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Sepromo Tribunal Federal 134 Coordenadoria de Andlise de Jurisprudéncia Due n? 98 Divulgagdo 27/05/2010 Publicagdo 28/06/2010 Ementérlo n® 2403-1 29/05/2008 TRIBUNAL PLENO ACAO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.510 DISTRITO FEDERAL RELATOR : MIN, AYRES BRITTO REQTE. (S) : PROCURADOR-GERAL DA REPUBLICA REQDO. (A/S) : PRESIDENTE DA REPUBLICA ADV. (A/S) : ADVOGADO-GERAL DA UNIAO REQDO. (A/S) : CONGRESSO NACIONAL INTDO. (A/S) : CONECTAS DIREITOS HUMANOS INTDO. (A/S) : CENTRO DE DIRETTO HUMANOS - CDH ADV. (A/S) : ELOISA MACHADO DE ALMEIDA E OUTROS INTDO. (A/S) : MOVIMENTO EM PROL DA VIDA - MOVITAE ADV. (A/S) : LUES ROBERTO BARROSO E OUTRO INTDO. (A/S) : ANIS - INSTITUTO DE BIOETICA DIREITOS HUMANOS E GENERO ADV. (A/S) DONNE PISCO E OUTROS ADV. (A/S) SOELSON DIAS INTDO. (A/S) : CONFEDERACAO NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL - CNBB ADV. (A/S) : IVES GRANDRA DA SILVA MARTINS E OUTROS CONSTITUCIONAL. ACAO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI DE BIOSSEGURANCA. IMPUGNACAO EM BLOCO DO ART. 5* DA LEI N* 11.105, DE 24 DE MARCO DE 2005 (LEI DE BIOSSEGURANCA). PESQUISAS COM CELULAS- TRONCO EMBRIONARIAS. INEXISTENCIA DE VIOLAGKO DO DIREITO A VIDA. CONSITUCIONALIDADE DO USO DE CELULAS-TRONCO EMBRIONARIAS EM PESQUISAS CIENTIFICAS PARA FINS TERAPEUTICOS. DESCARACTERIZACKO DO ABORTO. NORMAS CONSTITUCIONAIS CONFORMADORAS DO DIREITO FUNDAMENTAL A UMA VIDA DIGNA, QUE PASSA PELO DIREITO A SAUDE E. AO PLANEJAMENTO FAMILIAR. DESCABIMENTO DE UTILIZACAO DA TECNICA DE INTERPRETACAO CONFORME PARA ADITAR A LEI DE BIOSSEGURANCA CONTROLES DESNECESSARIOS QUE IMPLICAM RESTRICOES AS PESQUISAS E TERAPIAS POR ELA VISADAS. IMPROCEDENCIA TOTAL DA ACAO. T - © CONHECIMENTO CIENTFICO, A CONCEITUACAO JURIDICA DE CELULAS-TRONCO EMBRIONARIAS E SEUS REFLEXOS NO CONTROLE DE Gipooms Tribunal Federal 135 ADI 3.510 / DF CONSTITUCIONALIDADE DA LEI DE BIOSSEGURANCA. As “células-tronco embrion4rias" s&o células contidas num agrupamento de outras, encontradicas em cada embrido humano de até 14 dias (outros cientistas reduzem esse tempo para a fase de blastocisto, ocorrente em torno de 5 dias depois da fecundacdo de um évulo feminino por um espermatozéide masculino). Embrides a que se chega por efeito de manipulacdéo humana em ambiente extracorpéreo, porquanto produzidos laboratorialmente ou "in vitro", e ndo espontaneamente ou “in vida”. Nao cabe ao Supremo Tribunal Federal decidir sobre qual das duas formas de pesquisa bdésica é a mais promissora: a pesquisa com células-tronco adultas e aquela incidente sobre células-tronco embrionérias. A certeza cientifico-tecnolégica esté em que um tipo de pesquisa nao invalida o outro, pois ambos so mutuamente complementares. II - LEGITIMIDADE DAS PESQUISAS COM CELULAS-TRONCO EMBRIONARIAS PARA FINS TERAPEUTICOS E O CONSTITUCIONALISMO FRATERNAL. A pesquisa cientifica com células-tronco embrionérias, autorizada pela Lei n° 11.105/2005, objetiva o enfrentamento e cura de patologias e traumatismos que severamente limitam, atormentam, infelicitam, desesperam e ndo raras vezes degradam a vida de expressivo contingente populacional (ilustrativamente, atrofias espinhais progressivas, distrofias musculares, a esclerose miltipla e a lateral amiotréfica, as neuropatias e as doencas do neurénio motor). A escolha feita pela Lei de Biosseguranca nao significou um desprezo ou desaprego pelo embrido “in vitro", porém u’a mais firme disposic&o para encurtar caminhos que possam levar a superacaéo do infortunio alheio. Isto no 4mbito de um ordenamento constitucional que desde o seu preambulo qualifica “a liberdade, a seguranga, 0 bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justica” como valores supremos de uma sociedade mais que tudo “fraterna”. O que 34 Sepoomo Frdbunal Fadoval 136 ADI 3.510 / DF significa incorporar 0 advento do constitucionalismo fraternal as relacdes humanas, a traduzir verdadeira comunhéo de vida ou vida social em clima de transbordante solidariedade em beneficio da satide © contra eventuais tramas do acaso e até dos golpes da propria natureza. Contexto de soliddria, compassiva ou fraternal legalidade que, longe de traduzir desprezo ou desrespeito aos congelados embrides “in vitro’, significa apreco e reveréncia a criaturas humanas que sofrem e se desesperam. Inexisténcia de ofensas ao direito & vida e da dignidade da pessoa humana, pois a pesquisa com células-tronco embrionérias (invidveis biologicamente ou para os fins a que se destinam) significa a celebracdo soliddéria da vida e alento aos que se acham 4 margem do exercicio concreto e inaliendvel dos direitos a felicidade e do viver com dignidade (Ministro Celso de Mello). III - A PROTECAO CONSTITUCIONAL DO DIREITO A VIDA E OS DIREITOS INFRACONSTITUCIONAIS DO EMBRIAO PRE-IMPLANTO. O Magno Texto Federal n&o dispde sobre o inicio da vida humana ou o preciso instante em que ela comega. Ndo faz de todo e qualquer estédio da vida humana um autonomizado bem juridico, mas da vida que jd é propria de uma concreta pessoa, porque nativiva (teoria natalista", em contraposicao as teorias ‘concepcionista” ou da “personalidade condicional"). E quando se reporta a “direitos da pessoa humana" e até dos “direitos e garantias individuais" como cldusula pétrea esta faiando de direitos e garantias do individuo-pessoa, que se faz destinatério dos direitos fundamentais “& vida, a liberdade, a iguaidade, & seguranca e A propriedade’, entre outros direitos e garantias igualmente distinguidos com o timbre da fundamentalidade (como direito a satde e ao planejamento familiar). Mutismo constitucional hermeneuticamente significante de transpasse de poder normativo para a legislac&o ordindria. A potencialidade de algo para 3 Sipoome Tribunal Fedoral 137 ADI 3.510 / DF se tornar pessoa humana j4 é meritéria o bastante para acoberté-la, infraconstitucionalmente, contra tentativas levianas ou frivolas de obstar sua natural continuidade fisioldgica. Mas as trés realidades ndo se confundem: 0 embrido é 0 embrido, 0 feto é 0 feto e a pessoa humana é a pessoa humana. Donde nao existir pessoa humana embrionaria, mas embrido de pessoa humana. 0 embrido referido na Lei de Biosseguranga ("in vitro” apenas) nado é uma vida a caminho de outra vida virginalmente nova, porquanto lhe faltam possibilidades de ganhar as primeiras terminagées nervosas, sem as quais o ser humano nao tem factibilidade como projeto de vida auténoma e irrepetivel. © Direito infraconstitucional protege por modo variado cada etapa do desenvolvimento biolégico do ser humano. Os momentos da vida humana anteriores ao nascimento devem ser objeto de protecdo pelo direito comum. 0 embrido pré-implanto é um bem a ser protegido, mas ndo uma pessoa no sentido biograéfico a que se refere a Constituicao. IV - AS PESQUISAS COM CELULAS-TRONCO NAO CARACTERIZAM ABORTO. MATERIA ESTRANHA A PRESENTE ACAO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. £ constitucional a proposicdo de que toda gestacéo humana principia com um embrido igualmente humano, claro, mas nem todo embriao humano desencadeia uma gestacdo igualmente humana, em se tratando de experimento ‘in vitro”. Situacéo em que deixam de coincidir concepcdo e nascituro, pelo menos enquanto 0 ovécito (évulo ja fecundado) nao for introduzido no colo do utero feminino. 0 modo de irromper em laboratério e permanecer confinado “in vitro” é, para o embrido, insuscetivel de progressdo reprodutiva. Isto sem prejuizo do reconhecimento de que o zigoto assim extra-corporalmente produzido e também extra-corporalmente cultivado e armazenado é entidade embriondria do ser humano. N&o, porém, ser humano em estado de embrido. A Lei de Biosseguranca nao veicula autorizagdo para 4 Sipoome Faibunal Fedral 138 ADI 3.510 / DF extirpar do corpo feminino esse ou aquele embrido. Eliminar ou desentranhar esse ou aquele zigoto a caminho do endométrio, ou nele fixado. Nao se cuida de interromper gravidez humana, pois dela aqui n&o se pode cogitar. A “controvérsia constitucional em exame nao guarda qualquer vinculagéo com o problema do aborto.” (Ministro Celso de Mello). Vv - OS DIREITOS FUNDAMENTAIS A AUTONOMIA DA VONTADE, AO PLANEJAMENTO FAMILIAR E A MATERNIDADE. A deciséo por uma descendéncia ou filiacdo exprime um tipo de autonomia de vontade individual que a propria Constituicdo rotula como “direito ao planejamento familiar’, fundamentado este nos principios igualmente constitucionais da ‘dignidade da pessoa humana” e da “paternidade responsdvel". A conjugacao constitucional da laicidade do Estado e do primado da autonomia da vontade privada, nas palavras do Ministro Joaquim Barbosa. A opgdo do casal por um processo “in vitro” de fecundacdo artificial de évulos é implicito direito de idéntica matriz constitucional, sem acarretar para esse casal o dever juridico do aproveitamento reprodutivo de todos os embrides eventualmente formados e que se revelem geneticamente vidveis. 0 principio fundamental da dignidade da pessoa humana opera por modo bindrio, o que propicia a base constitucional para um casal de adultos recorrer a técnicas de reprodugéo assistida que incluam a fertilizacdo artificial ou “in vitro”. De uma parte, para aquinhoar © casal com o direito ptblico subjetivo 4 "“liberdade” (preambulo da Constituicéo e seu art. 5%), aqui entendida como autonomia de vontade. De outra banda, para contemplar os porvindouros componentes Ga unidade familiar, se por eles optar o casal, com planejadas condigdes de bem-estar e assisténcia fisico-afetiva (art. 226 da CF). Mais exatamente, planejamento familiar que, “fruto da livre decisdo do casal”, é ‘fundado nos principios da dignidade da pessoa 5 Slipremo Fribanal Federal 139 ADI 3.510 / DP humana e da paternidade responsdvel" (§ 7% desse emblemdtico artigo constitucional de n® 226). 0 recurso a processos de fertilizagao artificial nao implica o dever da tentativa de nidacao no corpo da mulher de todos os dvulos afinal fecundados. Naéo existe tal dever (inciso II do art. 5* da CF), porque incompativel com o préprio instituto do “planejamento familiar" na citada perspectiva da “paternidade responsdvel”. Imposicdo, além do mais, que implicaria tratar o género feminino por modo desumano ou degradante, em contrapasso ao direito fundamental que se 1é no inciso II do art. 5° da Constituicdo. Para que ao embrido “in vitro” fosse reconhecido o pleno direito A vida, necessdrio seria reconhecer a ele o direito a um Utero. Proposicao nao autorizada pela Constituicao. VI - DIREITO A SAUDE COMO COROLARIO DO DIREITO FUNDAMENTAL A VIDA DIGNA. 9 § 4% do art, 199 da Constituic’o, versante sobre pesquisas com substancias humanas para fins terapéuticos, faz parte da segdo noxmativa dedicada 4 “SAUDE” (Secdo II do Capitulo II do Titulo VIII). Direito 4 saiide, positivado como um dos primeiros dos direitos sociais de natureza fundamental (art. 6* da CF) e também como 0 primeiro dos direitos constitutivos da seguridade social (cabega do artigo constitucional de n* 194). Satide que é “direito de todos e dever do Estado” (caput do art. 196 da Constituicao), garantida mediante acées e servicos de pronto qualificados como “de relevancia ptblica” (parte inicial do art. 197). A Lei de Biosseguran¢ga como instrumento de encontro do direito a satide com a propria Ciéncia. No caso, ciéncias médicas, bioldgicas e correlatas, diretamente postas pela Constituic&éo a servico desse bem inestimavel do individuo que é a sua prépria higidez fisico-mental. VII - © DIREITO CONSTITUCIONAL A LIBERDADE DE EXPRESSAO CIENTIFICA E A LEI DE BIOSSEGURANCA COMO DENSIFICACAO DESSA 6 Sipromo Trbunal Federal 140 ADI 3.510 / DF LIBERDADE. 0 termo “ciéncia”, enquanto atividade individual, faz parte do catdlogo dos direitos fundamentais da pessoa humana (inciso Ix do art. 5* da CF). Liberdade de expressdo que se afigura como cldssico direito constitucional-civil ou genuine direito de personalidade. Por isso que exigente do maximo de protecao juridica, até como signo de vida coletiva civilizada. Tao qualificadora do individuo e da sociedade é essa vocacdo para os misteres da Ciéncia que o Magno Texto Federal abre todo um autonomizado capitulo para prestigid-la por modo superlativo (capitulo de n® Iv do titulo VIII). A regra de que ‘O Estado promoverdé e incentivaré o desenvolvimento cientifico, a pesquisa e a capacitacdo tecnolégicas” (art. 218, caput) é de logo complementada com o preceito (§ 1* do mesmo art. 218) que autoriza a edicio de normas como a constante do art. 5* da Lei de Biosseguranca. A compatibilizacdo da liberdade de expressio cientifica com os deveres estatais de propulsdo das ciéncias que sirvam a melhoria das condi¢gdes de vida para todos os individuos, Assegurada, sempre, a dignidade da pessoa humana, a Constituic&o Federal dota o bloco normativo posto no art. 5% da Lei 11.105/2005 do necess4rio fundamento para dele afastar qualquer invalidade juridica (Ministra Cérmen Licia). VIII - SUFICIENCIA DAS CAUTELAS E RESTRICOES IMPOSTAS PELA LEI DE BIOSSEGURANCA NA CONDUCKO DAS PESQUISAS COM CELULAS-TRONCO EMBRIONARIAS. A Lei de Biosseguranca caracteriza-se como regracdo legal a salvo da m&cula do acodamento, da insuficiéncia protetiva ou do vicio da arbitrariedade em matéria tao religiosa, filoséfica e eticamente sens{vel como a da biotecnologia na d4rea da medicina e da genética humana. Trata-se de um conjunto normativo que parte do pressuposto da intrinseca dignidade de toda forma de vida humana, ov que tenha potencialidade para tanto. A Lei de Biosseguranca nao conceitua as categorias mentais ou entidades biomédicas a que se 7 Cc Sepoome Tribunal Federal 141 ADI 3.510 / DF refere, mas nem por isso impede a facilitada exegese dos seus textos, pois é de se presumir que recepcionou tais categorias e as que lhe s&o correlatas com o significado que elas portam no ambito das ciéncias médicas e bioldgicas. IX - IMPROCEDENCIA DA ACAO. Afasta-se o uso da técnica de “interpretacéo conforme’ para a feitura de sentenca de caréter aditivo que tencione conferir a Lei de Biosseguranca exuberdncia regratéria, ou restricées tendentes a inviabilizar as pesquisas com células-tronco embrionérias. Inexisténcia dos pressupostos para a aplicagéo da técnica da “interpretacéo conforme a Constituicdo", porquanto a norma impugnada nao padece de polissemia ou de plurissignificatidade. Ac&o direta de inconstitucionalidade juigada totalmente improcedente. AcORDAO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal em julgar improcedente a a¢géo direta, o que fazem nos termos do voto do relator e por maioria de votos, em sesséo presidida pelo Ministro Gilmar Mendes, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigrdficas. Vencidos, parcialmente, em diferentes extensdes, os Ministros Menezes Direito, Ricardo Lewandowski, Eros Grau, Cezar Peluso e 0 Presidente. Brasilia, 29 de maio de 2008, bo. AYRES BRITTO - RELATOR

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