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Hippie - Paulo Coelho - 2018 - Sant Jordi Associados - Anna's Archive
Hippie - Paulo Coelho - 2018 - Sant Jordi Associados - Anna's Archive
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Outros títulos de Paulo Coelho:
O Alquimista
Brida
A bruxa de Portobello
O demônio e a srta. Prym
O diário de um mago
A espiã
Maktub
Manual do guerreiro da luz
Na margem do rio Piedra eu sentei e chorei
Onze minutos
Veronika decide morrer
Sumário
Epígrafe
Dedicatória
Hippie
Epílogo
Alguém lhe disse: “Tua mãe e
teus irmãos estão lá fora e querem ver-te”.
***
***
***
Meu amado, minha luz, que sua alma continue em adoração perpétua. Em algum momento
você vai deixar esse lugar onde está agora e voltará aos seus, porque não é chegado ainda o
tempo de renunciar a tudo. Mas o Dom Supremo, chamado Amor, fará com que seja
instrumento de Minhas palavras — as palavras que eu não disse, mas que você entende.
O silêncio ensina se você deixar-se mergulhar no Grande Silêncio. O silêncio pode ser
traduzido em palavras, porque esse será seu destino, mas quando isso acontecer, não tente
absolutamente explicar nada, e faça com que as pessoas respeitem o Mistério.
Você quer ser um peregrino no caminho da Luz? Aprenda a caminhar no deserto.
Converse com o coração, porque as palavras são apenas acidentais — e, embora você precise
delas para comunicar-se com os outros, não se deixe trair por significados e explicações. As
pessoas escutam apenas aquilo que querem, jamais tente convencer ninguém, siga apenas o
seu destino sem medo — ou até mesmo com medo, mas siga o seu destino.
Quer alcançar o céu e chegar até mim? Aprenda a voar com duas asas — disciplina e
misericórdia.
Os templos, as igrejas e as mesquitas estão cheios de pessoas com medo do que está do
lado de fora — e terminam sendo doutrinadas por palavras mortas. Mas meu templo é o
mundo, não saia de meu templo. Permaneça nele mesmo que seja difícil — mesmo que seja
motivo de riso dos outros.
Converse e não tente convencer ninguém. Jamais aceite ter discípulos ou pessoas que
creem em suas palavras, porque quando isso acontecer, elas deixaram de crer no que seus
corações estão dizendo, e que na verdade é o único que precisam escutar.
Caminhem juntos, bebam e se alegrem com a vida, mas mantenham distância para que
um não precise amparar o outro — a queda faz parte do caminho, e todos precisam aprender
a se levantar sozinhos.
A TV era seu único meio de informação. Foi ali que viu, para
sua surpresa e vergonha, que depois de vinte dias de inferno o
presidente da França, general Charles de Gaulle, aquele que
resistira aos nazistas, aquele que acabara com a guerra colonial
na Argélia, aquele que todos admiravam, finalmente aparecera
para dizer aos seus conterrâneos que ia organizar um referendo
propondo “uma renovação cultural, social e econômica”. Caso
perdesse o referendo, renunciaria.
Aquilo que ele propunha não queria dizer nada para os
operários, que estavam pouquíssimo interessados em amor
livre, país sem fronteiras, coisas do tipo. Pensavam apenas em
uma coisa: aumento significativo de salário. O primeiro-
ministro Georges Pompidou se encontrou com os
representantes sindicais, os trotskistas, os anarquistas, os
socialistas, e só nesse momento a crise começa a recuar —
porque, quando todos foram colocados frente a frente, cada um
tinha uma reivindicação diferente. A divisão é o governo.
Jacques resolveu participar de uma passeata pró De Gaulle. A
França inteira assistiu estarrecida ao que aconteceu. A passeata,
em praticamente todas as cidades, termina reunindo uma
quantidade imensa de pessoas, e os que deram início àquilo
que Jacques nunca deixou de chamar de “anarquia” começam a
recuar. Os novos contratos de trabalho foram assinados. Os
estudantes, que nada mais tinham a reivindicar, começaram a
voltar pouco a pouco para as aulas — com aquela sensação de
uma vitória que não significa absolutamente nada.
No final de maio (ou início de junho, não conseguia precisar
direito), sua filha finalmente voltou para casa e disse que
conseguiram tudo o que queriam. Ele não perguntou o que
queriam, e ela não explicou, mas parecia cansada,
decepcionada, frustrada. Os restaurantes já estavam abrindo,
foram jantar à luz de vela, evitando tocar no assunto — Jacques
jamais diria que foi a uma passeata A FAVOR do governo —, e o
único comentário que levou a sério, muito sério, foi quando
ela disse:
“Cansei daqui. Vou viajar e morar longe.”
No fim desistiu da ideia, porque antes precisava “terminar
seus estudos”, e ele entendeu que aqueles que torciam por uma
França próspera e competitiva tinham vencido.
Revolucionários de verdade não estão nem um pouco
preocupados em formar-se e ter um diploma.
Desde então lera milhares de páginas de explicações e
justificativas dadas por filósofos, políticos, editores, jornalistas
etc. Citavam o fechamento de uma universidade em Nanterre
logo no início do mês, mas aquilo não podia justificar toda a
fúria que assistira nas poucas vezes em que se aventurou fora
de casa.
E nunca viu uma única, uma só linha que pudesse leva-lo a
dizer: “Ah, foi isso que provocou tudo”.
Publicado mediante acordo com Sant Jordi Asociados Agencia Literaria SLU,
Barcelona, Espanha.
Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, que entrou em
vigor no Brasil em 2009.