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Ws Herpes simplex virus tipo 1 (HSV-1) Estrutura e ciclo replicativo O HSV-1 6 um virus envelopado, ou seja, 6 envolto por uma camada lipidica dupla com aproximadamente onze glicoproteinas incrustadas. Entre elas, nove encontram-se em sua forma glicosilada, sendo chamas de glicoproteinas (gB, gC, gD, gE, 9G, gH, gl, gl e gM). As glicoproteinas dispostas no envelope viral sao de suma importancia para a adsorgao ¢ entrada do virus na célula (SANTOS; ROMANOS; WIGG, 2015). Entre o envelope e 0 capsideo, ha um espago onde estdo mais de 20 proteinas es- séncias para a regulagao do seu ciclo replicative, denominado tegument. No passado 0 tegumento era descrito como uma camada amorfa, porém, estudos sugerem que este possui mais do que um papel meramente estrutural na particula viral. A VHS (virion host shut-off protein/VP22) e a a-TIF (a-trans-inducing factorlVP16) estao entre as proteinas encontra- das neste espago. A VHS atua na degradagao do RNAm da célula hospedeira dentro do citoplasma e a a-TIF participa da transcrigao de genes precoces de expresso imediata e a VIP-2, que é um dos componentes responsaveis pela liberagdo do DNA viral no nucleo da célula infectada, entre outras (KELLY et al., 2009). O capsideo do virus HSV-1 tem formato icosaedro e é composto de 162 capséme- ros, sendo 150 hexameros e 12 pentémeros. Sua particula quando completa, denominada virion, pode medir até 110 nm de diémetro ou até 225 nm se contar as espiculas glicopro- teicas encontradas no envelope. O capsideo é constituido de quatro proteinas virais (virion protein — VP) principais denominadas VPS, VP26, VP23, VP19C, codificadas pelos genes U,19, U,35, U,18 e U,38, respectivamente. No interior do capsideo, encontra-se o material genético do HSV-1, constituido de DNA fita dupla linear/simples (CUKHANOVA; KOROVINA; KOCHETKOV, 2014). 102 Infectolopa: bases epidemolopess ecliniess GY \ Figura 1. Esquema representativo da particula viral de HSV Giicoproteinas Envelope lipidico Capsiaeo “Tegumnento O ciclo replicative da familia Herpesviridae é litico e @ composto de sete etapas princi: pais: adsorgao, penetragao, desnudamento, replicagéo do DNA viral, montagem, empaco- tamento ¢ liberagao. Na adsorgao, o virus tem como objetivo encontrar a célula suscetivel através da ligagao das glicoproteinas do envelope com os receptores da membrana celular, como as glicosaminoglicanas. Apés a adsorgao as etapas de penetragao e desnudamento acontecem de forma complementar. Durante a penetragao na célula hospedeira, o virus perde seu envelope viral, pois este se funde com a membrana celular. Desta forma, so- mente 0 nucleocapsideo adentra o citoplasma da célula (SANTOS; ROMANOS; WIGG, 2015). No quadro 1, podemos observar quais sao as glicoproteinas associadas as primeiras etapas do ciclo replicativo do HSV-1 e suas principais fungées. Quadro 1.FungGes das glicoproteinas nas etapas de adsoredo e penetrarao ‘Gicoprotsina Gene eodieante Funeio fa uae Intoragir com os receptorescelulres(HS} formar uma gai rile reverse 8 u27 gorse » outros receptors (HVEM,nectinas 12 €340S HS) de um mado mals extvel e kreversve o ye LL ______S#teirwent _______—sf Tnigaroprocesso de snaizagSo desta igacto, recrutando as outras licoproteinas (a9, aH eat paca iniiaro process de uso ua7 a ua, Fundir envelope viral com 2 membrana celular a uz. fa us += teerosimero a6! aula na movimentago do ius entre as las do epi, a uz ‘broblastos eneurérios ew uaa ‘Aula na eisserinaro do virion inferao de clulasacjacentes) HS sulfato de heparan; HVEM= herpesvirus entry meator ("eceptor mediador da entrada do herpesvirus; 3-08 HS= sulfato de heparan-3-0-sulfatado. Fonte: Adaptado de Santos, Romanos e Wigg (2015) U Iteciologin bse eens lncas GY YY Apés a entrada na célula, o nucleocapsideo liberado no citosol é transportado até os poros nucleares através dos microtiibulos do citoesqueleto (Figura 2). O nucleocapsideo permanece no citoplasma celular e o DNA viral adentra 0 nticleo, evento este que ainda permanece incerto. Juntamente com o nucleocapsideo, algumas proteinas do tegumento também penetram na oélula, como a VP16 (a-TIF) ea VHS. A VHS migra até o citoplasma degrada o RNAm celular, com o intuito de bloquear a sintese de novas proteinas celula- res. Ja a VP16 se liga a proteinas celulares, HCF-1 (host celll factor 1) e OCT-1 (octamero 1) e adentra o nucleo da célula junto com o DNA viral. O complexo VP16/HCF-1/OCT-1 tam- bém interage com cofatores ligados a cromatina como CBP/p300 (histona acetiltransferase), BGRF-1 e BRM (fatores remodelantes de cromatina), HMT (histona-metiltransferases) e LSD- 1 (demetilase-1 especifica para serina), Esta ligagao impede que a cromatina se acumule & prejudique o genoma viral. Ja dentro do niicleo, a DNA ligase IV/XRCC4 celular rapidamente circulariza o DNA viral, o qual sera utilizado como modelo para a produgéo de novos DNA virais (RIAZ; MURTAZ-UL-HASAN; AKHTAR, 2017) (SANTOS; ROMANOS; WIGG, 2015). No nucleo, acontecerd a replicagao do material genético do virus, ou seja, seu DNA sera transcrito e replicado para que novas particulas virais sejam formadas. A replicagao do seu acido nucleico conta com um arranjo de genes virais que sao classificados de acordo com a fase que sao expressos: «. ou inicial imediato (immediate early — IE), 8 ou inicial (early —E) e you tardio (late—L), Para que um novo material genético seja sintetizado e complete © ciclo replicativo viral, todos os genes devem atuar corretamente. Por isso, afirma-se que este evento ocorre em cascata, ou seja, se qualquer gene falhar 0 ciclo néo se cumprira LOOM; PAIXAO, 2016) Os genes a so os primeiros a serem transcritos em RNAm a. nos ribossomos livres, (evento denominado infecgao abortiva) (MELLO; ¢ traduzidos em proteinas iniciais imediatas que so « ICPO (a0), |CP22 (022/U,1), ICP4 (a4), ICP47 (a47/U, 12), ICP27 (a27/U, 54), e U, 1.5. O pico de tradugao destas proteinas acontece em até 3h apés a infeceao. As proteinas sao sintetizadas e quando alcangam a quantia suficiente para se acumularem no citoplasma, elas se deslocam ao niicleo e ativam a expresso do gene B. As proteinas o. auxiliam na transcrigéo dos genes f em RNAm fe sua consequente tradugao em proteinas iniciais (B) pelos ribossomos no citoplasma. O pico de produgao das fi proteinas acontece em até 6h apés a infecgao, podendo ser rastreadas, mesmo que em pequenas quantidades, apés 3h de infecgao. Sua principal fungao é geren- ciar a replicago do DNA viral, fato esse que se inicia apés acumulo destas proteinas dentro do nucleo. A partir da regulagao das proteinas a e fi, 0 gene y é expresso e transcrito em RNAm y. Como as demais proteinas, as proteinas tardias (y) sao traduzidas no citoplasma pelos ribossomos. As proteinas y séo denominadas estruturais, pois elas constituirao as 104 Inecrloi- tates edemopeselniae GY Yl) glicoproteinas do envelope e as proteinas existentes no tegumento e capsideo viral (SANTOS; ROMANOS; WIGG, 2015). Apés a replicagao do material genético do HSV-1 a etapa de montagem da particula viral se inicia. As proteinas scaffolding sdo responsaveis por migrar até o niicleo como uma espécie de pacote, que ira envolver o DNA viral sintetizado e formar o capsideo. Alem de proteinas scaffolding, o capsideo também é formado pelas proteinas do capsideo VP5, VP19¢, VP23 e VP26 (SANTOS; ROMANOS; WIGG, 2015) (SZCZUBIALKA; PYRC; NOWAKOWSKA, 2016). Figura 2. Ciclo replicativo do HSV-1. B. ™N SS i ee 4a) Fase Adsorgao -ligago do virus com gicasaminoglicanas (sulfao de heparan) da membrana celular; 1h) igagso do virus com outros receptores de membrana (HVEM, nectinas 1 © Ze 3-0S HS); 2) penetracao: 3a) migrapao do capstdeo até ‘onicleo através dos microtdbulos colulares; 3b) VHS degrada o RNAm celular 3c) VP16 se igaa proteinas celulares HCF-1 {hast cel factor 1) OCT-1 (octémero) e mgra para o inferior do nicleo; 4) desnuciamenta e lineragao do ONA para dentro do niileo; 5) DNA & circularizado pela ONA ligase IVIXRCC4; 6a) complexo VP 16+HCF-1+OCT- ava a transcrigao dos genes virais de fase inicial imediata ~ a pela RNA polimerase I; 6b) o gene a 6 transerifo]em RNAm a @ traduzido em protelna a no ctoplasma, para antdo ser ranslocada a0 ncleo e aivar a expressao do gene de fas incial -f; Ge) gone fi inicio a replicagao do DNA val (pelo mecanismo de clrculo rolante); 64) o gene fétranscrto em RNAm fie traduzido em protein fino citoplasma, que 6 translocada a0 nicleo ativa a expressao do gene de fase tarda y; 60) O gene y 6 transcito em RNAm ye traduzido em proteina y, que adentram o nicleo para formar os capsideos: 7) capsideos englobam o DNAem seu interior 8) nucleacapsideo recebe envelope primarioe se acumula entre as duas membranas do nicleo; 9) a sair do nace, ‘ capsideo perde seu envaltrio e passa pel rticulo endoplasmatco (RE); 10) capsideo adentra o complexo de Gol) (CG) ‘218 recabe 0 segundo envelope contendo suas glicoproteinas de superficie; 0 fnalmante 11) 0 virion 6 lberado para fora da Célula hospeceira para que reiniciem o ciclo repleatve @infectom novas eélula. Altima etapa da replicacao deste virus é complexa e por isso continua incerta. Ha duas hipéteses sobre a aquisigao do envelope e a migragdo do nucleocapsideo para fora da célula. A hipétese de envelope Unico (figura 3A) sugere que o primeiro envelope que o nu- cleocapsideo recebe ¢ constituido do material que envolve a parte interna do nucleo e que ele o adquire durante seu transporte para o citoplasma. Neste momento, acredita-se que o envelope jé tenha glicoproteinas e glicolipideos, mas estes permanecem imaturos até passar Iteciologin bse eens lncas GY YY pelo complexo de Golgi e a rede transGolgi (TGN). Pesquisadores sugerem que o tegumento seja adquirido ja dentro do nucleo (JOHNSON; SPEAR, 1982). Uma nova teoria surgiu em 1969, proposta por Stackpole. Na teoria do duplo envelopamento (figura 3B), como o proprio. nome ja sugere, o nucleocapsideo receberia dois envelopes. O primeiro seria adquirido pela membrana interna do nticleo, mas seria perdido ao passar para a parte externa do nticleo ao se fundir com a membrana nuclear (desenvelopamento). Agora pela agao da a-TIF e VHS 0 capsideo desnudo passaria pelo complexo de Golgi e a TGN para receber o seu envoltério, ou seja, um segundo envelope. Esta teoria sugere que as glicoproteinas virais so adqui- ridas nesta segunda etapa e o tegumento logo no primeiro envelopamento (STACKPOLE, 1969). Apesar da forma de envelopamento do virus HSV-1 ser ainda incerta, sabe-se que este sai da célula ja com o seu envoltorio externo. A particula viral completa e pronta para infectar as células adjacentes, chamada de virion (SANTOS; ROMANOS; WIGG, 2015) Figura 3. Hipsteses da liberaco do virus da célula hospedeira Hipotese de envelope nico; B) Hipdtese de envelope dup. RE= Reticulo endoplasmatico; CG= Complexo de Golgi OHSV-1 apresenta um ciclo replicativo de aproximadamente 18h, o qual é considera do curto quando comparado com outros herpesvirus, O HCMV, por exemplo, leva 7h para cumprir 0 seu ciclo replicative (BROOKS et al., 2014). Laténcia ‘Apesar de se replicar rapidamente, o HSV-1 estabelece laténcia em ganglios sensoriais, permanecendo no organismo do individuo ao longo de sua vida, Este virus infecta primeira- mente a regido mucocutanea através do contato, onde pode realizar replicagao primaria ou primo-infecgao. O virus entao se desloca através do fluxo retrogrado do axénio do neurénio Inecrloi- tates edemopeselniae GY Yl) que inerva o tecido infectado, e se aloja nos ganglios das raizes dorsais (preferencialmente no gainglio trigeminal, na cavidade oral) e Ié permanece em um estado ndo infeccioso, latente. Apés a infecgdo litica, o virus demora cerca de duas semanas para sair completamente do local da infecedo e estabelecer laténcia (SALEH; SHARMA, 2018). Estima-se que 80% da populagao possua o HSV-1 latente em seu organismo, mas ainda é incerto o motivo pelo qual somente poucas pessoas sofrem com recidivas (BROOKS et al., 2014). Nos neurénios, © VHS nao exerce sua fungao de degradar o RNAm celular e a célula permanece funcio- nando normalmente. JA no inicio desta fase, presume-se que o maquinario de reparo de DNA neuronal seja responsavel por circularizar o material genético do virus, formando um epissoma que ndo se integra ao DNA celular. Esse epissoma se liga a certas proteinas da cromatina celular chamadas histonas. Apesar dos genes de fase litica serem silenciados e permanecerem reprimidos durante o periodo de laténcia, ha a transcrigao ativa de transcritos associados 4 laténcia (LATS - latency-associated transcripts). O motivo pelo qual o virus ainda continua transcrevendo os genes LAT e a maneira que isso acontece ainda permanece incerta (KUKHANOVA; KOROVINA; KOCHETKOV, 2014) Atualmente, trés hipéteses sao propostas para tentar explicar o processo de laténcia do HSV-1, sendo que alguns pesquisadores acreditam que as trés hipéteses possam estar corretas e ser complementares. A primeira hipétese esta relacionada com o fator de trans- crigao celular, OCT-1. Normaimente, este fator se ligaria ao VP16 e HCF-1, formando um complexo responsavel por ativar a transcri¢do do gene que inicia a cascata da replicagao de DNA viral no nucleo (gene a). Porém, durante o periodo de laténcia a proteina OCT-2 seria expressa em grandes quantidades, e esta, ndo consegue se ligar ao VP16. Desta forma, a expresso dos genes a reprimida, impossibilitando a replicagéo do material genético do virus na célula. A segunda hipétese sugere que, uma vez que 0 complexo transativador viral no formado, nao ocorre a sua interagao com os cofatores ligados a cromatina (HMT e HDAC). Estes cofatores permitem o acumulo de histonas modificadas, como por exemplo as H3K9 metiladas, associadas a repressdo dos genes a, interrompendo a expressdo dos demais genes da replicagao do DNA viral. A terceira e ultima hipétese esta relacionada com a resposta imune do hospedeiro. Sugere-se que as células TCD8" ou interferon-y possam inibir a replicagao viral, bloqueando a expresso de seus genes (WILSON; MOHR, 2012). Durante o periodo de laténcia, que varia muito de individuo para individuo, o HSV-1 pode utilizar diversos mecanismos para escapar do sistema imune e reiniciar o seu ciclo litico, fenémeno este chamado de reativagao (SUZICH; CLIFFE, 2018). Um dos mecanismos envolve a indugdo do acéimulo de moléculas CD'1d intracelular. Em uma situagao normal, as glicoproteinas CD1d sao transportadas para a superficie das células, onde antigenos esto expostos, 0 que provoca a ativagao de células-T natural killer e consequentemente, 107 Iteilogi bse epienilgins lncas GY YY uma resposta imune efetiva. Ao acumular CD1d no interior das células, o virus faz com que o sistema imune nao desempenhe seu papel e desta forma, ele fica livre para infectar novamente, saindo do seu periodo de laténcia (SALEH; SHARMA, 2018) Muitos sao os gatilhos que provocam a reativagao do virus HSV-1. © organismo de pacientes portadores do virus pode desencadear por si s6, a reativagdo do HSV-1, em casos ‘em que ha dano nos tecidos inervados. Além disso, fatores fisicos e emocionais podem tirar 0 HSV-1 de sua laténcia, como exposigao a luzes ultraviolet, menstruacdo, desequilibrio hormonal, febre ou entao, periodo intenso de estresse (SUZICH; CLIFFE, 2018) Vias de transmissao, manifestacées clinicas e diagnéstico A infecgao herpética pode ser causada por HSV-1 e HSV-2. A forma de transmissao dos dois agentes é originalmente diferente. Enquanto HSV-2 é transmitida com maior pre- valéncia através do ato sexual e causa infecgao na area genital ou anal, o HSV-1 é mais frequentemente transmitido via oral-oral, causando infecgdes na cavidade oral. Entretanto, infecgdes por HSV-1 podem ocorrer na genitalia em caso de contato oral-genital, ou o inverso para HSV-2. Apesar de terem meios de transmissao originalmente distintos e infectarem geralmente locais diferentes do corpo, os sinais e sintomas da infecgao pelo virus HSV-1 @ 2 coincidem. A infecgao genital, por exemplo, s6 pode ser diferenciada em tipo 1 ou 2 a partir de exames laboratoriais (WHO, 2016). Atransmisséo do HSV-1 pode ocorrer por contato com a pele ou regido bucal aparen- temente saudavel. Isto pode acontecer por conta de um fenémeno chamado shedding, em que 0 ciclo litico afeta algumas células em especifico, mas nao apresenta sinais clinicos. Além disso, em estagios iniciais de replicagao, como adsor¢ao, os sintomas podem nao estar visiveis (KUMAR et al., 2016). A infecgao ocorre principalmente pelo contato direto com feridas tipicas da doenga. Pacientes com HSV-1 podem desenvolver bolhas/vesiculas dolorosas ou lesées abertas, chamadas Ulceras. Estima-se que 67% da populagao sejam portadores do virus herpes, muitas vezes na forma assintomatica. O aparecimento dos sintomas e a recorréncia variam de pessoa para pessoa, sendo que alguns pacientes infectados podem nunca apresenta-los (WHO, 2017). Contudo, as manifestagées clinicas desta doenga séo comuns, sendo que aproximadamente um tergo da populagao mundial j4 demonstrou, pelo menos uma vez na vida, sintomas de infecgao por HSV-1 (MINISTERIO DA SAUDE, 2006) A coinfecgao oral-genital por HSV-1 infecta 140 milhdes de pessoas ao redor do mun- do e a infecgao oral-oral demonstra numeros ainda maiores, 3,7 bilhdes. Os maiores focos de infecgao acontecem na Africa e nas Américas, atingindo 87% e 40-50% da populagao, respectivamente (WHO, 2017). 108 Inecrloi- tates edemopeselniae GY Yl) A infecgao pelo HSV-1 pode se dar de diversas formas, e assim, exteriorizar-se dife- rentemente em cada uma delas. A forma de transmisséo mais comumente associada ao HSV-1, 6 a oro labial, que se da pela saliva, através do contato direto. A sicose herpética acontece quando homens utilizam laminas de barbear proximo a infecgao oro labial. Existe também a herpes do gladiador, decorrente de contato corporal extremo, comumente visto entre lutadores ou jogares de rugby. A auto-inoculagao nos dedos ou nas unhas é chamada de paroniquia herpética, ocorrendo geralmente na falange distal. Esta manifestagao clinica ocorre em criangas de 0 a 6 anos através da sucgao dos dedos, e em profissionais da saude que nao utilizam luvas. A gengivoestomatite herpética ocorre também mais comumente em gengiva e mucosa interna da boca de criangas, e seus sintomas podem variar de um quadro subfebril com lesdes vesicoerosivas, até febre alta, adenopatias e erupgao vesiculosa, po- dendo afetar a faringe. A ceratoconjuntivite herpética afeta a conjuntiva e cérmea, podendo levar a cegueira. A infeccao genital por HSV-1 @ menos frequente, mas pode ocorrer em casos de contato oral-genital (MINISTERIO DA SAUDE, 2006). Em casos raros, mes podem transmitir HSV-1 aos seus filhos durante o part. Apesar de comumente infectar as regides orofaciais, o HSV-1 é considerado uma causa com cres- cente indice de prevaléncia para herpes genital em certas populagées de mulheres jovens, sendo responsavel por 78% destes casos (ROBERTS; PFISTER; SPEAR, 2003). Em neo- natos, o virus pode causar deficiéncias duradouras, como sequelas neurolégicas e oculares graves (50% dos casos) ¢ até mesmo leva-los a dbito (MINISTERIO DA SAUDE, 2008). © quadro fica ainda mais preocupante quando pessoas imunocomprometidas se in- fectam pelo HSV-1, podendo este virus causar encefalite ou ceratite. Além disso, 0 apare- cimento de cepas resistentes aos tratamentos disponiveis geralmente ocorrem em ambito hospitalar ou ambulatorial, deixando pacientes imunocomprometidos ainda mais vulneraveis (JIANG et al., 2016) Apesar do esforgo de pesquisas cientificas atuais, ainda nao hé cura ou vacinas para herpesvirus. A prevengao é o meio mais indicado para evitar a infecgao. Pacientes com le- s6es aparentes devem evitar compartilhar objetos contend saliva e também o contato oral (RECHENCHOSK et al., 2017). O diagnéstico clinico das infecgdes por HSV-1 considerado facil, por conta das lesées tipicas da doenga. Durante a anamnese 0 médico é capaz de diagnosticar e prescrever 0 tratamento correto. Porém, em casos de manifestagées atipicas ou suspeita de infecgéio assintomatica, é possivel realizar alguns testes laboratoriais. Para estudo do virus, uma das andlises utilizada é 0 cultivo celular, retirando-se o fluido das lesdes para que seja cultivado em células (NOZAWA et al., 2014). Apds este periodo, se a amostra conter 0 virus, as cé- lulas apresentarao alteragdes em sua morfologia (efeito citopatico), como demonstrado na Iteciologin bse eens lncas GY YY figura 4B, As células podem apresentar arredondamento celular, aumento de refringéncia, perda de aderéncia, entre outros. Figura 4. Células Vero nao inoculadas (A) e 48h pés inoculacéo com HSV-1 (8). ‘Outros testes podem ser realizados para confirmar a infecgao por HSV-1, como a reagao em cadeia da polimerase (PCR). Esta técnica possibilita copiar miltiplas vezes uma regio especifica do DNA. Para tanto, 6 necessario a utilizagao de iniciadores (primers) especificos, uma sequéncia pequena de nucleotideos desenhados de modo que englobem as regides de interesse (que serao copiadas). Estes primers marcarao 0 ponto de partida para sintese de DNA. A escolha do primer dependera do objetivo da analise e qual sequéncia o profis- sional deseja copiar e entdo, estudar. Durante a replicagao do HSV-1, trés tipos de genes podem ser expressos, a, e y. A técnica de PCR pode ser indicada para deteceao viral, diagnéstico e também para diferenciar cepas virais. Técnicas sorolégicas também podem ser empregadas para diagnéstico laboratorial, como western blotting e imunofluorescéncia podem ser empregado em pacientes assintomaticos para confirmagao da infecgao por HSV-1 (RECHENCHOSK et al., 2017) Antivirais ‘A pesquisa por antivirais comegou tardiamente, quando comparado com a busca por antibacterianos. Enquanto em 1940 jé haviam antibacterianos disponiveis para uso, 0 primeiro antiviral s6 foi aprovado em 1960. Este atraso se deu pela dificuldade em estudar os virus, que ao contrario de bactérias por exemplo, dependem de células do seu hospedeiro para se multiplicar. Este fato também complicou o desenvolvimento dos antivirais, uma vez que © conhecimento sobre a biologia molecular viral era escasso na época. Grande parte dos antivirais disponiveis hoje sao andlogos de nucleotideos. Porém, por um momento, os pesqui- sadores acreditavam que nao seria possivel utilizar essa classe de substancias para eliminar Inecrloi- tates edemopeselniae GY Yl) as particulas virais, ao menos nao de modo seguro. Com o advindo dos primeiros analogos de nucleotideos, que se deu pela busca de novos anticarcinogénicos capazes de afetar a sintese de DNA celular, veio o principal problema, a nao-seletividade dos mesmos. Como no se entendia com clareza a replicacao viral em si, os antivirais desenhados acabavam nao 86 matando o virus, mas também a célula do hospedeiro infectado (KORSMAN et al., 2012). Este panorama mudou quando se descobriu 0 Aciclovir, medicamento até hoje utiliza- do para tratar a infecgao pelo virus HSV, que se mostrou seletivo ao virus, nao danificando células saudaveis. Essa descoberta aconteceu pela pesquisadora Gertrude B. Elion e co- laboradores em 1977, e nesta época ja se sabia mais sobre o ciclo de replicagao viral e a diferenga do seu funcionamento com o metabolismo celular, possibilitando entéo, o desen- volvimento de um antiviral seletivo (ELION et al., 1977) ‘A Food and Drug Administration (FDA) aprovou agentes anti-herpéticos de uso tépico e sistematico, que tem como principal objetivo bloquear a replicacao viral do HSV-1. Por conse- quéncia, estes medicamentos diminuem a duragao dos sintomas e aumentam a recuperagao da pele lesionada pelo virus. (FOOD AND DRUG ADMINISTRATION, 2017). O tratamento pode ser realizado durante o periodo prodrémico , evitando o aparecimento das lesGes tipicas de infecgao pelo HSV-1. O periodo prodrémico da inteccao herpética geralmente acontece 24h antes das manifestag6es na pele, sendo caracterizado por dor local, edemas discretos, prurido e ardéncia (CONSOLARO; CONSOLARO, 2009) ‘Os medicamentos disponiveis para tratar infecgdes por HSV-1 constituem uma das trés classes de antivirais: andlogos de nucleosideos, andlogos de pirofostato e analogs de nu- cleotideos. Apesar de agirem de forma diferente, todos estes férmacos agem na mesma etapa do ciclo de replicagao do virus, na sintese do DNA viral (JIANG et al., 2016). Como se pode observar no quadro 2, a maior parte dos antivirais anti-HSV-1 sao analogs de nucleoside. Quadro 2, Medicamentos recomendados para tratamento de infecgBes por HSV-1 amos tose Nomecomecal® | Va deadninstate no nig de itoseo gas ‘onan at ere TTR EEREE | ccna) | RT Sal Penton odo de css ges = cine Fase i ra coe Vas aon one) rami orl Tira Teg de ado ia) Wena caer Toxride (O0) Fg de uso i) us eur Testo Teg do proto reson fe cao Fede de cet tsa) cow a EV= Endovenosa, ‘Andiogos de aciclovir "Usvalmente ulizad para Wala infoogbes por eitomegalovirus. m Infecologia: bate eldemiolgiasecinteas Uy, Ws © farmaco Aciclovir (ACV) 6 considerado padrao ouro para tratamento e profilaxia de infecgdes pelo virus herpes simplex desde sua introdugao no mercado. Sua molécula € andloga a de guanosina, ou seja, possui estrutura similar a ela. Como os demais andlogos de nucleosideo, esta molécula precisa ser fosfatada, antes de ser incorporada a cadeia de DNA. Esta fosforilagao acontece pela agao da timidino quinase (TK) viral, formando um produto monofosfatado. A afinidade do ACV com a HSV-TK é 200 vezes maior do que para quinases celulares humanas, por isso age seletivamente em células infectadas com 0 virus. A molécula monofosfatada sera entao di- e depois, trifosfatada pelas quinases celula- res. Agora com estrutura similar a um nucleotide, o ACV-trifosfatado pode ser incorporado, pela DNA polimerase viral, na nova cadeia de DNA que esta sendo formada e interromper sua sintese. Esse bloqueio se da pela auséncia de grupos hidroxila (OH) expostos em sua terminagao (posigao 3'), impossibilitando a insergao de novos nucleotideos na cadeia (SANTOS; ROMANOS; WIGG, 2015). 0 esquema ilustrativo do mecanismo de agao do ACV 6 demonstrado na figura 5. Figura 5. Mecanismo de Ago do Farmaco Aciclovir (ACV) A SS, mp eA an ACV ACV monofosfatado Forma ativa | TK celular TK celular we Os, I eo~ ACV difosfatado ACV trifosfatado DEEL PON pesace ve DNA ACV= Aeiclovi; TK timidine quinase, Inecrloi- tates edemopeselniae GY Yl) Para o tratamento da infecgao mais comum, a oro labial, os farmacos de uso so todos analogos de aciclovir. Os farmacos administrados de forma oral sao famciclovir, valaciclovir e aciclovir, enquanto os de uso tépico podem ser penciclovir e, novamente, aciclovir (RABORN; GRACE, 2003). Os pro-farmacos dos medicamentos aciclovir, valaciclovir e do penciclovir, fanciclovir, apresentam baixa toxicidade e melhor biodisponibilidade, caracteristicas essas que fizeram a sua utilizagdo aumentar nos ultimos tempos (RECHENCHOSK( et al., 2017). O grande problema hoje é que o numero de cepas de HSV-1 resistentes a ACV vem crescendo exponencialmente. Alguns mecanismos pelos quais este virus dribla os farmacos atualmente utilizados estao relacionados com a deficiéncia da TK viral ou da DNA polimerase viral. Sabe-se que na maior parte (95%) dos casos de resisténcia a mutagao ocorre no gene U,23, 0 qual codifica a TK viral, e os outros 5% no gene U, 30, responsavel pela codificagao da DNA polimerase viral. Como a maioria dos agentes antitHSV-1 sao analogos de nucleo- sideo, e dependentes desta enzima para serem inicialmente fosforilados, nao @ possivel emprega-los com eficiéncia em caso de resisténcia ao ACV (FROBERT et al., 2014) Os medicamentos trfluridina e idoxuridina (IDU), ambos andlogos do nucleosideo timidina sao utilizados em casos de cepas resistentes. Porém, a trifluridina é altamente toxica quando administradas sistematicamente, por isso é utilizada com muita cautela de forma tépica. Seu uso em caso de queratite deve ser cuidadosamente controlado, pelo alto risco de toxicidade ocular (MONDAL, 2016). A idoxuridina foi relatada como sendo menos efetiva do que a trfluridina e aciclovir, e seus efeitos adversos sao dor, prurido, inflamacao ou edema nos olhos e palpebras e, com menos frequéncia, reagdes alérgicas (BENNETT; DOLIN; BLASER, 2015). O fosfonoformato, outro medicamento anti-herpético utilizado, 6 um andlogo do pirofos- fato. Este farmaco é utilizado contra HSV-1 por administragao intravenosa, e por demonstrar baixa biodisponibilidade requer 0 auxilio de bomba de infusao. E geralmente prescrito em casos de pacientes infectados por virus resistente ao ACV e que demonstram lesdes graves e invasivas, resultando em danos renais como efeito colateral (TORRES et al., 2012). Diferente dos analogos de nucleosideo, esta classe de medicamento nao sofre agao de enzimas e tao pouco necessitam passar pelo processo de fosforilagdo. A molécula de fosfonoformato capaz de se ligar a DNA polimerase, onde se ligaria o pirofosfato, incorporando-se a cadeia de DNA viral que esta sendo formada. O fostonoformato age como um inibidor nao compe- titivo, pois ndo impede que os nucleotideos se liguem, mas forma uma ligagao instavel entre eles que resulta na degradagao do Acido nucleico (SANTOS; ROMANOS; WIGG, 2015) O cidofovir foi o primeiro antiviral da classe dos andlogos de nucleotideo a ser apro- vado para uso clinico. A molécula do cidofovir 6 monofosfatada e andloga a citosina. Apés ser dis ¢ trifostatada por quinases celulares, impede a ligagao da desoxicitidina trifosfatada Iteciologin bse eens lncas GY

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