You are on page 1of 7

DIREITO CIVIL

Direito Civil Desenhado – Pessoa Jurídica VII

DIREITO CIVIL DESENHADO – PESSOA JURÍDICA VII

DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

Em uma ocasião em que a PJ não paga o que deve a um funcionário ou colaborador, no


decorrer de uma ação judicial, o juiz pode abrir uma “fenda” no manto protetor – chamado de
personalidade jurídica – para atacar os diretores dessa PJ. Para tanto, é necessário que o
ofendido mostre certos requisitos ao juiz. Esse é o fenômeno da desconsideração da perso-
nalidade jurídica. Após a resolução do pagamento ao credor, o juiz fecha a “fenda” aberta na
personalidade jurídica e segue a normalidade da PJ.

Breve Histórico da Desconsideração da Personalidade Jurídica


• Código Civil de 1916 não havia previsão.
• Rubens Requião defendia a existência dela na década de 1960.
• CDC em 1990 foi a primeira lei a prever sua possibilidade (art. 28).
• Lei n. 8.884/1994 (antiga Lei Antitruste) também tratava essa questão.
• Na Lei n. 9.605/1998 (Lei de Crimes Ambientais) também havia essa previsão.
• Código Civil de 2002 dispunha sobre o tema no artigo 50.
• Lei n. 12.529/2011 também admite a desconsideração da personalidade jurídica em
caso de infrações da ordem econômica (art. 34).

Alguns Termos Mais Usados Para se Referir à Desconsideração da Personali-


dade Jurídica
• Disregard of the legal entity (desconsideração da pessoa jurídica);
• Disregard doctrine (doutrina da desconsideração);
• Outpiercing the corporate veil (perfurando ou rasgando o véu da corporação ou da per-
sonalidade jurídica);
• Outlifting the corporate veil (levantando ou desvelando o véu da corporação).

A desconsideração da personalidade jurídica é, portanto, sempre temporária. Afinal, se


fosse permanente, a pessoa jurídica correria risco de ser extinta.
5m
Teve origem nos direitos inglês e estadunidense, mas o caso mais emblemático, que con-
figurou sua previsão em diversas leis, aconteceu na Inglaterra no final do século XIX, o cha-

1 www.grancursosonline.com.br
DIREITO CIVIL
Direito Civil Desenhado – Pessoa Jurídica VII

mado “Salomon x Salomon Company”. Salomon era dono de uma pequena empresa que
produzia botas de couro e resolveu limitar a responsabilidade de sua empresa sobre seus
bens, de acordo com as companies acts de 1984 (legislação do momento). Ele colocou seus
5 filhos e a esposa como sócios da empresa, pois a lei da época exigia a participação de pelo
menos 7 sócios para se criar uma empresa. Em seguida, ele emprestou dinheiro para a pró-
pria empresa e se colocou como credor principal tendo, portanto, prioridade no recebimento
da dívida. O grande comprador de seus produtos era o governo britânico, porém sua empresa
foi mal nos anos seguintes e passou a comprar de diversos fornecedores. Então, um admi-
nistrador local foi designado para liquidar os bens e pagar os credores. Entretanto, o credor
principal era o próprio Salomon. Verificou-se que os credores não receberiam os valores cor-
respondentes, já que os bens da empresa não seriam suficientes para pagar o primeiro credor
(Salomon). Em 1895, a Corte britânica recebeu o caso para então decidir a desconsideração
da personalidade jurídica e assim começaram as discussões sobre o tema. Os juízes abriram
o manto da PJ e atingiram o próprio Salomon para poderem liquidar seus bens e pagar todos
os credores.
Tem-se, então, uma questão temporária, conforme mencionado anteriormente. A empresa
vai continuar e não será despersonificada, ou seja, não será extinta.
10m
Em resumo, trata-se de uma doutrina que pretende o afastamento temporário da persona-
lidade da pessoa jurídica com o objetivo de atingir o patrimônio pessoal do sócio ou adminis-
trador que cometeu o ato abusivo.

ATENÇÃO
Teoria intra vires societatis – quando o sócio pratica uma ação prevista e permitida no ato
constitutivo, vincula à PJ e é legal.
Teoria ultra vires societatis – quando o sócio pratica uma ação que não tem permissão no
ato constitutivo, não vincula à PJ e é nulo.

Enunciado 284, JDC: as pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos ou de fins
não econômicos estão abrangidas no conceito de abuso da personalidade jurídica.

2 www.grancursosonline.com.br
DIREITO CIVIL
Direito Civil Desenhado – Pessoa Jurídica VII

A doutrina da desconsideração da personalidade jurídica está, portanto, positivada no


ordenamento jurídico. São dois os pontos mais importantes: artigo 28 do Código de Defesa
do Consumidor (CDC) e artigo 50 do Código Civil. Dois também são os tipos de desconsi-
deração clássica:
• Desconsideração direta – responsabilidade dos sócios pelas dívidas da pessoa jurídica.
• Desconsideração inversa ou invertida – a responsabilidade da pessoa jurídica por dívi-
das dos sócios e administradores. É admitida pela doutrina, conforme enunciado 283 da
IV JDC, bem como no informativo 440 do STJ.

Esse tema também é tratado do Código de Processo Civil de 2015 como intervenção
de terceiro (art. 133 a 137) e pode acontecer em qualquer fase processual, ser de requeri-
mento do Ministério Público ou da parte que interessa e o sócio comporá o processo ao lado
da pessoa jurídica, no polo passivo. Ele também permite expressamente a desconsideração
inversa, ignorando o sócio no polo passivo para atingir sua empresa.
O artigo 50 do Código Civil foi alterado em 2019 e teve diversos parágrafos acrescenta-
dos, entre eles o que permite expressamente a desconsideração inversa.
15m
Isso não quer dizer que tal desconsideração só foi autorizada a partir de tal ano. O STJ
já havia liberado e o que houve foi apenas uma redação para deixar clara e expressa sua
existência.
Exemplo: Maria possui conhecimentos em Administração e, em um dado momento,
conhece João, fica apaixonada e se casa com ele. O casal resolve criar uma empresa e
crescer conjuntamente. A empresa vai muito bem e com isso eles têm condições de abrirem
outras, todas no nome do João. Ficam milionários e ele, então, resolve comprar apartamentos,
carros, helicópteros no nome da empresa. Com o passar do tempo, João arruma outra mulher
e dispensa Maria. Com a separação, na partilha dos bens, João declara que não possui nada
em seu nome, mas no nome da empresa. Para casos assim, a Justiça considera João como
réu e os bens adquiridos na constância do casamento devem ser partilhados, inclusive a pró-
pria empresa. Se tais bens estiverem no nome da Pessoa Jurídica, a Justiça desconsidera
João e ataca a empresa. Assim funciona a desconsideração inversa ou invertida.
No Direito Empresarial, também existe a desconsideração indireta, expansiva, que acon-
tece quando uma empresa maior é controladora de outras empresas menores, controladas.
As menores não possuem dinheiro para sanar dívidas, mas a maior sim, então se desconsi-
dera a controlada para atingir a controladora.
20m

3 www.grancursosonline.com.br
DIREITO CIVIL
Direito Civil Desenhado – Pessoa Jurídica VII

Para que ocorra a desconsideração da personalidade jurídica, o ofendido precisa mostrar


ao juiz certos requisitos. Eles são base de duas teorias:
• Teoria maior: abuso da personalidade jurídica cometido pelo sócio administrador, como
desvio de finalidade ou confusão patrimonial (requisito subjetivo) + prejuízo ao credor
(requisito objetivo) (art. 50 do CC) – requerida pelo interessado ou MP em ação judicial.

CC, Art. 50.Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou
pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe
couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações
de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa
jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.
§ 1º Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com
o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza.
§ 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios,
caracterizada por:
I – cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa;
II – transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor pro-
porcionalmente insignificante; e
III – outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial.
§ 3º O disposto no caput e nos §§ 1º e 2º deste artigo também se aplica à extensão das obrigações
de sócios ou de administradores à pessoa jurídica.
§ 4º A mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput
deste artigo não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica.
§ 5º Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da
atividade econômica específica da pessoa jurídica.
25m

• Teoria menor: mais fácil de ser aplicada, contenta-se simplesmente com a demonstra-
ção de insolvência da pessoa jurídica; o prejuízo ao credor (requisito objetivo) – artigo
28 do CDC (REsp 744.107 SP). Também requerida pelo interessado ou MP em ação
judicial. Ela é aplicada em relações de consumo e questões ambientais.

O Código de Processo Civil trata o incidente da desconsideração da personalidade jurídica


como uma intervenção de terceiros.

CPC, Art. 133. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido
da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo.
§ 1º O pedido de desconsideração da personalidade jurídica observará os pressupostos previstos em lei.
§ 2º Aplica-se o disposto neste Capítulo à hipótese de desconsideração inversa da personalidade
jurídica.

4 www.grancursosonline.com.br
DIREITO CIVIL
Direito Civil Desenhado – Pessoa Jurídica VII

Art. 134. O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimen-


to, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial.
§ 1º A instauração do incidente será imediatamente comunicada ao distribuidor para as anotações
devidas.
§ 2º Dispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for
requerida na petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica.
§ 3º A instauração do incidente suspenderá o processo, salvo na hipótese do § 2º.
§ 4º O requerimento deve demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais específicos para
desconsideração da personalidade jurídica.
Art. 135. Instaurado o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica será citado para manifestar-se e re-
querer as provas cabíveis no prazo de 15 (quinze) dias.
Art. 136. Concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por decisão interlocutória.
Parágrafo único. Se a decisão for proferida pelo relator, cabe agravo interno.
Art. 137. Acolhido o pedido de desconsideração, a alienação ou a oneração de bens, havida em
fraude de execução, será ineficaz em relação ao requerente.

Alguns Enunciados da Jornada de Direito Civil (JDC)

Enunciado 7: só se aplica a desconsideração da personalidade jurídica quando houver a


prática de ato irregular e limitadamente aos administradores ou sócios que nela hajam incor-
rido. Ou seja, somente o sócio que houver praticado ato ilícito será atingido.

Enunciado 51: quanto à desconsideração ficam mantidos os parâmetros existentes nos


microssistemas legais e na construção jurídica sobre o tema.

Enunciado 146: nas relações civis interpretam-se restritivamente os parâmetros da des-


consideração (desvio de finalidade e confusão patrimonial). Devem ser provados por quem
os alegar.

Enunciado 281: a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica pres-


cinde a demonstração de insolvência da pessoa jurídica. Ou seja, não há necessidade de
falência da pessoa jurídica. Significa que a empresa não precisa estar quebrada para isso
acontecer, basta não ter o dinheiro para pagar a dívida.

Enunciado 282: o encerramento irregular das atividades da pessoa jurídica, por si só, não
basta para caracterizar o abuso de personalidade.
30m

5 www.grancursosonline.com.br
DIREITO CIVIL
Direito Civil Desenhado – Pessoa Jurídica VII

Súmula 435 do STJ: “presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de


funcionar no seu domicílio sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redire-
cionamento da execução fiscal para o sócio-gerente”.
Essa súmula aplica-se à empresa saiu do domicílio sem avisar ninguém e presume-se que
foi extinta de maneira irregular. Todas as cobranças de impostos que existem sobre a empresa
serão redirecionadas ao sócio-gerente. Isso caracteriza uma desconsideração da personali-
dade jurídica, que em certo ponto contradiz o enunciado 282 citado acima.
Acontece que essa Súmula 435 não se aplica nas relações cíveis, sendo exclusividade
do Direito Tributário. Portanto, se ela for citada em alguma prova do Direito Civil, ficará fácil
responder: ela não se aplica.

Enunciado 284: As pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos (associações
e fundações) ou de fins não econômicos estão abrangidas no conceito de abuso da persona-
lidade jurídica.

Enunciado 285: A teoria da desconsideração, prevista no art. 50 do Código Civil, pode ser
invocada pela pessoa jurídica em seu favor.
Esse último enunciado deve-se ao fato de que, dentro da PJ, existem outros sócios que
podem, em nome da pessoa jurídica, requerer ao juiz que ataque apenas o sócio que cometeu
ato abusivo. Na prática, é a própria PJ pedindo a desconsideração da personalidade jurídica
para que apenas o sócio abusador responda pela ação cometida.
35m

Enunciado 470: O patrimônio da empresa individual de responsabilidade limitada (EIRELI)


responderá pelas dívidas da pessoa jurídica, não se confundindo como patrimônio da pessoa
natural que a constitui, sem prejuízo da aplicação do instituto da desconsideração da perso-
nalidade jurídica.

Questões Práticas Processuais

1. Ao desconsiderar a personalidade jurídica, haverá ampliação subjetiva da demanda.


Isso porque o credor, no polo ativo, demonstra que a PJ (polo passivo) não tem dinheiro e
o sócio praticou ato abusivo. O sócio entra junto com a PJ para responder pelo processo
(Credor versus PJ+Sócio). Amplia-se a quantidade de sujeitos.
ANOTAÇÕES

6 www.grancursosonline.com.br
DIREITO CIVIL
Direito Civil Desenhado – Pessoa Jurídica VII

2. A medida de defesa dos sócios é por embargo à execução, por serem réus. Significa
que, quando um processo atinge patrimônio de um sócio sem que haja a desconsideração,
então há um equívoco, pois ele não é um devedor. Assim, deve apresentar sua defesa por
meio de embargo de terceiros. Mas, se o sócio foi colocado devidamente no polo passivo,
então a defesa deve ser apresentada por embargo à execução.

Julgado Recente (13/02/2020)

O condomínio, por ser uma massa patrimonial, não possui honra objetiva apta a sofrer
dano moral.
Quando se fala em pessoa jurídica, normalmente ela pode sofrer dano moral, segundo a
Súmula 227 do STJ. O condomínio, entretanto, é um sujeito de direito sem personalidade jurí-
dica, ou seja, não é pessoa jurídica.
Existe a possibilidade de várias bancas começarem a cobrar esse julgado em específico,
de forma a indagarem se o condomínio pode sofrer dano moral. A resposta é NÃO, pois con-
domínio não é PJ.

Pessoa Jurídica. Natureza Filantrópica. Justiça Gratuita.

A Corte Especial, por maioria, conheceu dos embargos e lhes deu provimento, sufragando a tese de
que, no caso das pessoas jurídicas sem fins lucrativos, de natureza filantrópica, benemerência etc.,
basta, como as pessoas físicas, a simples declaração da hipossuficiência coberta pela presunção
juris tantum para a concessão da Justiça gratuita. EREsp1.055.037-MG, Rel. Min. Hamilton Car-
valhido, julgados em 15/4/2009 –INFO 390/STJ

�Este material foi elaborado pela equipe pedagógica do Gran Cursos Online, de acordo com a aula
preparada e ministrada pelo professor Roberta Queiroz.
A presente degravação tem como objetivo auxiliar no acompanhamento e na revisão do conteúdo
ministrado na videoaula. Não recomendamos a substituição do estudo em vídeo pela leitura exclu-
siva deste material.

7 www.grancursosonline.com.br

You might also like