You are on page 1of 9
a] 4 carga simbélica de restituicfo da vida, pois abria as sendas para o resgate da ‘honra conspurcada pela morte social derivada do cativeiro ~ ao que tudo indica que ‘© empenho de grande parte dos cativos era para sair da escravidio, e nao para acabar com ela, tanto que, sempre que possivel, parcel significativa da popular populacio livre e liberta que ndo possuia nenhum. Jé faz tempo que o exame de listas nominativas de habitantes e de inventérios post-mortem demonstrou a farta {que ser senhor e possuidor de poucos cativos era a caracteristica da maioria es- rsio a seus detentores. Tudo isso talvez fblego que fez da escravidio, com seus quase quatrocentos anos de existéncia, tuma das experiéncias sociais mais duradouras da histéria do Brasil. 50, Muaco ce Souee Sones Padre José Mauricio: “dispensa da cor”, mobilidade social e recriagao de hierarquias na América portuguesa Anderson José Machado de Oliveira A dispensa da cor Pe a ee rr erst a aoe ‘Nunes Garcia dava entrada, na’ ra Eclesiastica do Bispado do Rio: foi designado como mulato por algumas testemunhas que depuseram em seu proceso de habilitagdo as ordens sacerdotais.? ‘Aos dezesseis de junho do dito ano, o provisor do Bispado, 6 Muito Reveren- do Doutor Francisco Gomes Vllasboas, despachava favoravelmente a0 pedido. ‘Alegou que ndo via contra o suplicante nenhuma outra irégularidade senso a do “defeito da cor”, que © mesmo havia provado morigeranga, vocagdo e apli- “$e numa profundadiscussio que fi levada a cabo, ao longo da Epoca Metin sobre a ordenagio de populagd Discsto semelhante tev lgar na América his na¢io dos indios. No inicio do século XVI, os franciscanos eram francamente (apache Neh ed ian A ec desta cat aR / *O proceso: sca BION Ai? in’ a ld ( Eero Colegio de Santa Cruz de Tlateloco, fundado em 1 ‘casio diferenciada a nobreza indigena, fortalecendo, ‘do México propos que indios e mesticos nfo estivessem impedidos de receber as ‘quatro ordens menores do sacerdécio, podendo, a partir de ento, colaborar com 0s curas de suas paréquias. O Colégio de San Juan de Letrin, erado em 1547, foi também um importante centro de formagao de um clero mestico. Em meados do século XVI, em tomo de 20 alunos desse colégio j haviam tomado o habito de Sio Francisco ou de Séo Domingos. Em 1576, contrariando Felipe Il, o papa Gregério XIII admit 0 acesso de indios e mestgos is ordens sacerdotais, sendo o Arcebis- po do México também favorivel a criagdo de um clero indigena. Assim como em cals que sera bastante favorével & obra da Ireja (Poole, 1981, p. 638) No entanto, essa visio ‘metade do século XVI. Entre 0 fim do século ‘uidado com a questdo da pureza de sangue ns tla Elena Martinez, tal-contexto reflete mud: pelo érescimento da escravidio africana! Espciaistasatrbuem a essa conjuntura © aparecimento do termo/castas,” sas, fos ‘membros passam a ter participago eco- ¥ Otero na Amica espanol dsignava, de oma ger» popula fede orga subst. 1a ordenacio de indios e mesticos foi uma” 7?” * émica e social em esferas antes restritas aos descendentes de espanhéis. Nesse momento, resceram as preocupagées com a nocio de limpeza de sangue como ‘um elemento claro de exclusio social (Martinez, 2000, p. 11). ‘A questio no Império colonial portugués teria também uma perlodizago se- inelhanie no que tange a0 processo de ordenacfo dos segmentos de cor Segundo | Boxer no séeulo XVI a barera racial para esse tipo de ordenagdo tea sido | menor Boxe, 1989, . 17) Ao longo do século XVI, os impedimentos relatives a pureza de sangue ensiicaram nas Sreas de colonizasio portu- as discuss6es acerca de um clero nativo dividiram. de Azevedo eram iéncas de ordenagio de indios e mestios. An- sendo contrério& ordenacio dos indios, jos. Jé uma segunda corrente, na qual se (Sbrega, acreditava que era necessério cultivarem- etn oa | |g ng = ee um documento que rechagava tal ister 0 estabelecimento de diferencas entré os 3s velhos (Mattos, 2004, p. 236-237). "1 te o impedimento de negros e mulatos & ocupacio de qualquer ‘a0 desempenho de funcSes oficiais (Silva, 1856). E provavel que tal decreto tena inspirado a Carta Régia de 1694 a0 governador de Angola, na qual, entre outros asstntos, D. Pedro Il reforcava a lembranca do impedimento através de um Decreto de 16 de agosto, o governo portugués ins- > portuguesa, a partir de enti centro do Império Portugués. Considero ys ‘que, ndo por acaso, esse decreto tenha sido formulado na regéncia de D. Pedro (Il, que marcou 0 periodo de consolidacio da di tia de Braganca, cristalizando ae acces rpch wa ass ni pace foram feitos para a dispensa da cor e a tesposta afirmativa do eclesiéstico. Por outro lado, 08 processos de habilitagio dfo conta, efetivamente, fem que o processo de ordenacio foi concluido. No caso dos homens de cor, a identificagao do processo°€ ainda’ mais complicada, pois nem sempre a ficha de ‘catalogagao faz mencfo a ascendéncia do ordinando, o que exige a leitura do pro- cesso por completo ou o cruzamento com informagées que procedam de outras fontes e que permitam sua identficagfo.E 0 caso, por exemplo, do habilitando Lourengo Leite de Magalhdes. Na ficha de identificac3o de seu processo de ha- bilitagéo, nao hé qualquer referéncia quanto a sua origem. Cheguei ao processo de Lourengo através de uma informagao colhida no Termo de Entrada de Irmaos_ dda Irmandade de Sio Pedro dos Clérigos, na qual, em dezembro de 1799, ele foi assentado como “natural da Freguesia de Tiaras da Capitania de Goids .. lho natural de Josefa preta” (AVISPC, 1798-1849, fol. 9). Outro exemplo de identifi- cagio indireta foi o processo do Reverendo Doutor Miguel Afonso, cuja entrada na Camara Eclesiastica do Bispado do Rio de Janeiro data do ano de 1768, A identificacgéo de sua ascendéncia $6 foi possivel gracas & consulta ao testamento 5. Neste, Pedro Afonso da Costa reconheceu Miguel ‘oriundo da relagdo que tivera com Marta Barbosa, solteira e forra (ACMRJ - L.18 - SE, 1776-1784). Esses dois casos Tiga 8 ee ch ren no Avro Rone Pewres 58 19 que, até o presente, localizei para os anos de 1720 a 1822, No acervo do Ar- {quivo da Ciiria Metropolitana do Rio de Janeiro, hé um total de 4.731 processos, ‘que cobrem o periodo de 1620 a 1958. De tamanho diversificado, os processos ‘Até 0 momento, localizei 401 processos para os anos de 1720 e 1770. Terminada ‘a série até 1822, haverd uma amostragem menos lacunar, ainda que incompleta, ‘pela impossibilidade de ler o conjunto dos processos e pela inviabilidade de iden- tificar todos 0s casos que se referem a descendentes de negros. ‘Concordo ainda com Margarita Menegus e Rodolfo Aguirre que, em relacio Gi, os casos loalizados, a.dispensa dos impedimentos sempre ocorreu. O caso de Lourenco Leite de Magalhaes é emblematico, pois, segundo seu préprio relato no processo de habilitaro, sua mae era natural da Costa da Mina e uma mulher merettiz, nio tendo ele nogio de quem era seu pai. No entanto, seu antigo se- hor, e também de sua mie, 0“homem de negécios” Manoel Leite de Magalhées, depds a seu favor no processo de genre, como também Ihe doou uma morada de casas para que ele comprovasse patriménio, {ator exigido pela lreja para que se concretizasse a ordenagio (ACMRJ- HS ~ 1798). Lourengo afirma ainda que seu senhoro criou com amor e estima, chegando a po-lo nos estudos. Acredito que ))taja grande possibilidade de o ordinando ser filho do proprio Manoel Leite com

You might also like