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o% CENGAGE Lee irs | 1 = Vv LVAN Sa } 4 of if eG Ha Cintrao Forghierl Digitalizado com CamScanner Dados Internacionais de Catatopagto na Puntscagte (cr? (Canara Brasileira do Livro, ser mcemt® (CH Forghieri, Yolanda cintrao Psicologia Fenomenol6. © Pesquisa / Yolanda cint1 Cengage Learning, 2011. gica: fundamentos, metodo to Forghieri. - $40 Paulo: 6. reimpr. da 1. ed. de 1993, Bibliogratia. ISBN 85-221-0163-9 1. Fenomenologia 2. Fenomenologia existencial 3. Materialismo 4. Psicologia 5. Psicologia clinica 6.Psicologia existencial I. Titulo 02-0671 cpp-150 tndice para catélogo sistematico: 1, Psicologia 150 Digitalizado com CamScanner INDICE Apresentagao, X1 PELAS 1 A CAMINHADA CONCEITUACOES I — INTRODUGAO, I 1 — Estilo adotado na redagio do trabalho, 1 2 — Vivéncias Iniciais, 4 Il — INFLUENCIA DE PSICOLOGOS, PSIQUIATRAS E FILOSOFOS NO PEN- SAMENTO DA AUTORA, 6 Ill — RAZOES PARA A ELABORACAO DE UM ENFOQUE FENOMENOLOGI- CO DA PERSONALIDADE, 10 E SUAS RELACOES 2 A FENOMENOLOGIA COM A PSICOLOGIA I — INTRODUGAOQ, 13 Il — TEMAS FUNDAMENTAIS, 14 1 — Oretorno as “‘coisas mesmas’’ ea intencionalidade, 14 2 — Aredugio fenomenolgica e a intuigdo das esséncias, 15 3 — Areflexao fenomenoldgica, o mundo da vida e a intersubjetividade, 17 II — POSSIBILIDADES DE. ARTICULAGAOENTRE A FENOMENOLOGIA E A. PSICOLOGIA, 19 ENFOQUE FENOMENOLOGICO DA PERSONALIDADE I — ESCLARECIMENTOS, 23 1 — A trajet6ria percorrida, 23 2. — Passos seguidos na elaboragiio do enfoque, 24 3 — Paradoxos ¢ aparentes enganos, 25 Digitalizado com CamScanner Ns Il — FENOMENOLOGOS CUJAS IDEIAS FUNDAMENTARAM 0 py Ill — APRESENTACAO DO ENFOQUE: CARACTERISTICAS BASIcag Do % EXISTIR, 26 1 — Ser-no-mundo, 27 1:1 — Aspectos do mundo: circundante, humano, préprio, 29 1.2 — Maneiras de existir: preocupada, sintonizada, racional, 35 2 — Temporalizar, 41 3 — Espacializar, 44 4 — Escolher, 46 ve— CONSIDERAGOES SOBRE O SER-DOENTE EO SER-SAUDAVEL, BX TENCIALMENTE, 51 % CONTRIBUICOES DA 4 FENOMENOLOGIA PARA A PESQUISA NA PSICOLOGIA I — INTRODUGAO, 57 IT — O METODO FENOMENOLOGICO NA INVESTIGAGAO Da VIVENCIA, 55 1— Envolvimento existencial, 60 2-— Distanciamento reflexivo, 60 Ml — EXEMPLO DE INVESTIGACAO FENOMENOLOGICA Da VIVENCIA, 62 A — Tema: Contrariedade e bem-estar humanos, 62 B — Justificativa, 62 C — Objetivos, 63 D — Metodologia, 63 E — Resultados, 6 IV — LEVANTAMENTO DE TRABALHOS SOBRE PESQUISA FENOMENO- LOGICA NO CAMPO DA PSICOLOGIA, 68 A — Inicioedesenvolvimento da Pesquisa fenomenolégica, 68 B — Revisdo de pesquisas realizadas, 71 @ — Material examinado, 71 b — Classificagio das pesquisas, 73 © — Comentérios, 74 Referéncias Bibliogrdficas, 77 Digitalizado com CamScanner APRESENTACAO . A insuficiéneia do dualismo cartesiano e do positivismo diante de ques- es cientificas mais complexas, sobretudo no campo da Psicologia e das Ciéncias Humanas, abriu espago para nova corrente de pensamento — a Fenomenologia. Inaugurada por Husserl, a inspirado pela preocupagio do rigor, um sistema filosdfico, mas um conjunto de proposigdes para um método de pensar, apreender e investigar 0 mundo, tio rigorosamente quanto possivel. A exemplo de Galileu e Copémico, Husserl descentralizou 0 sujeito, estabelecendo novas relagdes entre sujeito ¢ objeto, entre observador € acontecimento observado, antecipando-se a muitas formulagées da Fisica Moderna. A obra de Husserl € extensa e dificil. Teve seguidores de todas as areas ¢ tendéncias ideol6gicas, entre cles Heidegger, Jaspers, Merleau-Ponty e Sartre, Contudo, pode-se dizer que ndo produziu, ainda, todos os seus desdobramentos € consequéncias Nos pafses americanos — possivelmente por razdes socioecondmicas — a Fenomenologia tem sido pouco estudada, mormente nos Estados Unidos, onde predominam, ainda, 0 cartesianismo ¢ 0 neopo' mercé da pequena ou nenhuma tradigao filoséfica daquele pais. No Brasil, porém, marcado ainda pela influéncia do pensamento euro- peu, a Fenomenologia comparece de modo mais consistente, sobretudo nas Ciéncias Humanas, na Psicologia e na Psiquiatria. Apesar disso, as publicagdes mais significativas sfio esporddicas € bissextas, decerto por dificuldades materiais. Nesse contexto, a presente obra é oportuna € fundamental. Professora de Psicologia, detentora de elevados t{tulos nas melhores universidades do Pais, Yolanda Cintriio Forghieri acumula uma longa ex- periéncia no magistério, tendo perpassado, com entusiasmo e dedicagio, diferentes escolas de pensamento filoséfico ¢ psicolégico. ivismo, Digitalizado com CamScanner xi YOLANDA CINTRAg Fon Shi, Depurada pela experiéncia e amadurecida em suas Teflexdes, dedica-se, ha muitos anos, ao estudo do método fenomenolégic, € sua aplicacao no campo da P: icologia Clinica. Como autoridade no assunto, foi convidada — e 0 fez com Sucesso — para ministray cursos na Universidade La Sapienza de Roma (instituigao italiana Oficial), projetando, no exterior, a inteligéncia brasileira, Incansével, tem orientado teses e Pesquisas, formando discipulos e seguidores, No presente trabalho, a autora percorre um amplo universo de pensadores fenomenologistas existencialistas, em contraponto com as principais teorias da Psicologia moderna. Entretanto, Bragas A sua experiéncia didatica, introduz o leitor Suavemente no assunto, através de sua autobiografia intelectual, seus primeiros encontros e vivéncias com os expoentes da Fenomenologia, Aprofessora Forghieri, telatando suas préprias: dificuldades iniciais, encoraja os principiantes ¢ os ampara em seus primeiros Passos, com a simplicidade e autenticidade de uma verdadeira mestra. Esta obra, bastante substancial e abrangente, nao somente passa em revista os autores mais Significativos da Fenomenologia como re- Produz, em citagdes, os aspectos mais relevantes de suas obras, ilus- trando a exposigao serena e vigorosa da professora Forghieri. Tais qualidades, sumariamente assinaladas, colocam esta obra no Prof. Dr. Zacaria Borge Ali Ramadam Depto. de Psquiatra da Faculdade de Medicina ~ USP Digitalizado com CamScanner A CAMINHADA PELAS CONCEITUACOES I - Introdugao 1. Estilo adotado na redagéo do trabalho Heidegger (1972), em uma de suas obras, relata como — em suas “tentativas desajeitadas para penctrar na Filosofia” (p. 99) — interessou-se pela Fenomenologia ¢ ala passou a se dedicar, a partir do contato que teve com o livro Investigacées Légicas, dizendo sobre este: “A obra de Husserl marcara-me de tal modo que, nos anos subseqiientes, sem- pre a li, sem compreender suficientemente o que me fascinava. O encanto que emanava da obra estendia-se até 0 aspecto exterior da paginagdo e da pagina titulo (p. 100). Provacava uma inquietagao que desconhecia sua razdo de ser, ainda que deixasse pressentir que se originava da incapacidade de chegar, pela pura leitura da literatura filoséfica, a realizar o processo de pensamento que se designava como Fenomenologia. A perplexidade desapareceu muito lenta- mente, trabalhosamente solveu-se a confusdo, quando pude entrar pessoalmen- te em contato com Husserl” (p. 103). Fiquei surpresa com estas afirmagGes de Heidegger, nao apenas por saber de sua genialidade, como, também, por ter sido ele o filésofo que conseguiu chegar & mais original e significativa interpretagao desse “processo de pensamento”, cuja repercussiio tem sido tio grande, talvez até maior que a do proprio Husserl, seu iniciador. Além de surpresa, fiquei consideravelmente aliviada e disposta a aceitar a enorme dificuldade que tenho encontrado para compreender a Fenomenologia, niio conseguindo deslind4-la completamente até o dia de hoje. Digitalizado com CamScanner YOLANDA CINTRAQ, Forcuy ER O referido texto do ius filsofoinspirou-me, também, arevero que tera me a me interes me “apxonae” pela Fenomenolgi, ea cher, fnalment, ayer Ia como o fandamento para a compreensio doexistr amano, bem como do men gr atuar, decorrente de tal entendimento, em minha vida profissional ¢ pessoal, Ode Minhas lembrangas conduziram-me a refletir sobre as razdes que levarigm \ psicdloga a ter preferéncia por esta ou aquela abordagem, num campo de estudos ond fa diversidade de enfoques, de dias e principios bastante diferentes, sendo alguns da ate mesmo opostos. O ser humano tem-se preocupado, através dos tempos, com o Conhecimenty ¢ a compreensao de sua existéncia no mundo. Profundas reflexdes e estudos foram feitos inicialmente, pelos fil6sofos; os primeiros psic6logos surgiram apenas no final do séeulg Passado, procurando tomar a Psicologia uma ciéncia objetiva, Wundt foi oiniciador dens movimento, fundando, em 1879, o Primeiro Laborat6rio de Psicologia Experimental, Desde entdo, foram surgindo varias abordagens na Psicologia e dentro destas muitas teorias da personalidade. Uma das razdes para a multiplicidade de abordagens no campo da Psicologia da Personalidade € o fato de o psiquismo humano revelar-se através do Proprio existir e de ser este muito amplo ¢ complexo. Os fendmenos psfquicos so vividos, imediatamente, pelo psicdlogo que os pretende estudar, mas, para manter determinada atitude cientffica, ele procura estudé-los nas outras pessoas, que passam, ento, a ser os sujeitos de suas investiga. Ges. Porém, o existir destes sujeitos ndo apresenta apenas aspectos passiveis de observacio, em suas manifestagGes exteriores, mas contém outros que ficam ocultos aos mais competen- tes ¢ atentos observadores, por ocorrerem no intimo das pessoas. Acontece que estas niio sio transparentes € geralmente ndo querem revelar a sua intimidade; além disso, passam por fen6menos que, as vezes, nem chegam a perceber, pois ocorrem num nivel muito profundo, que € o seu inconsciente. Acresce, ainda, que o existir cotidiano esté repleto de aspectos contrastantes, Assim, por exemplo, somos racionais ¢ livres, mas nao podemos negar que também somos determinados pelos condicionamentos; dedicamo-nos ao bem-estar de nossos semelhantes, mas, ao mesmo tempo, nos empenhamos na nossa propria realizagao pessoal; convivemos com as pessoas € nos relacionamos com os animais e as coisas deste mundo, mas, por outro lado, nos confrontamos com a nossa solidio; experimentamos momentos felizes de grande tranqiiili- dade, mas nao conseguimosevitar as nossas angiistias ¢ afligdes. Enfim, vivemos mas também morremos, numa paradoxal simultaneidade, pois, a cada dia que passa, estamos caminhando tanto no sentido de viver mais plenamente, como no de morrer mais proximamente... Oexistir cotidiano imediato é vivenciado como uma totalidade que integra todos os seus aspectos complexos ¢ contrastantes, porém, 0 processo racional de teorizagio ¢ parcial, delimitador. Todos nés sabemos tantas coisas, de modo vivencialmente global, que 40 — Digitalizado com CamScanner ACAMINHADA PELAS. CONCEITUACOES. 7 conseguimos explicar de modo preciso e completo. Assim fern ae centites Por algun, a alegria que nos envolvee nos engradece nos momentos Tam se es gang nO invade © tos oprime nos momentos de afliglo. Quando me rede ea echo ue consiste cada uma dessas experiéncias eu digo que sim, mas se compre a seneagto dongs Poss tena, porém, todas as minha expicagées deixam-me : 0 fer conseguido fazé-lo de modo completo. E 0 que acontece nessas situa Se ta i i i situ: em fantas outras da vida cotidiana, e também na vivéncia do psicélogo nos momentos de atuagio profissional, Todas essas complexidades ¢ c acontece, por exemplo, com a ee ontrastes tém dificultado a investigagdo no campo da Psicologia da Personalidade pois, como ciéncia, ela precisa ser elaborada por mmo de prinefpios claros, logicamente organizados. Esta situagdio tem levado os seus estudiosos a investigarem © existir humano, focalizando ora uns, ora outros de seus miltiplos e, as vezes, paradoxais aspectos. Assim, foram surgindo as varias teorias psicolégicas, tais como a comportamental, a psicanalitica ¢ a humanista, sendo, cada uma delas, um conjunto de formulagdes Coerentemente articuladas, que procuram explicar o ser humano a partir de uma perspectiva que abrange apenas alguns de seus aspectos. Como estudiosa da Psicologia, tenho refletido muito a respeito dessas dificuldades e, como professora, tenho partilhado da inquietago de meus alunos, quando sentem que precisam adotar uma posigao diante da diversidade que percebem nas diferentes teorias. A inquietagio aumenta no momento de ultrapassarmos a situagdo de meros estudiosos ¢ entrarmos na prdtica; ou, em outras palavras, quando, por exemplo, nos defrontamos com alguém que precisa de nossa atuago e competéncia profissional, para ajudé-lo a superar as suas dificuldades pessoais. Freud, Jung, Skinner, Rogers, Binswanger e tantos outros... Qual deles seguir ou adotar como suporte para a nossa pratica de psicélogos? Que autores nos fornecem subsfdio para compreendermos 0 modo como vivem as pessoas que solicitam a nossa ajuda, e quais os meios para ajud4-las a viverem melhor? Acontece que 0 psicélogo também é objeto de suas investigagées e reflexes; ¢ entiio as perguntas tanto se voltam para os seus clientes como para ele proprio. O modo como tenta compreender e ajudar outras pessoas é, basicamente, o modo como tenta compreender-se viver do melhor modo possivel. Asteorias psicoldgicas surgem a partir da vivéncia dos tedricos, nao 6 como estudiosos € profissionais, mas também como seres humanos vivendo cotidianamente nas mais variadas situagGes. | A ciéncia psicolégica esté entrelagada & vivéncia do psicdlogo; ¢ é na alterniincia interligada das teorias com sua vivéncia que ele vai chegando as suas preferéncias te6ricas convicgdes, como profissional e como ser humano, que experimenta alegrias e tristezas semelhantes as dos sujeitos que ele pretende conhecer: sfio convicgdes imbufdas de conceitos te6ricos racionais e de crengas que ele nao consegue explicar satisfatoriamente, pois surgem Digitalizado com CamScanner 4 YOLANDA CINTRAg ron ndo apenas da coeréncia de seu raciocfnio como, também, de seus Sentiment, vivéncia imediata global. E estes nao estiio. estagnados, mas. continuamente aberto, ede Ny tnudana ¢ ampliago,consoientes aos estudoscontinos e & constant agg prdprias experiéncias. PS sae Refletindo sobre todos esses fatos, senti necessidade de identificar nao ay " € os autores que me influenciaram, mas também as vivéncias. que teriam contrib eu sofresse essa influéncia ¢ me encaminhasse para a Fenomenologia, Enfim, para ser auténtica em minhas enunciagoes e para facilitar a Compreenss; a critica — do enfoque de personalidade que apresento neste trabalho, considers e indispensavel nele incluir os varios elementos que fizeram parte da trajetéria que pereon sr chegar & sua elaboragdo. E entre eles encontram-se tantos os componentes Taciongi objetivos, como os vivenciais e subjetivos, que estio presentes em todas as elaboragss Cientificas, embora raramente sejam mencionados. ea Por todas essas razOes, ao redigir este trabalho, precisei adotarum estilo, de certo modg autobiogrifico pois s6 assim conseguiria dar conta do que pretendia, E me encoraje afi’ lo por me sentir apoiada. Porescritores fenomendlogos, entre os quais destaco Mertleau-Poy (1973) quando afirma: “E no contato com nossa propria vivencia que elaboramos ogées fundamentais das quais a Psicologia se serve a cada momento” (p. 33). Assim sendo, 0 estilo que aqui adoto pode ser considerado como um modo de faze; Fenomenologia, como diria Spiegelberg (1975), ou uma forma de vivé-la, como afirmaria Merleau-Ponty (1973). ‘Shep, egy ido Page 2. Vivéncias Iniciais A lembranga ¢ reflexao a respeito das primeiras vivéncias que poderiam ter propiciado © meu encaminhamento para a Fenomenologia reportaram-me, espontaneamente, a uma €poca em que ainda nao tinha o menor interesse Pelo estudo de textos cientificos: a minha infancia. Recordo-me de que, desde crianga, tive a preocupagio de estar atenta e procurar compreender as minhas préprias experiéncias ¢ as das Pessoas importantes para mim, formando, gradativamente, através das mesmas, de modo intuitivo ¢ global, um conjuntode crengas ¢ principios sobre o que hoje poderia denominar de personalidade humana. A partir da juventude, quando comecei a entrar em contato com as obras de Psicologia, Jembro-me do quanto algumas delas me intrigaram ¢ impressionaram, por me revelarem alg completamente novo e fascinante, que me inquietava e me levava a refletir sobre aquilo em que até entio acreditara, levando-me a modificar ou ampliar as idéias que havia formato Sobre o existir humano. Assim foi o meu Contato ¢ envolvimento com a Psicanilise. Por outro lado, ¢ com maior: freqiiéncia, no meu percurso como intelectual, varias on despertaram-me grande interesse, por Perceber, ou apenas pressentir, que continham pd Para confirmar ¢ esclarecer as minhas Convicgdes. Foi o que aconteceu com a maioria Digitalizado com CamScanner ACAMINHADA PELAS CONCEITUAGOES 5 bicia i, pardon genta me parecessem muito diffeeis ¢ desafiassem meu dade:eracomose os auton ee Proporconavam um sentmento de cent fai cu jfhavia vislambrado vie nse, em suas formulagées, certo saber elementar, que sentimento do que de um onion fe. Isto, aconteceu inimeras vezes, mai sob a forma de ai i rento racional, Por esse motivo, encontro dificuldades em identificar e enunciar pormenores a esse respeito. Consigo, apenas, vislumbrar duas circunstincias significativamente iny es dooocente tt ceria iota mS Uma delas surgiu quando cx portantes, ambas :do convivio com minha mie, experimentava em relapao alec mecei a Pereeber a enorme oscilagio de sentimentos que sie DOHA entrees omo mie extremosa, carinhosa e dedicada proporcionava- comm, mat state esc e aamrans: prim, de oma fen : + com alguma freqiiéncia, ela se transformava, de modo inexplicavel ¢ repentino, numa pessoa profundamente ansiosa ¢ confusa, que no conseguia sequer cuidar de si mesma. Por esse motivo, as minhas experiéncias de amor, tranqiilidade e seguranga alternavam-se, Periédica ¢ intensamente, com as de solidao, afligao ¢ inseguran- ga. A angtistia ea perplexidade diante dessas intensas oscilagdes suscitaram-me a necessida- de imperiosa de agir no sentido de alivié-las, E no meu egocentrismo infantil, o recurso do qual comecei a me utilizar foi estar atenta & minha vivenciae A dela, para tentar agir de forma ano lhe despertar aquele modo de ser: ‘que me afligia intensamente. Tudo isto leva-me, hoje, a supor que, desde crianga estive, de certo modo, voltada para refletir sobre a experiéncia vivida, ou, em outras palavras, para “ir As préprias coisas”, que é um principio fundamental da Fenomenologia de Husserl. A segunda circunstancia, bastante relacionada & primeira, foi a necessidade que, desde muito cedo, tive de amar a outras pessoas, além de minha mie, ¢ delas me sentir proxima. Minhas reflexées de crianga levaram-me a perceber, com muita ansiedade, nao ser possivel com ela satisfazer, permanentemente, a minha necessidade de amor e carinho, pois, apesar de meus esforgos para manté-la tranqiiila e préxima, minha mie, periodicamente, em decorréncia de suas perturbagGes psicolégicas, distanciava-se de mim e se tomava uma pessoa completamente estranha, Isto levou-me, desde a infancia, a tentar querer bem a outras pessoas e a me sentir perto delas. Por ser ainda crianga, consegui fazé-lo sem defesas ou restrigdes, iniciando-me e, de certo modo, “exercitando-me”, satisfatoriamente, na relagio Eu-Tu, apresentada pelo fenomendlogo Buber como a mais humana forma de existir e adquirir conhecimentos. Tais circunstancias, que influenciaram profundamente a minha existéncia, tomaram-se atitudes que até os dias de hoje marcam 0 meu modo de viver, parecendo-me terem sido as principais propulsoras de meu encaminhamento para a Fenomenologia e meu profundo envolvimento com esta. ; , Foram essas circunstincias, também, que, quando jovem, levaram-me a sentir um enorme interesse pela Psicologia ¢ a transformé-la no foco de meus estudos ¢ reflexdes. Digitalizado com CamScanner YOLANDA CINTRAQ Forg, 6 II - Influéncia de Psicdlogos, Psiquiatras € Fildsofo. no Pensamento da Autora xtos cientificos que fern influéncia NO desen vimento de minhas idéias, reportei-me, espontinea & soma ae ny ering trajetéria como leitora de Psicologia, 0 que acontecet ae Sapien quando ingressei na Faculdade de Filosofia Ciéncias é Fe tlsven eden (Sedey Estava eu trangiiilamente entregue as lembrangas mene ane id quand, fa repente, surgiu-me & meméria uma inumerdvel quantida de de i ; a sabaram” so rim, envolvendo-me na angustiante sensagdo de precisar identificar todos eles a fim de selecionar os que teriam contribufdo para a formagao do meu pensamento atual, Desanimada, interrompi a redagdo deste texto, ficando distraidamente a olhar para a minha enorme estante de livros, quase todos lidos, alguns com muito interesse ¢ bastante proveito, a maioria deles, porém, lidos com pouco envolvimento © quase completamene esquecidos. Eis que meus olhos fixaram-se, casualmente, em uma antiga revista da PUC.$p, que passei a folhear, lenta c saudosamente, deparando-me, entéo, com um artigo de ‘Montoro (1976), sobre os objetivos do ensino do Direito; baseado em Pascal, o autor inicia seu artigo afirmando: py Voltando-me para os autores ¢ 0s te? “Cultura, sob certo aspecto, é 0 que resta quando a pessoa esquece tudo aquilo que aprendeu... por isso 0 ensino néo pode se limitara simples informeses" (p3) Esta leitura, casual e oportuna, revitalizou o meu dnimo, mostrando-me uma altemativa para rever e selecionar os textos que me influenciaram. Decidi considerar, apenas, os autores € textos que “restaram”, por me terem envolvido de forma significativa e profunda, e 0 que ficou da interpretagao que tenho dado as suas idéias, relacionando-as ds minhas experiéncias de vida, tanto profissional como pessoal. Foi com esta intengdo que, sem recorrer as inimeras anotages de bibliografia de Cursos jd ministrados ou de textos preparados para conferéncias ou publicagées, procurei Jembrar-me dos autores que foram importantes na minha trajetéria em diregao ao enfoque fenomenolégico da personalidade, Lembrei-me, com muita clareza, rofundamente: foi Freud, em 1943, no «scritos em aleméo, ainda nfo faziam part do primeiro autor que me havia impressionado 2° ano da Faculdade; a tradugiio de seus textos, A fe do acervo da biblioteca do “Sedes”, Por isso havit, tomado contato com a Psicandlise somente através das aulas expositivas de alguns profess” tes; mas, estas haviam si ‘ a plied estas haviam sido Suficientes para me deixarem encantada com suas revela¢ées pesons, seme © dinamisme deste e suas intuncias no modo de pensar edo agit » Scm que elas disso se apercebessem, Embora fosse grande o meu interesse, ™0 Digitalizado com CamScanner ACAMINHADA PELAS CONCEITUAGGES az consegui, nessa ocasifio, por falta de material bibliografico, continuar meus estudos sobre a. Psicandlise, © que s6 aconteceu varios anos depois, quando, retomando ao “‘Sedes” para cursar a Pés-Graduagio, entrei em contato com as Obras Completas de Freud. Foi quando, além da oportunidade de aprofundar varios conceitos, conheci a Psicandlise como método psicoterapéutico © intciei-me na sua pritica, com a supervistio de professores. Nao cheguei ame formar uma Psicanalista, mas, os conhecimentos que adquiri nesse campo foram tio marcantes que, desde entiio, os tenho mantido e considerado, procurando estar atenta as possiveis interferéncias do inconsciente na mancira de pensar e agit de meus clientes esforgando-me por desvendé-las em minha prépria vivencia. O segundo autor que me impressionou profundamente foi Rogers. Iniciei meu contato com suas idéias, casualmente, em 1965, quando coordenei um curso de reciclagem para professores secundarios da rede oficial de ensino, organizado pelo “Sedes”, em convénio com a CAPES ea USP. Maria José Werebe, entio professora da USP, utilizou, nesse curso, uma apostilacom 0 resumo do livro Client Centered Terapy desse autor (1951), que despertou meu interessse pela sua perspectiva a respeito da personalidade humana, Passei, entio, a localizar e ler esta € outras obras desse psicélogo americano (1942, 1951, 1954, 1961), que encontrei na biblioteca da USP. Mcu envolvimento com Rogers tomou-se tio grande, que elaborei a minha Tese de Doutorado (Forghieri, 1972), adotando como referencial tedrico, as suas formulagdes sobre a personalidade e a psicoterapia. Nas atitudes facilitadoras propostas por Rogers (1961, 1967, 1971) havia encontrado os fundamentos para a atuagdo que j4 vinha desenvolvendo, desde 0 inicio de minha carreira, como docente e como psicoterapeuta. Devido a referéncias feitas por esse autor, fiquei conhecendo algumas idéias do filésofo Buber, pelo qual interessei-me profundamente, passando a ler, de suas obras, todas aquelas que consegui encontrar na ocasiao (1947, 1955, 1971). Acabei concluindo, em minha Tese, que as trés atitudes facilitadoras apresentadas por Rogers (consideracdo incondicional, compreensio empética e congruéncia) fundamentavam-se na relaciio Eu-Tu, formulada por Buber, sendo esta a propiciadora do crescimento e amadurecimento psicolégico das pessoas e, também, 0 ponto de partida para a recuperagio das que se encontram psicologicamente enfermas. Buber é meu fildsofo preferido até o dia de hoje; estou sempre em busca de suas obras, procurando encontrar ler aquelas que estdo relacionadas ao psiquismo humano (1974, 1977, 1982). Entretanto, fui, gradativamente, afastando-me de Rogers, por varias circunstincias, algumas das quais lembro nitidamente. Uma delas ocorreu na defesa publica de minha Tese. de Doutoramento, em 1973, a partir de observagées feitas por um dos examinadores, 0 competente, querido e saudoso Dante Moreira leite. Ele alertou-me para o fato de que eu estava interpretando Rogers, além do proprio Rogers; em outras palavras, indo mais a fundo do que o autor pretendia. Concluiu que eu era Muito mais fenomendloga do que rogeriana e aconselhou-me a estudar Fenomenologia. Na semana seguinte, presenteou-me com dois livros dos psiquiatras e psic6logos fenomendlogos Boss (1963) e Binswanger (1963), naquela ocasidio ainda nao existentes nas bibliotecas ¢ livrarias de Sao Paulo, Digitalizado com CamScanner YOLANDA CINTRAg Fong, HI Foi assim queme incene,conseentement, no enfoquefenomenolgig«® logia, ao qual dedico-me até hoje. O professor Dante Moreira Leite teve infra nesta escolha, nfo s6 devido as suas palavras ¢ aos importantes livros que me dey isiyy também, porque a sua orientagio veio esclarecer varias insatisfagées que eu it com Comp, sentir a respeito da teoria de Rogers. Estas foram-se acentuando nos anos Seguin’ deconci de algunas sisyes qu viene em mina vida profisionale eat Na atuagio profissional comecei a notar que alguns de meus clientes encontray muita dificuldade em vivenciar comigo as atitudes facilitadoras de Consideragig ost compreensaio empatica, aliando-as 4 congruéncia. Conforme pude verificar com ae posteriormente, isto acontecia por se sentirem tolhidos em sua agressividade, que eta g,” atitude habitual no relacionamento com as pessoas. Dialogando com os alunos e observang osna sala de aula, onde também adotava as trés atitudes facilitadoras, verifiquei Ue 0 mes acontecia com alguns deles. Por outro lado, ao analsar a histria de vida de mine i, observei que todo empenho da familia e dos amigos no sentido de aceité-la compreends. la, empaticamente, em nada havia contribuido para aliviar as suas crises de. Angtistiae impedie © agravamento progressivo da sua enfermidade psicoldgica, Tudo isto levou-me a questionar a teoria geral das telagdes humanas Proposta por Rogers (1971), ¢ a concluir que nem sempre a manifestagao das atitudes facilitadoras de pessoas significativas, desperta atitudes semelhantes nos Sujeitos € os direciona para o amadurecimento, Semdeixar dereconhecer aimportincia da aceitagdo edo amor, mas apenas colocando-os, na expresso de Husserl, “entre parénteses”, comecei a refletir a respeito dy tava eda agresivdade,maginando que tamipém poderiam contbuir, de algum modo, pan Ocrescimento psicolégico das pessoas. Jé aprendera, que ser amado e amar eram necessérios 0 processo de crescimento, mas ser ofendido e reagir também deviam fazer Parte desse proceso. O préprio Rogers deixara transparecer, em uma entrevista filmada, como se senting revoltado com a educagao excessivamente restrtiva que recebera de seus pais e o quanto isto 0 estimulara para elaborar sua teoria do relacionamento interpessoal tommando-se, asim, renomado psicélogo. Uma situago de injustiga, ocorrida ligo numa Instituigo onde eu lecionava, ‘ambém contribuiu para fortalecer a minha idia dos aspectos positivos da agressividade: a Coordenadora do curso, com bastante mé fé, de forma velada ¢ utilizando-se de mentiras, Pretendeu - ¢ quase conseguiu - afastar-me da docéncia do mesmo. Tomei conhecimento disto, casualmente, através de uma funciondria e alguns alunos, a tempo de me defend, tratando do problema abertamente com a coordenadora e esclarecendo os fatos junto & autoridades superiores; desse modo consegui permanecer no curso, mas fortalecida e segur Lembro-me, nitidamente, do quanto a raiva eo sentimento de revolta pela injustica softida despertaram toda a minha competéncia no sentido de me defender de forma leal ¢ eficiente Percebi, com muita clareza, os aspectos agressivos de minha personalidade, até entio muito Poucoexplorados ¢ 0 quanto estes podiam favorecer o desabrochar de meus recursos pessoa — Digitalizado com CamScanner ACAMINHADA PELAS CONCEITUAGOES 9 4 lembranga um curso sobre Rogers, durante 0 qual fiqosi multe chooeda “Tres abordagens em psicoterapia: Rogers, Perls ¢ Ellis”. A principio Peas be chen attuaeio de Perls, quando desafioufrontalmente cliente que fora tratada pelos trés, chamando-a de crianga, como se duvidasse ser ela capaz de agir como adulta. Esta, inicialmente, ficou muito magoada, chorando, como sempre fazia quando se sentia agredida, mas, & medida que ele continuow a desafid-la, cla foi comegando a se sentir revoltada, reagiu e chegou.a brigarabertamente com ele, passando, entio,adefender-se como uma pessoa adulta. Apés este desfecho concluf que as altudes facilitadoras de Rogers —que er i —nfio haviam sido “sufick Z aatendera anteriormente — nao haviam sido “suficientes” para livré-la de suas constantes amentagdes ¢ prolongadas crises de choro, Contudo, nfoeraessaaintengao dos organizadores do filme, que haviam pretendido, através da atuagao contrastante dos dois psicoterapeutas, dar destaque e valorizar o “calor humano” das atitudes de Rogers. i Nesse Panorama, um acontecimento trégico contribuiu para abalar ainda mais a minha visio otimista da personalidade: meu pai, um homem caridoso, que sempre ajudara material cespiritualmente as pessoas que dele necessitavam, foi violentamente assassinado, & queima roupa, por um ladrdo, dentro do seu préprio lar. Minha mie, meus irmios ¢ eu vivemos ‘momentos de enorme sofrimento; a perda irrepardvel de uma pessoa to querida, a revolta com 0 acontecimento, a ago precaria da policia... Entretanto, a propria tragédia trouxe uma grande aproximagao entre nés, um partilhar conjunto do enorme sofrimento, que acabou convertendo-se em muito amor... amor entre nés e amor de outros familiares e de uma porg’io de amigos que nos confortaram nesse momento tao dificil de nossa vida! Quantos sentimentos opostos € coexistentes vivemos nessa ocasido: raiva e amor, revolta ¢ solidariedade. Os acontecimentos anteriores ¢ principalmente este ultimo, tio profundamente dramé- tico, deixaram-me confusa durante algum tempo, até o momento em que comecei a aceitar os paradoxos da existéncia, seus aspectos contrastantes, 0s quais, de certo modo, incompre- ensivelmente, articulam-se e complementam-se, passando a constituir uma unidade. Recor- dei-me da vivéncia com minha mie, na infancia, que me proporcionara experimentar, com muita angistia, os primeiros contrastes da minha existéncia. Todos esses fatos despertaram o meu interesse pela versao existencialista da Fenome- nologia, que mostra as-ambigtiidades do existir humano, enfatizando a angéstia e 0 sofrimento. Foi assim que, depois de um periodo inicial de estudos de textos de Freud, seguido de estudos aprofundados de Rogers ¢, posteriormente, de Buber, Binswanger e Boss, passei & Ieitura de fil6sofos existencialistas como Kierkegaard (1964, 1972), Nietesche (1973), Sartre (1972) e Heidegger (197 1a). Eu sentiauma necessidade enorme de estudare refletira respeito do sofrimento, da angiistia, do nada, da solidio humana, pois até entZo ja estivera voltada, exageradamente, apenas para a satisfagio, 0 amor, a bondade e a solidariedade humana. Gradativamente, fui compreendendo o enfoque fenomenol6gico como aquele que realmente abarca o existir humano em sua totalidade, abrangendo a tristeza e a alegria, a angiistia ¢ a. A recordagiio desse fato trouxe-me assisti a um filme sobre Digitalizado com CamScanner 10 YOLANDA cintp, trangiilidade, a raiva e 0 amor, a vida ¢ a morte, como pélos que se atticy| estratura ¢ cuja vivéncia di a cada um dos extremos, Aparentemente significado, Sabemos, verdadeiramente, 0 que é a tranqiiilidade, ao viy tng ty de angiistia; sentimo-nos profundamente sozinhos quando J4 partilhamos 1 0850 ts alguém; sabemos, de fato, no que consiste o inforttinio, se -jativemos Scasidio dg not oy felizes. “Mig, Completando a lembranca de autores que me influenciaram, Fecordgj. encontro ocasional ¢ oportuno, em 1978, com Dr. Van Acker, um antigo mestre ggsa°® Yy que me proporcionou, por sua sugestio, tomar conhecimento ¢ envolver-me comagp Psiquiatra e psicélogo fenomendlogo Berg, van den (1973). Depois deste, Por j Obra bibliografica de Binswanger, fui ao psiquiatra Minkowski (1 970), pelo qual m sentindo um grande envolvimento com suas idéias, Oestudo de psiquiatras fenomendlogos, tais como Binswanger, Boss, B de Minkowski levaram-me a sentir ncessidade de entrar em contato com 08 fil6sOf08 nos 9° fundamentavam suas formulagdes; passei, entio, a examinar textos de Husserl (1965 1970) e de Heidegger (1971, 1972), com o objetivo de esclarecer © aprofundar as reer iL formulas. Altura de cbs dss ilsofs foi, para mi, inilmente ee dig Pois, além de serem muito complexas, Jevaram-me ater que me debrugare refletir sobre temas bastantes abstratos, quando até entio estava habituada a estudar assuntos Telacionados j vivéncia ou ao psiquismo humano, Procurando deles extrair ensinamentos ue propiciassem melhorar a minha atuago profissional. De Husserl ¢ Heidegger, fui ao filésofo Merleau-Ponty (1971, 1973), facilitaram-me o estabelecimento de relagdes entre a reflexiio filos6fica e a refl vivéncia, propiciaram-me reduzir as dificuldades inicialmente encontradas eme: a chegar ao meu préprio modo de compreender a Fenomenologia. MO Fong, am ny Muy Postos, oo bi, enciat ums aig © interes erg, var Cujos textos lexaio sobre a encorajaram I - Razées paraa Elaborago de um Enfoque Fenomenol6gico daPersonalidade Ocnfoque fenomenolégicoem Psicologia surgiu no campo da Filosofia, no inicio deste século, mas s6 tomou impulso e se desenvolyeu a Partir da década de 50; até os dias atuais, entretanto, no chegou a constituir um conjunto de princfpios articulados, unanimemente aceito pelos psicdlogos que o adotam. Isto acontece devido a uma série de dificuldades que surgem quando estes cientist®s Procuram explicité-lo, Uma delas decorre do fato desse enfoque ter como suporte fundane (os ilos6ficos que so estritamente abstratos, ea Psicologia ser uma ciéncia de fatos, quees voltada para a concretude da vivéncia, Tal dificuldade é significativamente any ti Virtude da Fenomenologia Apresentar-se apenas como um método de investigaci0 ¢ Digitalizado com CamScanner ACAMINHADA PELAS CONCEITUAGOES "1 fendmeno; embora, este seja it separavel da atitude originada do modo como ela considera ‘ fendmeno, nfo chega a consttui i Istituir um conju i 108 i i SE ee junto de prinefpios igualmente interpretados pelos ere Ponta an abner ‘une Propostas a. foe Fearanies cintrixien eer Ce ee oa o8 algumas de stas caracteristicas isha nen ch do existir humano, Priorizando uma ou psicol go pormenorizado da penton : hegando, entretanto, a constituir um enfoque Alguns psicélogos americanos, tais como Giorgi ani ae tach Se a bene og Oe cictts merece meen aye“ genuina Psicologia Fenomenol6gica See ae ene cea meameiog 0 desenvolvimento de uma Psicologia Fenomenoldgica” A falta de uma abordagem Seauicangieap os 5. n dai, eaboril . a ica pormenorizada da personalidade, elaborada em linguagem psicolégica endo apenas flosfiea que rena 0s eon mais importantes da vivéncia humana, tem dificultado sobremaneira a compreensio e ‘explicitaco dos fundamen- tos fenomenol6gicos que norteiam a pratica profissional no campo da psicoterapia, do ensino © da pesquisa. Neste ultimo, especialmente, verifica-se uma quase impossibilidade de interpretagdo comparagao dos resultados das investigages, fato que prejudica o progresso ¢ aprimoramento do préprio enfoque fenomenoldgico da personalidade, pois faltam, a este, alguns pardmetros a serem verificados de forma sistematizada, a fim de serem confirmados ¢ ampliados ou refutados ¢ enriquecidos com novas formulagdes. Considero que o principio bésico do método fenomenoldgico (introduzido por Husserl), de “irs proprias coisas”, ou, em outras palavras, de ir ao pr6prio fendmeno para desvendis- Jo, tal como “se mostra em si mesmo”, independentemente de teorias a seu respeito, refere- se aestas, tal como tém sido elaboradas por meio da utilizagio do método experimental, que nfo leva em conta a intencionalidade. Entretanto, nfo diz respeito as varias formulagdes que tém surgido através do emprego do proprio método fenomenoldgico. Julgo importante que tais formulagées sejam levadas em conta na realizaco de pesquisas fenomenolégicas, no ‘como métodos rigidos de interpretagdo, mas, como pardmetros flexiveis que permitam, confirmé-las, descrevendo-as melhor, ou refutd-las, modificando-as; nesse processo, a vivéncia humana deve sempre servir de contraponto, pois, na Psicologia, ela é a origem de todas as elaboragdes conceituais. Penso que a critica feita pela Fenomenologia a elaboragio e utilizagao de teorias, neste caso, psicolégicas, diz respeito ao modo pretensamente objetivo como estas tém sido elaboradas ¢ utilizadas. Por todas as razOes acima descritas, considerei que a elaboracdio de um enfoque fenomenolégico da personalidade seria uma significativa contribuigdo para esta drea da Psicologia ainda pouco explorada sob tal perspectiva, Digitalizado com CamScanner A FENOMENOLOGIA E SUAS RELACOES COM A PSICOLOGIA I - Introdugio Este capitulo foi elaborado com suporte nas principais idéias de Husserl, por ter sido ele oiniciador da Fenomenologia modema, na qual esté fundamentado 0 método que adoto neste trabalho. Além desse renomado filésofo, recorri, também, aensinamentos de Merleau-Ponty, por ter sido importante continuador de Husserl ¢ por ter desenvolvido as idéias deste, no sentido de esclarecer as possibilidades de articulagdo entre a Fenomenologia e a Psicologia. Nio tive a preocupagdo de comparar as idéias de tais filésofos e nem de apresentar a evolugio do pensamento de Husserl. Meu objetivo foi, apenas, o de apresentar, resumidamen- te, as principais idéias deste filésofo e amplié-las com formulagdes de Merleau-Ponty para tentar mostrar a viabilidade de sua utilizacao no campo da Psicologia. Preliminarmente, apresento, de modo sucinto, o panorama da época na qual surgitt a Fenomenologia de Husser!, para facilitar a compreensio de suas idéias; ¢ a seguir, os temas que considerei importantes para o esclarecimento do seu método. Os dez tiltimos anos do século XIX, que antecederam as publicagdes de Husserl sobre a Fenomenologia, “se caracterizam, na Alemanha pela derrocada dos grandes sistemas filosdficos tradicionais... E a ciéncia que doravante preenche o espago deixado vazio pela filosofia especulativa e, sobre o se fundamento, 0 positivismo, para o qual 0 conhecimento objetivo parece estar definitivamente ao abrigo das construgdes subjetivas da metafisica.” (Dartigues, 1973, p. 16.) Entretanto, nesse mesmo perfodo, a seguranga do pensamento positivista também comega a ser abalada, com questionamentos relativos aos fundamentos e ao alcance de seus Digitalizado com CamScanner us YOLANDA cir, postulados, em virtude de serem elaborados por um suj dependentes do psiquismo humano, Rho i ‘Oy eito concreto, ficang ie, 0, Poy “A esas questoes, os tiltimos ramos do pensamento kani tentam responder, concebendo um “sujeito puro” que asseguraria q objet Ming € 4 coeréncia dos diferentes dominios do conhecimento objetiyy.» (Wem ie Masas diividas quanto Aexisténcia dese’ “sujeito puro” eas preocy; aes ) Concreto em sua vida psiquica imediata passam ater predomindncia Nessa Epo Ma, © terreno para o aparecimento da Fenomenologia moderna, Entre as obras impor, Para ela contribufram, encontram-se as dos filésofos Brentano (Psicologia do Pon PS he Empirico, 1884) e Dilthey (Idéias Concernentes a una Psicologia Descritiva ¢ ve Viog 1894), que censuram as ciéncias humanas — especialmente a Psicologia — ali, ito méad as icin da atures, xo objeto de esto titres Dg que a natureza s6 € acessivel indiretamente, a partir de explicagses sobre fatos ¢ cena mas que a vida psiquica é uma totalidade da qual temos compreensio intuitiva ¢ considera que o sentimento de viver € 0 solo verdadeiro das ciéncias humanas ¢ 9 mi compreensivo, o tinico adequado a sua investigacao, Brentano, cujas idéias exerceram grande influéncia no pensamento de Huser, Stabe, lece profundas diferengas entre os eventos fisicos e os fendmenos Psiquicos, afirmando, ue nestes existe intencionalidade e um modo de Percepeao original, imediato, Prope o retomy As experiéncias vividas ea descri¢do auténtica destas, livre de todo o Pressuposto genéton ou metafisico; suas investigag6es, porém, Permaneceram limitadas ao Ambito da Paicologia (Kelkel ¢ Scherer, 1982), Nesse panorama surgem, no inicio do século XX, as primeiras obras sobre Fenomeno. logia, de Husserl (1901, 1907, 191 1), que, embora partindo das idéias de Brentano sobrea intencionalidade, vai além deste, investigando-a na “vivéncia de consciéncia” como tal, ¢ chegando a uma anélise profunda do conhecimento, que ultrapassa os limites da Psicologia Sua obra consiste, sobretudo, em Problematizar o préprio conhecimento ena apresentagioda Fenomenologia como o tinico método Para chegar a verdades apodicticas, evidentes Pretende, através deste, estabelecer o fundamento radical da Filosofia, bem como a bis: primordial de todo o saber humano, iano oy Neokang aw, ody II - Temas Fundamentais J. O retorno as “coisas mesmas” e a intencionalidade 7 . A . : icativas 8S Questionando os sistemas especulativos da Filosofia ¢ as teorias explicativas ese ae | MN ntl l€ncias positivas, Husserl propde retornar a um Ponto de partida que seja, verdadeiram © primeiro, Digitalizado com CamScanner AFENOMENOLOGIA E SUAS RELAGOES COM A PSICOLOGIA cae ce ree deve partir o inputs da investiga, mas sim das se importa com uma ee Aquele que é deveras independente de preconceitos néio Darwin ou Aristételes ee ter origem em Kant ou Tomds de Aquino, em sigeo riveree las é precisamente proprio da Filosofia, o seu trabalho ar-se em esferas de intuigao direta." (Husserl, 1965, pp. 72 € 73.) 15 Afirma querer “Voltar As coisa: 2 consi i . 's Mesmas”, considerat ponto de partida do conhecimento, Entretanto, a “coisa mesm, ee : % ia” € entendida por ele nao como realidade existindo si, mas cor i ; z aoe Tiere 0 considera como a tinica coisa 4 qual temos acesso imediato , ire As - 50: fenémeno integra a consciéncia e 0 objeto, unidos no préprio ato de a0. A consciéncia € sempre intencional, est constantemente voltada para um oo este é sempre objeto Para uma consciéncia; hé entre ambos uma correlaciio essencial, que s6 se da na intuigo origindria da vivéncia, a intencionalidade 6, essencialmente, O ato de atribuir um sentido; é ela que unifica a Consciéncia ¢ 0 objeto, o sujeito eo mundo, Com a intencionalidade ha o reconhecimento de que o mundo nao € pura exterioridade e o sujeito nio & pura interioridade, mas a safda de si para um mundo que tem uma significagdo para ele. 2. A reducao fenomenol6gica ea intuigdo das esséncias A redugo € 0 recurso da Fenomenologia para chegar ao fenémeno como tal, ow A sua esséncia; pode ser sintetizada em dois principios: um negativo, que rejeita tudo aquilo que niio € apodicticamente verificado; outro positive, que apela para a intuigdo origindria do fenémeno, na imediatez da vivéncia. Na vida cotidiana temos uma atitude natural diante de tudo o que nos rodeia, acreditando que o mundo existe por si mesmo, independentemente de nossa presenca. A atitude natural, nao refletida, ignora a existéncia da consciéncia, como a “doadora” de sentido de tudo o que ands se apresenta no mundo. Por isso € necessario refletir sobre nossa vida cotidiana, para que se revele a existéncia de nossa consciéncia. Desse modo, suspendemos, ou colocamos fora de aco, a nossa fé na existéncia do mundo em si ¢ todos os preconceitos ¢ teorias das ciéncias da natureza dela decorrentes. Deixamos fora de acio, também, a consciéncia, considerada independentemente do mundo, e as teorias das ciéncias do homem, como a Psicologia, elaboradas a partir desse preconceito. A redugio nao é uma abstragio relativamente a0 mundo e ao sujeito, mas uma mudanga de atitude — da natural para a fenomenolégica — que nos permite visualizd-los como fendmeno, ou como constituintes de uma totalidade, no seio da qual 0 mundo e 0 sujeito revelam-se, reciprocamente, como significagdes. No que diz. respeito a teoria do conhecimento propriamente dita, s6 atingimos a plena evidéncia do fendmeno na concordancia entre a intuigdo € a significagao, pois os conceitos Digitalizado com CamScanner 16 YOLANDA cinta Fo sem intuigiio estiio vazios. A significagio nio é preenchida apenas na intuigag He, naintuigdo idética, ou “categoria”, na qual aevidéncia da esséncia, oy “q COisa my acabamento. Mes “A esséncia (Eidos) é um objeto de um novo tipo, Tal como individuo ou intuigéio emptrica, 0 dado é um objeto individual, a inuigdo eidética é uma esséncia pura.” (Husserl, 1986, p.21,) na intuigay i b sim 0 day Mas a intuigao eidética nfo implica numa atitude mistica, no devendo Ser como uma extrapolagao da intuigéo sensivel para um dominio Supra-sensive), iy “fundada” no sensivel, sem se confundir com ele. “Sep “"Néjo hint da essnca se olhar no toma lve posildade dey para um individuo correspondentee de adquirir a consciéncia de um exemple; en Contrapartda, nao ha intigo do inlviduo sem que se possa opera livremene a ideagio ea fatto, digi oolhar sobre a essénca correspondents ‘hts visto do individuo iustra como um exemplo.” (Idem, p.22.) Entretanto, embora estejam inteiramente relacionadas, essas duas “classes? e intuie, Sio, em prinepio, distintas. As dstingSes entre els corespondem is relays essere, entre existéncia (no sentido do que existe como individuo) e esséncia, Introduzindo a nogao de “visio das esséncias” (Wesenschau), Husserl rocura fn, mentar um processo de conhecimento ao mesmo tempo concreto € filoséfico, ligado 3 vivencia ¢ capaz de universalidade, através do particular, Assim sendo, o estudo da vivéncia, efetuado pela Psicologia, pode levar a descobety de esséncias, pois o conhecimento dos fatos implica uma visdo da esséncia, mesmo que quen © pratique esteja preocupado apenas com os fatos. Isto no significa que exista ‘uma Psicologia “apriori”,ouuma Psicologia dedutiva, poisa “visio dasesséncias” consiste ‘numa “constaasip Cidética”, devendo a Psicologia Fenomenolégica ser uma ciéncia basicamente descrtva En Outras palavras, ndo hé um sistema de axiomas, como na Matemética, através do quale Psicblogo poderia construir as diferentes entidades ou realidades psiquicas; isto pom, quando refletimos sobre nossa vivéncia ouadenossossemelhantes, no descobrimos"esstcis ¢Xatas”, isto é, suscetiveis de uma determinago univoca, mas “esséncias morfol6gci”, inexatas por esséncia e cujos conceitos so descritivos (Husserl, 1986, p. 163). “O psiquico 6 vivéncia averiguada na reflexdo auto-evidente, num fluxo absolut, como atual e jd esmorecendo, perdendo-se constantemente e evidentemente nunt pasado, O psiquico esté integrado numa continuidade geral ‘monddica’ da consciéncia, numa unidade prépria que nada tem a ver com 0 Tempo, o Espaco € a causalidade,” (Hussetl, 1965, p, 33.) Digitalizado com CamScanner AFENOMENOLOGIA E SUAS RELAGOES COM A PSICOLOGIA A ideagio que ch tt aliases di aaa an “ssencias morfoldgicas, cuja extensio flexivel ¢ fluida, é sanoeltos idedls icon Paik 7 We apreende as esséncias por simples abstragio, chegando a (Husserl, 1986, p. 163.) AS esséncias da vivéncia nao sio abstratas, mas concretas.” A Fenomenologi ie vinwamear gla pertence as disciplinas eidético-concretas, propondo-se a ser uma “cigncia descritiva das esséncias da vivenci : a vivencia”. (Ide i eso intinsa mente relacionada Psicologia, fomecend: — lo-lhe os seus fundamentos. 17 hiieas de aemenall € 4 instancia para julgar as questies metodolégicas Gs cine conch © que ela afirma, em gra, o psicélogo precisa reconhe- “ ’mo condigdo da possibilidade de toda sua metodologia ulterior.” (Idem, p. 3.4 reflexdo fenomenolégica, o mundo da vida e a intersubjetividade (0 método fenomenolégico move-se,integralmente, em atos de reflexdo”, mas a reflextio tem, aqui, um sentido proprio que precisa ser esclarecido”” (Hlusse, 1986, p. 172). , = Ou vive no mundo, mas nao se encontra delimitado Aquilo que vivencia no momento atual, pois pode, também, dirigir seu pensamento para o que jé vivenciou anteriormente, assim como para as prospec¢Ges que faz em relagio.a coisas que tem a expectativa de vir a vivenciar. O psicélogo, na atitude natural, considera todos esses acontecimentos como fatos, procurando estabelecer relacdes entre eles ¢ deles com outros fatos, para explicar o psiquismo humano. Porém, ele pode refletir sobre tudo isto, em atitude fenomenolégica tanto em nivel superior de universalidade, ou de acordo com aquilo que se pie de manifesto como essencial, para formas especiais de vivencia. Neste caso, todos aqueles fatos ¢ explicagdes sio colocados entre parénteses ou fora de ago, permitindo a reflexao sobre a experiéncia variada da vivéncia, chegando ao que lhe é essencial, ou invaridvel nas suas transformagdes.. Se eu considerar o exemplo de uma vivencia de alegria, na qual eu “desapareco”, ao completar um trabalho com eficiéncia; fizer uma “suspensiio” dos fatos nela envolvidos ¢ refletir sobre o seu agradavel decorrer, “q alegria se converte na vivéncia visualizada e imediatamente percebida, que flutua e declina deste ou daquele modo, ante a mirada da reflexio... A primeira reflexiio sobre a alegria encontra-se presente com esta, atualmente, mas néo como iniciante nesse mesmo momento, A alegria estd ai como algo que segue durando, jé anteriormente vivido, no que apenas néio se haviam fixado os olhos.” (Husserl, 1986, p. 174.) Digitalizado com CamScanner YOLANDA CINTRAQ For, 18 i i ima distingao ir a xo da alegria e fazer ui it tre a Posso, entao, refletir sobre a rele: Taada,e,igualmente, as modicaggee xy vivida mas nio visualizada ca alegria visualizada, ¢, eat foonna Vataiins ue, ty consigo os atos de aprender, explicitar etc., que entram em Jog’ Is Go da me “As reflexdes, por sua vee, também sio vivéncia podem, enguanto tal, tornay. se substratos de novas reflexdes, ¢ assim ‘ad infinitum’.” (Idem, p. 173,) ir ivéncii iva, esta, em tlt : Entretanto, embora possa refletir sobre a vivencia reflexiv os M tiltima Malis, Temonta ao “mundo da vida”, ou & minha vivéncia imediata, pré-reflexiva, “A vivéncia origindria, em sentido fenomenoldgico... tem em sua Concreciig apenas uma fase absolutamente origindria, embora em fluxo continuo, que é 9 ‘momento do ‘agora vivo’.” (Idem, p. 177.) Esse “agora vivo” perene é 0 ponto de partida de todas as nossas reflexdes, Porémn, ¢ apenas refletindo sobre minha vivéncia reflexiva que chego a compreender a minha Vivencia origindria como uma totalidade, ou um fluxo continuo de retengdes e Protensdes, unificady nesse “agora vivo”, que é o “mundo da vida”. A reflexao fenomenol6gica vai em dirego ao “mundo da vida”, ao mundo da vivencia cotidiana imediata, no qual todos nés vivemos, temos aspiracdes e agimos, sentindo-nos or satisfeitos e ora contrariados. Os pensamentos, as representagdes tém origem nessa vivencia pré-reflexiva, “antepredicativa”, que é anterior a toda a elaboracao de conceitos e de jutzos; até as mais abstratas e sofisticadas formulagées cientificas partem dessa vivencia. A ci€ncia nao comeca quando articula uma teoria, resultante de suas investigagdes; ela tem inicio coma intengio do cientista ao desejar esclarecer um problema que surgiu em sua vivéncia cotidiana Por isso a Fenomenologia “incita 0 cientista a reencontrar, numa ciéncia, sua propria histéria, que nela se sedlimentou,.. buscar em que, para além de todas as mediagdes, ela repousa sobre © mundo da vida e néo no ar,” (Hussetl, referido por Dartigues, 1973, p. 80.) A “suspensiio” fenomenol6gica nao é feita apenas em relagdo ao mundo, mas abrange, também, o proprio sujeito, que é, entio, tomado como tema de reflexdo, deixando aparece © i puro ou o “ego transcendental”, como expectador imparcial, apto a apreender tudo ogi a ele se apresente como fendmeno, Todo o sentido ¢ todo o ser imagindveis fuzem parte do dominio da subjetividade sranscendental, enquanto constituinte de todo o sentido e todo o ser... O sere a Digitalizado com CamScanner AFENOMENOLOGIA E SUAS RELAGOES COM A PSICOLOGIA 19 consciéncia pertencem essencialmente um ao outro,” i Extrato de Meditagées Cartesianas de Husserl, em Kelkel e Schere, : 1982, p. 101.) Sob outro aspecto, €m sua vivéncia cotidiana, os seres humanos, embora tenham suas proprias peculiaridades, existem todo mente. Possuimos, di 8 No mundo, constituindo-o e constituindo-se, simulta- neRpentes 108, de certo modo, uma “comunalidade”, pois todos nés vivernos no mundo ¢ existimos uns com os outros, com a capacidade de nos aproximarmos e de compreendermos mutuamente aS nossas vivéncias, “A partir da intersubjetividade constitu- fda em mim, constitui-se um mundo objetivo comum a todos.” (Idem, p. 102). - sa sendo, mundo recebe o seu sentido, nao apenas a partir das constituigdes de um sujeito solitério, mas do intercdmbio entre a pluralidade de constituigdes dos vatios sujeitos existentes no mundo, realizado através do encontro que se estabelece entre eles. UI - Possibilidades de Articulaciio entre a Fenomenologia ea Psicologia Este tema encontra-se enraizado na problematica das relagdes entre Filosofiae Ciéncia. A Filosofia apresenta-se como conhecimento da profundidade ou do fundamento; propée-se a captar a totalidade como tal ¢ a individualidade como tal, interligando-as. Ela pretende eliminar, progressivamente, “todas as instancias fundadoras que ainda so se apresentam afetadas por um certo cardter de regionalidade... para chegar a um saber verdadeiramente universal, isto é, saber da totalidade, néo no sentido de um sistema que englobasse todos os conhecimentos, mas no sentido de uma apreensdo de fundamentos universais”. (Ladriére, 1977, pp. 180 ¢ 181.) A tarefa caracteristica da Filosofia é elucidar a natureza propria da vida universal, ou. a génese do mundo, mas ela tem que pagar por este empreendimento, com sua incapacidade de conhecer 0 mundo em seu contetido concreto. A Ciéncia apresenta-se como conhecimento da realidade concreta; visa a ser objetiva ea abranger um dominio particular, delimitado e sem profundidade. Sua pritica assumiu surpreendente éxito na época atual; suas implicagées no nivel de habilitagdo técnica e sua universalidade revelam-se, cada vez mais, como forma privilegiada de conhecimento... trazendo a idéia de que somente 0 método cientifico é capaz de nos obter uma visio do mundo que seja aceitdvel.” (Ladritre, 1977, p. 6.) Digitalizado com CamScanner YOLAND, » NDA CINTR;G Fog, Desse modo, assume uma posigio reducionista ¢ autoritétia, pojs iy Fes aguily guy ic ios ¢ todas as situa pretende aplicar a todos os dominios e se Legitimo e fecundo no domtnio do ensinamento verificdvel.” (Idem, P.151) Examinadas sob a perspeativa acima descrta, de acordo com a quay ‘a consideradas, traiconalment, a Filosofia ea Cignca, a Fenomenologiag a seriam dois campos distintos do saber que se apresentariam como inconcitigyejs "Abe * Entretanto, é possfvel, também, sob outra perspectiva, chegar a algumas DOKing. entre ambas. Assim, verifica-se que tanto a Ciéncia como a Filosofia Aparecem SS especies dada de conherimento acon ena media em que se spans ~~ “portadoras de uma metodologia da verdade, existe uma questo Concemindo ag eh ‘my entre elas” (Ladriére, 1977, p. 157). "Ris Poder-se-ia considerar que, sob um ponto de vista existencial, “abas consiuem procedimente globals em que 0 homem se conprong inteiramente e através dos quais tenta instaurar, de maneira satisfatsria, suag relagdes com o mundo e consigo mesmo,” (Idem, p. 158.) AFenomenologiade Husserl, ontribuiu, consideravelmente, PAraa possibile estabelecimento de relagées entre a Filosofia e a Psicologia, pois, embora ele tivesse intengdo de chegarao fundamentodo. préprioconhecimentoe de todo saber, tomou omundy vivido como ponto de partida para realizar este seu ideal. Além disso, Husser] no chegog aelaborarum sistema filoséfico completo, Poistevelouestarsempre revendoe recomeja. do este empreendimento, até o final de sua vida, sem chegar a Teconhecer que o havia completado, Este fato pode ser observado em: referéncias que fazem algumas de suas obras, como no Epflogo de Idéias Relativas a uma Fenomenologia Pura e uma Filosofia Fenomenoldgica, onde afirma: “Se por um lado © autor precisou Praticamente rebaixar o ideal de suas aspiragées filosdficas, ao de um simples principiante, por outro lado chegou, com @ idade, a plena certeza de poder chamar-se um efetivo Principiante... Vé estendida diante de sia terra infinitamente aberta da verdadeira Filosofia, a ‘lerra prometida’ que ele mesmo jé ndo verd plenamente cultivada,” (Husser, 1913, tradugdo publicada em 1986, p, 304.) Ele chegoua sentir-se desanimado edesiludido, como quando afirmou natiltima de suas Publicagées, editada originalmente em 1938, ano de sua morte: Digitalizado com CamScanner AFENOMENOLOGIA E SUAS RELAGOES COM A PSICOLOGIA “Filosofia como ciéncia séria, r iti desea” (9st pe , séria, rigorosa, apoditicamente rigorosa — sonho que se 21 i 1 ag ou am ven Zaha durant a argiigdo do meu trabalho de Livre-Docéncia, informou- a set stantes que antecederam a sua morte, referindo-se A sua obra disse & ent em queo br wae ‘Eu precisaria ‘comegar tudo de novo”, los i " dos esses fatos levaram-me 4 refletir sobre 0 inacabamento da Fenomenologia, reconhecido pelo seu préprio iniciador, ; ae setae eminente discipulo de Husserl, também considera que a compreen- sio nomenologia depende unicamente de apreendé-la como possibilidade. “Oque elapossuide essencial nao é s fica” (Hei imp a, ‘er real como corrente filosdfica” (Heidegger, Ela ndo é nenhum movimento, naguilo que the é mais préprio. E possibilidade de eeata decorresponder ao apelo do que deve ser pensado.” (Heidegger, ia Segundo Merleau-Ponty (1971), outro importante discipulo de Husserl, a Fenomeno- logia “existe como movimento, antes de alcancar uma completa consciéncia filosdfica. Ela esté a caminho hé muito tempo; seus discipulos se encontram em todos os lugares... (p.6). Se fossemos esptrito absoluto a reducdo néo seria problemética. Mas ja que, pelo contrdrio, estamos no mundo, jé que mesmo nossas reflexes tém lugar no fluxo temporal que procuram captar, nao hd pensamento que envolva todo pensamento.” (p. 11.) E por isso que a Fenomenologia nao deve ser considerada como acabada naquilo que ja péde dizer de verdadeiro, O seu inacabamento e 0 continuo prosseguimento de sua marcha sio inevitaveis, pois ela pretende desvendara razio ¢ o mundo e estes nio so um problema, mas constituem um mistério. Portanto, “nao se trataria de dissip-lo por meio de alguma solugdo, pois ele est aquém das soluges”, Ela, entio, desdobrar-se-A indefinidamente ¢ “serd, como diz Husserl, uma meditagio infinita” (Merleau-Ponty, 1971, p. 18). ‘A Fenomenologia, portanto, apresenta-se como um método filoséfico peculiar, que niio chega & elaboragdo de um sistema filos6fico completado. Além disso, ela “busca as esséncias na existéncia... para ela o mundo estd sempre ‘ai’, antes da reflexdo, como uma presenca inaliendvel e cui esforco estd em encontrar esse contato ingénuo com o mundo para Ihe dar um ‘status’ filoséfico” (Merleau- Ponty, 1971, p. 5). Digitalizado com CamScanner YOLANDA CINTRAQ 22 desi ie rrefletida da consciéncia,» (de Hy m, “Ba ambigdo de igualar a reflexdo d vida ir p. 13) Embora Husser! tenha considerado i Fexenemni 4 Pesala Como ci din ewe psa ro i tee, oh Fenomenologia, a0 considerar que @ 1 ¢ Y encamings eae para Fenomenologia. Mas, na medida emque amadurece sey Penang deixa transparecer a existéncia de uma relago de reciprocidade ou de entrelagamenty at ambas, como quando, em sua tltima obra, | publicada originariamente em 193g i afirma que a “subjetividade transcendental 6 intersubjetividade fortalecendo a idgig é i, 195 limites entre o transcendental e o empftico ja nao sao mals completamente Aistintgs, fy 4 uma interseogao entre ambos. . ; A inicial oposigdo entre 0 transcendental e 0 empirico, © ontol6gico © o dnics tomada por Husser, apenas como “um ponto de partida encobrindo um problema cum se relacionamento entre as duas espécies de pesquisa” (Merleau-Ponty, 1973, p. 76), {As formulagGes fomecidas por Husserl e esclarecidas por Merleau-Ponty a respi inter-relacionamento entre a Fenomenologia ¢ Psicologia, levam, também, a uma consider, do mais ampla da Psicologia, de acordo com a qual ela €uma ciéncia cujo conhecimeniag peculiar e paradoxal; no é indutivo, no sentido que esta palavra tem para os empiristas enemy 6 reflexivo no sentido que tem para a Filosofia tradicional. O conhecimento psicoligig reflexiio ¢ ao mesmo tempo vivéncia; é conhecimento que pretende descobrir a signticasn no contato efetivo do psicélogo com sua prépria vivéncia e com a de seus semelhantes, is ; _ Digitalizado com CamScanner ENFOQUE FENOMENOLOGICO DA PERSONALIDADE J - Esclarecimentos 1. A trajetéria percorrida Como jé mencionei anteriormente, penso que, de certo modo, o inicio de minha abertura para a Fenomenologia surgiu de forma informal e espontanea hd muito tempo atrés, quando euera ainda crianga e comecei a me preocupar, me envolver ¢ refletir sobre minha vivéncia e das pessoas com quem convivia, na tentativa de descobrir meios para amenizar a angiistia que sentia por nao conseguir manter, permanentemente, o amor delas por mim. Esse tipo de envolvimento, preocupacao ¢ reflexdo, tem-se mantido durante toda minha existéncia, porém, 0 alvo de minhas tentativas, com o decorrer do tempo, passoua se ‘tomar cada vez mais amplo, Assim, no inicio, eu pretendia apenas amenizar minhas aflig6es procurando recursos para me sentir querida; depois, gradativamente, meu objetivo passou a ser o de tentar chegar auma compreensio do meu existire do de meus semelhantes, que pudesse nos propiciar viver econviver de modo a nos tornarmos, 0 maximo possivel, realizados... e felizes. Naquela ocasidio e até 0 infcio da juventude, eu nao tinha encontrado, ainda, 0 respaldo de conhecimentos cientificos que me possibilitassem enunciar, de forma organizada, as minhas reflexes. Eles s6 comegaram a surgira partir do meu ingresso na Universidade; desde entio, prosseguem surgindo, cada vez mais numerosos e complexos, envolvendo-me na estimulante certeza de que jamais conseguirei esgoti-los. Entretanto, nesse longo percurso, houve um momento no qual senti necessidade de fazer uma pausa para organizar ¢ enunciar as experiéncias ¢ reflexdes até entiio acumuladas, num conjunto de formulagdes que denominei, restritamente, de enfoque fenomenolégico da personalidade, mas que num sentido amplo diz. respeito ao modo como, atualmente, compreendo o meu existir ¢ 0 de meus semelhantes, A efetivagio dessa tarefa foi bastante Digitalizado com CamScanner 24 YOLANDA CINTRAg . dificil, pois foi acontecendo num fluxo continuo que, aoa W078, det-me a ly Sh, Que jamais conseguiria concluf-la. Quando estava enuncian« a minhas ideas, fi te, Parecia-me que elas iam adiante de meu raciocfnio, dando-me um V'80r0s9 int “persegui-las” e “‘agarré-las’” num caminho que jamais teria fim, Eacada hit ft que eu jé havia considerado como prontas, sentia, ¢ ainda sinto, que Poderia amp, modificé-las, ef MR, Por todos esses motivos, eu néo pretendo que as enunciagSes aqui reunidas « ti Sejam tomadas como algo pronto ou finalizado e sim, apenas, COMO a “estacsy te cheguei, depois de uma longa “viagem”, na qual estou, ainda, Prosseguindo, Mey int ia que as enunciacées que aqui apresento nao sejam consideradas Como definitivas, mae ct Ponto de partida para novos envolvimentos € reflexdes a respeito desse tema tig ee profundo que é a existéncia do ser humano, aqui abordada sob a perspectiva Boicolet sua personalidade. 2. Passos seguidos na elaboragiio do enfoque Considero importante, ainda, fomecer esclarecimentos sobre 0 modo Como proces Partir do momento em que tomei a decisio de elaborar um enfoque fenomenoligig personalidad, apés numerosos anos de experincias,estudos erelex6es, Essa dry tad Ocorreu por meio dos seguintes passos: 1° Passo — Retomei as obras de filésofos, psiquiatras e psicdlogos fenomendlogos cys enunciagdes haviam me impressionado e delas fiz cuidadosa revislo afin Selecionar aquelas que julguei serem pertinentes para um levantamento decasie risticas basicas da personalidade humana, 2 Passo — Procurei articular, entre si os enunciados acima referidos e explicité-los de aslo comotextodeseus autores omodocomo os fuicompreendendo,revendo-ose pu lelamente, relacionando-os 4 minha vivenciae Ade outras pessoas, tentandovericr (0 aspectos invaridveis desta e as suas variagdes na concretude de nosso exis. 3 Passo — Com subsidios obtidos na etapa anterior, fui chegando, por meio dos aspect invaridveis, ao levantamento de caracteri icas basicas da personalidade, as quastti enunciandoeretornando is etapas anteriores, sempre que percebi seristonecessi até chegar a uma enunciagdo final das referidas caracteristicas. Logo apis # enunciagdo de cada caracteristica, procurei enunciar, também, as variagées dest coneretude da vivencia das pessoas, 2 brimsio Passo, houveapepondeincadesados reflexes; nosdoisei® Scorreu um processo inter-relacionado de envolvimento, vivéncia e intuigao fetanal i oe a distanciamento, reflex e enunciaglo de iéias, com predominio ora de uma, orade0t" dessas duas maneiras de atuar, Digitalizado com CamScanner ENFOQUE FENOMENOLOGICO DA PERSONALIDADE 25 Emboratenhaapresentado, Separadamente, cadaum dos passos seguintes, para facilitara sua descrigio, julgo importante Tessaltar que eles foram ocorrendo de forma inter- relacionada, com avancos ¢ etrocessos, que tiveram por objetivo chegar ao melhor esclare~ cimento que me fosse possivel alcangar, tanto das enunciagdes dos autores. nos quais fundamentei 0 enfoque, como de minhas priprias, _Resumidamente, em outras palavras, através dos passos inter-elacionados acima referidos, cheguei & descrictio de caracteristicas basicas do existir humano, Para cada uma delas apresentei os seus fundamentos fenomenolégicos sob prisma filosofico, procurando mostrar © aparecimento das mesmas na vivéncia cotidiana, Este foi o recurso do qual me utilize’ para passar do plano filos6fico para o psicolégico; no filosbfico dei destaque aos aspectos invaridveis da existéncia, no psicol6gico enfatizei algumas variagdes que tais aspectos podem apresentar ao se manifestarem na concretude do existir. 3. Paradoxos e aparentes enganos Ao tratar das variagées referidas no parigrafo anterior, deixo transparecer 0 quanto as caracteristicas basicas do existir costumam manifestar-se de modo paradoxal na vivéncia cotidiana. Posso, assim, dar a impressio de que estou sendo contraditéria em meu empreen- dimento. Afinal, estou recorrendo a um método inspirado na Fenomenologia e, portanto, estou pretendendo ter um rigor que me permita chegar a enunciagdes coerentemente articuladas ¢ acabo chegando, também, a varias ambigilidades. Acontece que estas fazem parte da concretude do préprio existir humano; por isso, para me manter fiel a ele, procure ater-me a um rigor ¢ uma coeréncia que, de certo modo, sao paradoxais. Outro ponto que merece esclarecimento refere-se ao estilo que adoto ao escrever este trabalho, pois, embora o tenha redigido, predominantemente, na I.* pessoa do singular, em alguns momentos ineluo o leitor no meu discurso uilizando-me do “n6s”, para tentar chegar peito do letor e levé-lo a participar da vivencia de situagGes que slo préprias nfo apenas de minha vida, mas da exist€ncia que ambos partilhamos como seres humanos semelhantes. I - Fenomendlogos Cujas Idéias Fundamentaram o Enfoque ‘Além de Husserl, contribufram para o entendimento que tive da Fenomenologia os filsofos Merleau-Ponty, Heidegger € Buber, de modo marcante, e Sartre de modo menos evidente. Em Merleau-Ponty (1971, 1973),encontrei, de modo mais explicito do que em Husserl, as aproximagdes entre a Fenomenologia ea Psicologia, tais como as que ele procura efetivar Digitalizado com CamScanner 26 YOLANDA CINTRAg p, on feet. Sty analisando fenomenologicamente 0 psiguismo humano, em sua manifestagag jy 7 a percepgio (1971). : i ° ® Te Fenomeolgi do “sera (Destin, apresenada ox Hedegger (1971) Ce, a fundamentagio para o estabelecimento das dimensoes Oar 7 fonts Apre ~ eaangistia, o “compreender”, o “temporalizar” ¢ 0 “espact ins i nsideragdes te % tece sobre a relatividade do conhecimento (1979) também exerceram influéncia cage inh lexGes. ‘ mi “An destes fil6sofos, fiquei muito impressionada com Buber, que, embora ning referéncias a Husserl, seu contemporineo, fiz uma excelente Fenomenologia das humanas, em sua renomada obra Eu e Tu (1977), publicada pela primeira vez em gy visualizei a possibilidade do encontro, ov da sintonia completa entre os Seres humans, certo modo, nao admitida ou, pelo menos, nao claramente explicitada, or Heidegger (i, Sarre (1970, 1972) fortaleceu minha preocupasio com a questo da lberdae humano, levando-me a incluir o “escolher”, entre as suas caracteristicas basicas, Entretanto, minha motivagdo para estudar Fenomenologia nao surgiu a Pati gy filésofos, mas de psiquiatras fenomendlogos. Entre estes, destacam-se Binswanger (195, Boss (1963), bem no inicio, Berg, van den (1973) e Minkowski (1970), Posteriormene Foram eles que me levaram & leitura da Fenomenologia em seu campo de origem — Filosofia — na tentativa de compreender e aprofundar as suas idéias sobre o existir humang ¢ 0 modo como empregam 0 método fenomenolégico. Reconheco que o pensamento dos fenomendlogos que tenho estudado e com os quis tenho me envolvido, fornecendo-me os fundamentos para a elaboragiio de um enfoque da personalidade, embora apresente algumas idéias conciliéveis ou coincidentes, conn, também, varias divergéncias das quais, propositadamente, no tratei. Meu intuito niio foi o de fazer uma comparagao entre esses autores ¢ sim, apenas, 0 de reunir as suas idéias naguilo que tém de concilidvel, de acordo com o modo como consegui compreendé-las, vivificdas ¢ interpret4-las, le II - Apresentacio do Enfoque: Caracteristicas Basicas do Existir O termo personalidade.é aqui tomado como 0 conjunto de caracteristicas do exist humano, consideradas e descritas de acordo com o modo como silo percebidas ¢ compre didas, pela pessoa, no decorrer da vivencia Cotidiana imediata ¢ tendo como fundamento Seus aspectos fenomenolégicos primordiais, Tais caracteristicas constituem uma totalidals a sua organizagio em itens separados tem, apenas, 0 intuito de descrevé-las de 1? minucioso, para facilitar a sua Compreensio, Digitalizado com CamScanner ENFOQUE FENOMENOLOGICO DA PERSONALIDADE 27 J. Ser-no-mundo O homem, através dos tempos, tem-se esforgado sobremaneira, com 0 intuito de elaborar a ciéncia, que pode ser definida como “um conjunto de proposigdes verdadeiras conectadas por relagdes fundamentais”. Entretanto, a “investigacio cientifica nao € 0 seu nico modo possivel de ser € nem 0 mais imediato, pois, ao ser humano é essencialmente inerente ser-no-mundo” (Heidegger, 197la, pp. 21 ¢ 23). “Quando de manha cedo um fisico sai de casa para ir pesquisar no laboratério 0 efeito de Compton e sente brilhar nos olhos os raios de sol, a luz néo the fala em primeiro lugar, como fenémeno, de uma mecénica quantica ondulatéria... A luzfala, sobretudo, de um mundo em que ele nasce e cresce, amae odeia, vive e morre, atado instante. Sem esse mundo origindria,ofisico ndo poderia empreender suas pesqui- sas, pois ndo Ihe seria possivel nem mesmo exist... Nem o sol estd somente fora de nds, nem luz esté exclusivamente dentro de nds, porque sempre e necessariamente realizamos nossa existéncia na esirutura ser-no-mundo” (Leio, em Heidegger, 1988, p. 19). Encontramo-nos, em cada momento da vida, em nossa experiéncia cotidiana, tendo comelauma familiaridade imediata e pré-reflexiva que nfo provém daquilo que a.ciéncia nos ensina. Ea partire dentro dessa vivéncia didria que desenvolvemos todas as nossas atividades, inclusive as cientificas, ¢ que determinamos nossos objetivos e ideais. A experiéncia cotidiana imediata é 0 cendrio dentro do qual decorre a nossa vida; ser-no-mundo é a sua estrutura fundamental. “Mas ser-no-mundo no quer dizer que o homem se acha no meio da natureza, ao ado de drvores, animais ¢ outros homens. E uma estrutura de realizagéo... 0 homem estd sempre superando os limites entre o dentro e 0 fora.” (Idem, p. 20.) Nos acontecimentos da vida didria podemos evidenciar o quanto estamos implicados no mundo, pela afligao que sentimos quando, por exemplo, simplesmente escorregamos caimos; ficamos desapontados ¢ confusos, pois, ao “perder” o chio no qual nos apoiamos, sentimo-nos, por instantes, como se perdéssemos o préprio mundo e, simultaneamente, a nés mesmos. Isto pode acontecer, também, quando seguimos por uma estrada pouco conhecida e, de repente, ficamos sem saber ‘onde nos encontramos, Para sabermos quem somos precisamos, de certo modo, saber onde estamos, pois, a identidade de cada um de nés est implicada nos acontecimentos que vivenciamos no mundo, / Nosso elo de ligagdio pode no ser um lugar, mas uma pessoa a quem muito amamos; asua perda, devida ao drama de sua morte, ou, simplesmente, & falta de sua compreensiio e Digitalizado com CamScanner 2a YOLANDA CINTRAG 5 aj ‘Re, . licamos, pode nos deixar Perpley, Me, pr contepondtncia so ato earpee que imagindvamos ser, me Alita, . it mo: "ty sabermos, por aoe nit tard RHO GS eal. Gem somo, Precisamos para it ir ” Nas, decorrer ‘momentaneas diividas a esse respeito, mspiramos fundo all oicindaltaiveene encontrarno ar que a im tigers op Teanimar e nos esclarecer; podemos, também, acen aide a eotlo entre it © absorver a sua fumaga; ou tomar alguns goles de uma 7 Gualquer, fy, sa les ¢ espontineas so tentativas para recuperar 0 ness i ae Se-00-munga ms esséncia do homem esté em se ser relativamente a algo ou alguém” ( eidegper, 17a) 5 ‘L “O primordial ser-no-mundo do homem nao uma abstragao, mas uma corn Concreta; acontece ese realiza, apenas, nas miliplas formas peculiar do compo, tamento humano e nas diferentes maneiras dele: relacionar-se ds coisas ¢ jg Pessoag ‘Ser’ néo é wma esinutura ontolégica existindo em algum ‘supermundy? Me se ‘manifesta uma vez ou outra na existéncia humana, Ser-no-mundo Consiste ng ‘maneira tinica e exclusiva do homem existir, se Comportar e se relacionay, 5 coisas € ds pessoas que encontra.." (Boss, 1963, p, 34). “A idéia fundamental de meu pensamento é recisamente precisa do homem e qu, vice-versa, o homem 36 é homem denra da evidencia do ser” (Heideppr, 1974, p. 25, em en que a evidéncia do ser na medida em que esta Itrevista com Weiss.) Sere mundo, sujeito e objeto, no sao dois absolutos essencialmente independents, mas “comparaveis a dois P6los, Necessariamente ligados em Telagao reciproca de cognos- bilidade.” (Acker, van, em Berg, van den, 1973, p. 5.) Ser-no-mundoé ‘uma estrutura origindria € semy em elementos isolados, Entretanto, oi 98, mantendo a sua unidade E desse modo c Podemos consideraros varios *Spectosdo mundo as diferentes maneiras do homemexis' no mundo, Digitalizado com CamScanner ENFOQUE FENOMENOLOGICO DA PERSONALIDADE 29 1.1. Aspectos do “mundo”. * circundante, humano, préprio Ss Mi Coconjunto de relagdes significativas dentro do qual a pessoa existe; embora seja vivenciado como um totalidade, apresenta-se ao homem sob trés aspectos simultaneos, porém, diferentes: 9 circundante, o humano ¢ 0 Préprio. (Binswanger, 1967.) ° ‘mundo’ circundante Consiste no relacionamento da: pessoa com o que costumamos denominar de ambiente. Abarca tudo aquilo que se encontra concretamente presente nas situagdes vividas pela pessoa, em seu contato com o mund mais, as leis dé . ). Abrange as coisas, as plantas e os animals, ‘a natureza ¢ seus ciclos, como o dia e a noite, as estagées do ano, o calor eo frio, ° bom tempo cas intempéries. Dele faz parte, também, 0 nosso corpo, suas necessidades e atividades, tais como 0 alimentar-se.¢ 0 defe : cat, a vigilia ¢ 0 sono, a atuagio € 0 repouso, o viver ¢ o morrer, Oo “mundo” ‘Circundante caracteriza-se pelo determinismo ¢ por isso a adaptagiio é 0 modo mais apropriado do homemrelacionar-seaele, Assim, por exemplo, cu preciso adaptar- me a0 clima frio ou quente, necesito ajustar-me as minhas necessidades de comer e de dormir, pois nada posso fazer para modificar 0 préprio clima e as minhas necessidades biolégicas. Portanto, do “mundo” circundante fazem parte as condigGes externas ¢ o meu préptio corpoeé este que me Proporciona os primeiros contatos com aquelas. Sfio minhas sensagdes que me propiciam ver, ouvir, cheirar tocar e degustar as coisas que me cercam percebendo- as com alguma significagiio. Mas isto acontece numa vivéncia global onde niio distingo, de imediato, cada um de meus sentidos, bem como estes e as coisas com as quais me relaciono; eu simplesmente percebo coisas que tém um sentido para mim. “Na vivéncia imediata irreflexiva nada subsiste do fato de que necessito de olhos para ver... simplesmente aparecem-me coisas que estdo al..” (Berg, van den, 1972, p. 126.) ¢ tém significago para mim, néo apenas por aquilo que so em si mesmas, mas pela relagio que estabeleco com elas. Ocorpo tem um poder de sintese; ele unifica as sensagdes e percepgdes de si, bem como as que se referem ao mundo; 0 corpo € simultaneamente unificado e unificador na sua constante simultinea relagiio consigo e com 0 mundo, Na vivéncia pré-reflexiva imediata o ser humano desconhece seu corpo como tal; ou, em outras palavras, este encontra-se englobado na totalidade do existir. Endo hd manifestagio do existir que nao seja, de certo modo, corporal, pois no sio apenas as sensagdes, nas quais temos uma percepgao direta de objetos, que so vividas corporalmente. Mesmo quando imaginamos ou lembramos de algo, ou de alguém, estes aparecem com um colorido, uma forma, ou um perfume, um gosto, uma contextura. E até quando estamos engajados num pensamento racional ¢ abstrato, o que visualizamos ainda mantém alguma relago com 0 que vimos e sentimos, Digitalizado com CamScanner 30 YOLANDA Cinta, Fo “Nosso préprio corpo esté no mundo como 0 coragiio no organismo: lp on ontinuamente em vida 0 espetdculo vistvel, ele 0 anima © 0 nutyeinyoy, Mn | ‘forma com ele um sistema.” (Merleau-Ponty, 1971, p. 210.) mere Embora possam existir semelhangas entre meu corpo ¢ os: objetos Naturais i hi entre eles diferengas essenciais; entre estas entcontram-so 08 seus limites, join, limites encontram-se bem delineados ¢ determinados, enquanto meu préprig, a Abies restringe aos limites de minha pele, mas se expande muito além desta, Iggy «°? ty, apenas pelas relagdes que estabelego concretamente com 0 ambiente que me i % também, por aquelas das quais me recordo ou imagino que eu possa vir a estabel, Ta ny Nosso corpo nio é uma estrutura existindo por si mesma; e estende-se mites : Nossas sensagdes do momento, pois no encontramo-nos, apenas, fisicamente ioe num determinado lugar, mas, expandimo-nos em nosso existir no mundo; um Tmungg constitufdo ndo apenas de sensages, mas de significa. Os limites da minta cap coincidem com os limites de minha abertura ao mundo; eles sao idénticos em, cada mo, mas, esto sempre mudando de acordo com minhas novas experiéncias e a ampliu restrigdio com as quais eu as vivencio. « O “mundo” circundante abrange os condicionamentos aos quais estamos Sujet, sendo, de certo modo, por eles determinados, por vivermos concretamente num ambiente,» pela limitagao decorrente de nossa corporeidade, € nossa animalidade. Porém, nig ns encontramos completamente determinados, como acontece com os animais. Na vida dese © mundo circundante consiste num circulo funcional, ou numa interago circular qu estabelece entre as sensagGes e as ages. O ser humano, ao contrdrio, embora em sua vidasofy limitagGes de seu ambiente e de sua corporeidade, e necessite adaptar-se a eles, possui capacidade de transcendé-los por meio da consciéncia que tem das situagdes que vives (Binswanger, 1967, p. 241.) O homem no est4 em seu mundo circundante como um obj dentro de uma caixa ou um animal preso numa jaula, pois nao est4, simplesmente, mn ambiente; ele mora ou “habita” no mundo, que para ele se abre com muitas possibilidaés, no apenas por poder se locomover de um lado para outro, mas, também, em viruie consciéncia que possui das situagdes que j4 vivenciou, est4 vivenciando e ainda pode vivenciar. Portanto, hé um movimento dialético entre o ser humano ¢ o mundo circundan’° homem precisa, essencialmente, adaptar-se ao mundo circundante, mas est sempr tetas ¢, de certo modo, chega a conseguir exercer alguma agio sobre a natureza ¢ 0 set i corpo, Assim, ele exerce algum controle sobre seus instintos, e domestica anime! ei plantas, nivela planaltos, represa 4guas, elabora objetos que Ihe servem de utens! lios; us as vezes até abusa da natureza, com o intuito de viver melhor, ue obit Porém, a agao ¢ controle sobre 0 mundo circundante que o homem conse 00 acontece de uma forma temporaria e relativa, pois, tanto a natureza como 0 set prop! - Digitalizado com CamScanner ENFOQUE FENOMENOLOGICO Da PERSONALIDADE a a0 homem, Isto pode ser verificado na manutengiio que materiais ¢ bioldgicas basicas,¢, também, nos draméticos mantém um certo poder de se impor cles manifestam de suas qualidades acontecimentos da natureza como 08 terremotos, 0s tu 5 ‘o homem nada pode fazer, , 0S tufdes, ¢ na propria morte, contra a qual O “mundo” humano é aquele que diz respeito 9s seus semelhantes, peito ao encontro e convivéncia da pessoa com “Mesmoo estar sé ser-com, ‘nomundo, Somente ‘num’ ser-come ‘para’ um ser-com 6 que 0 outro pode faltar. 0 seh estar $6 € um modo deficiente de ser-com.” (Heidegger, Os seres humanos fazem parte da existéncia do homem, mas nao sfio como os animais, coisas ¢ instrumentos que a ele se apresentam, pois “Sdo e esto no mundo em. que vém ao encontro, segundo o modo de ser-no-mundo... O mundo é sempre um mundo compartilhado com os outros.” (Idem, pp. 169 ¢ 170.) ‘Temos a capacidade de nos compreendermos miitua e imediatamente, por sermos fundamentalmente semelhantes, embora na concretude de nosso existir cada um apresente algumas peculiaridades em seu perceber e compreender as situagées. Diferentemente do relacionamento com o “mundo” circundante, no qual o ser humano costuma utilizar-se dos objetos ou adaptar-se 4 materialidade do ambiente sem deles receber uma resposta, no encontro com seu semelhante ocorre uma relagio de reciprocidade, na qual ambos influenciam-se mutuamente. Os seres humanos possuem potencialidades que Ihe siio prdprias e os distinguem das coisas e dos animais, em virtude de compreenderem as situagdes que vivenciam, tendo consciéncia de si e do mundo. E como nossa existéncia consiste em ser- no-mundo, s6 atualizamos tais potencialidades, peculiarmente humanas — como 0 amor, a liberdade ea responsabilidade —, quando nos encontramos ¢ entramos em relaco com outras pessoas. E assim que atualizamos e, a partir dai, compreendemos e desenvolvemos tais potencialidades, 86 posso saber quem sou como ser humano, convivendo com meus semelhantes. Podem acontecer, e acontecem entre os seres humanos, situagdes nas quais um deles procure dominar o outro, utilizando-se dele para atender s suas necessidades. Uma pessoa pode, também, deixar-se submeter A outra, ou as normas ¢ regras de seu grupo social, simplesmente, para nao assumir a responsabilidade de suas proprias decisdes. Nestes casos, Digitalizado com CamScanner

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