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() psiedlogo na unidade de emergencia Gloria Heloise Perez 0) impacto psicolégico do adoecer: de repente, adoece-se! ncia de uma situacao de emergéncia traz para Oo sujeito cao de ruptura, de descontinuidade do ser, do nao saber bre sie sobre o proprio corpo, do se defrontar com a possibilidade de morte. A vivéncia do impacto do inesperado eo defrontar-se com a possibilidade de morte, que caracterizam a situagao emergencial, lancem o sujeito no estado inicial da condi¢&o humana, o desamparo. Rev se a precariedade da condigao humana, sua fragilidade, sua vulnerabilidade, sua incompletude, sua finitude (Moura. 1996). Assim, a passagem por uma unidade de emergéncia impde ao jeito a presentificagao do desamparo humano, denuncia-se a ilusio de com pletude e de eternidade, afirmando-se a finitude (Silva, 2003). Diante de uraa situacao de crise, uma situagdo-limite como é a hospitalizagZo numa unidade de emergéncia, a capacidade adaptativa do sujeito € colocada a prova. Quadros de desorganizagdo psiquica lem ser gerade: - Aualizamse ansedades litos primitivo so 0 Psicolago na uaa or pmergencia aivos ou detensivos anteriores, Ou seja. padrGes de estados egdicos . desamparados ou dependentes. primitives ou iniciai O ego § convoeado a lidar com uma situagdo de dependéncia, de dor, de possibilidade de morte, revivendo estados iniciais desam. da mesma forma que na tenra infancia, dades egdicas, favorecera a oarados ¢ dependentes um ambiente que atenda essas nec superagdo desta crise. Considera-se aqui ambiente no sentido vo, constituido winnicottiano (1960), que se refere ao ambiente a santo pelas condigdes fisicas como pelo contato humano, presentes no ambiente fisico. A superagio deste momento de crise envolve ter a disposigae um ambiente confortavel. de sustentacao (holding), que envolve o sujeito em crise ter aceitas e atendidas as suas necessida- des de dependéneia (Winnicott, 1962). Vamos analisar 0 ambiente da unidade de emergéncia que abri- 24 este paciente agudamente doente. Aunidade de emergencia Segundo definigdo de Pamplona’, ex-diretor da unidade de emer- géncia do InCor: “A emergéncia tem o objetivo de atender adequa- damente pacientes que fisica ou psicologicamente padegam de en- fermidade que se caracterize por mal-estar stibito e mereca atendi- mento rapido”, Considerando as duas palavras que centralizam esta definigao: “atendimento rapido” de um “mal-estar subito”’, pode-se depreen- der que se trata de um ambiente carregado de tensio, pois h4 uma demanda de agiio urgente sobre algo inesperado. So relativamente conhecidas algumas particulari dade de emergéncia: 1. Necessidade constante de tomar decis6es rdpidas € eficien- tes na luta contra doenga e morte; lades da uni- * Comunicagio pessoal 54 Gloria Heloise Peree v Imprevisibilidade, 0 inesperado € ToUnS Estrutura com sobrecarga de trabalho: we 4, Taxa de mortatidade 5 veres maior 40 que nas outras enfermarias: Cabe salientar a realidade do hospital ptiblico. A situacao da unidade de emergéncia publica no momento atual vem adicionar al- ouns elementos a esse quadro, que devem ser considerados na and- Tise do impacto psicolégico que a hospitalizagée nesta unidade pro- duz no paciente. No momento atual, os hospitais priblicos vivem a realidude da falta de verbas. Este problema afeta mais fortemente a unidade de emergéncia do que outros setores do hospital. O pronto-socorro éa porta de entrada da assisténcia médica, € nunca pode fechar-se. Mesmo sem condigdes de funcionamento, nao se pode negar atendi- mento, para nao incorrer na omissao de socorro. Torna-se assim © retrato raais concreto da faléncia do sistema de saiide. Doutor Mario Carra, ex-diretor do pronto-socorro do Hospital das Clinicas da FMUSP, afirma que “a unidade de emergéncia € uma grande sala de espera com todos os problemas sociais”. Observa-se a deterioragao das instalagdes por falta de manu- tenciio adequada, a impossibilidade de adequagiio de instalagoes pare atender a demanda, 0 qué determina condigoes fisicas precarias que chegam a se manifestar na impossibilidade de oferecer nem mesmo uma cama hospitalar para cada paciente. A falta de espaco e de material alia-se a impossibilidade de adequagao do quadro de pessoal & demanda, e conseqtientemente de oferecer condigdes adequadas para os profissionais desempe- nharem seu trabalho. A falta de vagas para transferéncia do paciente para a interna- sao hospitalar determina o prolongamento da sua estada e a conti- ee do tratamento na propria unidade de emergéncia, em condi- goes completamente inadequadas. ImpGe-se ao paciente a interna- Go em macas, sem conforto nem privacidade, e o presenciar de 55 FOOSE EE SELLE ISI Idd dd ddddddddd O Pieah 2 UMiads Ae vener gears fenas de softinento, por vezes ainda tia ores do que 0 seu praprio, Sabe se que em alyumas anidades de emer: cia a situagag chepa ao extreme deo meédico precisar Faser Ou se ji scolhas de Sofia", + is dehacncias instrame itais obrigam-no e escother qual pa. ciemte recebera © tratamente, Aléin dis fungao do fato de que oy servigos ambulatoriais di rede publica tem sido insuficicntes. A sup que © paciente ~ fugindo da lonya espera por uma consulta ar O tudo, ainda temos vin outro agravante que vem em 80 dos servigos prestados pela rede basica £47 com pula. torial © depois de mais urna longa espera pela realizagao de exames diagnésticos — busque a emergéncia como um meio para satisfazer sua necessidade (de avaliagio © cuidado ir diato de sua doenga), a, além de trazer sobre- Esse uso dese: racterizado da emergenci carga de trabalho a unidade de emer: , Compromete 0 exercicio sua fungiio, qu Ea assisténcia av quadro clinico agudo e comple. xo, Essa situagiio também repercute nos profissionais, aumentando a tensio € gerando frustragio, nfo s6 pela sobrecarga, mas porque eles tém uma expe iva ¢ esta preparado para atender a uma urgénciae iO uM pacicnte que precisa de uma consulta ambulatorial. Trabalhando na unidade de em Sone Pelo que foi colocado unteriormente, pode-se concluir que 0 trabalho na unidade de emergéncia exige dos profissionais, além do »-cientifico, agilidade de raciocinio, astécia, ra- pidez ¢ pericia na execugio dos procedimentos, submetendo o pro- fissional a um alto desguste (Alves, 1992). Fissa realidade de precariedade (ou seja, dificuldades para a Wizagdo do trabalho em ins conhecimento técnic agdes pouco adequadas, falta de pro- tendimento de uma populagio com problemas onal de estresse, numa realidade que j4 tem 8 ¢ ainda m ad sociais) ¢! essa caracteristica. 56 (wlotia Meloiye Peer Mas as exigéneias de rapide 2, peTenn, astlehe que ate podem ser commornadts com way Lecinamenty — Ade sayy al unateat Tone de ssperado € Ao psiquica. Acrescenta-se 6 Coby CONTE Le mobiliZt agitidade humana, a dor, sofrimento © i almente, com a tt principe morte, Situagdes primitivas sao reedit fo sofrimento do outro, pois ansiedsules prinutiy ay sao mobil © medo do sofrimento. Essa adas em fungaie do Contato com adore 1s, como oO medo da propria morte, gadi obilizagdo psiquica tao intensa e continua erige ajustes € adequar m goes de estratégias defensivas para a imteytagido dessas tensdes & por fim possibilitar o existir nesse ambiente de trabalho. Esses elementos nos permitem coneluir que o ambigate da uni- dade de emergéncia € tenso € mobilizador tanto para os pacientes como para a equipe. Essa realidade tem repercussito direta na rela: G ao anonimato. Dentro da instituigao, paciente e profissional so um numero. fo médico-paciente. Uma delas & levar a rekagdo médico-paciente Ambos perdem a identidade. A instituigdo torna-se o referencial (Alves, 1992). Ou seja, paciente esti sendo atendide pelo “hospital X” e ndo pelo “Dr Fulano”. Mas, em verdade, o hospital em si nico atende ninguém, pois ele nao existe coneretamente. Quem existe € realiza 0 atendimento € o “Dr. fulano”. Esse profissional que, da mesma forma que 0 paciente, nao € considerado pela instiutigao em suas necessidades. Dessa maneira desvela-se um jogo de despersonalizagao que langa a relagio médico-paciente num terreno desfavordvel para © estabelecimento de um vinculo. Um vinculo de confianga e confortador para o paciente que precisa ser acolhido em seu desamparo, e ne- cessdrio até para a aceitagdo, e, em ultima anilise, para a eficdcia da conduta médica. O profissional perde a sua identidade e passa a ser 0 represen- tante da instituigao, ficando responsabilizado pelas condiges preca- rias de atendimento. A despersonalizagdo gera uma gama enorme de sentimentos que vio permear a relagio paciente-pro onal, como: . de desprez: sentunentos de rejeig prez © desfavorecendo as cor dig6e oO necessdria pi desconfianca, atressivics Portanto, cor doa relacae aa regressao do paciente, condig necessirias | essdria pa inetiotia eorada pela vivencia de uma situ: que ele possa superar ¢ gio aguda de doeng a € Jtrati) Outro ponto é que esse provissional, sem identidade e maltrai ometer-see envo do pela instituigdo, tem poucas razoes para Comprometer tendimento. ‘ie A verdade & que médicos € pacientes, envoltos por uma iastitu a dia, ¢ em vez de encontrar ur ver-se com o ¢do perversa, distanciam-se a cal ‘ lugar Comum, agridem-se, Deterioram-se as relagoes. ; / E de de emergéncia publica — que. em fungao do tip de problematica que trata, deveria oferecer ambiente acolkedor um profissional continente para minimizar a crise psicoldgica qu vive © paciente e criar condigé s Ntaliza- » Preparando-a Para a visita. 63 VWodddbdobbbbyy Lee Ladd dd ddd dddddd 0 Deiologe 1a umidade de entengentia rico ao farnid pata estar ctotivamente oferecendo apoio psicok hospitali cade. Tatenmediar a relagae da familia com a equipe tambérn po; ser uma vertente de atuayae, na medida em que, como ja foi Colo do anceriormente, a equipe sobrecarregada com as dificuldades pi dar conta das necessidades do pacicnte naquele momento nem ser pre Consegue estar disponivel para aquelas especiticas da familia A intervengio da equipe deve ser no sentido de ajuda-la a1 nen uM Conktto genuino com o deente, levando ao seu conhe! Informagoes sobre oO seu funcionamento psiquico e de elementos relagdo que mantém com ele, que interferem na evolugaéo do trat mento. Participar da visita médica e das reuniGes de discussiio « easo sao um canal de integragdo com a equipe e que podem ser ur boa forma de detectar condigSes que requerem atendimento psic ldgico. Cabe salientar também que a participagio continua do p: colego na equipe promove como conseqiiéncia e deve ter tambe como um de seus objetivos, o aprendizado e a instrumentalizac, para lidar melhor com aspectos emocionais do paciente, anteric mente enfrentados com grande dificuldade. Pode-se pensar que investir na higienizagao das relagdes h manas. que se dio nesse contexto, seja uma estratégia para enfre tar as adversidades da realidade da unidade de emergéncia. Prom ver a integragdo e o fortalecimento da equipe para que os esforg possam somar-se € no se percam em disputas internas. Criar cc digdes para garantir o envolvimento e o comprometimento dos pi fissionais com o trabalho o que sé é possivel resgatando-se o suje dentro da Institui¢do, resgatando-se a sua dignidade. Para terminar duas quest6es serao colocadas. Diante dessa r lidade tao cruel, serd que a nossa atuagdo deve restringir-se ao ter t6rio interno aos muros do hospital? Serd que ndo temos um comp! misso com uma luta mais ampla, talvez mais politica e social, sentido de buscar mudar a realidade do sistema de satide do pats, uma certa forma por nds mesmos criado e mantido?_ 64 Widaia Nine ve Pree Releréncias bibliograficas ALVES. J.G. Aspectos psicossociais do atendimento de einer MELLO FILHO, J. Psicossomdtica hoje, Porto Alevre: Arte 199. MOURA, M._D.Psicandlise & urgéncia subjetiva in MOURA, ML. ( Psicanilise e Hospital. Rio de Janeiro : Revinter, 1996. we). SILVA, D.D. A apropriagiio imaginaria do tempo na praxis da ury MOURA, MLD. Psicandlise e hospital 3: tempo e morte ato analitico. Rio de Janeiro: Revinter, 2003. éncia fp de urgent ap VOLICH, R.M. A técnica por um fio. Reflexdes sobre a terapéutica psicossomatica. Jn: FERRAZ, F.C., VOLICH, R.M. Psicossoma psicossomatica psicanalitica. Sio Paulo ; Casa do Psicdlogo, 1997. WINNICOTT, D.W. Provisiio para a crianga na sadde € na crise (1962). 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