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Um Conde para Chamar de Meu - Graci Rocha
Um Conde para Chamar de Meu - Graci Rocha
Alguns locais e personagens são reais, entretanto, a história e os fatos descritos nesta obra
são provenientes inteiramente da imaginação da autora e da liberdade poética.
Hugh é um conde recluso, rejeitado pela sociedade por causa de boatos que assombram
sua família até que a rainha concede um título de nobreza real a ele, o que o coloca em evidência
e facilita seus planos.
Depois de escolher uma bela e recatada jovem para se casar, ele acredita que sua
vingança está mais perto do que nunca de se concretizar. O conde só não contava com o fato de a
esposa ser tudo, menos submissa e meiga.
Margareth odeia o marido, não, espere, na verdade, ela odeia o pai que a obrigou a se
casar com um conde que pode até ter os olhos mais lindos do mundo, mas que não passa de um
selvagem.
Ela queria ser livre, dona de si mesma, mas acabou amarrada a um homem rude que não
vê a hora de pôr as mãos em seu corpo jovem e inexperiente. Tudo bem, talvez ela odeie o
marido, o pai e a própria inexperiência, mas isso não quer dizer que ela vai entregar assim sua
vida e seu coração.
Enquanto puder dificultar a vida dele, ela fará com gosto, mesmo que acabe por ser
devolvida. Talvez esse seja o objetivo, afinal.
Um casamento por obrigação.
Um conde selvagem e rude.
Uma lady megera e linguaruda.
Em uma história onde paixão e ódio andam lado a lado, talvez o amor seja capaz de
mudar tudo... ou não.
Apaixone-se por Hugh e Margareth e descubra se eles serão capazes de encontrar o
caminho até o coração um do outro em meio a uma vingança e muitas confusões.
Canterburry era um homem duro, seu rosto quadrado aterrorizava a jovem esposa, seu
pensamento ágil era difícil de ser enganado e por isso ela ficava muito grata pela companhia e
bondade da condessa. Nunca havia imaginado que uma estranha podia salvar sua vida sem pedir
nada em troca.
Margareth, que tomava chá pela segunda vez naquela semana com a duquesa, desta vez
em Surrey Hall, reforçou sua recomendação de que a garota esperasse mais alguns dias antes de
voltar a ver seu amante. Os riscos eram grandes, não apenas para ela, como também para o casal
que a ajudara com a farsa que salvara sua vida.
A jovem, que a princípio ficara muito assustada, agora tinha na condessa uma melhor
amiga. As duas conversaram pelas horas seguintes sobre a moda vitoriana, as classes inferiores,
o frio que destruía plantações, chás, louças de porcelana chinesa e tudo o mais que vinha
agregado às amenidades da nobreza, além de coisas mais pessoais.
A intimidade que crescia a cada instante levou a duquesa a abrir seu coração e declarar
seu sonho de fugir com o amante, um rapaz da classe trabalhadora que lhe jurava amor eterno e
que nunca a machucara como o duque fazia sempre que se sentia frustrado por não poder colocar
seu pau mole dentro dela.
— Você precisa ter paciência, minha cara, esse dia vai chegar. Seria melhor, é claro, que
você tivesse um herdeiro...
— Isso vai ser impossível — a garota murchou na cadeira.
Ambas olharam para o horizonte, apreciando o ar fresco que lhes arrebatava as faces. A
mesa, disposta no jardim perto da floresta onde Margareth quase perdera a vida, propiciava uma
deliciosa vista e um ar revigorante. A condessa lançou um olhar confuso para garota, que
esfregou o rosto com desalento.
— Até onde sei não há nada de errado comigo — ela apressou-se a dizer vendo a
expressão de desconfiança da outra.
— Mas seu marido tem uma filha, não é?
— Sim, mas ele é velho, não consegue mais consumar o casamento. Não da forma que
geraria um herdeiro, você entende?
— Que lástima. Como será difícil sua situação quando ele morrer... — Margareth
compadeceu-se.
— Não pode ser pior do que já é. Ele é um bruto, fica furioso por não conseguir... sabe...
deixar aquela coisa horrível dura o bastante para colocar dentro de mim, me espanca como se a
culpa fosse minha de ser tão velho e molenga e, ainda me obriga a fazer coisas que me dão asco.
— Que horror. Não imagino vida pior.
— Por isso não me importo de ficar na miséria, desde que fique livre.
— Isso não vai acontecer, vou ajudá-la. Acaba de me ocorrer uma ideia que pode dar
certo, mas que será tremendamente perigosa.
A duquesa suspirou.
— O que você quer dizer?
— Que você tem uma escolha: pode fugir carregando suas joias e viver bem por algum
tempo, caindo em miséria depois e com o nome difamado, ou pode ter coragem de ficar e me
ajudar a fazer seu marido pagar por todo mal que fez.
— E por que isso é tão importante para você?
— Porque quando me casei, quase tive o mesmo destino que o seu.
— Mas você e o conde parecem apaixonados.
— De fato, mas as primeiras semanas foram infernais, por pouco não perdi a vida nessa
floresta que agora embeleza o nosso chá.
— E como foi que resolveu sua infeliz situação?
— Ao contrário do seu marido, o meu consegue muito bem cumprir com suas obrigações,
então, aqui estamos — deu de ombros. — Além disso, ele não é violento e tem um coração bom.
Mas isso não vem ao caso, a verdade é que temos que nos apoiar, nós mulheres indefesas.
A duquesa insuflou o ar, deixando-o sair pesado e quente. Olhou com ares esperançosos
para a floresta e então deu um sorriso fraco para a condessa, que esperava com o coração
palpitando a mil.
— Naquela noite, depois que você e o conde partiram, meu marido foi ao meu quarto,
não me espancou, mas fez muitas perguntas. Quando eu o inquiri sobre o que tratava tais
questionamentos, ele acabou deixando escapar que o duque Paxton havia plantado a semente da
dúvida em sua cabeça. Que por pouco, ele não me matara. Senti tanto medo.
Margareth não disse nada, ouvindo com atenção cada palavra da duquesa.
— Nunca imaginei que aquele duque maldito Paxton pudesse ser tão maldoso, logo
comigo que nunca sequer levantei os olhos para a família dele. Mas depois de você me contar
que a duquesa estava espalhando sobre mim e Harry, me difamando sem ao menos ter certeza, eu
não pude evitar, senti tanto ódio que só queria me vingar. Se não fosse você, agora eu estaria
morta. Imagine só se outra pessoa tivesse escutado e ao invés de me salvar quisesse meu mal?
— E o que você fez?
— Exigi reparação. Depois, me deitei com meu marido e fiz todas as coisas que ele gosta
tanto. Senti muita repulsa, mas fiz. Na mesma noite, recebi a promessa de que eu seria vingada,
que ele cuidaria pessoalmente de dar uma lição ao Paxton e a sua família mesquinha. Além de
ganhar mais um colar como presente. Com o seu apoio sei que posso ser corajosa.
A condessa sorriu.
— O que devo fazer, condessa?
— Sabe as providências que você e o Harry tomam para não gerar uma criança?
A duquesa anuiu tímida.
— Pois agora você deve parar.
O céu azul claro estava riscado pelas primeiras linhas de laranja, o sol já baixava no
horizonte e o frio começava a penetrar pelas imensas janelas quando a carruagem do duque
Paxton entrou na propriedade dos Canterburry.
Charles primeiro foi anunciado, e o anfitrião, que já estava sentado em sua poltrona na
sala de fumar, com um charuto fumegando entre os dedos e uma taça pequena com licor sobre a
mesinha de mogno lustrado, apenas meneou a cabeça, assentindo sua aproximação.
— Você tem bastante coragem para vir aqui — o olhar frio do duque de Canterburry fez
com que Charles Paxton respirasse com esforço, começando a suar.
— Desmond, o que deu em você hoje?
— O que deu em mim? — a voz soou entrecortada de raiva.
A troca de olhares era dura. Paxton esperava que o velho Coucex, ou duque de
Canterburry, recuperasse o juízo, quem sabe se desculpasse e ambos voltassem às negociações e
tramas que impulsionavam o parlamento às decisões que mais enriqueciam suas famílias.
— Pelo amor de Deus, homem, tínhamos um acordo de cavalheiros.
— Que você jogou fora ao tentar abalar a honra da minha esposa.
— Mas eu apenas me preocupei com você, um escândalo teria sido desastroso para o seu
bom nome.
— Você estava tentando me humilhar publicamente...
—Tentar? — Charles explodiu. — Ela mesma fez isso, encontrando-se às escondidas
com um qualquer.
— Como você ousa macular a reputação de uma dama tão exemplar? — Desmond Coucex
estava à beira de um ataque. — E pior, como eu pude acreditar em tão vil criatura?
— Na certa você não viu pessoalmente, por isso ainda questiona a veracidade do que digo.
Fui apenas leal a um bom amigo, forneci ajuda em um momento terrível. E é assim que me
retribui?
— Sabe o que é pior, Paxton? — Canterburry cuspiu as palavras com repugnância. — É
que eu acreditei, duvidei da honra de Elizabeth para descobrir que, além de insultá-la, você ainda
a confundiu com uma maldita criada.
— Não é possível, tenho certeza do que vi. E porque você iria querer que eu averiguasse
tais fatos se já não tivesse suspeitas?
— Você só pode estar louco!
Os dois berravam.
— Eu, louco? Você é um maldito velho arrogante, que se vê acima de tudo, pede-me para
ajudá-lo e agora me acusa... Mas não deixarei isso assim, você não perde por esperar.
— Você está me ameaçando?
— Vou fazer o que já deveria ter feito há muito tempo: expor suas jogadas, seus acordos e
tudo o mais que me lembrar. Seu nome estará na lama e nem será por culpa da coitada com quem
se casou.
— Você não ousaria.
— Tem alguma dúvida?
— Seu maldito! — O duque de Canterburry gritou no exato momento em que apanhou
uma pequena réplica da Vênus de Milo do batente da janela. Num rompante, usou a estatueta
maciça e bateu com força na cabeça de Paxton, que surpreso, cambaleou.
Antes que Charles pudesse reagir, outro baque soou seco. Desmond golpeou-o mais três
vezes, até que seu corpo caísse inerte e completamente sem vida.
Não demorou muito para uma poça de sangue começar a se formar ao lado da cabeça do
duque de Paxton, que já não mais respirava. Uma criada que entrava na sala de fumar carregando
uma bandeja de chá, assustou-se com a visão do morto, derrubando tudo e gritando.
— Cale a boca, sua infeliz, vá chamar Saul e mais um lacaio.
Tremendo, a garota disparou porta a fora. Retornou minutos depois, acompanhada do
capataz e de um lacaio magro e silencioso.
— O senhor me chamou, Vossa Graça? — o homem reverenciou.
— Pare com essas bobagens, não temos tempo para isso. Preciso que você dê um fim nesse
porco imundo. Ninguém pode saber o que aconteceu aqui. Vocês ouviram?
Todos assentiram.
— Thomaz, me ajude aqui — o capataz falou para o garoto, que passou rapidamente pelo
duque e começou a puxar o corpo morto de Charles Paxton pai, o primeiro inimigo de Hugh a
cair.
Jordy, a criada, correu para o quarto de lady Elizabeth e despencou no tapete, chorando,
soluçando e narrando a cena que vira.
— Estou com medo, vossa graça, o duque pode querer se livrar de mim.
— Eu vou proteger você, Jordy, assim como vocês me protegem desse monstro. Escute
bem, nunca mais fale nada a respeito disso e passe o máximo de tempo longe das vistas do
duque, vamos esperar que ele esqueça de você.
— E se ele não esquecer do que vi?
A jovem duquesa suspirou profundamente e pegou a mão da criada com carinho.
— Homens como ele menosprezam a inteligência das mulheres, se você for esperta, ele
não se dará ao trabalho de tentar nada contra você. Mas escute bem, ninguém pode saber de
nada.
— Ninguém vai, eu juro. E juro mais uma coisa, minha senhora, serei grata pra sempre por
ter a senhora aqui pra me proteger, devo minha vida e pode contar que lembrarei disso pra
sempre.
— Então, a partir de agora somos mais do que senhora e criada, somos amigas e aliadas e
vamos nos livrar do perigo juntas.
O silêncio tomou conta do resto da casa. Nunca mais ninguém ousaria mencionar o nome
do morto dentro da propriedade Canterburry. E agora o destino estava traçado. A jovem duquesa
iria até o fim com o plano de sobreviver ao monstro que chamavam de marido, nem que para isso
precisasse matá-lo.
Hugh e Margareth estavam deitados no tapete do quarto, suados e sôfregos. Mady bateu
na porta e esperou que o conde assentisse sua entrada. Margareth se enfiou embaixo da colcha,
na cama, enquanto Hugh vestiu um chambre sobre o corpo nu.
A criada entrou e reverenciou-os com a mesma cordialidade de sempre. Colocou uma
bandeja com chá e biscoitos sobre a banqueta perto da cama e baixou os olhos para o chão.
Há mais de uma semana, a notícia do desaparecimento misterioso do duque Paxton e seu
cocheiro haviam causado furor na alta sociedade londrina. Ninguém conseguia imaginar que
malfeitor poderia ter causado tal sofrimento à família, mas Hugh, que tinha um instinto muito
forte, desconfiava de que o próprio velho Desmond Coucex, o duque de Canterburry, tivesse
algo a ver.
Não seria de surpreender, não é? Afinal, o homem era um maldito louco que não se
cansava de machucas as pessoas, principalmente as mulheres.
O olhar da criada anunciava informações.
— O que foi Mady? — Margareth inquiriu, esticando-se para beliscar os biscoitos do
prato e acalmar o estômago barulhento.
— Encontraram o duque Paxton.
— Então apareceu... — Hugh espreguiçou-se. — No mínimo, estava farreando em algum
bordel.
— Hugh!
— Com uma esposa daquelas, até eu...
Margareth deu um tapinha no ombro do marido, divertindo-se com o humor dele.
— Ele estava numa dessas casas de gente sem moral, Mady? — Margareth levantou os
imensos olhos azuis para a criada.
— Não, senhora.
— Então desembuche, criatura, estou morrendo de curiosidade.
— Ele está morto.
Margareth se engasgou.
— Co-como? Quando?
— Não sei ao certo, mas um lacaio me contou que acharam o corpo dele e do cocheiro
boiando no rio Tâmisa. As autoridades estão alvoroçadas.
— Você não acha que deveria ir até lá? — perguntou para Hugh.
— Eu? Nem pensar — Hugh encostou a cabeça no imenso travesseiro de plumas, cruzou
os braços atrás da cabeça e fechou os olhos. — Cada um recebe o que merece. E eu mereço ficar
aqui com a minha esposa.
— Obrigada Mady, qualquer novidade, por favor me informe.
— Sim, Vossa Graça. Com licença.
Com uma reverência discreta, a criada saiu do quarto, deixando Margareth com um olhar
taciturno e Hugh com um meio sorriso nos lábios.
— Por que você está rindo?
— E você ainda pergunta?
— Você não está achando que temos algo a ver com isso, está?
— Outra pergunta sem sentido.
— Hugh, pelo amor de Deus, isso é muito sério.
Hugh abriu os olhos verdes que cintilaram. Com um semblante sereno, aproximou o rosto
quadrado ao da esposa.
— Se não fosse o Paxton, seria a Elizabeth.
— Você acha que...
— É claro que sim, a essa hora ela estaria morta e enterrada e no mínimo o velho Charles
deu oportunidade para aquele louco pegá-lo de jeito. Arrogante como é, deve ter provocado.
— Oh, Deus! o que fizemos?
— Salvamos a vida da duquesa, o maldito Paxton não teve nada além do que o merecido.
Margareth cobriu o rosto com as mãos e suspirou.
— Não pensei que pudesse chegar a isso.
— Margareth, você precisa entender, aquele homem é um louco, ele gostou do que fez
com minha mãe e deve ter feito coisa pior com outras criadas durante todos esses anos, além das
coisas que você me contou sobre a esposa. Não é nossa culpa se ele é um monstro.
— Pobre Elizabeth.
Um misto de sentimentos envolveu Margareth. Era como se ela tivesse se tornado a
pessoa maquiavélica que destruía os demais. As mesmas pessoas más que ela conhecia através
dos romances que lia e que sempre se davam mal no final.
Não, ela não era como aquelas pessoas, era ainda pior, porque era de carne e osso. Era
uma mulher de verdade tentando e conseguindo destruir a vida de outras pessoas reais. Mas ela
tinha um motivo, um forte motivo. Com o coração machucado pela consciência de seus pecados,
a condessa passou o resto do dia na cama, com dor de cabeça e um estranho aperto no peito.
À noite, Hugh deitou-se ao seu lado sedento, mas ao contrário dele, ela não estava
disposta. Sentia-se angustiada e confusa. Com medo de tornar-se algo tão ruim que nunca fosse
capaz de voltar a ser a Margareth que um dia fora. Dormiu com ajuda de algumas gotas de
láudano e quando acordou, sentia uma dor de cabeça ainda pior.
— O que há com você? — Hugh parecia aflito, pela manhã.
— Sinto-me um monstro. Ajudei a tirar a vida de uma pessoa.
— Claro que não, não seria possível nem mesmo se você quisesse muito.
— Hugh, nunca mais serei uma boa pessoa. Sinto-me tão...
— Margareth, nem temos certeza de que foi o Coucex realmente que fez isso e, de
qualquer forma, o Charles sabia como era aquele homem, todo mundo sabe que eles se
beneficiam dos projetos aprovados no parlamento e usam as pessoas para ganharem mais
dinheiro. Além do mais, nenhum de nós o forçou a matar o outro. Não temos culpa.
— É claro que temos, se não tivéssemos interferido... ido tão longe. E foi tudo ideia
minha — falou, iniciando um choramingo.
— A ideia foi sua, mas quem escreveu aquele recado fui eu, então, se alguém tem culpa,
esse alguém sou eu.
— E você não sente um pingo de remorso?
— Mas é claro que não, a morte foi pouco para aquele desgraçado.
— Hugh...
— Margareth, eles machucaram minha mãe! Nada do que fizermos vai realmente
compensar... — ele a pegou pelos braços.
— Você está me machucando.
— Entenda. Eles são os culpados, não nós.
— Mas...
— Chega.
Largando Margareth sobre os lençóis macios, Hugh caminhou até a janela. O suor
começou a correr por suas costas, debaixo do traje habitual. Olhou pela janela, viu o sol
ganhando contornos expressivos no horizonte.
— Para ser minha esposa, você precisa ser a Margareth forte de sempre e não a que se
encolhe e chora por causa de um monstro.
— Para ser sua esposa preciso ser um monstro e não sentir remorso?
— Fazemos o que tem de ser feito.
— Pelo amor de Deus, veja só o que você está dizendo. Como você pode ser tão frio?
— Do mesmo jeito que foram com minha família, há trinta e tantos anos.
Depois de um silêncio perturbador, Hugh tornou a olhar para a esposa, que ainda parecia
amuada e triste.
— Estou indo para Surrey Hall, conversaremos mais quando eu voltar.
— O que você vai fazer lá?
— Vou cuidar dos nossos interesses.
— Mas não podemos continuar, Hugh, pessoas estão se ferindo por nossa causa.
— Chega, Margareth, o que está feito, está feito. Não há retorno, então, não devemos ter
remorsos. — Saiu batendo a porta.
Margareth tomou o café na cama, banhou-se tentando afastar a sensação desagradável
que se instalara em seu corpo e passou o resto da manhã cuidando dos assuntos da casa.
Com os pensamentos embaralhados, dera tantas ordens controversas para as criadas que
elas acabaram ignorando-a e cuidando de sua rotina por conta própria.
Era muito ruim se sentir parte de algo capaz de causar a morte de alguém, mas era ainda
mais doloroso recordar-se da forma como Hugh a olhou, como se ela estivesse sendo fraca pelo
fato de ter remorso e culpa, por ter sentimentos.
Talvez ele não fosse capaz de sentir nada mesmo, apenas o desejo de vingança e
Margareth não passasse de uma peça no seu jogo perigoso e assustador.
O que aconteceria quando ele se cansasse dela ou conseguisse sua tão almejada
vingança?
Por pior que fosse participar dos acontecimentos, Hugh tinha razão numa coisa, todos
sabiam como o duque de Canterburry era, sua fama de violento era murmurada em cada canto de
Londres e apesar dela e Hugh terem provocado a crise na ínfima amizade entre os duques, sabia
que, se ele realmente era o assassino de Paxton, isso se devia, pura e simplesmente, por sua
própria natureza.
Além do que tinham salvado Elizabeth, que apesar de adúltera, era uma boa mulher, uma
garota que sofrera de um infortúnio ainda pior que o dela mesma, ela sim havia se casado com
um monstro de verdade e não Margareth, embora não tivesse mais tanta certeza disso.
Não, ela não podia se culpar por aquilo, o monstro era ele, e não ela ou seu marido. Por
piores que fossem suas ações, ela salvara uma jovem que, assim como ela mesma, havia sido
obrigada a se casar com um estranho. Estava protegendo sua família e lutando para restaurar a
paz de seu marido, estava punindo àqueles que jamais receberiam o que mereciam, simplesmente
por causa do poder que exerciam.
O dia pareceu nublado e insosso para a condessa, que andou de um lado para outro até
boa parte da tarde. Como um animal perdido que zanza pelas redondezas em busca de um
punhado de carne velha, ela ficou totalmente perdida em seus pensamentos.
— Mady! Mady! — Margareth entrou na cozinha lustrosa aos berros.
— O que foi senhora, está tudo bem? — a garota correu até ela sem o cuidado das
formalidades, tamanho fora seu susto.
— Arrume nossas coisas, vamos para Surrey. Imediatamente.
— Sim, senhora.
Algumas horas mais tarde, a lua já reluzia no céu, iluminando as estrelas que se
espalhavam a pouca distância uma da outra. Margareth abriu a persiana da carruagem e deixou
que o cheiro cálido da estrada de terra acertasse seu rosto. Em poucos instantes cruzaram o
portão imponente da bela propriedade.
Um lacaio as recebeu com formalidade e ela subiu para o quarto do marido, a fim de lhe
fazer uma surpresa. Antes, porém, pediu que Mady avisasse a criadagem para servir o jantar mais
tarde, no quarto, e que a ajudasse a tirar seu vestido e as anáguas. Animada, a criada alvoroçou a
casa.
Hugh ainda estava no campo, inspecionando a ala oeste da plantação. Margareth estava
excitada e feliz, sabia que teria que dizer muitas coisas a Hugh, mas não tinha dúvidas de que
quando ele a visse, despida e sorridente, seria capaz de esquecer a discussão. Tão deliciosa era a
sensação de causar uma surpresa agradável ao marido que as escadas pareceram desaparecer sob
seus pés. Margareth nem se deu conta da distância percorrida até abrir a porta do quarto do
esposo e dar de cara com ninguém mais e ninguém menos que Aila, nua, dormindo sobre os
lençóis alvos.
— Mas... Mas... — começou a tremer, tentando digerir a cena. — Mas o que diabos você
está fazendo aqui?
Aila abriu as pestanas devagar, como se fosse acordada de um sono pesado.
— Hugh, meu amor, é você? — a garota falou, fazendo com que Margareth urrasse de
ódio.
— Sua desavergonhada, saia já dessa cama.
De súbito, Aila sentou-se, esfregou o rosto e pareceu surpresa ao dar de cara com a
condessa.
— Onde está Hugh? — Margareth crispou furiosa.
Aila deu de ombros com indiferença.
— Já mandei você sair da cama do meu marido.
— Só saio quando ele mandar.
Margareth então, tomada pela ira e mágoa, foi até à porta e chamou por Mady. Não
esperou a criada chegar e voou para cima de Aila, agarrando-se nos cabelos negros e puxando-a
para o chão. Assustada, a criada caiu ruidosamente sobre o piso de madeira encerada.
— Não toque em mim — Aila gritou. — Eu estou grávida, não machuque meu bebê, por
favor.
Margareth parou, prestes a esbofetear a outra. Seus olhos estavam tão atônitos que não
conseguiu formular exatamente o que dizer a seguir.
— É isso mesmo, estou esperando um filho do conde. O que você acha que ele faz
quando sai no meio da tarde?
— Sua... Sua desgraçada, saia já da minha casa.
Mady que chegava nesse instante surpreendeu-se com o que viu, a patroa enraivecida,
enxotando Aila do quarto do conde como se o mundo pudesse acabar a qualquer momento.
— Está tudo bem, senhora?
— Chame alguém para tirá-la daqui, quero essa desgraçada fora.
— Mas que gritaria é essa? — Hugh subiu as escadas e deparou-se com as criadas que se
amontoavam na porta de seu quarto.
Com ele, a senhora Garden vinha esbaforida.
— O que está acontecendo aqui? — Hugh conseguiu entrar e deu de cara com Margareth.
— Margareth, o que você está fazendo?
Ela riu alto, limpou os olhos que lacrimejavam e então o fitou com todo seu ódio.
— Estou descobrindo que meu marido continua a dormir com a maldita criada.
— Mas do que você está falando?
Margareth afastou-se da porta do quarto e seu vestido volumoso deu espaço para a
imagem de Aila, acuada perto da cama e nua.
— Mas... Não estou entendendo, o que ela está fazendo aqui?
— Ela, meu querido marido, ela estava dormindo na sua cama, esperando pelo pai de seu
filho e totalmente despudorada.
— Tirem essa mulher daqui — Hugh ordenou e então se voltou para Margareth, que
ainda o observava com uma expressão de profunda dor.
Depois que Aila saiu, os dois ficaram em silêncio por algum tempo, até que Margareth
suspirou pesado.
— Você me enganou direitinho, conde.
Hugh não disse nada, confuso, perplexo e totalmente frustrado.
— Como você pôde fazer isso comigo? — Margareth sentou-se na banqueta perto da
janela e cobriu os olhos com as mãos ainda enluvadas. — Achei que você me amasse, mas pelo
jeito, é ela quem você deveria ter desposado e eu não passo de uma peça no seu jogo.
— Margareth, eu... eu... não sei o que você está pensando, mas...
Com os olhos azuis tomados pela mágoa, Margareth olhou para Hugh de um jeito tão
profundo e doloroso, que ele sentiu um nó se formar na garganta.
— Nunca vou perdoar você.
Partiu para seu quarto, trancando-se em seguida e deixando Hugh desesperado do outro
lado da porta, golpeando a madeira e berrando para que ela o deixasse entrar.
Cansado de esmurrar a porta grossa, Hugh voltou para o quarto e arriou sobre a cama.
Aila não estava mais lá e a senhora Garden, que a tudo assistia em silêncio, mandou que as
criadas servissem chá para o conde.
— O senhor está bem?
— Eu não sei. Simplesmente não sei o que aconteceu aqui hoje.
Mady, que estivera os últimos instantes tentando convencer Margareth a deixá-la entrar
no quarto, retornou ao aposento do conde, reverenciou-o e então assumiu uma postura firme.
Nunca ousara falar com ele sem sua permissão, mas agora o faria, queria esclarecer tudo, gostava
da patroa e odiava o que o conde fizera com ela.
— Vossa Graça, a condessa veio para Surrey porque estava triste com a discussão que
tiveram, não sei ao certo o que ela queria dizer, mas estava ansiosa, feliz. Quando chegamos aqui
se deparou com Aila em sua cama, afirmando que espera um filho seu.
— Mas não é possível.
Mady deu de ombros.
— A senhora ainda vai precisar de mim? — Mady inquiriu a senhora Garden.
— Não, você pode ir e nenhuma palavra disso com os demais criados.
— Sim, senhora. Com licença — reverenciou o conde e saiu.
Hugh não dormiu, tentando vez ou outra convencer Margareth a abrir a porta para
esclarecer as coisas. Revirou na cama o restante do tempo e quebrou um vaso na parede,
deixando-o espatifado no chão junto com as flores e a água que encharcou o tapete.
Margareth, por sua vez, nunca havia chorado tanto na vida, nem mesmo na malfada noite
de núpcias. Uma dor profunda parecia perfurar seu coração e ela sentia que o mundo estava
chegando ao fim. Só conseguiu dormir quando o sono e o cansaço a venceram. Sem trocar de
roupa e com o rosto inchado, acordou com o pior de todos os humores.
Abriu a porta de conexão dos quartos e se deparou com Hugh levemente adormecido,
vestido com a roupa do dia anterior e os cabelos bagunçados. Ele despertou com a movimentação
dela pelo aposento.
— Margareth, graças a Deus, precisamos conversar — disse, caminhando em sua direção
mais estressado do que nunca.
— Não — ela se esquivou.
— Não entendo, como você pode acreditar que eu tive algo com ela?
— Não importa mais no que eu acredito ou não. Tenho apenas duas coisas a lhe dizer,
conde.
Ele a encarou frustrado.
— Não quero um bastardo seu andando nesta casa — a condessa crispou os olhos,
fulminando o marido. É claro que a criança não tinha culpa, mas ela jamais aceitaria ser
humilhada por aquela maldita outra vez. — Arrume um lugar bem longe para abrigar aquela
desgraçada, quando a criança nascer, faça o que quiser com os dois, mas mantenha-os longe de
mim.
— Você só pode estar brincando.
— Como sua esposa, esta casa também é minha, portanto tenho esse direito. E mesmo
que o seu filho um dia seja o conde, ainda serei a senhora de Surrey Hall.
— Mas ela não está grávida, não estava quando a mandei embora, não está agora. Você
precisa me escutar.
Margareth erigiu o dedo e continuou:
— Não me importa — fez um breve silêncio, engoliu em seco e olhou-o pela última vez
nos olhos. — Vou ajudá-lo a concretizar os planos que já combinamos, mas a partir de hoje
somos casados apenas por esse interesse. A porta do meu quarto estará fechada para sempre para
você e peço a gentileza de não tentar forçá-la.
— Você é minha esposa, está louca se acha que vou aceitar isso.
— Se quiser minha ajuda com sua vingança, conde, estes serão os meus termos.
— Margareth, me escute. Não tive nada com aquela mulher.
— Isso não está mais em discussão.
— É claro que está em discussão! — Hugh berrou, socando a parede com raiva.
Margareth virou as costas para Hugh, que ergueu o punho ensanguentado. Sem dar
atenção ao ferimento, ela saiu, deixando-o ali, urrando e furioso.
Depois de entrar no seu quarto, ela fechou a porta que dava para onde ele estava e deixou
o corpo cair ali mesmo, tornando a chorar a plenos pulmões. Antes de cair em sono profundo,
escutou o som de coisas quebrando. Hugh urrou e então tudo virou o mais absoluto silêncio.
Nunca mais ela haveria de entregar seu coração novamente. Nunca mais.
Dois dias se passaram antes de Margareth tornar a cruzar com Hugh. Com o vestido de
babados azul claro, ela desceu as escadas em sua melhor aparência. Hugh que se encaminhava
para a sala de jantar avistou-a e ficou calado. Os olhos faiscando num misto de raiva e
ressentimento.
Cumprimentaram-se com fria formalidade e seguiram, lado a lado, até a mesa. Em
silêncio, começaram o desjejum. Não tardou para que o visitante, até então desconhecido para
Margareth, surgisse diante dos dois.
Foram apresentados rapidamente e o homem, August, fez questão de sentar-se perto da
anfitriã, que não lhe disse mais do que meia dúzia de palavras nos minutos que se seguiram.
August era poucos anos mais jovem que Hugh, mas com um olhar tão jovial e sorridente que o
clima tenso, pouco a pouco, amenizou-se. Fazendo vários galanteios para a condessa, parecia
não se importar com os olhares de reprimenda do conde.
— O senhor é mesmo um homem muito galante — Margareth respondeu com um sorriso
tímido que rapidamente se transformou num olhar astuto e frio. — Mas não é a mim que deve
bajular, eu já sou uma mulher casada.
— Não estou bajulando a senhora, apenas sendo sincero.
— Pois use sua sinceridade com outra jovem.
Ele sorriu com exagerado afeto. Hugh bufou consternado.
— Você não acha que devemos voltar para Londres? — a condessa inquiriu o marido.
— Sim, de fato, é o melhor momento para darmos continuidade aos nossos negócios.
— Pedirei que a senhora Garden e Mady preparem nossa partida para o fim desta tarde.
Tudo bem?
— Para mim está bom.
Em Londres, o tempo parecia correr muito mais rápido e, também, mais triste e frio.
Margareth pouco saía do quarto, dispensando as refeições sempre que podia e evitando ao
máximo a presença de Hugh. Ele, por sua vez, estava cada vez mais arisco e bruto com criados e
convidados, que não tardaram a notar o clima gelado entre o casal.
Numa manhã fria, cerca de duas semanas desde o retorno dos Ruthenford para a casa de
Londres, Madelina chegou sem avisar. Seu jeito espalhafatoso logo encheu o ambiente e antes
mesmo de ela parar diante da porta do quarto de Margareth, a condessa já sabia de sua chegada.
— Mas afinal de contas, o que está acontecendo com você? — Madelina falou com um
olhar de advertência ao entrar no aposento e se deparar com a condessa sob as cobertas, os
cabelos revirados e um olhar profundo de lágrimas.
— Não posso ter um dia ruim? — Margareth retrucou com mau humor.
— Mas é claro que não, com a vida e o marido que você tem, no mínimo tem que acordar
cantando uma bela ópera.
— Ah! Por favor... me poupe. — Margareth cobriu o rosto com o travesseiro,
resmungando.
— O que foi que aquele belo rapaz fez para você ficar desse jeito? — a duquesa sentou-
se na cama, fazendo com que seu lindo vestido de camadas se transformasse num imenso
amontoado de tecidos lilases.
— Não quero falar sobre isso.
— Você não tem escolha — a espanhola sorriu com seus imensos cílios negros. — Você
sabe que não vou deixá-la em paz até que abra essa boca e coloque tudo pra fora.
Margareth sentou-se na cama, ajeitou as cobertas e esfregou o rosto, sentindo-se um
verdadeiro trapo.
— Uma maldita e imunda criada, você acredita?
— Ora, não me diga. E você tem certeza disso?
— Ela está grávida, pelo menos diz que está.
— E como você descobriu?
— Cheguei à Surrey Hall e ela estava deitada na cama dele, nua, dormindo.
— Mas que ousadia.
— Achei que ele fosse feliz comigo.
— Não se impressione querida, alguns homens são assim mesmo.
— Mas eu dei um basta, a partir de hoje, nosso relacionamento diz respeito apenas a
formalidades.
— Não diga uma bobagem dessas, Margareth. Logo as coisas se resolverão.
— Como? Explique-me, como ficarei com um homem que se deita com outra?
— Do mesmo jeito que todas as mulheres da nossa classe fazem.
— Duvido que você já tenha passado por isso.
— Eu não duvidaria. Se o duque faz, é muito bem escondido, é claro, mas eu não
colocaria minha mão no fogo.
Margareth deitou a cabeça no colo da amiga e chorou, deixando-a perceber toda a
vulnerabilidade de seu coração quebrado.
— Querida, torture seu marido por alguns dias e então faça as pazes, é melhor do que
ficar sofrendo.
A condessa não disse nada, se deixando envolver pelos carinhos que a outra dispensava
aos seus cachos louros rebeldes, exatamente como a mão jamais foi capaz de fazer. Recebia ali
muito mais de uma mãe do que a sua jamais fora capaz de dar. Havia um elo, uma amizade e
Margareth sentia-se grata por isso.
— Você soube o que aconteceu? — Madelina perguntou de súbito, após um momento de
silêncio.
— Não — Margareth voltou a se recompor, limpando as lágrimas do rosto.
— A família Paxton está em maus lençóis mesmo, você tinha razão.
— Não entendo, achei que eram apenas boatos de que estavam falidos.
— De fato — a duquesa respirou fundo. — Que fique entre nós apenas, mas parece que o
jovem herdeiro não é bom com as posses da família e tem péssimos hábitos.
— O que você quer dizer?
— Parece que ele gasta muito em cartas e o pai tinha certos interesses que gastavam
muito também.
— Não me diga — Margareth arregalou os olhos, surpresa. Nunca sequer imaginara que
seu boato inventado podia acabar virando realidade.
— Vim porque achei que talvez seu marido pudesse aconselhá-lo. Todos sabem que os
Ruthenford são excelentes administradores.
— Porque Hugh não tem medo de sujar as mãos — a condessa deu de ombros, achava
isso extremamente cativante, mas não queria ser cativada por isso agora. Naquele momento ela
queria odiá-lo. — Cuida de cada propriedade como se fosse a única pessoa capaz disso.
— Seria excelente se ele tivesse um padrinho, alguém que o ensinasse o valor das coisas.
— E por que você acha que Hugh aceitaria fazer isso?
— Porque ele é um nobre e estaria ajudando outro nobre em momentos de dificuldade.
— Você não pode ser tão inocente assim, Madelina — Margareth esbravejou. — Aqueles
Paxton são uns asquerosos, meu marido jamais aceitaria ajudar algum deles.
— Eu sei, são pessoas difíceis mesmo, mas veja, a maioria dos nobres o são. Apesar de
tudo, estou preocupada com a Lady e sua filha, a pobre jovem não conseguirá um bom
casamento se a família continuar nessa situação.
— Você tem um bom coração — Margareth disse, vencida. — Verei o que posso fazer.
— E aproveite para fazer as pazes com aquele belo rapaz, não há quem ainda não tenha
percebido o clima tenso entre vocês.
— Oh — Margareth cobriu o rosto e deixou a cabeça cair sobre os travesseiros. — Eu
odeio Londres, só tem fofoqueiros nesta cidade.
Mesmo em Londres, Hugh preferia fazer suas refeições cedo e preferia ficar na biblioteca
a acompanhar outros nobres aos clubes. Cada vez gostava menos da companhia dos homens da
nobreza londrina e a situação com Margareth piorava seu ânimo.
A vontade que nutria era a de subir ao quarto da esposa, derrubar a porta e tomá-la à
força, mas seu orgulho estava ferido, sua raiva inflamada pela falta de confiança da condessa e
isso era um veneno que o impedia de possui-la ainda que a desejasse com fervor.
Sem conseguir se concentrar na leitura, Hugh largou o livro que folheava em cima da
mesa e fechou os olhos, recostando-se na poltrona confortável. Não percebeu quando Margareth
entrou.
— Acho que sei como acabaremos de vez com os Paxton — a voz da condessa o fez abrir
as pestanas rapidamente. Os olhos verdes cintilaram sob a parca luz que banhava o ambiente. Ela
prosseguiu: — Cartas.
August apareceu no vestíbulo logo após a chegada de Margareth. Seria a primeira
aparição oficial do visitante como amigo íntimo da família Ruthenford. A condessa, que estava
vestida com luxo, admirou-se com a aparência elegante do homem, mas não falou muito a
respeito.
Hugh, com seu fraque de costura perfeita, parecia desajeitado e rabugento. Não amenizou
o olhar duro para o suposto amigo e estava com o pior humor de todos, rangendo os dentes cada
vez que o homem lhe dirigia a palavra ou lançando algum olhar cobiçoso para sua esposa.
Margareth e o marido não trocaram mais do que duas palavras formais no vestíbulo,
deixando bem claro que as coisas estavam indo de mal a pior.
A carruagem chegou e eles foram escoltados por dois lacaios que não levantaram os
olhos do chão. Direto para as garras do inimigo em um dos mais memoráveis eventos de
Londres, o baile na imensa propriedade dos Coucex, o ducado de Canterburry.
O trio chegou ao baile e foi recebido efusivamente pela jovem e bela duquesa, que
esbanjava luxo com joias caras. Hugh e o duque mal trocaram meias palavras e o conde passou
boa parte da noite bebendo vinho e licor num canto da sala e sem dar a mínima atenção aos
olhares alheios.
August não demorou muito a se tornar o centro das atenções das senhoritas e também dos
cavalheiros, com sua voz agradável e seus galanteios, além de suas perguntas inteligentes e seu
genuíno interesse pelas coisas da nobreza.
Fora apresentado como um amigo antigo de Hugh, da época em que frequentou a
universidade, e que agora estava hospedado com o conde de Surrey, com quem ficaria até sua
volta para o sul da França, onde assumiria uma propriedade herdada de família.
O sujeito passou a noite rodando de uma mesa a outra, dançando com jovens e velhas e
saudando os cavalheiros. Conquistou a todos e Margareth não demorou a pensar que ele tinha
realmente um grande talento para sua missão, aquela que os ajudaria a findar de vez a vingança.
Margareth conversou distraidamente com a anfitriã, notando a elegância do espaço e
dando dicas sobre o que ela deveria fazer em relação ao gênio duro do marido.
— Minha querida, você precisa dar um jeito, faça as coisas que ele gosta, finja que está se
divertindo, o importante é que ele consiga — a condessa frisou.
— Não sei como, já estou casada há cinco anos e nunca aconteceu. Não fica duro,
Margareth, nunquinha.
— Porque você era inexperiente, agora já sabe como ele é, deve perceber as coisas das
quais ele gosta, seja esperta e o faça pensar que essa criança que você carrega é dele. Isso
garantirá sua segurança e tranquilidade para o resto da vida, bem como a de um certo alguém.
— Vou tentar.
— Não, você vai conseguir, tentar é para mulheres fracas, nós duas somos fortes.
As duas sorriram, voltando a circular entre as outras senhoras pelo resto da noite.
O baile pareceu interminável, os assuntos desagradavam tanto à condessa quanto ao
marido e ambos não viam a hora de voltar para casa e enfurnar-se em seus aposentos,
esquecendo a situação que muito os importunava, a criança que Aila, estaria carregando.
E pensando nesse bebê, um bebê inocente, que não tinha culpa do que a vida havia
reservado, Margareth percebeu que ela mesma ansiava em gerar uma vida, em dividir seu tempo
e amor com alguém tão puro e indefeso e que a amasse incondicionalmente. Mas, se não havia
acontecido desde o casamento, talvez não acontecesse nunca, talvez ela não pudesse gerar vidas,
ou simplesmente Deus a achasse sem condições. Dormiu outra vez entregue às lagrimas,
sentindo o peso de tudo pelo que estava passando.
Hugh estava deitado na cama ainda vestindo o fraque, uma mistura de sentimentos
envolvia seus pensamentos já nublados e confusos pela quantidade de vinho e licor ingeridos no
baile. Poderia esquecer o assunto, ignorar Margareth e fazer sua vontade de nunca mais bater à
sua porta, nunca houvera escassez de mulheres em sua cama, mas não era isso que ele sentia.
Ele não conseguia ignorar aquilo. Era a segunda vez que aquela mulher petulante o
rejeitava. E Aila, grávida? Não, claro que ela não poderia estar esperando um filho seu. Hugh
achava impossível, afinal de contas, ela era esperta, sempre cuidadosa e ele também. Mas aquilo
o importunava, e se fosse verdade? E se estivesse mesmo esperando uma criança, um filho seu?
E por que diabos, Margareth simplesmente não podia acreditar quando dizia que não
estivera mais com a criada desde que ela tinha se tornado sua esposa de verdade?
Não conseguiu dormir, sentindo o quarto dar voltas e voltas toda vez que fechava os
olhos. Levantou-se e mergulhou na penumbra do corredor. Andando de um lado para o outro,
impaciente. Olhou seguidas vezes para a porta do quarto de Margareth, estaria trancada?
A porta de ligação de seus aposentos estaria fechada, sem dúvida, mas e aquela? A porta
do corredor estaria aberta? Será que ela faria um escândalo se ele tentasse? Aquilo o estava
enlouquecendo.
Aquela maldita mulher o deixava à beira do surto desde que entrara em sua vida. Seria
capaz de matar o primeiro que cruzasse seu caminho, apenas para descontar a ira e ardência que
queimava seu corpo. Abriu a porta, sem pensar. Se pensasse mais, voltaria para o quarto e
enfiaria a cabeça debaixo do travesseiro, para recuperar o juízo.
Mas àquela altura, ele não tinha mais qualquer pingo de juízo e só pensava em uma coisa:
Margareth.
Encontrou-a dormindo, ainda vestida com a roupa do baile, os olhos manchados por
lágrimas que feriam seu delicado rosto e traziam à tona uma mágoa que talvez não tivesse mais
cura. Hugh sentiu aquele nó perturbador se formar outra vez na garganta. Como podia causar
tanta tristeza à única pessoa com quem realmente se importava?
É claro que a culpa disso tudo era das suas ações, jamais dissera a ela como vinha se
sentindo ou em como ela foi capaz de mudar sua vida e a própria visão que tinha de si mesmo.
Jamais se desculpou por ter dormido com Aila na sua noite de núpcias e fingindo ter dormido de
novo em outro momento.
Ele tinha causado aquilo e agora era insuportável o peso de suas ações.
Hugh sentou na cama e suspirou, queria tocar o rosto de Margareth, dizer de seu
infortúnio por vê-la daquela forma, mas não queria correr o risco de ela despertar e o rejeitar
novamente. Tantas perguntas retumbavam em sua mente, tanta dor...
A condessa abriu os olhos bem devagar, piscando algumas vezes. Viu Hugh olhando-a e
ajeitou-se na cama, assustada e confusa.
— Margareth.
— O que você está fazendo aqui?
— Por favor, não me mande embora. Não esta noite.
Os olhos azuis da esposa do conde estreitaram-se. A dor que invadia seu peito era quase
tão violenta quanto o desejo de entregar-se à paixão que nutria por ele. Estava com saudade de
acalmar sua mente nos braços dele, com saudade de ser tocada, de dormir aconchegada.
— Não consigo perdoá-lo. Não posso.
— Eu sei, mas acredite em mim, não estive com ela, não estive com outra pessoa que não
você e isso é até engraçado, porque achei que nunca seria possível que alguém tivesse esse poder
sobre mim.
— E se ela estiver mesmo grávida?
Hugh engoliu em seco.
— Já não deveria haver uma barriga? Faz muitos meses desde que ela esteve na minha
cama e nenhuma depois de que você se tornou minha — ele falou, a voz minguando de tanta
tristeza. — Ela não pode estar grávida. Não de mim.
O conde aproximou seu rosto de Margareth, abriu seus lábios e preparou-se para beijá-la,
certo de que as coisas estavam resolvidas. Mas a condessa recuou, limpou o rosto e tornou a
olhá-lo.
— Eu gostaria de ficar sozinha.
— Não! — Hugh berrou e pôs-se de pé com brusquidão. — Será que você não escutou
tudo o que eu acabei de dizer?
— Escutei, mas ainda não sei se acredito.
Margareth saltou da cama, ficando frente a frente ao marido e olhando-o com
determinação.
— Como você pode dizer isso?
— Do mesmo jeito que você pôde se deitar com ela na nossa noite de núpcias.
Hugh engoliu em seco, sabia que merecia aquilo, mas era teimoso e não daria o braço a
torcer.
— Por favor, vá embora.
— De jeito nenhum. Você é minha esposa e eu exijo que aja como tal.
— Antes de me exigir qualquer coisa, você deveria começar por você mesmo. Dê o
exemplo, meu caro conde.
Os dois berravam.
— Sua megera — Hugh segurou-a nos braços e chacoalhou com força.
Margareth desprendeu-se e lançou a mão na direção de Hugh, ele não se defendeu,
deixando-a acertar-lhe bem no meio da bochecha, com toda a força.
Com os olhos fulminando, Hugh voou na direção dela, tomou seu rosto entre os dedos
fortes e olhando com intensidade para o par de safiras furioso, beijou-a. Um beijo ardente que
arrebatou a ambos.
Com a sede de uma fera presa ao deserto, Hugh envolveu Margareth em seus braços,
impedindo-a de lutar. E ela nem sequer ousou fazer isso, fechando seus olhos e mergulhando de
cabeça na paixão. Com brutalidade, o conde rasgou o vestido, puxou as anáguas que pareciam
intermináveis e deixou a esposa completamente nua diante de si numa fração de segundo.
Apreciou o corpo perfeito, enquanto a ajudava a tirar o resto de seu fraque, desesperados
por aquele contato, ansiosos. Nenhum dos dois ousou dizer nada, agarrando-se ao corpo do outro
com a força de um vendaval.
Hugh ergueu Margareth, que cruzou as pernas em volta de sua cintura e mordeu de leve
seu ombro. Ele puxou seus cachos para baixo e beijou seu pescoço, fazendo-a estremecer.
Encostou-a na parede, perto da janela e penetrou-a com força, apertando suas nádegas e beijando
seu pescoço. Margareth gritou ao chegar ao ápice, enroscada em Hugh e transtornada.
Fizeram amor até o dia raiar do outro lado da janela. Na manhã seguinte, porém, quando
Hugh acordou, Margareth não estava mais no quarto. O conde vestiu-se e desceu para o café,
dando de cara com a esposa aos risos. August retribuía o gesto, simpática e galantemente. O
conde olhou para os dois com desconfiança, assumiu seu lugar na cabeceira da mesa e tocou de
leve na mão da esposa. Margareth puxou os dedos e olhou-o com firmeza.
— Nada mudou.
Hugh sentiu seu sangue ferver. Queria estrangular Margareth ali mesmo e, mais, queria
quebrar a cabeça de August, que a tudo assistia com curioso divertimento.
— Você quer me enlouquecer, é isso? — Hugh berrou, levantando-se e fuzilando
Margareth com o olhar.
— Como você ousa falar assim comigo? — Margareth repetiu o gesto do marido.
— Ponha-se no seu lugar!
— Ponha-se o senhor no seu lugar e pare de dormir com as criadas.
— Já cansei de falar que não estou dormindo com criada nenhuma, com mulher nenhuma
além de você.
August arregalou os olhos, nunca antes viu mulher nenhuma desafiar o marido, ainda
mais alguém como Hugh, uma criatura quase animalesca quando atacada.
Aquela ali, sim, daria gosto de ter sob os lençóis. Se fosse tão ardente quanto era
atrevida... Bem, isso justificava muita coisa.
Ele nunca havia imaginado que Hugh pudesse se casar. Era um dos homens mais difíceis
com quem lidara e um dos poucos que conseguira desmascará-lo em seu truque.
É claro que o conde fora ainda mais esperto, deixara-o escapar impune de suas jogadas
contra a alta classe francesa, mas havia uma condição: August, para sempre, lhe deveria um
favor. E ali estava ele, pagando sua dívida com um dos homens mais perigosos que já conhecera
e o sujeito parecia prestes a ter uma crise histérica por causa de uma bela e atrevida jovem de
olhos azuis.
Como Margareth não disse nada, as sobrancelhas alteadas em desafio. Hugh jogou os
braços pra cima.
— Eu não estou dormindo com nenhuma criada e mesmo que estivesse, você seria a
última pessoa a ter o direito de me questionar sobre isso.
— Pois se é assim, o que lhe importa como ajo? — Margareth crispou os olhos. — Suas
necessidades serão atendidas sempre que desejar, Vossa Graça, se é isso que o preocupa.
— Tem razão... — Hugh disse depois de algum silêncio, com gravidade e ferocidade. —
Sendo assim, nada mais importa.
Margareth olhou-o estupefata, como se esperasse por algo que o conde não conseguira
alcançar. August, por outro lado, tinha absoluta convicção do que a bela condessa esperava, mas
não ousaria dizer uma palavra, nem mesmo se inquirido a respeito.
— Vamos, temos um assunto de ordem urgente a resolver.
August levantou-se de imediato e em silêncio, cumprimentando a condessa com
discrição.
Hugh tornou a olhar para Margareth, seu rosto inexpressivo e sob total controle. O
vermelho nas bochechas da condessa anunciava sua vitória na discussão. Atingira-a profunda e
dolorosamente e mesmo assim não sentia prazer ou satisfação.
Algo estava errado com ele, o conde tinha certeza, submeter aos outros à sua vontade
provocava-lhe sempre uma deliciosa sensação de poder, mas agora não havia nada. Nada além de
tristeza.
No restante do dia, Margareth passou trancada na sala de leitura, olhando pela janela,
vendo o dia nublado escurecer, os pensamentos perdidos e uma pontada de mágoa agulhando seu
coração.
Hugh respirou a fumaça dos charutos e soltou o ar com força. Bateu com as cartas na mão
e resmungou. A penumbra esfumaçada dava a austeridade necessária para que o conde abdicasse
da partida, sem revelar a ansiedade que sentia. Sabia que o suposto amigo, um golpista de
primeira linha – se é que essa nomeação poderia ser dada a alguém com tamanha desenvoltura e
desapego para com a sociedade e suas convenções – estava prestes a concluir com seu acordo. É
claro que Hugh tinha mais alguns planos para August e, para tanto, acrescentaria uma generosa
quantia em dinheiro à proposta. Por enquanto, porém, estava concentrado numa única ação. Falir
o último homem da família Paxton.
— Estou fora.
Os olhos de August brilharam, aquele era o sinal. Passara as duas últimas rodadas
deixando o imbecil beberrão à sua frente ganhar, instaurando assim a confiança necessária para a
derrocada final.
E esta estava prestes a acontecer, uma vez que o herdeiro do inimigo de Hugh estava
apostando até as calças naquela única partida. Uma ou duas rodadas de cartas, no máximo e ele
estaria resolvido para sempre na vida.
Com dinheiro suficiente para se manter bem por muitos anos, com luxo até, e o mais
importante, livre de Hugh e seu olhar mortífero. Esse segundo pensamento era, de fato, a
sensação mais importante naquele momento, se livrar daquele conde que parecia estar sempre
prestes a cortar suas vísceras e empalhá-lo feito um selvagem das colônias.
— E o grande duque, se acovardará ou tentará a sorte? — provocou, olhando para o
jovem Paxton, levemente embriagado.
— Pois eu quero ver — o rapaz disse, sustentando um olhar firme e convencido de que
deixaria o homem à sua frente sem um único centavo.
August puxou com agilidade felina a carta da derrocada, fazendo-a se lançar
discretamente do pulso da camisa para os dedos. A original, sumindo entre alguma parte de seu
casaco onde ninguém encontraria caso revistasse. August virou suas cartas e o rapaz
empalideceu.
A mudança de cartas havia sido sutil, o golpista desconfiava que mesmo os olhos astutos
do conde haviam deixado passar o movimento fugaz, treinado centenas de vezes, não havia quem
não estivesse questionando como August tivera tanta sorte ou como realizara a proeza.
— Não é possível — o duque berrou, levantando-se zonzo e assim sendo acudido, por
ninguém mais e ninguém menos, que o próprio conde vingativo.
Um mordomo elegante foi chamado e às pressas trouxe um copo de água e uma toalha
molhada, que depositou na testa do nobre. O filho de Charles Paxton, Charles Segundo, estava
pálido como se tivesse dado de cara com a visão do pai moribundo, apontando-lhe o dedo e o
acusando de arruinar de vez a família.
Muitas vezes perdera dinheiro em partidas de cartas nos clubes, mas jamais uma quantia
com a qual não pudesse custear ou choramingar ao pai para quitar. Desde que conhecera,
semanas antes, o amigo de Hugh, vinha tendo uma milagrosa sorte e naquela noite, diante de
muitos jovens de estirpe inferior à sua, elegantes herdeiros da classe trabalhadora dos bancos,
que venceram na nova fase da Inglaterra fabril, ele havia perdido dinheiro suficiente para
arruinar sua família.
Vomitou aos pés de um garçom que o atendia com a toalha e que, com uma folha do
jornal, abanava-o como se fosse resolver, com um pouco de brisa, a terrível situação em que o
garoto mesmo havia se deixado colocar.
— Isso não está certo... eu... estou falido.
— Fique calmo, garoto. Tenho certeza de que resolveremos tudo como cavalheiros —
Hugh deu um tapinha de consolo nas costas do rapaz, que revidou com um olhar furioso.
— Isso é tudo culpa sua. Saia da minha frente.
Cambaleando, empurrou Hugh diante de todos, provocando assim, a necessária quebra de
qualquer aliança e obrigação que o conde poderia ter com o outro de sua classe pelo pedido de
Madelina.
O herdeiro Paxton saiu, deixando na mesa a promissória que reivindicava um valor
estimado ao das duas principais propriedades da família. Não tinha como escapar, se não
remanejasse seus recursos com habilidade, estaria na completa miséria em menos de um ano.
Hugh tinha certeza de que isso era fato consumado, uma vez que o imbecil não via um
palmo diante do nariz e com a fúria e ânsia de recuperar a fortuna perdida, estaria se
embrenhando ainda mais em jogos, bebidas e mais dívidas. Em breve, o último a carregar o
nome Paxton estaria na miséria e Hugh teria, finalmente, dado a justiça que sua mãe merecia.
No percurso de volta para casa, deixou August diante da porta vermelha de um prostíbulo
famoso. O rapaz, que bebera um pouco além para comemorar sua felicidade na mesa de cartas,
ficou encostado no poste, bem abaixo da lamparina a convidá-lo para uma visita rápida à casa de
Madame Beouwet, uma rechonchuda mulher de meia idade, que mantinha vários quartos no
fundo da espelunca que gerenciava.
A casa era conhecida como um recanto para homens solteiros e casados, sedentos por
diversão de qualquer espécie. Hugh não era dado a bordéis, achava as mulheres imundas e
inescrupulosas, preferindo tombar criadas mais sonhadoras pelo pasto seco de alguma de suas
propriedades. Mas nem a lembrança de suas aventuras juvenis com o sexo oposto durante anos e
anos, conseguia amainar a ira que vinha incendiando seu peito e a culpa era dela. Margareth
tinha virado sua vida e sua cabeça.
Ele negou o convite e rumou para casa, irritado com Margareth sem nem saber por que,
afinal, ela tinha deixado claro que estava disposta a cumprir com suas tarefas como esposa e
evitar escândalo maior.
À noite visitou o quarto dela, a porta estava aberta e ela vestida apenas com o camisolão
de linho francês quase transparente que ele costumava arrancar com ferocidade.
Os cabelos espalhavam-se sobre o travesseiro de penas, o busto apertado contra a cama e
as pernas levemente dobradas num meio círculo convidativo. O conde sentou-se à beira da cama
e aspirou com profundidade o aroma adocicado que vinha da silhueta que dormia exausta.
Ressentiu-se consigo mesmo, por não ter dito as palavras certas logo cedo, quando
poderia estar um passo mais perto da conciliação. Mas também sabia que Margareth era uma
verdadeira megera quando queria e conseguia levá-lo ao ponto mais alto da irritação em poucos
instantes. Sempre compensava na cama, porém.
Agora, no entanto, as coisas pareciam irrevogáveis e Hugh, pela primeira vez, perguntou
a si mesmo por que isso era tão importante. Por que queria tanto que a mulher o aceitasse de bom
grado em sua cama ao invés de apenas ceder ao seu desejo? Por que precisava tanto que ela
acreditasse em sua palavra e delirasse ao seu toque?
Esse pensamento o levou ao assunto de Aila. Não, aquele maldito assunto não estava
resolvido. A criada atrevida iria pagar caro por aquela afronta.
Margareth gemeu, virou-se na cama e abriu os olhos bem devagar, despregando os
enormes cílios e deixando o azul cintilar à luz da vela que o conde depositara na mesa de
cabeceira ao lado da cama. Uma linha tensa se formou na testa da condessa ao dar de cara com a
expressão enervada do marido. Sentou-se na cama e então tocou por instinto na mão apoiada
sobre a colcha.
— Aconteceu alguma coisa?
Hugh acenou, fazendo-a respirar com profundidade e soltar o ar num longo e quente
suspiro.
— Foi tão fácil que chega a ser assustador.
— Nossa — Margareth cobriu os lábios com a mão pálida. — Sei que estamos fazendo o
certo, mas... Espero que tudo acabe logo.
— Você está bem? — Hugh alteou a sobrancelha. — A senhora Garden me disse que
você esteve indisposta.
— Já estou bem.
— Mas vejo que não tocou na comida — o conde apontou na direção da bandeja com o
jantar frio e intocado.
— Meu estômago está um pouco tenso, nada demais, amanhã estarei melhor. Obrigada
por perguntar.
— Desculpe-me — Hugh disse, pouco antes de se levantar contrafeito e sair, o olhar
consternado por não poder envolver a esposa em seus braços fortes e quentes e os nervos
sensíveis, por saber de sua grande parcela de culpa naquela confusão.
Se ela estava definhando de tristeza, ele era o responsável, mesmo que fosse inocente de
tudo que fora acusado. Com um nó se formando na garganta, Hugh alcançou a porta de ligação
dos quartos, antes de cruzá-la, porém, Margareth falou:
— Está quase no fim, não é?
Assentindo, o conde mergulhou no breu do seu próprio aposento, batendo de leve a porta
e afundando na cama com a mesma roupa que chegara. Nessa noite, sonhou com a morte e
acordou sentindo gosto de sangue.
Nas semanas seguintes, tudo transcorreu da forma exata como Hugh e Margareth haviam
planejado. O que era assustador e animador em igual forma. O duque Paxton, à beira de um
colapso nervoso, procurava constantemente August, implorando por uma revanche, coisa que o
falso amigo de Hugh deveria aceitar, caso fosse mesmo o cavalheiro que se dizia.
Tudo parte do plano, é claro. E fingindo-se relutante, o sujeito francês aceitava a
revanche, sempre implorando que o rapaz não o pelasse até às ceroulas desta vez e o estimulando
a acreditar que conseguiria vencer. Mas, ao invés de recuperar sua fortuna, Charles Segundo ia
endividando ainda mais o nome da família.
Numa quinta-feira gelada, pouco antes do final da temporada londrina, o rapaz foi
encontrado com uma corda no pescoço, pendurado no balaústre da varanda do quarto, no
segundo andar da casa, as pernas soltando leves espasmos, não pelo frio da noite, mas pelos
últimos suspiros antes da morte.
Uma semana depois, as damas restantes da família Paxton mudaram-se para a casa de
uma parente distante, a mais nova acabou indo viver sob o asilo de freiras, custeado pelo restante
das economias de seu dote, que o irmão não perdera nas cartas por força da sorte da jovem.
Nenhuma de suas prendas lhe valeu um casamento adequado, sem o valor em espécie que
seria reservado ao noivo e com a família arruinada. Fadada a viver sob a vergonha e solteirona,
preferiu a moça partir para o exílio, impelida pela mãe, é claro, que não suportava a humilhação
dos olhares de soslaio das outras senhoras.
A viúva enfadonha que tanto menosprezara outras da sociedade, agora passaria a viver o
restante de seus dias sob o jugo da família, padecendo dos luxos a que estivera acostumada a
desfrutar por décadas e remoendo a miséria a que fora lançada, quando seu marido, um homem
de fato desagradável, mas constante e estável, a deixara neste mundo para minguar à própria
sorte.
Depois de algum furor, tudo voltou ao normal e ninguém pareceu realmente sentir falta
daquela família da qual não restava sequer um título.
Margareth, que deveria regozijar-se pelo sucesso de boa parte de seu plano, viu o coração
se encher de tristeza e, apesar de tudo, compadeceu-se da viúva. Ninguém merecia destino tão
cruel, nem mesmo aquela mulher horrível.
Piorando ainda seu ânimo, a falta de apetite e a incansável vontade de chorar lhe davam
um aspecto cansado e ela até mesmo chegou a perder peso.
Apesar da frequente visita de Madelina, os constantes bailes nos quais sempre esbanjava
rara beleza e com as idas para sua amada Surrey Hall, a dama parecia prestes a cair enferma.
August, por outro lado, estava em sua melhor fase, ficara com quase todo o espólio que
arrancara do duque de Paxton e de outros nobres, cujos nomes eram de mais valia que a fortuna.
Frequentava os bailes e era adorado por jovens donzelas, que sonhavam com uma paixão ardente
em seus braços. Como se ao invés de golpista, ele fosse um homem de raras qualidades, um
verdadeiro príncipe encantado, que as roubaria a qualquer momento da vida tediosa de vestidos e
chapéus. Nada verdade, claro.
Antes da temporada londrina terminar e a maioria dos nobres partir para suas
propriedades de campo, August iniciara sua jogada final, acertada algumas semanas antes com o
conde. No último baile, colocaria em prática a cartada derradeira e depois tomaria o rumo
transatlântico.
Partiria para a nova terra, viveria sob a luz da nova era, seria importante, alguém de valor
e cheio de dinheiro. Teria uma casa com criados e uma bela esposa para satisfazer suas
necessidades, especialmente se fosse como a condessa, ardente e forte. Uma pena, pensava ele,
volta e meia, ao dar de cara com a jovem de olhos brilhantes, uma verdadeira pena ser ela a
esposa do conde. Fosse outra, arriscaria cada um dos centavos que havia ganhado, apenas pelo
desfrute de uma noite fortuita.
Conhecido, respeitado e popular no meio da nobreza, fora anunciado como convidado de
honra no baile anual da corte.
Nunca antes chegara a conhecer a rainha e seu consorte, apenas os nobres com título
importante tinham prestígio para tal e se não fosse Hugh um homem de princípios, apesar de
tudo, talvez frequentasse o seio real a partir daquele momento.
Mas a verdade é que o conde ficava afastado da realeza na maior parte do tempo,
apresentava a si e a esposa com a formalidade pedida quando convidado pela família real,
trocava algumas meras amenidades com os soberanos, ainda que o príncipe o visse com bons
olhos e tivesse prazer em sua conversa. Ambos eram homens que não tinham medo do trabalho e
valorizavam boas ações para com o povo.
Hugh não queria se expor, então fez August prometer se comportar e uma vez essa
promessa tenha sido feita, ninguém ousaria desafiá-lo e se arriscar.
O evento transcorreu com a maior tranquilidade, mas só muito tempo depois que o casal
consorte jantou e se retirou do salão principal é que o baile aconteceu, regado à música e bebida
de qualidade inestimável.
August dançou com diversas damas e se estendeu além da conta para com a bela e
delicada lady Coucex, a filha do duque de Canterburry. Apesar do olhar colérico, o velho não
dissuadira a filha da companhia de August, concentrando suas atenções na esposa, que exibia um
semblante cansado e bochechas vermelhas além do normal para a época do ano.
Margareth, apesar de mais magra e com um olhar fechado, estava bonita como nunca em
seu vestido de gala e crinolina armada. Encontrou a duquesa de Canterburry algum tempo depois
no jardim, sendo socorrida pela amiga espanhola.
As duas prestaram seu melhor atendimento, diante do que estava explícito: uma criança
estava a caminho. Depois de Madelina ser dispensada com uma desculpa qualquer, a bela
duquesa abriu seu coração e deixou que Margareth escutasse sua maior agonia, temia que o
marido descobrisse de sua condição e a machucasse, temia pela vida do bebê, temia por seu
amante.
— Seu marido é velho, é provável que não viverá o suficiente para ver a cor dos olhos da
criança. — Margareth sorriu, acalentando a jovem mãe aflita. — Não se aflija, cuide bem do seu
herdeiro e trate de se alimentar corretamente. Sempre poderá contar comigo.
No fundo de seu coração, tinha medo do que o destino reservava para a moça que já havia
sofrido o bastante, mas de qualquer forma, não podia agir com deslealdade, não colocaria seus
planos abaixo, mesmo que, às vezes, Hugh merecesse.
E como sentia falta do conde... Por mais que o marido a visitasse quase todas as noites, a
solidão contorcia suas entranhas e desanimavam-na por completo. Se não morresse pela falta de
forças no corpo, já que vinha comendo o mínimo e vomitando mais do que o estômago
conseguia dar conta de compensar, talvez definhasse de tristeza.
E com esse pensamento, se fechava ainda mais à dor e angústia que percorriam cada
minúscula partícula de seu corpo frágil. Talvez já estivesse definhando de fato.
Resignada, Margareth voltou para o salão do baile, onde viu August dançando novamente
com a filha do duque. Naquela noite, Hugh teria sua revanche contra o mais tirano dos tiranos.
Logo, poderia enfrentar o homem cara a cara e acusá-lo do mal que fizera à mãe. Pelo menos
isso trazia um pouco de paz para a condessa. Que a sogra que ela amava mesmo sem conhecer,
tivesse sua justiça.
E esse pensamento perduraria por dias a fio depois do baile, fazendo-a reunir as poucas
forças que sobravam para se manter firme nos planos.
Sentada em silêncio, em sua sala particular, tomando o ar fresco que penetrava pelas
imensas janelas abertas, Margareth viu o momento em que o golpista passou, carregando suas
malas. August parou diante da porta e acenou de relance para a condessa, que não disse nada, e
voltou a olhar para o jardim com o mesmo desânimo que vinha se tornando parte de sua alma.
O desaparecimento só seria notado no horário do almoço seguinte e aquele tempo teria
sido suficiente para que a filha do duque, levada pela paixão, estivesse longe e à própria sorte,
nas mãos de um homem que provavelmente a abandonaria depois de algumas noites. Quando
voltasse, cheia de vergonha, encontraria o pai que veria seu nome ser arrastado na lama. Mas não
antes de descobrir que não haveria herdeiro para levar seu nome, não um herdeiro cujo sangue
contivesse a maldita herança de maldade do velho. Hugh se encarregaria disso.
Um lacaio alvoroçado acordou a casa inteira. Embora estivessem na imensa Surrey Hall
por imposição de Margareth, que se via a minguar entre as paredes fechadas da casa de Londres,
o tumulto não deixou de ser ouvido por boa parte da criadagem.
— Mas o que está acontecendo? — Hugh berrava furioso, enquanto descia as escadas,
ainda vestido com as ceroulas.
Margareth, que já estava a par da situação, adiantou-se na direção do marido e anunciou:
— Precisamos ir à Canterburry, imediatamente.
Hugh e Margareth chegaram à casa de Londres dos Canterburry bastante tempo depois, a
noite ainda no pico da escuridão e o frio tomando as faces da condessa e empalidecendo seu
semblante já atormentado.
Não imaginavam pelo que estavam prestes a presenciar. O lacaio, que praticamente
invadiu a residência com os nervos afoitos, mal conseguira explicar o súbito ataque do duque à
esposa e de como o jovem rapaz escapou para buscar socorro com os amigos da moça, a pedido
da própria senhora da casa e pela pura lealdade para com alguém que a tratava tão bem.
Tudo havia acontecido em poucas horas, justamente porque o velho descobriu a fuga da
filha, que àquela altura, já estava desonrada diante de toda a sociedade britânica e em algum
lugar com August, sendo seduzida por ele.
— O senhor vai ajudar a minha senhora, não vai? O Duque vai matá-la, está tão furioso e
tão fora do juízo que se ela ainda estiver viva, será um verdadeiro milagre. — Repetia vez ou
outra o lacaio, que apegado à bondade e beleza da duquesa, receava por sua vida.
Margareth temia que não chegasse a ver a amiga viva, que o tempo e a distância que
percorriam na carruagem pelo campo e pelo percurso da cidade impedissem de salvar as duas
vidas que habitavam aquele corpo. Mãe e filho àquela altura poderiam já ter dado seu último
suspiro de vida.
O coração sendo açoitado pela dor e remorso de tudo que havia tramado contra a alma
gentil e sonhadora da garota, Margareth soluçava e rezava, pedindo a Deus perdão por seus
imensos pecados e clamando pela vida frágil da moça e do bebê em seu ventre.
Entretanto, quando cruzaram o pátio, entraram no calor da casa e subiram as escadas,
deram de cara com a criadagem amontoada diante da porta do quarto da duquesa, murmurando
entorpecidos pelos acontecimentos.
Hugh entrou logo após o lacaio afastar os empregados. A esposa o seguiu, instantes
depois, soltando um grito de assombro ao ver o corpo estirado no chão, agonizante. O conde viu
o sangue espalhando-se ao redor da silhueta e compreendeu: Aquele era o momento, se não
dissesse nada ali, nunca mais teria sua chance.
A duquesa tinha se defendido.
Pela primeira vez na vida, a frágil e indefesa esposa de Desmond tinha criado forças para
proteger a si e ao seu bebê e o duque estava à beira da morte por isso.
Enquanto Margareth corria para abraçar a duquesa, que ainda segurava um abridor de
cartas com as mãos banhadas em sangue escuro e tremendo, Hugh aproximou-se do velhote
desfalecido, que respirava com dificuldade, ele então pegou a mão enrugada e apertou:
— Há muitos anos espero por esse momento. E foi tão fácil... — falou o conde, fazendo o
outro arregalar os olhos de pavor. — Não fale, não vai adiantar, você não viverá para ver o sol
nascer. — Hugh continuou, o olhar de esmeralda implacável. — Hoje, eu selo a punição
merecida ao pior homem lançado neste mundo.
Foi nesse instante que o homem à beira da morte compreendeu. Abriu a boca para falar,
mas um fio de sangue o engasgou. Ele tossiu, tentou puxar o ar, mas só fez soluçar e cuspir mais
sangue. Hugh fez com que se calasse, os olhos frios saboreando o momento.
— Sua filha, a esta altura já está arruinada, uma pena que você não terá tempo de sentir a
humilhação... August Cleithon não passa de um golpista, muito bom por sinal, e demorará para
que ele devolva a jovem manchada para todo o sempre. Ela minguará por causa dos pecados do
pai. Assim como os Paxton... Você achou mesmo que o duque tivesse enlouquecido e perseguido
sua esposa por obra do acaso, ou para afrontá-lo? — Hugh riu, uma meia lua cruel se formando
nos lábios carnudos.
— Engraçado como um bilhete, um bilhete tão simples pode resolver tantas questões.
O homem apertou os dedos de Hugh, mas o conde não foi cordial, esmagando os dedos
do inimigo entre os seus e sussurrando em seu ouvido:
— Sua mulher, você já deve saber, espera uma criança. Mas não haverá ninguém neste
mundo para herdar seu sangue ruim, velho. Sua fortuna será gasta pelo amante de sua esposa e
pelo filho dele. E sim, Paxton não estava mentindo quando disse que você pediu que ele fosse
atrás de informações. Eu fiz isso, eu o fiz perseguir sua esposa e descobrir a verdade. E você o
matou, não é? Você não resistiu e acabou com o sujeito.
Os olhos agourentos do duque moribundo percorreram o ambiente à penumbra. Deu de
cara com a esposa que mantinha uma mão no ventre e a outra ainda segurava a ferramenta que
utilizara para se defender. Margareth a tinha envolvido em seus ternos braços e explicava, aos
cochichos, os fatos mais importantes da trama.
— Sabe o que é melhor? Ninguém sentirá sua falta, porque ninguém quer você por perto.
Nem mesmo encontrarão seu corpo para que uma cerimônia fúnebre seja prestada em sua
homenagem. Não haverá nada.
O velho Coucex agonizou, cuspindo sangue enquanto tossia com força assombrosa. Hugh
não desviou por um segundo sequer seus imensos olhos verdes do olhar mórbido do duque.
— Você sabe de quem eu sou filho?
O homem balançou a cabeça bem devagar, prestes a dar o suspiro final. Hugh sorriu com
maldade e então soltou a mão do velho, que não tivera sequer tempo de fechar olhos, morrendo
após afogar-se com o próprio sangue e saliva.
Apesar de abalados, os criados ajudaram a dar fim ao corpo do duque e exatamente como
Hugh dissera: não houve cerimônia fúnebre, ninguém sequer encontraria o corpo que afundaria
num rio longínquo da propriedade. Tudo seria resolvido com explicações simples. A lady
preservaria sua herança e, seu filho, embora fosse carregar o nome Coucex e receber o ducado de
Canterburry, jamais seria como aquele homem, a duquesa daria um jeito para que fosse assim.
Enquanto a criança, e todos esperavam que fosse menino, não soubesse, estaria livre dos
pecados do suposto pai. Se fosse menina, eles estenderiam seu zelo para com ela e Elizabeth,
responsabilizando por uma vida digna.
Uma história foi elaborada e seria contada aos quatro cantos de Londres. O conde e a
esposa instruíram a viúva e prometeram maiores e melhores explicações num futuro próximo.
Grata como estava, não questionou e passou o restante da noite treinando cada palavra.
Convencendo o inspetor encarregado do caso, tudo ficaria bem. Quanto mais simples a história,
mais convincente seria:
O duque, preocupado e triste pelo sumiço da filha, saíra enlouquecido, dizendo que
precisava providenciar para que a jovem fosse encontrada o quanto antes, planejava, inclusive,
proporcionar uma punição para o enamorado que roubara a jovem... talvez o desgosto o tivesse
feito tirar a própria vida, ou perder o juízo. De fato, por mais que passassem dias à procura do
homem, vivo ou morto, jamais o encontrariam. Jamais.
Hugh levou a esposa em estado de choque direto para Surey Hall. No caminho,
Margareth adormecera apoiada no ombro do marido, que fizera o mínimo de movimentação,
para deixá-la mais confortável.
Ela estava vulnerável e ele não queria piorar seu estado de espírito.
Por mais vitorioso que estivesse com a vingança, não conseguia se sentir feliz. Tinha
dado justiça à mãe e um desfecho à sua família, mas não estava exultante como acreditou que
ficaria quando isso acontecesse.
No fim, ele se sentia vazio, ávido por se acertar com Margareth e exausto de tudo.
Já estabelecidos novamente em seus aposentos, a condessa pediu que Mady preparasse
um banho quente. A moça o fizera com agilidade, pingando gotas de óleo de rosa e deixando o
vapor espalhar o delicioso e calmante aroma.
Margareth mergulhou na água morna até o pescoço, fechou os olhos e deixou que o corpo
fosse relaxando aos poucos. Cada pedacinho doía e tudo parecia tensionado e preso, sem contar
que os seios estavam maiores e doloridos. Como se até mesmo eles sentissem falta de Hugh, não
apenas do sexo, mas dele como um todo, como seu companheiro e dono do seu coração.
Nunca duvidara da violência e ódio de Hugh, mas aquele olhar mortífero e maligno
realmente a assustou. Pelo menos, tudo havia acabado ou assim ela pensava.
Sentiu uma mão tranquila mergulhando na água morna. Margareth não disse nada,
supondo, a princípio, que a criada estava ali para ajudá-la. Mas Mady era do tipo conversador e o
silêncio não era um traço seu, portanto, se não era a moça, só podia ser o marido. E o conde
deveria estar sedento por liberar a energia da vingança. Margareth sorriu, ainda como os olhos
fechados, talvez ela pudesse perdoá-lo, pelo menos durante a noite.
— Você pode entrar aqui se quiser.
— Prefiro matá-la daqui mesmo — a voz ferina alertou Margareth.
A condessa abriu os olhos e soltou um grito de assombro. Aila, com os olhos vidrados,
estava parada diante da banheira. Seu aspecto enlouquecido era aterrador, os cabelos suados e
pegajosos pareciam um ninho de pássaro, as roupas estavam sujas e uma bagunça.
Margareth tentou se levantar, mas a mulher puxou de dentro da blusa uma pistola
enferrujada, cujo cano havia sido cortado de forma grotesca, diminuindo assim seu tamanho e
aparência. Apontou direto para a condessa, que se esquivou instintivamente.
— Você achou mesmo que eu fosse deixar passar tudo o que me fez? —Aila proferiu
com a voz fria.
— O que você quer?
— O conde, é claro. Quando você morrer, ele não terá outra escolha se não ficar comigo,
então... — disse, dando de ombros.
— Ele jamais ficará com você.
— Tampouco com você — o sorriso maligno se formou no momento em que apontou a
pistola para o peito da condessa.
A seguir, reservei um bônus especial de um dos meus livros para que você se apaixone
por novas histórias e personagens cheios de paixão.
Divórcio é uma merda.
Não, não é pior do que ficar casado com uma traidora, mas ainda é uma merda.
Primeiro ela quer os pratos que ganhamos de presente de casamento, depois está exigindo
os quadros, os talheres e até a porra da lava-louça. Quer saber, que se dane, ela pode comer essa
porcaria toda.
— Não quero nada — digo, encarando o olhar magoado da mulher para quem jurei todo
meu amor.
— Mas Landon... — ela sussurra, só que meu olhar furioso deixa claro que não quero porra
nenhuma. Não quero absolutamente nada da minha ex-mulher. Só preciso que isso acabe logo.
— Fique com o que quiser, quero apenas que saia da minha casa.
— Nossa casa — ela revida, tentando arrumar briga.
— Minha casa. Comprada com o meu dinheiro antes de nos casarmos. Quero você fora até
semana que vem.
— Landon, por favor... vamos conversar. Eu... eu sinto muito.
— Devia ter pensado nisso antes de dormir com o maldito personal trainer. — É, bem
clichê, eu sei, mas foi exatamente isso que aconteceu.
Minha esposa, a mulher que jurou fidelidade diante do padre, me traiu com um instrutor de
ginástica com menos músculos do que eu.
— Você também... — ela fala, me fazendo erguer os olhos novamente na sua direção. Ao
sentir minha fúria silenciosa, ela respira fundo e molha os lábios. — Você também errou.
— Eu não traí você.
— Mas me excluiu da sua vida.
— Excluir você da minha vida é o que farei agora.
Assim que termino de falar, pego meu casaco na guarda da cadeira e saio. Não quero ficar
nem mais um segundo nesse lugar, diante da mulher com quem pensei que passaria o resto dos
meus dias.
Ela me traiu.
Nosso casamento acabou.
E o meu dia já começou terrível.
E ao que parece, não vai melhorar muito mais. É o que me dou conta ao chegar no
escritório e encontrar uma garota colorida na mesa onde, supostamente, deveria haver uma
secretária para mim.
Pequena, com cabelos compridos e ondulados que descem até as costas, ela parece se
harmonizar com o ambiente. Embora esteja usando uma calça verde escuro e uma blusa cor-de-
rosa.
— Boa tarde, senhor Scott, sou sua nova secretária. — Ela vem toda sorridente na minha
direção, estendendo a mão, que eu ignoro por pura impaciência.
— Quem é você? — pergunto, virando-me para a minha sala.
Escuto o som dos saltos vindo atrás de mim.
— Catherine Pierce — ela diz, depois que jogo meu casaco em uma cadeira e me sento
atrás da mesa.
— Você tem experiência como secretária?
— Não.
— Tem formação?
— Sim.
— Fala mais algum idioma?
— Três e meio... não sou muito boa em alemão.
— Qual seu último emprego?
— Trabalhei em um abrigo de animais — responde rapidamente, mas algo no seu tom me
diz que não quer se aprofundar no tema.
— E o que a fez mudar de ramo?
A secretária dá de ombros e suspira.
— Às vezes é bom mudar.
— Você não acha que passou da idade pra uma mudança de carreira? — pergunto e ela
alteia as sobrancelhas.
— E você não é muito velho pra ter uma babá? — retruca, deixando-me atônito pela
ousadia.
— Eu sou o chefe — declaro e ela sorri, mas não é um sorriso amigável.
— E mesmo assim eu tenho uma lista de tarefas que me fazem parecer sua babá — crispa
de volta, olhando-me no fundo dos olhos e sem qualquer medo. — Agora, se não tiver mais
motivos pra me chamar de velha, tenho que buscar seu sanduíche de tofu defumado. Seja lá o
que for isso.
Completamente sem reação, vejo a mulher bonita e atrevida sair da minha sala sem voltar a
me olhar, sacudindo a bunda empinada e a cascata que ondula nas costas.
Quando minha avó disse que eu teria apenas mais uma chance e que se eu infernizasse
outra secretária me colocaria em férias forçadas de um ano, não imaginei que ela estivesse
planejando se vingar de mim, mas ao que parece é isso que está acontecendo aqui. E Alexander,
o gestor dos recursos humanos, é o cúmplice da minha avó.
Algo me diz que essa última chance pode ser também a minha sentença final.
Antes de sair, dou uma olhada no espelho e suspiro. Talvez eu deva desistir, não é como se
eu precisasse trabalhar nem nada disso. Eu só estou cansada de estar em casa. Preciso me sentir
útil, preciso fazer algo diferente e com pessoas que não se impressionem por eu ser quem eu sou,
por quem eu fui.
Na verdade, o que eu preciso mesmo é de uma vida nova, de preferência uma em que
ninguém me conheça e sem cães indefesos que precisem ser salvos. Não consigo lidar com mais
nenhum babaca que machuca animais.
Meu telefone toca, o nome que pisca na tela é Kathleen, minha irmã mais nova e muito
mais temperamental.
— Você vai mesmo fazer isso? — minha irmã pergunta quando atendo o telefone.
— Vou — digo, mas minha voz sai incerta.
— Se quer voltar ao trabalho, nós podemos dar um jeito... podemos arranjar algo pra você,
sem que precise passar por essa bobagem toda de entrevistas.
Suspiro, ansiosa e tensa.
— Já passei na entrevista — resmungo e minha irmã faz um muxoxo. — Além disso, não
quero sua piedade.
— Não é piedade, Cathy, nós somos família. Você não precisa arrumar um emprego... você
já tentou isso.
— O abrigo de animais não conta, só durei dois dias lá.
Ela suspira pesado, porque é verdade, durei exatos dois dias no abrigo de animais e
praticamente fui expulsa depois de xingar um sujeito que queria um pet que fosse exatamente
igual a uma planta de plástico e não desse trabalho algum. Odeio gente cretina, ainda mais
quando dizem que devemos educar os cães e as crianças com disciplina e pancadas.
— Vamos, Cathy, você já fez tanto por mim, deixa eu fazer algo por você.
E, simples assim, minha irmã liga um bendito interruptor dentro de mim, aquele que faz a
minha determinação bater o pé e ir até o fim.
— Preciso disso, Kathleen. Preciso mesmo disso — respondo e ela não diz nada por algum
tempo. Então eu continuo com minha argumentação. — Tenho que fazer isso por mim, do meu
jeito.
— Então só me resta desejar boa sorte.
— Obrigada, sei que vai dar tudo certo.
Não vai dar nada certo.
Tenho certeza disso quando o babaca a quem chamam de senhor Scott me pergunta se não
estou velha demais para mudar de carreira.
Primeiro que não fiquei tempo o bastante no abrigo de animais para chamar de carreira e
segundo que ele não tem nada a ver com isso.
Nunca é tarde pra começarmos de novo.
Além disso, eu vou fazer trinta e dois anos, não é como se eu fosse uma centenária nem
nada assim.
Quem precisa de três idiomas e meio para buscar café puro e amargo e sanduíche de tofu
defumado? E quem é que come esse negócio? Credo!
Dou uma boa olhada no sanduíche, tendo certeza de que é o tipo de coisa que um protetor
dos animais comeria, e isso eu poderia respeitar, mas Landon Scott não faz esse tipo. Na
verdade, sua cara emburrada me faz pensar que ele é o tipo de cara que chuta os animaizinhos
indefesos que cruzam o seu caminho.
E se for esse o caso, talvez ele descubra que todo mundo tem um lado bom e um lado mau.
No meu caso, o meu lado mau pode ser um pé no saco.
Bato na porta da sala dele e entro.
— Com licença — falo, colocando um copo de suco e o sanduíche em um aparador, perto
de uma garrafa de whisky caro.
Landon ergue os olhos do computador e me focaliza. É a primeira vez que dou uma boa
olhada nele e acabo prendendo minha respiração. O homem é a versão empresarial de um Deus.
Grande, com os cabelos cheios e bagunçados que contradizem a imagem metódica e arrogante. A
barba grossa envolve um maxilar marcante e um lábio inferior carnudo onde uma garota poderia
se perder.
Os olhos escuros escondem alguma coisa e apesar de ele me encarar com uma expressão
carrancuda, com uma curvinha bem entre as sobrancelhas, é, sem qualquer sombra de dúvidas, o
homem mais marcante e sensual que já vi na vida.
Isso deveria ser proibido, é muito difícil odiar o chefe quando ele é uma parede de
músculos com um rosto astuto e perfeito. É praticamente um viking de origem turca.
Com o corpo pegando fogo, eu solto o ar com força e me controlo para não acabar dando
mais uma boa secada no grandalhão rabugento.
— Você escutou? — ele pergunta e eu volto a mim, engasgando com um susto.
— Desculpe, o que disse?
— Você sempre desliga assim do nada? — Landon pergunta, com uma atenção
perscrutadora que é quase invasiva.
— Não, só estava pensando se esqueci de alguma coisa... — minto descaradamente, mas se
ele percebe, não deixa transparecer.
— Você esqueceu o café, me trouxe suco.
— Ah, não esqueci, fiz uma troca estratégica — declaro, sabendo que ele não vai gostar
nada. — Suco natural tem vitamina C e o açúcar da fruta vai trazer energia para manter o ritmo
de trabalho. Ao contrário do café, que dá um pico de energia e depois rouba sua atenção e
humor.
— Mas eu pedi café — ele retruca.
— Café em excesso causa úlcera. — Cruzo os braços na frente do peito. — Ainda
mais em alguém estressado.
— Não sou estressado — ele resmunga, contrariado.
— Você quer dizer que não é pouco estressado e sim muito... — rebato, sem pensar duas
vezes, e me arrependo no instante seguinte, apertando os lábios para me impedir de continuar
falando.
— Tome cuidado com suas palavras, senhorita Pierce, eu sou seu chefe.
— Exatamente. E meu papel é zelar por você, não destruir sua saúde o entupindo de café
amargo e forte.
— Essa decisão não é sua.
— Mas você não pode me obrigar a compactuar com o seu plano de acabar com a sua
própria vida aos poucos... — Penso por um instante e então me viro, colocando minhas mãos na
cintura e o focalizando bem nos olhos. — Não me diga que você fuma também? Me recuso a
trabalhar com um suicida.
— Como é? — ele pergunta atônito.
— Você fuma?
— Não.
— Ótimo, então está tudo bem — respondo, saindo da sala.
— De onde foi que você saiu? — ele pergunta mais pra si mesmo, mas como não sou do
tipo que segura a minha língua, eu me viro com um sorriso no rosto e respondo.
— De um abrigo de animais.
Isso só pode ser uma brincadeira de mau gosto, uma conspiração entre minha avó e
Alexander. Não tem outra explicação.
A secretária atrevida mal começou no cargo e já me retrucou várias vezes, trocou meu café
por suco e ainda me chamou de suicida.
Aperto o botão do elevador, mas antes que a porta abra, vejo Catherine vindo na minha
direção, numa corridinha engraçada que a faz parecer uma pequena maratonista.
— O que eu digo se perguntarem por você? — ela solta um gritinho, acenando. — Segura
a porcaria da porta, preciso falar com você.
— Fecha. Fecha. Fecha. — Aperto o botão de fechar a porta do elevador, torcendo que a
tecnologia do edifício seja mais rápida do que minha nova secretária.
A porta está prestes a se fechar completamente quando vejo a mão pequena de unhas pretas
atravessando. A maldita porta se abre por causa do sensor de movimento.
Engulo um suspiro impaciente quando a vejo cruzar os braços na frente do peito e empinar
o queixo na minha direção, encostando-se no metal frio e impedindo o elevador de me tirar do
alcance de suas respostas atrevidas.
— Então, o que eu digo se perguntarem por você?
— Diga que eu morri — crispo irritado.
— Tá bom. — Ela dá um passo para trás, deixando que a porta recomece o processo de
fechar.
Algo no olhar diabólico que ela me dá, apenas um instante antes de eu ficar fechado no
elevador, me diz que ela vai realmente dizer que eu morri.
Preciso dar um jeito nessa criatura antes que acabe ainda mais com o meu dia.
Assim que paro no andar do RH, os recursos humanos, todos os olhares se voltam para
mim. É claro que eu já vim aqui antes, especialmente para gritar com Alexander e obrigá-lo a
demitir minhas secretárias, então, é basicamente isso que todo mundo espera.
Sigo até a sala dele e não espero que a secretária me anuncie, na verdade, o olhar que ela
me dá é de medo puro e não faz menção nenhuma de se mexer para me impedir de passar.
Abro a porta num rompante, pronto para explodir.
— No que diabos você estava pensando? — pergunto e congelo no lugar ao ver quem está
sentado na frente dele.
Quem está sentada.
— Vovó — falo, engolindo em seco.
— Landon, querido, já ia subir para vê-lo...
Vou até a minha avó e ela se levanta, passando os braços ao meu redor e me puxando para
um abraço exagerado. Do jeito que ela sempre gostou.
— Você está lindo como sempre — ela diz, segurando meu rosto entre suas mãos. —
Mesmo com esse vinco entre as sobrancelhas.
Ela toca a linha tensa entre minhas sobrancelhas e eu sorrio, desconcertado. Minha avó
sempre foi espontânea e viva, sempre disse o que pensa e nunca mediu esforços para cuidar da
família. Ela sabe bem como me desmontar e não precisa de grandes gestos para isso.
— O que aconteceu? — ela pergunta e eu desvio do seu olhar inquisitivo.
— Não aconteceu nada.
— Você sempre mentiu muito mal, querido, fale, o que há de errado?
— Minha secretária é... irritante.
— Mas ela acabou de começar... não é possível que já tenha cometido algum erro... —
Alexander fala e minha avó alterna entre o olhar divertido do seu homem de confiança e o meu
olhar contrariado.
— Ela trocou meu café por suco e disse que não é minha babá.
Alexander solta uma risada barulhenta que me faz bufar.
— E você veio fazer queixa dela como uma criança que reclama da babá por não fazer suas
vontades? — Minha avó me encara com uma expressão impaciente.
— Eu vim avisar ao Alexander que deve demiti-la imediatamente.
— Ah, que ótima notícia. — Vovó abre um sorriso grande. — Quer dizer que decidiu tirar
um ano sabático para descansar e desestressar? Está pensando em viajar?
— Não vou tirar sabático nenhum — resmungo.
— Então não vai demitir a moça — vovó é incisiva.
— Essa deveria ser uma decisão minha, vovó. A senhora está querendo me castrar nos
negócios?
— Meu querido, se o problema fosse o seu... — Ela olha na direção dos meus países baixos
e sorri. — Eu ficaria feliz de resolver, mas o problema é o seu temperamento ruim.
— Vovó...
— Escuta, Landon, sofremos dois processos por causa dos seus surtos, não vou permitir
que a empresa que lutei para construir fique marcada como um lugar ruim para mulheres
trabalharem. O único jeito de você demitir essa secretária é tirando um ano para descansar e
tratar sua raiva, do contrário, só se ela colocar fogo no prédio.
— Ela nem é uma boa secretária, acabou de começar e já implicou com meu sanduíche,
minhas coisas... — tento argumentar, mas minha avó não amolece o olhar.
— Trocar o café por suco pode ser uma decisão muito saudável, você deveria agradecer a
ela.
— Vocês só podem estar querendo me enlouquecer — resmungo e a minha avó me puxa
para outro dos seus abraços expansivos.
— Amo você, querido, só quero o melhor pra você e nossa família.
— Vou acabar ficando maluco.
— Espero que sim.
[1]
Nossos homens em espanhol.
[2]
Lindo em espanhol.