com os dedos em volta do meu pulso, me


segurando perto para que eu não possa dar um passo para
trás. Ele finalmente está vestindo seu uniforme novamente,
como na primeira noite em que o conheci. O azul marinho
profundo o faz parecer severo e formal. Mas seus olhos estão
brilhando mais do que nunca sob a aba do boné.

— Eu vi vocês dois juntos, — ele sibila. — Eu te segui até


os penhascos. Vi você no banco de trás do carro dele...

Minha pele se arrepia, sabendo de que noite ele está


falando. Nero me fodeu no banco de trás do Mustang até as
janelas começarem a soltar vapor e nós dois ficarmos
encharcados de suor.

Schultz estava nos observando o tempo todo?


Aquele maldito idiota.

— Esse é um uso interessante do tempo da polícia, —


murmuro.

— Eu não estava de serviço naquela noite, — diz Schultz.

Tento puxar meu pulso para fora de seu aperto, mas ele
segura com força, não me deixando mover um centímetro.

— Achei que você fosse mais inteligente do que isso, —


diz Schultz. — Uma garota como você... com um corpo assim...
você poderia ter escolhido uma classe de homem melhor. Você
ainda pode.

— Você está falando sobre você? — Pergunto-lhe.

— Por que não?

Eu olho para o rosto dele, furiosa e desdenhosa.

— Porque diga o que quiser sobre Nero... ele nunca me


forçou a fazer uma maldita coisa que eu não queria fazer.

Eu torço meu pulso, arrancando-o do aperto de Schultz.

— Para um cara mau, ele é um cara muito bom, — digo a


ele.

Em seguida, empurro Schultz, deixando-o sozinho na


sala de interrogatório.

São quase dez horas. Tenho que ir ao laboratório.


Estou parada na entrada da 379 Mohawk Street. Nero e
eu encontramos este lugar por meio dos registros de
propriedade de Evan Cargill.

Depois que Ali deixou escapar seu pequeno comentário


sobre Levi e seu irmão, Nero e eu somamos dois mais dois. Levi
vende drogas em sua casa na Avenida Hudson. Mas ele as
fabrica no porão do irmão.

Enquanto Evan esbanja sua herança em Ibiza, Levi usa


sua casa. Agora que o irmão mais velho está voltando para
casa, Levi está puto porque precisa encontrar um novo local
para seu laboratório.

Nero e eu confirmamos tudo isso fazendo uma pequena


espionagem por conta própria. Seguindo o exemplo de Schultz,
rastreamos Levi até a casa em Mohawk Street, que ele
aparentemente visita todas as quintas-feiras à noite para pegar
o produto da semana. Ou eu deveria dizer, seu fiel guarda-
costas Sione pega, enquanto Levi se certifica de que ele nunca
carregue um único comprimido consigo.

Mas ele vem para a casa. E é aí que eu vou encontrá-lo.


Se eu tiver alguma esperança de Schultz se livrar do meu
indesejado “chefe” de uma vez por todas.

Bato na porta, saltando nervosamente na ponta dos pés


enquanto espero alguém responder. Posso sentir o microfone
entre meus seios. Estou suando um pouco e temo que a fita
possa se soltar. Tento ficar parada, para não a empurrar mais
do que o necessário.

Por fim, a porta se abre. Eu tenho que olhar para cima


para encontrar o olhar severo e sério de Sione.

— Eu preciso ver Levi, — digo a ele.

Ele me encara, como se estivesse pensando em bater a


porta na minha cara. Em seguida, ele abre apenas o suficiente
para eu passar.

— Que porra você está fazendo aqui? — Levi exige, assim


que eu entro. Ele está lá com Pauly, Sione e um cara que eu
não conheço. Todos os quatro parecem tensos e irritados.
Ninguém está fumando maconha aqui – a casa da Hudson
Street pode ser para festas, mas Mohawk é só negócios.

— Quem diabos te contou sobre este lugar? — Levi grita.

— Nero me enviou, — eu digo, rapidamente.

— O quê? — Levi diz, estreitando os olhos.

— Ele quer fazer negócio com você.

— Que tipo de negócio?

— Ele quer produto. Muito.

Levi lança um olhar rápido para Sione. Acho que vejo seus
ombros enormes se erguendo e abaixando em um encolher de
ombros quase imperceptível.
— Por que ele mandou você? — Levi diz.

— Eu sou namorada dele.

— A namorada dele? — Levi grita.

Pauly murmura algo para Levi, talvez confirmando o que


eu disse. O rosto de Levi muda em um instante, tornando-se
muito mais respeitoso.

— Eu não sabia disso, — diz ele.

— Ele quer que eu verifique o laboratório. Se ele gostar do


que eu disser, sua família fará um pedido.

— Isto não é o McDonald's, — diz Levi, franzindo a testa.


— Não costumo fabricar para mais ninguém.

— Tudo bem, — eu digo, friamente. — Vou contar aos


Gallos o que você disse.

— Tipo... todos eles? — Levi diz, olhando nervosamente


de mim para seus homens.

— Sim, todos eles, — eu digo. — Enzo tem deixado você


dirigir sua pequena operação na vizinhança dele. Eu acho que
você gostaria de manter uma relação amigável com os Gallos.
Mas não me deixe dizer como administrar o seu negócio.

Levi lambe os lábios, irritado, mas não ousado o


suficiente para falar sobre os Gallos.

— Tudo bem, — diz ele, breve. — Vamos descer.


Já disse a Schultz que usaria os Gallos como desculpa.
Ainda assim, espero que ele não tenha nenhuma ideia
brilhante sobre o uso dessa parte da fita como prova.

Eu sigo Levi descendo as escadas de madeira que rangem


até o porão.

Está cerca de vinte graus mais quente aqui. Eu já estava


corada e superaquecida pelo estresse de mentir para um bando
de traficantes de drogas tensos. Agora minha pele começa a
suar mais do que nunca. Limpo minha testa com as costas da
mão, sem querer que Levi percebesse.

— Você não tem ar-condicionado? — Eu pergunto.

Levi encolhe os ombros. — É quente na cozinha, — diz


ele.

O porão é grande, mas tem teto baixo. Apenas pequenas


janelas colocadas no alto das paredes conduzem ao exterior. O
espaço está totalmente inacabado – piso de concreto à vista e
vigas expostas. Ainda assim, realmente existe uma espécie de
“cozinha” industrial, com cubas, uma destilaria e uma janela
que abre para o quintal.

Os três “cozinheiros” vestem cuecas samba-canção,


aventais de couro, luvas resistentes e botas de chuva. Eles
estão todos usando máscaras. O suor escorre por sua pele
exposta.
Não tenho ideia do que estão fazendo. Posso ver vários
estágios do processo de fabricação de drogas, mas não sei o
que isso significa.

— Então, onde você consegue seus ingredientes? — Eu


pergunto a Levi.

— Os ingredientes precursores vêm da China, — diz ele.


— Você começa com safrol. Então você faz cloridrato de
metilamina a partir de formaldeído e cloreto de amônio.

Eu aceno minha cabeça como se eu soubesse o que isso


significa. Vic entenderia. Esperançosamente Schultz também,
do outro lado da linha.

Levi continua sua explicação, apontando os vários


estágios da fabricação de drogas. Continuo acenando com a
cabeça e instigando-o, esperando que isso seja “evidência
incriminadora” suficiente para Schultz derrubar a porta. Na
verdade, espero ouvir os policiais invadindo a qualquer
segundo.

Dou uma olhada rápida no meu relógio. São vinte para as


onze. Não preciso apenas trazer Schultz para cá, eu mesma
também preciso sair. Devo pegar Nero e os outros às 11h05
precisamente.

— Então você cristaliza o óleo MDMA combinando-o com


ácido clorídrico e álcool isopropílico, — finaliza Levi.

— Parece muito trabalho, — eu digo, fracamente.


— Sim, é uma tonelada de trabalho, — Levi diz. — E não
toque em nada porque há merda de mercúrio em todos os
lugares.

Ótimo. Provavelmente estou tirando uma semana da


minha vida a cada minuto que passo aqui.

— Satisfeita? — Levi zomba. — Vai me dar um bom


relatório para Nero?

— Sim, — eu digo. — Tudo parece... ótimo.

— Que porra é essa? — Pauly diz, apontando para minha


barriga.

Em câmera lenta, eu olho para baixo. Sem que eu


percebesse, a fita adesiva escorregou da minha pele
encharcada de suor e o microfone caiu da minha camisa. Agora
está pendurado na minha virilha, pendurado na ponta do fio.

Mais rápido do que eu posso piscar, Levi puxa uma faca


e corta a frente da minha camisa. Ele a rasga, revelando a fita
solta, o microfone e a bateria. Ele o arranca de mim, jogando-
o no chão e pisando nele até que fique uma bagunça de plástico
quebrado.

— Você é uma maldita informante, — ele diz, os olhos


azuis brilhando com fúria.

— Sim, e os policiais estarão aqui a qualquer segundo,


então nem pense em usar isso, — eu digo, olhando para o
canivete em sua mão.
Para meu choque e desânimo, Levi apenas ri.

— Acho que não, — ele cospe. — Eu tenho um bloqueador


de sinal em cada canto desta casa. Os policiais não ouviram
nada dessa gravação. O que significa que ninguém está vindo
para salvá-la.

Ele balança a cabeça para Sione.

— Livre-se dela, — ele diz.

Sione me segura pelo braço e começa a me arrastar


escada acima.

— Não! — Eu grito. — Você não quer fazer isso!

— Eu absolutamente quero, — Levi diz,


descuidadamente.

Sione está me arrastando como se eu fosse uma boneca


de pano. Não é preciso nenhum esforço para ele me puxar de
volta para o andar principal e para a cozinha verdadeira.

Eu luto e me debato com todas as minhas forças. Eu


poderia muito bem estar socando uma parede. Ele não parece
sentir nada disso.

— Não! — Eu imploro a ele. — Se você me matar, Nero


vai...

— Não trabalho para Nero, — resmunga Sione. — Eu


trabalho para Levi.
Com isso, ele fecha suas mãos enormes em volta da
minha garganta e começa a apertar.

Nos dois segundos de fluxo sanguíneo que me restam,


fecho os olhos e tento imaginar o que Nero faria nesta situação.

Eu lembro o que ele me disse:

Você sempre será o oponente menor. Portanto, nem tente


jogar limpo. Acerte-os nos pontos vulneráveis: olhos, nariz,
garganta, rótulas, virilha, pés.

Com toda a minha força restante, eu piso com força no


peito do pé de Sione. Então eu o chuto novamente, bem na
rótula. Sua perna parecida com um tronco se curva sob ele e
suas mãos se soltam um pouco em volta da minha garganta.
É quando eu o chuto o mais forte que posso nas bolas.

Ele me solta por um instante, dobrando-se. Pego a faca


que Nero me deu do bolso e a abro exatamente como ele me
mostrou. Então eu golpeio o ombro de Sione.

Eu poderia ter tentado esfaqueá-lo no pescoço. Mas


mesmo em meu desespero, não quero matá-lo.

Isso acabou sendo um grande erro.

Quando me viro para fugir, Sione agarra meu tornozelo,


puxando minhas pernas para fora de mim. Eu caio de barriga
para baixo, tirando o ar dos meus pulmões. Meu queixo bate
no linóleo, batendo meus dentes juntos e mordendo minha
língua com força suficiente para encher minha boca de sangue.
Sione está me arrastando de volta para ele, seus olhos
cheios de raiva e assassinos. Eu viro e o chuto para cima, mas
é inútil. Ele é muito forte.

Ele me agarra pelos restos esfarrapados da minha camisa


e me puxa em direção a ele, batendo um punho enorme no meu
rosto.

Descontroladamente, pego a única coisa à mão – uma


frigideira de ferro fundido no fogão. A panela se conecta com a
lateral de sua cabeça um milissegundo antes de seu punho
ceder em meu rosto. O golpe o sacode, e seu punho esbarra na
minha testa, ainda me atingindo com força suficiente para
encher minha visão de estrelas.

Mesmo assim, consigo agarrar o cabo da faca e arrancá-


la de seu ombro.

Nós dois cambaleamos para trás, em direções opostas. Eu


tenho a faca e ele tem cerca de setenta quilos a mais que eu.
Nós circulamos um ao outro, Sione parecendo atordoado, mas
mortal.

Enquanto isso, ouço alguém subindo os degraus.

Levi grita: — O que diabos está acontecendo aí? Não me


diga que você precisa de ajuda com um pouco...

Naquele momento, a porta da frente explode para dentro


com a força de um aríete da polícia. Alguém joga uma lata de
metal dentro da casa, e ela rola no corredor entre a cozinha e
a sala de estar.
Sione a encara, seu cérebro não totalmente de volta à
velocidade normal.

Eu corro em direção à porta dos fundos. Eu a abro assim


que a lata explode. A luz e o ruído são ofuscantes.

A força me joga escada abaixo na grama. Mesmo que eu


tenha captado apenas uma parte, estou rastejando cega, meus
ouvidos zumbindo. Eu sei que não tenho um segundo a perder.
Eu corro para a cerca de trás, apenas sendo capaz de ver um
contorno borrado de para onde estou indo. Eu salto sobre ela,
esfolando os dois braços, mas caindo em segurança do outro
lado.

Estou inundada de adrenalina, meu corpo me dizendo


para correr, correr, e correr da casa de Levi o mais rápido que
puder.

Em vez disso, rastejo como um soldado pelo quintal de


seu vizinho, circulando de volta.

Posso ver os policiais invadindo a casa de Levi, gritando


para todos lá dentro: — PARA O CHÃO! PARA O CHÃO!

Parece que passou tempo suficiente para que Schultz se


preocupasse. Ou ele conseguiu pegar algumas das gravações.

Eu realmente não dou a mínima mais. Schultz está


ocupado, então fiz meu trabalho. Ou pelo menos, a maior
parte. Há mais uma coisa que eu preciso...
Minha visão está começando a voltar, embora tudo ainda
pareça abafado, com um constante gemido alto por cima.

Estou me esgueirando para a parte de trás dos carros da


polícia, para a van na beira da rua isolada.

Respirando fundo e ficando abaixada, corro do quintal do


vizinho até a porta do motorista. Está destrancada. Não há
chave na ignição, mas isso não é um problema. Usando a faca
de Nero, giro os parafusos na coluna de direção e, em seguida,
tiro o isolamento da bateria e dos cabos de ignição. Torcendo-
os juntos, o painel se ilumina. Dou uma olhada rápida pelo
para-brisa dianteiro, para me certificar de que não atraiu
nenhuma atenção. Os policiais estão todos voltados para a
outra direção, focados na casa.

Eu pego o fio de partida e o acendo contra os outros dois.

O motor ganha vida.

Bingo, porra.

Resistindo ao impulso de queimar borracha, me afasto


silenciosamente do meio-fio e saio dirigindo sem que ninguém
perceba.
24

Eu particularmente não gosto de mandar Camille de volta


para a casa de Levi. Especialmente com apenas aquele idiota
do Schultz para protegê-la. Mas confio em Camille para cuidar
de si mesma. E Schultz para cuidar de seus próprios
interesses, mantendo sua informante viva.

Ainda assim, estou mais distraído do que nunca, indo


para este trabalho.

E isso não é bom.

Porque essa merda é complicada. Na verdade, eu quase


diria que estou nervoso. Se eu estivesse disposto a admitir
sentir uma emoção dessas.

Vamos apenas chamar de... tensão. Uma tensão que


passa pelo meu couro cabeludo e desce pela espinha.

Eu olho para o meu relógio: 10:02. Camille deveria estar


entrando na casa de Levi agora.

Porra, porra, porra, me arrependo de como planejamos


isso. Parecia a única maneira de garantir que Schultz estava
ocupado. Mas agora parece loucura fazer dois trabalhos em
uma noite...

Devíamos ter ficado juntos.

Se todos nós sairmos dessa com vida, não vou deixar


Camille fora da minha vista. Ela pode ficar em segurança ao
meu lado.

— Você está bem? — Seb diz para mim.

— Claro, — eu respondo.

Eu sacudo meu cabelo dos meus olhos, determinado a me


concentrar.

Sebastian, Mason e Jonesy estão se preparando. Estamos


na casa de Jonesy porque estamos usando a van dele. Ele tem
uma bela van branca de eletricista sem janelas, do tempo que
trabalhava para a Brickhouse Security. Isso foi há quatro anos,
mas Jonesy não se esqueceu de como abrir caminho em quase
todos os painéis elétricos, incluindo o que alimenta o Alliance
Bank.

Eu amo Jonesy, mas ele é inquieto pra caralho. Quando


está em uma fase maníaca, ele fica acordado a noite toda
hackeando sites do governo, tentando provar suas teorias de
conspiração. Quando está em um estado depressivo, ele se
esconde no porão e não deixa ninguém entrar, a menos que
tragam pizza e uma caixa de cerveja e concordem em não
discutir nada além de Halo.
Você tem que pegá-lo bem no meio desses dois estados,
quando ele pode realmente ser produtivo.

Hoje ele parece de bom humor. Ele está de banho tomado


(sempre um bom sinal), e ele tem um novo par de óculos que o
faz parecer um pouco com John Lennon durante sua fase de
Jesus barbudo.

Jonesy nos leva até a 600 North LaSalle, onde usamos


um cartão-chave roubado para entrar no estacionamento
subterrâneo.

Este é um prédio de uso misto, com um conjunto de


escritórios de advocacia e empresas de capital privado usando
o espaço de escritório. Não é o ponto de acesso perfeito, porque
os advogados e analistas financeiros gostam de trabalhar tarde
da noite, mas tem uma característica muito especial – um pátio
com jardim que se estende até 3,6 metros do banco Alliance.

Saímos da van, pegando uma escada e algumas latas de


tinta na parte de trás.

— Avise-me se tiver algum problema, — digo a Jonesy,


batendo no fone de ouvido aninhado em meu ouvido direito.

Ele concorda. — Não corte o vidro até que eu dê


permissão para você.

Jonesy vai embora, em direção à rede elétrica que


alimenta o prédio do Alliance. Fica a cerca de doze minutos de
distância e ele tem que ficar lá durante o trabalho, bloqueando
manualmente os sinais dos sensores de perímetro. Ele não terá
tempo de dirigir de volta e nos pegar novamente. Tem que ser
Camille.

Compulsivamente, olho para o meu relógio novamente.


10:16. Ela está definitivamente na casa de Levi agora.

Mason, Seb e eu pegamos o elevador até o sexto andar.


Estamos todos equipados com macacões respingados de tinta,
mas prefiro não topar com ninguém que possa se perguntar
por que um bando de pintores está indo para o trabalho às dez
horas da noite.

Felizmente, o sexto andar está silencioso. Vejo uma luz


acesa no final do corredor – algum advogado júnior
trabalhando como escravo sobre uma enorme pilha de
arquivos, provavelmente. Nossa pequena equipe de pintura
segue silenciosamente até o pátio do jardim.

É um espaço bonito, cheio de mesas de almoço ao ar livre


e guarda-sóis abertos para proteger os advogados do sol ou da
chuva.

Estou mais interessado no que está do outro lado da


grade.

Tentamos nos mover em silêncio total. Estamos seis


andares acima, com uma rua logo abaixo de nós. Não
queremos atrair nenhuma atenção indesejada.

Com cuidado, esticamos a escada e a estendemos sobre o


vão entre os prédios. É fácil proteger a escada do nosso lado.
Na extremidade oposta, as pernas descansam apenas no
parapeito de sete centímetros de uma janela. O menor
solavanco e poderíamos derrubar tudo, com muito barulho e
uma coluna destruída para quem tentasse escalar.

A pessoa sou eu, para começar.

Sebastian e Mason seguram a escada firmemente


enquanto eu começo a engatinhar. Essa é a pior parte, porque
não há ninguém para segurá-la do outro lado. Eu tenho apenas
que ser lento e cuidadoso.

Está tudo bem enquanto estou do lado sendo segurado


por Seb e Mason. No entanto, quanto mais me aventuro no
meio, mais flexível e instável é a sensação do suporte de metal.
Não tenho medo de altura. Mas não é exatamente agradável
estar a trinta metros de altura sobre o cimento.

Sinto-me como um alpinista cruzando uma fenda de gelo.


Muito parecido com um alpinista, eu tenho uma roupa
estúpida e volumosa. Ao contrário de um alpinista, está muito
quente esta noite, então estou suando sob o macacão e as
luvas de látex.

A escada range e gira para a direita, fazendo meu


estômago embrulhar. As pernas se agarram ao parapeito da
janela, apenas um pouco. Continuo avançando, até chegar ao
vidro.

Tocando meu fone de ouvido, digo: — Tudo pronto,


Jonesy?
— Mm-hmm, — ele grunhe. Parece que ele está
segurando algo na boca. — Os sensores da janela devem estar
desligados.

— Devem estar? — Eu digo.

— Só há uma maneira de saber com certeza.

Começo a cortar o vidro, com cuidado para não perturbar


minha posição precária na escada. Eu corto um círculo
perfeito, sugando o vidro e o pressiono através do banco. Então
rastejo pelo buraco.

Eu caio em um escritório. Este não é o escritório de


Raymond Page – fica dois andares acima. Este é apenas o
espaço simples e entediante de um robô normal, que tem três
canecas de café frio pela metade na mesa e um pôster
motivacional deprimente na parede – uma foto de um gatinho
na chuva com a legenda: “Vai Melhorar”.

Eu espero que Seb siga atrás de mim. Ele consegue


atravessar a escada sem problemas – passar pelo buraco é um
pouco mais difícil. Ele é tão alto e forte que quase fica preso no
meio do caminho, como o Ursinho Pooh quando comia muito
mel. Sua mochila não está ajudando.

— Corte um pouco menor por que não, — Seb grunhe.

— Eu esqueci que tinha o Groot vindo depois de mim, —


eu digo.
Mason não vai nos seguir – ele tem que puxar a escada
para trás, e então ele vai ficar um pouco no pátio, caso algo dê
errado e tenhamos que voltar por ali. Além disso, alguém
precisa ouvir o rádio da polícia para avisar se alguma
companhia indesejada estiver vindo em nossa direção.

— Você está nervoso? — Eu digo ao Seb.

Ele pensa por um segundo.

— Na realidade... não, — diz ele. — Eu estava antes.


Vomitei duas vezes esta manhã. Mas isso é como jogar um
grande jogo – uma vez que você está na quadra, você não está
mais nervoso. Você apenas faz isso.

— Bom, — eu aceno. — Bem, deixe-me saber se isso


mudar.

Eu verifico meu relógio novamente – 10:32. Com alguma


sorte, Camille estará fora da casa de Levi e a caminho com
nosso carro de fuga. Eu gostaria de poder mandar uma
mensagem para ela. Temos que ficar incomunicáveis caso
Schultz esteja com o telefone dela.

Tiramos as roupas do pintor – ninguém vai se enganar


com a roupa aqui, e está muito quente com todas as outras
coisas por baixo. Em seguida, vamos para o elevador mais
próximo. Eu não pressiono o botão para chamar o elevador
para nosso andar. Em vez disso, Seb e eu forçamos as portas
para que possamos descer pelo duto vazio.
O prédio tem três elevadores – dois que atendem os
andares principais e um que vai do térreo até o cofre.

Desativar as câmeras e sensores naquele elevador seria


difícil. Mas isso poderia ser feito. A única coisa que não
podemos fazer é desativar o alarme. Se a cabine do elevador se
mover, ela aciona um alarme remoto diretamente para a
segurança remota. Não há como evitar – os elevadores não
podem se mover fora do horário comercial.

No entanto, não preciso realmente dos elevadores para


usar o sistema. Todos os três elevadores compartilham o
mesmo sistema de ventilação. Ignorando os elevadores
inteiramente, Seb e eu podemos descer o duto, então
atravessar e descer até o cofre em si. Supondo que meu irmão
superdimensionado possa passar por vários apertos ao longo
do caminho.

Usamos grampos para deslizar pelos cabos do elevador.


É como escalar uma corda na aula de ginástica, mas ao
contrário. Além disso, eu odiava aulas de ginástica.

Seb, é claro, é excelente nesta parte. Ele está realmente


sorrindo, como se estivesse se divertindo.

— Eu me sinto como um espião, — diz ele.

— Oh sim? Bem, espere pelo próximo pedaço. Então


vamos parecer extremamente legais.

Seb e eu nos contorcemos através do duto de ar


horizontal entre os elevadores. É demorado, apertado e
extremamente quente. Posso sentir o suor escorrendo pelo
meu rosto. Não há como se apressar – tudo o que podemos
fazer é continuar arrastando-nos adiante, centímetro a
centímetro.

Uma vez dentro do terceiro duto do elevador, descemos os


últimos trinta metros até o cofre.

— E agora? — Seb diz, os pés firmemente plantados no


chão.

— Agora a lua se encaixa, — eu digo.

Jonesy desativou temporariamente a maioria dos


sensores externos. Os sensores sísmicos ainda estão
funcionando, e é por isso que não podemos criar um túnel até
o cofre ou explodir a porta. Lá dentro, os sensores térmicos de
movimento também estão funcionando.

Agora, a coisa boa é que eles não disparam a menos que


sintam movimento E calor. Mas preciso chegar perto o
suficiente para acioná-los.

Então Seb e eu vestimos possivelmente as roupas mais


embaraçosas já criadas pelo meu amigo Mason. Elas se
parecem com marshmallows gigantes feitas de papel alumínio
brilhante. Elas nos cobrem da cabeça aos pés, até ficarmos
parecidos com dois mascotes muito reflexivos. Eu mal posso
ver através dos olhos, mas deve bloquear o calor de nossos
corpos suados apenas o tempo suficiente para desativar os
sensores.
Seb e eu abrimos as portas do elevador, então eu deslizo.
Está completamente escuro dentro do espaço. Eu conto meus
passos para longe da porta do elevador, assim como eu fiz
quando estive aqui embaixo com Bella. Lembrando onde cada
um dos sensores estava localizado, eu borrifo neles um
concentrado de espuma. Isso deve bloquear sua capacidade de
ver o movimento. E então, dedos cruzados, não importará se
eles leem uma assinatura de calor.

Eu também pulverizo as câmeras. Elas são acionadas


pela luz, e eu não quero ter que trabalhar às cegas o tempo
todo que estivermos aqui.

Assim que temos todos os sensores cobertos, Seb e eu


podemos puxar para baixo os capuzes de nossos trajes de
papel laminado amassado e ligar nossas lanternas de cabeça.

Agora podemos ver. Pelo menos um pouco.

Eu toco meu fone de ouvido, sussurrando: — Até agora,


tudo bem?

— O radar da polícia está silencioso, — diz Mason.

— Tudo parece bem aqui, — acrescenta Jonesy.

Suas vozes são diminutas e distantes. É uma recepção de


merda no cofre. Não podemos esperar que eles nos alcancem,
então temos que trabalhar rápido.
Seb e eu nos aproximamos da porta do cofre, que parece
uma enorme escotilha de 1,80 metros de diâmetro e 60
centímetros de espessura, feita de aço sólido e opaco.

Só resta uma coisa em nosso caminho.

Não é o código para o cofre – eu já tenho isso, graças à


câmera escondida que coloquei na minha pequena excursão
aqui com Bella. Vi Raymond Page e seu gerente de banco
digitar o código trinta vezes desde então. Eles mudaram
apenas duas vezes, o que não é o protocolo do banco, mas acho
que Raymond é um pouco preguiçoso.

Não, a única coisa que resta a tratar é a fechadura


magnética externa.

A fechadura consiste em duas placas. Quando armadas,


elas criam um campo magnético. Se você abrir a porta fora do
horário comercial, esse campo será quebrado. Isso dispara um
alarme que nem mesmo Jonesy consegue interceptar. Não há
como contornar isso – o campo precisa permanecer intacto a
noite toda.

Tive que refletir sobre o problema por muito tempo. Como


mover as placas sem quebrar o campo?

Por fim, percebi que simplesmente precisava movê-las


juntas, ao mesmo tempo.

Pedi a Mason que fizesse um prato de alumínio que


parecia uma travessa retangular com uma alça de um lado. Ele
os soldou no porão de sua mãe, usando suas luvas de forno de
silicone e sua máscara de soldagem improvisada que é
basicamente um balde com uma janela de acrílico na frente.
Ele parecia um verdadeiro idiota, mas seu trabalho é sempre
de primeira linha, até o último milímetro.

Seb tira o prato de sua mochila. Cubro o lado plano com


fita adesiva dupla-face resistente. Então eu coloco nos dois
parafusos e desatarracho. Agora posso retirar os dois
parafusos ao mesmo tempo, mantendo-os precisamente à
mesma distância um do outro, e depois tirar tudo do caminho.
O campo permanece intacto, mesmo que não esteja mais
conectado ao cofre.

Eu o coloquei cuidadosamente contra a parede, com a


delicadeza de um especialista em remoção de bombas.

Seb observa, tão quieto que nem mesmo está respirando.

Quando eu coloco com sucesso, ele solta um longo


suspiro.

— Funcionou!

— Claro que sim, — eu digo, como se eu nunca tivesse


qualquer dúvida.

— Tudo bem, — Seb diz, praticamente esfregando as


mãos em antecipação. — Digite o código.

— Achei que você tivesse o código? — Eu digo,


inexpressivamente.

Seb congela na porta do cofre.


— O quê?

— Achei que você fosse memorizar?

— Você nunca me disse isso.

— Sim, eu disse. Lembra? Começava com 779... alguma


coisa.

Seb me encara com uma expressão horrorizada.

Eu ri. — Eu tenho o código, seu idiota.

— Isso não é engraçado, — diz ele.

— Foi para mim.

Eu digito o código: 779374.

Eu ouço quatro sons distintos de ruídos metálicos


conforme os parafusos se retraem. Então abro a porta do cofre.

Sou atingido pelo cheiro de notas empilhadas. O dinheiro


tem um odor distinto: tinta, algodão, couro, graxa, sujeira e
um toque de metal, por entrar em contato com moedas.

Mas Seb e eu não estamos aqui por notas. É muito pesado


para carregar tanto dinheiro.

Queremos o diamante.

Eu tiro a furadeira da bolsa de Seb para que possamos


começar a perfurar os cofres. Eu perfuro as fechaduras, então
Seb verifica o conteúdo. Barras e pedras preciosas vão para os
sacos. Todo o resto fica para trás.
— Não leve nada sentimental, — digo a ele. — Não quero
que nenhum gangster venha atrás de nós porque roubamos a
aliança de casamento da avó dele.

Existem duzentos e onze cofres no cofre.

No centésimo oitavo encontro, encontro o que procuro.

Não parece muita coisa: apenas uma caixa de madeira


lisa com tampa articulada.

Ainda assim, sinto a emoção de antecipação assim que


vejo. Pego a caixa e levanto a tampa.

A pedra dentro é sobrenatural em sua beleza. Realmente


parece que pode ter caído na Terra do centro de um meteoro.
É mais ou menos do tamanho de um ovo de galinha, claro e
cintilante, com apenas um toque de azul gelado. O Diamante
de Inverno.

Seb vê meu silêncio e quietude. Ele vem para ficar ao meu


lado, olhando para ele.

— Puta que pariu, — ele respira.

— Sim, — eu digo.

Ficamos olhando para ele por cerca de dez segundos.


Então fecho a tampa com um estalo, colocando a caixa
diretamente no bolso.

— Devemos continuar? — Seb diz.

— Não. Temos tudo o que podemos carregar.


Sebastian e eu colocamos nossas mochilas nas costas. É
muito mais difícil desta vez, porque o ouro pesa muito. Não
apenas ouro – barras de platina, pedras soltas e um cartão de
beisebol Babe Ruth original em uma caixa de acrílico, porque
foda-se, isso é legal e eu quero isso.

Não podemos sair por onde entramos. É muito demorado


para subir os cabos. Se a polícia for chamada quando
estivermos na metade do caminho, ficaremos presos como dois
insetos em uma garrafa.

O único problema é que engajar os elevadores acionará


os alarmes. Assim que pressionarmos esse botão, teremos
cerca de dois minutos para sair pelas portas da frente. E rezar
para que Camille esteja esperando por nós com o carro de fuga.

Toco meu fone de ouvido e digo a Jonesy: — Estamos


prestes a sair. Você pode guardar tudo.

Para Mason, acrescento: — Você também, Mace.

Mason vai deixar a escada, tirar o macacão e sair do


perímetro a pé. Ele não tem nada que o incrimine.

Seb e eu somos uma história diferente.

— Está pronto? — Eu digo a ele, meu dedo pairando sobre


o botão do elevador.

Estou segurando um cronômetro na outra mão. A partir


do momento em que aperto o botão, calculo que temos
exatamente três minutos para sair do raio de dois quarteirões
ao redor do banco, antes que os policiais bloqueiem tudo.

Seb parece tenso, mas decidido.

— Pronto, — ele diz.

Apertei o cronômetro e o botão do elevador


simultaneamente.

O elevador começa a descer.

Não ouço nada além do solavanco e do zumbido da cabine


do elevador descendo, mas sei que, no momento em que a
cabine começou a se mover, disparou um alarme silencioso
para a empresa que cuida da segurança do banco e para o DP
de Chicago.

O elevador parece demorar uma eternidade para descer.


Se eu não estivesse observando o cronômetro, nunca
acreditaria que foram apenas 12 segundos. Enquanto as
portas se abrem com uma lentidão dolorosa, Seb e eu
entramos. Eu pressiono o botão para o lobby.

As portas se fecham novamente e nós subimos. Meu


coração bate três ou quatro vezes a cada segundo que passa.

Assim que o elevador para, Seb e eu empurramos as


portas, correndo pelo espaço escuro e vazio. Nossos passos
ecoam no mármore polido. Ainda está mortalmente silencioso,
mas sei que nossa presença não é mais um segredo.
Quando chegamos às portas de vidro, pego a escora de
latão mais próxima e a lanço pela janela como um dardo. O
vidro se estilhaça, estilhaçando-se como muitos pingentes de
gelo irregulares. Não importa quanto barulho façamos mais. O
objetivo é sair o mais rápido possível.

Seb e eu passamos pelo vidro, correndo para os degraus


que levam para a rua.

Eu olho para o meio-fio, onde Camille deveria estar


esperando por nós.

Não há ninguém lá. Sem carro, sem caminhonete, nada


além de uma rua vazia.

— Onde ela está? — Seb diz, uma nota de pânico em sua


voz.

— Ela estará aqui, — digo a ele.

Os segundos passam. A estrada continua vazia.

— Devemos apenas correr? — Seb diz.

Estamos no meio da escada. Poderíamos simplesmente


sair correndo rua abaixo.

Mas eu disse a Camille para nos encontrar aqui mesmo.

Naquele momento, alguém late, — NÃO SE MEXAM!

Lentamente, me viro e olho por cima do ombro.


Um segurança está parado atrás de nós, sua arma
apontada para Seb e eu.

Não apenas qualquer segurança – meu bom amigo


Michael, que nos deixou entrar no cofre algumas semanas
atrás.

Michael não deveria trabalhar esta noite. Nenhum


segurança deveria estar trabalhando esta noite.

A questão de por quê Michael está aqui às 23h é um


mistério. Se eu tivesse que adivinhar, presumo que ele estava
fazendo algo menos que legal para Raymond em um dos
andares superiores. Não é isso que me preocupa, no entanto.
Estou preocupado apenas com a arma apontada para meu
rosto.

Seb e eu estamos usando coletes à prova de balas. Eu


realmente não quero testar sua funcionalidade ou o objetivo de
Michael.

— Vá com calma, — eu digo, mantendo minha voz baixa


e calma.

— Não fale, porra, e não se mova, ou vou colocar uma


bala entre seus olhos, — Michael late.

— O que você quer fazer? — Seb murmura para mim, tão


baixinho que até eu mal posso ouvir.

Posso ver seu corpo enrolado como uma mola. Ele quer
tentar pegar Michael, pensando que ele é apenas um policial
de aluguel. É uma má ideia – duvido que Raymond Page tenha
escolhido um idiota como chefe de sua equipe de segurança.
Esse cara é provavelmente algum ex-fuzileiro da Marinha ou
pior.

Com cuidado, mantendo meu corpo voltado para


esconder o que estou fazendo, coloco minha mão no bolso.
Pretendo fechar meus dedos em torno da alça do meu canivete.
Se Seb puder distrair esse cara, eu posso ter uma chance...

Minha mão não agarra nada. Eu não tenho mais minha


faca – eu dei para Camille.

Bem, merda.

Naquele momento, ouço sirenes – distantes, mas se


aproximando a cada segundo.

Michael ri.

— Vocês estão ferrados agora, — diz ele.

Então eu vejo algo tão estranho que parece uma ilusão de


ótica. A sombra atrás de um dos pilares de mármore do banco
se destaca da parede, surgindo atrás de Michael. Em um
movimento rápido, ele agarra o pulso do guarda, puxando sua
arma para cima, e envolve um enorme antebraço em volta da
garganta de Michael.

O segurança aperta o gatilho três vezes seguidas, mas as


balas disparam inofensivamente para o ar. Enquanto isso,
meu irmão mais velho, Dante, coloca em Michael a chave de
braço de aparência mais dolorosa que já testemunhei. Dante o
sufoca em cerca de oito segundos, até Michael cair
inconsciente.

Dante o deixa cair no topo da escada.

— Ei! — Sebastian o cumprimenta alegremente.

— O que você está fazendo aqui? — Eu exijo.

Dante encolhe seus ombros pesados.

— Achei que vocês pudessem precisar de ajuda.

— Nós tínhamos tudo sob controle, — digo a ele.

— Claramente, — ele bufa, passando por cima do corpo


adormecido do segurança.

As sirenes estão se aproximando. Agora é a hora de partir.

Dante deve ter um carro por perto.

Mas não quero ir embora sem Camille...

— Vamos, — Dante grunhe.

— Mais um segundo... — Eu digo.

Uma van branca da polícia guincha na frente do banco.

Seb e Dante estão prestes a se proteger atrás dos pilares.

— Esperem! — Eu digo.

Camille enfia a cabeça para fora da janela do motorista.


— Vamos! — Ela grita.

Nós corremos descendo as escadas.

Dante e Seb sobem na van. Eu pego a última invenção de


Mason da minha bolsa. Atiro uma das granadas para o lado
norte da rua e outra para o sul. Então, pulo no banco do
passageiro, gritando para Camille: — Vá para o oeste na
Monroe!

Carros de polícia estão subindo La Salle em ambas as


direções. Posso vê-los se aproximando de nós de dois lados.

Então as granadas explodem.

Não da maneira normal – não há carga interna. Em vez


disso, as granadas lançam duas bombas de fumaça de
proporções gigantescas. Elas criam pilares duplos de fumaça
negra densa, com 3,6 metros de diâmetro e 30 metros de
altura. Isso bloqueia a visão em qualquer direção com
desenvoltura apocalíptica.

Camille pisou fundo no acelerador, abrindo caminho


entre as colunas de fumaça. Ela voa pela Monroe Street, nos
levando para fora do distrito financeiro, em direção ao rio.

Ela está dirigindo rápido e agressivo, conduzindo a van


como se fosse um carro esportivo. Eu não posso deixar de
sorrir, olhando para ela. A única coisa que não gosto é o corte
no queixo e as marcas feias em volta do pescoço. Sem
mencionar o fato de que sua camisa parece ter sido cortada de
seu corpo.
— Você está bem? — Eu pergunto a ela.

Camille me dá um sorriso rápido, antes de voltar os olhos


para a estrada.

— Nunca estive melhor, — diz ela.

Eu me sinto sorrindo também, uma bolha de exaltação


crescendo dentro de mim.

Estamos fazendo isso. Estamos fazendo isso.

Eu posso ouvir sirenes em todos os lugares.


Provavelmente vinte carros de polícia indo em direção ao banco
vindos de todas as direções. Será necessário um milagre para
passar por todos eles sem sermos localizados.

Camille está indo em direção à ponte, para atravessar o


rio.

Em vez disso, digo: — Vire à direita aqui. Em seguida, vire


à direita novamente.

— Mas isso nos levará de volta...

— Confie em mim, — eu digo.

Camille gira o volante para a direita e vira novamente à


direita.

Agora estamos voltando para La Salle na Washington


Street. Com certeza, dois carros de polícia estão correndo na
estrada atrás de nós, sirenes tocando. As mãos de Camille
estão rígidas no volante e seu rosto está pálido.
— O que eu faço? — Ela diz.

— Apenas continue, — digo a ela.

Os carros da polícia passam disparando por nós de cada


lado, voando por Washington.

Camille solta uma risada assustada.

— Eles acham que estamos com eles, — digo a ela. — É


muito mais suspeito dirigir na direção oposta.

Continuamos dirigindo de volta ao banco, deixando outra


viatura passar por nós. Assim que tivermos certeza de que a
maioria dos policiais passou, viramos à esquerda para seguir
para o norte.

O som das sirenes desaparece. Seb e Dante começam a


rir. Camille se junta a eles, sua voz mais alta do que o normal,
e um pouco nervosa.

— Conseguimos, — diz ela, como se ainda não


conseguisse acreditar.

— Você conseguiu o que estava procurando? — Dante me


pergunta.

— Claro que sim, — digo a ele.

Agora Dante e Seb estão olhando curiosamente para


Camille.

— Obrigado pela carona, — Dante diz, em sua voz


estrondosa.
Eu posso ver as bochechas de Camille ficando rosa. Ela
ainda não conheceu oficialmente nenhum membro da minha
família, mas sabe quem são meus irmãos, como todo mundo
em Old Town sabe.

— Desculpe pelo atraso, — ela diz.

— Como foi? — Eu pergunto a ela.

— Tive alguns... obstáculos ao longo do caminho, — diz


ela.

— Mas você está bem? Realmente bem?

— Sim, — diz ela, seus olhos escuros voando para mim


novamente.

Posso sentir meus irmãos nos observando. Eu não dou a


mínima.

Eu pego sua mão e a levo aos lábios, beijando-a.

— Você é incrível, — digo a ela.


25

— Vire aqui, — diz Nero.

Estamos dirigindo através da Roscoe Village. É engraçado


estar em um pequeno bairro tão sonolento, poucos minutos
depois de efetuar um assalto a banco. Estamos passando pela
Whole Foods e Trader Joe's. Lofts modernos e cafeterias
parecem a antítese da atividade criminosa.

Sei que precisamos nos livrar da van da polícia, mas Nero


parece ter seu próprio destino em mente.

— Bem aqui, — diz ele, apontando para um


estacionamento.

Entro na primeira vaga, ligeiramente confusa.

— Vamos deixar a van aqui? — Eu pergunto.

— Não, — diz Nero. — Vamos.

Eu saio da van. Dante sobe no banco do motorista ao


invés.

— Prazer em conhecê-la, Camille, — ele diz em sua voz


profunda.
— Vejo você novamente em breve, tenho certeza, —
Sebastian diz, dando-me uma pequena saudação.

Eles vão embora, deixando Nero e eu sozinhos no


estacionamento.

Eu me viro para encará-lo, totalmente confusa.

— Onde eles estão indo?

— Queimar a van, — diz Nero.

— Como vamos voltar para casa?

— Não sei, — ele sorri. — Eu estava esperando que você


me levasse.

Não tenho ideia do que ele está falando. Tudo o que sei é
que ele está definitivamente animado com alguma coisa. Não
apenas a quantidade insana de dinheiro que roubamos – isso
é outra coisa.

— O que está rolando? — Eu digo, desconfiada.

— Estou falando sobre o seu novo carro, — diz Nero.

Ele puxa a proteção contra poeira do carro estacionado


na vaga mais próxima.

Eu suspiro, mãos sobre minha boca.

Vejo um modelo longo e elegante com curvas


exorbitantes, pintado de vermelho-sangue profundo. A grade
cromada e os faróis redondos brilham no estacionamento
escuro. As rodas são imaculadas. Posso sentir o cheiro do
couro fresco mesmo daqui.

— Você está brincando, — eu digo.

— Eu nunca faria piada sobre um carro, — diz Nero. —


Especialmente não este.

Eu me viro para olhar para ele. Seus olhos parecem mais


escuros do que o normal, intensamente focados em mim. Sua
expressão é séria.

— Nero, eu não posso aceitar isso... — Eu digo. — Você


pode nunca encontrar outro.

— Camille, — ele diz, tocando minha bochecha com a


mão. — Sempre senti coisas... intensamente. Ou pensei que
sim. Mas todas as emoções que já tive, durante toda a minha
vida, não são nada comparadas ao que sinto quando olho para
você. Eu não me importo com o carro, ou o dinheiro que
acabamos de pegar, ou qualquer outra coisa neste mundo. Ao
seu lado, todas as outras coisas simplesmente desaparecem.

— Isso é loucura, — eu sussurro.

O Grand Sport é lindo, absolutamente lindo. Inestimável,


na medida em que não há outro igual no mundo, e você nunca
poderia comprar as incontáveis horas de tempo que Nero
dedicou, quando ele pensou que seria seu.
Mas não é o carro em si que está fazendo meu coração
disparar como um louco, e lágrimas quentes brotam em meus
olhos.

É o que significa, para Nero dar para mim.

Nero é o homem mais lindo que já vi. Ele tem um fogo


dentro dele que é mais quente do que a superfície do sol. Sei o
quanto ele odeia – só posso imaginar o tipo de amor que ele
sente. Isso me apavora.

Não sei como ou por que ele me deu.

Sinto-me uma mortal, escolhida por um deus.

E ainda...

Parece certo.

A maneira como nossas mãos se encaixam. A maneira


como nossos corpos se encaixam também. Do jeito que eu o
entendo, quando ninguém mais parece entender. E a maneira
como ele me vê, quando ninguém se preocupou em fazer antes.

A maneira como encontramos paz um no outro, quando


somos duas almas inquietas.

Eu sei que ele era o cara para mim há muito tempo.

Eu só nunca pensei que poderia ser a pessoa certa para


ele.

Então Nero diz algo ainda mais insano.


— Você acha que algum dia poderia me amar, Camille?

Estou tão assustada que quase rio.

Ele confunde a expressão em meu rosto.

— Eu sei que tenho uma história horrível e,


honestamente, não estou muito melhor agora. Meu
temperamento é uma merda. Eu quero matar qualquer homem
que olhar para você. Eu não sou... bom com palavras ou
sentimentos, — ele respira fundo e percebo que Nero está
nervoso – quase tão nervoso quanto eu. — Mas eu te amo,
Camille. Eu nunca vou te machucar. Você pode confiar em
mim para isso, se nada mais.

Estou sem palavras. Desesperada para responder, mas


totalmente incapaz de fazer qualquer som.

Tudo o que posso fazer é agarrá-lo e beijá-lo. Eu o beijo


como da primeira vez, com fome e dor. Então eu o beijo como
nós nos beijamos em meu quartinho de vidro – como se todo o
universo tivesse morrido, e ele e eu fôssemos as únicas duas
coisas que existem.

Quando nossos lábios se separam, posso finalmente


falar.

— Eu te amo tanto que dói. Estou com medo de dizer a


você, com medo até mesmo de me deixar sentir isso. Mas eu te
amo, e tenho amado há um tempo.

— Ótimo, — ele diz, com infinito alívio.


Ele me beija novamente, me esmagando contra seu corpo.

Quando ele me solta, ele sorri e diz: — Agora me leve para


dar uma volta.

Ele me entrega as chaves. Até mesmo o chaveiro é original


do carro, feito de prata velha polida novamente.

Eu deslizo para o banco do motorista, inalando o couro


fresco e a tinta. O painel é todo em mostradores redondos, com
o enorme volante no centro.

Viro a chave, ouço o motor girar com um rugido,


diminuindo para um ronronar paciente.

— Quando você soube que ia me dar isso? — Perguntei a


Nero.

— No momento em que você o tocou, vi a expressão em


seu rosto, — diz Nero.

Eu saio da garagem, meu coração disparando a cada volta


do volante. O carro opera perfeitamente. Nero é realmente um
mágico.

Ele parece perfeito no banco do passageiro – estiloso,


arrogante e escandalosamente bonito.

Como se estivesse lendo meus pensamentos, Nero me diz


a mesma coisa: — Combina com você. Foi feito para você.

Eu dirijo para o leste, até Lake Shore Drive, para que


possamos dirigir ao longo da água. Uma brisa fresca está
soprando. Os bordos estão ficando vermelhos. Finalmente é
outono.

Paramos em Montrose Point, estacionando o carro de


frente para a cidade. Chicago está iluminada, os arranha-céus
refletindo na água.

Eu subo no colo de Nero, montando nele. Ele reclina o


assento para que possa olhar para mim.

O luar ilumina um lado de seu rosto, o outro


profundamente sombreado.

Ele sempre terá dois lados: o lado sombrio e vingativo.


Mas também um lado sobrenatural em sua beleza.

Posso sentir o pau de Nero, já duro, pressionando contra


mim com muitas camadas de roupas entre nós.

Eu me vejo refletida em seus olhos. Eu vejo o desejo


irradiando de seu rosto.

E, finalmente, pela primeira vez, aceito que Nero me quer


tanto quanto eu o desejo. Ele me ama como eu o amo.

Eu nunca percebi o quão profundamente certos insultos


estavam enterrados sob minha pele. Disse a mim mesma que
não me importava com o que as pessoas diziam. Mas foram os
elogios que rejeitei, enquanto dentro de mim me agarrava à
crença de que era feia, indesejável e patética.

Agora o homem mais lindo do mundo está olhando para


mim com amor e desejo. E eu percebo que é impossível que ele
pudesse sentir essas coisas por mim se eu fosse realmente
indigna.

Se Nero e eu somos uma combinação perfeita – e tenho


certeza de que somos –então sou igual a ele. Sua análoga.

É uma percepção estranha de se ter, depois de todo esse


tempo, mas finalmente acredito. Eu sou bonita. Eu sou
inteligente. Eu sou digna de amor.

— O que foi? — Nero me pergunta.

Eu respiro fundo, minha testa pressionada contra a dele.


Estou respirando o cheiro de sua pele e seus lábios, a apenas
alguns centímetros dos meus. Respirando fundo e devolvendo-
o novamente.

— Estou sem dúvidas, completamente feliz, — digo a ele.

— Eu também, — ele diz. — É estranho, não é?

Eu rio.

— Você acha que é assim que as outras pessoas se


sentem o tempo todo?

— Não, — ele diz, envolvendo os braços em volta de mim


e me puxando para perto. — Não acho que alguém tenha se
sentido exatamente assim.

Ele me beija de novo, com aqueles lábios carnudos que


despertam mil sensações em todos os lugares que pousam.
Ele tira o resto da minha camisa, já cortada em farrapos
e suja de suor e sangue. Ele tira meu sutiã também, deixando
meus seios derramarem em suas mãos. Ele traça suas curvas
com as palmas das mãos, escovando a ponta dos dedos sobre
meus mamilos até que eles enrijecem e latejam sob seu toque.

Ele coloca a palma da mão no centro das minhas costas


e me puxa para mais perto dele, para que ele possa levar meu
seio em sua boca. Ele chupa meu mamilo, primeiro
suavemente, depois com mais força, de modo que todo o meu
seio esteja doendo de prazer.

Com a mão livre, ele massageia meu outro seio, passando


o polegar pelo músculo do meu peito e, em seguida, beliscando
e puxando o mamilo com a quantidade certa de pressão.

Ele sempre encontra aquele ponto de equilíbrio perfeito


entre prazer e dor – levando a sensação à sua intensidade
máxima, sem destruir o prazer por baixo.

Quando se trata de sexo, Nero tem uma paciência infinita.


Ele passa muito tempo apenas nos meus seios, amassando,
chupando e provocando, até que atinjam seu potencial erógeno
máximo. Eles se tornam mais sensíveis do que eu jamais
pensei ser possível. Tão excitada que estou prestes a gozar
antes mesmo que ele toque em qualquer outra coisa.

Na verdade, quando ele desliza as mãos na frente da


minha calça jeans, eu começo ao clímax. Ele ainda está com
meu seio na boca. Tudo o que ele precisa fazer é aplicar um
pouco de pressão no meu clitóris, alguns movimentos com a
palma de seus dedos e eu chegarei ao limite. Ele chupa meu
mamilo e me deixa esfregar contra sua mão. Eu sinto aquela
onda que flui pelo meu corpo – alegria e satisfação e liberação,
tudo de uma vez.

Nero leva a mão à boca e lambe o meu gosto de seus


dedos. Como um aperitivo, parece acender sua fome. Ele me
joga no banco de trás e arranca minha calça jeans, jogando-a
sabe-se lá onde. Ele puxa minha calcinha para o lado e lambe
o comprimento da minha fenda, sacudindo sua língua sob o
meu clitóris ainda latejante.

Eu suspiro e tento me esquivar, mas ele me segura,


enfiando sua língua dentro de mim, então lambendo todos os
lábios da minha boceta e clitóris. Ele está faminto pelo meu
gosto. Ele bebe tudo, voltando novamente e novamente para
mais.

Minha boceta já está inchada, batendo forte com cada


pulsação do meu coração. Quando ele pega dois dedos e os
desliza para dentro de mim, grito, mal conseguindo suportar.

Ele diminui a intensidade lambendo meu clitóris com a


língua. Em seguida, ele desliza lentamente os dedos para
dentro e para fora, encontrando aquele ponto sensível na
parede interna, brincando com o dedo médio.

Eu me sinto possuída. Minhas costas estão arqueando e


estou fazendo todos os tipos de sons constrangedores, mas é
impossível me importar. Ele está construindo outro clímax,
este muito mais forte do que o anterior.
Estou apertando em torno de seus dedos e esfregando
minha boceta contra sua língua, mal conseguindo lidar com o
que estou recebendo, mas ainda querendo mais e mais.

Ele muda para chupar suavemente meu clitóris. Eu


explodo. Eu quase desmaio por um minuto, com a euforia
insana que estoura em meu cérebro.

Nero está sorrindo com aquele sorriso perverso e


diabólico. Nada o agrada mais do que tocar meu corpo como
um instrumento.

Ele sobe em cima de mim, empurrando seu pau dentro


de mim enquanto minha boceta ainda está queimando de
antes.

— Oh meu Deus, — ele geme. Ele pode sentir o quão


quente estou, encharcada por todo o caminho até minhas
coxas.

O pau de Nero é muito maior do que seus dedos. Isso


preenche todo o espaço dentro de mim. Na verdade, a cada
impulso, exige mais espaço do que existe. Como o próprio Nero,
está à beira de um sério desconforto. E ainda assim é
intensamente satisfatório em um outro nível.

Ele me beija com ternura. Ele me fode com força. Ele não
dá a mínima para o que está fazendo com os novos assentos
de couro.
Ele bate em mim cada vez mais forte, como se quisesse se
apossar de mim de novo, como se essa fosse a única maneira
de exorcizar aquele demônio dentro dele.

Sua respiração se acelera e sei que ele quer se soltar.

Mas ele não vai se permitir fazer isso, não até que ele tire
mais um clímax de mim.

Ele pressiona meu corpo com força contra o dele, então


meu clitóris esfrega contra seu abdômen enquanto ele empurra
em mim. E com certeza, eu sinto um último orgasmo se
acumulando, embora eu já esteja fraca dos que vieram antes.

Nero está cheio de força. Ele faz todo o trabalho, me


fodendo com intensidade implacável. Até que eu viro meu rosto
em seu pescoço e grito, quando uma onda final cai sobre mim.

Só então ele se permite gozar, empurrando o mais fundo


que pode dentro de mim e liberando a carga que ele está
segurando.

Ele goza tanto que eu posso sentir isso saindo de mim,


antes mesmo que ele saia. Eu nunca diria isso em voz alta,
mas estou loucamente excitada com o volume que ele produz
– a evidência de sua virilidade e seu desejo por mim.

Ele cai em cima de mim, nossos membros emaranhados.

Percebo como é apertado no banco de trás. Mas eu não


me importo – na verdade, eu adoro isso. Eu amo como estamos
pressionados juntos. Eu amo o cheiro do carro e o cheiro da
nossa pele, misturados. Adoro as estrelas através das janelas
e o brilho prateado na pele de Nero.

Ele está certo – nunca houve outro momento exatamente


como este.
26

O policial Schultz está no topo do mundo. Ele está


recebendo outro elogio por sua busca no laboratório de MDMA
na Mohawk Street. Levi Cargill está sentado em uma cela no
Centro Correcional Metropolitano, junto com quatro de seus
traficantes.

Schultz está comemorando com cerca de vinte outros


policiais, em um pequeno pub chamado Frosty's.

Ninguém festeja como um policial de folga. Você pode


ouvi-los gritando e cantando a dois quarteirões de distância.
Não que cantar bêbado seja algo incomum no Cabrini-Green.

Até mesmo o alto escalão aparece, incluindo o comissário


McKay e o chefe Brodie. Eles pagam uma rodada para todos os
oficiais, depois deixam o pub juntos, subindo na parte de trás
de uma limusine em direção ao Baile Celestial no Planetário.

Papa estará lá, junto com os Griffins. Tentando conseguir


apoio para nosso projeto South Shore, que agora temos amplo
financiamento para começar.

Mas não eu. Eu tenho o dinheiro – eles podem conseguir


as licenças.
Eu odeio smokings e odeio conversa fiada.

Tenho meu próprio acordo a fazer esta noite. Não é


necessário smoking.

Vou até o apartamento de Schultz na Kingsbury Street.

Não é muito seguro, no que diz respeito à casa de um


policial. Só levo cerca de oito minutos para entrar, escalando a
escada de incêndio e forçando a fechadura de sua janela.

Então, eu vasculho o lugar um pouco. Honestamente, é


muito deprimente. Schultz mora sozinho – nem mesmo um
gato, cachorro ou periquito para lhe fazer companhia. Sem
colega de quarto ou namorada.

Ele tem um apartamento bem limpo, se você estiver


considerando apenas a arrumação, e não o fato de que ele
provavelmente aspira apenas uma vez por trimestre. Seus
pratos parecem selecionados ao acaso e basicamente não há
decorações em qualquer lugar.

Ele não é um psicopata total – eu vejo algumas faíscas de


personalidade.

Primeiro, há um monte de equipamento de beisebol


surrado no armário. Ele provavelmente está em algum tipo de
liga de recreação. E ele realmente é um fã do Cub – cerca de
metade das camisas em seu armário tem algum tipo de logotipo
de cubbies. A única fotografia no apartamento é uma foto do
menino loiro Schultz com seu pai no Wrigley Field.
Reconheço Matthew Schultz imediatamente. Ele se
parece exatamente com o filho, só que um pouco mais magro.
O mesmo queixo quadrado e o mesmo Capitão América
colocado nos ombros.

É Logan Schultz que parece diferente na fotografia – ele


está sorrindo tanto que mal consegue ver, segurando uma bola
de beisebol autografada em triunfo. Ele parece absolutamente
feliz, sem a amargura do policial adulto que conheci.

Esse é o único item sentimental em todo o apartamento.


Isso, e o antigo distintivo de seu pai, enfiado na gaveta de cima
de sua mesinha de cabeceira, bem ao lado da cama.

Pego uma cerveja na geladeira de Schultz, abro a tampa


e me sento para esperar.

Demora mais uma hora e meia antes que ele volte para
casa. Ouço suas chaves arranhando a fechadura,
murmurando palavrões e então o próprio Schultz entrando no
apartamento. Espero que ele tire sua pistola de serviço e a
coloque sobre a mesa, antes de fazer minha presença
conhecida.

— Parabéns, — digo, acendendo a luz.

Schultz pula como um gato assustado, tentando pegar a


arma.

— Relaxe, — digo a ele. — Esta é apenas uma visita


amigável.
— Você sabe que eu poderia atirar em você agora, — diz
Schultz, carrancudo. — Ou apenas prendê-lo por
arrombamento e invasão.

— Isso não seria muito hospitaleiro. Considerando que eu


trouxe um presente para você.

Schultz está com a mão enrolada no cabo da arma. Ele


faz uma pausa, então enfia a pistola na cintura. Ele cruza os
braços sobre o peito, me fixando com um olhar turvo.

— O que é isso? — Ele diz.

— Bem... talvez presente seja um exagero. Mais como um


item em troca.

— Trocar pelo quê?

— Camille Rivera.

Schultz dá um bufo irritado.

— Você vai tentar fingir que se importa com ela? — Ele


diz.

— Oh, eu me importo muito mais do que isso, — eu digo,


calmamente. — Camille é minha agora. Você não vai chegar
perto dela novamente.

— Ou o que? — Schultz zomba.

— Ou, da próxima vez que eu invadir aqui, você vai


acordar com uma lâmina cortando suas cordas vocais.
Ele não gosta disso. Vejo sua mão direita descendo em
direção à arma novamente.

Eu não dou a mínima. Estou falando sério. Esta é a única


chance de Schultz de deixar Camille em paz. Farei o que for
preciso para protegê-la. Eu derrubaria todo o Departamento de
Polícia de Chicago se fosse necessário. Eu assassinaria todos
os homens desta cidade, um por um.

Deliberado e lentamente, para que ele não entenda mal,


digo a ele: — Você não olha para ela. Você não fala com ela.
Você não fica a menos de trinta metros dela. Ela deixou de ser
sua IC.

— Oh sim? — Schultz zomba. — Então é melhor você ter


me trazido algo chique pra caralho. Como talvez o que quer que
você tenha tirado do cofre de Raymond Page. Oh sim, eu sei
que foi você. Page também sabe disso. Ele viu você na câmera,
fazendo sua pequena excursão até seu cofre com a filha.

— Deixe-me preocupar com Raymond Page, — digo.

Seguro o presente que trouxe para o policial Schultz. É


uma fita VHS com uma etiqueta manuscrita. Ele a encara sem
expressão, como se tivesse esquecido aquele pedaço da história
tecnológica.

— Que porra é essa? — Ele diz.

— É a fita das câmeras de segurança em Jeffrey


Boulevard. Tirada na noite de 18 de abril.
Schultz fica pálido sob o tom avermelhado de seu
bronzeado. Isso o faz parecer quase amarelo. Toda a
intoxicação desaparece de seus olhos, e eles queimam mais
brilhantes do que nunca.

— Isso é impossível, — diz ele.

— Não é impossível, — eu digo. — Apenas difícil de


conseguir.

Schultz olha para minha mão, segurando a fita. Ele vê


minhas juntas, inchadas até quase o dobro do tamanho
normal, com crostas e hematomas.

Ele lambe os lábios convulsivamente.

— Dê para mim, — diz ele.

— Eu vou, — digo a ele. — Mas primeiro sua promessa.


Você deixa Camille em paz.

— Sim, — ele se encaixa.

— Permanentemente.

— SIM!

Eu estendo a fita. Ele a arranca da minha mão,


agarrando-a como se realmente fosse uma das barras de ouro
do banco.

Ele estreita os olhos para mim, dizendo: — Isso não muda


nada entre mim e você.
— Obviamente, — eu digo.

Seus nós dos dedos estão brancos e ele está quase


tremendo de ansiedade. Ele não consegue evitar me perguntar:
— O que isso mostra?

— O tiro veio de dentro do carro, não de fora. Seu pai não


estava sozinho.

Sua mandíbula aperta, como se ele já suspeitasse disso.

— Quem? — Ele diz.

— Daniel Brodie, — eu respondo.

Schultz está perfeitamente imóvel, os olhos arregalados e


incrédulos.

— Você sabe que eles eram parceiros, — eu digo.

Agora Brodie é o chefe da Divisão de Crime Organizado –


chefe de Schultz. Ele estava brindando a Schultz apenas
algumas horas atrás, no Frosty's.

Schultz esteve sentado a apenas algumas mesas de


distância do assassino de seu pai o tempo todo.

— O que você faz com essa informação é com você, — digo


a ele. — Mas eu seria muito cuidadoso. Corregedoria não são
seus amigos. Seu pai confiava neles – e olhe o que aconteceu
com ele.

Eu encolho os ombros, levantando-me da cadeira de


Schultz.
— Mas isso é problema seu. Tudo o que me importa é que
você cumpra o nosso acordo.

Schultz ainda está enraizado no lugar, paralisado pela


bomba que joguei em sua cabeça.

Ele não se move enquanto eu passo por ele, saindo pela


porta da frente.
27

Eu espero Vic acordar, então tropeço para a cozinha onde


deixei seu presente sobre a mesa. Eu sei que ele viu quando
ouço seu grito de surpresa.

Eu coloco minha cabeça para fora do meu quarto, já


sorrindo.

— Você gosta disso? — Eu digo.

Comprei para ele a melhor mesa de mixagem que o


dinheiro pode comprar. Prometi a Nero que não usaria o
dinheiro do roubo do banco para nada espalhafatoso – apenas
as contas médicas do meu pai e a faculdade de Vic. Mas achei
que poderíamos ter um pequeno luxo sem ninguém perceber.

— Você está brincando comigo? — Vic diz, seu rosto se


iluminou de alegria. — É fantástico pra caralho!

— Ei, coloque uma moeda no pote de palavrões, — papai


diz, arrastando-se para fora de seu quarto. Ele não está com
uma aparência péssima hoje, o que é uma melhora.

— Se você impusesse essa regra com Camille, teríamos


um milhão de dólares, — diz Vic.
— O quê? Minha garotinha? — Papai diz, fingindo estar
chocado.

— Eu não sei do que ele está falando, — eu digo,


inocentemente.

Vic revira os olhos para mim, voltando sua atenção para


a mesa de mixagem. Parece que ele quer beijá-la.

— Uh oh, — papai diz. — Acho que Vic finalmente se


apaixonou.

Vic me dá um sorriso malicioso. — Ouvi dizer que não sou


o único, — diz ele.

— O que, o quê? O que eu perdi? Não me diga que


estamos falando de Nero Gallo...

— Uh... — Digo, corando. — Sim. Quer dizer, sim.


Estamos juntos.

— Bom trabalho, — diz meu pai, dando-me um aceno de


aprovação.

— Você não se importa... você sabe, — eu digo, referindo-


me à reputação bastante colorida dos Gallos.

— Eu nunca esperei que você se apaixonasse por alguém


normal, — papai diz, encolhendo os ombros.

Vic bufa, e não posso deixar de rir também.

— Eu também, eu acho, — eu digo.


Enquanto Vic tenta levar seu presente de volta ao quarto,
acrescento: — Não pense que isso significa que você está
abandonando a escola! Você ainda precisa se formar. Mesmo
se você estiver fazendo batidas iradas.

Vic geme. — Por favor, não diga ‘batidas iradas’.

— Por quê? — Eu o provoco. — Isso não é mais ‘maneiro’?

— O que é ‘maneiro’? — Papai diz, perplexo.

— Vocês dois estão me matando, — diz Vic, puxando o


boné sobre os olhos em constrangimento.

— Estou começando a achar que ele não acha que somos


legais, — digo ao meu pai.

— Impossível, — ele balança a cabeça.

Pego o último pedaço de torrada e desço para a garagem.

Mesmo que minha parte do dinheiro tenha sido uma


soma totalmente insana, serão dias normais no futuro
próximo. Por um lado, Nero enfiou na minha cabeça
repetidamente que não podemos nos comportar de maneira
diferente. Policiais, gangsters e Raymond Page farejarão,
procurando o menor sinal de ladrões de banco cheios de
dinheiro. Até o lindo Grand Sport está escondido sob uma
tampa protetora contra poeira na garagem, então não chamo
atenção para mim.

Curiosamente, não me importo de trabalhar, agora que é


uma escolha em vez de uma necessidade. Acho que ajuda se
algum idiota entrar na loja gritando sobre o preço que demos
a ele, eu posso dizer a ele para ir embora. É bom ter um
amortecedor, para que você não precise se apegar a todos os
trabalhos que aparecerem.

Trabalho direto durante o almoço, então posso sair mais


cedo esta noite. Tenho um encontro com Nero – um encontro
que me deixa um pouco nervosa.

Assim que termino, subo as escadas com bastante tempo


para tomar banho e limpar minhas mãos.

Eu gostaria de ter Patricia para me embonecar, mas estou


sozinha esta noite. Ela tem seu próprio encontro com Mason.

Ela me ligou para me contar tudo sobre a reconciliação.

— Ele levou a Nana para uma visita, foi uma surpresa


total! E ele se lembrou de buscá-la no aeroporto, na hora certa.
Ele tinha tudo planejado para nós, onde faríamos o cruzeiro de
arquitetura no rio, e o SkyDeck, e comemos no Smoque... Nana
ficou tão feliz que disse que foi a melhor viagem de sua vida.
Eu juro, Camille, é como se ele tivesse um fogo aceso embaixo
dele. Ele diz que encontrou um apartamento e quer começar
um negócio, alugando telas de cinema portáteis... Eu não sei o
que aconteceu com ele!

— Isso é incrível, — eu disse, tentando não rir. — Estou


muito feliz por você, Patricia.
Eu me sinto um pouco culpada por ter que bancar a idiota
com Patricia, mas tenho certeza de que Mason vai contar a ela
a tempo.

Tenho um segredo diferente pesando ainda mais em


minha consciência.

É o segredo do verdadeiro pai de Vic.

Sei que ele me disse centenas de vezes que não queria


saber. E ele pode estar melhor sem saber – Raymond Page é
um idiota absoluto. Mas eu continuo pensando em Bella.
Aquela explosão de empatia que tive na noite na praia não me
deixou inteiramente. Eu acho que Bella é do jeito que ela é por
causa de seus pais. Eu me pergunto se ela seria diferente se
tivesse um membro da família que não fosse frio. Alguém
engraçado e gentil. Alguém como o Vic.

Depois de tomar banho e colocar meu robe, bato na porta


de Vic.

— Ei, — eu digo, enfiando minha cabeça dentro. — Posso


falar com você por um segundo?

— Claro, — diz ele.

Fico feliz em ver que ele tem o dever de casa espalhado


pela frente, mesmo com a tentação da nova mesa de mixagem
bem ao lado dele.

— Vic, eu sei que já falamos sobre isso um monte de


vezes. Mas às vezes algo teórico, é diferente da realidade...
— Do que você está falando? — Vic diz, mastigando a
ponta do lápis.

Eu respiro fundo.

— Eu encontrei seu pai. E uma irmã também.

Pela primeira vez, Vic não descarta o assunto


imediatamente. Ele fica sentado muito quieto, olhando para
mim com aqueles olhos grandes e escuros.

— Uma irmã? — Ele diz.

— Sim.

— Quantos anos?

— Uh... minha idade, na verdade.

Vic abaixa o lápis.

— Eu acho... isso é diferente, — diz ele.

— Sim. Eu sei onde ela está. Se você quisesse conhecê-


la.

Vic passa as duas mãos pelo cabelo, pensando muito.


Dou tempo a ele, sem interromper.

Por fim, ele diz: — Pergunte novamente daqui a um ano.


Quando eu me formar.

Soltei a respiração que estava prendendo.

— Sim? — Eu digo. — Tem certeza?


— Sim. — Vic me dá um abraço rápido. — Eu tenho irmã
o suficiente por agora.

Eu bagunço seu cabelo, abraçando-o de volta com minha


mão livre. Então eu o deixo sozinho para que ele possa voltar
ao trabalho.

Sinto uma sensação de alívio ao voltar para o meu quarto.


Se Vic quiser conhecer Bella em um ano... Eu estou bem com
isso. Isso me dá tempo suficiente para me acostumar com a
ideia.

Mais tempo para descobrir como fazer isso sem irritar


seriamente Raymond Page.

Eu me visto com muito mais cuidado do que o normal.


Coloquei um vestido vermelho novo que Patricia me ajudou a
escolher. Tem uma espécie de estilo latino, brilhante e
divertido, que não é exatamente como eu me descreveria, mas
Patricia me garantiu que era o traje perfeito para “conhecer a
família”.

Prendo uma trança no cabelo enquanto ainda está úmido,


depois aplico um pouco de brilho labial com cuidado, da
mesma cor do vestido.

Calço um par de sandálias e volto para o estacionamento


para que Nero me pegue.

O Mustang preto entra na garagem, na hora certa.

Nero salta, beijando-me antes de abrir a porta para mim.


— Você está deslumbrante, — diz ele.

— Sinto que vou vomitar, — admito.

— Não se preocupe, — ele diz. — Eles vão te amar.

Nós dirigimos para o oeste por Old Town. Quando


cruzamos Sedgwick, ouço gaitas de fole. Uma procissão policial
marcha pela estrada. O final da rua está bloqueado, com uma
parede de policiais uniformizados alinhados.

— O que é tudo isso? — Eu pergunto a Nero.

Ele levanta uma sobrancelha para mim.

— Você não leu sobre isso?

— Não, — eu digo.

— Papa recebe o jornal todas as manhãs. Isso era coisa


de primeira página.

— Você vai me dizer? — Eu exijo.

— O chefe Brodie levou um tiro na nuca no parque


Rosenblum.

— O quê? Por quem?

— Esse é o mistério. Aconteceu no meio da noite. Ele


estava sozinho no parque.

Nero tem uma expressão estranha no rosto, como se


estivesse tentando não sorrir.
— O que está acontecendo? — Eu exijo. — Parece que
você sabe de alguma coisa.

— Talvez eu saiba.

— O que aconteceu?

— Vou te contar... — Ele rosna. — Se você me convencer.

— Não tenho tempo para te convencer! Estamos quase na


sua casa!

— Mais tarde, então, — ele diz, em seu tom mais irritante.

Paramos na mansão dos Gallos, o que me intimida muito


mais do que da última vez, porque sei que toda a família está
esperando lá dentro.

Nero pega minha mão. Ele me conduz por uma escada


escura e instável, até o terraço.

Lá eu vejo o jantar mais lindo que se possa imaginar. Os


talheres são dispostos em uma mesa enorme e velha, grande o
suficiente para acomodar vinte pessoas ou mais. Os pratos
parecem pesados e feitos à mão, como se tivessem vindo da
Itália cem anos atrás. Luzes de fadas cintilam nas videiras
nuas que se erguem em arco, crescendo por toda a pérgula.

A família de Nero já está sentada, esperando por nós. Vejo


Enzo na ponta, parecendo mais velho do que da última vez que
o vi, mas ainda inteligente e distinto em seu smoking. Em seu
lado direito está Dante, imponente em seu corpo e sua
carranca sem humor, até que ele me dá um aceno de
reconhecimento. Sebastian se senta ao lado de Dante, muito
mais alegre do que seu irmão mais velho. Ele acena para mim.

Do outro lado da mesa está o bebê da família e a única


menina – Aida Gallo. Eu nunca a conheci, porque ela é muito
mais jovem – nem mesmo uma caloura quando me formei. Eu
ouvi histórias sobre ela, no entanto. Como ela era selvagem
como Nero, mas gentil como Sebastian. Então eu sempre estive
disposta a gostar dela.

Ela é muito bonita – os mesmos olhos cinzentos de Nero,


combinados com um sorriso tão travesso que não sei se devo
sorrir de volta ou se tenho medo dela.

Seu marido, ao contrário, é quase tão sério quanto Dante.


Ele está totalmente vestido em um terno escuro, com cabelo
cuidadosamente penteado e olhos azuis claros que são um
pouco inquietantes quando pousam em mim.

No entanto, ele acena educadamente para mim. Posso


dizer pelo quão perto ele se senta de Aida, e pelo jeito que ele
coloca a mão em sua coxa, que eles são um casal fortemente
unido, não importa o quão incompatíveis possam parecer.

O assento ao lado de Aida está vazio. Eu o pego, com Nero


sentado do meu outro lado.

— Bem-vinda, — Enzo me diz. — Estamos muito felizes


em conhecê-la, Camille. Eu conheço seu pai, é claro. Lamento
saber que ele está doente.

— Obrigada, — eu grito. — Ele está melhorando agora.


Meu coração está batendo forte. A beleza da mesa e deste
espaço ao ar livre, e todas as pessoas bonitas e bem vestidas
sentadas em torno dela, são exatamente o tipo de coisas que
me lembram que Nero sempre foi rico e bem relacionado,
enquanto eu sempre fui uma ninguém.

Nero está apertando minha mão com força. Quando eu


olho para ele, sua expressão é feroz e orgulhosa. Ele não tem
vergonha de mim.

Greta começa a trazer a comida da cozinha. Sebastian


salta para ajudá-la. Posso vê-lo mancando um pouco. Por
outro lado, ele parece saudável e forte. Ele carrega facilmente
vários pratos de uma vez, colocando-os no centro da mesa.

Não sou italiana, mas você não pode crescer em Old Town
sem aprender sobre a verdadeira culinária italiana.

Posso ver que Greta sabe o que está fazendo. Os pratos


estão repletos de vegetais assados, berinjela ao parmesão,
Panzanella com radicchio35, sopa italiana de casamento,
almôndegas gigantes e macarrão feito na hora com amêijoas e
linguiça italiana quente.

Depois que toda a comida é servida, Greta se senta para


comer com todos os outros. É claro que ela também é família.
Isso me deixa um pouco mais confortável, como prova de que
os Gallos não são esnobes.

35 A Panzanella é um prato que consiste numa salada misturada com pão amanhecido de alguns dias.
Já o radicchio é uma folha nutritiva consumida em saladas. Tem um gosto amargo e textura crocante,
é muito confundida com repolho roxo, por ser avermelhada em tons de rosa.
— Pegue uma almôndega! — Aida me encoraja. — Elas
são as melhores que você já comeu, eu garanto.

— Não exagere muito, — diz Greta, — tenho certeza de


que Camille comeu muitas almôndegas na vida.

Eu dou uma mordida, mastigando com cuidado para não


queimar minha língua.

— Não assim, — eu digo, seriamente impressionada. —


Isso é incrível.

— Você deveria abrir um restaurante, — Sebastian diz a


Greta.

— Não diga isso a ela! — Aida chora. — Ela nunca vai


voltar aqui se souber que tem outras opções.

Greta bufa, servindo-se de uma generosa taça de vinho.

Vendo que ela não consegue se irritar com Greta, Aida


volta sua atenção para mim.

— Não me leve a mal, — diz Aida, com uma expressão


preocupada. — Mas você sofreu um ferimento na cabeça
ultimamente? Porque parece que você realmente gosta do
Nero...

Nero franze a testa para ela.

— Você prometeu se comportar hoje à noite.


Aida solta uma gargalhada contagiante. — Isso é pelos
seus padrões, irmão mais velho? Porque se for esse o caso...
Acho que qualquer coisa abaixo de queimar a casa é aceitável.

— Você é a única na mesa que ateou fogo a uma casa, —


lembra o marido de Aida.

Esse é Callum Griffin – provavelmente a pessoa mais rica


e influente de toda esta mesa. Ele parece severo. Mas não há
malícia em seu tom – ele está apenas brincando com Aida.

— Uma biblioteca, — ela diz, alegremente. — Não é uma


casa inteira.

— Essa era a minha biblioteca, — ele rosna.

— Bem, agora você tem um apartamento totalmente novo!


E uma esposa! — Aida sorri. — Que bom negócio.

Posso sentir Nero sentado tenso ao meu lado. Eu olho


para ele, com medo de que ele esteja com vergonha de mim,
afinal.

Então vejo que ele está olhando para Aida, não para mim
– nervoso com a forma como vou entender suas piadas.

Percebo que ele está preocupado com o que vou pensar


de sua família, agora que os vi em seu estado natural.

Eu aperto sua mão, sorrindo para ele.

— Essas realmente são as melhores almôndegas, —


sussurro para ele.
Ele relaxa um pouco, sorrindo para mim.

— Eu sei, — ele diz. — Você não pode exagerar.

No final, o jantar é tão lindo quanto o cenário. A família


de Nero é calorosa, charmosa e, acima de tudo, apenas uma
família. Que se amam e se enlouquecem, em medida igual.

Eu sinto que poderia caber aqui.

Eu sei que é o que Nero quer.

Ele me colocou bem no centro da mesa. Ele me olha com


uma expressão que mostra claramente que quer que eu me
sinta em casa. Uma parte deste grupo.

Não sou idiota – sei que isso são os Gallos em repouso.


Em seu covil, por assim dizer. Quando estão caçando, eles se
tornam um tipo de animal totalmente diferente. Violento.
Calculado. Vingativo.

Mas isso não me preocupa. Há um núcleo de escuridão


dentro de mim, o mesmo que Nero. Nós reconhecemos isso um
no outro.

Os Gallos também percebem.

Eu pertenço aqui.
Após a refeição, Nero me leva para um passeio, como
fazemos quase todas as noites.

Às vezes ele está ao volante, às vezes eu estou. De


qualquer forma, nunca nos cansamos do vento em nossos
rostos e da estrada se desenrolando sob as rodas do carro.

Hoje à noite, ele nos leva para Peoria Heights. Teddy


Roosevelt disse uma vez que esta foi a viagem mais bonita do
mundo. É verdade que Nero e eu podemos ficar mais
fascinados com o carro que Teddy Roosevelt dirigia do que com
a vista em si, mas de qualquer forma, ele não estava errado.
Em uma noite clara como esta, você pode ver quase cinquenta
quilômetros ao longo do Illinois River Valley.

É sempre mais fácil para Nero e eu conversarmos


enquanto dirigimos. Isso nos coloca em nosso estado mais
calmo. O carro é como uma bolha, contendo apenas nós dois,
onde tudo pode ser dito.

— O que você achou da minha família? — Nero me


pergunta.

— Eu os amei, — eu digo.

— Todos eles? — Ele pergunta, em um tom de descrença.

— Sim, todos eles, — eu rio. — Você tem sorte de ter


tantas pessoas protegendo você.
— Bem, esta noite eles estavam lá para ver você, — diz
Nero, olhando para mim. — Eles sabem o quanto você significa
para mim. Mas foi bom ter todos juntos novamente.

— Você se lembra da primeira vez que vim à sua casa? —


Pergunto-lhe.

— Claro.

— Você disse que não era o favorito de ninguém.

Ele encolhe os ombros. — Não, provavelmente não.

— Você é MEU favorito, — digo a ele. — Você é minha


pessoa favorita no mundo.

Ele olha para mim, um sorriso lento se espalhando por


seu rosto.

Nero parece feroz ou mal-humorado quase o tempo todo


– mesmo quando está relaxado. Mas seu sorriso é realmente
deslumbrante. É lento, sexy e o faz parecer mais perverso do
que nunca.

Isso faz meu peito queimar e todo meu corpo ficar fraco.

— É isso mesmo? — Ele diz.

— Definitivamente.

Ele coloca a palma da mão quente na minha coxa nua e


a desliza um pouco por baixo da minha saia.
— Você está me deixando louco com este vestido
vermelho, — ele rosna.

— Você deveria fazer algo sobre isso...

Ele encontra um lugar para estacionar, com o vale


estendido abaixo de nós.

Acho que nunca houve um casal que passasse tanto


tempo tirando a roupa um do outro nos carros.

Adoro estar dentro do carro do Nero. Tem o cheiro dele.


Parece ele. A alavanca de câmbio e o volante foram desgastados
pelo contato constante com as mãos. Sua forma é recortada no
banco do motorista.

Eu amo a maneira como ele deita meu assento e sobe em


cima de mim, me prendendo no espaço confinado. Eu amo o
quão perto seu rosto está do meu, enquanto ele desliza seu pau
dentro de mim.

Ele está me fodendo devagar esta noite, mais suavemente


do que o normal. Seus braços estão em volta de mim, suas
mãos enfiadas no meu cabelo.

Nossos lábios se unem em um longo beijo que continua e


continua.

Eu corro minhas mãos em suas costas, por baixo de sua


camisa. Nunca conheci um homem com uma pele tão
fenomenalmente lisa. A maciez da pele e a dureza do músculo
por baixo é uma dicotomia que nunca me canso de explorar.
Cada vez que ele empurra em mim, posso sentir suas
costas flexionando, assim como sua bunda. Eu corro minha
palma para baixo na curva dura de sua bunda, pensando em
como isso é uma parte subestimada de um homem. Os gregos
e os romanos sabiam pegar uma bunda assim e imortalizá-la
no mármore.

Nero deveria ser uma estátua.

Se ele fosse, eu o adoraria.

Eu pressiono meu rosto contra o lado de seu pescoço,


inalando seu cheiro. Isso é tudo o que preciso – esse é o
catalisador que me empurra. Eu chego ao limite, e ele também.
Quase sempre acontece ao mesmo tempo agora. Quer ele
comece primeiro ou eu, a contração e o aperto de nossa carne
colocam o outro no limite.

Cada vez que fazemos isso, caio mais e mais na minha


obsessão por este homem. Percebo que nunca poderia me
sentir assim por outra pessoa. Se eu perdesse Nero, passaria
o resto da minha vida lembrando como é sentir o desejo nesse
nível. Prazer neste nível. Conexão, admiração, amor, em uma
escala abrangente.

Essa é a coisa angustiante de se apaixonar.

Sou Eva no jardim. Depois de comer a fruta, nunca mais


poderei voltar. Nunca posso esquecer o que provei.

E eu não me importo. Eu daria mil anos cinzentos e


solitários por uma hora disso.
Eu daria qualquer coisa para ter Nero.

Deitamos juntos no banco do passageiro apertado,


abraçados com força.

Depois de um tempo, Nero diz: — Tenho que te contar


uma coisa.

— O que é?

— Eu descobri algo sobre sua mãe.

O silêncio no carro parece enorme. Mesmo com o calor


dos braços de Nero, sinto frio. Já sei o que ele está tentando
me dizer. Eu posso lê-lo tão bem agora. Sinto a rigidez de seus
ombros e a tensão em sua voz.

— Ela está morta, não está?

— Sim, — ele diz. — Eu sinto muito.

A finalidade disso é como uma porta batendo na minha


cara. Todas as coisas que eu queria dizer a ela, todas as coisas
que esperava que ela me dissesse um dia... tudo esperava do
outro lado daquela porta. Agora está fechada e não pode mais
abrir.

— Eu acho que eu sabia. Quando ela não ligou por tanto


tempo... nem mesmo uma vez. Acho que sabia o que
significava.

— Mesmo assim, — ele diz. — Saber com certeza é


diferente.
Eu enterro meu rosto em seu peito, agarrando-me a seus
braços em volta de mim. Ele é a única coisa que está me
segurando firme agora.

— O que aconteceu? — Pergunto-lhe.

— Pelo que pude descobrir, foi uma overdose.

Eu suspiro.

Eu tinha uma fantasia na minha cabeça de que ela


poderia ter ficado limpa. Mudou-se para outra cidade. Mudou
toda a sua vida. Achei que ela voltaria um dia, tão bonita
quanto antes. Ela bateria na porta, assim como na noite em
que trouxe Vic. Mas desta vez ela não fugiria. Ela entraria na
cozinha e se sentaria conosco. E nos diria onde ela esteve.

Quase acreditei que poderia fazer isso acontecer para ela,


apenas segurando aquela imagem na minha cabeça. Um
possível futuro em que ela poderia entrar, contanto que eu a
mantivesse pronta para ela.

— Eu não deveria ter te contado, — diz Nero, enxugando


as lágrimas do meu rosto com a mão.

— Estou feliz que você contou, — digo a ele. — Assim eu


não me questiono mais...

— Eu nunca vou te deixar, — diz Nero. — Nunca, Camille.


Você nunca terá que se perguntar para onde fui. Eu estarei
bem ao seu lado.

Eu olho para o rosto dele.


Passei muito tempo com um buraco no coração.

Nero preenche todo o espaço vazio dentro de mim. Ele


cura todas as feridas. Eu sei o quão perigoso ele é. Quão
inteligente. Quão implacável. Ele me faz sentir invencível,
porque com Nero ao meu lado, nada pode me machucar.

Sinto muito pela minha mãe.

Mas é hora de finalmente começar o próximo capítulo da


minha vida.

Estou seguindo em frente – Nero e eu, juntos.

Fim

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