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ANALISE DO CONTO “ESTORIA DO LADRAO E DO PAPAGAIO” DE LUANDINO Por (comocara@hotmail.com) graduando em Letras e licenciado em Historia. ‘enildo Santos Silva A literatura é a arte do encanto, consegue seduzir e aproximar o leitor de outras realidades, sendo assim um objeto de reflexdo do mundo e das mazelas que o cerca. E na ficgdo que sonhos e vontades niio aleangaveis no mundo “real” podem acontecer, ou seja, 0 texto ficticio nos proporciona uma viagem por um mundo fantastico. Ela também ¢ a representagio de identidades, a manifestacao de culturas, enfim a Literatura € a construgio de outros mundos, com outras possibilidades e outras formas de viver, baseado é claro, no mundo que vivemos. Dentro desta perspectiva literiria Luandino Vieira, autor angolano escreve textos de dentineia, encantamento e representago cultural do seu povo. Nas obras de literatura afticana, de lingua portuguesa, ¢ nitida a fungio do engajamento, jé que os negros foram extremamente explorados ¢ oprimidos enquanto cidadaos, principalmente pelo advento do colonialismo. Aqui conheceremos como a obra “A estéria do ladrao e do Papagaio” retrata uma sociedade “massacrada” pela colonizagao e como ela busca estratégias de sobrevivéncia e “auto-estima” mesmo em um ambiente que contrapoe a “felicidade’” Pertencente 4 geracao de Cultura, comprometido com a Iuta de libertacio nacional, Luandino Vieira € preso na década de 60, s6 regressando a Luanda em 1974. Quase toda a sua produgao literéria nasce no cércere, funcionando como sustentadora de seus ideais e sonhos. A configuragio de sua obra permite uma discussio a respeito da literatura enquanto instrumento de mudanga bem como construgio narrativa da modernidade. © texto aqui trabalhado foi escrito justamente quando Luandino estava preso A “Estéria do Ladrao e do Papagaio” tem a seguinte temética: Lomelino, um caboverdiano, chamado Dos Reis, 6 preso por roubar patos e culpa, seu amigo de quadrilha, Garrido Fernandes, Depois se arrepende por ter entregado 0 amigo a policia. O arrependimento ocorre principalmente por que seu amigo é deficiente (coxo). Esse sofie com o preconceito de todos, inclusive da nmlhier que o ama, se esquecer do papagaio que também o v8 com desprezo. Garrido, para se vingar de todo esse preconceito, resolve roubar o papagaio de Indcia, sua paixfo, para que 0 animal no ganhasse mais o carinho da dona, e para que nao mais fosse desrespeitado pelo animal e pela sociedade. Com isso Garrido & preso e tem de encarar Dos Reis, que o havia traido. Nese momento, hi uma situagio de revolta por parte de Garrido que & acalmado e aconselhado por Xico Futa, No encontro entre Dos Reis e Garrido, sente-se um estranhamento em ambos, Lomelino envergonhado pela traigdo e Garrido preocupado e a0 mesmo tempo triste pela traigao do amigo. © conto apresenta uma simplicidade aparente, porém ao conhecer o enredo percebemos que ele é um instrumento de demiincia da realidade. Sao diversas inovagdes presentes no texto, a principio a narrativa nfio segue 0 formato “tradicional”, divisto por capitulos, o autor organiza a obra em blocos, cada um com uma historia que se entrelaga e se tomam coeso quando é analisado no conjunto. E narrado por um narrador onisciente que tudo sabe, observando e comentando a respeito de tudo e todos, traco comum no narrador Heterodiegético. O espaco em que ocorre o fato & apresentado enfatizando a confisio, desorganizacio e miséria que envolve o musseque, um ambiente pobre do pais, o retrato cultural de um povo. Em relagZo ao tempo a narrativa tem inicio no final da histéria, pois comeca jé com Dos Reis sendo preso pelo roubo. Outra situacdo que marca o tempo da histéria e a quebra da linearidade, j4 que o texto no possui a estrutura comum de inicio, meio e fim. Luandino também inova quando utiliza de digresstes para conversar com o leitor, ou seja, na obra o autor da pausas na historia para falar de elementos culturais do pais ou de simbolos do movimento de libertaga0, como ocorre no momento em que ele faz a metéfora do caju, a finta é o simbolo do MPLA. O texto apresenta diversas temiticas sociais do povo angolano, Luandino procurou de forma implicita e explicita destacar diversos elementos que angustia esse pais. A discriminagtio no ponto de vista de muitos criticos literarios € © ponto chave, pois a deficiéncia de Gamido motivo de afastamento, de exclusio e de baixo estima do personagem. O fato de Garrido ser coxo ¢ visto como anormalidade, pois ele nfo é aceito pelos amigos, a pessoa que ama e até ‘um animal “o papagaio” o trata com discriminaga0, com isso o autor quis apresentar que a nao aceitacao é uma atitude que parte do irracionalismo, sem razdes significativas Outras temiticas como a pobreza, o roubo, a sexualidade e a subordinagao dos negros colonizados sto patentes na obra. © autor nos faz perceber que as peripécias da quadrilha é uma necessidade, ou seja, eles roubam porque precisam se alimentar, 0 desemprego e a falta de alimentacao fazem com que eles procurem estratégias de sobrevivéncia, A sensualidade tem presenga marcante em parte da narrativa. Inécia, assimilada, que se sente superior aos outros negros, inclusive a Garrido, discriminando-o de uma forma cruel, sempre usando ‘uniscaras’, pois no fimdo, gostaria de poder aceitar 0 amor do “coxo", sem se importar com a sociedade, mas 0 jogo de preconceitos é tfo forte em Africa que ela prefere se manter fria e inferiorizar Garrido. texto também pode ser visto como um documento histérico, pois 0 tempo todo o autor menciona situagdes histéricas do periodo colonial daquele pais. Uma das situagdes narradas & a dos homens brancos que engravidavam as negras e na maioria das vezes, sumiam, no se importando com os fills que deixavam 4 mercé da sociedade opressora, Ou os abandonavam, por nio darem importincia ao ser humano negro, e, além disso, mulher, ou por terem que retomar ao seu pais, através do mar, o que simboliza abandono, morte ou riqueza. A muptura é apresentada no texto nos momentos em que os colonizados comecam a perceber a opressio do colonizador e buscam mudangas tanto nos aspectos culturais quanto nos politicos. A lingua portuguesa era obrigatoriedade na sociedade angolana, pois era a lingua do colonizador, mesmo assim os angolanos buscavam uma nova forma de comunicagio, criavam novas palavras € buscavam criar uma linguagem propria, rompendo assim com o modelo predisposto pelos “brancos”. Nesse sentido, Guadalupe Salves apud Tania C. Macedo ressalta que: No conto analisado, 4 Estéria do Ladrao e do Papagaio, José Luandino Vieira, trabalha com a temitica cidade’ complexo colonial’ sesisténcia, conferindo & narrativa, o sinete da "angolanidade”. Utiliza- se uma linguagem baseada na fala bilingle dos habitantes do mmusseque e a oralidade, expondo a caréncia da populagao marginalizada e sua procura por uma forma propria de expressao, pelo conflito gerado pelo colonialism, além de obedecet a uma proposta de caracterizacdo cultural da populagao marginalizada (0 que implica ‘uma postura politica), reafirma o valor critico da inveng&o literéria ( 1990: 18). Outra ruptura & apresentada com a presenca do jovem como esperanga de paz e de mudanga esti em Xico Futa que, desde o inicio dos acontecimentos, ele procura acalmar e aconselhar os que 0 rodeia, parece ter dominio sobre todos, inclusive sobre a autoridade, representante dos portugueses, dominadores ¢ opressores. Este quadro pode ser considerado como simbolo das mudangas que os jovens intelectuais, defensores de sua causa, iriam conquistar com o passar do tempo, através de movimentos como a Negritude, Vamos Descobrir Angola ¢ outros. A ficctio de Luandino é muito parecida com a brasileira, primeiro porque ele teve acesso a diversos autores do nosso pais, pesquisadores da literatura angolana nos mostram que entre os autores brasileiros lidos na Aftica, Jorge Amado ¢ 0 mais conhecido. As temiticas discutidas por Luandino se aproximam muito do estilo amadiano, ao analisar a “Estéria do ladrio e do papagaio” conseguimos perceber muitas situagdes em comum com “Capitties de Areia”, as temiticas, personagens e até mesmo alguns aspectos estilisticos. As duas obras so organizadas em blocos, em ambas encontramos um personagem coxo, na de Amado o personagem é mais poetizado, tem vantagens com a situagao fisica, em Luandino percebemos justamente o contrario, ele fala da realidade da forma que se apresenta, nao romantiza as situacdes. A sensualidade, o roubo, a sobrevivéncia e a vontade de transformago da sociedade sto caracteristicas commns nos dois autores. Outra singularidade entre as obras é que assim como em “Estéria do ladrao e do papagaio” a justiga se mostrava indiferente aos Capitaes da Areia s6 se preocupando com eles quando roubavam alguém importante! Ai eles eram perseguidos. Em ambos os textos os excluidos s6 existem quando fazem algo de mim, ou seja, quando roubam. “Capitaes da Areia” assim como “Estéria do ladrio e do papagaio” podem ser considerados "um daqueles livros que se 18 de uma sentada sé". Os romances elucidam a importancia da luta pela sobrevivéncia e aponta a certeza de que sé a luta revoluciondria muda a vida, mesmo que para isso se use estratégias consideras “errénea” do ponto de vista da ética Aproveitando que os estudos literirios contemporaneos sio marcados, cada vez mais, pela ruptura do estético e cultural, é possivel contemplar uma historiografia literdria que destaque as diferentes formas de escrita e que autores de paises considerados subalternos possam ser valorizados. A partir dessa ampliagao dos horizontes, poder-se perceber os diversos matizes culturais relegados ao obscurecimento por conta de uma estética classica, de feicdo académica e enrijecida REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS AMADO, Jorge. Capities da areia. Salvador: FCJA, 2004, SALVES, Guadalupe Estrelita dos Santos Menta. O engajamento no conto africano. Santa Catarina. UNED-CP, 2002.

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