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HERONIDES MOURA MORGANA CAMBRUSSI Uma breve histéria da lingufstica Ue aor) ) fp} os VOZES Colegao de Linguistica Santee ot Uv di Gen Ay es ES aa =. Dados Internacionais de Catalogagao na Publicagio (CIP) (Cimara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Moura, Heronides ‘Uma breve histéria dalingutstca J Heronides Moura, Morgana Gambrussi~ Petropolis RJ :Vozes, 2018. ~ (Colegio de Linguistica) nbrussi, Morgana. epp-410 Indices para catilogo sistematio: Linguistica 410 pee cocxistirs isso Pesemnto cientifico, ge eeento sua pré- Origem e diversidade das linguas Jo, um dos mais famosos didlogos de Platdo, é uma experi cia surpreendente, pois é como se entréssemos em um tunel do tempo ¢ cafssemos em plena praca publica da Atenas antigs 3 cada enunciado ex- presso ali faz um enorme sentido no contexto daquela discussio, mas se ‘comparamos com 0 nosso tempo, as crengas sobre a linguagem expressas no didlogo estao totalmente distantes do que sustentam os estudos lingufs- ticos modernos. Cratilo, com o subtitulo Sobre a justeza dos nomes, relaciona-se com ou- tro didlogo de Platao, Teeteto, que aborda mais amplamente a questio do conhecimento. Cratilo, entretanto, particulariza a problema do conheci- mento e 0 restringe a que se pode chamar de conhecimento acerca da linguagem. O debate em que Sécrates defende a posicao de Cratilo sustenta ‘uma batalha retérica desproporcionada, em que um dos debatedores ape- nas consente, jé que Hermégenes é somente alegoria de objeco (malsu- cedida) para a defesa da tese de que os nomes, com suas silabas e letras, estao tao intrinsecamente ligados a natureza das coisas nomeadas que sao. capazes de capturar destas a esséncia, a ideia fundamental — por essa razao conhecida como posigao naturalista, 6 pensamento platanico que dé lugar 20 contexto de prod sido ndo sai er busca dos enigmas da linguager™ em busca dos enig- as que obscurecern nosso entendiment© sobre o que é 0 conhecimento hhumano e sobre como ele poderia ou n40 poderia ser compreendido de forma auténoma & linguagem, em ume abordagem pura. Em Teeteto, Pla- tao chega a assumir a tese de que o debate sohse a conhesimento 8 POSS ser feito por meio da linguagem, do estudo de suas caracteristicas e de sua Srigeis A Tinghagem emerge, portanto, como importante aspecto do estudo platOnico sobre © conhecimento. Assim nasce Cratilo e, por iss, ase texto se enreda nas questoes sobre a naturel da linguagem e sobre as relagdes que existe entre linguagem e realidade, ¢ entre HREUHBE™ * pensamento, as quais até & atualidade tém embalado discussoes em Areas loo : aicias & filosofia da linguagem ¢ & semanticey como os estudos modernos produzidos em torno do papel da inguagem para acategorizagao do mun- do e paraa construgio conceitual © debate principal do didlogo, entretanto, £2 oposigao entre naturalis- sno-econvencionalismo do signo Hingufstico" 0 signo linguistico (de uma vmaneira simplificada, a palavra) é uma jungao de som e sentido. Os natu: valistas julgam que deve existir uma relagio entfe & forma da palavra € © sentido que ela expressa. Um exernplo so a8 onomatopeias: au-au designa em portugues brasileiro 0 som que um cachorro faz e tenta-se reproduzir ese som na propria palav735 por 60, cOnSIOETa SS que as onomatopeias sao representasbes navurais dos sigificados Nesse sentido, a ideia dos na- turalistas é a de que todas as palavras devem alguma relagio natural atte som e sentido. 03 copvencionalistas POF UE lado, defendem que 9 som de uma palavra nada tem a ver com © sentido que ela designas as ‘onomatopeias so apenas excegoes a e55° principio. 1. Deacordo com olingust Ferdinand de Saussere o ebgmada Linguist ase rma osigno ingusteo ume vnidade da Ine Pos oie minima da ae qu, abitrajamente Care ‘consigo some ee RE 2006 (1916])-Ch.0 Quadro 6 na esto 2A) pte-se que 0 pitrariedade a moderna defendidas smo, dom ia posicao i pemdiaca0 de Cré- seca dos enig- Seehecimento mespreendido de [Eas Teeteto, Pla- sseoento 56 pode (ease de sua esaste aspecto do SE <, por isso, imesazem e sobre feiss linguagem e Seasbes em areas seedos modernos petacio do mun- S eatre naturalis Sesistico (de uma Sestido. Os natu- ses da palavra eo se ast-ait designa esse reproduzir = Smomatopeias Ge sideia dos na- ge eelecio natural sie defendem que oe ais designa; as Ja Linguist See signo linguis- “Gees consigo some Note-se que o convencionalismo, também conhecido como principio da arbitrariedade do signo, é hoje aceito como um principio bisico da lin- guistica moderna, e € essa uma das razdes que nos levam a estranhar as ideias defendidas no Crétilo. Socrates, ao se juntar a Crétilo na defesa do naturalismo, domina o debate em especial porque Hermégenes, embora assuma posigio ini ‘al em favor do convencionalismo, muito pouco ar gumenta em defesa de sua tese (no dilogo nio ha defesa do principio da arbitrariedade). E verdade que, ao final, Sécrates relativiza sua posigdo linguistico, pois, de outra forma, a palavra, de tao semelhante & coisa que designa, poderia ser um substituto da coisa em si, o que ele reconhece ser inadmissivel. Alguns comentadores desse dislogo platonico chegam a dizer que no final Sécrates se mostra convencionalista, mas a nossa leitura éa_ yp" de que cle ¢ fundamentalmente um naturalista (SEDLEY, 2003). re ~ Em termos saussureanos, quando 0 assunto € 0 signo eee resul-%) vps wo tante da associagao de um significante a um significado, “[..] a significante te imotivado, isto é, arbitrario em relagao ao significado, com o qual nao tem a nenhum lago natural na realidade” (SAUSSURE, 2006 [1916], p. 83, grifos 1no original). Mas muito antes de Saussure elaborar, de uma maneira clara ¢ precisa, 0 conceito de arbitrariedade do signo Linguistico, o filésofo Des- “cartes ja havia sustentado que as palavras se ligam arbitrariamente as coisas que elas denotam. O argumento dele € filos6fico e é um dos fundamentos da revolucao cientifica que ocorreu no século XVII. Descartes argumentou que para estudar a natureza é preciso separar a percepgao sensorial feita pelo ser humano e a realidade das coisas naturais. Tradicionalmente, acre- ditava-se que as coisas eram essencialmente o que pareciam ser para n6: attavés de nossos sentidos (CLARKE, 2006, p. 115). Isso leva a erros curio- sof: nao ha nenhuma propriedade em uma pena de passaro que seja similar 4 sensagao causada em uma crianca, quando alguém roca a pena nela. Ela sente cécegas, mas essa sensacio é totalmente diferente da natureza da pena em si. Para estudar a pena, € preciso esquecer as cécegas ¢ atentar para a cextrutura fisico-quimica que a compée, Ora, as palavras ¢ as co!saS também ne nos é pertencem a categoria diferentes, e € um erro, conforme essa visio, buscar no fala vas palavras semelhancas com as coisa que els representa a5) comoé lum erro buscar nas coisas as mesmas sensaroes que elas nOs causa: Outro fl6sofo do século XVII, Leibniz, também crticou a visio tradi- ional de que as coisas sto aquilo que parecem Para és. Ao caracterizar 0 que seria uma filsofia racional e distingui-la do que sarcasticamente chama filosfiafanatica, ele até mesmo ironizou a posicio de pensadores que {savaramas aparéncaforjndo enpresamente qualidade oot! 08 facul- tae qu imagine semelhates a pequenos demdnios on Juendes APA arrec o qur se pede, como sos relogos de bolo assinalassem as BOP POT se tty acu horodetica [que aponta as hors] sem necesiade dec ‘renogens de rodas, ou como secs moinhostrtarssem os G05 Pos wet facut aerate evan rer necesidade de raa que eastmee is més (LEIBNYZ, 1972 [1765], 128). Nao existe, 6 claro, essa propriedade de dar as horas, assim como nao existe nas palavras nenhuma propriedade que as ligue as coisas que repre- sentam, Mss a flosofia platOnica apanta-ne-direqte-contcizia, PTS O79 esséncia das coisas refletida pela exatiddo dos nomes~ 52 propriedade es- Sencial seria a verdade segundo a qual se pode provar que as coisas possuem ‘um nome natural ¢ certo que viemos a conhecer, mas cuja origem nem sempre sabemos revelar ¢ tampouco podemos modificar. Para chegar a da, Sécrates invoca o argumento de autoridade de deuses, de sujeitos judicio- 50s (representados por Homero) e de Jegistadores por eles compreenderem as relagdes entre as coisas ¢ os nomes ¢ POF estarem @ frente dos insensatos (“alguns homens ¢ todas as mulheres’, conforme a visio platdnica), para quem essa verdade nfo transparece- Sinuosamente, a argumentagao naturalista de Sécrates busca inspiragio ‘mesmo em dominios que nao sao da linguagems afinal,}para tudo existe ~s im modo natural de acontecimento: ser bem-sucedido 20 cortar 8 coisas, exige que a agio se faga como manda a nature72y pelo modo apropriado de corti-las,¢ no do jeito que bem se descjars a0 decidirmos incendiar alguma coisa, ndo precisamos ser imaginatvos, bast que sigsmos modo 42 pasiss também mawisdo, buscar = sim comoé ens. se Sisto tradi- ie eeeacterizar 0 Sammente chama ores que Hee caces capazes Bes 2s horas por pa Sidade de en- Feeepor uma facul- im ms (LEIBNIZ, === como nao jess que repre- sepera wna ipropriedade es- Sc possuem =e origem nem Bes chegar a ela, Saestos judicio- Sepreenderem © dos insensatos Sessnica), para fence inspiragio bas tudo existe + Briar as coisas ieee apropriado Sos incendiar S=m0s 0 modo certo que nos é indicado pela natureza e conseguiremos queimé-la; uma pessoa nao fala como bem entende, mas seguindo 0 caminho natural da fala, pronunciando as palavras como devem ser pronunciadas, ou ela fa- iharé por nao respeitar o modo natural de falar. So analogias de intengao clara: conduzir o interlocutor para a verdade da natureza das coisas, 0 que inclui a exata aplicagdo dos nomes. Ao chegar & abordagem da fala como ago de curso claramente natural ¢ coletivo, insubordinada as vontades individuais, Socrates afronta a ideia de Hermégenes de que, independente de qual nome seja dado a uma coisa, esse ser o nome certo, pois entre © nome e a coisa sé habita a convencao. Assim, na visio de Hermégenes, um individuo poderi +0 rastelo ainda que todos 0s outros individuos chamem a esse objeto garfo, sem ter prejuizo para denominacao. O levante de Sécrates, por outro lado, chamara um obje- aso essa seja a verdade sobre as coisas, como se justificaria esse mes- mo individuo estar sujeito a obedecer ao caminho natural da fala? Se essa exigéncia se coloca, a justeza dos nomes é parte dela endo podemos chamar sum garfo de rastelo. O naturalismo de Platao, por estranho que possa parecer aos olhos mo- dernos, esta ligado a uma série de crengas ¢ ideias do platonismo, que pas- samos a discutir mais pontualmente. 1) As coisas e seres tém uma esséncia permanente, Nada mais natural que cada palavra, visando a representar as coisas, tente caracterizar pelo ‘menos uma das propriedades da coisa ou ser por ela representada, Por- tanto, aligagao mais natural nao é exatamente entre som e sentido, mas entre o sentido da palavra e a esséncia atribuida & coisa, O som apenas ajuda a chegar # esse sentido que Teva a exstncia, No exemplo detalhado no Quadro 3, se o corpo (séma) esti ligado & sepultura (séma), é porque © corpo € sepultura da alma, ¢ essa é a esséncia do corpo. Note-se que essa explicagiio 6 quase poética e cabalistica; mas o que importa a Plato € investigar 0 que um conceito, como “corpo” ou “justisa’, realmente significa. A forma fonolégica das palavras (s6ma-séma), tomada por se- melhanga, pode ajudar nessa investigagao das esséncias. Quadro 3 Esquema naturalista Expressao original Expressao, Motivacao natural originada AAnathrontia 6pope 0s Entre 6s animais, 0 homem é (oqueanalisa olquevé) | (homem} aquele capar de analisar 0 que ve racionalidade. Psique Aalima &2 forca reftescante neces faa siria para que 0 corpo esteja vivo. Sema soma A alma é resquardada no corpo sepytura) (compo) ua sepultura) durante av Sozetai Soma A alma € enclausurada no compo (carcere (compo) durante a vida para se punficar de faltas cometidas. Fonte: Exemplos extraldos de Plato (2001) 1H, entretanto, uma fenda na argumentagio de Cratilo. Ao discutir 0 nome Orestes (personagem mitolégico), na andlise de sua justeza em re- lacio ao individuo que nomeia, o debatedor afrma a possibilidade de seu nome nao obedecer 4 ordem natural: o“[..] nome me parece bem aplica~ do, quer tena ele recebido por acaso, quer 0 denominasse desse modo algom poeta, para indicar seu cardter feroz e selvagem, ¢ a aspereza cas montanhas (oreindn), como 0 nome esti a indicar” (PLATAO, 2001, 394, negrito acrescentado)"". A obra do acaso poderia ter lugar em uma visio naturalista da origem da linguagem? Sendo o legislador aquele que respon- de pela astuta tarefa de dar as coisas 0 nome exato para que Ihes expresse a 11. Todas as citagbes extrafdas do didlogo platdnico foram extraidas da edigio Plato {2001}; portanto deste ponto cm diante, sero identificadas apenas com o nimero ee Que indicum o parigrafo do texto a que pertenceo trechocitad, ceguindo-se wm roc se cato de citagio que femete a organizagao original do texto filosfico, Crit data do século Vac, integra o conjunto de obras floséficas do periodo clissico grego (RIBETRO: SARDI, 2000). edigdo que selecionamos fi traduzida dietamente do grego por Carlos Alberto Nunes. esséncia que poss Ja mao do acas que seria 0 mes ontudo, Sécrate: Gis nao sdo be ecisdes acidenta’ mratureza. 2) A verdade s acordo com a. sofistas, que S¢ fista, Protagor. detodasas coi elas, realment Sécrates se ins as palavras de relagio som-s forma cada pe © que equival (386e): as cois pendéncia, ne fantasia, poré tural”. E nom *[...] conviré momeadas, | fazé-lo [J ( E sobre tudo S escapa” (421 os deixa ind stituem aun jematural pte Bieihomem & leer 0 que 5 Bente neces BeBesicia vivo. Be > corpo Bee vice BEE corpo puTicar do B Ao discutir o g jesteza em re- Siilidade de seu Scebem aplica- eee desse modo = aspereza das BD 2001, 394e, See uma visio segue respon- Bes expresse a Be ei.a0 Plato eso calcira Bele um proce- Beil data do See (RIBEIRO; Bise=> por Carlos éncia que possuem, o poeta que nomeia Orestes nao poderia ser guiado ia mao do acaso, ou seja, néo poderia adotar uma acéo ndo motivada, que seria 0 mesmo que softer incidéncia da convengao ou do costume. ontudo, Sécrates resguarda o argumento, ao considerar que os nomes dos Gis no sio boa amostra para a sua reflexao, pois podem resultar de cisdes acidentais. Melhor enfocar os nomes de coisas gerais ou alusivas natureza. 2) A verdade sobre as esséncias das coisas é absoluta e nao relativa de acordo com a crenga de cada pessoa. O relativismo era defendido pelos sofistas, que Sécrates e Plato combatiam. Uma frase famosa de um so- fista, Protigoras, € citada no Cratilo (386a): “|...] 0 homem é a medida de todasas coisas, e por isso, conforme me parecerem as coisas, tais serdo elas, realmente, para mim, como serio para ti conforme te parecerem’, Socrates se insurgia contra esse tipo de afirmacao e entao imaginou que as palavras devem representar necessariamente a esséncia das coisas. A relagdo som-sentido nao pode ser arbitraria ou convencional, pois dessa forma cada pessoa teria uma apreensio diferente da esséncia das coisas, 6 que equivaleria a recair no relativismo sofistico. Como diz Sécrates (3862): as coisas “[...] nao es conosco, nem na nossa de- em relag pencléncia, nem podem ser deslocadas em todos os sentidos por nossa fantasia, porém, existem por si mesmas, de acordo com sua esséncia na- tural”, E nomear as coisas é designé-las de acordo com sua esséncia: “[.«] conviré nomear as coisas pelo modo natural de nomeé-las e serem nomeadas, e pelo meio adequado, nao como imaginamos que devemnos fazé-lo [...]" (3874). E sobre tudo aquilo que nao se pode explicar de forma natural, 0 que Sécrates tem a dizer? “Declarar que se trata de expressao bérbara” (416a) ou afirmar que podem ser “|...] de origem estrangeira os nomes cujo sentido nos escapa” (421d) ou, ainda, considerar que “[...] a idade dos vocabulos é que os deixa indecifraveis” (421d). Sobre os nomes primitivos, aqueles que constituem a unidade primeira e pela qual muitos outros nomes derivados se explicam, nao se considera que advém de um estabelecimento operado sustenta q pelos deuses, cuja palavra € inquestiondvel, pois nao explicar um nome um dos p primitivo & 0 mesmo que invalidar a explicacao de todos os seus derivados. crates reaf Para os naturalistas, 0s nomes primitivos, como imitagao das coisas no- piganina meadas, formam-se por letras e silabas que se assemelham aos objetos, re- Tingua. Ou fletem propriedades ¢ revelam alguns de seus aspectos mais caracteristicos. Gem: os ho idas palavr. i resultade No entanto, essa posigéo ainda ndo anula a divida que se tem acerca do primeiro nome ou nome original, pois o legislador, ao conceber o primeiro nome, detinha um conhecimento sobre a coisa nomeada que nao pide se same dizer, construir por meio de outras palavras, nao tinha outros nomes em que se (Como acai Bas Jmento verdadeiro sobre as coisas nao vem dos nomes, mas do ato de se uo tas Zhe. conhecer a verdade sobre as coisas. O conhecimento antecede ¢ independe ibe ~ : : toc,“ do nome, conforme a posigao haturalista, Isso €o mesmo que afirmarmos dan in eT CRETE a aT UT ns dina. que o legisladon para exercer @ arte de fazedor de nomes, antes de qualquer ze 3 “P ZED coisa, é alguém que enxerga e conhece com clareza a natureza das coisas, “7 snclusive abdica da linguagem para conhecé-las, uma vez que a linguagem (o nome) é mera imitagio do mundo, Mas quem é esse legislador a quem tanto fazemos referéncia? 3) Segundo a opiniso de Sécrates e Platio, a verdade e a esséncia das coisas devem ser estabelecidas pelas pessoas mais just e mais razoaveis de uma comunidade. Essa ¢ ideia por trés da Repitlica ideal de Plato, que seria governada por um conselho de sibios, com todos os poderes para legislar (uma estrutura absolutista e androcentrista de sibios, na verdade). Bem, s6 0s sibios podem saber com justeza o que as palavras deve significar, para representar da melhor maneira possivel as coisas que designam (por exemplo, a relagio entre corpo e sepultura, séma e séima, jf Gtada). Assim, os sabios devem buscar e definir qual a relagao natural entre som, sentido ¢ coisa representada. A convengao seria um artificio dos tolos, que accitariam qualquer relagio arbitra, Platéo Gimento operado Seer um nome metus derivados. ge das coisas no- Giaes objetos, re- Ee caracteristicos. peetem acerca do s=bero primeiro GE n’0 pode se Bemies em que se gH que o conhe- Beas clo ato de se = afirmarmos ees de qualquer Geeza das coisas, sa linguagem Seledor a quem ea cséncia da Simais razodiveis Siaeal de Platao, ides 0 poderes & sibios, na Seas palavras Bessie! as coisas gealtara, sda e Gel relagio Scho seria um Setciria. Platao sustenta que os sabios definem o sentido original das palavras. Esse & um dos pontos que causam mais estranheza na leitura do Critilo. crates reafirma varias vezes que ha legisladores sibios que definiram, em io som-sentido das palavras de uma algum momicnto da historia, a rel lingua, Ou soja, e8sa € a explicagio platonica para a criagio da ingua- =m: os homens sabios se reuniram e definiram a forma e o significado das palavras. A alegoria de Crétilo permite ver a linguagem nao como 0 resultado do trabalho de divindades, mas coma.negdcio dos homens; quer dizer, nao de todos os homens, mas dos sabios. Como agio de lingnagem, nomear implica o uso de um instrumento dequado para esse fim. Do mesmo modo que sio necessérios instrumen- bs para tecer, para cortar, para furar, também hé um instrumento necessé- para nomear; segundo a posigao de Socrates, o nome é esse instrumento tem de ser preciso, tem de ser formado a partir dos sons e das silabas 10s para resultar no nome apropriado de cada objeto nomeado, Mas as cies exigem, além de instrumentos, habilidades especificas, de modo que ‘Sao é qualquer um que pode tecer, mas apenas um tecelao pode fazer isso. E ‘epenas um escultor é capaz de esculpir. Sécrates argumenta, mais uma vez, ‘que no é qualquer um que pode nomear, apenas o legislador, o fazedor de ‘somes (389a), é a fonte legitima de produgao de nomes. E como a natureza das coisas é imperativa, ela também é 0 déspota do sentrelagamento entre os nomes e as coisas. Sécrates alude que, para furar, ‘= usados diferentes instrumentos, cada um apropriado a natureza especi- ‘ica da ago, que pode ser de furar papel ou de furar madeira, por exemplo, © ferreiro, ao construir o instrumento furador, considera a natureza da acio de furar e a particularidade do que precisa ser furado; enti, pro- uz diferentes objetos que furam, guiado pela necessidade e nao pela sua ‘ontade, Assim seria a preocupagio do legislador ao fazer os nomes, pois, seiteramos, “[..] deverd saber formar com os sons ¢ as silabas o nome por natureza apropriado para cada objeto |...|” (389e), guiado pela necessidade de justeza, nao por sua prdpria vontade. Aos poucos, Sécrates vai descons- 47 truindo as ideias de Hermagenes de que os nomes sto dados 3s cols por pura conven¢ao e acordo. Ak posigdo naturalista de Socrates concede espago para que 8 figura do Gialético (eritco debatedor) se mostre, pois este est em condigio de, a0 ‘sar os nomes, jugar se o trabalho do legslador foi ou nd0 executado de forma apropriada & natureza das coisas nomeadas, N30 sendo Sécrates um legislador, nfo goza da autoridade de fazedor de nomes © st poder para julgaea natureza do ato de nomeat teria devi de outro papel isso atesta, no listas surge por meio da argumentacio de Socrates. E possivel a imitagao de vuma coisa tanto pelo que Ihe € semelhante quanto pelo que The ¢ disseme- thante, Nesse timo cio, a imitaglo € suportada pelo hébito ou pela con- venciio. Fssa abertura retorica € estratégice pars ‘acomodar 0s casos em que is debatedores nao conseguem assemelhar @ composigao do nome as pro- priedades do que é nomeado, ou para acomodar 3s circunstincias em que se interpreta que uma letra significa um valor em uma palavra e algo distinto vs contraditorio na composicio de outra palavra, Esse modo platonico de conceber a inguagem é realmente instigante ainda hoje em as posigao fandamentalmente convencionalista parece estar assentada ¢Se5% No Critilo fica explicita a defesa de Sdcrates em favor da finalidade da tinguagem, que no poderia ser convencional porahe {sso seria o mesmo que ser um produto do acaso. Essa posigio se encaixa no quadro do pen- samento plat6nico mais geral, para o qual as coisas (abrangendo-se a lin- uagem) inerentemente possuem um 50 apropriado. Conforme Meotti piles as coisas por = ase a figura do B eiadicao de, a0 Sie exccutado de Gmae Socrates um ee poder para Sebiso atesta, no ssssne 20 ocupar semndo a direcao S38d). Nesse pon- = @ nome (instru- sstho do legisla gente a respeito da eEmguagem. Bes convenciona- seis imitacio de ge Th & disseme- giao ou pela con- ge es casos em que Be some as pro- Beieeiasem que se pase algo distinto ete platénico de == que a posicio Seen. de Ginalidade da Se Sia 0 mesmo se Sedo do pen- ameendo-se a lin- Gesteme Meotti Te {20 prelo), esse melhor uso estaria vinculado & base da filosofia platonica, pautada sobretudo pelo conhecimento do Bem. Podemos entender, desse ‘modo, que o cendrio da justeza dos nomes, no idedrio platénico, é contex- tualizado c derivado da tese platdnica sobre o Bem. Apenas quando deslo- ccamos essa tese de seu lugar proprio na filosofia e analisamos a questao de ‘ama perspectiva linguistica é que a justeza dos nomes encontra um pensa- siento de resisténcia 8 ideia de naturalismo estrito. Ainda qué seja assim, a4 inquietagdes de Hermégenes ¢ a inventividade jo. E importante inguisticd de Sécrates sao referéncias para nossa reflex sabermos que cada época produziu um responsavel pela criagao da lingua- gem: deuses, sit sulo XIX)}os falantes de uma 0s, alma de um povo (no s jo mais moderna, a mente humana, O conse- Jingua ou, finalmente, na Tho que coroa a aporia apresentada por Sécrates a Critilo também ganha lugar aqui:“Reflete bem ¢ com coragem sobre o assunto [...] eno deixa de comunicar-me 0 que encontrares em tuas investigagoes” (440d a apfitend nein yt an cm raion be Say, 2.2 ROUSSEAU: AS PAIXOES CRIARAM A LINGUAGEM A obra de Rousseau (1712-1778) envolve temiticas que custaram, du- ante longos perfodos, a rejeigdo de seus escritos. O modo de 0 filésofo abordar questées como o direito de propriedade, o poder do Estado,a edu- acto, a liberdade e a dominasio das religides desagradou principalmente E possivel sintetizar, ndo sem as clites ¢ as igrejas protestante e catélica. negligenciar muitos outros pontos de reflexao, como alguns dos tépicos centrais da obra desse autor: a defesa da ideia de liberdade como direito ede uma religiao mais indulgente que pungente, 0 ataque a concepgao de que hé um direito de propriedade que assiste a alguém (a proprie~ dade de um éa privagéo de todos 0s outros) ¢ o desenvolvimento da tese de que é necessario estabelecer-se um novo contrato social (PISSARRA, 2009). Conhecer quais eram as problemiticas sociais a que Rousseau era sen= sivel e como 0 fildsofo refletia sobre elas 6 necessério para que tenhamos _Senvolvimento de nossa REE (gh linguagem verbal a uma gama mais rica de sensagQes humanas, em esp; mais clareza de suas posigdes também acerca da linguagem. Mas abranger ‘em detalhe sua obga escapa dos limites deste texto; entao, vamos nos cen trar em seu Ensaio sobre a origem das linguas, pelo qual Rousseau argumen- ta que as paid —¢ nto as necessidades humanasforamo motor do des senvolvimento de nossa faculdade de linguagem. EI associa 0 florescer da gcial vim Corn PhaSE, Neevcaren I Migs quanto as relagdes sociais. ee reer Oe Nesse texto de Rousseau, a linguagem ganha valor distintivo, pois dife- ©» rencia os homens dos demais animais; as linguas, por sua vez, distinguem i os homens entre si, a0 definirem os limites de grupos de falantes que, erm Le Ultima anélise, sio organizagoes politicas: lingua, Estado e poder sio ele- mentos que se entrecruzam, Fundamentados 16505 Felagbes, muitos Tudiosos dos principios da filosofia rousseauniana inserem 0 Ensaio sobre 4a origem das linguas entre os escritos politicos do autor; na nossa leitura, entretanto, interessa a visdo que Rousseau expressa sobre a linguagem pri- mitiva e sobre seu desenvolvimento como faculdade humana. Ele imagina uma Idade de Ouro anterior ao desenvolvimento da lingua gem, em que 0s homens se comunicavam provavelmente por gestos € nao. por palavras. Essa dade de Ouro seria paradoxal, pois “Em todos os lugares dominava o estado de guerra ¢ a terra toda estava em paz” (ROUSSEAU, 1973 [1781], p- 182). Esse aparente paradoxo se explica da seguinte ma- neira: sem a linguagem, 05 homens viviam isolados, em pequenos grupos familiares, cada grupo sem interagir com o outzo, ¢ em uma guerra latente entre esses clas. Aqui ha uma ressonancia da ideia de Hobbes (1588-1679), segundo o qual antes do desenvolvimento da civilizagao, 0 homem primi- tivo vivia em um estado de guerra permanente, sem lei nem rei, Mas, acres- centa Rousseau, como os homens nio interagiam pela linguagem articula- da, viviam isolados em suas familias, etinham poucas chances de guerrear- Portanto, a ideia de Rousseau é que os homens primitivos satisfaziam ple- namente suas necessidades sem o recurso da linguagem, comunicando-se apenas porfeestose pops inartculadgs. aan Mis abranger jambs nos cen- jean argumen- sotor do de. ee Horescer da gem especial i See, pois dife- == distinguem beste que, em perder sao cle- ES mnuitos es- © Bxsaio sobre pees: leitura, imeuagem pr - ito da lingua estos e nao sess lugares ROUSSEAU, peegninte ma- fees grupos ieeerra latente Bp iSSs-1679), bemmem primi- = Mas, acres- Beem articula- Bede guerrear. sefariam ple Semicando-se ihr af broke, rseckivee © simpy L ae bined, ogee Compo Por outro lado, ele destaca que, muito embora os gestos sejam imi nos permitem comunicar e até mesmo provocar movimento ¢ resposta > outro, apenas 0 som é capaz de fazer despertar sentimentos e comogoes, ando-se as inflexes das paixdes e, por isso, “[...] 0 interesse melhor se ta pelos sons” (ROUSSEAU, 1973 [1781], p. 167). Daf Rousseau deriva ‘deia, expressa logo no primeiro capitulo de seu Ensaio, de que o homem esenvolveu a linguagem por nio estar restrito apenas as necessidades fi- as, para as quais os gestos bastariam. Para ele, a forca das paixoes como -ssidades mais complexgs deu origem a linguagem, em que a palavra sine o poder de causar uma emogio mais aguda do que aquela desen- ‘sxdeada pelo objeto em si ou pelo gesto que a ele remete, Nesse cendrio, a 40 ¢ 0 sentimento sdo os motores que impulsionaram a comunicagio € “os gestos ¢ 0s sons so seus instrumentos: Dai go homem uma organizasio to grosseira quanto possais imaginar: indu- bitavelmente adquirird menos ideas, mas, deste que haja entre ele e seus seme- Ihantes qualquer meio de comunicagio pelo qual wm possa agir eo outro sentir acabardo afinal por comunicar todas as ideas que possuem (ROUSSEAU, 1973 UPS pas glo ste peas yt Para compreendermos 0 que implicam as paixdes'que Roysseau loca- Trou entre o sentir ¢ 0 agir dos primeiros homens, podemos ser guiados pelo conjunto do que o fildsofo chama necessidades morais, ou sbja, aquelas necessidades que se originam de uma vida social. “Nao éfome 0 ‘mas 0 amon, 0 Odio, a piedade, a célera, que Ihes [dos homens] arranca- ‘ram as primeiras vozes” (ROUSSEAU, 1973 [1 781], p. 170). As necessidades morais so, portanto, necessidades coletivas, o que desperta para o acordo social do homem primitivo em favor do desenvolvimento da linguagem, ¢ também séo produtos da coletividade, ao se irromperem das entoagies das sede, paixoes que aproximam os homens. guas primitivas e as diferencas que guardam entre si, A origem das na visio de Rousseau, so de base naturalista — posigao que retomaremos 3 frente. Elementos como o clima ¢ 0 estado do homem (conilitos, advers dades vividas) no momento em que as linguas se formaram seriam fatores que interferiram diretamente em sua constituicéo fonolégica, segundo o fi- lésofo. Por isso haveria linguas de sonoridade mais dspera, enquanto outras possuem sonoridade mais suave. Ainda que haja tais diferengas para a pers- pectiva rousseauniana, o que partilham as linguas primitivas independe de fatores ambientais, pois € resultado da relagio prépria entre homem ea linguagem: a aproximagao entre grupos humanos. A linguagem humana tirou o homem primitivo de seu isolamento fisico € espiritual, segundo Rousseau. “Além de si mesmos e de sua familia, todo © universo nada significava para eles [os primeiros homens” (ROUSSEAU, 1973 [1781], p. 181). O efeito da linguagem sobre os homens foi duplo: em primeiro lugar, ofereceu-Ihes uma abertura para a realidade dos outros. A linguagem deu-Ihes a imaginagao e “...] quem nada imagina nao sen- te mais do que a si mesmo: encontra-se $6 no meio do género humano” (ROUSSEAU, 1973 [1781], p. 181). Em segundo lugar, a linguagem den ao ser humano a capacidade de conhecer-se a si mesmo, de voltar-se para seu interior, por meio do desenvolvimento de suas emocoes. O estado do ser humano, antes da criagio da linguagem, portanto, era de desconhecimento, de estranhamento e de conflito. Rousseau avalia que, como nao compreendiam nada além da fora e das leis da natureza, os ho: mens temiam a tudo, inclusive uns aos outros. A linguagem teria descorti- nado as afeigdes sociais e dado ao homem a possibilidade de comunicagao e de vazao de seus sentimentos e vontades. Antes dela, entretanto, “[...] odia- vam-se porque nao podiam conhecer-se” (ROUSSEAU, 1973 [1781], p. 182). Para que pudessem se conhecer, os homens primitives precisavam, de um rastilho de humanidade, atribuido por Rousseau ao proprio fogo (ou as fontes de agua, nas regides quentes), que atraia os homens e por isso 0s teria colocado em uma pequena comunhio social, quando se viram entre semelhantes pela primeira vez, ao redor das fogueiras. Para Rousseau, o desenvolvimento da linguagem est “Tiguecimento das emoges. Na sociedade primitiva, por exemplo, havia ca- samento, mas ndo amor. Havia afeto, mas nao haveria paixao. Esta nasceu 52 a varia fajudou ISSEA SS segundo o fi- See enquanto outras Seeecas para a pers- Seiiess independe de Sete o homem ea ss solamento fisico $e familia, todo Sess} (ROUSSEAU, Sess foi duplo: em Eilidiade dos outros, Be eegine nao sen- & nero humano” Bieexagem deu ao Se veltar-se para seu = ===, portanto, era Beeiseau avalia que, ae atureza, os ho- SS via descorti- Eeeomunicacaoe Seino,“ |...) odia- Sam 1973 [1781], Be precisavam = = proprio fogo Bee omens e por lo se viram. HEociado 20 en- Sisal, havia ca- Bee Esta nasceu 1s tons e inflexdes da linguagem, sua gama rica de contrastes sonoros ¢ ‘expresses distintas. Quanto mais rica a gama de sons articulados, mais Ea variagao das emogoes. Portanto, teria sido a linguagem articulada ajudou a criar, no ser humano, “[...] os acentos das paixdes ardentes” OUSSEAU, 1973 [1781], p. 189). Contrariando o senso comum de que sseau pregava um retorno ao mundo primitivo, essas ideias sobre a lin- -m mostram que ele nao desprezava a importancia da civilizagio; 0 tado social deu ao homem uma “|...} ampliagéo dos horizontes inte- ais, enobrecimento dos sentimentos e elevagao total da alma” (AR- DUSSE-BASTIDE; MACHADO, 1987, p. XIV). A consequéncia natural do surgimento da linguagem, de acordo com os ftos de Rousseau, € 0 desenvolvimento da razdo humana; hé um mo- ento de conversio, em que a razio mais primitiva (emocional e sensiti- mas também violenta) se transmuta em razo intelectual, advinda da onfluéncia das faculdades humanas. Para Rousseau, a linguagem est no tro de todas essas transformagies e a base de suas ideias expressas no saio acerca da linguagem primitiva da conta de que “Nao se comegou ra- ‘Giocinando, mas sentindo” (ROUSSEAU, 1973 [1781], p. 169). Em seguida, ‘por intermédio da linguagem, “|...] 0 adversario do discurso, o homem da ‘violencia 6, por assim dizer, desarmado e conquistado, transportado, contra 2 vontade, para o universo do ‘razoavel” (PRADO JUNIOR, 2008, p. 85). A associagao da origem da linguagem as paixées leva a duas consequén-

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