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Livro - Reforma Previdenciária - ANA ELISE
Livro - Reforma Previdenciária - ANA ELISE
Reforma previdenciária:
análise técnica e apolítica
Diego Henrique Schuster
Fábio dos Passos
Maria Fernanda Wirth
Copyright © IBDP
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Ficha Catalográfica
Reforma Previdenciária: análise técnica e apolítica / Organizadores Diego
Henrique Schuster, Fábio dos Passos, Maria Fernanda Wirth. – Curitiba: Instituto
Brasileiro de Direito Previdenciário – IBDP, 2020.
376 f.
ISBN 978-65-87789-01-9
e-book
Bibliografia
1 A Ordem Social pode ser tomada como parcela da ordem jurídica destinada a disciplinar
o conjunto das relações sociais, compondo o que se considera o constitucionalismo social
dirigente. SAVARIS, José Antonio e ROCHA, Daniel Machado da. Direito Previdenciário:
fundamentos de interpretação e aplicação. Curitiba: Alteridade, 2019, p. 92.
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REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
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A força dos precedentes judiciais em tempos pós-reforma da previdência
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SUMÁRIO
ABONO DE PERMANÊNCIA
Majoly Aline dos Anjos Hardy................................................................... 221
Referências bibliográficas................................................................. 232
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Sumário
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Sumário
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A FORÇA DOS PRECEDENTES
JUDICIAIS EM TEMPOS PÓS-REFORMA
DA PREVIDÊNCIA
INTRODUÇÃO
Uma sociedade que se repute igualitária deve ter o ideal de justiça como
parâmetro de sua atuação.
Nosso ordenamento jurídico constitucional eleva a isonomia e a justiça
como objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil.3
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A força dos precedentes judiciais em tempos pós-reforma da previdência
8 Art. 5, XXXVI − a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.
9 Porto, José Roberto Sotero de Mello. Teoria Geral dos casos repetitivos. 1ª ed. Rio de Janei-
ro: LMJ Mundo Jurídico, 2018, p. 27.
10 Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I − construir uma sociedade livre, justa e solidária; (...)
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11 Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a
respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se
trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.
12 Art. 371. O juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a
tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento.
13 Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e
coerente.
§ 1º Na forma estabelecida e segundo os pressupostos fixados no regimento interno, os tri-
bunais editarão enunciados de súmula correspondentes a sua jurisprudência dominante.
§ 2º Ao editar enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos
precedentes que motivaram sua criação.
14 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberda-
de, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)
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A força dos precedentes judiciais em tempos pós-reforma da previdência
15 Art. 927. (...) § 2º A alteração de tese jurídica adotada em enunciado de súmula ou em jul-
gamento de casos repetitivos poderá ser precedida de audiências públicas e da participação
de pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese.
§ 3º Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e
dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver
modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica.
§ 4º A modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotada
em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação adequada e
específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da
isonomia.
16 Art. 5º Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo
com a boa-fé.
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REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
que fica evidente que nosso ordenamento jurídico se alinha com o sistema
jurídico conhecido como civil law (românico-germânico), onde a lei é a
principal fonte do direito. Advirta-se, falamos a “principal” e não a “única”
fonte do direito.
Sem pretensão de estudar profundamente o tema, temos, ao lado da lei,
a jurisprudência, a doutrina e os costumes como fontes do direito.
A existência de mais de uma fonte do direito é salutar na medida em
que a lei como norma geral, abstrata e impessoal, não consegue acompanhar
as mudanças constantes da sociedade e da economia, muito isso creditado
ao formal e dificultoso processo legislativo de alteração das leis previsto na
lei magna.
Nesse contexto, verifica-se que a fonte do direito que mais consegue
acompanhar as mudanças da sociedade é a jurisprudência, face o princípio
constitucional de acesso à justiça exigir do juiz e dos tribunais a resolução
dos litígios colocados ao seu crivo.
E falando em jurisprudência, existe jurisprudência que pode realmente
obrigar o juiz ou tribunal a seguir o entendimento firmado nessa fonte do direito?
A pergunta é importante considerando o art. 5º, II, da Constituição Fe-
deral que erige apenas a lei como fonte principal do direito.
De acordo com o art. 927 do código de processo civil, a resposta é po-
sitiva.17
Assim sendo, é primordial estudar a diferenciação das expressões juris-
prudência, súmula e precedente dentro do contexto processual civil em vigor,
pois, embora muito próximas, não possuem o mesmo significado e efeito
vinculante de sua razão de decidir.
De forma singela, podemos dizer que jurisprudência consiste no con-
junto reiterado de decisões judiciais no mesmo sentido para casos concretos
semelhantes proferidos por órgãos colegiados.
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A força dos precedentes judiciais em tempos pós-reforma da previdência
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19 Art. 5º. (...) II − ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em
virtude de lei;
20 Art. 947. É admissível a assunção de competência quando o julgamento de recurso, de re-
messa necessária ou de processo de competência originária envolver relevante questão de
direito, com grande repercussão social, sem repetição em múltiplos processos.
Art. 948. Arguida, em controle difuso, a inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo do
poder público, o relator, após ouvir o Ministério Público e as partes, submeterá a questão à
turma ou à câmara à qual competir o conhecimento do processo.
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A força dos precedentes judiciais em tempos pós-reforma da previdência
21 Didier Jr., Fredie; Braga, Paula Sarno; Oliveira, Rafael Alexandria de. Curso de direito pro-
cessual civil: teoria da prova, direito probatório, decisão, precedente, coisa julgada e tu-
tela provisória. 13ª ed. Salvador: Ed. Jus Podivm, 2018, pág. 513.
22 Peixoto, Ravi. Superação do precedente e segurança jurídica. 4ª ed. Salvador: Editora Jus
Podivm, 2019, pág. 195.
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A força dos precedentes judiciais em tempos pós-reforma da previdência
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A força dos precedentes judiciais em tempos pós-reforma da previdência
CONCLUSÃO
É inegável que a técnica de utilização dos precedentes judiciais pode pro-
piciar maior segurança jurídica, na medida em que o jurisdicionado ao litigar
em juízo, já poderia fazer um juízo de probabilidade do resultado do seu pleito,
considerando o entendimento jurídico firmado em decisões paradigmáticas dos
tribunais que o código de processo civil considera como vinculante.
Como a legislação processual civil em vigor admite a participação do
amigo da corte28 na formação de seus precedentes, em princípio, podemos
dizer que o tribunal emitirá a decisão mais democrática e justa, tendo em vista
que adotará uma razão de decidir após debate de pontos de vista antagônicos
de vários setores da sociedade. Tanto é assim, que esses precedentes estão
sujeitos a revisão sempre que houver alteração substancial de caráter jurídico,
social, econômico ou político, como ocorre toda vez que houve uma reforma
tão profunda na previdência social.
O que se espera de tudo isso é que na formulação da razão de decidir dos
precedentes, seja na forma inédita ou através de sua revisão, é que não se deixe
de levar em conta todas as consequências de ordem não apenas econômica,
mas também de proteção social, que advém dessas decisões, sobretudo em
matéria de direito fundamental social como é a previdência social.29
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A força dos precedentes judiciais em tempos pós-reforma da previdência
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DIDIER JR., Fredie; Braga, Paula Sarno; Oliveira, Rafael Alexandria de. Curso de direito
processual civil: teoria da prova, direito probatório, decisão, precedente, coisa
julgada e tutela provisória. 13ª ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2018.
PEIXOTO, Ravi. Superação do precedente e segurança jurídica. 4ª ed. Salvador: Editora
JusPodivm, 2019.
PORTO, José Roberto Sotero de Mello. Teoria Geral dos casos repetitivos. 1ª ed. Rio de
Janeiro: LMJ Mundo Jurídico, 2018.
se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as conse-
quências práticas da decisão”.
30 Art. 6º Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo
razoável, decisão de mérito justa e efetiva.
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TEMPO FICTÍCIO E AS REFORMAS
PREVIDENCIÁRIAS NO BRASIL
Alexandre S. Triches1
INTRODUÇÃO
Uma das alterações mais impactantes na reforma da Previdência Social,
inaugurada com a promulgação da Emenda Constitucional nº 103, de 13 de
novembro de 2020 diz respeito ao que se denomina de princípio da contra-
partida.
Segundo este princípio não pode haver benefício sem a contrapartida de
uma contribuição, e o inverso também é válido: não deve haver contribuição
sem o direito ao benefício.
A leitura da emenda constitucional nº 103/19 faz ver que uma das mais
relevantes preocupações do legislador reformista foi implementar de forma
bastante expressiva este ideal contributivo. Inúmeras são as situações do novo
texto que condicionam, sem exceção, que a prestação do benefício dependerá
da prévia contribuição. É o caso do artigo do artigo 1º da EC nº 103/20, que
inseriu o parágrafo 14 no artigo 201 do texto constitucional.
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REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
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REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
Artigo 201.
§ 14. É vedada a contagem de tempo de contribuição fictício para efeito
de concessão dos benefícios previdenciários e de contagem recíproca.
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REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
Ressalta-se que até 1993, não havia caráter contributivo no regime dos
servidores. Rangel5 refere que a aposentadoria no setor público surge como
uma garantia, e até mesmo um prêmio, atribuído em razão da natureza de
sua vinculação com a atividade estatal.
É importante destacar que no texto original do artigo 201 e mesmo após
as emendas constitucionais, a Constituição de 1988 diz que nenhum benefí-
cio que substitua o salário de contribuição ou o rendimento do trabalho do
segurado terá valor mensal inferior ao salário mínimo. Esta é uma questão
fiscal importante e central no debate da reforma.6
Além disto, segundo Rangel7 em 1993, com a Emenda Constitucional nº 3
o plano previdenciário dos servidores públicos passa a ter caráter contributivo.
Foi em 1993 também que segundo Rangel8 no Relatório Antônio Britto
foi feito o seguinte diagnóstico: a Previdência Social vivia a soma de três crises,
que envolviam questões que abrangiam horizontes de curto, médio e longo
prazos: circunstancial associada aos efeitos da recessão econômica, gerencial
e estrutural, caracterizada, especialmente, pela inexistência de conceitos e
limites claros das diferenças entre Previdência Social e Seguridade Social.
Nota-se ainda que foram feitas sugestões − algumas presentes no debate
sobre a reforma da previdência até hoje − tais como: a vinculação das fontes
de financiamento, com as receitas sobre folha de salários custeando somente
a Previdência Social; a Assistência Social e a saúde ficando por conta de ou-
tras fontes, com a possibilidade de criação da contribuição sobre transações
financeiras; e possíveis alterações no plano de benefícios dos vários sistemas.9
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Tempo fictício e as reformas previdenciárias no Brasil
Por isso aqui, o que está em jogo não é o volume de gastos, mas sim o
caráter contributivo da Previdência Social.
Algumas questões pontuais envolvendo tempo fictício na Previdência Social.
Estabelecidas algumas premissas fundamentais com relação ao tempo
fictício na Previdência Social, assim como da regra da contrapartida e das
questões históricas e de direito adquirido envolvidas cabe avançar no tema
analisando algumas questões que podem gerar dúvidas relacionadas ao tempo
fictício nos casos concretos.
Uma importante análise que precisa ser realizada no contexto atual é
com relação ao tempo em que o segurado do regime geral de Previdência
Social permanece afastado do trabalho em razão da percepção do benefício
por incapacidade. É o caso do auxílio-doença e da aposentadoria por inva-
lidez que, com as alterações da Emenda Constitucional nº 103/20 passam a
ser denominados, respectivamente, de auxilio por incapacidade temporária
e por incapacidade permanente
A concessão dos benefícios por incapacidade irá depender do preen-
chimento dos requisitos das prestações. É necessário comprovar o período
de carência exigido, assim como a qualidade de segurado e a incapacitação.
Prevê o novíssimo artigo 201 da Constituição Federal de 1988:
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REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
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Tempo fictício e as reformas previdenciárias no Brasil
CONCLUSÃO
A primeira redação da Constituição Federal de 1988 estabelecia, dentre
as aposentadorias devidas aos trabalhadores brasileiros a aposentadoria por
tempo de serviço.
Da lá para cá o contexto histórico mudou completamente, em especial
em face da crise fiscal dos países no mundo todo, os riscos globais e o indivi-
dualismo que passou a predominar nas políticas em matéria de previdência
em todo o mundo.
Em face disso as reformas previdenciárias das últimas décadas têm pre-
conizado o respeito ao equilíbrio financeiro e atuarial da Previdência Social,
conforme restou demonstrado no presente artigo. Para isso foi dado especial
destaque ao principio da contrapartida, no sentido de que nenhum benefício
ou serviço deva ser concedido sem a prévia fonte de custeio.
No âmbito individual esta nova forma de se regular a Previdência está
consubstanciado no fenômeno da vedação do tempo fictício, que nada mais
é do que aquele período de tempo que, mesmo não havendo exercício de
trabalho ou recolhimento previdenciário era computado como tempo para
fins de aposentadoria.
A nova normativa constitucional trazida pela Emenda Constitucional
nº 103/20, inclusive, passa a denominar a aposentadoria como algo progra-
mado, permitindo que o segurado promova migração de contribuições entre
uma competência para outra e recolha o valor suplementar necessário para
a aposentadoria, algo muito parecido com os sistemas privados, sob regime
de capitalização.
Vive-se uma nova era na Previdência do Brasil, sem dúvida. Ironicamente
ela passa a ser regulamenta justamente no momento em que o mundo inteiro
vive uma grave crise: a pandemia da covid-19. Não se sabe ao certo o que
acontecerá nos próximos anos do ponto de vista social. O que se discute no
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REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CAMPOS, Daniel Guido Torreão. Considerações e reflexões sobre a previdência Social no
Brasil. Monografia. Disponível em: https://pantheon.ufrj.br/bitstream/11422/4684/3/
DGTCampos.pdf. Acesso em: 07/07/2020.
Dicionário Online de Português. Disponível em: https://www.dicio.com.br/ficcao/.
Acesso em: 07.07.2020.
SAER, Juan José. O conceito de ficção. Revista Sopro. Agosto de 2019. Disponível em:
http://www.culturaebarbarie.org/sopro/n15.pdf. Acesso em 07.07.2020.
MODESTO, Paulo. A norma mais chocante da nova reforma da previdência. Portal
Consultor Jurídico. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-nov-14/
interesse-publico-norma-chocante-reforma-previdencia. Acesso em 07/07/2020.
RANGEL, L, et al. Conquistas, Desafios e Perspectivas da Previdência Social no Brasil
vinte anos após a promulgação da Constituição Federal de 1988. Políticas Sociais:
acompanhamento e análise − Vinte Anos da Constituição Federal, volume 1, 2009.
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PENSÃO POR MORTE DE MILITARES
NO BRASIL: PRIVILÉGIO DE TRATAMENTO
DOS DEMAIS BENEFICIÁRIOS POR QUÊ?
I – INTRODUÇÃO
O ano de 2019 foi marcado por profundas alterações nos sistemas de
previdência dos servidores públicos civis, dos trabalhadores da iniciativa pri-
vada e também dos militares. Nesse sentido, este estudo tem como objetivo
analisar as alterações trazidas pela Lei Federal nº 13.954/19, especificamente
em relação à pensão por morte paga aos beneficiários dos militares, fazendo
uma correlação com as alterações no benefício de pensão por morte paga aos
dependentes do Regime Próprio de Previdência dos Servidores Públicos e do
Regime Geral de Previdência Social.
Antes de iniciar o estudo da pensão por morte dos militares, é importante
destacar quem são os servidores militares. Nos termos do artigo 142, §3º da
1 Advogado, sócio do escritório Avelino Advogados. Mestre em Direito Público pela PUC-
-Minas. Professor do curso de pós graduação em Direito Previdenciário da PUC Minas e da
Escola Superior de Advocacia da OAB/MG. Conselheiro da OAB/MG. Presidente da Comis-
são de Direito Previdenciário da OAB/MG (Previdência dos Militares). Diretor Adjunto da
Diretoria de Direito Previdenciário Militar do IBDP.
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REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
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Pensão por morte de militares no Brasil
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REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
Art. 50-A. O Sistema de Proteção Social dos Militares das Forças Ar-
madas é o conjunto integrado de direitos, serviços e ações, permanentes e
interativas, de remuneração, pensão, saúde e assistência, nos termos desta
Lei e das regulamentações específicas.
Neste sentido, não posso concordar com a ideia de que não existe um
regime de previdência para os militares, nos moldes do Regime Geral de Pre-
vidência Social, do Regime Próprio de Previdência dos Servidores Públicos
e do Regime de Previdência Complementar. Ora, se o militar implementa os
requisitos legais para receber em pecúnia, mês a mês, até o seu falecimento,
sem efetivamente trabalhar, um benefício mensal que lhe garanta a subsistên-
cia, a isso eu não consigo enxergar como sendo o benefício da aposentadoria,
como é em qualquer regime de previdência existente no país.
Tenho consciência de que os militares, tecnicamente, não se aposentam,
pois, ao fazerem parte do quadro da reserva remunerada, podem ser convoca-
dos compulsoriamente à ativa, a qualquer momento, nos termos do art. 3º, §
1º, “b”, I, da Lei n. 6.880/80. No entanto, estudos técnicos mostram que um
número muito reduzido de militares são convocados compulsoriamente à
ativa, seja por que o Brasil não tem um histórico de participação em guerras
ou atividades militares em outros países, seja por que, de fato, não existiu a
necessidade dos militares serem convocados à ativa.
Segundo Teixeira (2019), entre os anos de 2012 e 2016, apenas 1.221 mili-
tares da reserva foram convocados, de um total de 160 mil reservistas, o que dá
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Pensão por morte de militares no Brasil
2 De acordo com o artigo 14 da Lei 6.880/80, que dispõe sobre o Estatuto dos Militares, a
“hierarquia militar é a ordenação da autoridade, em níveis diferentes, dentro da estrutura das
Forças Armadas e das Forças Auxiliares por postos e graduações.”. Por sua vez, o §1º do artigo
14 da mesma Lei, diz que são manifestações essenciais da disciplina “a correção de atitude;
a obediência pronta às ordens dos superiores hierárquicos; a dedicação integral ao serviço; a
colaboração espontânea à disciplina coletiva e à eficiência da instituição; a consciência das res-
ponsabilidades; a rigorosa observância das prescrições regulamentares.”.
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REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
Finalmente, relevante destacar que boa parte dos países adotam sistemas
de proteção social dos militares, tais como a Inglaterra, os Estados Unidos,
China, França, México, Rússia, Alemanha e Argentina (LEAL, 2016). No en-
tanto, mesmo adotando um sistema de proteção social separado dos Regimes
de Previdências, esses países não têm regras tão benéficas aos militares em
termos de aposentadorias e pensões.
A título de exemplo, após a Reforma da Previdência, no setor privado, os
trabalhadores se aposentam com no máximo R$ 6.101,06 e têm que contribuir
por 49 anos para o Regime Geral de Previdência Social e ter idade mínima
de 65 anos. Já um militar que vai para a reserva remunerada, mesmo com as
alterações trazidas pela Lei 13.954/19, não tem exigência de idade mínima,
tem que contribuir por 35 anos como militar e não limitação de teto para
o benefício, à exceção do teto constitucional do subsídio dos Ministros do
STF. Além disso, os militares, assim como os servidores públicos, possuem
estabilidade funcional, garantido a classe enorme segurança de seus empregos
e renda, principalmente em um país que passa por constantes crises econô-
micas como o Brasil, provocando, dentre outros problemas, o desemprego
dos trabalhadores da iniciativa privada.
Segundo Mori (2018), nos Estados Unidos, país que possui constante
atuação dos militares em guerras, a aposentadoria dos militares é propor-
cional, onde cada ano de serviços prestados corresponde a 2% do salário
para aposentadoria. Assim, segundo a Letícia Mori, com 30 anos prestados
ao serviço militar, a aposentadoria representa 60% do salário. A autora
continua descrevendo que no Reno Unido, passados 30 anos de serviço
militar, a aposentadoria corresponderá a 43% do salário, de acordo com o
Departamento de Defesa e Forças Armadas local. Só em caso de invalidez
proveniente de acidente no trabalho é que a aposentadoria seria integral, o
que é perfeitamente justo.
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Pensão por morte de militares no Brasil
Proteção Social. As pensionistas dos militares das Forças Armadas que até
então não contribuíam, passaram a contribuir com alíquotas que podem chegar
a 13,5%, para alguns casos de filhas pensionistas vitalícias não inválidas, já
incluindo o sistema de saúde. No entanto, a contribuição previdenciária dos
servidores públicos civis foi majorada, podendo chegar a 22%, através de um
sistema progressivo por faixas salariais.
Por fim, cabe destacar um ponto crucial na Reforma da Previdência dos
Militares que foi a reestruturação das carreiras militares, com aumentos sig-
nificativos de vencimentos dos oficiais e praças, incorporáveis para fins de
inatividade e pensão. Ora, se a intenção da Reforma da Previdência do RPPS
e do RGPS era diminuir gastos, com a Reforma da Previdência dos Militares,
muito embora o Governo Federal tenha defendido que em 10 anos haverá
uma economia de cerca de 10 bilhões de reais, o que é pouso significativo em
vista do déficit do sistema de Proteção Social do Militar.
Portanto, não existem a meu ver, justificativas razoáveis para a manu-
tenção de um sistema destacado de previdência social dos militares, chamado
de Sistema de Proteção Social, uma vez que a Reforma da Previdência buscou
convergir as regras de custeio e de pagamento de benefícios previdenciários
do Regime Geral de Previdência Social e do Regime Próprio de Previdência
Social dos Servidores Públicos, não sendo crível a existência de um Sistema
de Proteção Social dos Militares com regras específicas que privilegiam os
militares e seus beneficiários e dependentes, impedindo um debate jurídico,
econômico e atuarial com os próprios militares, que alegam não ser possível
essa discussão no âmbito previdenciário, pelo fato de não se tratar de um
regime de previdência.
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Pensão por morte de militares no Brasil
sua vez, o rol de beneficiário para fins de pensão está definido no artigo 7º
da Lei Federal 3.765/60 (alterada pela MP 2.215-01). Portanto, utiliza-se a
expressão ‘beneficiário’ para fins de pensão e ‘dependente’ para fins de trata-
mento médico-hospitalar.
Na mesma linha de raciocínio,
3 As normas que disciplinavam sobre a assistência a saúde dos dependentes das Forças Arma-
das era regulamentada pelo Decreto n° 92.512, de 2 de abril de 1986.
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REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
Veja que era um rol bastante extenso de dependentes dos militares das
Forças Armadas, onde poderiam ser incluídos, dentre outros, a sogra e a
madrasta viúvas, a irmã, a cunhada e a sobrinha solteiras ou viúvas que não
recebessem remuneração, o que onerava substancialmente os cofres públicos
dada sua amplitude e baixa arrecadação de contribuição para o sistema de
proteção social.
Para adequar a uma nova realidade social, a Lei 13.954/19, veio reduzir
consubstancialmente o número de dependentes dos militares, sendo que
atualmente o citado artigo 50, §2º da Lei 6.880/60, tem a seguinte redação:
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Pensão por morte de militares no Brasil
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REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
gral aos dependentes da pensão por morte de policiais não militares e agentes
socioeducativos que falecerem em decorrência do trabalho.
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REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
IV – CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante deste breve estudo, é possível afirmar que mesmo com as alte-
rações trazidas pela Lei Federal 13.954/19, intitulada como a Reforma da
Previdência dos Militares, que reduziu o número de dependentes de militares
para fins de assistência médico-hospitalar descritos no artigo 50, § 2º da Lei
6.880/80 e também reduziu a quantidade de beneficiários para fins de pensão
por morte, descritos no artigo 7º da Lei 3.765/60, existe clara vantagem dos
pensionistas de militares em relação aos pensionistas de servidores públicos
civis e de segurados do INSS. Essa vantagem se manifesta no sentido de que
os beneficiários à pensão por morte de militares não tem nenhuma redução
no benefício, recebendo-o de forma integral, enquanto que os pensionistas
do Regime Geral de Previdência Social e dos Regime Próprio de Previdência
Social, após a vigência da Emenda Constitucional n 103/2019, têm o benefício
da pensão pagos no índice de 50%, mas 10% por beneficiário, limitado a no
máximo 100% do benefício do instituidor da pensão.
Todavia, ressalvo que entendo ser justo o pagamento da pensão por morte
aos pensionistas de militares que falecerem em operações militares, dada a
circunstância da morte em decorrência do trabalho.
Outro aspecto a ser destacado como vantajoso os pensionistas de milita-
res é que, caso algum pensionista perca a condição de beneficiário, sua cota
parte de pensão reverte-se para o todo, caso existam outros beneficiários, o
que não acontece mais com os pensionistas do INSS e de servidores públicos
civis falecidos.
Além disso, os beneficiários cônjuges ou companheiros(as) de pensão
dos militares, recebem o benefício vitalício, não importando a idade do pen-
sionista. Já os cônjuges e companheiros(as) do RGPS ou do RPPS, só recebem
a pensão vitalícia se tiverem 44 anos ou mais de idade.
Neste sentido, se a justificativa de existir um Sistema de Proteção Social
específico para o militar é reconhecer as peculiaridades do exercício do seu
trabalho, tal fundamento não deve ser estendido aos pensionistas, uma vez
que o pensionista não exerce a atividade militar com riscos a integridade
física. Não é razoável dar tratamento diferenciado e claramente vantajoso do
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REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
V – REFERÊNCIAS
ALMEIDA, João Carlos da Silva. Assistência médico-hospitalar nas Forças Armadas.
Disponível em <https://jus.com.br/artigos/56001/assistencia-medico-hospitalar-
-nas-forcas-armadas>. Acesso em 04 Jul. 2020.
BOUCINHAS, Jorge. As aposentadorias de militares no Brasil são mais generosas do
que as de outros países? Disponível em <https://economia.uol.com.br/noticias/
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zembro de 1980 (Estatuto dos Militares), a Lei nº 3.765, de 4 de maio de 1960, a
Lei nº 4.375, de 17 de agosto de 1964 (Lei do Serviço Militar), a Lei nº 5.821, de
10 de novembro de 1972, a Lei nº 12.705, de 8 de agosto de 2012, e o Decreto-Lei
nº 667, de 2 de julho de 1969, para reestruturar a carreira militar e dispor sobre o
Sistema de Proteção Social dos Militares; revoga dispositivos e anexos da Medida
Provisória nº 2.215-10, de 31 de agosto de 2001, e da Lei nº 11.784, de 22 de se-
tembro de 2008; e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.
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BRASIL. Lei n. 6.880, de 9 de dezembro de 1980. Dispõe sobre o Estatuto dos Militares.
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TEIXEIRA, Lucas Borges. Militares dizem não se aposentar, mas só 1% dos reservistas são
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SANTOS, Marisa Ferreira dos. Direito Previdenciário Esquematizado. 8ª ed. São Paulo.
Saraiva, 2018.
63
SEGURANÇA JURÍDICA, PREVISIBILIDADE
E PROTEÇÃO SOCIAL: UMA ANÁLISE
DO ARTIGO 29 DA EC 103/2019
1. INTRODUÇÃO
Tradicionalmente, quando a doutrina estuda o direito público, atenta-
-se para que o Estado pode fazer e não o que deve respeitar.3 Neste contexto,
revela-se extremamente relevante a análise das limitações a que o Poder
Público deve ater-se, especialmente se considerarmos os efeitos práticos de
determinada política pública ou dispositivo legal.
65
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
66
Segurança jurídica, previsibilidade e proteção social
67
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
10 CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de direito previdenciá-
rio. 23º edição. Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 9.
11 CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de direito previdenciá-
rio. 23º edição. Rio de Janeiro: Forense, 2020. p. 69.
12 SERAU JUNIOR, Marco Aurélio. Seguridade Social e direitos fundamentais. 4ª edição.
Curitiba: Juruá, 2020, p.183 e 184.
68
Segurança jurídica, previsibilidade e proteção social
Art. 29. Até que entre em vigor lei que disponha sobre o § 14 do art.
195 da Constituição Federal, o segurado que, no somatório de remu-
nerações auferidas no período de 1 (um) mês, receber remuneração inferior
ao limite mínimo mensal do salário de contribuição poderá:
I − complementar a sua contribuição, de forma a alcançar o limite
mínimo exigido;
II − utilizar o valor da contribuição que exceder o limite mínimo de
contribuição de uma competência em outra; ou
III − agrupar contribuições inferiores ao limite mínimo de diferentes
competências, para aproveitamento em contribuições mínimas mensais.
Parágrafo único. Os ajustes de complementação ou agrupamento de
contribuições previstos nos incisos I, II e III do caput somente poderão ser
feitos ao longo do mesmo ano civil.
69
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
14 LAZZARI, João Batista; CASTRO, Carlos Alberto Pereira. Manual de Direito Previdenciário.
23ª ed. 2019, p. 124.
70
Segurança jurídica, previsibilidade e proteção social
71
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
Logo, por mais que não seja notada por quem lhe experimenta ou por
mais atraente que seja a proposta, há reflexos direitos ao indivíduo, que deve
ser considerado um sujeito de direito e não um simples objeto ou um meio
a serviço de outros fins.
Ser tratado como sujeito “[...] é ter a capacidade de ser autor da própria
identidade e da própria vida, agindo consciente e livremente para definir os
próprios desígnios e as próprias responsabilidades, com estas arcando intei-
ramente depois de agir”.16
A autonomia individual precisa ser efetiva e não uma mera pretensão
normativa. Assim, cumpre ao Estado respeitá-la e “[...] atuar para protegê-la,
adotando medidas adequadas e necessárias à sua promoção”.17 Isso porque
inexiste liberdade quando o indivíduo não tem a mínima condição de prever
as consequências que seus atos irão produzir.18
E a legalidade está atrelada a este ponto: por atingir o patrimônio indivi-
dual pelo Estado, a instituição de um tributo não pode decorrer do alvedrio
do sujeito ativo.19 Exige-se um controle pela sociedade, exercido pela legali-
dade, que configura, portanto, muito mais do que “mera exigência de lei em
sentido formal, é a consagração da prévia concordância dos representantes
da população às novas exigências fiscais”.20
A legalidade, neste sentido, possui um significado de aprovação: “visa
atender essencialmente a uma necessidade de controle para que os cidadãos
não sejam atingidos sem que, através do princípio representativo, tenham
‘concordado’ com a exigência pecuniária que lhes é feita”.21
Ao não conseguir controlar o poder público ou as suas ações, eis que
inexistindo lei, o indivíduo poderá exercer fato que, posteriormente, pode ser
72
Segurança jurídica, previsibilidade e proteção social
73
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
Por fim, não deve o direito ser contraditório: para que alguém possa ter
condições de programar seu futuro e, de forma livre, determinar seu curso,
precisa compreender as regras e as consequências que suas medidas trarão.29
Se o direito dimensiona consequências ou qualifica fatos de forma contradi-
tória, o sujeito não tem condições de razoavelmente traçar seu futuro. Logo,
para que seja tratado como sujeito de direito, é essencial que as regras o
reconheçam como tal.30
Não há condições de preservação e promoção de uma vida livre e digna
sem que exista um Estado de Direito31: “o direito deve ser conhecido, com-
preendido, estável, não contraditório, igualitário, prospectivo e efetivo; deve
permitir ao indivíduo ter plena capacidade de viver o presente e conceber o
futuro com liberdade”.32 Somente assim será tratado como sujeito e não como
um fim, ou um objeto ou, ainda, como um meio a serviço de outros fins, por
melhores que estes possam ser.
A legalidade relaciona-se, também, com os ideais democráticos, pois
é a democracia que permite ao cidadão participar, diretamente ou por
representantes por ele escolhidos, da conformação do direito, o qual irá
limitar futuramente a sua liberdade.33 Assim, a legalidade reflete a ideia de
que haverá um dispositivo legal prévio que estabeleça proibições, que seja
devidamente editado, de modo a submeter o indivíduo ao império da lei e
não dos homens.34 Desta forma, quando a Constituição fala em legalidade,
não está “apenas” tratando de edição de uma lei, mas que a própria lei, “edi-
tada anteriormente à restrição, defina seu conteúdo”.35 Em outros termos,
o governo das leis e não dos homens, exige que o conteúdo da restrição de
74
Segurança jurídica, previsibilidade e proteção social
75
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
76
Segurança jurídica, previsibilidade e proteção social
77
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
48 STF – ADI: 3104/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, 26.9.2007. EC 41/2003: Critérios de Apo-
sentadoria e Direito Adquirido O Tribunal, por maioria, julgou improcedente pedido for-
mulado em ação direta ajuizada pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Pú-
blico − CONAMP contra o art. 2º e a expressão “8º”, contida no art. 10, ambos da Emenda
Constitucional 41/2003, que tratam dos critérios para a aposentadoria e revogam o art. 8º da
Emenda Constitucional 20/98. Salientando a consolidada jurisprudência da Corte no sen-
tido da inexistência de direito adquirido a regime jurídico previdenciário e da aplicação
do princípio tempus regit actum nas relações previdenciárias, entendeu-se não haver, no
caso, direito que pudesse se mostrar como adquirido antes de se cumprirem os requisitos
imprescindíveis à aposentadoria, cujo regime constitucional poderia vir a ser modificado.
Asseverou-se que apenas os servidores públicos que haviam preenchido os requisitos previs-
tos na EC 20/98, antes do advento da EC 41/2003, adquiriram o direito de aposentar-se de
acordo com as normas naquela previstas, conforme assegurado pelo art. 3º da EC 41/2003
(“Art. 3º É assegurada a concessão, a qualquer tempo, de aposentadoria aos servidores pú-
blicos, bem como pensão aos seus dependentes, que, até a data de publicação desta Emenda,
tenham cumprido todos os requisitos para obtenção desses benefícios, com base nos crité-
rios da legislação então vigente.”). Esclareceu-se que só se adquire o direito quando o seu
titular preenche todas as exigências previstas no ordenamento jurídico vigente, de modo
a habilitá-lo ao seu exercício, e que as normas previstas na EC 20/98 configurariam uma
possibilidade de virem os servidores a ter direito, se ainda não preenchidos os requisitos
nela exigidos antes do advento da EC 41/2003. Assim, considerou-se não haver óbice ao
constituinte reformador para alterar os critérios que ensejam o direito à aposentadoria por
meio de nova elaboração constitucional ou de fazê-las aplicar aos que ainda não atenderam
aos requisitos fixados pela norma constitucional. Vencidos os Ministros Carlos Britto, Marco
Aurélio e Celso de Mello, que julgavam o pleito procedente. Precedentes citados: ADI 3105/
DF e ADI 3128/DF (DJU de 18.2.2005); RE 269407 AgR/RS (DJU de 2.8.2002); RE 258570/
RS (DJU de19.4.2002); RE 382631 AgR/RS (DJU de 11.11.2005). ADI 3104/DF, rel. Min.
Cármen Lúcia, 26.9.2007. (ADI-3104)
79
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho buscou demonstrar que o Poder Constituinte Reformador,
ao editar a regra prevista no artigo 29, da Emenda Constitucional 103/2019,
olvidou-se de observar limites impostos pelo artigo 60, §4º, IV, da Consti-
tuição Federal.
Dentre esses limites, podemos citar o princípio da dignidade humana, o
qual é alcançado de acordo com o nível de satisfação de direitos fundamentais,
e o princípio da solidariedade, que traz a ideia de pacto intergeracional, em
que todos são responsáveis pelas contingências sociais que podem acometer
os membros de uma dada sociedade.
Como visto, o artigo 29 supracitado impede que o segurado que contri-
bua abaixo do salário mínimo tenha computado aquele mês como tempo de
contribuição, salvo na hipótese de agrupamento ou complementação. Logo,
tal dispositivo pode alijar uma parcela da população brasileira do acesso à pre-
vidência, especificamente aquela que recebe remuneração abaixo do mínimo,
o que se verifica, sem prejuízo de outras hipóteses, no caso do empregado
intermitente.
Por sua vez, verifica-se também violação à segurança jurídica, na me-
dida que acarreta desconsideração de todo um histórico de contribuições
que poderiam ter sido utilizadas pelo segurado, visto que contribuições,
que tenham sido recolhidas em valores inferiores, não poderão mais ser
aproveitadas para efeitos de tempo de contribuição, porquanto a regra do
80
Segurança jurídica, previsibilidade e proteção social
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
81
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
82
APOSENTADORIA
POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO:
O INÍCIO, O FIM E O MEIO
INTRODUÇÃO
A idade média durou do ano 476 D.C. ao ano 1473 D.C e, por conta do
seu fraco desenvolvimento científico-cultural que se abateu no continente
83
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
3 PASSOS, Fabio Luiz dos. Previdência Social e Sociedade pós-Industrial. Em 1883, coincidin-
do com um dos períodos de crise econômica referidos por Trindade, o Chanceler alemão Bismarck
promulgou leis claramente antissocialistas, ao mesmo tempo em que regulamentou os primeiros
seguros sociais profissionais para certos ramos de indústria, com o claro objetivo de conter a
evolução dos sindicatos e do movimento socialista, garantido a paz burguesa e a tranquilidade do
capital. p. 59.
84
Aposentadoria por tempo de contribuição
lhes proporcionava: por meio do trabalho. Para estes, não havia políticas de
proteção social.
Contudo, tanto aqueles que trabalhavam quando os que não poderiam
mais fazê-lo tinham algo em comum: a insegurança social, que os empurravam
à busca de direitos sociais. De acordo com Savaris e Rocha4,
4 ROCHA, Daniel Machado; SAVARIS, José Antônio. Curso de Direito Previdenciário. Curi-
tiba: Alteridade, 2014, p 22.
5 MORENO, Ruiz. Nuevo derecho de la seguridad social. Apud CASTRO, Carlos Alberto Pe-
reira de.; LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. ed. 21. Rio de Janeiro,
2018, p. 42.
85
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
1. O INÍCIO
6 PASSOS, Fabio Luiz dos. Previdência Social e Sociedade pós-Industrial. Curitiba: Juruá,
2013, p. 68, nota de rodapé nº 115.
86
Aposentadoria por tempo de contribuição
ferro que pudesse prejudicar a economia nacional. Daí a escolha por se iniciar
a proteção social no Brasil por esta categoria.
Quanto à aposentadoria, tal lei previa:
7 É importante ressaltar que, para a elaboração dos cálculos atuariais que embasaram a pro-
posta, participaram os técnicos atuários das diversas caixas de aposentadorias e pensões até
87
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
Contudo, pouco tempo depois, João Goulart atendeu aos anseios dos
sindicatos, afastando o requisito etário por meio de Lei nº 4.130, em 28 de
agosto de 1962.8 O cenário mais uma vez se repete: a fim de frear os ânimos
e impedir uma alteração brusca na hegemonia, um Estadista concedia direi-
tos sociais mínimos. A diferença é que, ao contrário do Chanceler de Ferro,
Goulart não tinha boa relação com a elite.
Ressalte que não era sem motivo que os trabalhadores buscavam afastar
tal requisito para a concessão da aposentadoria. É possível se dizer que o
benefício em questão era bastante elitista, pois, à época a expectativa de vida
do homem, era de 49,7 anos e da mulher 55,5 anos.9
então existentes, objetivando criar uma regra única, que atendesse a cada uma das institui-
ções representadas.
8 Tal supressão se dá pelos artigos 1º e 2º da referida Lei, os quais tinha a seguinte redação:
Art 1º Suprima-se o § 1º do artigo 32 da Lei nº 3.807, de 26 de agôsto de 1960. Art 2º No §
4º do mesmo artigo suprima-se a expressão “com a idade de 55 anos e”.
9 Conforme tabela de expectativa de vida do IBGE, visualizada no site: https://agenciadeno-
ticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/9490-em-
-2015-esperanca-de-vida-ao-nascer-era-de-75-5-anos
88
Aposentadoria por tempo de contribuição
10 IBRAHIM, Fábio Zambite. Curso de direito previdenciário. 20. ed. Rio de Janeiro: Impetus,
2015, 609.
11 HORVATH JUNIOR, Miguel. Direito previdenciário. 11. ed. São Paulo: Quartier Latin,
2018, p. 276-277.
89
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
90
Aposentadoria por tempo de contribuição
13 A redação empregada ao artigo 40 pela EC 20/98 assim dispunha ““Art. 40 − Aos servidores
titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, in-
cluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contribu-
tivo, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste
artigo. § 1º − Os servidores abrangidos pelo regime de previdência de que trata este artigo
serão aposentados, calculados os seus proventos a partir dos valores fixados na forma do §
3º: [...] III − voluntariamente, desde que cumprido tempo mínimo de dez anos de efetivo
exercício no serviço público e cinco anos no cargo efetivo em que se dará a aposentadoria,
observadas as seguintes condições: [...] a) sessenta anos de idade e trinta e cinco de contri-
buição, se homem, e cinqüenta e cinco anos de idade e trinta de contribuição, se mulher; b)
91
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
sessenta e cinco anos de idade, se homem, e sessenta anos de idade, se mulher, com proven-
tos proporcionais ao tempo de contribuição.”
14 A partir de então, o benefício tem seu nome alterado de aposentadoria por tempo de serviço
para aposentadoria por tempo de contribuição. Desde então, passa-se a valorizar o tempo
efetivo de contribuição, e não mais apenas o tempo de serviço.
15 O pedágio encontrava-se previsto no art. 9º da EC 103/2019. Art. 9º − Observado o disposto
no art. 4º desta Emenda e ressalvado o direito de opção a aposentadoria pelas normas por ela
estabelecidas para o regime geral de previdência social, é assegurado o direito à aposentadoria
ao segurado que se tenha filiado ao regime geral de previdência social, até a data de publicação
desta Emenda, quando, cumulativamente, atender aos seguintes requisitos: (Revogado pela
Emenda Constitucional nº 103, de 2019) I − contar com cinqüenta e três anos de idade, se ho-
mem, e quarenta e oito anos de idade, se mulher; e I − contar com cinqüenta e três anos de idade,
se homem, e quarenta e oito anos de idade, se mulher; e II − contar tempo de contribuição igual,
no mínimo, à soma de: a) trinta e cinco anos, se homem, e trinta anos, se mulher; e b) um perío-
do adicional de contribuição equivalente a vinte por cento do tempo que, na data da publicação
desta Emenda, faltaria para atingir o limite de tempo constante da alínea anterior.
92
Aposentadoria por tempo de contribuição
2. O FIM
“Eu sou o seu sacrifício”
16 Apesar do viés atuarial, a fórmula foi desenvolvida pela economista Solange Paiva Vieira.
Ainda que competente em sua ciência, ela não é atuária, não podendo assim desenvolver
uma fórmula atuarial.
93
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
17 Ainda estranha tal ‘constatação’, à medida que, todo ano, continuam faltando vagas em cre-
ches e em escolas de ensino fundamental por todo o país, ainda que os governos municipais
e estaduais se esforcem na construção de novas salas de aula constantemente. Estivesse de
fato diminuindo a natalidade, haveria sobra de vagas em tais estabelecimentos.
18 Devidamente desmascarado e desmentido pela CPI da Previdência. Relatório final dispo-
nível em <http://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento/download/464c1458-f524-4d-
51-8bbd-eb8bb29d10cc>, acessado em 21.04.2020.
19 Emenda Constitucional nº 103, art. 19. Até que lei disponha sobre o tempo de contribuição
a que se refere o inciso I do § 7º do art. 201 da Constituição Federal, o segurado filiado ao
Regime Geral de Previdência Social após a data de entrada em vigor desta Emenda Constitu-
94
Aposentadoria por tempo de contribuição
cional será aposentado aos 62 (sessenta e dois) anos de idade, se mulher, 65 (sessenta e cin-
co) anos de idade, se homem, com 15 (quinze) anos de tempo de contribuição, se mulher, e
20(vinte) anos de tempo de contribuição, se homem.
20 Portaria ME/INSS nº 450, de 03.04.2020, Art. 2º Com a vigência da EC nº 103, de 2019,
as aposentadorias por idade e por tempo de contribuição foram substituídas por uma única
espécie, a aposentadoria programada, da qual derivam a aposentadoria especial e a aposen-
tadoria programada do professor.
21 Constituição Federal, art. 7º, XXXIII − proibição de trabalho noturno, perigoso ou insa-
lubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na
condição de aprendiz, a partir de quatorze anos;
22 O documento reúne em uma única categoria as aposentadorias por tempo de contribui-
ção, aposentadorias especiais e aposentadorias aos segurados com deficiência, demonstran-
do que os números aqui analisados podem ter resultados ainda menores. Disponível em
<http://sa.previdencia.gov.br/site/2019/12/Beps102019_trab_Final__PORTAL_atualizado.
pdf>, acesso em 22.04.2020.
95
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
Vê-se, nos números acima, que a faixa etária com maior quantidade
de aposentadorias por tempo concedidas para homens é a que compreende
idades entre 56 e 60 anos; para mulheres, de 51 a 55 anos (38,27% e 44,87%,
respectivamente). Poderiam estas aposentadorias ser consideradas precoces?
Se for considerado ainda que, de acordo com o mesmo Boletim, no mês de
outubro de 2019 foram concedidos 438.882 benefícios, e destes apenas 46.493
foram aposentadorias por tempo, conclui-se que apenas 10,59% de todas as
concessões foram nesta espécie. Em análise ainda mais restrita, considere-se
apenas as aposentadorias concedidas a homens que contassem com até 55
anos de idade, e mulheres até 50 anos de idade (de forma a contar apenas os
benefícios considerados precoces), concluímos que apenas 4,08% de todos
os benefícios concedidos pela Previdência Social naquele mês poderiam ser
considerados precoces23.
23 Fez-se uma flexibilização do conceito de benefícios precoces; neste ponto, aceita-se que a
pessoa tenha ingressado no mercado de trabalho até seis anos mais tarde do que a idade
mínima para tanto, ou que tenha tido até seis anos de desemprego em sua vida laboral pré-
-aposentadoria.
96
Aposentadoria por tempo de contribuição
3. O MEIO
“Eu sou o amargo da vida”
97
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
26 “A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada” (art. 5º,
XXXXVI, CF).
27 CASTRO, Carlos Alberto Pereira; LAZZARI, João Batista; KRAVCHYCHYN, Gisele Lemos;
ROCHA, Daniel Machado. Comentários à Reforma da Previdência. Rio de Janeiro: Editora
Forense, 2019, 60.
28 Cumpridos os requisitos, o segurando poderá gozar desse direito e suas benesses que lhes
são inerentes (fórmulas de cálculo) a qualquer tempo. Aqui, parafraseando Raul Seixas, ha-
100
Aposentadoria por tempo de contribuição
4. CONCLUSÃO
“Eu sou o início, o fim e o meio”
REFERÊNCIAS
ALENCAR, Hermes Arrais (Coord.). Reforma da Previdência. Indaiatuba: Editora Foco,
2020.
CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previ-
denciário. 21. ed. Rio de Janeiro, 2018.
CASTRO, Carlos Alberto Pereira; LAZZARI, João Batista; KRAVCHYCHYN, Gisele Lemos;
ROCHA, Daniel Machado. Comentários à Reforma da Previdência. Rio de Janeiro:
Editora Forense, 2019
HORVATH JUNIOR, Miguel. Direito previdenciário. 11. ed. São Paulo: Quartier Latin,
2018.
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ROCHA, Daniel Machado; SAVARIS, José Antônio. Curso de Direito Previdenciário.
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vendo carimbo dizendo que sim, “pode partir sem problema algum” (O Carimbador Maluco,
Raul Seixas).
101
A EVOLUÇÃO DAS PRIORIDADES NA
PROTEÇÃO SOCIAL BRASILEIRA AOS
BENEFÍCIOS POR INCAPACIDADE
DIANTE DAS ALTERAÇÕES TRAZIDAS
PELA EC 103/2019
103
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
Abstract: The present study aims to analyze the priorities in the Brazi-
lian social protection to disability benefits in the face of the changes
brought about by EC 103/2019. The topic is of great importance,
as it brings recent data from the social security legislation, with the
probability of significant impacts on the benefits due to temporary
and permanent disability due to EC 103/2019. For that, the study was
developed through the hypothetical-deductive method, with privile-
ged use of the legislation, without refraining from using the doctrine.
As main results, it appears that there has not yet been a significant
impact on the increase in the granting of retirement due to permanent
disability to the detriment of the temporary disability aid, since in the
period determined from January 2019 to February 2020, there was a
great decrease in the granting of benefit for disability. However, there
is a glimpse of the insured person’s right to the best benefit and also
the right to dispose of a contributory period detrimental to the same
in the calculation of the social security benefit.
Keywords: pension reform; permanent disability retirement; tem-
porary disability aid.
104
A evolução das prioridades na proteção social brasileira aos benefícios por incapacidade
1. INTRODUÇÃO
O Estado, por meio da previdência social que compõe a tríade protetiva
do sistema de seguridade social (art. 194, CF/88), protege e ampara as situa-
ções de necessidade ocasionadas ao trabalhador, em virtude dos chamados
riscos sociais.
Dentre os riscos sociais protegidos pela previdência social, o presente
estudo tem por objetivo geral a análise da evolução das prioridades na pro-
teção social brasileira aos benefícios por incapacidade diante das alterações
trazidas pela EC 103/2019, conhecida como a nova previdência, publicada
no dia 13 de novembro de 2019.
Ao risco social denominado incapacidade laborativa, a previdência
direciona − após análise da perícia médica no Instituto Nacional do Seguro
Social – INSS, que constata a incapacidade laborativa ou a redução da capa-
cidade − um dos três benefícios destinados à esta proteção: a aposentadoria
por incapacidade permanente, o auxílio-doença ou o auxílio-acidente.
O aumento das relações precárias de trabalho, acrescidas do alto índice
no Brasil de acidente do trabalho e doenças ocupacionais, além de todo con-
texto de problemas sociais enfrentados pelo trabalhador brasileiro, fazem da
proteção ao risco social incapacidade laborativa de extrema importância na
seara brasileira.
Outrossim, o estado de calamidade pública em decorrência do coronaví-
rus evidenciou a importância de se ter um sistema previdenciário forte e com
ampla cobertura. Nesse sentido, fazemos referência às palavras de Armando de
Oliveira Assis, em referência ao cidadão: “O organismo social deve defendê-
-lo assim como o organismo humano mobiliza seus recursos para fazer face
à infecção que, embora localizada, o põe em perigo”3.
Adiante, Assis cita as palavras de Beveridge: “devemos considerar a
necessidade, a doença, a ignorância e a miséria como inimigos comuns de
todos, e não como inimigos com os quais cada um deva tentar concluir uma
paz em separado”4. Em complemento, ressaltamos: há muito tempo a socie-
dade não percebia com tanta veemência a importância do sistema protetivo
previdenciário para a existência da sociedade como um todo.
3 ASSIS, Armando de Oliveira. Em busca de uma concepção moderna de risco social (Revista
dos Industriários 18, de dezembro de 1950 – páginas 24 a 37). Revista de Direito Social 14.
Porto Alegre: Notadez Informação, v. 4, n. 14, mar./jun. 2004. pp. 158.
4 Ibidem, p. 158.
105
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
Feito este introito, importa destacar que com a EC 103/2019 foram reali-
zadas de forma direta ou indireta algumas alterações afetas aos benefícios por
incapacidade, o que altera, em consequência, a sistemática de requerimento,
concessão e mensuração dos benefícios previdenciários.
Assim, é de extrema relevância a análise do tema proposto, vez que os
benefícios por incapacidade possuem uma importância que vai muito além do
valor recebido a título de benefício previdenciário para resguardar as pessoas
em situação de necessidade por incapacidade laborativa. Isso porque, a situação
de incapacidade laboral deixa o trabalhador em situação de vulnerabilidade
social, sendo de suma importância fazer com que o mesmo se sinta inserido
no contexto social.
Como metodologia, o estudo foi desenvolvido por meio do método
hipotético-dedutivo, com utilização privilegiada da legislação, sem se abster do
aproveitamento da doutrina. Não se pode deixar de lado a análise de hipóteses
levantadas de alteração na forma de concessão pela previdência social no que
tange aos benefícios por incapacidade, levantadas em virtude das alterações
trazidas pela EC 103/2019.
Daí questionar-se: haverá um aumento na concessão de benefícios por
incapacidade permanente, em virtude da alteração das regras de cálculo do
benefício, que o tornam menos oneroso à Previdência Social do que o benefício
por incapacidade temporária (auxílio-doença)? Os segurados que esperavam
pela conversão do auxílio-doença e aposentadoria por incapacidade permanente,
conseguirão a partir das alterações trazidas pela Emenda Constitucional 103
de 2019 com maior facilidade? Ou não haverá qualquer impacto significativo
na forma de concessão dos benefícios por incapacidade pelos peritos do INSS?
109
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
6 Art. 27, LOPS- Lei 3807 de 1960. A aposentadoria por invalidez será concedida ao segurado
que, após haver percebido auxílio-doença pelo prazo de 24 (vinte e quatro) meses, conti-
nuar, incapaz para o seu trabalho e não estiver habilitado para o exercício de outro, compa-
tível com as suas aptidões.
111
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
Há, nesse modelo, a junção dos modelos médico e social, com a utilização
de uma abordagem biopsicossocial para se obter uma integração das várias
dimensões da saúde (biológica, individual e social)7.
Para Sanches-Ferreira; Lopes-dos-Santos e Augusto Santos8 a OMS, ao
incluir os fatores físicos, sociais e do meio a interagirem com as condições de
saúde, acaba admitindo a importância potencial da manipulação do ambiente
ao nível das atitudes, das condições físicas, das políticas legislativas e sociais.
O ambiente onde se vive é de grande importância nesse contexto.
A utilização de critério biopsicossocial decorreu de uma série de decisões
judiciais que ampliaram o conceito de incapacidade, o trazendo mais para o
contexto econômico-social. A precarização as relações de trabalho, somadas às
questões de dificuldade ao acesso à saúde e a discriminação social identificada
de diversas formas a trabalhadores acometidos de incapacidade laborativa,
ainda que parcial, levou o Judiciário a ampliar o conceito de proteção à in-
capacidade laborativa, para além de critérios estritamente ligados à saúde do
trabalhador, mas se considerando outros fatores que acabam por aniquilar
as chances de nova colocação do trabalhador com certa incapacidade laboral
no mercado de trabalho.
Por conseguinte, a jurisprudência tornou-se tranquila no sentido de
conceder benefício por incapacidade permanente ao segurado que, conforme
os aspectos socioeconômicos, culturais e profissionais, não apresente chances
reais de reingresso no mercado de trabalho. Para tanto, devem ser considera-
das não só a incapacidade laborativa existente, como também as condições
pessoais do indivíduo.
Fortalecendo esse entendimento, a Súmula 47, TNU estabelece que uma
vez reconhecida a incapacidade parcial para o trabalho, o juiz deve analisar as
condições pessoais e sociais do segurado para a concessão de aposentadoria
por invalidez.
112
A evolução das prioridades na proteção social brasileira aos benefícios por incapacidade
114
A evolução das prioridades na proteção social brasileira aos benefícios por incapacidade
10 ROCHA, Daniel Machado da. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. 16.
ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2018. p. 106.
11 Tal lista, atualmente, encontra-se regulamentada no art. 151, da Lei nº 8.213/1991. Des-
taque-se, também, que o Ministério da Previdência Social deixou de existir em janeiro de
2019, passando a ser uma Secretaria inserta no Ministério da Economia.
115
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
12 KERTZMAN, Ivan. Curso Prático de Direito Previdenciário. 18 ed. rev., ampl. e atual. Sal-
vador: Ed. Juspodivm, 2020, p. 516-517.
117
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
Há, porém, uma crítica nesta alteração, tendo em vista o legislador cons-
titucional ter incluído o termo “para o trabalho” no inciso I. Kertzman afirma
que a crítica de autores se dá devido ao precedente aberto por esta alteração,
de modo que, em uma grande alteração da lei previdenciária com o fito de
deixá-la conforme a EC 103/2019, este termo poderia justificar a exclusão do
direito do segurado facultativo à percepção dos benefícios.
No tocante às regras de concessão dos benefícios, não foram promovi-
das alterações por parte da EC 103/2019, passando-se à análise do impacto
financeiro na vida do segurado doravante.
Art. 26. Até que lei discipline o cálculo dos benefícios do regime próprio
de previdência social da União e do Regime Geral de Previdência Social,
será utilizada a média aritmética simples dos salários de contribuição e das
remunerações adotados como base para contribuições a regime próprio
de previdência social e ao Regime Geral de Previdência Social, ou como
base para contribuições decorrentes das atividades militares de que tratam
os arts. 42 e 142 da Constituição Federal, atualizados monetariamente,
correspondentes a 100% (cem por cento) do período contributivo desde a
competência julho de 1994 ou desde o início da contribuição, se posterior
àquela competência.
13 AMADO, Frederico. Curso de Direito e Processo Previdenciário. 12ª edição rev. atual. e
ampl. Salvador: Editora Juspodivm, 2020, p. 575.
14 LAZZARI, João Batista; CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; ROCHA, Daniel Machado da;
KRAVCHYCHYN, Gisele. Comentários à reforma da previdência. Rio de Janeiro: Forense,
2020, p. 98.
119
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
Fonte: Dados concedidos pelo INSS por meio da Lei de Acesso à Informação.
Elaboração: os autores.
123
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
Art. 688. Quando, por ocasião da decisão, for identificado que estão
satisfeitos os requisitos para mais de um tipo de benefício, cabe ao INSS
oferecer ao segurado o direito de opção, mediante a apresentação dos
demonstrativos financeiros de cada um deles.
6. CONCLUSÃO
A proteção à incapacidade laborativa é de grande importância econômica
e social. A Previdência Social, ao amparar o risco incapacidade laborativa,
cuida do segurado que não tem mais condições de exercer sua atividade que
lhe garante a subsistência, seja de forma temporária ou definitiva.
A Reforma da Previdência ocasionada pela Emenda Constitucional 103
de 12 de novembro de 2019 trouxe alterações substanciais na forma de cál-
culo dos benefícios previdenciários. Tratando especificamente do benefício
aposentadoria por invalidez, o mesmo teve um prejuízo significativo na forma
de cálculo em detrimento da legislação previdenciária existente até então.
Com a EC 103/2019, será utilizada a média aritmética simples, cor-
respondentes a 100% (cem por cento) do período contributivo desde a
competência julho de 1994 ou desde o início da contribuição, se posterior
àquela competência. O valor do benefício de aposentadoria por incapacidade
permanente corresponderá a 60% (sessenta por cento) do valor obtido com
a média aritmética simples, com acréscimo de 2 (dois) pontos percentuais
para cada ano de contribuição que exceder o tempo de 20 (vinte) anos de
contribuição para o homem e 15(quinze) anos para a mulher, ressalvado o
caso de aposentadoria por incapacidade permanente, quando decorrer de
acidente de trabalho, de doença profissional e de doença do trabalho, quando
o valor do benefício de aposentadoria corresponderá a 100% (cem por cento)
da média aritmética simples.
Surpreendentemente, não foi alterada a alíquota do benefício auxílio-
-doença, mantendo-se em 91% do salário-de-benefício, que agora se tornou,
em regra, mais vantajoso do que o benefício aposentadoria por incapacidade
permanente.
Por meio de dados que nos foram oferecidos pelo INSS com base na
Lei de Acesso à Informação, ainda não houve um aumento na concessão de
benefícios por incapacidade permanente, em virtude da alteração das regras
125
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
7. REFERÊNCIAS
AMADO, Frederico. Curso de Direito e Processo Previdenciário. 12ª edição rev. atual.
e ampl. Salvador: Editora Juspodivm, 2020.
ANFIP. Análise da Seguridade Social 2017. Brasília: ANFIP, 2018. p. 82.
ASSIS, Armando de Oliveira. Em busca de uma concepção moderna de risco social (Revista
dos Industriários 18, de dezembro de 1950 – páginas 24 a 37). Revista de Direito
Social 14. Porto Alegre: Notadez Informação, v. 4, n. 14, mar./jun. 2004. pp. 149-173.
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil, de
05 de outubro de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [2017]. Disponível
126
A evolução das prioridades na proteção social brasileira aos benefícios por incapacidade
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REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
128
A IMPORTÂNCIA DOS CONCEITOS
JURÍDICOS EM MATÉRIA PREVIDENCIÁRIA:
(DES)CONTINUIDADES PRESENTES
NA “NOVA PREVIDÊNCIA”
129
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
1. DE ONDE A IDEIA...
A reflexão posta em debate emergiu, basicamente, do estranhamento
causado pelo texto da EC 103/2019 (é óbvio) e pela leitura do artigo “Os
conceitos jurídicos”, do professor José Rodrigo Rodriguez. As mudanças
levantaram interrogações sobre a permanência de alguns conceitos jurídicos,
tal como trabalhados de maneira teórica como prática. A propósito, estou
escrevendo um livro sobre a nova previdência (mas tá difícil com tantas
mudanças!).
A Emenda não trouxe uma nova paleta conceitual. Uma leitura (des)
comprometida com a tradição possibilita ao seu intérprete pôr em xeque a
manutenção de (alg)uns velhos conceitos jurídicos como, por exemplo, ca-
rência, tempo de contribuição etc., mas não apostar numa nova ordem cons-
titucional ou numa ruptura de paradigmas, pelo menos, numa relação entre
o dito e o não dito (textualmente). A propósito, quando se fala em tradição:
130
A importância dos conceitos jurídicos em matéria previdenciária
131
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
Afinal, qual a função dos conceitos jurídicos?6 O que antes justificava uma
coisa e, talvez, agora não mais?
A partir da certeza de que a EC 103/2019 acabou com a aposentadoria
por tempo de contribuição – vale dizer: independentemente de idade –, a pro-
posta deste artigo é discutir os limites e possibilidades da “nova previdência”,
o que vai desde os seus critérios de acesso, passando pela possibilidade de
conversão do tempo de serviço especial em comum, até o cálculo do valor
do benefício previdenciário (aposentadoria).
6 Ao brincar com o conceito de queijo Parmesão, nos termos da Port. 353/1997, o autor
conclui: “O conceito jurídico citado acima foi elaborado com uma certa finalidade: armar o
Estado para exercer o poder de fiscalizar a produção e a comercialização de produtos alimen-
tícios. Além disso, ele serve de referência para o comportamento da sociedade (produtores,
negociantes, consumidores etc). Sua função é evitar que se fabrique e/ou que se venda gato
por lebre. [...] Além disso, o conceito permite que os particulares tenham uma referência
para o comportamento de produzir, importar, comprar e vender queijo parmesão.” RODRI-
GUEZ, José Rodrigo. Os conceitos jurídicos. Academia. p. 6. Disponível em: <http://www.
academia.edu/11586813/ Os_conceitos_jur%C3%ADdicos>. Acesso em: 18 maio 2020.
7 STRECK, Lenio Luiz. Dicionário de Hermenêutica: quarenta temas fundamentais da Teoria do
Direito à luz da Crítica Hermenêutica do Direito. Belo Horizonte: Letramento, 2017. p. 136.
132
A importância dos conceitos jurídicos em matéria previdenciária
133
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
134
A importância dos conceitos jurídicos em matéria previdenciária
77/2015, do INSS, por sua vez, “um dia de trabalho, no mês, vale como con-
tribuição para aquele mês, para qualquer categoria de segurado, observadas as
especificações relativas aos trabalhadores rurais”.
Imagine-se o seguinte caso: um segurado que contribuiu de 01/12/2004 a
13/11/2019, ele possui 180 meses de carência, mas somente 14 anos, 11 meses
e 12 dias de tempo de contribuição. Nesse caso, o segurado está protegido
pelo direito adquirido! A propósito, estou sugerindo um segurado homem
com a idade de 65 anos, idade está implementada antes da EC 103/2019. Ele
completou as 180 contribuições mensais e, por isso, tem direito às regras
anteriores. No caso de quem não conseguiu cumprir com os requisitos ense-
jadores do benefício antes de 13/11/2019, o critério de cálculo a ser observado
é 60% + 2% a cada ano além dos 20 anos.
O conceito de carência parece ser mais vantajoso para o segurado. E
como será a partir da EC 103/2019, já que a nova ordem não fala em carência?
Serão exigidos 15 anos de tempo de contribuição? A Portaria INSS 450, de 3
de abril de 2020, deixa clara a manutenção da exigência de carência:
135
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
136
A importância dos conceitos jurídicos em matéria previdenciária
Eis que o Decreto 10.410/2020, no seu art. 19-E, estabelece que a partir
de 13 de novembro de 2019, para fins de aquisição e manutenção da qualidade
de segurado, de carência, de tempo de contribuição e de cálculo do salário de
benefício exigidos para o reconhecimento do direito aos benefícios do RGPS e
para fins de contagem recíproca, somente serão consideradas as competências
cujo salário de contribuição seja igual ou superior ao limite mínimo mensal
do salário de contribuição.
Isso significa que serão computados os meses, independentemente da
quantidade de dias que trabalhou o segurado, desde que a remuneração seja
igual ou superior ao salário mínimo. Agora, definitivamente, tempo de con-
tribuição e carência devem coincidir na aposentadoria programada, conforme
art. 51 do Dec. 10.410/2020:
137
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
tabela do art. 142 da Lei 8.213/1991. Dito em outras palavras, para a aposen-
tadoria por idade, não é necessário que os requisitos idade e carência sejam
preenchidos simultaneamente. É o que leciona a jurisprudência do Superior
Tribunal de Justiça.14
Exemplo: se a segurada implementou o requisito etário (60 anos de idade)
em 2005, a carência a ser comprovada é de 144 meses, porquanto inscrita no
RGPS antes de 1991.
Isso configura uma exceção à regra. Como já se viu, em sentido contrário
ao axioma matemático de que a ordem dos fatores de uma soma ou multipli-
cação não altera o valor do respectivo produto, no direito previdenciário, a
lógica é inversa. A disposição organizada e ordenada, no espaço e tempo, dos
requisitos ensejadores do benefício, da inscrição e recolhimento das contri-
buições, e assim por diante, pode definir, ou não, o direito do segurado, ou,
na sua falta, dos seus dependentes, a um benefício previdenciário.15
Mas voltando ao nosso exemplo, caso a segurada não tenha fechado as
144 contribuições antes da EC 103/2019, é possível o cômputo do que falta
para 144? O implemento da idade em 2005 lhe garante o direito adquirido à
uma aposentadoria com base nas regras anteriores? O tempo que falta poderá
ser recolhido agora? A Portaria INSS 450/2020 determina – expressamente – a
aplicação do art. 142 da Lei 8.213/1991.
Onde está o problema aqui? Será exigido apenas o cumprimento da ca-
rência? Entendemos que sim, pois, do contrário, a exigência de 15 anos de
tempo contribuição irá esvaziar a tese. Do que adiantaria a idade fixar o marco
da carência para depois exigir 15 anos de contribuição. Dentro dos 15 anos de
contribuição é possível se destacar os 180 meses de carência, o contrário não.
139
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
16 O mesmo vale para as parcelas de recuperação: “Com efeito, nada obstante aquele período
de até 18 meses da cessação gradual da aposentadoria por invalidez previsto no art. 47 da
Lei n. 8.213/91 tenha recebido, na doutrina e na jurisprudência, a denominação de ‘mensali-
dades de recuperação’, fato é que não se trata de nova espécie de benefício, distinto da aposen-
tadoria por invalidez que o segurado já titulava, mas apenas, como referido, de modalidade
de cessação diferenciada, assegurando uma reintegração mais facilitada ao segurado que
tenha recuperado a sua capacidade laboral. Portanto, a possibilidade de seu aproveitamento,
como tempo de carência e contribuição, segue a mesma disciplina dos benefícios por inca-
pacidade, não havendo como estabelecer, desde logo - por não haver indícios de pretensão
resistida, bem assim pelo fato de que um provimento desta natureza se revelaria condicio-
nal - qualquer determinação neste sentido à autarquia previdenciária, eis que indispensável
que se encontre intercalado entre períodos contributivos (art. 55, II, da Lei n. 8.213/91).”
140
A importância dos conceitos jurídicos em matéria previdenciária
Deve-se analisar com cuidado o art. 60 da Dec. 3.048/99, que dispõe, até
que lei específica discipline a matéria, o que pode ser contado como tempo
de contribuição. O cuidado redobra com o Dec. 10.410, 2020, que nos arts.
19-C e 188-G, delimita o cômputo, de data em data, dos períodos ali listados
até 13 de novembro de 2019.
Na contramão da jurisprudência17, o Dec. 10.410, de 30 de junho de
2020, estabelece no § 1º do art. 19-C:
141
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
18 ROCHA, Daniel Machado da; SAVARIS, José Antonio. Direito previdenciário: fundamentos
de interpretação e aplicação. 2.ed. – Curitiba: Alteridade Editora, 2019. p. 188.
142
A importância dos conceitos jurídicos em matéria previdenciária
Abre-se um espaço aqui para lembrar que a Primeira Seção do STJ fixou a
tese de que o segurado que exerce atividades em condições especiais, quando
em gozo de auxílio-doença – seja acidentário ou previdenciário –, faz jus ao
cômputo desse período como especial. Ao julgar recurso repetitivo sobre o
assunto (Tema 998), o colegiado considerou ilegal a distinção entre as mo-
dalidades de afastamento feita pelo Decreto 3.048/1999, o qual prevê apenas
o cômputo do período de gozo de auxílio-doença acidentário como especial.
Apesar da decisão não ter transitado em julgado ainda, bem assim do
recurso extraordinário no STF, isso parece não significar nada, já que o Dec.
10.410/2020, no seu art. 65, parágrafo único, não apenas deixou de prever
a possibilidade de reconhecimento, como tempo de serviço especial, dos
períodos em gozo de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez pre-
videnciários, mas também os acidentários. Os acontecimentos cotidianos
atualizam as imagens e conferem ainda mais gravidade a tal medida. Aquele
profissional da saúde que tiver que se afastar em razão de ter se contaminado
com o COVID-19 (no trabalho) não poderá computar esse tempo como de
“efetiva exposição a agentes” biológicos, para fins de aposentadoria especial.
Na perspectiva de uma jurisprudência de observância obrigatória (da
“cultura dos precedentes”), contudo, acredita-se que a regra de direito (ratio
143
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
20 No caso da pensão por morte, o artigo 26, inciso I, da Lei 8.213/1991, é – continua sendo –
categórico: “Art. 26. Independe de carência a concessão das seguintes prestações: I - pensão
por morte, auxílio-reclusão, salário-família e auxílio-acidente; [...]”. Essa regra tem grande
significado por dispensar a necessidade de recuperação de contribuições que o segurado
possuía antes de perder a qualidade de segurado. A título ilustrativo, se, o segurado falecido
144
A importância dos conceitos jurídicos em matéria previdenciária
tinha 18 contribuições e, após perder sua qualidade de segurado, trabalhou apenas um dia,
deveriam ser levadas em conta as 18 contribuições mensais, para efeitos do artigo 77, inciso
V, alínea c, da Lei de Benefícios. No caso de auxílio-doença, por outro lado, admitindo-se
que a doença não isenta de carência, não se levam em conta as contribuições mensais que
o segurado possuía antes de perder a qualidade de segurado, caso ele não consiga contri-
buir por 6 meses (1/2 de 12) para poder computar contribuições mensais antigas. Com
isso, não se quer forçar o sentido dos vocábulos. A exegese filosófica leva a concluir que
as 18 (dezoito) contribuições mensais não configuram um “período de carência”, pois a
redação do artigo 77, inciso V, alínea c, da Lei 8.213/1991, não distingue, ali, a diferença.
Aqui se deve procurar conciliar as palavras antecedentes com as consequentes e, do exame
das regras em conjunto, deduzir o sentido da expressão “contribuições mensais”. Não seria
possível compreender os elementos trazidos pelo artigo 77, inciso V, alínea c, sem conhecer
os outros, sem os comparar, verificar a recíproca interdependência com o artigo 26, I, da Lei
8.213/1991. Enfim, não se pode ficar com a primeira impressão. SCHUSTER, Diego Henri-
que Schuster. Direito previdenciário para compreender: com a prática colada na teoria e sem
respostas prontas. Curitiba: Alteridade, 2018.
145
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
21 CAMPOS, Marcelo Barroso Lima Brito de. Regime próprio de previdência social dos servidores
públicos. 3. ed. Curitiba: Juruá, 2011.
146
A importância dos conceitos jurídicos em matéria previdenciária
22 São muitas as discussões sobre o tema, havendo divergência de entendimento entre Poder
Judiciário e INSS e, até mesmo, entre as próprias agências. Assim, achei importante buscar
alguns esclarecimentos, o que compartilho com os colegas. Primeiro, segundo o artigo 11,
§ 3º, do Decreto 3.048/99: “A filiação na qualidade de segurado facultativo representa ato
volitivo, gerando efeito somente a partir da inscrição e do primeiro recolhimento, não po-
dendo retroagir e não permitindo o pagamento de contribuições relativas a competências
anteriores à data da inscrição, ressalvado o § 3º do art. 28”. Não é possível, portanto, que
o segurado facultativo se filie ao Regime Geral da Previdência Social efetuando contribui-
ções relativas a período antecedente da inscrição. Segundo, o contribuinte facultativo não
pode ter perdido a qualidade de segurado, que, como se sabe, é de seis (06) meses após a
cessação das contribuições (Lei 8.213/1991, artigo 15, inciso VI). A partir daqui se pode
pôr a pergunta: e no caso daquele segurado que contribuía uma e pulava cinco – é possível
o pagamento de competências em atraso, para além das seis últimas? A meu ver, desde que
o sujeito não tenha perdido a qualidade de segurado. Sendo assim, é possível o pagamento
de competências cobertas pelo arco de tempo em que mantida a qualidade de segurado.
Desconheço lei ou instrução normativa que proíba tal comportamento. No que tange ao
contribuinte individual, a filiação à Previdência Social decorre automaticamente do exercí-
cio de atividade remunerada para os segurados obrigatórios e da inscrição formalizada com
o pagamento da primeira contribuição sem atraso. É considerado, para efeitos de qualidade
de segurado, o tempo em categorias diferenciadas. Isso está no artigo 155 da IN 77/INSS, de
21 de janeiro de 2015. Em poucas palavras, a primeira contribuição em dia sequer precisa
ser na condição de contribuinte individual. Ainda, mesmo havendo a perda da qualidade de
segurado, para o INSS, as contribuições recolhidas em atraso, após a primeira em dia, valem
para fins de carência. Esta é mais uma vantagem da via administrativa. O Memorando Circu-
lar 25 DIRBEN/CGBENEF de 20/08/2008 determina que todas as contribuições recolhidas à
Previdência Social serão consideradas, independentemente de ter havido perda da qualidade
de segurado ao longo do tempo. Além disso, o normativo apresenta exemplos práticos no
anexo II, reconhecendo que poderão ser recolhidas contribuições em atraso e estas contarão
para a carência da aposentadoria por idade ou tempo de contribuição, desde que esses pa-
gamentos sejam de competências posteriores à primeira paga em dia. O artigo 27, II, da Lei
8.213/91, dispõe que, para o cômputo do período de carência, são consideradas as contribui-
ções realizadas a contar da data do efetivo pagamento da primeira contribuição sem atraso.
Com efeito, nada impede que as contribuições recolhidas com atraso, antes da primeira em
dia, sejam computadas para fins de tempo de serviço. A propósito, transcorrido o prazo
decadencial, será necessária autorização do INSS para o recolhimento das contribuições em
atraso, mediante a comprovação do exercício de atividade remunerada. Caso o segurado
147
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
não tenha dado baixa da inscrição no INSS, é presumida a sua continuação. O pagamento
referente às contribuições relativas ao exercício dessa categoria de atividade, alcançadas pela
decadência, será efetuado mediante cálculo de indenização. É indevida a exigência de juros
moratórios e multa sobre o valor de indenização substitutiva de contribuições previdenciá-
rias, relativamente a período de tempo de serviço anterior à Medida Provisória nº 1.523, de
1996, conforme a jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça (STJ). (TRF4
5000808-86.2016.404.7217, SEGUNDA TURMA, Relator RÔMULO PIZZOLATTI, juntado
aos autos em 13/07/2017). Ao julgar o Recurso Cível nº 5000726-13.2015.404.7210/SC, de
relatoria do Juiz Federal João Batista Lazzari, a 3ª TR de SC afastou os encargos legais (juros
e multa) da indenização do tempo de contribuição para todo e qualquer período, visto que a
base de cálculo é atual e por se tratar de período que já ocorreu a decadência para a exigência
por parte da Fazenda Nacional. De fato, não faz sentido a aplicação de juros moratórios e
multa, visto que a indenização não equivale ao valor das contribuições que seriam devidas à
época da prestação do serviço. Não menos importante, é incabível determinar ao INSS que
compute algum período e/ou conceda a aposentadoria antes do adimplemento das contri-
buições. Isso é muito importante para aqueles casos em que o segurado pretende parcelar o
débito junto à Receita Federal. Acabou de me ocorrer a seguinte situação: e se o INSS não
reconhecer o tempo de serviço rural posterior a 11/1991, por exemplo? A autarquia não
irá emitir a guia com o cálculo de indenização. Seria o caso de um depósito judicial, para
garantir os efeitos financeiros desde a DER, no caso de restar reconhecido o efetivo exercício
de atividade rural e, consequentemente, o direito à indenização? Caso o INSS reconheça o
tempo, mas se recuse a emitir uma guia sem a incidência de juros de mora e multa: “PRE-
VIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. CONTRIBUIÇÕES
PREVIDENCIÁRIAS. RECOLHIMENTO COM ATRASO. JUROS E MULTA. Conforme en-
tendimento consagrado neste Tribunal, é indevida a incidência de juros e multa sobre o
valor da indenização correspondente ao tempo de contribuição anterior à edição da Medida
Provisória n.º 1.523/1996 que inseriu o § 4.º no art. 45 da Lei de Custeio. (TRF4 5000267-
75.2019.4.04.7111, SEXTA TURMA, Relator JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, juntado aos
autos em 19/03/2020)” Importante alteração promovida pelo Dec. 10.410/2020, que obriga
o INSS a não cobrar multa e juros de mora antes de 14 de outubro de 1996, conforme art.
239, § 8º-A: “A incidência de juros moratórios e multa de que trata o § 8º será estabelecida
para fatos geradores ocorridos a partir de 14 de outubro de 1996”. O pagamento em atraso
poderá salvar muitos segurados da reforma previdenciária, quer seja para lhe garantir o
preenchimento dos requisitos ensejadores do benefício antes da sua promulgação (direito
adquirido), quer seja para colocá-lo dentro de alguma regra de transição.
148
A importância dos conceitos jurídicos em matéria previdenciária
DER 02/2020
Número de competências existentes no período básico de cálculo: 308
Número de contribuições recolhidas: 82
Divisor: 184 (308 x 60%)
O cálculo foi a soma dos 82 SC corrigidos monetariamente e divididos
por 184
23 Segundo o art. 188-E: O salário de benefício a ser utilizado para apuração do valor da renda
mensal dos benefícios concedidos com base em direito adquirido até 13 de novembro de 2019
consistirá:
I − para as aposentadorias por idade e por tempo de contribuição, na média aritmética sim-
ples dos maiores salários de contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o
período contributivo, multiplicada pelo fator previdenciário; e
II − para as aposentadorias por invalidez e especial, auxílio-doença e auxílio-acidente, na
média aritmética simples dos maiores salários de contribuição correspondentes a oitenta por
cento de todo o período contributivo.
§ 1º No caso das aposentadorias por idade, por tempo de contribuição e especial, o divisor con-
siderado no cálculo da média a que se referem os incisos I e II do caput não poderá ser inferior
a sessenta por cento do período decorrido da competência julho de 1994 até a data de início do
benefício, limitado a cem por cento de todo o período contributivo.
149
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
150
A importância dos conceitos jurídicos em matéria previdenciária
REFERÊNCIAS
CAMPOS, Marcelo Barroso Lima Brito de. Regime próprio de previdência social dos servi-
dores públicos. 3. ed. Curitiba: Juruá, 2011.
DWORKIN, Ronald. O império do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2014.
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método. Petrópolis: Vozes; Bragança Paulista: Uni-
versitária São Francisco, 1997.
OMMATI, José Emílio Medauar. O positivismo jurídico na prática jurisprudencial brasi-
leira: Um estudo de caso a partir de uma decisão do Superior Tribunal de Justiça. In:
DIMOULIS, Dimitri; DUARTE, Écio Oto (Coord.). Teoria do direito neoconstitucio-
nal: superação ou reconstrução do positivismo jurídico? São Paulo: Método, 2008.
ROCHA, Daniel Machado da; SAVARIS, José Antonio. Direito previdenciário: fundamentos
de interpretação e aplicação. 2.ed. – Curitiba: Alteridade Editora, 2019.
RODRIGUEZ, José Rodrigo. Os conceitos jurídicos. Academia. p. 6. Disponível em:
<http://www.academia.edu/11586813/ Os_conceitos_jur%C3%ADdicos>. Acesso
em: 18 maio 2020.
SCHUSTER, Diego Henrique Schuster. Direito previdenciário para compreender: com a
prática colada na teoria e sem respostas prontas. Curitiba: Alteridade, 2018.
STRECK, Lenio Luiz. Dicionário de Hermenêutica: quarenta temas fundamentais da Teoria
do Direito à luz da Crítica Hermenêutica do Direito. Belo Horizonte: Letramento,
2017.
151
REGRA DE TRANSIÇÃO PARA
APOSENTADORIA ESPECIAL
1 Doutoranda em Ciências Jurídicas pela Universidad del Museo Social Argentino, Membro da
Comissão de Direito Previdenciário da Ordem dos Advogados do Brasil Seção Minas Gerais,
Presidente da Comissão de Direito Previdenciário da 65ª Subseção da OABMG, Coordena-
dora Adjunta do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário no Estado de Minas Gerais.
2 Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino,
Membro da Comissão de Direito Previdenciário da Ordem dos Advogados do Brasil Seção
Minas Gerais, Diretor Adjunto, Consultor Jurídico de Institutos de Previdência de Servido-
res Públicos, Diretor Adjunto de Atuação Parlamentar do Instituto Brasileiro de Direito Pre-
videnciário – IBDP, Diretor Adjunto de Previdência do Servidor Público o Instituto Brasileiro
de Direito Previdenciário – IBDP.
153
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
155
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
Nulidade de Aposentadoria
Art. 25. Será assegurada a contagem de tempo de contribuição fictício
no Regime Geral de Previdência Social decorrente de hipóteses descritas na
legislação vigente até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucio-
nal para fins de concessão de aposentadoria, observando-se, a partir da sua
entrada em vigor, o disposto no § 14 do art. 201 da Constituição Federal.
§ 3º Considera-se nula a aposentadoria que tenha sido concedida ou
que venha a ser concedida por regime próprio de previdência social com
contagem recíproca do Regime Geral de Previdência Social mediante o
cômputo de tempo de serviço sem o recolhimento da respectiva con-
tribuição ou da correspondente indenização pelo segurado obrigatório
responsável, à época do exercício da atividade, pelo recolhimento de suas
próprias contribuições previdenciárias.
157
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
Veja que esta situação encontra defesa constitucional no artigo 5º, XXXVI:
Normas Revogadas
EC 103/2019, Art. 35. Revogam-se:
I − os seguintes dispositivos da Constituição Federal:
a) o § 21 do art. 40; (Vigência)
III − os arts. 2º, 6º e 6º-A da Emenda Constitucional nº 41, de 19 de
dezembro de 2003; (Vigência)
IV − o art. 3º da Emenda Constitucional nº 47, de 5 de julho de 2005.
(Vigência)
sido incluído pela Emenda Constitucional nº. 47/2005, onde previa que a
contribuição sobre os proventos de aposentadoria e pensões concedidas pelo
Regime Próprio de Previdência Social ao beneficiário portador de doença
incapacitante, incidirá apenas sobre as parcelas da aposentadoria e de pensão
que superem o dobro do limite máximo estabelecido para os benefícios do
regime geral de previdência social.
Contudo, a partir da revogação do dispositivo, permanece válida a in-
cidência de contribuição sobre os proventos de aposentadorias e pensões
concedidas pelo regime próprio de previdência social que superem o limite
máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social,
com percentual igual ao estabelecido para os servidores titulares de cargos
efetivos.
Já os incisos III e IV referem-se à revogação de regras de transição até
então vigentes e aplicáveis, contidas na EC 41/2003, arts. 2º, 6º e 6º-A, e EC
47/2005, art. 3º, que servem como opção ao servidor que ingressou regular-
mente no cargo efetivo antes da EC 20/98 ou da EC 41/2003.
É importante ter em mente que as Emendas Constitucionais anteriores
foram necessárias para adequar a previdência às necessidades sociais da
época, bem como que as regras de transição ali contidas são criadas justa-
mente para diminuir o impacto causado quando da alteração das regras de
aposentadoria.
Outrora, ao se revogar as citadas normas, as regras de transição aplicáveis
passam ser as previstas na própria EC 103/2019, sem distinção do servidor
que iniciou no serviço público sob a égide de regras mais brandas ou que já
esteja há muitos anos na atividade.
Dos ensinamentos compartilhados pelo doutrinador Marcelo Barroso
Lima Brito de Campos, destaco para este tópico:
A lei local, por sua vez, não produzirá efeitos anteriores à data de sua
publicação.
REFERÊNCIAS
CAMPOS, Marcelo Barroso Lima Brito de. Direitos Previdenciários Expectados. Curitiba:
Juruá, 2012.
CAMPOS, Marcelo Barroso Lima Brito de. Regime Próprio de Previdência Social dos Ser-
vidores Públicos. Curitiba: Juruá, 2017.
FOLMANN, Melissa; FERRARO, Suzani Andrade. Previdência: entre o direito social e a
repercussão econômica no século XXI, Curitiba: Juruá, 2009.
LANDENTHIN, Adriane Bramante de Castro. Aposentadoria Especial. Curitiba: Juruá,
2020.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal (Tribunal Pleno). Recurso Extraordinário com Agravo
664.335/SC. Direito constitucional previdenciário. Aposentadoria especial. Art. 201,
§ 1º, da constituição da república. Requisitos de caracterização. Tempo de serviço
prestado sob condições nocivas. Fornecimento de equipamento de proteção indi-
164
Regra de transição para aposentadoria especial
vidual − epi. Tema com repercussão geral reconhecida pelo plenário virtual. Efetiva
exposição a agentes nocivos à saúde. Neutralização da relação nociva entre o agente
insalubre e o trabalhador. Comprovação no perfil profissiográfico previdenciário PPP
ou similar. Não caracterização dos pressupostos hábeis à concessão de aposentadoria
especial. Caso concreto. Agente nocivo ruído. Utilização de epi. Eficácia. Redução da
nocividade. Cenário atual. Impossibilidade de neutralização. Não descaracterização
das condições prejudiciais. Recorrente: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SO-
CIAL – INSS. Recorrido: ANTONIO FAGUNDES. Relator: Ministro Luiz Fux, 04 de
dezembro de 2014. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.
jsp?docTP=TP&docID=7734901. Acesso em: 03 de julho de 2020.
BRASIL. Ministério da Previdência Social. Instrução Normativa 01/2010. Brasília, DF:
Ministério da Previdência Social, 27 julho 2010. Assunto: Estabelece instruções
para o reconhecimento do tempo de serviço público exercido sob condições es-
peciais que prejudiquem a saúde ou a integridade física pelos regimes próprios de
previdência social para fins de concessão de aposentadoria especial aos servidores
públicos amparados por Mandado de Injunção.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF:
Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.
165
O AUXÍLIO-DOENÇA E A NOVA
PREVIDÊNCIA: A CONTAGEM DE TEMPO
DE CONTRIBUIÇÃO PELO SEGURADO VS.
A CONCEPÇÃO DE TEMPO FICTO
Fernando Rubin1
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REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
2 A respeito, obra central: RUBIN, Fernando. Benefícios por incapacidade no Regime Geral
de Previdência Social.Editora Livraria do Advogado, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, 2014.
3 O acidente de trajeto foi excluído pela MP 905/2019, acompanhando as alterações legis-
lativas na CLT, de 2017. No entanto, a MP acabou sendo revogada, razão pela qual a toda
evidência permanece, por ora, a existência da possibilidade de caracterização do acidente de
trajeto. A respeito: Trabalhador que sofrer acidente em trajeto volta a ter direitos assegu-
rados – notícia Conjur de 27/04/2020 − https://www.conjur.com.br/2020-abr-27/acidente-tra-
jeto-volta-considerado-acidente-trabalho.
168
O auxílio-doença e a nova previdência
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REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
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O auxílio-doença e a nova previdência
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REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
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O auxílio-doença e a nova previdência
9 RUBIN, Fernando. Temas atuais de processo previdenciário. Porto Alegre: Paixão Editores,
2019, p. 49 e ss.
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O auxílio-doença e a nova previdência
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O auxílio-doença e a nova previdência
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REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
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O auxílio-doença e a nova previdência
pelo autor e a moléstia que gerou o pagamento de benefício pelo INSS, mostra-se adequada
à conversão do auxílio doença previdenciário em auxílio doença acidentário (...). PRELIMI-
NAR REJEITADA. APELO PARCIALMENTE PROVIDO (Apelação e Reexame Necessário Nº
70035651082, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Mário Crespo Brum).
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REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
180
O auxílio-doença e a nova previdência
17 A Portaria 450/2020 tão somente refere que o cálculo do benefício passa a ser exclusivamen-
te pelos 91% do salário-benefício, não mais podendo ser utilizado o sistema paralelo da média
dos últimos 12 salários de contribuição, conforme disciplina articulada dos arts. 39 e 35 da
Portaria.
18 A doutrina registra que a conversão de tempo comum em especial já era vedada desde a Lei
n° 9.032/95, possibilitando-se a partir daí (e até a EC 103/2019, complementamos nós), apenas
a conversão de tempo especial em comum (SANCHEZ, Adilson. Advocacia previdenciária. São
Paulo: Atlas, 2012, 4ª ed., p. 210).
181
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
19 Fixou o STJ, na mesma linha do precedente originário lançado pelo TRF4ª Região. O recur-
so interposto pelo INSS (REsp 1759098/RS) foi escolhido pelo STJ como representativo da
controvérsia repetitiva descrita no Tema Precedente-STJ, cuja tese fixada foi a seguinte: “O
Segurado que exerce atividades em condições especiais, quando em gozo de auxílio-doen-
ça, seja acidentário ou previdenciário, faz jus ao cômputo desse mesmo período como
tempo de serviço especial.” SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Tema 998 STJ. Acórdão
publicado em 1º/08/2019.
20 CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciá-
rio. 19.ed. Florianópolis: Conceito Editorial, 2016. p. 738.
21 TNU − Decisão proferida pelo Juiz Fábio dos Santos Oliveira, https://www.cjf.jus.br/publico/
pdfs/50029073520164047215.pdf. Acesso em 17 de maio de 2020.
182
O auxílio-doença e a nova previdência
balho por motivo de acidente ou doença e que já não está recebendo a inte-
gralidade dos valores (embora tenhamos aqui claramente um benefício que
substitua renda, repisemos), venha a ser penalizado com contribuição efetiva
ao sistema ou mesmo obrigação de contribuir paralelamente ao sistema como
facultativo. Querendo ou não, há uma espécie de desconto embutido de 9%,
a se reconhecido em prol da tese do segurado – sendo o benefício comum
(B31) ou sendo o benefício acidentário (B91).
Por fim, registre-se que pela Nova Previdência não houve exatamente
alteração do coeficiente do benefício provisório, mas sim da aposentadoria por
invalidez – que se for acidentária é de 100% e se for comum, parte de 60% do
salário-benefício. Tal questão é paralela, mas importa ao segurado, ao passo que
dificilmente terá direto a concessão de uma aposentadoria por invalidez pelo
INSS na via administrativa, devendo antes passar pelo benefício provisório,
quando então já pode discutir o nexo causal, pensando em futuramente se
beneficiar legitimamente de uma RMI maior, em caso de efetiva comprovação
de invalidez permamente e total para atividade laboral remunerada lícita que
lhe garanta a subsistência22.
22 No cenário de Nova Previdência, temos três hipóteses de benefícios que se fala expressa-
mente de um coeficiente de 100%: (a) aposentadoria por invalidez acidentária; (b) pensão
por morte de filho inválido; (c) aposentadoria por tempo de contribuição de pessoa com
deficiência. Repare que as três hipóteses tem algo em comum: evento que gera alguma limitação
física e/ou psíquica ao beneficiário da prestação do INSS.
183
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
184
A NOVA APOSENTADORIA ESPECIAL E O
RISCO DE ADOECIMENTO PRECOCE DOS
PROFISSIONAIS DA SAÚDE DECORRENTE
DA LIMITAÇÃO ETÁRIA CRIADA
PELA E.C. 103/2019
185
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo tem por objetivo demonstrar os riscos de adoecimento
precoce dos profissionais da saúde advindos das novas regras da aposentado-
ria especial contidas na Emenda Constitucional nº 103/2019, notadamente
no que diz respeito ao limite etário criado para fins de acesso a tal benesse
previdenciária.
Sabe-se que os profissionais da saúde, além do contato diuturno com
agentes biológicos, lidam com o sofrimento do próximo, presenciando as
situações mais tristes, degradantes, perigosas e delicadas da vida humana,
fato este que vem minando a sua saúde mental.
Diante de um cenário tão complexo no qual estão inseridos os profissio-
nais da saúde, o que lhes dava alguma esperança, alento para continuar no
seu trabalho era a tão sonhada aposentadoria especial, que até o advento da
Emenda Constitucional nº 103/2019 era concedida a estes profissionais, desde
que comprovasses a exposição a agentes nocivos biológicos por um período
contributivo de 25 anos, não sendo necessário, até então, o implemento de
qualquer idade mínimo para a sua fruição. Tal garantia tinha por objetivo
precípuo a prevenção da saúde dos seus destinatários.
Entretanto, com a reforma da previdência, tal cenário acabou sendo
totalmente alterado, a partir do momento em que praticamente foi ceifado
o direito a uma aposentadoria de forma antecipada, deixando de existir o
principal objetivo deste benefício, que era garantir o bem estar, a saúde e a
dignidade do trabalhador.
Inicialmente serão trazidos os requisitos indispensáveis à concessão da
aposentadoria a essa categoria de profissionais, sendo, bem como a concei-
tuação dos estabelecimentos de saúde.
Em um segundo momento será objeto de análise as formas de enqua-
dramento do tempo laborado por profissionais da saúde, bem como as par-
ticularidades inerentes ao trabalho exposto a agentes biológicos, passando
por sua conceituação e chegando à questão da ineficácia dos equipamentos
de proteção individual utilizados por tais profissionais.
Por fim, serão demonstrados os riscos de adoecimento precoce que pode-
rão advir com a criação de uma idade mínima para o acesso à aposentadoria
especial, bem como a proteção constitucional da saúde dos trabalhadores,
especialmente os profissionais da área da saúde.
186
A nova aposentadoria especial e o risco de adoecimento precoce dos profissionais da saúde
2. APOSENTADORIA ESPECIAL
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REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
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REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
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A nova aposentadoria especial e o risco de adoecimento precoce dos profissionais da saúde
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REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
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A nova aposentadoria especial e o risco de adoecimento precoce dos profissionais da saúde
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REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
derá ter o seu tempo enquadrado como especial se ficar constatado o contato
com agentes nocivos biológicos.
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A nova aposentadoria especial e o risco de adoecimento precoce dos profissionais da saúde
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A nova aposentadoria especial e o risco de adoecimento precoce dos profissionais da saúde
21 Termo japonês utilizado para denominar morte súbita por sobrecarga ou excesso de
trabalho.
22 BARUKI, Luciana Veloso. Riscos psicossociais e saúde mental do trabalhador: por um
regime jurídico preventivo. 2 ed. São Paulo: LTr, 2018. p. 81.
23 BARUKI, Luciana Veloso. Riscos psicossociais e saúde mental do trabalhador: por um
regime jurídico preventivo. 2 ed. São Paulo: LTr, 2018. p. 92.
24 BRASIL. Constituição (1988) Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada
em 05.10.1988. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 05 out. 1988.
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REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
198
A nova aposentadoria especial e o risco de adoecimento precoce dos profissionais da saúde
De acordo com a teoria kantiana, cuja utilização tem por objetivo tornar
efetivos os direitos fundamentais, deverá sempre haver uma reciprocidade de
respeito entre os indivíduos.
Dentre os avanços doutrinários advindos do pensamento concernentes à
dignidade humana voltada ao status moral do ser humano, foi a abominação
de diversas práticas que tendiam a “coisificar” o indivíduo. Vejamos, nesse
sentido, as lições de COMPARATO27:
27 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 3. ed. São Pau-
lo: Saraiva, 2003. p. 21-22.
199
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
Com efeito, ainda que não tenha havido a retirada expressa do direito ao
benefício de aposentadoria especial com a nova previdência, o enrijecimento
de seus requisitos acaba por dificultar, ou até mesmo tornar impossível, a
entrega de tal bem jurídico aos seus destinatários, no caso em tela os profis-
sionais da saúde.
Ademais, no caso dos profissionais da saúde, cuja saúde mental é patente-
mente afetada no desempenho do seu labor em razão do ininterrupto contato
28 SERAU JUNIOR, Marco Aurélio. Seguridade social e direitos fundamentais. 3 ed. Curitiba:
Juruá, 2019. p. 103-104.
200
A nova aposentadoria especial e o risco de adoecimento precoce dos profissionais da saúde
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
É fato notório que os profissionais da saúde estão expostos a inúmeros
agentes biológicos durante toda a sua jornada laborativa. Também é inconteste
que os equipamentos de proteção individual por eles utilizados não possuem
a eficácia necessária para neutralizar a nocividade dos respectivos agentes
agressivos, tanto é que no cenário atual em que a população mundial está
vivendo vê-se que inúmeros trabalhadores da saúde estão sendo contamina-
dos pela COVID-19, ou, o que é mais grave, estão perdendo a sua vida em
virtude de tal contaminação.
Restou demonstrado, de igual modo, não apenas a saúde física desses
profissionais é afetada em seu ambiente de trabalho, mas também a sua saúde
mental, tudo isso devido ao ambiente tão estressante, deprimente e degradante
ao qual estão diuturnamente inseridos.
E como forma de agravar ainda mais a situação de tais profissionais, veio
a reforma da previdência e praticamente retirou-lhes o direito à aposentadoria
especial de forma antecipada, tendo em vista ter sido criado um requisito de
idade mínima para que seja concedido o citado benefício.
Diante de tamanho retrocesso advindo da reforma da previdência, resta-
-se patente que o objetivo primordial da aposentadoria especial, que era de
retirar o obreiro do ambiente nocivo de forma antecipada, evitando assim o
seu adoecimento ou até mesmo a sua morte, acabou por desaparecer, colocan-
do em xeque a proteção constitucional até então dispensada a esta e outras
categorias de profissionais.
Mostra-as indispensável, portanto, uma maior e mais efetiva mobilização
por parte dos mais variados atores sociais, a fim de que seja possível a corri-
genda desse retrocesso perpetrado com a criação da idade mínima para fins
de concessão da aposentadoria especial. Tal mobilização deve ser levantada
não apenas pelos políticos, no intuito de alterar as normas atinentes à apo-
sentadoria especial, mas também por parte dos advogados previdenciaristas,
para que possam buscar, através do estudo técnico, meios hábeis a declarar
a inconstitucionalidade dos dispositivos da Emenda Constitucional que
resultaram nessa barreira quase que intransponível na busca do benefício
201
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
202
A nova aposentadoria especial e o risco de adoecimento precoce dos profissionais da saúde
203
UNIFORMIZAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA
E O EFEITO PELTZMAN: CUIDADOS
NECESSÁRIOS NA APLICAÇÃO DAS REGRAS
INSTITUÍDAS PELA LEI N. 13.105/2015
INTRODUÇÃO
O Código de Processo Civil, instituído pela Lei n. 13.105/2015, esta-
beleceu regras que buscam a uniformização da jurisprudência para garantir
segurança jurídica.
Neste mister, previu no art. 927, o dever de observação, pelos juízes e
tribunais, das decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentra-
do de constitucionalidade, os enunciados de súmula vinculante, os acórdãos
proferidos em incidente de assunção de competência ou de resolução de
demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial
1 Mestre e Doutora em Direito Econômico pela PUCPR. Professora nos cursos de Graduação
em Direito da Faculdade Estácio de Sá e do Centro Universitário Autônomo do Brasil − Uni-
brasil. Professora convidada em Cursos de Pós-Graduação. Integrante da Diretoria de Atua-
ção Judicial do IBDP. Coordenadora da Pós-Graduação em Direito Econômico da PUCPR.
Advogada. E-mail: lara@rochaefloriani.com.br.
205
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
2 ROCHA, Lara Bonemer Azevedo da. O desenvolvimento pelo acesso a justiça. São Paulo,
Boreal, 2015, p. 128.
3 BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Teoria do Precedente Judicial. São Paulo: Noeses,
2012. p. 318.
4 LAMOND, Grant. Precedent and Analogy in Legal Reasoning. The Stanford Encyclopedia
of Philosophy, Edward N. Zalta (Ed.), spring 2014. Disponível em: <http://plato.stanford.
edu/archives/spr2014/entries/legal-reas-prec/>. Acesso em: 30 out. 014.
207
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
5 MACCORMICK, Neil. Rhetoric and The Rule of Law: A Theory of Legal Reasoning. Ox-
ford: Oxford University Press, 2005. p. 9.
6 ROCHA, Lara Bonemer Azevedo da. O desenvolvimento pelo acesso a justiça. São Paulo,
Boreal, 2015, p. 129.
7 STRECK, Lenio Luiz; ABBOUD, Georges. O que é isto – o precedente judicial e as súmulas
vinculantes? 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014. p. 48.
8 LIMA, Thiago Asfor Rocha. Precedentes Judiciais Civis no Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013.
p. 151.
9 PEREIRA, Paula Pessoa. O Estado de Direito e a Necessidade de Respeito aos Precedentes
Judiciais. In: MARINONI, Luiz Guilherme (Coord.). A Força dos Precedentes – Estudos
dos Cursos de Mestrado e Doutorado em Direito Processual Civil da UFPR. 2. ed. Salvador:
Jus Podium, 2012. p. 153.
208
Uniformização da jurisprudência e o efeito Peltzman
209
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
210
Uniformização da jurisprudência e o efeito Peltzman
20 ROCHA, Lara Bonemer Azevedo da. O desenvolvimento pelo acesso a justiça. São Paulo,
Boreal, 2015, p. 131.
21 CAMARGO, Luiz Henrique Volpe. A força dos precedentes no moderno processo civil bra-
sileiro. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Direito Jurisprudencial. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2012. p. 559.
22 LIMA, Thiago Asfor Rocha. Precedentes Judiciais Civis no Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013.
p. 440.
23 ROCHA, Lara Bonemer Azevedo da. O desenvolvimento pelo acesso a justiça. São Paulo,
Boreal, 2015, p. 131.
211
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
6º, XIV, da Lei 7.713/88, que trata sobre a isenção de imposto de renda sobre
os proventos de aposentadoria, entendimento consolidado no Tema 250.24
Eventual decisão em sentido contrário pela TNU repercutiria em claro
cenário de instabilidade, na medida em que abriria espaço para um novo ques-
tionamento acerca do posicionamento do STJ, adotado desde 2010. É preciso
destacar, neste caso, além da premissa inafastável de segurança jurídica, a
necessidade de tomada de decisão em relação a um contexto, considerando-
-se as demais regras e princípios já existentes.
Nesta seara, cabe questionar se seria, de fato, caso de afetação, ou seja,
se efetivamente existiria questão controvertida a ser uniformizada, ou se,
seguindo a correta técnica de aplicação de precedentes, não seria o caso de
aplicar a tese já firmada pelo Superior Tribunal de Justiça, em respeito a es-
tabilidade, coerência e previsibilidade.
Outra decisão que comporta análise diz respeito ao Tema 240, afetado
pela TNU, em que se delimitou a seguinte questão controvertida:
24 A questão submetida ao rito de recursos repetitivos foi a seguinte: “Questão referente à na-
tureza do rol de moléstias graves constante do art. 6º, XIV, da Lei 7.713/88 − se taxativa ou
exemplificativa −, de modo a possibilitar, ou não, a concessão de isenção de imposto de ren-
da a aposentados portadores de outras doenças graves e incuráveis”. E a tese foi firmada no
seguinte sentido: O conteúdo normativo do art. 6º, XIV, da Lei 7.713/88, com as alterações
promovidas pela Lei 11.052/2004, é explícito em conceder o benefício fiscal em favor dos
aposentados portadores das seguintes moléstias graves: moléstia profissional, tuberculose
ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, hanseníase, para-
lisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose
anquilosante, nefropatia grave, hepatopatia grave, estados avançados da doença de Paget
(osteíte deformante), contaminação por radiação, síndrome da imunodeficiência adquirida,
com base em conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraí-
da depois da aposentadoria ou reforma. Por conseguinte, o rol contido no referido dispositi-
vo legal é taxativo (numerusclausus), vale dizer, restringe a concessão de isenção às situações
nele enumeradas.
213
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
214
Uniformização da jurisprudência e o efeito Peltzman
215
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
3. O EFEITO PELTZMAN
O efeito Peltzman é definido por Shikida como a redução no benefício
esperado de uma regulação econômica, cujo objetivo é aumentar a segurança
em uma determinada situação, por conta da mudança do comportamento das
pessoas potencialmente envolvidas na mesma situação, gerada pela própria
regulação.26
A exemplificação do efeito é demonstrada pelo exemplo de Econs e Laws
extraído a partir do fato verídico observado em San Francisco na ponte Golden
Gate, em Janeiro de 2015. No referido caso, existia uma ponte que ligava duas
ilhas Econs e Laws, no Mar do Desespero. A fim de regular o trânsito na ponte,
os políticos das ilhas resolveram pela criação de um código de trânsito com
penalizações para má conduta de motoristas e pedestres. Após, com o obje-
tivo de reduzir o número de acidentes e mortes, concordaram em construir
uma barreira protetora no meio das pistas. Como resultado, verificou-se um
aumento do número de acidentes, que decorreu de um efeito relaxador na
atitude precaucional dos motoristas.27
26 SHIKIDA, Claudio. Efeito Peltzman, pp. 35-38. In: Análise Econômica do Direito: Justiça
e Desenvolvimento. Org: Marcia Carla Pereira Ribeiro, Victor Hugo Domingues e Vinicius
Klein. Curitiba,PR: CRV, 2016, p. 36.
27 SHIKIDA, Claudio. Efeito Peltzman, pp. 35-38. In: Análise Econômica do Direito: Justiça
e Desenvolvimento. Org: Marcia Carla Pereira Ribeiro, Victor Hugo Domingues e Vinicius
Klein. Curitiba,PR: CRV, 2016, p. 36.
216
Uniformização da jurisprudência e o efeito Peltzman
28 SHIKIDA, Claudio. Efeito Peltzman, pp. 35-38. In: Análise Econômica do Direito: Justiça
e Desenvolvimento. Org: Marcia Carla Pereira Ribeiro, Victor Hugo Domingues e Vinicius
Klein. Curitiba,PR: CRV, 2016, p. 36.
29 ROCHA, Lara Bonemer Azevedo da. O desenvolvimento pelo acesso a justiça. São Paulo,
Boreal, 2015, p. 130.
30 ROCHA, Lara Bonemer Azevedo da. O desenvolvimento pelo acesso a justiça. São Paulo,
Boreal, 2015, p. 130.
217
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
CONCLUSÃO
O Código de Processo Civil em vigor teve como um de seus propósitos
a implementação de regras de uniformização de decisões judiciais, de manu-
tenção da coerência e estabilidade da jurisprudência, mediante a utilização de
regras de formação, aplicação e superação de precedentes do sistema jurídico
common law.
Apesar de se tratar de uma intenção louvável, a prática tem demonstrado,
em alguns casos, a necessidade de um aprimoramento na aplicação das regras
instituídas pela Lei, especialmente por parte dos órgãos do Poder Judiciário
aos que são dotados de competência para uniformização de decisões.
A compreensão da essência do sistema de precedentes e dos fundamentos
que norteiam a identificação da ratio decidendi, a similitude fática dos casos
31 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Precedentes e Evolução no Direito. In: ______ (Coord.).
Direito Jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 14.
32 DIAS, Jean Carlos. Análise econômica do processo civil brasileiro. Rio de Janeiro: Forense;
São Paulo: Método, 2009. p. 100.
218
Uniformização da jurisprudência e o efeito Peltzman
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Teoria do Precedente Judicial. São Paulo: Noeses,
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brasileiro. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Direito Jurisprudencial.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.
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rense; São Paulo: Método, 2009.
FRANÇA, Vladimir da Rocha. Princípio da legalidade administrativa e competência
regulatória no regime jurídico-administrativo brasileiro. Revista de Informação
Legislativa. Ano 51, n. 202, abr./jun. 2014.
KLOEPFER, Stephen. Book Review: Legal reasoning and legal theory, By Neil MacCor-
mick. Osgoode Hall Law Journal, n. 18, v. 4, p. 674-682, 1980. Disponível em:
<http://digitalcommons.osgoode.yorku.ca/cgi/viewcontent.cgi?article=2036&con-
text=ohlj>. Acesso em: 18 set. 2014.
LAMOND, Grant. Precedent and Analogy in Legal Reasoning. The Stanford Encyclopedia
of Philosophy, Edward N. Zalta (Ed.), spring 2014. Disponível em: <http://plato.
stanford.edu/archives/spr2014/entries/legal-reas-prec/>. Acesso em: 30 out. 2014.
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MACCORMICK, Neil. Rhetoric and The Rule of Law: A Theory of Legal Reasoning.
Oxford: Oxford University Press, 2005.
MACCORMICK, Neil. Legal reasoning and legal theory. Oxford: Clarendon Press, 1978.
219
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
220
ABONO DE PERMANÊNCIA
Art. 8º Até que entre em vigor lei federal de que trata o § 19 do art. 40
da Constituição Federal, o servidor público federal que cumprir as exigên-
cias para a concessão da aposentadoria voluntária nos termos do disposto
nos arts. 4º, 5º, 20, 21 e 22 e que optar por permanecer em atividade fará
jus a um abono de permanência equivalente ao valor da sua contribuição
previdenciária, até completar a idade para aposentadoria compulsória.
221
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
223
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
224
Abono de permanência
nado no item anterior: o direito ao abono foi mantido, mas lei futura poderá
estabelecer restrições ao seu pagamento integral).
Essa constatação é importante para analisarmos os comandos expressos
no art. 9º da EC 103/2019, pois alguns possuem eficácia plena, enquanto
outros exigem legislação local regulamentando a matéria de que trata.
A primeira norma de eficácia plena expressa no art. 9º da EC 103/2019
está no caput, ao mencionar que se aplicam aos RPPS as orientações desse
artigo e, até que a lei complementar mencionada no §22 do art. 40 da CF
seja publicada, as contidas na Lei Federal nº 9.717, de 27 de novembro
de 1998.
Enquanto a lei mencionada no §22 do art. 40 não for publicada4, a
Lei 9.717/1998, em que pese ser lei ordinária, passa a ter status de lei com-
plementar, a qual já dispõe sobre a observância de determinados comandos
sobre organização e funcionamento dos RPPS. Um dos maiores efeitos ime-
diatos desse novo status é a proibição de sua alteração por meio de Medidas
Provisórias, conforme estabelece o art. 62, §1º, III da CF, fato muito comum
no passado (CAMPOS, 2020, p. 173).
Esse novo status da Lei 9717/1998 também vem cumprir a vedação
prevista no inciso, XII do art. 167 da CF, na redação dada pelo art. 1º da EC
103/2019, que proíbe que os recursos dos RPPS sejam utilizados para outra
finalidade que não seja o pagamento dos benefícios previdenciários ou das
despesas necessárias ao seu funcionamento e organização.
Também possuem a natureza de norma constitucional de eficácia plena
os parágrafos 2º e 3º do art. 9º, que determinam que os RPPS somente serão
responsáveis pelo pagamento de aposentadorias e pensões por morte, não
podendo fazer o pagamento de nenhum outro tipo de auxílio ou benefí-
cio, mesmo que as legislações dos entes federativos estabeleçam de forma
contrária. Caso as leis dos entes federativos façam previsão em contrário
deixaram de ser recepcionadas pela alteração desde a data da publicação
da EC 103/2019.
226
Abono de permanência
228
Abono de permanência
7 A respeito desse tema interessante verificar as decisões proferidas na ACO 3350 no STF,
proferidas após a EC 103/2019. E nas ACO ajuizadas com base na legislação anterior: ACO
3154, ACO 3279, ACO 3134.
8 Disponível em: http://www.previdencia.gov.br/2019/12/guia-orienta-criacao-de-regime-de-
-previdencia-complementar-em-estados-e-municipios/ Acesso em 06 maio 2020.
9 O guia tem como intuito orientar os Entes no planejamento de implementação do Regime
de Previdência Complementar. Na primeira seção é apresentado um panorama geral sobre
o funcionamento do Regime de Previdência Complementar, apresentando seus principais
conceitos, marcos legais, tipos de entidade, regras de investimento e responsáveis pela sua
fiscalização, dentre outros assuntos. A segunda seção discorre sobre as alternativas de ins-
tituição do RPC e os procedimentos recomendáveis para os Entes que iniciarão o processo
de instituição do Regime. Na terceira, destacam-se temas de relevância e recomendações a
229
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
serem observados para a implantação do regime. Por fim, o anexo apresenta uma Minuta de
Projeto de Lei para auxiliar os Entes no envio da proposta para as suas Assembleias Legis-
lativas, bem como uma lista de entidades que podem ser contatadas para o oferecimento de
planos de benefícios para os seus servidores.
10 A constitucionalidade dessa norma está sendo discutida junto ao STF nas ADI 6254, 6255,
6256, 6258.
230
Abono de permanência
231
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAHIA. Assembléia Legislativa. Projeto de lei nº 23729/2020. Disponível em https://www.
al.ba.gov.br/atividade-legislativa/proposicoes?numero=&palavra=abono+de+perma
n%C3%AAncia&tipo=PL.&deputado=&exDeputado=&outros=&dataInicio=&da
taFim= Acesso em 20 maio 2020.
BRASIL. Assembléia Legislativa. Projeto de Lei nº 23780/2020. Disponível em https://
www.al.ba.gov.br/atividade-legislativa/proposicoes?numero=&palavra=abono+de+
perman%C3%AAncia&tipo=PL.&deputado=&exDeputado=&outros=&dataInicio
=&dataFim= Acesso em 20 maio 2020.
BRASIL. Ministério da Economia. Guia de Orientação para criação do Regime de Prev-
idência Complementar. Disponíel em http://sa.previdencia.gov.br/site/2020/04/
guiaentesfederativos20.04.pdf Acesso em 04 abril 2020
BRASIL. Lei Complementar 152/2015. Disponível em http://www.planalto.gov.br/CCI-
VIL_03/LEIS/LCP/Lcp152.htm Acesso em 25 maio 2020.
232
Abono de permanência
233
REFORMA DA PREVIDÊNCIA: É HORA
DE IGUALAR O TRATAMENTO DE GÊNERO?
1. INTRODUÇÃO
A seguridade social visa a proteger os indivíduos em situações relaciona-
das à existência digna das pessoas e suas necessidades vinculadas ao trabalho
e à integração econômica.2
Através da atuação estatal, a sociedade procura garantir o mínimo social
como condição para manutenção de acesso democrático aos meios de de-
senvolvimento individual e coletivo. Isso porque, sem essa rede de proteção,
uma parcela da população não terá condição de vida digna, ficando relegada
à perpetuação na pobreza.3
235
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
Assim, todo sistema de seguridade social deve ter como base os princí-
pios da liberdade, da igualdade de chances e da solidariedade em sua dupla
dimensão, comutativa e distributiva.4
Pela disposição constitucional, a seguridade social brasileira é dividida
em três componentes: previdência social, assistência social e saúde. No que se
refere à Previdência, cabe destacar que, durante a idade avançada, há perda da
capacidade laborativa e aumentam os gastos com a saúde. Assim, o benefício
da aposentadoria programada é concedido com o intuito de garantir renda
para a subsistência do trabalhador no período em que, em virtude da idade,
não esteja mais apto a participar do mercado.
Atualmente, a questão da isonomia de gênero para efeito de proteção
previdenciária tem gerado diversos debates, inclusive sobre a necessidade
de alteração normativa da Constituição para igualar o requisito etário na
aposentadoria.
O objetivo do presente trabalho é analisar as questões da igualdade de
gênero como pressuposto da fixação da idade mínima para aposentadoria no
Regime Geral de Previdência Social e do impacto da extinção da aposentadoria
por tempo de contribuição.
4 Sobre as duas dimensões da solidariedade como valor inspirador da previdência, ver TAVA-
RES, Marcelo Leonardo; SOUZA, Ricardo José Leite. O Princípio da Solidariedade Aplicado
à Previdência Social. Disponível em: http://revista.unicuritiba.edu.br/index.php/RevJur/ar-
ticle/view/1495. Acesso em 10.06.2020.
5 BRASIL. Congresso Nacional. Proposta de Emenda Constitucional n° 006/2019. Dis-
ponível em:< https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposi-
cao=2192459>. Acesso em: 10.06.2020.
6 BRASIL. Congresso Nacional. EC 103/2019. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc103.htm>. Acesso em 10.06.2020.
236
Reforma da previdência: é hora de igualar o tratamento de gênero?
237
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
238
Reforma da previdência: é hora de igualar o tratamento de gênero?
Por fim, o exemplo dos países que apresentam igualdade de regras para
a aposentadoria de homens e mulheres, em sua maioria, é o de sociedades já
desenvolvidas, e que possuem políticas públicas voltadas para a igualdade de
gênero há bastante tempo.
De acordo com dados do Relatório das Diferenças de Gênero de 2016,10
elaborado pelo Fórum Econômico Mundial e que abrangeu 144 países, pode-
-se perceber que países como Finlândia, Noruega, Suécia, Nova Zelândia,
Alemanha e França, nos quais a idade de aposentadoria é a mesma para ho-
mens e mulheres, figuram no topo da lista dos países de maior igualdade de
gênero. O Brasil, entretanto, aparece apenas na 79ª posição desse ranking e
na 91ª colocação em relação à participação econômica e oportunidades, que
dimensiona, entre outros aspectos, a participação das mulheres no mercado
de trabalho e a desigualdade salarial entre homens e mulheres.
Dessa forma, pode-se concluir que as mulheres ainda recebem salários
inferiores aos dos homens para exercerem as mesmas funções e que a jornada
de trabalho delas (incluindo o trabalho não remunerado) é superior à deles,
em processo lento de redução da diferença, de forma que o Brasil ainda está
longe de alcançar a igualdade fática de gênero vivenciada, por exemplo, pelos
países nórdicos.
A EC 103/2019 acabou fixando, para a aposentadoria programada por
idade comum, a idade de 65 anos para o homem e de 62 anos para a mulher.
Contudo, igualou o requisito etário para os dois gêneros em relação à apo-
sentadoria especial no RGPS e à aposentadoria do policial no Regime Próprio
de Previdência Social (RPPS).
Resta ainda avaliar, de qualquer forma, se haveria uma outra forma de
enfrentar a questão de gênero no âmbito da previdência social.
Conforme apresentado anteriormente, o Regime Geral da Previdência
Social, em relação à aposentadoria, segue, ainda que parcialmente, as regras
do sistema laborista, baseada no modelo bismarkiano,11 no qual o pagamento
10 Esse relatório busca quantificar a magnitude das disparidades entre os gêneros e acompanha
o seu progresso ao longo do tempo, com um enfoque específico nas lacunas existentes entre
mulheres e homens em quatro áreas-chave: saúde, educação, economia e política. FORUM
ECONÕMICO MUNDIAL. Relatório das Diferenças de Gênero. Disponível em: <www3.
weforum.org/docs/GGGR16/WEF_Global_Gender_Gap_Report_2016.pdf>. Acesso em:
10.06.2020.
11 NEVES, Ilídio das. Direito da Segurança Social. Coimbra: Coimbra Editora, 1996.
239
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
240
Reforma da previdência: é hora de igualar o tratamento de gênero?
Ocorre que, se esse raciocínio pode ser aplicado sem maiores problemas
em um sistema completamente comutativo, de proteção de grupo, ou de ca-
pitalização individual, merece ressalvas quando se trata de um sistema básico
de previdência, responsável pela garantia da sobrevivência de milhões de
pessoas em um país subdesenvolvido, em que o estado não consegue cuidar
das causas da desigualdade adequadamente.
Não que o referido autor não tenha razão quando afirma que “os trabalhos
domésticos deveriam ser divididos entre o casal, o que exige uma mudança
fundamental na atitude do homem”.14 Contudo, não se pode desconsiderar,
no momento atual, que esse estágio ainda não foi alcançado pela sociedade
brasileira, o que não permite ao sistema previdenciário básico simplesmente
desconsiderar os dados e pretender se estabelecer para uma sociedade utópica,
que não existe no Brasil.
Não há dúvida de que a alteração desse quadro dependa de políticas
públicas que incentivem e viabilizem a divisão do trabalho doméstico e dos
cuidados com a família, de forma que essas tarefas possam ser conciliadas
com a participação no mercado de trabalho. A questão é que não se pode
simplesmente desconsiderar o que se passa hoje no Brasil.15
É imprescindível também a adoção de medidas que busquem a igualdade
salarial entre os gêneros, de forma que homens e mulheres, ao executarem a
mesma tarefa, recebam igual remuneração.
Diante desse contexto, dado que as desigualdades de gênero ainda são
acentuadas no Brasil, em que pese o reconhecimento de que estão reduzindo,
defende-se a diminuição da diferença da idade mínima de aposentadoria para
homens e mulheres para três anos, com a previsão de que, de forma gradual
e de maneira combinada com políticas públicas que incentivem a efetiva
igualdade entre os gêneros, busque-se a igualdade.
241
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
242
Reforma da previdência: é hora de igualar o tratamento de gênero?
243
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
20 BRASIL. Previdência Social. Base de Dados Estatísticos. Disponível em: < http://www3.
dataprev.gov.br/infologo/> Acesso em: 10.06.2020.
244
Reforma da previdência: é hora de igualar o tratamento de gênero?
245
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
4. CONCLUSÃO
A previdência social básica tem, como principal objetivo, a proteção
dos indivíduos contra riscos sociais e, através da atuação estatal, objetiva
246
Reforma da previdência: é hora de igualar o tratamento de gênero?
REFERÊNCIAS
BELTRÃO, Kaizô Iwakami; et al. Mulher e Previdência Social: o Brasil e o Mundo. Ipea,
2002. Disponível em: < http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/
td_0867.pdf>. Acesso em 10.06.2020.
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nível em:< https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idPropo
sicao=2192459>. Acesso em: 10.06.2020.
247
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
248
Reforma da previdência: é hora de igualar o tratamento de gênero?
249
O AUXÍLIO-DOENÇA PARENTAL
E A LICENÇA PARENTAL: REFLEXÕES
NECESSÁRIAS EM CENÁRIO DE
ENVELHECIMENTO POPULACIONAL
251
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
INTRODUÇÃO
Mariana e Gabriela se conheceram na emergência do Hospital de Base
de Brasília, ambas são mães solteiras e têm filhas de dois anos de idade, diag-
nosticadas com leucemia, que receberiam transplante de medula naquela
semana. Ouviram juntas o diagnóstico médico e toda a instrução necessária
para recuperação das meninas, quando lhes foi informado que as crianças
precisariam de uma internação mínima de 60 dias, onde se fazia absolutamente
imprescindível a presença da mãe em todos os momentos, a fim de garantir
o pleno restabelecimento da saúde daquelas crianças.
Mariana tem 35 anos de idade, é servidora pública concursada da Pro-
curadoria Geral da República, está lotada na Secretaria de Administração, sua
função é cadastrar os novos servidores que desejam inscrever-se no plano de
saúde institucional. Após receber as orientações médicas, pediu ao médico
que lhe desse um atestado de acompanhamento para poder manter-se afastada
de suas atividades no período de restabelecimento da saúde de sua filha, sem
prejuízo de sua remuneração.
Gabriela, também, tem 35 anos de idade e, da mesma forma, trabalha
com o cadastro de novos clientes de planos de saúde, mas em uma empresa
privada. Depois da consulta médica, suas preocupações tornaram-se ainda
maiores. Gabriela não sabe como conseguirá conciliar a rotina hospitalar por
dois meses com suas atividades laborais. O medo do desemprego aumenta sua
angústia, pois não possui qualquer outra renda que possibilite sua subsistência
fora do mercado de trabalho.
Mariana e Gabriela têm em comum a doença de suas filhas. Mas o que as
diferencia é a proteção que o contrato previdenciário a que estão vinculadas
lhes confere.
O direito ao seguro social se verifica com o status de beneficiário e a con-
sequente percepção de benefícios decorrentes do risco concretizado. As duas
trabalhadoras estão expostas ao mesmo risco social: a doença. Mas apenas a
trabalhadora vinculada ao Regime Próprio de Previdência Social tem assegurado
o direito de ausentar-se do trabalho, por meio de licença médica, para cuidar
de sua filha. A trabalhadora vinculada ao Regime Geral de Previdência Social
precisa escolher entre cumprir sua jornada de trabalho ou passar as horas no
hospital em companhia de sua filha, uma vez que o RGPS não traz previsão
expressa de concessão de qualquer prestação previdenciária em razão da enfer-
midade de parente próximo ao segurado que requeira seu cuidado intensivo.
252
O auxílio-doença parental e a licença parental
O trabalhador se vê, então, na difícil posição de ter que manter suas ati-
vidades laborais para garantir sua sobrevivência, muitas vezes a sobrevivência
do parente enfermo também, e, ao mesmo tempo, conciliar o abalo psicológico
da situação e administrar os cuidados que o enfermo dele demanda. Não se
pode ignorar que em muitas dessas situações o trabalhador se vê compelido
a deixar sua atividade de trabalho, arriscando sua sobrevivência e de seus
familiares, para garantir ao familiar enfermo os cuidados necessários.
Essas situações nos levam à indagação: pode-se desconsiderar a neces-
sidade de uma proteção previdenciária nesse cenário?
O presente artigo tem por objetivo responder a esse questionamento, o
que, também justifica sua importância. Buscando analisar as situações, em
que, embora a saúde física do trabalhador não apresente comprometimento
clínico, o adoecimento de um parente próximo, que exige cuidado intensi-
vo, culmina em afastar o trabalhador de suas atividades laborais, expondo o
grupo familiar a risco social e à uma situação de vulnerabilidade econômica
que clama pela cobertura da Seguridade Social. A fim de perquirir as possi-
bilidades de cobertura previdenciária que poderiam ser direcionadas a esse
trabalhador nessa situação de contingência.
2 Lucas 10: 5-37. Um homem descia de Jerusalém a Jericó, e caiu nas mãos de ladrões que,
depois de o despirem e espancarem, se retiraram, deixando-o meio morto. Por uma coinci-
253
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
dência descia por aquele caminho um sacerdote; quando o viu, passou de largo. Do mesmo
modo também um levita, chegando ao lugar e vendo-o, passou de largo. Um samaritano,
porém, que ia de viagem, aproximou-se do homem e, vendo-o, teve compaixão dele. Che-
gando-se, atou-lhe as feridas, deitando nelas azeite e vinho e, pondo-o sobre o seu animal,
levou-o para uma hospedaria e tratou-o. No dia seguinte tirou dois denários, deu-os ao
hospedeiro e disse: Trata-o e quanto gastares de mais, na volta eu te pagarei. Qual destes
três te parece ter sido o próximo daquele que caiu nas mãos dos salteadores? Respondeu o
doutor da lei: Aquele que usou de misericórdia para com ele. Disse-lhe Jesus: Vai-te, e faze
tu o mesmo.
3 Com o desenvolvimento das sociedades, as políticas proteção social extrapolam o senti-
mento de caridade, e passam a se fundamentar no interesse público ameaçado pela fome e
miséria de grandes grupos marginalizados.
4 Se o indivíduo é parte constitutiva da sociedade e se está é resultado da congregação de in-
divíduos, não se pode negar que entre ambos se estabelece uma relação de dependência, de
modo que os fatores que atingem a sociedade acabam por afetar o indivíduo, assim como os
acontecimentos dificuldades enfrentadas pelo indivíduo atingem diretamente a sociedade.
Robert Castel, nesse aspecto, analisa que a insegurança social age como um princípio de
desmoralização, de dissociação social, dissolvendo laços sociais e minando as estruturas psí-
quicas dos indivíduos, com efeitos que se propagam em toda a sociedade. CASTEL, Robert.
A insegurança social, o que é ser protegido? Petrópolis: Vozes, 2005, p. 31.
5 ASSIS, Armando de Oliveira. Em Busca de uma Concepção Moderna de Risco Social. Re-
vista de Direito Social, v. 14, p. 149-173, abr./jun. 2004, p. 161.
254
O auxílio-doença parental e a licença parental
6 Reproduzindo a mensagem enviada por Otto Von Bismarck ao Parlamento Alemão, Javert
de Souza Lima, anota: Considerando ser nosso dever imperial pedir de novo ao Reichstag
que tome a peito a sorte dos operários, e nós poderíamos encarar com uma satisfação muito
mais completa todas as obras que nosso Governo pôde até agora realizar com a ajuda visível
de Deus, se pudéssemos ter a certeza de legar à pátria uma garantia nova e durável, que as-
segurasse a paz interna e desse aos que sofrem a assistência a que tem direito. Nos esforços
que fazemos para este fim, contamos seguramente com o assentimento de todos os gover-
nos confederados e com o inteiro apoio do Reichstag, sem distinção de partidos. É neste
sentido que está sendo preparado um projeto de lei sobre o seguro dos operários contra os
acidentes de trabalho. Esse projeto será completado por outro, cujo fim será organizar, de
um modo uniforme, as Caixas de socorros para o caso de moléstia. Porém, também aqueles
que a idade e a invalidez tornaram incapazes de proverem ao ganho quotidiano, têm direito
à maior solicitude do que a que lhes tem, até aqui, dado a sociedade. Achar meios e modos
de tornar efetiva essa solicitude é, certamente, tarefa difícil, mas, ao mesmo tempo, uma
das mais elevadas em um estado fundado sobre as bases morais da vida cristã. É pela união
íntima das forças vivas do povo e pela organização dessas forças sob a forma de associações
cooperativas, colocadas sob a proteção, vigilância e solicitude do Estado, que será possível,
nós o esperamos, resolver este momentoso problema, que o Estado não poderá resolver por
si só com a mesma eficácia. LIMA, Javert de Souza. Da mensagem de Bismarck ao Plano
Beveridge. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo
Horizonte, v. 9, out. 1957, p. 125-126.
255
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
de trabalho e lhe garanta bens suficientes para troca no mercado. Assim, com
fins de assegurar a capacidade produtiva do indivíduo e alcançar um grau
de segurança e estabilidade social, são criadas políticas de proteção para as
principais contingências que acometem a vida de um trabalhador, como a
velhice, a incapacidade, a morte, a gravidez, o desemprego, visando diminuir
a vulnerabilidade social a que está exposto o indivíduo7.
A Constituição Federal de 1988, objetivando efetivas essa proteção ao
trabalhador, elencou, em seu art. 201, o rol de riscos sociais que serão prote-
gidos pela Previdência Social. Entendendo-se, aqui, por risco social, as con-
tingências adversas que possam prejudicar a saúde do trabalhador, impedir
seu desenvolvimento ou diminuir suas condições de prover sua subsistência8.
Dentre tais riscos, a Constituição elenca a incapacidade para o trabalho como
evento merecedor de proteção social da Previdência Social, uma vez que a
possibilidade de ocorrência de acidentes e acometimento de doenças, gera uma
situação periclitante à manutenção do nível de proteção social e principalmente
acarreta a prejudicialidade dos objetivos e valores que o bem-estar e a justiça
social, assentados sob o primado do trabalho, oferecem para a ordem social9.
A supressão da força laboral temporária do indivíduo clama por cober-
tura social em substituição a manutenção do poder aquisitivo de compra
e sobrevivência em qualquer grau econômico10, razão pela qual o Estado
reconhece a sua responsabilidade em substituir a renda do trabalhador, por
meio do pagamento de benefício mensal no período em que se encontrar
incapacitado para o exercício de suas atividades de trabalho habituais, nos
termos do art. 59 da Lei 8.213/1991.
O benefício de auxílio-doença foi idealizado, assim, com o intuito de
amparar o trabalhador em situações excepcionais, quando, por eventos cujas
ocorrências não podem ser controladas, o segurado tem reduzida sua capaci-
dade para exercer sua atividade de trabalho. Seu objetivo é, então, concretizar
7 COSTA, José Guilherme Ferraz da. Seguridade Social Internacional. Curitiba: Juruá, 2017,
p. 29-32.
8 SAVARIS, José Antonio. ROCHA, Daniel Machado da. Curso de Direito Previdenciário.
Volume 1. Curitiba: Alteridade, 2014, p. 11.
9 NETO CUTAIT, Michel. Auxílio-doença. Leme: J.H. Mizuno, 2006, p. 11.
10 DARTORA, Cleci Maria. Aspectos relevantes do benefício de auxílio-doença no Regime
Geral da Previdência Social. In Direito Previdenciário temas atuais. DARTORA, Cleci Maria
e FOLMANN, Melissa. Curitiba: Juruá, 2006, p. 326.
256
O auxílio-doença parental e a licença parental
11 CORREIA, Marcos Orione Gonçalves. Algumas breves digressões a respeito dos benefícios
por incapacidade e da sua prova em juízo. In: Revista da Previdência Social, n. 400, São
Paulo, 2014, p. 263-264.
257
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
258
O auxílio-doença parental e a licença parental
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REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
262
O auxílio-doença parental e a licença parental
22 BITTENCOURT, André Luiz Moro. Manual dos Benefícios por Incapacidade Laboral e
Deficiência. 2ª edição. Curitiba: Alteridade, 2018, p. 122.
263
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
264
O auxílio-doença parental e a licença parental
265
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
Inúmeros são os casos de pais que deixam seus empregos para cuidar de
um filho doente, seja em razão do uso de drogas, seja em razão de doença
grave, como, por exemplo, um diagnóstico de câncer, o que tem ocorrido
com grande frequência devido ao aumento dos índices de pessoas com este
diagnóstico, inclusive em crianças; por outro lado, ocorreu um aumento
também na cura desses pacientes e ficou comprovado que o acompanha-
mento da família no tratamento é fundamental para a recuperação. São
nessas situações que a família fica muito fragilizada em razão da gravidade
da doença, o psicológico fica totalmente abalado, a ansiedade aumenta
causando grande e forte preocupação com o risco de vida iminente. É o
momento em que a família mais precisa de recursos financeiros para man-
ter o mínimo de equilibro e não desanimar. A maioria dos pais deixa seus
empregos e não mais conseguem contribuir à previdência, de forma que
nesses períodos de tratamento e acompanhamento de seus filhos acabam
perdendo a qualidade de segurado28.
Ocorre que o risco social da família ainda existe. Como dito, a mãe
(normalmente ela) se retira do mercado de trabalho e, dependendo do
tempo que o tratamento exija como não há atividade laborativa, corre-se
o risco da perda da qualidade de segurada junto ao sistema de proteção
social. Nota-se, então, atualmente, que o sistema não só deixa de ampa-
rar sua situação como, ainda, lhe retira direitos após determinado tempo
sem contribuição.
Caso o segurado não realize suas contribuições, como no caso da
retirada do mercado de trabalho, poderá ficar coberto por até trinta e seis
28 SANTOS, Taís Rodrigues dos. Auxílio-doença parental: risco social evidente, cobertura
inexistente, necessidade urgente. 2014. Disponível em: http://www.lex.com.br/doutri-
na_26123222_AUXILIO_DOENCA_PARENTAL_RISCO_SOCIAL_EVIDENTE_COBER-
TURA_INEXISTENTE_NECESSIDADE_URGENTE.aspx. Acesso em 28 de dezembro de
2019.
266
O auxílio-doença parental e a licença parental
29 BITTENCOURT, André Luiz Moro. Manual dos Benefícios por Incapacidade Laboral e
Deficiência. 2ª edição. Curitiba: Alteridade, 2018, p. 123.
30 GOUVEIA, Carlos Alberto Vieira de. Benefícios por incapacidade & perícia médica: ma-
nual prático. 2ª edição. Curitiba, PR: Juruá, 2014, p. 111.
31 IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de direito previdenciário. 16ª edição. Rio de Janeiro:
Impetus, 2011, p. 626.
267
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
32 STJ. REsp 965.597/PE, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA,
julgado em 23/08/2007, DJ 17/09/2007, p. 355.
33 Em mesmo sentido, a Turma Nacional de Uniformização pacificou a orientação afirmando
que a ausência de sintomas, por si só, não implica capacidade efetiva para o trabalho, nas
hipóteses em que a doença caracteriza um estigma social, impondo-se aferir as condições
sociais a que está submetido o trabalhador a fim de verificar sua real capacidade de exercício
de atividade que lhe garanta subsistência (PEDILEF 5071068220094058400, Rel. Juiz Fede-
ral ALCIDES SALDANHAS LIMA, data do julgamento 16/08/2012, DJe 31/08/2012).
268
O auxílio-doença parental e a licença parental
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REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
Como se vê, o Juiz é claro ao afirmar que a segurada não apresenta qual-
quer incapacidade física, do ponto de vista clínico, que diminua sua capacidade
laboral, contudo, reconhece a importância e a inegável necessidade de estar
no hospital acompanhando sua filha durante a sua recuperação, admitindo
que não é possível impor à trabalhadora que volte ao seu ambiente de traba-
lho desconsiderando o grave estado de saúde de sua filha, o que lhe garantiu
a concessão do benefício de auxílio-doença, assegurando a manutenção da
renda da trabalhadora, seu vínculo empregatício e o devido acompanhamento
de sua criança no hospital.
O posicionamento evidencia a importância dada pelo juiz à plena pro-
teção da trabalhadora, das suas condições física e emocionais, bem como o
cuidado e a preocupação com a condição de saúde da menor e da conduta que
lhe traria maior chance de recuperação. Esta tríade encontra-se em absoluta
harmonia com a promessa constitucional de cobertura dos riscos sociais do
trabalhador e de proteção à família; e em acordo com o artigo 227, caput e
§ 6º da Constituição de 1988, que estabelece que os direitos da criança e do
adolescente devem ser preservados com absoluta prioridade.
No mesmo sentido, vale trazer à lume sentença de procedência pro-
ferida pelo Juízo da 2ª Vara de Birigui, nos autos do Processo 1003687-
72.2016.8.26.0077, da lavra do Juiz LUCAS GAJARDONI FERNANDES, em
ação em que se buscava a concessão de auxílio-doença parental:
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O auxílio-doença parental e a licença parental
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REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
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REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
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O auxílio-doença parental e a licença parental
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REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
43 Constituição Federal. Art. 193. A ordem social tem como base o primado do trabalho, e
como objetivo o bem-estar e a justiça sociais.
276
O auxílio-doença parental e a licença parental
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REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Constituição Federal de 1988 avança ao elencar uma série de direitos
e garantias aos trabalhadores, assegurando um compromisso com o bem-
-estar social, asseverando que a ordem social tem como base o primado do
trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais. No magistério de
Marisa Ferreira dos Santos:
45 SANTOS, Marisa Ferreira dos. LENZA, Pedro (coord.). Direito Previdenciário esquematiza-
do. 4ª edição. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 40.
46 FERRAJOLI, Luigi. Derechos y garantias: la ley del más débil. Madri: Trotta, 2010, p. 59.
279
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
280
O auxílio-doença parental e a licença parental
47 GOUVEIA, Carlos Alberto Vieira de. Benefícios por incapacidade & perícia médica: ma-
nual prático. 2ª edição. Curitiba, PR: Juruá, 2014, p. 111.
281
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ASSIS, Armando de Oliveira. Em Busca de uma Concepção Moderna de Risco Social.
Revista de Direito Social, v. 14, p. 149-173, abr./jun. 2004.
BITTENCOURT, André Luiz Moro. Manual dos Benefícios por Incapacidade Laboral e
Deficiência. 2ª edição. Curitiba: Alteridade, 2018.
BRITTO, Carlos Ayres. O Humanismo como Categoria Constitucional. Belo Horizonte:
Fórum, 2012.
CASTEL, Robert. A insegurança social, o que é ser protegido? Petrópolis: Vozes, 2005.
CORREIA, Marcos Orione Gonçalves. Algumas breves digressões a respeito dos bene-
fícios por incapacidade e da sua prova em juízo. In: Revista da Previdência Social,
n. 400, São Paulo, 2014.
COSTA, José Guilherme Ferraz da. Seguridade Social Internacional. Curitiba: Juruá,
2017.
DARTORA, Cleci Maria. Aspectos relevantes do benefício de auxílio-doença no Regime
Geral da Previdência Social. In Direito Previdenciário temas atuais. DARTORA,
Cleci Maria e FOLMANN, Melissa. Curitiba: Juruá, 2006.
DUSSEL, Enrique. Ética da Libertação na Idade da Globalização e da Exclusão. Petró-
polis: Vozes, 2002.
FERRAJOLI, Luigi. Derechos y garantias: la ley del más débil. Madri: Trotta, 2010.
GOUVEIA, Carlos Alberto Vieira de. Benefícios por incapacidade & perícia médica:
manual prático. 2ª edição. Curitiba, PR: Juruá, 2014.
282
O auxílio-doença parental e a licença parental
283
PLANEJAMENTO PREVIDENCIÁRIO
COMO FORMA DE PROTEÇÃO SOCIAL
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como finalidade afirmar aos colegas que militam
na esfera previdenciária, a importância do Planejamento Previdenciário, como
instrumento de alcance para a entrega ao beneficiário do Regime Geral de
285
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
2 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/historicos/dpl/DPL4682-1923.htm, acesso em
24 de junho de 2020.
3 Redação original;
4 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao34.htm, acesso em 24 de ju-
nho de 2020.
287
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
288
Planejamento previdenciário como forma de proteção social
289
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
3. PATRIMÔNIO PREVIDENCIÁRIO
Como já citado, Planejamento Previdenciário é o estudo do patrimônio
previdenciário do segurado e da segurada da Previdência Social, e dentro deste,
290
Planejamento previdenciário como forma de proteção social
3.1 Filiação
Segundo o art. 201, caput da Constituição Federal de 1988, a Previdên-
cia Social é organizada sob a forma de regime geral de previdência social, de
caráter contributivo e filiação obrigatória.
O art. 9º do Decreto nº 3.048/99 estabelece em seu parágrafo 12º: O
exercício de atividade remunerada sujeita a filiação obrigatória ao Regime
Geral de Previdência Social, sendo a Instrução Normativa nº 77/2015, mais
elucidativa ao prever no art. 3º: Filiação é o vínculo que se estabelece entre
12 Art. 5º, inc. XXXVI da CF/1988: a lei não prejudicará o direito adquirido, ato jurídico per-
feito, e a coisa julgada.
13 A lei que deve ser aplicada ao caso concreto é a vigente no momento da ocorrência do fato
gerador, já reconhecido pelo Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal, citan-
do-se, por exemplo, o AI 625.446.
291
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
[...]
após a cessação de benefícios por incapacidade, salário maternidade ou
após a cessação das contribuições, para o segurado que deixar de exercer
atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou estiver suspenso
ou licenciado sem remuneração, observado que o salário maternidade deve
ser considerado como período de contribuição;
3.3 Carência
Conforme previsão constitucional, a previdência social é organizada
sob a forma de regime geral de previdência social, e de caráter contributivo.
Isso significa dizer que terá acesso às prestações previdenciárias, quando da
ocorrência do risco social, aquele que contribui/contribuiu com o sistema.
293
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
294
Planejamento previdenciário como forma de proteção social
17 Súmula 75: A Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) em relação à qual não se
aponta defeito formal que lhe comprometa a fidedignidade goza de presunção relativa de
veracidade, formando prova suficiente de tempo de serviço para fins previdenciários, ainda
que a anotação de vínculo de emprego não conste no Cadastro Nacional de Informações
Sociais (CNIS).
18 Art. 31: A aposentadoria especial será concedida ao segurado que, contando com no mínimo
50 anos de idade e 15 anos de contribuição, tenha trabalhado durante 15, 20 ou 25 anos pelo
menos, conforme a atividade profissional, em serviços que, para esse efeito, forem conside-
rados penosos, insalubres ou perigosos, por Decreto do Poder Executivo.
298
Planejamento previdenciário como forma de proteção social
299
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
CONCLUSÃO
21 Com a edição da Lei nº 10.666/2003 o contribuinte individual que presta serviços a pessoa
jurídica tem a responsabilidade tributária quanto ao recolhimento, atribuída ao seu tomador
de serviços, nos termos do art. 4º.
22 Art. 30, inc. II da Lei nº 8.212/91.
302
Planejamento previdenciário como forma de proteção social
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BALERA, Wagner. Noções Preliminares de Direito Previdenciário – São Paulo: Quartier
Latin, 2004.
GEROMES, Sergio. Passo a Passo do cálculo do benefício previdenciário: antes e de-
pois da reforma da previdência / Sergio Geromes. – 1. ed. – São Paulo: LUJUR
Editora, 2020.
303
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
304
ANÁLISE DO ART. 24 DA
LEI N. 13.846/2019 ACERCA DA
NOVA FORMA DE COMPROVAÇÃO
DA UNIÃO ESTÁVEL PARA ACESSO
À PENSÃO POR MORTE
305
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
306
Análise do art. 24 da Lei n. 13.846/2019
INTRODUÇÃO
A redação do art. 24 da Lei nº 13.846/2019 é um divisor de águas no
direito previdenciário no que diz respeito à instrumentalidade da prova de
um relacionamento entre duas pessoas que constituíram família, mas não
resolveram casar oficialmente. Seus efeitos legais serão melhor identifica-
dos agora − com o transcurso do tempo − quando as mortes de conviventes
de união estável começarem a se avolumar e surgindo a necessidade de os
dependentes procurarem as agências previdenciárias sob a égide da nova
legislação. O parágrafo 5º, do artigo 16, da Lei nº 8.213/1991, foi alterado
com requisito que contraria toda a orientação jurisprudencial e legal de
admitir todos os meios de prova em direito para o interessado provar ou
não se realmente teve uma união estável, mesmo quando a única prova dis-
ponível sejam os relatos das testemunhas. A partir de 2019 torna-se crucial
que haja “prova material contemporânea dos fatos” (é possível usar a prova
oral mas é necessário documentos do período de 24 meses anteriores ao
óbito) para obter acesso à pensão por morte. O objeto da análise do presente
artigo recai, portanto, na apreciação da constitucionalidade do art. 16, § 5º,
da Lei nº 8.213/1991 em razão da mudança realizada em 2019 percorrer
o conceito de união estável. O objetivo do presente artigo não é discorrer
sobre a restrição de 2015, mas as situações de dependentes − na condição
de conviventes de união estável − que viveram juntos em prazo superior
a dois anos, mas não possuem provas documentais suficientes a respaldar
essa constância e ficaram sem receber a pensão por morte (temporária aci-
ma de 4 meses ou vitalícia).Além do empecilho probatório, há outro que
também chama a atenção na nova redação da Lei de Benefício: a carência
de 24 meses para caracterizar a união estável, alterada em conjunto com a
necessidade da prova material.
308
Análise do art. 24 da Lei n. 13.846/2019
de gerar no RGPS uma economia de R$ 171 bilhões durante dez anos. Uma
das justificativas é que a pensão por morte possui regras elásticas no Brasil
e tem despesas com pensões muito elevadas na comparação internacional.
Esse levantamento de gastos da pensão por morte serviu de referencial para
a nova medida provisória. E, com base nesse clima de insatisfação com os
gastos, a MP nº 871/2019 incorporou a reforma do benefício da pensão por
morte tendo como principal inovação legislativa acrescentar no art. 16 da
Lei nº 8.213/1991 uma série de condicionantes para que o companheiro ou
a companheira na comprovação do seu direito e do relacionamento vivido
em união estável, sob fundamento de regras benevolentes e desestímulo de
fraudes, o que pode ter grande implicação social levando em consideração o
crescimento da união estável no país.
309
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
310
Análise do art. 24 da Lei n. 13.846/2019
administrativos serão observados, entre outros, os critérios de: I − atuação conforme a lei e
o Direito;”.
6 Art. 369. As partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmen-
te legítimos, ainda que não especificados neste Código, para provar a verdade dos fatos em
que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz.
311
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
7 Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 3º Para efeito da
proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade
familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.§ 7º Fundado nos princípios da
dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre
decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para
o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais
ou privadas. § 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que
a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.
8 “Art. 1º A companheira comprovada de um homem solteiro, separado judicialmente, divor-
ciado ou viúvo, que com ele viva há mais de cinco anos, ou dele tenha prole, poderá valer-se
do disposto na Lei nº 5.478, de 25 de julho de 1968, enquanto não constituir nova união e
desde que prove a necessidade”.
9 “Art. 8° Os conviventes poderão, de comum acordo e a qualquer tempo, requerer a con-
versão da união estável em casamento, por requerimento ao Oficial do Registro Civil da
Circunscrição de seu domicílio”.
312
Análise do art. 24 da Lei n. 13.846/2019
10 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Concubinato e união estável. 6ª ed. Belo Horizonte: Del Rey.
1996 p. 29.
11 CZAJKOWSKI, Rainer. União livre. Curitiba: Juruá.1996, p. 59.
12 “Na relação de namoro qualificado os namorados não assumem a condição de conviventes
porque assim não desejam, são livres e desimpedidos, mas não tencionam naquele momento
ou com aquela pessoa formar uma entidade familiar. Nem por isso vão querer se manter
refugiados, já que buscam um no outro a companhia alheia para festas e viagens, acabam
até conhecendo um a família do outro, posando para fotografias em festas, pernoitando um
na casa do outro com frequência, ou seja, mantêm verdadeira convivência amorosa, porém,
314
Análise do art. 24 da Lei n. 13.846/2019
uma relação de afeto mútuo e até duradouro, mas o casal não tem o menor
interesse de constituir família juntos. Já o namoro simples “se enquadra em
um relacionamento aberto, às escondidas ou sem compromisso, e não se
confunde com a união estável” 13. Desde 1996, o tempo mínimo de 5 anos foi
expurgado do ordenamento jurídico do direito de família como caracterizador
de união estável e ficou em aberto o critério para configuração do relacio-
namento. Em 2002, o Código Civil endossou o critério subjetivo para aferir
a união estável, que seria a percepção dos atributos fixados no art. 1.723 do
Código Civil: “comprovar convivência contínua, pública e duradoura, com
fins de constituição familiar”. A partir dos requisitos subjetivos apontados no
Código Civil, qual seria a exata compreensão de “convivência duradoura”?
A lei não trata especificamente o critério objetivo de “convivência du-
radoura”. E quem vem fazendo a modulação desse parâmetro é sobretudo
o Superior Tribunal de Justiça – responsável no país pela interpretação da
legislação federal. Há ampla liberdade na lei, já que ela não define o critério
temporal e objetivo; o STJ, portanto, vem construindo a tolerância mínima
ou mesmo apontando a exiguidade temporal para saber o que é ou não união
estável. Além da durabilidade, alguns julgamentos do Poder Judiciário apontam
que o juízo de valor sobre o chamado “requisito acidental”, que, embora não
seja obrigatório de existir no relacionamento, é importante no enquadramento
da união estável − se presentes na experiência de vida de cada pessoa. São
aspectos como: o tempo de convivência, a existência de filhos14, a constru-
ção patrimonial em comum, a lealdade e a coabitação. Importante que tais
aspectos não são pressupostos para caracterizar a união estável. Inclusive, o
Supremo Tribunal Federal já os considerou como prescindíveis, a exemplo da
sem objetivo de constituir família”(STJ, REsp 1.263.015/RN, 3ª Turma, Rel. Min Nancy An-
drighi, julgado em 19/6/2012, DJe 26/6/2012).
13 CABRAL, Maria. Namoro simples, namoro qualificado e a união estável: o requisito subjetivo de
constituir família. Publicado em: set. 2014. Disponível em: <http://mariateixeiracabral.jus-
brasil.com.br/artigos/135318556/namoro-simples-namoro-qualificado-e-a-uniao-estavel-o-
-requisito-subjetivo-de-constituir-familia>. Acesso em: 5 abr. 2020.
14 “A só existência de um filho comum não significa o reconhecimento automático da vontade
de formar família, porque a prole pode ter vindo por descuido dos namorados ou ficantes, ou
pelo desejo parental de um dos parceiros. Lembra Victor Reina que a simples cópula não é
objeto do pacto de constituição de uma família, seja ela matrimonial ou de fato, já que o ob-
jeto formal do consentimento de querer estabelecer uma entidade familiar é a típica relação
intersubjetiva”. MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense,
2011, pag. 1046.
315
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
15 O requisito de coabitação não é necessário para configurar a união estável, como restou
apaziguado na Súmula nº 382 do STF: “A vida em comum sob o mesmo teto, more uxorio,
não é indispensável à caracterização do concubinato”.
16 GIACHIN, Juliana. Não confunda namoro qualificado com união estável. Disponível em: <<
https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/nao-confunda-namoro-qualificado-
-com-uniao-estavel/>>Acesso em: 01 abr 2020.
316
Análise do art. 24 da Lei n. 13.846/2019
17 Lei nº 3.807/1960: “Art. 11. Consideram-se dependentes dos segurados, para os efeitos desta
Lei:
I − a esposa, o marido inválido, a companheira, mantida há mais de 5 (cinco) anos, os filhos
de qualquer condição menores de 18 (dezoito) anos ou inválidos, e as filhas solteiras de
qualquer condição, menores de 21 (vinte e um) anos ou inválidas”. Decreto nº 77.077/1976:
“Art 13 Consideram-se dependentes do segurado, para os efeitos desta Consolidação: I − a
esposa, o marido inválido, a companheira mantida há mais de 5 (cinco) anos, os filhos de
qualquer condição menores de 18 (dezoito) anos ou inválidos e as filhas solteiras de qual-
quer condição menores de 21 (vinte e um) anos ou inválidas”. Decreto nº 89.312/1984:
“Art. 10. Consideram-se dependentes do segurado: I − a esposa, o marido inválido, a
companheira mantida há mais de 5 (cinco) anos, o filho de qualquer condição menor de 18
(dezoito) anos ou inválido e a filha solteira de qualquer condição menor de 21 (vinte e um)
anos ou inválida”.
18 Súmula 63 da TNU: “A comprovação de união estável para efeito de concessão de pensão
por morte prescinde de início de prova material”.
19 Destacamos que o Decreto n.º 10.410 de 30 de junho de 2020 deu nova redação ao artigo 22,
§ 3º do Decreto n. 3.048/1999. § 3º Para comprovação do vínculo e da dependência econô-
mica, conforme o caso, deverão ser apresentados, no mínimo, dois documentos, observado
o disposto nos § 6º-A e § 8º do art. 16, e poderão ser aceitos, dentre outros
317
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
318
Análise do art. 24 da Lei n. 13.846/2019
21 Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de cons-
titucionalidade: (Redação da EC 45/2004): I − o Presidente da República; II − a Mesa do Se-
nado Federal; III − a Mesa da Câmara dos Deputados; IV − a Mesa de Assembleia Legislativa
ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; (Redação da EC 45/2004)V − o Governador de
Estado ou do Distrito Federal; (Redação da EC 45/2004) VI − o Procurador-Geral da Repú-
blica; VII − o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; VIII − partido político
com representação no Congresso Nacional; IX − confederação sindical ou entidade de classe
de âmbito nacional.
§ 3º Quando o Supremo Tribunal Federal apreciar a inconstitucionalidade, em tese, de nor-
ma legal ou ato normativo, citará, previamente, o Advogado-Geral da União, que defenderá
o ato ou texto impugnado.
319
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
CONCLUSÃO
As mudanças promovidas pelo art. 24 da Lei n.º 13.846/2019 inserindo o
parágrafo 5º ao artigo 16 da Lei n.º 8.213/1991 alteraram de forma significativa
a forma da comprovação da união estável para fins de acesso à pensão por
morte. Houve a alteração da lei para exigir prova tarifada. Surgindo possível
antinomia entre a previsão da Lei do Processo Administrativo e da previsão
do art. 24 da Lei 13.846/2019. Antinomia que será analisada primeiro pelo
Superior Tribunal de justiça e posteriormente em face de eventual questiona-
mento acerca da inconstitucionalidade da mudança introduzida pelo Supremo
22 PORTO, Rafael Vasconcelos. Previdência: observações iniciais sobre a MP 871. Caxias do Sul:
Juris Plenum Previdenciária, v. 7, n. 25, fev-2019, p. 70.
23 MIGUELI, Priscilla Milena Simonato de. Pensão por morte e os dependentes do regime geral
de previdência social: de acordo com a reforma da previdência (EC 103/2019). Curitiba: Juruá,
2020, p. 84.
320
Análise do art. 24 da Lei n. 13.846/2019
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AZEVEDO, Álvaro Villaça. União estável, antiga forma de casamento de fato. São Paulo:
Revista da Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, v. 90, 1995.
BRASIL. MINISTÉRIO DA ECONOMIA. Boletim Estatístico da Previdência Social – Vol.
25 nº 04. Benefícios concedidos por clientele segundo grupos de espécies. Disponível
em: <<http://sa.previdencia.gov.br/site/2020/05/Beps042020_trab_Final_sem_TMC.
pdf>>. Acesso em: 6 jun. 2020.
BRASIL. MINISTÉRIO DA ECONOMIA. Exposição de Motivos EMI nº 00007/2019 ME
C. Civil/PR. Disponível em: <<https://www2.camara.leg.br/legin/fed/medpro/2019/
medidaprovisoria-871-18-janeiro-2019-787627-exposicaodemotivos-157299-pe.
html>>. Acesso em: 6 jun. 2020.
BRASIL. Sancionada com vetos medida provisória que combate fraudes no INSS. Publica-
do em: jun. 2019. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/mate-
rias/2019/06/19/sancionada-com-vetos-medida-provisoria-que-combate-fraudes-
-no-inss>. Acesso em: 5 abr. 2020.
BRASIL. SENADO. Alternativas Para o Ajuste Fiscal − Medidas Estruturantes na Área da
Previdência. Disponível em: <<https://www2.camara.leg.br/orcamento-da-uniao/
estudos/2015/estc03-2015>>. Acesso em: 6 jun. 2020.
BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REsp 1.263.015/RN. 3ª Turma, Rel. Min
Nancy Andrighi, julgado em 19/6/2012, DJe 26/6/2012.
BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REsp 1454643/RJ, Rel. Ministro MARCO
AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/03/2015, DJe 10/03/2015
BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RE 97.818/RJ. Rel. Min. Soares Munhoz.
Julgado em 30.11.1982
CABRAL, Maria. Namoro simples, namoro qualificado e a união estável: o requisito subjetivo
de constituir família. Publicado em: set. 2014. Disponível em: <http://mariateixeira-
cabral.jusbrasil.com.br/artigos/135318556/namoro-simples-namoro-qualificado-e-a-
-uniao-estavel-o-requisito-subjetivo-de-constituir-familia>. Acesso em: 5 abr. 2020.
COLÉGIO NOTARIAL DO BRASIL. União estável início e fim. Publicado em 9 mar 2019.
Disponível em: <<https://www.cnbsp.org.br/?pG=X19leGliZV9ub3RpY2lhcw==&i
n=MTc3MDY=&MSG_IDENTIFY_CODE>>. Acesso em: 29 mar 2020.
CZAJKOWSKI, Rainer. União livre. Curitiba: Juruá.1996.
321
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
GIACHIN, Juliana. Não confunda namoro qualificado com união estável. Disponível em:
<< https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/nao-confunda-namoro-
-qualificado-com-uniao-estavel/>>Acesso em: 01 abr 2020.
MIGUELI, Priscilla Milena Simonato de. Pensão por morte e os dependentes do regime
geral de previdência social: de acordo com a reforma da previdência (EC 103/2019).
Curitiba: Juruá, 2020.
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Concubinato e união estável. 6ª ed. Belo Horizonte: Del
Rey. 1996.
PORTO, Rafael Vasconcelos. Previdência: observações iniciais sobre a MP 871. Caxias do
Sul: Juris Plenum Previdenciária, v. 7, n. 25, p. 69-76, fev-2019.
ROCHA Joaquim Freitas. GOMES, Noel. A falta de qualidade legislativa como obstáculo à
aplicação jurisdicional: o caso paradigmático da lei dos compromissos e dos pagamentos
em atraso (LCPA). Minho: Revista Julgar, 2013.
322
“EU, DANIEL BLAKE”: O VIÉS DA
REABILITAÇÃO PROFISSIONAL SOB A LUZ
DA CRÍTICA DO DIREITO E CINEMA
1. INTRODUÇÃO
“Eu, Daniel Blake, sou um cidadão, nada mais, nada menos”.2 Esta é a
frase final do filme: Eu, Daniel Blake, em que o personagem tenta, até o fim,
ver algum benefício ser concedido a ele. A interação entre Direito e Cinema é
útil para humanizar o direito, mas também, para transgredi-lo e denunciá-lo.
Nesse sentido, por meio da metodologia lógico-dedutiva utiliza-se
esse referencial cinematográfico para denunciar a realidade da reabilitação
323
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
3 OLIVEIRA, Mara Regina de. Direito e cinema. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fer-
nandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Teo-
ria Geral e Filosofia do Direito. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga,
André Luiz Freire (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/89/edicao-1/
direito-e-cinema
4 TRINDADE, André Karam; BERNSTS, Luísa Giuliani. O estudo do Direito e Literatura no
Brasil: surgimento, evolução e expansão. ANAMORPHOSIS – Revista Internacional de Di-
reito e Literatura, v. 3, n. 1, pp. 225-257, jan./jun. 2017. Disponível em: http://rdl.org.br/
seer/index.php/anamps/article/view/326. Acesso em: 30 jun. 2020.
5 SÁENZ, María Jimena. Direito humanos e literatura: um espaço emergente do encontro
entre o direito e a literatura na tradição norte-americana. ANAMORPHOSIS – Revista Inter-
nacional de Direito e Literatura, v. 3, n. 1, pp. 5-24, jan./jun. 2017. Disponível em: http://
rdl.org.br/seer/index.php/anamps/article/view/302. Acesso em: 28 jun. 2020.
6 LOACH, Ken. Eu, Daniel Blake. Inglaterra, 2016.
325
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
326
“Eu, Daniel Blake”: o viés da reabilitação profissional sob a luz da crítica do direito e cinema
Dessa forma ela possui como objetivo a efetivação de meios para a (re)
educação e (re)adaptação profissional com o enfoque claro de participação
dos atores no mercado de trabalho e, também, na sociedade. Há um amparo
direto da Convenção sobre Direitos das Pessoa com Deficiência incorporada
pelo rito de emenda constitucional.12
327
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
328
“Eu, Daniel Blake”: o viés da reabilitação profissional sob a luz da crítica do direito e cinema
Dessa forma, a reabilitação profissional deve ser pautada nessa visão ampla
e particular, estimulando-se inclusive os facilitadores do retorno profissional.
Ademais, a inobservância ou inadequação da assistência pode gerar, inclusive,
a piora dos sintomas.18
329
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
330
“Eu, Daniel Blake”: o viés da reabilitação profissional sob a luz da crítica do direito e cinema
Destaca-se que neste caso, a análise em grupo obteve sucesso, por se tratar
de um mesmo nicho de pessoas afetadas e com situações similares. Evidencia-
-se a utilização de equipe multidisciplinar que possibilita a visualização da
problemática por diversas vertentes.
Nesse ponto, retoma-se o caso de Daniel Blake. Como visto anteriormente,
foram visualizadas as seguintes dificuldades no caso dele: i. dificuldade de
aproximação da realidade com o atendimento realizado; ii. a reabilitação
profissional e a afastamento dos sujeitos.
Daniel Blake traça diversas tentativas de contato com o responsável pelo
auxílio para dialogar e explicar a sua situação. A mera realização de um laudo,
como é a regra no sistema brasileiro, não permite a visualização de todas as
dificuldades que estão inclusas no processo de reabilitação de Daniel Blake:
a idade avançada, o afastamento médico, a ausência de familiares, região em
que reside, escolaridade e o conhecimento profissional, por exemplo.
331
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
4. CONCLUSÃO
“Eu, Daniel Blake, sou um cidadão, nada mais, nada menos”.24 A este
cidadão cabe o regime de reabilitação de Jaú/SP ou de Piracicaba/SP? O diá-
logo entre direito e literatura, com o enfoque no cinema, permite questionar
a realidade dos cidadãos brasileiros, alguns na posição de Daniel Blake.
Nesse sentido, denota-se que o processo de reabilitação possui uma
abordagem insuficiente na legislação geral da matéria o incide em problemas
como: a incompatibilidade entre a legislação geral e específicas, bem como por
meio de julgados, a demora no atendimento e na efetivação do programa, e a
própria dificuldade no levantamento de dados. A questão é que a reabilitação
profissional não precisa ser vislumbrada somente pela realidade de Jaú, pois
outras realidades são possíveis, como a de Piracicaba. A metodologia focalizada
em grupos de similar situação e composta por uma equipe multidisciplinar,
dentro outros elementos, é possível e gera resultados.
A questão é: ao cidadão, Daniel Blake, José, João, Maria ou Antonia, é
reservada a situação de Jaú ou a de Piracicaba?
5. REFERÊNCIAS
DEL-MASSO, M. C. S. Readaptação e Reabilitação Profissional. In.:SCHMIDT, M. L. G.;
DEL-MASSO, M. C. S. (Org.). Readaptação profissional: da teoria à prática. São
Paulo: Cultura Acadêmica, 2014. p.19-45.
332
“Eu, Daniel Blake”: o viés da reabilitação profissional sob a luz da crítica do direito e cinema
333
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
334
RESPONSABILIDADE CIVIL DO
PATROCINADOR POR DANO
PREVIDENCIÁRIO A PARTIR DA TESE
FIXADA NO TEMA 955 DO STJ
1. INTRODUÇÃO
O recente julgamento do Superior Tribunal de Justiça – STJ em regime
de recursos repetitivos no REsp 1.312.736/RS, enumerado como Tema 955,
transitado em julgado em 28/03/2019, disciplina a reparação possível aos
trabalhadores que, tendo reconhecido, em reclamatória trabalhista, o direito
ao recebimento de verbas remuneratórias, não obtiveram os respectivos refle-
xos na base de cálculo do salário-de-participação, com o intuito de definir os
benefícios previdenciários previstos nos regulamentos de planos patrocinados
de previdência complementar a que estivessem vinculados em razão daquela
relação de emprego.
335
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
336
Responsabilidade civil do patrocinador por dano previdenciário a partir da tese fixada no tema 955 do STJ
337
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
2. COMPETÊNCIA E LEGITIMIDADE
É notícia histórica a sedimentação na Justiça do Trabalho, no início da
década de 2010, do entendimento de que a relação previdenciária comple-
mentar não era diretamente relacionada à relação de trabalho, tendo-se de-
finido a competência da justiça comum cível para apreciação das demandas
que pleiteavam a revisão dos benefícios mantidos pelas entidades fechadas
de previdência complementar.
A partir de tal sedimentação, isso impedira que tais entidades fossem
demandadas como litisconsortes ao lado dos empregadores nas reclamatórias
trabalhistas. Os pedidos de revisão dos benefícios previdenciários pagos pelas
entidades fechadas de previdência complementar, desde então, assentaram-se
na competência cível, o que culminaria com a afetação do tema e afirmação
da tese em comento pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ.
O STJ disciplinou a matéria, como exposto acima, limitando o referi-
do direito de revisão e reconhecendo, nas situações em que o participante
houver sofrido prejuízos na previdência complementar, quando este estiver
prejudicado pela não propositura de ação antes do julgado, não mais o direito
de fundo à revisão dos respectivos benefícios contra os fundos de pensão na
justiça comum, mas o direito incidental de indenização contra o empregador,
na medida dos prejuízos sofridos.
E mais do que definir o direito indenitário, reconheceu também a com-
petência da Justiça do Trabalho, no item II:
341
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
342
Responsabilidade civil do patrocinador por dano previdenciário a partir da tese fixada no tema 955 do STJ
4 SCHIAVI, Mauro. Manual de direito processual do trabalho: de acordo com o novo CPC,
reforma trabalhista – Lei 13.467/2017 e a IN. n. 41/2018 do TST. 14ª ed. São Paulo: LTr,
2018. p. 542
346
Responsabilidade civil do patrocinador por dano previdenciário a partir da tese fixada no tema 955 do STJ
5 Art. 186 Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar
direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Art. 927
Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
347
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
trabalhista cristaliza o dano material sofrido pelo trabalhador, dado seu efeito
direto sobre o valor do Salário-Real-de-Benefício.
Os salários de participação, por sua vez via de regra são afetados pelo
resultado da reclamatória trabalhista, tendo em vista que se consideram, tanto
para fim das contribuições mensais quanto do cálculo do benefício, o total das
parcelas salariais incorporadas, de forma definitiva, às remunerações recebidas
pelo trabalhador. Ressalte-se que, em regra, tais remunerações só não foram
originalmente consideradas para o cálculo das contribuições mensais em razão
da sonegação do direito aos seus valores corretos, mais tarde reconhecido na
Justiça do Trabalho, circunstância absolutamente alheia e lesiva à vontade e
ao direito do participante.
Tendo em vista que, em razão do assentamento da matéria no STJ, que
aniquilou o direito de ação em busca da tutela jurisdicional de revisão das
relações jurídicas jacentes entre os participantes e os fundos de pensão, resta-
-lhes buscar a tutela ressarcitória na Justiça do Trabalho, em baliza equitativa
ao prejuízo decorrente da impossibilidade de rever o valor do respectivo
complemento.
Cumpre ressaltar que a jurisprudência do Egrégio Tribunal Regional
do Trabalho da Terceira Região – TRT3 aponta pela procedência do pleito
indenizatório embasado no Tema 955 do STJ, conforme demonstram os pre-
cedentes a seguir expostos:
349
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
350
Responsabilidade civil do patrocinador por dano previdenciário a partir da tese fixada no tema 955 do STJ
351
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
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Responsabilidade civil do patrocinador por dano previdenciário a partir da tese fixada no tema 955 do STJ
353
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
do-se o valor do seu último salário, mais a média das parcelas variáveis
habitualmente recebidas, tais como: horas extras, adicional noturno,
insalubridade, periculosidade, acréscimos previstos em convenções
coletivas etc.6
É certo que ele estava prevendo relação diversa, mas assumindo que o
pensionamento tem como paradigma a remuneração que a pessoa percebia
na hipótese do acidente, para dar efeito ao artigo 950 do Código Civil. É ple-
namente factível assumir também, como baliza, a remuneração que a pessoa
perceberia a título de benefício previdenciário complementar, caso não tivesse
sido lesada, para dar efeito ao artigo 944 do referido diploma, na regra geral
de quantificação do dever de indenizar.
Nas hipóteses em análise, quando demonstrado o prejuízo na renda da
previdência complementar, pode o magistrado fixar condenação ao paga-
mento de pensão mensal vitalícia, nos termos do artigo 944 do Código Civil,
delimitando-se os patamares na exata medida da renda prejudicada.
5. CONCLUSÃO
O julgamento da questão contida nos enumerados Temas 955 (horas
extras) e 1021 (demais rubricas) no Superior Tribunal de Justiça – STJ é
um importante marco para a solução jurisdicional dos prejuízos sofridos
pelos participantes de planos de benefícios patrocinados, tendo em vista
a incerteza e imprevisibilidade que pairavam sobre a matéria, gerando
insegurança jurídica tanto para os fundos de pensão quanto para os parti-
cipantes. A solução ressarcitória, que redireciona a responsabilidade para
os antigos empregadores, tem o potencial de entregar segurança jurídica
para ambos.
Cabe agora à comunidade jurídica trabalhar na cooperação para sedi-
mentar os critérios e métodos bastantes para a efetiva realização dos direitos.
Este trabalho tem a pontual finalidade de contribuir, em seus limites de pos-
sibilidade, para tanto.
6 OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupa-
cional. 5ª Ed. São Paulo, LTr, 2009, p. 257.
354
Responsabilidade civil do patrocinador por dano previdenciário a partir da tese fixada no tema 955 do STJ
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MARINONI, Luiz Guilherme. Manual do processo de conhecimento: a tutela jurisdi-
cional através do processo de conhecimento. 2ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2003.
OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença
ocupacional. 5ª Ed. São Paulo, LTr, 2009
SCHIAVI, Mauro. Manual de direito processual do trabalho: de acordo com o novo
CPC, reforma trabalhista – Lei 13.467/2017 e a IN. n. 41/2018 do TST. 14ª ed. São
Paulo: LTr, 2018.
355
AÇÕES REGRESSIVAS PREVIDENCIÁRIAS
E A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER1
1. INTRODUÇÃO
O escopo deste pequeno ensaio é tecer considerações preliminares sobre
um dos aspectos do último movimento de reformas na Previdência Social
brasileira, especificamente no que se refere às alterações promovidas pela Lei
13.946/2019 nos arts. 120 e 121 da Lei 8.213/1991.
Essas alterações ampliaram o objeto das chamadas ações regressivas previ-
denciárias (as quais seriam mais bem denominadas como ações de ressarcimento
“sui generis”, pelo seu nítido caráter arrecadatório),3 para abarcar também,
como fundamento, a violência doméstica e familiar contra a mulher.
1 Artigo escrito com a colaboração do Prof. Alberto Luiz Hanemann Bastos, jovem previ-
denciarista formado pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná, que tão
gentilmente aceitou revisar o material e acrescentar novas ponderações sobre as reformas.
2 Professor Adjunto da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR), nos
cursos de graduação, mestrado e doutorado. Doutor em Direito pela UFPR e Pós-Doutor
em Direito pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Juiz Federal da 2ª Turma Recursal
Federal do Paraná, especializada em Direito Previdenciário.
3 Para uma visão mais ampla dessas ações, inclusive quanto ao seu cabimento, à sua consti-
tucionalidade e aos seus aspectos processuais, de acordo com a Lei 13.946/2019, consultar:
357
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
358
Ações regressivas previdenciárias e a violência contra a mulher
do Advogado Editora, 2015. p. 47-48; SCHÄFER, Jairo. Classificação dos direitos funda-
mentais: do sistema geracional ao sistema unitário: uma proposta de compreensão. 3. ed.
rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2018. p. 52-59.
5 Já no primeiro ano da presidência de Jair Bolsonaro, dois marcos legislativos de grande im-
pacto jurídico e financeiro foram promulgados no âmbito previdenciário. O primeiro deles
é a Lei 13.846/2019, a qual, dentre outras providências tendentes a reduzir os gastos da
seguridade social e a intumescer as receitas desse sistema, instituiu a carência de 24 (vinte e
359
REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
Fato é que, até o fim de 2014, o déficit da Previdência Social era orçado
em cerca de 49 bilhões de reais.6 Para 2016, esse prejuízo era estimado em
200 bilhões de reais.7 Em meados do segundo semestre de 2019, previu-
-se que o déficit do Regime Geral da Previdência Social atingiria o ápice de
244 bilhões de reais.8 Claro que esse problema não deriva apenas de gastos
sociais que exorbitam as receitas do orçamento da seguridade social: é um
pouco mais do que evidente que as causas desse déficit não se restringem a
essa simples fórmula contábil.
Nesse panorama de desequilíbrio financeiro e atuarial é que se inserem
as ações regressivas previdenciárias (na verdade, ações de ressarcimento “sui
generis”), mormente porque tais ações possuem cunho eminentemente arre-
cadatório e, agora, com a extensão do seu cabimento em face dos responsá-
veis pelo cometimento de violência familiar e doméstica (art. 120, II, da Lei
8.213/1991), a sua notoriedade torna-se cada vez mais intensa.9
360
Ações regressivas previdenciárias e a violência contra a mulher
10 Segundo Fernanda Valente, “A Advocacia-Geral da União ajuizou 395 ações regressivas aci-
dentárias em 2018. A expectativa é que sejam recuperados R$ 173 milhões ao INSS. Os
dados mostram que houve recuo de 30% em relação a 2017, quando foram apresentados
568 processos. Essas ações pedem que responsáveis por acidentes que resultem em paga-
mento de pensões aos acidentados ressarçam o INSS pelos gastos. A medida é prevista na
Lei 8.123/1991. Com o ajuizamento das ações regressivas em 2018, foram arrecadados R$
24 milhões, o que corresponde ao valor que o INSS já desembolsou na concessão do bene-
fício acidentário. A expectativa de ressarcimento é a quantia que a autarquia ainda pagará
e espera receber de volta quando essas ações forem julgadas. De acordo com a AGU, 376
(95,2%) ações ajuizadas em 2018 tiveram como base os relatórios de fiscalização produzidos
pelos órgãos do Ministério do Trabalho. Foram ajuizadas ações coletivas em decorrência
de acidente de trabalho e algumas delas resultaram na proposição de ações civis públicas
por parte do Ministério Público do Trabalho.” (AGU ajuíza 395 ações regressivas para re-
cuperar R$ 173 milhões para o INSS. CONJUR. Disponível em: https://www.conjur.com.br/
2019-jan-30/agu-ajuiza-395-acoes-recuperar-173-milhoes-inss. Acesso em: 10 nov. 2019).
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23 MELLO, Adriana Ramos de; PAIVA, Maria de Meira Lima. Lei Maria da Penha na prática,
p. 68-70.
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24 STJ, 2ª Turma, REsp 1.431.150/RS, Rel. Min. Humberto Martins, j. 23 ago. 2016, p. 2 fev. 2017.
25 O julgamento do REsp 1.431.150/RS teve imensa repercussão e o seu teor integrou intensas
discussões na doutrina previdenciária. Naquela ocasião, a professora Melissa Folmann, em
comunicado à imprensa emitido pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM),
teceu as seguintes observações: “[…] em 2012, foi ajuizada a primeira ação regressiva do
INSS baseada na Lei Maria da Penha e que agora passa pelo crivo do STJ […]. É lamentável
termos de chegar a isso para educar, mas foi a alternativa, já que o sentido de cuidado com o
próximo está cada vez mais longe das relações em sociedade e as consequências financeiras
estavam ficando exclusivamente com o INSS. Em suma, se o STJ afastar o dever indenizató-
rio do réu baseado na ausência de previsão na Lei 8.213/91, esvaziará o mérito de ações de
mesmo teor. E, naturalmente, o cunho de educação pela máxima ‘sentiu no bolso, aprendeu’
perderá seu sentido.” (Comunicado à imprensa emitido pelo IBDFAM, 13 jan. 2016, em
notícia intitulada “INSS pode cobrar de ex-marido que matou a ex-mulher ressarcimento
de pensão paga aos filhos do casal? STJ vai decidir”. Disponível em: http://www.ibdfam.
org.br/noticias/5872/INSS+pode+cobrar+de+ex-marido+que+matou+a+ex-mulher+ressarci-
mento+de+pens%C3%A3o+paga+aos+filhos+do+casal%3F+STJ+vai+decidir. Acesso em: 5
fev. 2020).
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Ações regressivas previdenciárias e a violência contra a mulher
26 Parcela da doutrina entende que tal rol não é taxativo, de modo que podem ser averiguadas
outras formas de violência além daquelas antevistas pelo legislador (LIMA, Renato Brasileiro
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REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
de. Legislação criminal especial comentada: volume único. 4. ed. Salvador: Editora Juspo-
divm, 2016. p. 911).
27 LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação criminal especial comentada: volume único, p. 910.
28 MELLO, Adriana Ramos de; PAIVA, Maria de Meira Lima. Lei Maria da Penha na prática, p.
83-84.
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Ações regressivas previdenciárias e a violência contra a mulher
29 MELLO, Adriana Ramos de; PAIVA, Maria de Meira Lima. Lei Maria da Penha na prática, p.
86-87.
30 BRAMANTE, Ivani Contini. Determinantes sociais da incapacidade no direito da seguridade
social. In: MARTINEZ, Wladimir Novaes (orient.); KOSUGI, Dirce Namie (coord). Perícia
biopsicossocial ou complexa. São Paulo: LTr, 2017. p. 40.
31 MELLO, Adriana Ramos de; PAIVA, Maria de Meira Lima. Lei Maria da Penha na prática, p.
87.
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REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
universais, como percebe Savaris,32 uma vez que não mais se limitam ao res-
sarcimento de valores pagos a título de benefícios acidentários, abrangendo
também benefícios não decorrentes de acidente de trabalho. Seguindo essa linha,
Zimmermann 33 acrescenta denominações específicas, como ações regressivas
de trânsito e ações regressivas Maria da Penha – esta última erigida à hipótese de
ação regressiva típica no art. 120, II, da Lei 8.213/1991 – nesse último caso se
referindo aos ilícitos praticados contra a mulher, referidos na Lei 11.340/2006.34
Assim, qualquer estudo jurídico-processual sobre o gênero ações re-
gressivas previdenciárias tem que partir da análise do próprio cabimento
ou possibilidade desse tipo de ação – ainda permeadas de controvérsias e
polêmicas – à luz não só das regras legais ordinárias, como também à luz da
Constituição e da teoria geral da responsabilidade civil, local onde se abriga
o direito de regresso.
Será que o art. 120 da Lei 8.213/1991, ao determinar ação regressiva
contra os responsáveis, realmente diz respeito à ação de regresso tratada nas
instituições de responsabilidade civil? Será de responsabilidade civil que trata
esse dispositivo? Seria responsabilidade civil apenas porque a lei menciona
ação de regresso? E caso se constate que a figura prevista no artigo não se
amolda aos contornos da responsabilidade civil, quais seriam as consequências
práticas em termos de sua aplicabilidade? Haveria algum outro fundamento
jurídico que respaldasse o proposto ressarcimento aos cofres públicos, sem
que se tratasse de direito de regresso?35
Analisando criticamente o art. 120, II, da Lei 8.213/91, como tratar a
sensível questão da agressão doméstica na esfera previdenciária sem submeter
à vítima da violência a uma rememoração do trauma sofrido em momentos
32 SAVARIS, José Antonio. A ilegitimidade da ação regressiva do INSS decorrente de ato ilícito
não acidentário. Revista de Previdência Social, São Paulo: LTr, n. 391, p. 477-485, jun.
2013. p. 481.
33 ZIMMERMANN, Cirlene Luiza. A condenação em sede de ação regressiva previdenciária ao
ressarcimento de benefícios futuros de espécies distintas não viola o princípio da sentença
certa, p. 83.
34 Confira, também, as denominações constantes na “Cartilha de Atuação nas Ações Regressi-
vas Previdenciárias”, produzida pela AGU, no seguinte link: http://www.compromissoeatitu-
de.org.br/wp-content/uploads/2014/03/AGU_cartilhaacoesregressivasprevidenciarias2014.
pdf. Acesso em: 1 jul. 2020.
35 Algumas respostas a esses questionamentos são delineadas em ATAIDE JUNIOR, Vicente de
Paula. Ações regressivas previdenciárias: ações de ressarcimento sui generis, passim.
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Ações regressivas previdenciárias e a violência contra a mulher
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Parece bastante evidente que o enfrentamento da violência contra a mu-
lher, especialmente a perpetrada no âmbito familiar e doméstico, exige uma
série de esforços concentrados em diversas áreas e com variadas intensidades.
A Lei Maria da Penha, sem dúvidas, é um marco político e jurídico para
esse enfrentamento, transmitindo uma mensagem clara de mudança cultural
em relação ao problema.
Nesse panorama, a ampliação das ações regressivas previdenciárias para
também abranger o ressarcimento ao erário de valores pagos a título de be-
nefícios previdenciários à mulher vítima, ou aos seus dependentes, em caso
de violência familiar ou doméstica, pode servir de instrumento de reforço
econômico, no sentido de desestimular as práticas violentas.
Em outras palavras, é sempre importante reforçar que a violência contra
a mulher, seja como for, sejam em que grau for, além de criminosa, jamais
poderá ser compensatória para o agressor.
Não obstante a riqueza de propósitos que essa ampliação possa ostentar,
não podem ser deixadas sem respostas as indagações lançadas ao final deste en-
saio, pois, algumas delas, dizem respeito à proteção da própria mulher-vítima.
Além disso, as permanentes e intrínsecas dificuldades das ações regressi-
vas previdenciárias, como gênero, ante seu caráter tipicamente arrecadatório,
afora problemas de ordem processual, podem macular a legitimidade das ações
escudadas nos propósitos da Lei Maria da Penha.
REFERÊNCIAS
ALVES, Marcus Alexandre. A ação regressiva acidentária e a prescrição da pretensão
indenizatória do Instituto Nacional do Seguro Social. Revista da AGU, Brasília, n.
28, p. 215-242, abr./jun. 2011.
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REFORMA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISE TÉCNICA E APOLÍTICA
DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça. 6. ed. Salvador: Editora Juspo-
divm, 2019.
LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação criminal especial comentada: volume único. 4.
ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2016.
MELLO, Adriana Ramos de; PAIVA, Maria de Meira Lima. Lei Maria da Penha na prática.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2019.
MORAES, Maria Celina Bodin de; TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Comentários ao
art. 226 § 8º, da CF. In: CANOTILHO, Joaquim José Gomes; SARLET, Ingo Wolf-
gang; MENDES, Gilmar Ferreira; STRECK, Lênio Luiz (coords.). Comentários à
Constituição do Brasil. 2. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos
direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 12. ed. rev. atual. e ampl. Porto
Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2015.
VALENTE, Fernanda. AGU ajuíza 395 ações regressivas para recuperar R$ 173 milhões
para o INSS. CONJUR. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-jan-30/
agu-ajuiza-395-acoes-recuperar-173-milhoes-inss. Acesso em: 10 nov. 2019.
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