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Elisabeth Roudinesco Michel Plon DICIONARIO DE PSICANALISE TRADUCAO: Vera Ribeiro psicanalisia Lucy Magalhies letras neolatinas SUPERVISAO DA EDIGAO BRASILEIRA: Marco Antonio Coutinho Jorge psiquiatra e psicanalista 4a & ZAHAR ‘Titulo original: Dictionnaire de la psychanalyse ‘Tradugao autorizada da primeira edigao francesa publicada em 1997 por Librairie Arthéme Fayard, de Patis, Franga Copyright © 1997, Libraire Arthéme Fayard. Copyright da edigo em lingua portuguesa © 1998 Jorge Zahar Editor Lida rua México 31 sobreloja 20031-144 Rio de Janeiro, RJ tel. (21) 2108-0808 / fax: (21) 2108-0800 ‘editora@zahar.com br ‘www zahar.com.br Nao pode ciscular em Portugal. Todos 0s direitos reservados. A reprodugao nao-autorizada desta publicagao, no todo ‘ou em parte, constitui violagao de direitos autorais (Lei 9610/98) Este livro, publicado no ambito do programa de auxilio a publicaczo, ‘contou com apcio do Ministerio francés das Relagées Exteriores, da Embaixada da Franca no Brasil e da Maison francaise do Rio de Janeiro. Revisao de texto: André Teles Revisao tipogrifica: Lincoln Natal Jr. Preparacao de bibliografia: Marcela Boechat Preparagao de indice: Nelly Telles Capa: Carol S4 (CIP-Brasil. Catalogagao-na fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RT Roudinesco, Elisabeth, 1944 — R765d Dicionario de psicandlise/Elisabeth Roudinesco, Michel Plon; tradugao Vera Ribeiro, Lucy Magalliies: supervisio da edigzo brasileira Marco Antonio Couti- aho Jorge. — Rio de Janeiso: Zahar, 1998 ‘Tradugao de: Dictionnaire de la psychanalyse Jnclui bibliografia ISBN 978-85-7110-444-0 1. Psicandlise — Diciondrios. I. Plon, Michel. I. Titulo, CDD: 150.19503 98-1608 CDU: 159.964.2(038) Servadio, Emilio (1904-1995) psicanalsta italiano [Nascido em Sestri-Ponente, na provineia de Genova, de formagao juridica, Emilio Servadio logo se interessou pela psicologia, pela hipno- se* © pelas questées sobre as relagses entre a filosofiae o estudo dosprocessos mentais. Mui- to jovem, leu a produgdo cientifia francesa, Jean Martin Charcot®, Hippolyte Bernheim*, Joseph Babinski" e também Pierre Janet®, cuja versio pelasteses de Sigmund Freuc' criticou severamente. Influenciado inicialmente pelas idéias do psiquiatra Enrico Morselli (1852- 1929), que combateria violentamente a psica- nilive (e mais especialmente Edoardo Weiss"). Servadio se apaixonou pela parapsicologia. De- pois de se tornar psicanalista, continuou a se interessarativamente por essas quesides, a pon- tode se tornar um especialista de renome mun- dial, Nunca se preacupon com as criticas € reservas que Ihe faziam, a esse respeito, os seus amigos psicanalistas italianos, Cesare Musatti* Franco Fornari* principelmente. Desde 1924, em um artigo dedicado A “me- dicina psicolégica”, citou Freud, de quem tra- dluziria algumas obras, recanhecendo na psica- lise © mérito de ter aberto um novo campo para a experigncia e a pesquisa metapsicolégi- ‘Mas foi o encontro com aquele que se tor- ia, Weiss, que 0 levou a se orientar definitivamente para a psicandlise. ‘Tornando-se analista, fez parte do pequeno gru- po de pioneiros que se reuniam em torno de ‘Woiss, na sua casa em Roma, na Via dei Grac- chi, Uma certa rivalidadle com Nicola Perrotti*, {que dirigia o Instituto de Psicanstise em Roma, levou Servadio a fundar na mesma cidade 0 Centro de Psicanilise. Vitima, como muitos ‘outros, das leis anti-semitas, Servadio deixou a Ilia em 1938 ¢ exilou-se em Bombaim, mas ‘nunca teria um papel detemninante para o freu- dismo* na India*. ‘Ao voltar em 1946, reassumitt suas ativi- dades de psicanalista, Notivel clinico, multipli- ccando as contribuigdes sobre as questOes rela- tivas i primeira infincia, a homossexualidade* © aos efeitos das drogas alucinégenas, apaixo- nado por teoria lteriria, Servadio se tornaria sexologia 701 tum dos terapeutasit conhecidos. Em 1953, porocasiao do XVI Encontro de Paicanalistas de Linguas Romanicas, no qual Jacques Lacan expos o seu texto “Fungiio & ‘campo da fala da linguagem na psicansilise”, apresentou um relat6rio sobre oPapel doscon- Atos pré-edipianos” que seria traduzido para o francés. No comego dosanos 1960, com 6 pro- fessor Leonardo Ancona, tacou as conseqién- cias da condenagio da psicanilise pelo padre Agostino Gemelli (1878-1959), De 1963 a 1969, {oi presidente da Societa Psicoanalitica ltaliana (SP), Preocupado em protegera psicanilise da invasio das psicoterapias de grupo na Ilia, fun douem 1981 a Sociedade laliana de Psicoterapia sicanalitica, destinadaa reunir os praticantes que no tivessom formas psicanalit 108 mais atives e mais + Enilo Servado, “La psicoanais in Hala. Cerna Storio", vista af Psicoanals, 11, 1965; "Role des confit préoodipene", Revue Francaise de Psychana- ‘se, 1954 « Contardo Calligaris, “Pee histoire dela Pychanalyse en lal”. Critique, 333, feverero de 1975+ Michel David, La psicoanalis nella cultura ali 1a (1968), Turi, Bolt Boringhier, 1990;"La Psycha- ralyse en lla’ in Roland Jaccard (org), Histore de lapsychanayse, oll, Pats, Hacheto, 1982+ Amaido NNovelloto, “aly. n Potor Kuotter (org), Peyehoana- ‘ysis Intemational. Guido foPsychoanalysis troughout ‘the Word, Stuttgart Bad Cannstatt, Frommann-Holz- bboog, 1992, 195-219 « Sivia Vegett Finz, Stora dela ‘Psiceanals| Milo, Mondadod, 1988, > IGREIA. sessio curta > TECNICAPSICANALITICA, sexologia al, Sexologie; esp. sexologia: ft. soxologi: ing sexology scipina igada a biologi, que toma porobjetode ‘estudo aatividade sexual humane com um objetivo ‘desertive eterapéutico. A palavra sexologia apareceu pela primeira ver na lingua inglesa em 1867 e, depois, na lingua francesa, em 1911, num livro francés dedicado a determinago do sexo das eriangas antes do nascimento, A partirde 1920,comegou 702 sexologia A integrar os disionérios, os tratados especiali- os €0 vocahuliio corrente. ‘A sexologia, out “eigncia do sexual”, cons- t do séeulo XIX, com os trabsa- thos eruditos cs t8s pais fundadores dessa dloutrina: Richer von Kratft-Ebing®, que lan- gou em 1886 seu eslebre livto Psychopathia sexualis, Alber Moll, que publicou em 1897 sua Libido sexualis, e Havelock Ellis* autor, partirde 1897, e um compéndio sobre a ques- ‘Go, intitulado Estudos de psicologia sexwal. Em seguida, com Magnus Hirschfelde Ivan Bloch (1872-1922), desenvolveu-seumaescola alemit de sexologia evjo objetivo era estudar 0 com- portamento sexual humano e lutar pela ig dade de direitos em matéria de pritica sexual Simultaneamerte interessadano higienismo, na nosografiae nadescrigho das “aherragies”, ela se preocupava menos com a terapéutica do que com a enudigae e a pesquisa literiria sobre as diferentes formas de priticas e identidades seXuais: homossexualidade®,hetemssexuaida- de, bissexualidide*, perversio®, travestismo, transexualisme", zoofilia ele. Foi com essa perspectiva que se criow em Berlin, em 1913, Sociedade Medica de Ciéncia Sexual e Eugs- nica, que seria dissolvida pelos nazistas. | como a criminologia® a sexologia cons: truiu-se, no fim do sSeulo XIX. no terreno da teoria da heraiitariedade-degenerescéncia® quando os mécicos ¢ juristas de lingua alem comegaram a encampar © dominio antes "pri- vado” intito de efi 1¢juridicamente, as eondighes de uma possitel relagao entre noma e a patologia no scio de uma soviedade as voltas com o declinio da funcio paterna tradicional ‘Tratava-se, pois, de instaurar uma nova divisio entre a ordem jariica, encarregada de sancio- nar os desvios julgados perigosos ou criminosos para a sociedad hurguess industrial, e ore pPsiquidtrica, eyo objetivo era o tratamento ea prevengio (higienista oueugenista) da loucura® sexual, fosse da criminosa ou simplesmente ddesviante, © nascimerto da sexologia, portanto, foi contemporines ao da psicandlise®. Sigmund Freud? reconheceu sua divida para com os se- _xélogos ao publicar.em 1905, seus Trés ensaios sobre ateoria ca sesualidade®: do mesmo mo- do, ets fizeram dele um dos fundadores da Sexologia, Nao obstante a perspectiva de um e dos outros nunca seria mesma. Ao elaborar ta toria universal da sexualidade fasmana taseada na nogdo de libido, com a qual trans- formouo significado da posieao entra norma a patologia, Freud dstinguiuteoricamente sua dboutrina de qualquer forma de estado compor- tumenta, assim como se afistu clinicumente, airavés do método psicanalice, de todas 2s paicoterapias™ pautadas nas ids de pesquisa fu de cond, Logo ap6s a Primeira Guetra Mundial em especial sob a influgncia das teses de Wilhelm Reicht, a sexologia comegou a deixar ocampo es literdrias ou médico-legais: ttansformot-se num movimento politico, cen- ttalizado na idéia da liberago sexual, e tiow ‘um modelo de psicoterapia que tnha por objeto io do orgasno, isto €, a menshragio © a descrgdo dos fendenos psiguces,fisiol cose bioligios ligados diferentes modal dls do ato sexual inclusive a masturbaga Depoisda Segunda Guerra Mundial, sexo- 10 considervel nos Estados podoengajameno liber- trio, wocando-o pelo daadaplagsoesubstiuiu ‘cestudo das inversSese das anomlis por uma descrgdo psicossocioldpica dos comporiamen- tos sexuais de massa, enquanto preservava a idgia da tein orgistica. E nessa perpoctiva que convémn sitar o trabalho taxiondmico de ‘Albert Kinsey, autor de uma sie de pesqusts publicadasente 1948 ¢ 1953 sobre o compor- tumento sextal dos norte-americanos, bem co- ‘mo 0 livro que William Masters e Virginia Johnson publicaramem 1966, dedicadoao mes- ‘mo assunto. Essestabalhs pragmiticos, el ‘alos por ginecologislas,psicSlogos ou bilo- 0s, tentaram dar uma fundamentago clinica Sexologia do orgasm e da masturbagi, mis contibuiran, acima de tudo, para divulgar &s teses ds partidos de uma liberalizagdo dos costumes Com essa expansio, a sexologia nonmat zvr-see foi dominada pela profferagio dep Coerapins. Abandonou para setore 0 paraiso polimorto no qual habitava a sexualidade per- tersa que fra descit em playa latinas pelos fis fandadores. Ao encantador catdlogo de toda sorte de anomalias, que tanto fascinara os cientistas do fim do século XIX, ainda proxi- mos da literatura de Sade (1740-1814) e de Sacher-Masoch (1836-1895), sucedeu-se uma técnica descritiva e mecanizada do dever orgas- tico, sem nenhuma relacao com a propria natu- reza da sexualidade. Nesse sentido, a partir do fim da década de 1970, a sexologia nfo mais contribuiu verdadeciramente para 0 co- nhecimento, ao contrario do que havia aconte- cido na época da descoberta freudiana. Foram os estudos da historia da sexualidade, nascidos dos trabalhos do filésofo Michel Foucault (1926-1984) e do historiador Philippe Ariés (1914-1984), que trouxeram para a psicanalise, para a antropologia*, para a psicopatologia* e para todos os campos das ciéncias humanas uma renovagao compardavel a insuflada por Freud na virada do século, quando ele criou sua doutrina contrariando as classificacdes da sexologia, ainda que se alimentasse de suas descrigGes, seu vocabulario e suas fantasias. 704 sexualidade p40 eturade Lacan, tIl(Pans, 1992), Alegre, Artes Medics, 1996. > FALOCENTRISMO; GENER, OUTRO; PATRIAR- capo. sexualidade 4a, Sexualrt, esp. serualidad, ft. sexual ing. somualty A idiade sexualidade & de tamanba impor cia na doutrina psicanalitca que, com justa Od-ce afirmar que todo 0 edificio frea- oasseatava-se sobre ela, Comoconseqiién- laceita de que os psicanalistas dariam ficacdo sexual a qualquer ato da vida, a qualquer gesto, qualquer palavra, levou os ad vversarios de Sigmund Freud?” a fazerem de sua doutrina a expressio de um pansexualismo®. Na lade, as coisas ni Sio tio simples assim. Todos os cientistas do fim do séeulo XIX ‘na qual viam uma determinacao fu jidade humana, Assim, faziam da sexuali- dade uma evidéncia e do fator sexual a causa priméria da génese dos sintomas neursticos. Dai a criago da sexologia® como cineia bio logicae nctural do comportamento sexual, Impregnado das mesmas interrog seus contemporineos, Freud, no enta iinico dene eles a inventar no a prova do Fendmeno sexual, mastuma nova conceituagio, ccapau de traduzir, nomear ou até construir essa prova, Por isso, ele efetuou uma verdadeira ruptura terica (ou epistemolégica) com asexo- logia, estendendo a nogio de sexualidade a uma disposicRo psiquica universal e extirpande-a de seu fundariento biol’gico, anatémico e genital, para fazer dela a propria esséncia da atividade ‘humana, Portanto, 6 menos a sexualidade em si ‘mesma que importa na douttina freudiana do que © conjunto conesitual que permite repre- senté-la: £ pulsio®, a libido", © apoio® ea bissexualidade® iniciada a partir de uma experiéncia clinica pautada na escuta do sujeto*. Em contato com Wilhelm Fliess®, Freud adotou a tese da bis- sexualidads, & qual conferiu um contetdo psiqui- co. Mais tarde, aderiu iia da origem traumtica daneurose* (leoria ch seduco*),3 qual nuncio ‘em 1897, depois de, através do ensino de Jean Martin Charcot” e Josef Breuer®, haver atibu ‘do 2 histeria® uma etilogia sexual ‘A patie de 1905, com a publicagdo de seus Tris ensaios sobre a teoria da sexualidade’ Frouclestendcusuareflexio ao campo da sexs lidade infantil, o que Ihe permitiu dar um nove ‘estatuto as chamadas perversses': homos- sewualidade®, fetichismo® ete. © estudo dos ‘grandes easos (Ida Bauer®, Herbert Graf, Est Lanzer* e Serguei Constantinoviteh Panke- Jjell®), por tltimo, conferiu uma base experi ‘mental A doutrina da sexvalidade, Apés a intro- ‘dusdo da idéia de narisismo®, em 1914, € em seguida 3 invengiio da segunda t6pica*, aques- tio da sexualidade torsou-se um piv de contli tos nos debates do riovimento psicanalitico internacional. Daas discussGes sobre a ext lidade feminina* e a diferenga sexual®, entre 1924 1960, e, mais tarde, sobre o transext lismo® e 0 género*. Adoutrina freudiana ckissica da sexualidade {oi crticada em todos os paises erejeitada pelos dois mais eélebres dissidentes do movimento freudiano, Carl Gustay Jung® e Alfred Adler* Em seguida, foi revisala de ponta a ponta pelos sucessores de Freud em funcao da questio do nareisismo: primeiro por Melanie Klein* e, de- pois, pelos partidrios da Self Psychology* de Heinz Kohut* a Donald Woods Winnicot®. Kleinismo® substituiu a etiologia sexual pro- priamente dita pelo impacto da relagio arcaica ‘com a mie, privilegiando mais 0 éio do que sexo como causa primiria da neurose e, acima de tudo, da psicose®, Quanto & segunda cor- rente, cla mais formulou sua interrogasio sobre a constituigio da identidade sexual (0 género, ‘ou gender) do que sobre a etiologia em si Froud nio inventou uma terminologia parti- ‘cular para distinguir os dois grandes campos da sexualidade: a determinagioanat6mica, por um lado, e a representaciio social ou subjetiva, por ‘outro. Nao obsiante, por sua nova concepeio, ‘ele mostrou que a sexuslidade tanto era uma representago ou uma construgdo mental quan- ‘oo lugarde uma diferenga anatémica. Em con- sogiéncia disso, sua dcutrina transformoutotal- mente a visio que a sociedad ocidental tinha da sexualidade e da historia da sexualidade em ‘geral, Foi por isso que a expansiio do freudis- mo* no Ocidente deu origem, a partir de 1970, e muitas vezes em oposigao a psicanilise*, aos diferentes trabalhos franceses, ingleses e norte- americanos sobre a histéria da sexualidade, e sobretudo ao trabalho inaugural de Michel Fou- cault (1926-1984), A vontade de saber. Na es- teira de sua Historia da loucura, com efeito, 0 filésofo francés mostrou que a propria idéia de sexualidade fora construida no século XIX pelo discurso médico, a fim de instaurar uma nova diviséo entre a norma e o desvio, no momento. em que desmoronava o ideal do patriarcado*. Foucault incluiu nesse discurso a doutrina freu- diana da sexualidade, embora reconhecendo que esta permitira escapar dele. Daf sua situa- cao paradoxal — ao mesmo tempo, uma teoria normalizadora e um instrumento de contes- tacdio permanente dessa norma.

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