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A Escola Chinesa Dos Estrategistas No BR
A Escola Chinesa Dos Estrategistas No BR
In Projeto
Orientalismo, 2015. Disponível em: www.orientalismo.blogspot.com.br
Introdução
O que pretendo, nesse texto, é analisar algumas traduções do Sunzi Bingfa, dimensioná-
las em nosso contexto literário e intelectual, e ainda, analisar alguns aspectos relativos ao
que seria a ‘Escola dos Estrategistas’ e suas outras produções, tendo em vista ampliar o
debate sobre esses escritos chineses em nosso país. Ademais, indicarei os tradutores
originais do chinês, e citarei apenas as obras colhidas no Brasil, de modo a estabelecer
esse panorama.
Clavell & Lionel Giles [1983]. A tradução de L. Giles era antiga [1910], e o romancista
James Clavell, autor de Xógum [Shogun, 1975], Casa Nobre [1981] e Taipan [1966], fez
dela uma adaptação e a prefaciou. É difícil saber por que a Arte da Guerra foi traduzida
para o português. É provável que o interesse fosse acompanhar as boas vendas de seus
romances; na década de 80, quando o livro foi lançado, sua novela Xógum havia sido
inclusive adaptada para Televisão [1980], trazendo atores famosos como Richard
Chamberlain e Toshiro Mifune, sendo exibida no Brasil.
Nessa versão, destinada ao grande público, Clavell apresentava uma versão acessível,
fácil de ler, da obra de Sunzi. Ela também grafa, em português, as denominações ‘Sun
Tzu’ e Arte da Guerra. ‘Sun Tzu’ vinha da grafia de nomes chineses feita pelos ingleses,
sistema conhecido como Wade-Giles [um de seus criadores foi o pai de Lionel, Herbet
Giles, que também era sinólogo]; quanto a Arte da Guerra, o termo fora grafado desde a
primeira tradução Ocidental do texto, feita pelo Padre Amiot [1772], e consolidou-se na
literatura.
O grupo ligado à administração valorizava a Arte da Guerra por defender a teoria de que
o mercado e a vida empresarial são tais quais como uma guerra, e por isso, exigem
estratégias eficazes para alcançar o sucesso e a superação. Veremos que algumas dessas
concepções são equivocadas e exageradas, mas encontram uma fonte abundante na
literatura norte-americana, que fundou essa visão. Lições estratégicas fundamentais,
aprendidas nos conflitos da Coréia [1950-53] e do Vietnã [1963-75], ajudaram na
elaboração de conceitos que foram levados por ex-militares ao mercado empresarial.1
O grupo dos esotéricos surgiu no rescaldo da década de 70, quando muito ex-hippies
decidiram aceitar as regras de mercado, difundindo seus conhecimentos em artes
esotéricas em troca de remuneração. Várias artes ocultas, e uma ampla gama de obras da
literatura ‘oriental’, passaram a ser valorizadas com formas de aprimoramento pessoal. É
no seio dessa comunidade que surgiu a literatura de ‘Auto-ajuda’, que se constitui num
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Um bom exemplo pode ser visto no livro de Mintzberg, Henry et alli. Sáfari da estratégia. Porto
Alegre: Bookman, 2010.
Bueno, André. ‘A Escola Chinesa dos Estrategistas no Brasil: uma revisão literária’. In Projeto
Orientalismo, 2015. Disponível em: www.orientalismo.blogspot.com.br
vasto conjunto de textos, dos mais diversos matizes, que tem por mister auxiliar na
vivência cotidiana e na busca de um sentido filosófico-religioso individual. De certo
modo, os praticantes de artes marciais – grandes consumidores dessa literatura –
contribuíram na promoção da Arte da Guerra como um livro desse gênero, dentro da
mais legítima tradição de um ‘misticismo oriental’.
Vejamos a seguir, pois, uma história dessas traduções, e suas características gerais.
A versão de Clavell reinou sozinha no mercado editorial até que, dez anos depois, surgiu
a tradução da Arte da Guerra do Padre Amiot [LP&M, 1993]. Embora o formato da
publicação fosse econômico, o texto de Amiot não o era. Dentro de uma tradição
própria de tradução dos clássicos chineses, os franceses preferiam traduzir um termo ou
conceito chinês em uma longa expressão que denotasse seu sentido, ao invés de somente
uma palavra isolada. Isso fazia com que parágrafos sucintos se transformassem em
trechos longos e detalhados, que acoplavam palavras que simplesmente não existiam no
original. Esse método tem duas implicações: um, que determinada passagens, às vezes
obscuras ao nosso entendimento, ficam esclarecidas dentro de um determinado ponto 3
de vista; por outro lado, essas mesmas passagens, cujo sentido é amplo ou exigem
reflexão, ficam condicionadas a uma única interpretação – nesse caso, a do Padre Amiot
– perdendo seu sentido polissêmico. A escolha de uma tradução consagrada, porém, foi
uma boa opção, tornando-se um referencial seguro. Notas explicativas não foram
incluídas nessa versão. Podemos supor que o objetivo, de fato, era alcançar um público
mais amplo, diversificado, que estava cada vez mais interessado na obra de Sunzi. Por
fim, ressalte-se o esforço em adaptar a obra para o português, tendo em vista que a
proposta de Amiot era, de certa forma, fazer uma tradução erudita, adequada ao
contexto do século 18.
bastante especial. O problema dessa edição é que ela omite alguns trechos do texto
original, o que constitui, provavelmente, um problema de revisão.
Igualmente boa é a tradução de Samuel Griffith, de 1996. Quem olha, não dá crédito a
uma singela versão de bolso. Todavia, o texto foi bem traduzido, também traz os
comentários clássicos chineses e ainda, conta com o texto completo. O formato
minúsculo e a ausência de um suporte histórico mais amplo é que podem ser criticados
nessa tradução.
Sunzi e Sunbin
Em 2004, publicaram-se mais duas versões de Sunbin, ambas pela mesma editora. Na
primeira, apela-se ao domínio público do nome, intitulando-se a obra Sun Tzu II – A
Arte da Guerra e os documentos perdidos. Apesar desse oportunismo, há que se
considerar a dificuldade do público brasileiro com os nomes chineses; além disso, a
versão é do mesmo Thomas Cleary, experiente tradutor do chinês, como vimos.
Em 2006, Adam Sun, chinês radicado no Brasil, efetuou a primeira tradução direta do
chinês para o português da obra de Sunzi. Acompanhada do original em chinês, com
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muitas notas explicativas e um texto acessível, esse excelente livro tornou disponível, ao
público brasileiro, uma versão sem intermediações, senão aquelas feitas pelo próprio
tradutor. Jornalista profissional, com vasta experiência tanto na escrita quanto no ofício
de checagem [verificação de erros, ortografia e adequações em artigos e matérias], Adam
não se limitou a fazer uma versão cuidadosa, mas ainda, estabeleceu uma crítica séria
com relação a outras que se encontravam disponíveis no mercado daquela época. No
entanto, em meio à grande quantidade de versões mais baratas que existiam [mas de
forma alguma melhores], seu valor intelectual e cultural não foi devidamente conhecido
e apreciado.
A minha versão
Dentro desse quadro, fui convidado a realizar uma tradução da Arte da Guerra, em
2009. Como afirmo na introdução da mesma, não estava inicialmente motivado a fazer
esse trabalho, supondo que a grande quantidade de versões disponíveis no mercado
simplesmente engoliria qualquer trabalho mais recente. No entanto, ao examiná-las,
percebi que poderia ser interessante dar uma versão própria, alternativa a abordagem
superficial que identificava em muitas. Busquei utilizar minha experiência sinológica na
produção do livro, buscando apresentá-lo numa linguagem simples, sintética, e fazendo
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uma introdução histórica capaz de contextualizar o livro sem ser, no entanto, exaustivo.
De fato, minha intenção era criar uma obra capaz de atrair o público para o campo da
Sinologia, mas de forma suave. Conhecia as versões de Giles, Amiot, Griffith e Cleary,
além de várias outras sem qualquer indicação plausível ou segura. Não conhecia a de
Adam Sun, o que poderia ter colaborado bastante no meu trabalho, e que reordena a
história das traduções de Sunzi como eu informara no livro, e em um artigo no qual
analisei as dificuldades de realizar a tradução [Bueno, 2014]. A experiência, porém, foi
bastante válida, no sentido de perceber as ausências brasileiras em relação a um
conhecimento mais profundo dos estrategistas chineses, o que me deu base para a
escrita do presente artigo.
Subindo níveis
No mesmo ano de 2009, uma versão da Arte da Guerra de alto nível apareceu no
mercado [Ediouro, 2009]. Ela trazia ensaios introdutórios feitos por Antônio Bezerra
Junior e Chen Tsang Jye, professores do curso de Chinês da USP, que corroboravam a
qualidade da tradução. Nesse sentido, duas outras traduções seguiram a ideia de buscar
a interpretação chinesa sobre o original de Sunzi: a primeira se baseava na tese de
Bueno, André. ‘A Escola Chinesa dos Estrategistas no Brasil: uma revisão literária’. In Projeto
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Problemas estratégicos
Ao contrário do que se imagina, Sunzi e Sunbin não foram os únicos a lidar com a
questão da estratégia na China antiga. Antes deles, Taigong 太公 [séc. -4?]2 e Sima
司馬[séc. -4?] teriam escrito seus livros de estratégia, num contexto de disputa por
atenções, prestígio e riqueza. Sima invocava a guerra cavalheiresca, Taigong elaborava
estratégias complexas. E, após Sunzi, outros escritores, como Wuzi 吳子, Weiliaozi
2
Também conhecido como Jiang Ziya 姜子牙 . Afirma-se que o texto original seria do século -
11, mas não há fontes que comprovem isso; a indicação é somente aquela do próprio texto, sem
nenhuma outra indicação nos antigos clássicos chineses.
Bueno, André. ‘A Escola Chinesa dos Estrategistas no Brasil: uma revisão literária’. In Projeto
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尉繚子 e o Duque Huang 黃石公 também deixaram suas visões sobre a questão. O
tempo dos Estados Combatentes foi profícuo para esses pensadores, ligados diretamente
a questão militar. Somente séculos depois, porém, no período Tang [618 +907], é que
foi feita uma classificação mais ou menos definitiva, chamada de Sete Clássicos da
Estratégia Militar, que criam um corpus desses tratados. Eram eles: Seis ensinamentos
secretos de Taigong [Liu Tao 六韬]; O método de Sima [Sima Fa 司馬法]; A lei da
guerra de Sunzi 孫子兵法; Wuzi 吳子; Weiliaozi 尉繚子; As três estratégias do duque
Huang [Huangshi Gong Sanlue 黃石公三略]; e Questões e respostas de Tang Taizong e
Li Weigong [Tang Taizong Li Wei Gong Wen Dui 唐太宗李卫公问对 ,este último da
própria dinastia Tang, de autoria de Lijing 李靖(571 +649)].
Notem que o tratado de Sunbin não estava presente nessa lista, e talvez fosse pouco
conhecido na época. Outro gênio da estratégia, Zhuge Liang 諸葛亮[183 +234], também
não aparece. É possível, portanto, que além da arbitrária, a escolha tivesse motivações
específicas, tais como alguma espécie de canonização histórica. O que ressalto, aqui, é
que o público brasileiro praticamente desconhece esses livros. Grosso modo, ele só tem
um parco conhecimento sobre um sétimo do que foi produzido pelos estrategistas – e
assim mesmo, de qualidade variável, e carregado de estereótipos empresariais ou 8
esotéricos.
Isso é até certo ponto compreensível, tendo em vista que mesmo nos países com uma
tradição sinológica mais desenvolvida, alguns desses textos só foram traduzidos mais
recentemente. Uma excelente fonte para conhecê-los é o livro de Ralph Sawyer, The
Seven Military Classics of Ancient China [Westview, 1993]. Mas, como estamos a
discutir a literatura em português, e no Brasil, precisamos saber o que há sobre. Os
primeiros fragmentos desses clássicos apareceram em A sabedoria do guerreiro,
compilado por Thomas Cleary [2001]. Ele traz um conjunto de trechos selecionados dos
sete livros, mas a versão em português não traz uma explicação mais detalhada sobre
quem eram seus autores ou fontes. Fica-se, pois, com a sensação de um livro de auto-
ajuda, embora o livro seja agradável, e o texto tenha sido traduzido com cuidado e
clareza, mas sem qualquer nota explicativa.
Foi o Monge Marcos Beltrão que traduziu os sete clássicos de Taigong, Sima, Sunzi,
Wuzi, Weiliaozi, Huang e Lijing. Essa fonte merece uma atenção maior por parte do
público, sendo a única fonte completa, em nossa língua, desses clássicos. As traduções
são cuidadosas, e tem um custo baixo para aquisição eletrônica. Uma notável obra, cuja
Bueno, André. ‘A Escola Chinesa dos Estrategistas no Brasil: uma revisão literária’. In Projeto
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pouca divulgação, a meu ver, revela os problemas do nosso público leitor, quase sempre
interessado em versões imediatistas e superficiais.3
A segunda versão foi importada dos chineses, em 2001. As 36 estratégias dos chineses,
de Wee Chow Hou e Lan Luh Luh apresenta historicamente os estratagemas, mas todos
os exemplos vem atrelados a questão empresarial e dos negócios. Mesmo os chineses,
portanto, se entregaram a ideia de vender os estrategistas como uma solução
administrativa. No mesmo tom é a versão de Hiroshi Morya [2011], As 36 estratégias
secretas, o que não contribui muito para a compreensão histórica desse texto.
3
Para ver as obras do Monge Beltrão, visite o site: http://marcosbeltrao.com/mestres-de-guerra/
Bueno, André. ‘A Escola Chinesa dos Estrategistas no Brasil: uma revisão literária’. In Projeto
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feitas em outras versões. Novamente, é um livro que deveria ser mais bem conhecido e
divulgado; mas, sem apelo mercadológico, é uma versão magnífica dos clássicos que vê
sua circulação restrita pelo desinteresse do público em abordagens mais sérias e densas.
Vemos, pois, que para um estudo filosófico e militar da escola dos estrategistas, já temos
em português uma relativamente boa literatura disponível. Relativa, claro, porque as
melhores versões ainda são pouco conhecidas. Todavia, o velho reclame da ausência de
fontes – eterna cantilena impeditiva de estudos sinológicos no Brasil -, nesse caso, não
mais procede. É possível, portanto, elaborar bons trabalhos acadêmicos nesse sentido,
com o auxílio de excelentes manuais de pensamento chinês, como os de Marcel Granet
[1997] e Anne Cheng [2009].
Referências
Sunzi e Sunbin
Ames, Roger e D.C. Lau. Sun Pin. São Paulo: Record, 2004.
Bueno, André. A Arte da Guerra. São Paulo: Jardim dos livros, 2009.
Cerbari, Gustavo. A Arte da Guerra. Rio de janeiro: Ediouro, 2009. [com os textos de
Antônio Menezes e Chen Tsang Jye]
Bueno, André. ‘A Escola Chinesa dos Estrategistas no Brasil: uma revisão literária’. In Projeto
Orientalismo, 2015. Disponível em: www.orientalismo.blogspot.com.br
Cleary, Thomas. Sun tzu II – os documentos perdidos. São Paulo: Record, 2004.
Griffith, Samuel. A Arte da Guerra. São Paulo: Paz & Terra, 1996.
Sawyer, Ralph. Sun tzu e Sun Pin – obra completa. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
Tao, Hanzhang. A Arte da Guerra de Sun tzu. São Paulo: Gente, 2011.
Outros textos
Wee, Chow Hou e Lan, Luh Luh. As 36 estratégias dos chineses. São Paulo: Record,
2001.
Lin, Yutang. Sabedoria de Índia e China. 2vls. Rio de janeiro: Ponguetti, 1945.
[Coletânea que trás a primeira tradução de Laozi].
Manuais
Bueno, André. ‘As dificuldades de uma tradução: o Sunzi Bingfa e o contexto cultural
brasileiro’. Cadernos de Literatura em Tradução, n.14. São Paulo: USP, 2014.
Bueno, André. ‘A Escola Chinesa dos Estrategistas no Brasil: uma revisão literária’. In Projeto
Orientalismo, 2015. Disponível em: www.orientalismo.blogspot.com.br
Bueno, André. A Arte da Guerra chinesa: uma história da estratégia na China, de Sunzi
a Maozedong. 2011. Disponível em: http://estrategiaschinesas.blogspot.com.br/
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