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(0 CALCANHAR METODOLOGICO DA CIENCIA POLITICA NO BRASIL Glixicio try Dillon Soares Introdugio Aciéncia politica no Brasil enfrenta um periode difieil, no qual a produ¢ao de pro fissionais e de pesquisas anda na contramao da historia, Ha uma certa hostilidade em relacdo aos métodos quantitativos e a estatistica: porém, seu lugar niio foi ocu- pado por métodos qualitativos rigorosos, e sim por uma auséncia de métodos e de rigor. Alguns reagiram contra essa vocagdo com rejeicao a tudo 0 que nao fosse quantitativo, como se a ciéneia politica s6 comecasse com uma equagao de regres- sao miulltipla. O repudlio aos métodos qualitatives nao foi feito pos o exame deta Ihado desses métodos, mas aprioristicamente — tudo o que nao fosse quantitative era classificado, automaticamente, como nao-cientifico. O afastamento entre a cigncia politica ea antropologia foi uma conseqéncia desse reptidio e, também. da rejaiedo em sentido contriric. Taagepera (2001) sugere que a cigncia politica recebe influéncias da economia e da sociologia, um pouco menos da psicologia e da filoso- fia, e quase nada da antropologia. O desconhecimento dos métodos qualitativos mais rigorosos também & ca- racteristico daqueles que se definem como “qualitativos” simplesmente por oposi- do # “quantitativos”. No entanto, “qualitativos” eles nao s%o, porque ndo usam ‘métodos qualitativos. Sao apenas nao-quantitativos ow anti-quantitativos, As deficiéncias na formagao metodologica podem ser notadas no exame de li- ‘vros, artigos, teses e dissertagdes, Como a situagdo da ciéneia politica é similar ada sociologia, podemos usar alguns levantamentos feitos nesta tltima area, Nelson do Valle Silva (1999) fez uma excelente avaliacdo da disciplina* Talvez a melhor forma de avaliar a situagao atual da produgao quantitativa em eién- cias sociais seja atraves do exame dos artigos publicados na Revista Brasileira de Cifn- las Sociats (RBCS), editada pela Associagdo Nacional de Pos-Graduagto ¢ Pesquisa em Cifncias Soeiais (Amposs), érgao que congrega todos os programas de pés-gra- uagao em sociologia, antropologia e ciéneia politica do pais. Assim, & a publicagao ‘que melhor expressa a produto académica dominante, Observe-se que o exame das demais publicagoes indexadas, tais como a Dades ou a Lua Nova, prochizem wm qua- dro muito semelhante. A RBCS comesou a ser publicada em 1985 ¢ nestes 13 anos ja aleangou 39 atimeros, totalizando 308 artigos. (Valle Silva, 1999: 4) 1 Ecce autor dena clara a cua divida com or trabathos de Neleon do Ville Silva, Edmurida ‘Campos, Wemeck Vianna e outros, bem como de Fabio Wanderley Reis na apreciagto da pprochigho brasileira nas cincins poitieas © socnis, SOCIOLOGIA, PROBLEMAS EPRATICAS. "48, 206596: 28 lis AyD soue ‘Valle Silva classificou os trabalhos em trés grupos. Dos 308 artigos, 85% naotinham qualquer quantificagao: 13% tinham, apenas, distribuigdes de frequéncias, e so- mente oifo artigos, menos de 3%, tinbam alguma anilise, O nivel da formagao me- todolégiea com que nossos programas equipam seus pos-graduandos se reflete na observagio de Valle Silva: Alidentifiengto dos autores dos oito artigos que apresentam alguma anélise quantita- tiva propriamente dita também ¢ bastante elueldativa ...) dos osautores, com exce- 80 de Claudio Beato (que fez doutorado no Iuper)). ou fizeram alguma 1p0s-graduagao nos Estados Unidos ousto professores de universidades norte-ameri- cans. (idem: §) Talvez a selegao de revistas tenha criado um viés. Minha inspegao visual de Dados e de Opinito Plica (OP) sagere que elas tom mais artigos com algumia quantificagio eanalise do que a RBCS e a Lua Nova, Examinei sete nimeros recentes de Qpinidio Piblica, ou 39 artigos, Desses, 28 (722s) vsacaim, pelo menos, perventagens 74%6 apresentaram informacdo usando alguma forma tabular? 28% usaram graficos: 20% usaram algum tipo de analise estatistica simples (x2: correlagdes bivariatas tte.) edez autores (26%) usarai andlises mais complexas. Poréim, desses dez auto- res nove eram estratigeiros ou haviam feito sua carrera fora doBrasil.A parti des- senivel de sofisticagao estatistica, so rarissimos os trabalhos de cientistas politicos (esocislogoe) brasileizo.E possivelquea OP eseia reunindo os trabalhos dos cien- tistas politicos e sociais com vocagao quantitativa, Nessa revista, 0 ponto de corte é ‘mais acima, localizado nas andes multivariadas com algum grau de complexida- de Ha, tambeun, perspectivas promissoras, como a recem-criada Revista Brasileira de Ciéncia Politica ea revista eletrénica Empiria, dedicada a pesquisa nas ciéncias po- liticase sociais. Amabas esto em fase preparatéria. Porém, comio bem sugeriu Valle Silva em comnieagdo pessoal, ha muitasrevistas provincianas, instinuclonais, que sho muito piores Infelizmente, hé outras bases de dados que nAo justficam qualquer otimis- mo. As teses ¢ dissertagdes confirmam o pessimismo de Valle Silva. Maria Helena Santos e Marcelo Coutinho (2000) analisaram 955 teses defendidas entre 1985 ¢ 2000, buscando estudos comparados, Concluiram que “nos dez centros de p6s-gra- duagiio da area da Capes de ciéncia politica, entendendo-se por comparados os es- tudos que analisaia mais de dois paises", somente 3% usavam essa perspectiva e, entre eles, nenfum usava dados quantitatives Diga-se de passagem que. embora esse problema seja mais grave no Brasil, ele também exist fora do pals: em wim survey dos artigas publicados em Conpararnve Political Studies e Comparative Politics entre 1968 € 1981, 62% eram estudos de caso de tm tinico pais (Landman, 2008), ‘Werneck Viana © ontos (1998) aualisaram41l teses de douorado defendidas entre 1990 e 1997 e concluiram que apenas 3% utilizaram métodos quantitativos, A 2 Sutlino 6 pouce uso de tabelas para sistematizar aniisestebricas SOCIOLOGIA, PROBLEMAS EPRATICAS. "48, 206596: OCALCANHAR NErODELOGICODACIENCIAPALIICANORASH. 29 importancia do taper) nesse quadro se evidencia a partir do fato de que sete das 13 teses que usavam métodos quantitatives foram defendidas nessa instinuigdo. Po- rei, proprio luper, easas sete teses representam menos de 10% do total, Na USP, institigio com forte tradigao te6rica, mas, atérecentemente, notoria debilidadena rea quantitativa, duas das 145 teses (pouco mais de 1% do total) tinham carter quantitative, E sabido que a USP ¢ a tniversidade que mais produzin mestres doutores naseiéncias politicasesociais, senda responsével por quatro emcada dez teses defendidas no Brasil. Muits desses araduados esti reproduzindo esse pa- drao metodologicamente deficiente em outrasinstituigdes. Ainda que, nas iltimas duas décadas, algumas instituigdes, como a UFMG, a UnB, a UFRGS ea UFPe, en- te outras, fenham elevado o atiero ea qualidade dos sets graduados, a USP eo Tuperj continuam dominando o cenério nacional? Fabio Wanderley Reis também sublinhow a precariedade do ensino de téeni- cat de pecquisa e de método: quantitativos na USP e no Iupes} Emibora as listas de disciplinas ministradas como obrigaterias nos diferentes progra- ‘mas em geral incluam alguma diseiplina de metodologia, os dois programas de maior vsibilidace¢ prestigio nos campos da sociologia e da cigncia politica, isto é, o da Uni versidade de S10 Paulo e o do Tuper} no Rio de Janeiro, no tém inetuldo essa discipli- ‘na no curriculum exigido dos estudantes. No caso dos programas da USPa situagto é inequivoca, nto tendo havido mnea a oferta regular de metodologia entendida como isciplina fundamental e obrigatéria (d-se,aliés, a curiosidade de que (...) “méto- dos” nao constitui uma diseiplina obrigat6ria, na USP, tampouco no caso do progra- ma de antropologia, onde supostamente ela teria uma feieao especial). Quanto ao Tuper asituasto¢ mais confusa eoscilante, com momentos de énfase no Weinamento metodologieo ¢ outros em que, por exemplo, talvez exista acxigencia de metodologia ‘emum dos programas (ciéacia politica), mas nao no outro (sosiologia),E certo, contu- do, que. énfase em metodologia fol pequena, no luper),no periodo recente, ea dise plina nae vinha sendo oferecida com regularidade como diseiplina obrigatoria Reis, 1993: 5) Asociologia, talvez mais que a ciéncia politica, abracou uma perspectiva “qualita tiva”, mas muitos trabalhos ditos qualitativos 40, apenas, trabalhos no-quantita- tivos, Muitos se esquecem que hd métodos qualitatives rigorosos, ¢ confundem ensais- mo com trabalhos que usam mérodos qualitativos. Deixaram origor que deve existiz na antropologia e a tradiedo de pesquisa de campo na ilusdo de que, nie sendo quantitativos, seus trabalhos seriam antropolégicos... Werneck Vianna e colabora- dores excetnamas teses de antropologia, salientando que, nas demais ciéncias poli- ticas ¢ sociais, essas tradigdes nao existem, Esses autores destacam o “eleva custo da realizagao de surveys (...) especi- ficamente projetados para as necessidades de uma tese de doutorado”. Arguta- mente, sublinham que “a presenga marginal dos métodos quantitativos nas teses, 3 Esta uma constatayao e no um juizo de valor SOCIOLOGIA, PROBLEMAS EPRATICAS. "48, 206596: 20 lis AyD soue de cigncias sociais nao pode ser exclusivamente atribuida a falta de recursos, suge- rindo, igualmente, a inexisténcia de um treinamento especifico, desde os cursos de graduagao, para este tipo de experimento” (Vianna e outros, 1998: 486), Os autores lembram as PNADs, mas ha muito mais que isso: somente o CESOP, da Unicamp. & ‘um portal de entrada para | 800 pesquisas produzidas a partir de 1986, Ha um mi mero gigantesco de bases de dados disponiveis pela internet, dentro e fora do Bra- sil (muito mais fora do que dentro). Diferentemente das décadas de 1960, 1970 & 1980, nfo é por falta de dados que nao se produzem teses e dissertagdes empiricas © quantitativas, Esse é um problema que vem sendo discutido ha tempos e uma solugo que também vem sendo proposta em diferentes paises. As virtudes do treinamento de estudantes em métodos e téenicas quantitativas, usando dados secundarios ou co- letando seus préprios dados, foram discutidas na Gra-Bretanha, onde a questo preocupa analistas de disciplinas correlatas. Williams, Collett e Rice (2004) estuda- ram universidades em que a sociologia era um single honours degree através de en- twevistas feitas de dezembro de 2002.amarco de 2003, Oitenta e dois departamentos formaram, e um survey entre professores incluiu a seguinte questo: Deverdo oz estudantes realizar as suse préprias recolhas de informasdo ou usar dados 2e- curedirtos? A maioria dos participantes pensava que levar osestudantes a conduzir ‘5 s2us proprios projetos é um bom ponte de partida para ensinar métodos quanti- tativos. E importante para os alunos elhes da a possibilidade de adquisir experién- cia acerea do processo de eonduzir a investigasa0. Todos os aspectos da pesquisa, ensinados por médulos, surgem, assim. interligados. Contudo, reeonheeeu-se que 0s dados secundarios deviam ser usados para ensinar métodos quantitatives em maior profundidade. Os dacios secundiarios sto baseados em amostras representa- tivas e grandes quantidades de casos, Se pretende-se ensinar técnicas estatisticas nis sofisticadas (isto 4, regressao ete.), #aconselhado uso de amostras mais am- plas ede bos qualidade, Adicionalmente, uma parte central da sociologia e da pes- quisa social assenta na investigagao do que as pessoas fazem. E essencial que 0s alunos se familiarizem com as grandes bases de dados sosiologicos disponiveis (istoé, os Census, o British Household Panel Study, o General Household Survey. 0 Labour Force Survey, o British Attitudes Survey). Os estudantes devem também ter a oportunidade de se familiarizar com os modos como os dados secundatios sao recolhidos e como se acede a eles, Foi discutido que a questo essencial para o usode dados secundatios ¢ que sejam sepresentativos e tenham significado, Existe ‘uma grande quantidade de foutes seeundarias apelativas para os estudantes, Por exemplo, os recursos inclem SECOS (Statistics for Education), que contem dados dda maior parte dos inquéritos governamentais e¢ dirigido aos alunos de licenela- ‘ura, Também o programa de métodos de pesquisa ESRC reuniu séries experimen- tais com base em dados secundarios, para o ensino de metodas de investigaga0 uantitativa a alunos de licenciatura. Houve, também, uma anilise de conte’ido com preocupacio metodologica de 244 artigos publicados nos principais jornais ¢ 102 trabalhos apresentados SOCIOLOGIA, PROBLEMAS EPRATICAS. "48, 206596: OCALCANHAR NErODELOGICODACIENCIAPALIICANORASH. a Prnciios retodtigcos C FenSmenos humans ‘’) ‘CRs pottnas 6 soem fo erentemente ofeentes des demas Tada quanaanes sao "mmperaisias ‘varios oures arguments Figura 1 Uniaacee stereciace ae ponepios metaolégcaee seus pos Conferéncia da British Sociological Association do ano 2000.’ A anélise das revistas mostrou que 38% das artigos nao eram empiricos, 41% usavam métodos qualitati- vose 15% usavam métodos quantitatives. Outros 7% combinavam métodos quan- titativos e qualitativos. Pior, talvez: quase metade dos que usavam métodos quan- titativos se limitavam a estatisticas univariadas. Sao resultados bem superiores aos dias teses e dissertagdes brasileiras e aos da RBCS e Lua Nova, mas muito abaixo das cifras encontradas em revistas americanas e nordicas, © papel dos métodos quantitativos nos jornais pode assumir contornos radi- cais: a descrigdo do Japanese Journal of Political Science enfatiza a qualidade dos arti- ‘gos que os usam: “artigos sobre pesquisas empirieas quantitativas so, sem exce- a0, de um nivel de qualidade superior” (ver a descrigao no Times Higher Education ‘Supplement A metodologia politica (politteal methodology) & reconhecida pela American Political Science Association como um campo de direito proprio. Emcontrastecom © panorama no Brasil, hoje é o quarto GT mais numeroso da APSA, com mais de sciscentos membros, O objetivo desse grupo ¢ consideravelmente mais ambicioso do que o propasto no Brasil: nao fala do uso de métodos quantitativos, mas de seu estudo e desenvolvimente. Apolémica no Brasil é consideravelmente mais “primitiva”. Houve um mo- mento em quea revolta contra o método levou alguns a afirmagao de que os fend- menos politicos e sociais nao eram passiveis do mesmo tratamento rigoroso dados ‘205 fendmenos das ciéncias exatas e naturals, © esquema da figura 1 ilustra as prin- cipais posigdes baseadas na diferenciacto metodologica intrinseca 4 Principais jomais: Socioogy, Brtch Journal of Sociology, Sociological Review, Sociological Research bn ling Nemneros adscionats de IVark Emplyynane cord Sooty (VES), SOCIOLOGIA, PROBLEMAS EPRATICAS. "48, 206596: Fabio Wanderley Reis descreve a superacao dessa posigao: ..) mas também de uma ciéncia de vocagao decididamente teérica e nomol6gica, empenhada na obtengto de uum conkiecimento passivel de ser fortmulado em termos genéricos e articulado em sistemas abstratos, No que se refere a maneira de conseber as relagoes entre as ciéucias sociais ¢ as cifusias exatas ou natuais, essa perspectiva sustenta que o método cientifio ¢ inequivocamente aplicavel ao campo dos fendme- ‘nos humanos e sociais. Ela se opde elaramente, assim. a idéia da contraposieao inevi- tavel entre “duas culturas”, uma hmanista eoutra cientifica.e se coloca em favor da suposiso de afinidade entre as ciencias naturais e sosiais quanto aos problemas basi- 05 do métode, tomada a expressao como dizendo respeito aos fundamentos légicos ‘da aceitagao on rejeigto de hipteses au teorias. (Reis, 1993: 3) Nao obstante, como bem recordou Octavio Amorim, ha pessoas que ainda acredi- tam que os métodos quantitativos so intrinsecamente imperialistas. Trata-se de um absurdo infelizmente endossado por pessoas bem posicionadas em institui- Bes de financiamento de pesquisa. Ha um debate sobre se financiamento faz diferenga no que concerne aos tipos de miétodos e técnicas usados nas pesquisas. Nos Estados Unidos, em particular, se afirma que o exeseimento do uso de métodos quantitatives se deve ao finaneiamento para pesquisas. Porém, Jennifer Platt (1996), da Universidade de Sussex, na Inglaterra, comparau os trabalhos financiados eos nao financiados, e conchuiu que a tendéncia a usar mais métodos quantitativos era crescente e semelhante tanto nuns quanto nowtro. Propor que existe um desequilibrio na formago de cientistas politicos e na ‘sua produgdo, que tem relegado o estudoeo uso de técnicase métodos mais rigoro- 505, seia quantitativos seja qualitativos, nao deve conduzir o leitor a fazer inferéncias sobre a arientago tedrica de quem as propde. Ha importantes difereneas entre os distintos grupos atitudinaisem relagdo a0 uso de métodos qualitativos. Porém, muitos se proclamam adeptos de métodos qualitativos, enquanto poucos os estudam. A negacao da utilidade das métodos qualirativos acarreta um prego profissional no Brasil; por isso, muitos pagam um. tributo simbélico ao seu uso, Considero que hi trés posigdes freatientes: — — adosquenaousam, nem pretendem usar (posigao que inclui subtipos, como; os que rejeitam o= métodos:o: que nao ce centem somipeteates para séloe: os que traba- tham com problemas mais facilmente trativeis com métodos quantitatives, 08 que dizem que 05 aceitam mas, de fato. adotam uma atitude cética em relagiio a eles): — aos que se definem como “qualitarivos” simplesmente porque rejeitam a quantificagao, incluindo os que nfo pesquisam; — dos quetsammétodos qualitativos. Esses podem ser divididos entreos que 6 fazem porque s40 métodos dominantes na disciplina (como no caso da an- tropologia) e os demais, Os usuarios também podem ser divididos entre os «que simplesmeate usam o: métodos, maz nfo 0: diseutem. nem seus proble- mas ou aperfeigoamentos, 0s que demonstram conhecimento mais profan- do do métoda em si. SOCIOLOGIA, PROBLEMAS EPRATICAS. "48, 206596: OCALCANHAR NErODELOGICODACIENCIAPALIICANORASH. 3 Uso ae métogos quattavos “Acha que no usando No usa nem rmetodos quantiatves usa| | Usados pretondo usar metodo qultatves qualatves L L Gomepared | [Sem que sem trangsoda tea _| braces ca come 3 arepoogia] Dect a meocioga, ca botografa, use Figura? erspectuas no uso de métodos quaitannos ‘Quacro 1A populancace oe teens e metoaos quatnatves(nimero oe tes) Teenicas emétodos Motores de busca Googie (Geogie Senor "ane ‘Siupos focal | 3.420000 25.500 2.060 000 Enevisias tocalzaaas 70500 532 2130, ‘Shservapto parepanie 179000 ees 12000 Etnograta 1.930.000 38500 795.000, ‘Analne cortet00 727000 $4200 223.000 ota: nusea de expresses, rm pfs, exataments come datlogratas, ou se, ‘alse de conten” © nfo ‘apressbes que sassem “anase" comtto (uso é apenas um passo no trato de métodos qualitativos. Os antropéloges (que pesquisam) usam corriqueiramente métodos e técnicas qualitativas. Porém, uma coisa ¢0 uso ¢ outra o estudo mais profundo, Quando um autor, além de usé-los, discute atualizacdes ¢ desenvolvimentos nos métodos, citando bibliografia rele- vante, galga alguas furos. Ha uma discussio viva, ativa e eriativa sobre métodos qualitativos que inclui muitos sites e listservers. Nao se trata apenas de “métodos qualitativos” em geral, dos quaisha muitos, mas de sites sobre andlise de contetido, grupos focais, etografias, observagio participante etc. E algo semelhante ao usua- rio de métodos quantitativos que discute a aplicagao de uma técnica estatistica a0 problema em questo e que demonstra conhecer a literatura sobre a técnica ‘Uma pesquisa nos sites de busca da internet nos da uma idéia da extensio dos trabalhos publicados e dos grupos de estudo (quadro 1). Os dados do quadro 1 mostram que métados e téenieas qualitativas so comuns, seado usados mundo afora, com manuais, livros, artigos, centros, sites, grupos de traballio e muito mais. SOCIOLOGIA, PROBLEMAS EPRATICAS. "48, 206596: 4 lis AyD soue Nao se rechizem a caricatura que tantos ensaistas usam: métodos que incluem tudo ‘oque nao é quantitativo, mas que nao t&m regras proprias. Nao sto apenas “tudoo que no ¢ quantitativo", e sim métodos de direito proprio. O Google Scholar, que se limita a trabalhos acadamicos, nos conduza milhares de entries em cada eategoria, exceto a de entrevistas focalizadas, das quais, nao obstante, apresentava mais de quinhentas! A falsa oposicao entre quantitative e qualitative Afalsa oposigdo entre “quantitativo” e “qualitative” esta sendo assaltada por dois, ‘novos flancas: o primeiro ver da diversificagto de fontes. dados e informagdes. A informag&io qualitativa era, essencialmente, verbal e eserita em papel, seja na ori- gem, seja apés transcri¢o. As entrevistas, em suas varias formas, eram transeritas: 05 documentos, instrumentos quase exclusives dos historiadores, j4 chegavam es- critos. A diversificacdo reflete o crescimento de dados visuais, sonoros e audiovi- suais. A televisio © o cinema geraram um novo campo comum, trabalhado por muitas disciplinas. O outro flanco vem com o desenvolvimento de harchvares © softwares capazes de lidar com grandes massas de dados, inclusive escritos. Hoje, pesquisadores “quantitatives” trabalham com bases de dados que anteriormente eram provincia exclusivamente qualitativa. Essa modificagao levou muitos pesquisadores a diversificar seus proprios métodos, ¢ um bom programa de formagiio de pesquisadores deve incluir metodos cada vez mais diversificados. A existéncia de programas de codificagdo de textos & de imagens, assim como sna crescente disponibilizacao através da internet, trans- formaram em realidade pesquisas que antes cram impossiveis device ao alto cus- to. A criagdo de bibliotecas de documentos escaneados e disponiveis abriu novas ‘areas de pesquisa. A difusdio das novas possibilidades de andlise de conteiido, por exemplo, esta muito atris da sua disponibilidade, Existem dados, técnicas e pro- gramas que, no entanto, ndo sao conhecidos por muitos professores e por seus alu- nos. Hoje, a analise do contetido de discursos, projetos de lei, noticiarios ete. pode ser feita por um estudante de pés-graduaco no conforto de sua casa. ‘Medidas paliativas para uma formacao deficiente ‘Uma conseqiténcia da pobreza da formagio metodolégica nos cursos regulares de clencias politicas e sociais no Brasil é 0 sucesso do MQ (métodas quantitativos).O MQéumexeelente curso organizado pela FAFICH, da UFMG, comeertainfluéncia do curso oferecido no verao, em Ann Arbor, Michigan, com o qual o MQ mantém uma ativa vinculacao. Ja passaram pelo MQ cerca de quinhentos alunos de todo 0 ais, a maioria de pés-graduagao ou recém-formacios em ciéneia politica e sociolo- gia OMQ faz umtrabalhio competente, mas sua curta duragao, de seisasetesema- nas (em 2004 comecou em 27 de junho, terminando em 6 de agosto), impede que substitua adequadamente dois cursos com a duragio de um ano cada, como SOCIOLOGIA, PROBLEMAS EPRATICAS. "48, 206596: OCALCANHAR NErODELOGICODACIENCIAPALIICANORASH. 35 deveria ser. Nao obstante, como me lembrou Nelson do Valle Silva, devido ao seu carater intensivo, vale 45 eréditos ou o equivalente a um curso completo. ‘A historia desse programa contribui para o entendimento das dificuldades da- queles que se propdem a formar pesquisadores em cigncias politicas e sociais no Brasil.‘ treinamento em métodos quantitativos da UFMG é ofertado pelo doutorado em sociologia e politica da FAFICH. Houve resisténcia (suponho que parcialmente bu- rocritica) a0 reconhecimento dos eréditos pelas outras universidades, # 0 caminho unais fic foi vincular 0 programa ao doutorado. O MQ possui uma parte interna que compreende dois anos de treinamento dividido em dois ramos, um vinculado a um survey da regitio metropolitana de Belo Horizonte, ¢ outro sobre andlise de dados, que chega até regressto nultipla e andlise de dadios categoricos. As demais téenicas s40 apreendidas no MQ na sua vertente externa. A despeito da sua excelancia, o MQ até hoje no conta com financiamento regular da Capes nem do CNPa, Precisamos de um programa semelhante para o aperfeigoamento dos profes- sores ¢ estudiantes em métodos qualitarivas, o que certamente contribuira para ele- var o padrao das exigéncias feitas a quem pretender estar usando métodos qualitati- ‘vos em suia pesquisa e no, apenas, estar escrevendo um ensaio. O isolamento, a interdiseiplinaridade e a perda de espacos Ha duas sérias conseqiiéncias da reticéncia em pesquisar empiricamente temas re- lacionados ao pais — cisolamento da ciéncia politica e da sociologia em relaco a disciplinas que a) fazem pesquisas empiricas ¢ b) fazem pesquisas sobre o pais, O isolamento ¢ notério em relagdo 4 economia, a demografia e a satide publica e coletiva. Como regra, os cientistas politicas e socidlogos deseonhecem o que é produ- zido nessas disciplinas e vice-versa: — _aperda de espaco, seja tematico, seja junto as agéncias financiadaras de pes- quisas, Areas tradicionalmente reservadas as ciéncias politicas e sociais, comp a criminologia, o estudo da violencia, do homicidio, do suicidio, das 2- lacdes raciais, da desigualdade, da familia, entre outras, talvez sejam, hoje, mais estudadas fora do que dentro delas, exatamente devido a perda de com- petitividade dos mestres e doutores que, infelizmente, recebem seus graus semestarem eapacitados para realizar pesquisa. Nao satisiazem a demanda (em alguns casos, o clamor popular), ¢ profissionais de outras areas sio cha- mados para fazer o que cientistas politicos sociologos nao fazem. Um problema importante relacionado & auséncia de padrdes metolégicos minimos 2 perda de uma area comum, interdisciplinar. Nao é dificil para um cientista 5 OMQse orienta para hunos de pés-praduardo profersores/pesquisadores 6 Agradeso aNeuma Aguiar mustasinformacges ecorresdes SOCIOLOGIA, PROBLEMAS EPRATICAS. "48, 206596: 36 lis AyD soue politico treinado em métodos quantitatives entender a metodologia usada nas pes- quisas em outras areas, como sociologia, satide publica, economia, demografia, psiquiatria etc. Porém, sem uma formagao metodolégica minima, muitos cientistas politicos (e sociais) nfo conseguem sequer Jer muitos trabalhos dessas areas. Pior: nao conseguem ler muitas obras de cigncia politica, particularmente artigos e rela- torios de pesquisa que usam métodos quantitativos. Isso cria uma ampla area de acesso proibido para essas pessoas, um interdit metodologico, que as obriga a bus- car refiigio em campos cada vez mais distantes das pesquisas empiricas. Contraria- mente ao mito, essa incompeténcia nao afasta os cientistas dos trabalhos publica- dos apenas nos Estados Unidos, mas também em muitos outros paises. Ficam fora das pesquisas mais complexas associadas com o European Consortium for Politi- cal Research e, também, das pesquisas realizadas em muitas outras instituicdes & regides. Ainda que se faa a opgao de nao usar essas técnicas, & necessario poder ler corretamente os trabalhos que as usam. Publicar em revistas profissionalmente prestigiosas ¢um projeto muito ambi- cioso, porque a probabilidade de aceitacdo € muito pequena. Surpreende que tio pouces cientistas politicos e sociais brasileiros teaham publicado em revistas “in- ternacionais” de prestigio, mas ha boas razSes para isso. Todos os cientistas politi- cos e sociais ficamios de fora das revistas publicadas em outros paises, em maior ou menor medida. Para entender 0 porqué disso é preciso saber o que as revistas publicam e re- jeitam. O exame de trés revistas feita por Pippa Norris (1997) revela alguns dados surpreendentes: do ponto de vista metodologico, comparativamente com 0 E/PR e com Political Saidies, a APSR publica poucos artigos de tipo deseritivo e institucio- nal. 0 £1PR publica, percentualmente, tantos artigos empiricos # comportamentais, quantoa.4PSR (aproximadamente a metade do total de artigos), a0 passo que Poli- tical Studies publica consideravelmente menos. Jé 03 estudes que Norris ehamou de filoséfieos/eoneeituais representam uma percentagem bem menor no E/PR do que na APSR. Esses estudos, juntamente com os descritivos e institucionais, represen- tamcerca de quatro de cada cinco artigos publicados em Political Studies. O que di- ferencia a 4PSR das duas revistas européias so 0s artigos de tipo dedutivo ou ba- seados na escolha racional, que representam aproximadamente um em cada qua- tona APSR. ao passo que nos dois jornais europeusacifra esta proxima deum em. cada vinte. No que concerne ao contetico, as teorias normativas caracterizam Poli- ‘ical Studies (mnais de wm em cada tés), um em cada seis artigos da 4PSR e quase zero dos artigos publicados no E/PR. Previsivelmente, ha poucos artigos em Politi- cal Studies sobre partidos, eleigdes e opinido publica, que representam mais da me- tade dos publicados no E/PR e quatro em cada dez dos publicados na APSR. Essas diferengas talvez reflitam outras disparidades nos paradigmas dominantes em cada revista, Evidentemente, enviar um bom artigo para a revista “errada” reduza probabilidade de aceitacao. E preciso saber o que elas privilegiam, ‘Quem publica nessas revistas? Mesmo as revistas que desfrutam de presti gio internacional sao orientadas para os cientistas de seu proprio pais. Na 4PSR, a percentagem é muito alta: os eientistas politicos baseados nos Estados Unidos re- presentam 95%, 94% © 97% do total, nas décadas de 1970, 1980 e 1990, SOCIOLOGIA, PROBLEMAS EPRATICAS. "48, 206596: OCALCANHAR NErODELOGICODACIENCIAPALIICANORASH. 7 ‘urate 2 Fesspectvas metodetgicas dos membros 6a conité edoral ea ASR, 1976-2000 (em petceniagem) imewootgia commas] ‘ano 1976 1986 1996 2000) Gusti Fa 2 Pa 2 ventas ie 2 7% 5 Nie ietermnsas 8 S 2 = respectivamente. O Z/PR comegou com percentagens igualmente altas de cientis- tas politicos que trabalhavai em instituigdes européias, mas 0 crescimento do seu prestigio aumentow a participagao de americas e conadenses de 6% para 13%, posteriormente, para 20%, Menos de 3% dos autores estavam sediados no “resto donmndo™ que, espero que saibam, incluio Brasil.” J4 Political Studies temuma par- ticipagao de autores um pouco mais diversficada. Europeus respondem, aproxi- madamente, por dois de cada trés artigos. O estilo de trabalho também parece estar smtidando:erescea proporeaede artigos com mais dewmautorna PSRe, sobrett- do, no EIPR. Creio que o erescimento dos trabalhos em co-autoria se deve A eres- cente interagao entre cientistas politicos europeus de mais de um pais. E importante ser realista a respeito do interesse pelo Brasil nessas ts revis- tas: toda a América do Sul ea América Central representam /% dos artigos publica- dos nelas e a Africa outro I ‘Acredito que a composigto metodologica cos comites editovias influencia otipo de artigo que é aceito ¢ publicado. Obtive dados sobre o comité editorial da Ame- risan Sociological Review (quaadto 2), ‘A preponderineia de membros com orientagio quantitativa é clara, mas a orientagao qualitativa esta bem representada: houve um aumento significativo em 2000, Nao foi por acaso:o presidente da ASA.em 2000 foi oe R Feagin, da Universi- dade da Florida, militante defensor de métodos qualitativos e critico dos “excessos quantitativos". © aumente foi, em certo sentido, uma reagio & posicdo do seu pre- decessor, Alejandro Portes (1999), considerade “quantitativista™. Dec sas informagdes para demonstrar que a orientagao de um jornal ou de uma discipli- nani um “acidente da narureza”, maz um fendmeno covial com dimensées poli reas, no sentido de que refletem, em alguma medida, estrutaras de poder no nivel editorial das revistas e das associagdes profissionais. ‘Uma diferenga entre a.4?°SReas revistas brasileiras no que se refere a0s pro- gramas e critérios de selegao é a preocupacao da APSR com a representacdo de orientaydes minoritias, Nessa revista ha um predominio quantitative, mas os qualitatives representaram, na média, um em cada quatro membros do comite liincluires- Aronia se justfica, dado o desinteresse eo derconbecimenta, em nosso paie do que se prods fora da Europa Ocidentale da América do Norte. SOCIOLOGIA, PROBLEMAS EPRATICAS. "48, 206596: 38 lis AyD soue editorial. A 4PSR publica nmitos artigas com orientacao divergente da dominante. Infelizmente, 0 quadro no Brasil tende a exclusdo dos trabalhos quantitativos, como demonstraram pesquisadores sérios, tais como Nelson do Valle Silva, ‘Werneck Vianna e outros, e Fabio Wanderley Reis. Os dados desses pesquisadares, refletem uma exclusio quase completa dos pesquisadores com orientagiio quanti- tativa: uma coisa é ter entre 20% e.40% de trabalios dedicados as orientagdes mino- ritarias: outra, muito diferente, é ter apenas 3%. Alienacao e colonialismo teérico (Outra earacteristica da ciancia politica (e, também, da sociologia) no Brasil a des- vinculagdo em relagdo & América Latina e ao Terceiro Mundo, Umexame das leitu- as dos cursos oferecidas nos principais centros de pés-graduagao mostra a ausén- cia quase total de referencias a autores latino-americanos e dos demais paises do Tereeiro Mundo. ‘Umaanalise das leituras feitas nos cursos e seminétios oferecides na pos-gra- ‘duagao em ciéncia politica ¢sociologia do centro que éconsiderado o “mais empiri- co” do pais demonstra que os autores mais recomendados née sd pesquisadorese, muito menos, do Terceiro Mundo. A leitura de livros e, sobretudo, de artigos que relatam pesquisas criativas é uma importante forma de aprendizagem — ensina com analisar e organizar dados. Essas leituras esto quase ausentes, sendo su- plantadas por autores “cldssicos” e autores da moda. Habermas, Weber, Marx, Diirkheim e Bourdieu lideravam as leituras. Havia mais leituras de Habermas exi- gidas do que de todos os autores brasileizas somados. © Terceito Mundo nao existe nas leituras feitas na pos-zraduago em ciéncia politica no Brasil. O nico autor do ‘Terceiro Mundo que encontrei foi Amartya Kumar Sen, Prémio Nobel de Economia de 1998. Nao ha referéncias a cientistas politicos e sociais da Améria Latina, nem dos demais paises do Tereeiro Mundo, Em reuniao da congregacao de uma iinstituicao de pés-graduagao, inquiridos arespeito do porqué da nao inclusto de latino-americanos (perguntaque foi segui- da por uma farta lista de noms de destacados cientistas politicos e sociais), 0s pro fessores honestamente disseram nio conhec?-los. Nao é dificil concluir que a teos que se ensina uma teoria gerada e desenvolvida nos paises industriais. Os profes- sores de teoria, que, em sua maioria, nao fazem pesquisas empiticas, usam wm ar- senal tedrico e conceitual gerado nas sociedades industeiais, ex-poténcias coloniais, e atuais poténcias imperialistas e sub-imperialistas. Pensam o Brasil a partir de coneeitos e categorias criados para descrever fendmenos de paises industriais; nao, pensam a partir de conceitos elaborados para deserever fenémenos do Brasil ou de paises estruturalmente semelhantes. A isso eu chamo de colonialismo teorice. Tal colonialismo é muito podetoso ese expressa na total incapacidade de pensar o pais, a partir da sua propria légica, por parte de cientistas politicos e sociais que sentem 8 No uperj hi quate referéncias a A. Sen SOCIOLOGIA, PROBLEMAS EPRATICAS. "48, 206596: OCALCANHAR NErODELOGICODACIENCIAPALIICANORASH. 9 nacessidade cognitiva de “traduzir” o Brasil em conceitos com os quais estejam fa- miliarizados. Como exemplo, cito uma conversa sobre o cambao com um colega marxista que estudou na Franca e que necessitava, para entender o cambio, pen- si-lo como a cone. Nos casos extremos de colonizaedo conceitual, os conceitos (descritivos ¢ ansliticos) gerados pela pesquisa no Brasil precisam ser “traduzi- dos” para um referencial j4 conhecido. ia, também, uma diferenca relevante entre oque muitos cientistas politicos e sociais entencem por “teoria””e o que se entende, por exemplo, na maioria das uni- versidades anglo-saxas, escandinavas e, crescentemente, nas demais institticoes ceuropéias em que ha importantes programas de pesquisas empirieas. Infelizmente, no Brasil as “teorias” se limitam a um cansativo cardapio requentado de “grandes, teérieos” ou, na melhor das hipoteses, de linhas tedrieas a eles associadas. Ironica- mente, alguns ja chamam de “os trés porquinhos” os autores mais tradicionais, (Marx, Diirkheime Weber). 0 ensino de teorias politicas e sociolégicas se concentra naleitura de auzores—sio teorias de quem endo de qué. Ainclusio nessa lista parece estar condicionada por: — ser europeu ocidental ¢, secundariamente, americano: — ter produzido ha muito tempo (nauitos jé faleceram), ¢ — ser de duvidosa relevancia para o Brasil contemporaineo, Deixo claro que levar em consideragao a pradugdo de cientistas politicos e sociais do Terceiro Mundo nao significa desqualiticar a produgao feita nos paises centrais. Estou plenamente consciente da afizmagao de Fabio Wanderley Reis, no sentido de que ‘uma ramificasao especial da questao & a da qualidade do trabalho executado pelos area specialises 00 coumimy spscialiets dos prdprios paises deseavolvidos em compara- 0 com os demais profissionais de cisneias sociais daqueles paises, e conseqttente- mente a do status de que ld desfrtam no sistema social das cincias sociais: trata-se laramente, em muitos easos, de profissionais de segunda categoria (nao obstante 0 prestigio de que costumam gozar em seu pals-tema, como certamente se dé n0 Brasil) (eis, 1993: 16) Nao obstante, tenho ampla experiéncia nas principais universidades norte-ameri- canase, além da possivel selecdo negativa a qual Fabio Reis se refere, ha um conhe- cido viés da academia americana contra 0s estudos regionais e de area. Visto que em varias universidades americanas que oferecem doutorados 0 aluno escalhe en- tre American e comparative studies, os estudos comparados comprimem especialis- tas em todos os paises do mundo —além de alguns especialistas na politica ameri- cana que fazem trabalhos comparados. O resultado ¢ que trabalhos sobre paises como 0 Brasil enviados para publicayao podem ser encaminhados a especialistas na América Central ou, como aconteceu com um artigo meu, a um especialista na Tailandia. Afinal, nao se tratando de American studies, éramos farinha do mesmo saco, senclo rotulados de comparative. SOCIOLOGIA, PROBLEMAS EPRATICAS. "48, 206596: 0 lis AyD soue Adiscussao que opée, erroneamente, a opedo entre padides internacionais de competéncia profissional ¢ provincianismo no tem, apenas, uma clivagem, Brasil/paises centrais, ou Terceiro Mundo/paises centrais ou, ainda, Terceiro ‘Mundo/Estados Unidos. Ha outras clivagens igualmente elaras e que receberam mais publicagées do que as mencionadas acima. Philippe C. Schmitter (2002), no polémico documento Seven (Disputable) Theses Concerning the Future af ‘Transatlanti- ised! ar ‘Globaiised! Political Sctence, diseute outras clivagens, como norte/sul, den- tro da propria Europa. Comeca criticando a tese dos padrdes profissionais, que descreve como “a ese da profissionalizacao: o mecanismo primério por detras des- te processo de convergéncia dificil mas irreversivel sera o da estandardizagao pro- fissional” (dem: 5). Schmitter, porém, coloca a tese da profissionalizacao (e as de- mais seis teses) no contexto do dominio hegemOnico da ciéncia politica “america na”,embora as vezesse refira a dominagao do norte da Europa ea posigao secund- ria que teria sido outorgada aos cientistas politicos do sul da Europa. Em sua écida critica de Goodin e Klingemann, afirma que esses autores esto manifestamente orgulhosos de qe menos de metade dos noscos 42 colaborada- tes tenham afiliagao nao-americana, Nao posso resistir a assinalat; contudo, que qua- 52 todos sejam norte-europeus (alemses, escandinavos on britanices) e que os dois {quent of (Mattei Doggan and Giandomenico Majone) tenham ambos passado ou estejam passando por breves permanéncias nos Estados Unidos. Tanto para a cigneia ppolitica quanto para os ciantistas politicos fora do circuito transatlantico, 0 ensaio pa-

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