You are on page 1of 11
PAES, M. de H. S. (1985). © ensino de Hist6ria no 1° grau: 0 uso de documentos, Cadernos CEDES; a prética do ensino de Histéria. Séo Paulo, Cortez-CEDES, nov., pp. 47-52, PAZ, O. (1991). Leitura e contemplagao. In: Convergéncias. Rio de Janeiro, Rocco. PROENCA, M. C. (1990). Ensinar, aprender Hist6ria, questoes de diddtica aplicada. Lisboa, Livros Horizonte. RIBEIRO, D. & MOREIRA NETO, C. de A. (1992). A fundagao do Brasil; testemunhos, 1500-1700. Pettépolis, Vozes. VESENTINI, C. A. (1984). Escola e livro didético de Historia. In: SILVA, M. A. (org.). Repensando a Hist6ria. Rio de Janeiro, Marco Zero. VEYNE, P. (1987). Como se escreve a Histéria. Lisboa, Edigdes 70. VIEIRA PINTO, A. (1979). Ciéncia e existéncia. Rio de Janeiro, Paz e Terra. 3 Reconstruindo a Histéria a partir do imaginario do aluno Ubiratan Rocha* Introdusao No entendimento de um grande niimero de pessoas, dar aula de Hist6ria € algo muito simples de se fazer. Poucos se apercebem, entretanto, das intimeras questées tedricas e ideolégicas presentes a cada passo da narrativa historica. As vezes nem mesmo o proprio professor, habituado como est4 a repetir o mesmo assunto em diferentes turmas, se d4 conta de que 0 caminho dis- cursivo que segue € apenas um dentre diferentes alter- nativas poss{veis de serem trilhadas. E comum, também, © professor esquecer que as pesquisas histéricas e 0 ensino de Hist6ria so, eles proprios, hist6ricos j4 que tentam responder a questées colocadas num determinado contexto, lugar e época. Sd0 conhecimentos que nao estio & margem da sociedade e que no so, portanto, neutros. Um mesmo fendmeno histérico permite, pois, dife- rentes abordagens em face, principalmente, dos instru- mentos tedricos de que 0 professor dispde e do recorte da realidade que se quer representar, * Professor da Faculdade de Educagiio da Universidade Federal Fluminense, 47 A discussio permanente do que vem a ser Hist6ria € de qual é a sua serventia, algo aparentemente irrele-| vante, permitir4, por sua vez, uma escolha mais consciente} do caminho a ser seguido. Ela deve se fazer presente] como forma de trazer & luz o inconsciente ideolégico| do professor, evitando-se, assim, que este se transforme,| sem que 0 perceba, num instrumento da alienagao. Nao se pode, por outro lado, dissociar 0 professor do espago onde exerce as suas atividades. Tanto na red publica quanto na rede privada de ensino de 1° e 2 graus observa-se a predominancia de atitudes conserva- doras em relagéo A Histéria e ao seu ensino. Pel: insisténcia na repeticaio dos mesmos contetidos e formas de transmiti-los se produziu um modelo escolar d Histéria dificil de ser superado. InovagGes produzid: no conhecimento histérico que poderiam contribuir pat oxigenar a prética docente encontram uma barreira cons tituida, justamente, por esse modelo, tradicionalment aceito como sendo “‘a Histéria”. Sdo poucas as oportu nidades encontradas pelo professor para discutir, a parti do seu local de trabalho, as bases em que se assent: © conhecimento histérico € 0 exercfcio da sua profissio Mudangas provocadas pela chamada Terceira Revolugic Industrial certamente alcangarao a escola, obrigando-a criar espagos de discussio na busca de alternativas de ajustamento aos novos tempos. Os professores de Histori que por dever de oficio tem a fungi de compreend ¢ explicar as trajetérias das sociedades humanas, tera uma grande contribuiggo a oferecer. A sua primeiré tarefa serd, no entanto, 0 desenvolvimento de reflexo sistematicas sobre a sua prépria pritica. H4 que se ter, por outro lado, clareza sobre diferentes instdncias e articulagGes institucionais present 48 na escola para que os seus agentes possam desenvolver ages com estdgios crescentes de consciéncia. Transversalidade e atravessamento no sistema de ensino A instituiggo ensino compée juntamente com outras instituig6es uma rede de diferentes I6gicas que interagem entre si, complementando-se e suplementando-se. Elas seriam, por si s6s, estéreis no fossem as organizagies, 08 estabelecimentos e as préticas que tém a incumbéncia, justamente, de materializar o que thes é, formal ou informalmente, prescrito. As légicas incluem, também, determinadas proscrigdes e 0 que Ihes é indiferente. As instituigdes so estruturas histéricas fundadas num determinado momento da trajetria da humanidade. Elas passaram a condicionar as atividades humanas, tornando os homens sujeitos ¢ objetos de suas préprias regras. Dentro dessa ética os estabelecimentos de ensino so concebidos como realizagdes das organizagdes de ensino, que por sua vez sio informadas pela instituigdo ensino. O Ministério da Educacdo, nesses termos, pode ser “[ido” como uma macro-organizago que funciona como instancia reguladora das varias organizagées e estabel cimentos de ensino, Nos varios niveis encontram-se tens6es entre as forgas que desejam a mudanca e as que desejam o statu quo: sio a transversalidade © 0 atravessamento, respectivamente. Assim, em nivel insti tucional temos o instituinte e o institu{do; na organizacao: © organizante © 0 organizado, e no estabelecimento: 0 funcionamento e a fungao. Os primeiros sio instncias inaugurantes que possibilitam o surgimento do novo. Os 49 segundos constituem a instincia do organograma, do conservadorismo, do statu quo... Um estabelecimento escolar é, desse modo, 0 espago de conscientizagao mas também de alienagio; do ades- tramento dos corpos para serem livres mas também para serem explorados; da luta entre utopias voltadas para a construgio de um novo futuro € de ideologias voltadas para o passado... E 0 espago penetrado também por outras instituigdes como a famflia, a Igreja etc. A educagio, por sua vez, faz-se presente em outros estabelecimentos e organizacées. Penitencidrias, quartéis, empresas so exemplos, dentre outros, de espagos onde a instituigdo ensino convive imbricada & \6gica principal. ‘A atuagio do professor, desse modo, ndo deverd ater-se apenas & sala de aula se ele se dispée a lutar por mudangas sociais. Para serem efetivas elas tém de aleangar toda a malha social. A instancia da transformagao por exceléncia, no entanto, € a da prética, entendida como a ago da forga de trabalho qualificado sobre 0 objeto que se quer transformar. A prética do professor se dé fundamentalmente nos estabelecimentos de ensino. Neles atua no sentido de transformar o ambiente para que os alunos, sujeitos da aprendizagem, também se transformem. Os novos paradigmas tecnolégicos e organizacionais colocaram a mao-de-obra docente como clemento-chave para o novo padrdo de acumulagio. Um salto qualitativo em termos do desenvolvimento econdmico nacional estard na dependéncia da multiplicagio do contingente popu- lacional submetido a um ensino de qualidade. Sem professor qualificado no haverd, certamente, ensino de qualidade. Em Historia, pensamos ser uma educagao de qualidade aquela que permita ao aluno construir em seu ser 50 instrumentos te6ricos tais que Ihe possibilitem uma leitura crescentemente objetiva da realidade social. Assim sendo, a pritica do professor deverd estar voltada para a aquisigao treino no manejo dos conceitos das Ciéncias Sociais pelos seus alunos. A posse dessas ferramentas inscreve-se na idéia de transversalidade, uma vez que elas permitem transformar objetos e, portanto, criar o novo. A pratica do professor € fundamentalmente discursiva. A fala constitui um instrumento de controle grupal. Ela propria, no entanto, € controlada: manejada pelo pro- fessor, € submetida nfo s6 as regras da gramatica e da teoria eleita como fundamento da disciplina como também as institucionais e as do estabelecimento. O professor nem sempre se d4 conta disso. Ter consciéncia das regras a que os diferentes textos so submetidos permitiré, por outro lado, um melhor aproveitamento das possibi- lidades de mudanga, bem como do conhecimento da sua diregao e limites. © curriculo € uma pega-chave no condicionamento do discurso escolar. Ele fornece as principais diretrizes para as ages de controle social. Desempenha 0 papel de atravessamento. Por mais progressista que possa ser um curriculo proposto, ele nao deixa de representar o imobilismo, j4 que a realidade € to rica e dindmica que jamais um curriculo poderd capté-la plenamente. Ele constitui 0 ponto de vista de um determinado grupo hegeménico num dado momento, J4 o curriculo real, por outro lado, poderé propender para um maior ov menor grau de alienago ou conscientizagZo em face los agentes envolvidos na prética cotidiana, tal a auto- nomia relativa do estabelecimento frente 8s outras ins- Kincias. 51 Os regulamentos so parte integrante da vida grupal. Eles nao sao, por si s6s, bons ou maus. Eles podem ser, isto sim, adequados ou nao & finalidade a que se destinam. A falta de percepgao da dialctica do real leva muitas vezes as pessoas a tomarem a varidvel pela constante. A insisténcia na manutengao de regras que no atendem mais a realidade para a qual foram for- muladas pode produzir uma situago de reacionarismo e mesmo esclerose organizacional. ensino de histéria sob o impacto das novas tecnologias J4 se fazem sentir em nossa sociedade os primeiros impactos da chamada Terceira Revolugio Industrial. Esta, como todas as revolugdes tecnolégicas anteriores, seré também irreversivel. Alcangaré, pelo menos nos seus efeitos, mais dia menos dia, todos os povos do planeta. O novo ambiente cultural em construgao plicaré a reformulago das atuais regras de convivéncia, incluindo-se af a relago entre o capital e o trabalho, em nfvel nacional e internacional. A continuidade da apropriagao da mais-valia se daré crescentemente, sobre a edificagao de um novo perfil de trabalhador, certamente com maior escolaridade e submetido a cultura da qua- lidade, caracteristicas estas j4 observadas nos paises hegemnicos do sistema capitalista. Caminhamos, ao que tudo leva a crer, para a chamada sociedade do conhe- cimento, em que um crescente ntimero de ocupagées envolverd operagdes simbélicas. O dominio de cédigos origindrios de diferentes campos cientificos se tornard imprescindivel para se poder viver com um minimo de consciéncia nesse novo mundo. 52 Nao se pode, obviamente, atribuir apenas a escola a responsabilidade pela atualizacao cultural. J4 assinalamos que a instituiggo ensino permeia varias outras organi- zagées. Sem uma escola de qualidade, entretanto, difi- cilmente as camadas subalternas conseguiro construir um perfil que as habilite a uma melhor remuneragZo no mundo do trabalho. ‘A economia brasileira cresceu cerca de cingiienta anos até a crise dos anos 80, utilizando um trabalhador com um baixo indice de escolarizagao. O padrio europeu ocidental na sltima década foi o de crescimento eco- ndmico sem praticamente incorporar mao-de-obra, Nos Estados Unidos a produtividade da agricultura reduziu para cerca de 20% da populagao econémica ativa o ndmero de trabalhadores empregados. No setor secundario a tendéncia € também para racionalizagio do fator trabalho. O padrao industrial brasileiro nos anos 90 parece indicar um caminho semelhante, ou seja, desen- volvimento e desemprego. Assim, qualquer reflexao sobre a escola, pensamos, nao pode deixar de levar em con- siderago os impactos das novas tecnologias sobre a forga de trabalho ¢, portanto, sobre a sociedade. O ensino de Histéria dever4 ser capaz, se estiver em sintonia com o seu tempo, de contribuir para que o aluno possa ler 0 seu entorno social qualificando-o, assim, ao mesmo tempo, para uma atuacio politica consciente e para 0 mundo do trabalho. A agio politica do professor no espago do estabele- cimento de ensino é de importincia fundamental, j4 que a produtividade da sala de aula esté intimamente ligada & organizagdo da escola. As associagdes de docentes em nivel de 1° © 2° graus das escolas publicas, por exemplo, constituem uma possibilidade de construglo de uma representagdo auténoma da categoria em relaglo 33 a0 Estado, capaz de estabelecer didlogos com a diregao do estabelecimento, com governo e com diferentes en- tidades civis organizadas. A hegemonia do professorado nos seus locais de trabalho é fundamental para a orga- nizao sindical e pedagégica. Os professores com for- magao humana, como os de Hist6ria, podem dar uma grande contribuicdo para a reorganizagdo da escola, na medida em que possuam instrumentos eficazes de leitura da realidade social. A reorganizagio do sistema pablico de ensino passa, assim, nfo sé por uma luta politica mais ampla em nivel do controle do Estado, como pela influéncia politico-pedagégica nos diferentes estabeleci- mentos de ensino. A reversio do quadro de descrédito que se abateu sobre a escola piblica é fundamental ao bom desempenho profissional. Sem uma escola de qua- lidade nao se amplia o contingente de origem popular intelectualmente capaz de ingressar e influir nos espagos penetrados pelas novas tecnologias. ‘A organizacio da escola é necessdria mas nao sufi- ciente para se ter um ensino de qualidade. Pois, discurso politico bem intencionado e competéncia organizativa nao bastam. FE necessério que se tenha também compe- téncia técnica na drea em que o professor se formou. Isso significa conhecer bem nao sé os contetidos, como diferentes metodologias para que se possa escolher a mais adequada ao seu ensino. Um equivoco comum ao professor de Histéria ¢ 0 seu desprezo pelas tecnologias de ensino. O tecnicismo alienado dos anos 70 gerou um preconceito burro em relagdo as tecnologias. Procurava-se 4 época “vender” a técnica como algo neutro. Deixavam-se de lado as questées politicas e sociais vividas pelo pais e pouco se refletia sobre as correlagdes entre conteddo a ser trabalhado e a técnica mais adequada. 54 insucesso do professor de Histéria, na maioria das vezes, nao deriva propriamente da falta de dominio do contetido mas sim de uma postura conservadora na sua utilizagiio, Mesmo um contetido tradicional pode sofrer determinados recortes para que se transforme num objeto adequado ao proceso ensino-aprendizagem. Uma vez transformado em meio, sobre 0 qual vai incidir 0 trabalho do aluno, funcionar4 como alavanca para o desenvolvi- mento da inteligéncia. H4 que se ficar atento, no entanto, para as implicagdes ideoldgicas que acompanham a escolha da técnica e do contetide, pois, tanto uma como outra, estardo atreladas ao objetivo que se quer atingir. © que significa dizer que conteré a marca da visio de mundo do professor, ou seja, fundamentalmente da forma como concebe a Histéria e 0 ensino. Um fato que merece reflexdo na pritica do professor de Histéria € 0 uso abusivo das aulas expositivas. O habito € assimilado j4 no 1° e 2° graus e depois consolidado na universidade, quando 0 aluno de Historia passa a assistir a brilhantes explanagées de seus mestres. © exagero no uso do método certamente conduz & produgo de um alunado de baixo senso critico, uma vez que este é colocado na condigo de objeto a ser moldado. Discordar ou defender um ponto de vista diferente & muito dificil para aqueles que tém a sua lisposigao apenas as informagées passadas pelo mestre ou Contidas no livro didético, Sem alternativas, resta a esse aluno assumir um padrao de passividade intelectual sem aprender os caminhos que levem & busca e criagZ0 «lo conhecimento. Nao aprendendo a andar sozinho, sem produzir as suas préprias conclusdes, tornar-se-4 um alvo facil de manipulagio de toda sorte. Esse tipo de ensino cai como uma iuva para a visio positivista da Histéria. Parece que um foi feito para o 55 outro. Histéria linear, causal, evolutiva, politica, dos vencedores, dos herdis, constituem, no seu conjunto, 0 alvo da preferéncia desse professor. ‘A aquisigao de estruturas mentais que permitissem 3) populagéo desenvolver andlises criticas da realidade so- ial, certamente, ndo foi do interesse das elites dominantes tanto da Reptblica Velha, do Estado Novo, como durante} 0 perfodo compreendido pela Guerra Fria. As implicagdes} para as estruturas de poder tanto em nivel nacion: como internacional parecem bvias: pobreza conscient redundaria, sem sombra de diivida, numa organizaca politica contréria aos interesses hegeménicos internos externos. Contingentes de origem rural foram educado: e disciplinados no proprio espaco da fabrica, tendo méquina como principal professor. O fim da Guerr Fria com 0 conseqiiente alijamento do modelo soviétic de socialismo como opgio ao desenvolvimento econd mico, as novas tecnologias que esto a exigir um tra balhador de maior nfvel de escolarizacao eo esgotament da fase de industrializagao via substituicdo de importaca parecem convergir no sentido de criar possibilidades reversio do quadro de abandono do ensino publi apesar da perda da capacidade de financiamento d Estado brasileiro. © perfil de trabalhador hoje necessério a produg d capitalista de ponta é aquele que possua uma cel capacidade de andlise critica da realidade, ou seja, qu combine 0 raciocinio dedutivo ¢ 0 indutivo. Espera~ que 0 trabalhador possa utilizar no seu espago de trabal determinados principios gerais e, ao mesmo tempo, ti conclusées a partir de uma certa variedade de informagi da sua prética didria. Decisées répidas e redugao niveis hierdrquicos tém se mostrado eficazes no aument da produtividade do trabalho. Esse preparo para pens: 56 a realidade e para tomar decisdes nao € adquirido apenas na empresa, Ele requer escolaridade. E 0 ensino de Historia pode vir a ter um papel fundamental na produgo desse perfil de trabalhador. __AS contradigdes dessa Idgica é que a mesma capa- cidade de raciocinio, organizacio e ago que servem & nova fase de acumulagao capitalista servem também as lutas populares. A mesma cabega que ajuda a produzir valor também estard preparada para ganhar consciéncia da l6gica capitalista e produzir novas alternativas de minimizago da exploragio. Assim, a contradigdo que venha a existir seré entre 0 capital e 0 trabalho, e nao em termos de estruturas incompativeis de conhecimento. Espera-se que © conhecimento adquirido sob essa con- cepcio de ensino-aprendizagem venha a servir tanto para a resolugdo dos problemas inerentes ao simples ato de viver quanto para a valorizagio do trabalhador no mer- cado de trabalho. Em busca de uma metodologia de ensino-aprendizagem voltada para a formagio de sujeitos criticos O ensino de Hist6ria, pensamos, deve levar ao refi- namento do pensamento. Classificar, descobrir critérios contidos em classificag6es, comparar, relacionar etc. sio algumas das atividades mentais que deverio caminhar juntas com o ensino de Hist6ria. A fungio de repassador de informagées, que muitos professores ainda entendem ser a sua principal tarefa, h4 muito se tornou anacrénica © em pouco tempo seré atropelada pelas novas tecno- logias. A multimidia, por exemplo, poderé num futuro préximo nivelar professores e alunos em termos de 57 acesso A informagao. Um Gnico compact dise pode conter varios volumes de uma enciclopédia. Com um simples clicar do mouse pode-se consultar informagées que le- variam muito tempo para serem pesquisadas. Esses ser- vigos j4 esto sendo produzidos por equipes interdisci- plinares em diferentes pafses, basicamente por empresas capitalistas ligadas a produgdo de bens culturais. Som, imagem parada, imagem em movimento, documentos histéricos, textos explicativos etc, poderdo ser rapida- mente acessados, Tem-se assim, ao alcance apenas do dedo indicador, a0 mesmo tempo a diacronia e a sin- cronia, textos estruturais, conjunturais. Pode-se consultar varias vezes 0 contetido sem a necessidade da mediagio do professor. Esses equipamentos ndo substituirao 0 professor, mas o professor com o perfil tradicional, pelo menos nas escolas de clientela de maior poder aquisitivo estard, certamente com os dias contados, Para se descobrir e dominar a légica interna de um determinado conhecimento, entretanto, ha que se adotar uma postura ativa diante do objeto que se quer apreender. Para tanto é necessdrio desmonté-lo € remonté-lo, no necessariamente obiendo-se 0 mesmo produto final. O conhecimento € produzido, assim, mediante ago do sujeito sobre 0 objeto que se quer conhecer, isolando-se as partes que compéem 0 todo, produzindo novas com- binagdes etc. Os textos histéricos no fogem a regra. Eles também seguem o mesmo padrdo. Mesmo sobre temas exaustivamente pesquisados pode-se produzir 0 novo, a partir de novos enfoques tedricos. Assim sendo, se se pretende um tipo de aprendizado que nao fique apenas na superficie, no aparente, € necessdrio criar. condigdes para que © aluno adquira os instrumentos. conceituais que Ihe permitam decodificar idéias j4 exis- tentes e produzir novas. 58 A base de tudo sdo os conceitos que sdo representagdes desenvolvidas historicamente pela sociedade humana. Eles tém na palavra o seu sfmbolo mais usual. A palavra pertence a um sistema de classificago e possui como referente ndo um objeto ou ser singular mas um objeto formal, ou seja, algo previamente classificado. A palavra simboliza, assim, uma classificagao. O aprendizado dessas classificagées comega jé desde 0 nascimento, quando as marcas culturais vao sendo inconscientemente assimila- das. Ao compartilhar significados comuns é possfvel aos falantes produzirem trocas simbélicas. Assim, significados comumente adquiridos passam a constituir as senhas que permitirdo a decodificagao simbélica e, portanto, a co- municagao. Desse modo, para se operar conscientemente com as idéias € preciso que se domine tanto o significante quanto o significado. Para comunicé-las, 0 signo deverd ser comum ao grupo, ou seja, que tanto a forma quanto © significado sejam compartilhados. O que ocorreré se um determinado emissor veicular pensamentos utilizando-se, fundamentalmente, de con- ceitos complexos e os seus ouvintes compartilharem apenas © significante e nao o significado transmitido? Obviamente ndo haverd comunicagao. Essa situagdo é muito fécil de ocorrer nas aulas de Histéria, principal- mente quando na sua narrativa o professor se utiliza dos conceitos das Ciéncias Sociais que s4o veiculados basicamente pelas palavras da linguagem natural. Estas sio polissémicas por exceléncia, e mesmo contextuali- zadas prestam-se a produgio de diferentes significados pelos receptores. O que acontece normalmente € que o professor nao se apercebe de que até chegar a construir conceitos com os quais opera percorreu uma longa trajetéria. E mesmo que tenha consciéncia disso, certa- mente, ndo conseguird resgatar 0 caminho percorrido 59 para que também o aluno possa tilh-lo. Ha que se dominar uma metodologia apropriada para que os con- ceitos complexos usados na narrativa histérica possam ser mediados, tornando-se significativos para as clientelas de 1° e 2° graus. Um procedimento usual do professor de Histéria & introduzir na estrutura diacrénica da narrativa a sincronia da explicagdo. Interrompe-se a narrativa para a explicagio de uma idéia e volta-se & narrativa posteriormente. Esse mecanismo muitas vezes inconsciente deverd ser am- pliado, como método, para além da exposigao didatica. A utilizagio de variados recortes textuais, tendo em comum um mesmo conceito central, permitiré ao aluno observar diferentes adequagdes para um mesmo conceito. Ao trabalhar sobre eles 0 aluno experienciaré usos: explicativos simitares em diferentes contextos, apreen-| dendo informagées e, a0 mesmo tempo, apropriando-se} do conceito ¢ das suas possibilidades enquanto instru- mento passtvel de ser operado em situagGes diversificadas. As palavras utilizadas para se veicular os contetidos| histéricos so praticamente as mesmas da fala cotidiana, mas os seus significados no necessariamente 0 sao Elas no séo unfvocas como, por exemplo, os simbolo: usados na linguagem matemética, Mesmo contextualiza~ das, as palavras podem assumir significados variad para 05 ndo-iniciados nos cédigos proprios do grupo. regra € 0 aluno dominar os conceitos do senso comul € ndo os de cardter mais complexo como os empregados pelas Ciéncias Sociais. Definir previamente 0 conceit nem sempre € © caminho mais produtivo. Hé que propiciar um ambiente tal que se permita a0 educand construir a ponte entre © significado que j4 possui correlato de maior nivel de abstragdo proposto. 60 O aluno nao é, assim, uma tébula rasa, onde se pode imprimir conhecimentos. H4 que se levar em conta, pois, todo um actimulo anterior, sobretudo na forma como trabalha a informagao. Grande parte do seu co- nhecimento € elaborado no nivel do subconsciente, que possui uma grande capacidade de armazenagem de dados € de processamento de informagdes. Locus do pensamento intuitivo, essa regido é responsdvel por solugdes que passam desapercebidas da consciéncia. Elas emergem como que de repente, sem que se saiba ao certo a mecinica da sua produgdo. Essa sabedoria existente nos seres humanos nao pode ser negligenciada, pois constitui um patrim6nio pertencente a hist6ria das pessoas. A escola ndo pode desconhecé-la. A solugdo intuitiva surge basicamente quando faltam a consciéncia dados e/ou métodos analiticos que possam ser trabalhados diretamente por esta. A compreensio da realidade ocorre de forma direta sem a mediagao dos conceitos. O pressuposto para que 0 aluno desenvolva pensamentos crescentemente objetivos passa a ser, assim, superagdo do pensamento intuitivo sem que se perca de vista, entretanto, a importancia deste como uma forma alternativa de compreensio da realidade. Uma outra instancia processadora de informagées é © inconsciente. Ele esté submetido fundamentalmente & I6gica do tridngulo edipiano. E 0 espaco do significante, onde diferentes imagens, apropriadas em diferentes épo- cas, so associadas sob 0 primado do desejo. Problemas diurnos so trabalhados sob a forma de sonhos, Estes dificilmente conseguem romper as diversas barreiras impostas pela censura e chegar inteligiveis consciéncia. Mesmo assim, podem apontar solugdes que so acatadas sem que na maioria das vezes questionemos a sua origem ou razao de ser. Assim, as distintas associagdes simbélicas 61 produzidas no inconsciente nao precisam necessariamente ser decodificadas pela consciéncia para produzirem efei- tos. Elas se tornam apenas dispontveis como que deci- dindo o caminho a ser trilhado. Decisdes afetivas e cognitivas sdo, assim, tomadas, muitas vezes, a revelia da nossa consciéncia Obviamente a tarefa do professor € priorizar a Iégica da realidade, pois ela funciona como balizamento para © pensamento racional. Essa forma de pensamento tem a atribuigao de, em tiltima insténcia, fornecer os critérios da verdade objetiva. Nao se pode, entretanto, desconhecer © inconsciente e 0 subconsciente — niveis topolégicos do aparelho psiquico —, uma vez que neles encontram-se processadores que podem suprir caréncias de bases ra- cionais do pensamento. Funcionam, em muitas situagdes, como as tinicas formas de pensamento poss{vel Os textos histéricos so construges légicas aceitas, comumente, como verdadeiras pelos professores. Eles funcionam como se fossem a propria realidade hist6rica. Tem-se como algo implicito que os textos escritos ou verbais, a0 serem introjetados pelo aluno, substituirio formas subjetivas de pensamento. O que acontece € que nem sempre o aluno se apropria da légica subjacente a0 discurso, permanecendo no aparente, decorando e repetindo informagdes. O imagindrio do aluno, por outro lado, no € suficientemente explorado para que se possa a partir dele estabelecer eixos conceituais que possibilitem trocas dialéticas entre 0 aluno, sujeito do conhecimento, e 0 objeto a ser conhecido, e entre as suas distintas instancias do pensamento. Por que entio nao fazer o aluno falar e, af sim, encontrar a partir das suas questdes 0 contetido que lhe seja significative? Construfdo em torno de um conceito central correlato ao espontaneo utilizado pelo aluno, esse 62 contetido poderd servir de mediagSo entre as repre- sentagdes particulares do aluno e 0 conhecimento uni- versalmente produzido, que tem como porta-voz 0 pro- fessor. O que se pretende, na verdade, é que as representagdes do aluno, conscientes ou no, possam servir de elo entre © que ele jé sabe e 0 que se supée necessério que ele venha a saber. Pode-se alegar em relago a esse indicativo de método que o mesmo poderé levar a um destegramento que desfigure a Hist6ria tal como a conhecemos hoje em sua forma tradicional ainda dominante no 1° e 2° graus. Atrelada & linearidade prépria da Histéria factual, essa concepgdo de historia, entretanto, vem perdendo espaco na academia: sao, basicamente, as Histérias analiticas voltadas para temas especificos, muitas vezes marginais, que vém ocupando o lugar da Hist6ria tradicional. Estas tém o mérito de trazer A luz percepgdes e motivacées dos oprimidos deixadas de lado pela impessoalidade das histérias baseadas nas estruturas. Ao se trazer & cena as diferentes falas histéricas sem a preocupagdo com uma teoria que possa ordend-las e dados que possam suplementé-las, pode-se cair, por outro lado, num relativismo inconseqiiente. Para nao se fazer simplesmente meméria em vez de Historia hd que se desenvolver um esforgo tedrico para se contextualizar os varios testemunhos. Diferentes pontos de vista so, entretanto, importantes, ndo para que se possa tomar partido de um ou outro, mas para se compreender melhor a realidade, ja que se terd acesso a diferentes Sticas. Alguns aspectos podem ser levantados sobre essa forma de se conceber a hist6ria e sobre o encaminhamento metodolégico de ensino proposto. A fala do aluno pode assumir no ensino a mesma fungdo que a fala do 63 oprimido na Histéria das Mentalidades. O aluno € tes- temunha da sua época, tanto do cotidiano como dos acontecimentos que tém noticia pelos meios de comu- nicagéo. Coordenado por um professor capaz, 0 seu imaginério poderé servir como matéria-prima para a produgdo de uma Historia instantinea. Resgatar, no entanto, as diferentes falas numa sala de aula e adicionar mais uma, a do professor, seria fazer algo semelhante A meméria em relagdo a Histéria. Nao hé, por outro lado, a necessidade de a opinido do professor ser a palavra final, sufocando as demais. O ensino de Historia ndo deve ser, portanto, encarado como um produto € sim como um processo que admite diferentes enfoques, conclusées provisérias ¢ relativas. A produgio textual dos alunos, verbal ou ndo, decorrerd, assim, das trocas horizontais entre os pares e verticais, com base na andlise critica de uma pluralidade de pensamentos de diferentes épocas ¢ lugares que a linguagem escrita e outros meios de comunicagdo permitem fazer com que fiquem disponfveis. S40 pensamentos que ganharao vida ao serem repensados e comunicados. A atividade mental de pensar, além de recriar o pensamento, produzindo novidades, deixaré marcas mneménicas no sujeito cog- noscente, passiveis de serem resgatadas, a posteriori, para serem aplicadas em diferentes situagdes de vida. © equivalente & meméria para o ensino da Historia 6 0 senso comum. O que vai permitir que se produza uma instancia critica sobre 0 préprio pensamento € 0 exercicio da reflexio e para isso é indispensdvel a posse de categorias e conceitos adequados ao objeto da reflexio, isto 6, &s idéias do senso comum. Um ensino de Histéria que nio contenha essa preocupacdo estard, certamente, a servigo do atravessamento, ou seja, do imobilismo. 64 Espera-se que, no mais curto espago de tempo, trans- formagées significativas sejam implementadas no ensino da Histéria, possibilitando, assim, que um ntimero cres- cente de brasileiros possa apropriar-se de formas efi- cientes de pensar a realidade, habilitando-se, como ope- radores simbilicos, 3s novas tecnologias. Sem que 0 conjunto da populagao adquira um mfnimo de conheci- mento da nossa trajetéria como povo dificilmente se poderé produzir um projeto ndo-excludente de nagéo. Referéncias bibliograficas BARREMBLIT, G. (1992). Compéndio de andlise institucional e outras correntes: teoria e pratica. Rio de Janeiro, Rosa dos Tempos. BAZARIAN, J. (1988). O problema da verdade — teoria do conhecimento. 3* ed. Sio Paulo, Editora Alfa-Omega. BRENNER, C. (1975). Nogdes bdsicas de psicandlise: intro- dugdo a psicologia psicanalitica. 3* ed. Rio de Janeiro, Imago; So Paulo, Ed. da Universidade de Sao Paulo. FOUCAULT, M. (1984). Microfisica do poder. &* ed, Rio de Janeiro, Edigdes Graal. FREUD, S. (1972). A interpretacao dos sonhos (segunda parte) € sobre sonhos. Volume V (1900-1901). I* ed. Rio de Janeiro, Imago, FREITAG, B. (1993). Aspectos filoséficos e sécio-antropolé- gicos do construtivismo pés-piagetiano — 1. In: GROSSI, E, P, & BORDIN, J. (orgs.). Construtivismo piagetiano um novo paradigma sobre a aprendizagem. 4° ed. Petrépolis, Vozes. LE GOFF, J. (1990). A Histéria Nova. Sio Paulo, Martins Fontes. PIAGET, J. (1983). Problemas de psicologia genética. In: Piaget. Sio Paulo, Abril Cultural (Col. Os Pensadores). . (1973). Psicologia e epistemologia: por uma teoria do conhecimento. 1* ed. Rio de Janeiro, Forense. 65 PIAGET, J. (1989). Seis estudos de Psicologia. 1* ed. Rio de Janeiro, Forense Universitaria. SCHAFF, A. (1991). Histéria e verdade. 3* ed. Sao Paulo, Martins Fontes. SILVA, M. B. N. da (1976). Teoria da Hist6ria, Si Paulo, Cultrix. Tempo Brasileiro n° 29. A linguagem ¢ 0s signos. Comunicaca0, poética, semiologia: textos bésicos. Abr.-jun. 1972. VYGOTSKY, L. S. (1987). Pensamento e linguagem. I* ed. Sio Paulo, Martins Fontes. 4 O ensino de Histéria no contexto das transigdes paradigmaticas da Historia e da Educagaéo Marilia Beatriz Azevedo Cruz* Uma concepgao positivista da Hist6ria, caracterizada pela idéia de um conhecimento absoluto, definitivo, pois comprovado pelos “fatos”. Transformagées que ocorrem de maneira mecfnica, num encadeamento de causas € conseqiiéncias. A Hist6ria, como um conhecimento glo- bal, organizando todo 0 passado da humanidade num continuum harmonioso, que sofre transformagées em conjunto, como se a humanidade se constituisse num todo que evolui a partir de causas ¢ conseqiiéncias comuns. Enfim, hé um conhecimento pronto, acabado, nao passivel, portanto, de questionamento. Essas foram as concepgdes de Histéria encontradas nas respostas de um grupo de alunos pés-graduados aos quais foi solicitado que respondessem & pergunta “O que € Hist6ria?”. Objetivando investigar as concepgdes predominantes de Histéria em um grupo de pessoas detentoras de diploma de nivel superior, oriundas de diferentes areas do conhecimento, realizamos a pesquisa em cursos de pés-graduagdo em Educagio, que se caracterizam, do Fluminense.

You might also like