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t Contribuicdes de Bion 4 psicoterapia de grupo ‘A importincia da contribuigio de Bion as Ciéncias Humanss ainda esté longe de ser corretamente aquilatada, O mesmo é verdade com relago 4 Psicandlise, em particular & Grupoterapia. O pensamento bioniano vem sendo constantemente rea- Valiado por psicanalistas e grupoterapeutas. Muito recentemente foi publicado na Inglaterra um livzo intitulado Bion and Group Psychotherary, organizado por Mal- colm Pines, que, além de ser membro da Sociedade Britanica de Psicandlise e funda- sy do Instituto de Andlise de Grupo, é também terapeuta-consultor da Clinica Ta- Vietock,'e foi, ainda, Presidente da Associagdo Intemacional de Terapia de Grupo. Pines, na introduga0 do livro, deixe claro seu sentimento de 0 quanto temos para aprender com Bion, afirmando que ele possufa excepcionais qualidades mentais, crerevendo-nos através de seus escritos uma enorme possibilidade de nos desenvol- cormos mentalmente. Particularmente, penso que levard ainda muitos ano! até que tods a originalidade da contribuigfo de Bion as Ciéncias Humanas esteja adequada- srente absorvida e assimilada, e, portanto, incorporada 20 nosso acerv0 de conhe mmentos sobre a natureza humana. Considero que, elémm da contribuigdo especifica & teoria dos grupos humanos, que Bion nos oferece em seu livro “Experiéneias com Grupos” devemos valorizar, também no traballio como terapeutas de grupos, a con- tribuigdo existente nas suas tltimas obras acerca da posture ‘mental adequada para 0 analista desenvolver sua tarefa, ‘Wilfred Ruprecht Bion nasceu em 1897 na India, perto de Benares, filho de tum engenheizo inglés especialista em irrigagdo. La viveu até cerca de 8 anos de ida- de, quando foi enviado & Inglaterra para ‘estudar, nunca mais tendo retornado & th- ig. Combateu na Segunda Guerra Mundial, tendo sido por duas vezss condecorado « Psiguiatsa e psicanalista, exerce sua atividade no Rio de Janeiro. 357 SN / por atos de bravura, Posteriormente estudou medicina e na Primeira Guerra Mundial serviu na ala de reabilitago do Hospital Militar de Northfield, onde comegou a trabalhar com grupos humanos. Em 1948, iniciou um trabalho com grupos terapéu- ticos na Tavistock Clinic e pouco depois de 1950, possivelmente por influéncia de Melanie Klein, sua analista, abandonou o trabalho com grupos, nunca mais 0 retomando. Embora tenha sido dito em muitas oportunidades que Bion desistira do trabalho com grupos por consideréJo pouco importante, ele mesmo, por vérias vezes, referiu-se a esse tipo de atividade como sendo uma das perspectivas mais promissoras da psicoterapia, Explicava 0 fato de ter deixado o trabalho com grupos como sendo uma opgfo conseqiiente & necessidade de se definir, tendo escolhido ser analista didata, por achar a forma mais adequada de entio dar sua contribuigdo a0 desenvolvimento do pensamento psicanalitico. Em 1967, Bion imigrou para os Estados Unidos, radicando-se em Los Angeles, numa espécie de auto-exilio que durou até 1979, quando ento voltou para a Inglaterra, vindo a falecer poucos meses depois, ainda no mesmo ano, de uma enfermidade que evoluiu de forma fulminante, em pouco mais de uma semana. A primeira coisa a ser dita acerea das contribuigdes de Bion a grupoterapia é que ele defende a idéia de que o homem € um animal de grupo, um animal gregério, de horda, O que quer dizer que fendmenos mentais grupais so inerentes & mente humana. Eles podem nfo ser a todo momento perceptiveis, mas esto lé. Mesmo um ermitdo isolado no deserto apresenta caracteristicas de membro de um grupo; faz parte do grupo de ermitios. Da mesma maneira como uma pessoa tem de ir a0 ana- lista para que seja possivel observar-se os fendmenos transferenciais, também é no espago da convivéncia grupal que os fendmenos mentais grupais podem ser percebi dos. Bion criou algumas expressbes para desighar OS fenidmienos que observou, a0 li- dar com grupos terapéuticos. Através da descrigiio dessas expressOes, podemos ter uma vista geral de suas observacdes acerca do funcionamento do ser humano em grupo. A expressio “‘ftentalidade grupal”’significa o fato de que um grupo usualmen- te funciona como unre unidade, mesmo quando seus membros néo tém consciéncia de tal. Tem a ver 60 ividade mental que ocorre quando os seres humanos se reGnem em grupo,Ciltura gra ‘grupaly’, por sua vez, € definida como sendo o resultado da inter-relagdo entié“é idade grupal ¢ 0s desejos dos individuos, A cultura Sfipal Sim fendmeno que pode ser Observado no contexto das situagaes grupais e € fungio da mentalidade grupal e dos desejos dos inidividuos. Trata-se de fendmenos a nivel de funcionamento mental. _ A =~ alguns aspectos da mentalidade grupal, Bion deu o nome d& “suposigdes bé- sicas”, que se referem 20s grupos como que funcionando dentro de uiiia determina da siposigao bésica, o que quer dizer: estruturas especificas de forma de funciona- mento adotadas por um grupo numa dada sitiiago, num determinado momento Conceito oposto ao grupd furicioniando numa suposiggo bisica é agnéiitalidade grav pal, que Bion chama de “grupo de trabalho”. Bion descreveu tés stiposigdes basi‘? gas: dependéncia, luta-fuga e acasalamento: 58 <2 Dentro da supésiggo bésica de dependéncia;’o grupo se comporta como se um, de sells iembros Toss capaz’ dé Tomar a lideraica e cuidé-lo totalmente. Grupos re- ligiosos so exemplos caracteristicos dessa posigdo grupal. Bion cunhou @ expresso aD (significando basic assumption of dependence) ou sbD para se referir a esse ti- po de funcionamento grupal. eg-Asuposigdo bésica de luta-fuga (baF: basic assumption of fight flight) repre- Yeata a convicgao, freqiientemente inconsciente, do grupo como um todo, de que existe um inimigo que deve ser combatido ou evitado. Grupos militares funcionam dentro dessa suposigao bésica. {A terceira suposigio bésica grupal descrita por Bion £7 de acasalamemto (baP: basis assumption of pairing), que corresponde & crenca coletiva’é inéorisciente de que 08 problemas e necessidades do grapo, sejam quais forem, sero solucionados no futuro por alguém ou algo que ainda ndo nasceu. Existe, nesse sentido, uma es- peranca de tipo messiénico. Em fungio disso, dois elementos do grupo, independen- te do sexo de cada um, formam um casal Sob 0 beneplécito do restante dos elemen- tos do grupo. O clima grupal ¢ Ge alegre esperanga. Deve-se notar que as suposigdes bésicas sao estados emocionais que evitam a frustrago que esté relacionada com 0 trabalho e © aprendizado dos préprios esforgos, sofrimento e contato com a realida- de. 0 proprio Bion no derradeiro trabalho que escreveu sobre grupos, “Dinmica de Grupo: Uma Revisio” (1952, Group Dynamics: A re-view, Int. J. of P.A., Vol. 33, in “Experiences in Groups”, 1961), liga seus conceitos sobre grupos com os fe- nomenos emocionais descritos por Melanie Klein, principalmente as teorias sobre objetos parciais, ansiedades psic6ticas e primitivos mecanismos de defesa. traposigfo aos grupos de suposiggo basica, Bion descreve & grupo de trabi Work Group) que € 0 grupo que funciona maduramente em buscx de uma solugdo harmoniosa, embora trab: das necessidades e Objetives. Deve ainda ser notado o fato de que a mudanga de uma suposigfo basica para outra € alguma coisa que pode ser feita com extrema rapidez. Durante uma sesso de grupo podemos observar © surgimento de configuragées vairadas de suposigdes ésicas e mesmo a aparieo do grupo de trabalho, num espago de tempo relativa- mente curto. NZo devemos deixar de assinalar, também, que nenhum grupo apresen- ta seu funcionamento de forma pura, hé sempre um pouco de grupo de trabalho nos grupos de suposig6es basicas e vice-versa. ‘Uma titima expresso cunhada por Bion “valéncia”, um termo extraido da Quimica, e que indica a maior ou menor capacidade de cada individuo dentro do grupo para participar das suposigGes basicas grupeis. Bion diz que todos nés temos um certo grau de valéncia que apenas varia para mais ou para menos em cada um, @ cada momento, a cada circunstancia. Bion sugere que com estes dados em mente teremos mais facilidade de abor- dar um grupo como terapeutas, visando & compreenséo do seu funcionamento a nf- vel inconsciente podendo enfao ter um ponto de partida para interpretagOes, por assim dizer, psicanaliticas. Este equipamento de conhecimentos desempenha o mes- ‘mo papel que as teorias psicanaliticas desempenham, equipando o analista para seu 59 trabalho interpretativo na psicandlise individual, Claro esté que a interpretagao nao visa a uma formulapfo te6rica, o que quer dizer que ndo se fala dentro de uc, grupo em suposigées bésicas, valéncia, acasalamento, etc., da mesma maneira que numa andlise ndo se fala em complexos de Edipo, Posi¢des esquizo-parandides e assim por : 5 Bion define grupo como uma fungao ou conjunto de fungdes de um agrupa- mento de pessoas. Nfo é funcdo de ninguém separadamente, nem € agrupamento sem fungées. Aceitando-se a idéia de que o ser humano é um animal de grupo, solu- cionam-se as dificuldades que parecem existir no aparente paradoxo de que um gru- po é mais do que a soma de seus membros, Determinados fenomenos devem ser on, tendidos a partir da matriz do grupo e nao dos individuos que © constituem, da mesma maneira que — eomo diz Bion ~ marcar o tempo é fun¢ao do telégio como de tal. Os grupos de suposigao bésica buseam satisfagdo instantnea dos desejos de sts-membros e dos seus proprios desejos, ¢ esto orientados para dentro, no senti- do das suas fantavias subjetivas, e nao para fora, em contato com a realidade objeti. va. H pouca ou nenkumha capacidade para tolerar frustrago, pouco interesse em re- mandas do grupo, este procura outro lider alternativo. E claro que sempre haverd conflito dentro do grupo entre as tendéncias a dependéncia e a necessidade dos indi. viduos como a todos. Quando o lider nao atende aos anseios do grupo, suas palayras ou escritos se tornam uma espécie de livro sagrado e 0 grupo tende a substituir a Pessoa do LI der pelas suas manifestagbes verbais. No.grupo de luta-fuga aimportan- cia do Ider é maior ainda, porque o fato de o grupo se colocar numa proposta de ago Fequer a coordenago de uma lideranga. Aqui, as pessoas enfermas ndo sf to. leradas, ¢ o lider deve apresentar algum elemento de paranoia que the facilite local Zar quem € ¢ onde estd 0 inimigo. O grupo de acasalamento traz consigo um senti. mento de expeciativa. Nao ha necessidade de lider mas sim de um par que engen- drard o futuro Ifder, 0 Messias, que trard a satisfago do atendimento das necessida, des do grupo. 0 clima é de otimismo. Creio que as descobertas e reflexes de Bion acerca do funcionamento do ru Po de suposicao basica nos permitem a formulagao que se segue. Um grupo quando organizado num serting favorével para regressdo (0 equivalente ao setting psicanalt. tico que favorece a transferéncia) Passa a comportar-se de uma forma peculiarmen- te desconexa ¢ pouco eficiente. A esta forma de comportamento Bion deu o nome de suposigto bisica ¢ descreveu suas principais caracterfsticas, conforme vimos ack ma, Emerge algo inconsciente, instintivo e extremamente primitivo, impetindo o Brupo a.um determinado tipo de comportamento que parece um padrio da espécie humana, tendo em vista o fato de o homem ser um animel gregétio, Talvez padroes semelhantes sejam caracteristicos do comportamento dos mamiferos gregdrios. Tra. {a-se de um comportamento de sobrevivéncia que entao aparece de forma rudimen. tar, ineficiente, caricata. Os aspectos mais essenciais da sobrevivéncia da espécie es. {Ho ai presentes conforme descritos por Bion. Existe a expectativa da emergéncia do der mistico, aquéle que individualmente detém capacidades invulgares ¢ que tem condigdes de liderar, dirigir o grupo para a sobrevivéncia. O instinto de obediéncia a esse Ider aparece caricaturado no grupo de suposto bisico de dependéncia. Como animal predador ¢ a0 mesmo tempo alvo e presa de outros predadores, o ser hums. no necessita estabelecer padrdes de comportamentos grupais que The permitam lutar © fugir de acordo com as circunstincias.“A lideranga necesséria para tal se faz Presente e a formulagdo das atitudes grupais que fazem face a essas necessidades éncontra-se representada no grupo de suposigdo bésica de luta-fuga. O outro ele. mento fundamental da sobrevivéncia da espécie, a procriagdo e a ctiagao da prole, csié expresso no grupo de suposto bésico de acasalamento, Assim, vemos que as Principals necessidades bdsicas da manuteng# da espécie humana emergem desta forma primitiva nos agrupamentos humanos quando é dada a oportunidade para tal, Mais importante ainda do que o trabalho que Bion desenvolveu com grupos, do ponto de vista clinico para o terapeuta de grupo, talvez sejao trabalho que Bion desenvolveu, refletindo sobre a postura mental adequada para o analista se desin. cumbir de sua tarefe. Bion enfatizou muito a importancia de um estado mental fa. vorlvel & percep¢a0 por parte do analista das ocorréncias emocionals no aqui e ago- ‘9 da situagdo analitica. Tal nfo é menos verdade no que se refere a0 grupo terapéu- 61 tico. O que Bion fala da postura adequada para o analista no encontro com o seu analisando aplica-se ipsis litteris ao encontro do terapeuta com seu grupo, Partindo da observago feita por Freud em carta a Lou Andreas Salomé acerca da necessida- de de o analista cegar-se artificialmente para poder perceber o que corre com seu analisando, Bion desenvolveu o conceito de que desejo e meméria tém um compo- nente sensorial que ofusca ¢ confunde a percepgo. Assim sendo, 0 analista deve ati- vamente procurar excluir de si desejos, meméria e compreensdo na sua rela¢fo com seu analisando — ou seu grupo — de forma a ficar melhor capacitado para perceber as ocorréncias emocionais que aqui e agora se desenvolvem durante a sesso, Em um artigo, Bion (1967) faz referéncia expressa a uma disciplina que o analista deve pra- ticar, visando a aproximar-se 0 mais possivel do estado de mente ideal, que seria um estado no qual nao existisse nenhuma meméria, nenhum desejo, nem mesmo o dese- jo de compreender o analisando. E claro que este estado ideal de mente nfo pode ser atingido. E apenas uma dirego, uma referéncia, assim como para os antigos na- vegantes o olhar para as estrelas e apontar seu barco na diregfo delas nao significava a possibilidade de atingi-as, mas apenas usé-las como uma referéncia para buscar seus préprios caminhos. A meu ver, a mais importante conseqiiéncia de um contato intimo com o pen- samento de Bion € a irrupgo em cada um de nés da urgéncia de trabalhar criativa- mente, a partir da experiéncia de utilizar as propostas de posicionamento mental que Bion faz. Isto nos catapulta inevitavelmente para além de Bion, como parece claro ser do seu desejo. Creio que isto impede também a existéncia de bionianos, pois atender as propostas de Bion é comportar-se para além dele. Nunca imité-lo ou repeti-lo, mas sempre buscar dentro de nés mesmos, analistas, nossa propria criativi- dade © nossa capacidade de entrar em contato com a psicose de cada um, Como exemplo, menciono que 20 me propor a responder psicanaliticamente a meus anali- sandos, a0s meus grupos, tenho cada vez mais encontrado um movimento no senti- do de langar mao de interpretagdes formuladas nfo apenas com palavras, mas tam- bém recorrendo a gestos € comportamentos. Tentando ir além de Bion, como ele sempre nos estimulou a fazer, proponho ainda uma reflexdo acerca da importancia do trabalho com grupos, que me atrevo a chamar de psicandlise com grupo. Se pensarmos que a atividade psicanalitica esta muito mais vinculada area da Educagao do que 8 érea da Satide, pois que os fend- menos ditos terapéuticos ocorrem em fungdo de um aprendizado, de uma ampliagao do conhecimento e da informaco, podemos desconfiar que seja muito mais vidvel © exercfcio da psicandlise grupalmente do que individualmente. Isto porque a atividade educacional € priméria e predominantemente feita através de grupos, Se ndo mos esquecemos de que o homem € um animal gregirio, sabemos que nesté sentido ele est capacitado a funcionar de forma mais eficiente em grupos do que sozinho. Assim sendo, a tendéncia € que o funcionamento no sentido da aquisigZo de auconhecimento psicanalitico também se faca de uma forma mais eficaz no tra- balho com grupos. Finalmente, apenas no trabalho em grupo poderemos ter a opor- tunidade de observar os fendmenos humanos que dizem respeito as necessidades € impulsos instintivos que levam os seres humanos a se articularem grupalmente. Por 62 tudo isto, e pela minha propria experiéncia, cada vez mais estou inclinado a enten- der psicanilise como um processo que se desenvolve prioritiria e predominantemen. te em grupo, neste sentido sendo a psicandlise individual uma situasSo de exces destinada a atender raras ¢ ocasionais necessidades que sobrevém antes ou durante © processo psicanalitico grupal. BIBLIOGRAFIA 1. BION, W.R. (1961), Experiences in groups and other papers, Londres, Tavistock Publica: tions (Trad.: Experiéncias com Grupos, Rio de Janeiro, Imago, 1970). 2, BION, W.R. (1967), Notes on memory and desire, Psychoanalytic Forum, 1-3. 3. BION, W.R. (1970), Attention and interpretation, Londres, Tavistock Publications 4. GRINBERG, L. 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Os primeiros provém de suas experiéncias com grupos familiares, que comegam ja na década de 30 quando, sendo ainda estudante de medicina, trabalha no asilo de Torres, uma instituicao de- dicada a criangas oligofrénicds, Nessa investigag’o, descreve uma sindrome & qual denomina Oligotimia, Os oligotimicos tinham uma aparéncia rosada e muito boni- ta, diferente dos oligofrénicos, que possuiam uma base organica e estigmas fisicos degenerativos, Entretanto, os oligotimicos eram possuidores de um grau de retardo mental significativo. Ai Pichén comega suas primeiras investigagdes sobre o grupo familiar dessas criangas, descobrindo que o retardo € causado, nesses casos, por ca- réncias afetivas sofridas na tenra infiincia, no seio do grupo familiar. Sua investiga- Go no grupo familiar continua quando se torna Chefe no Servigo de Aémissiio do Hospicio de las Mercedes, nos primérdios da década de 40, onde observa de perto 0 eétado do paciente no momento da internagao. Recebe-o em estado de crise ¢ assis: te @ eclostio ou reativagao do proceso psicético. E é quando a presenga ou a ausén- cia da familia torna-se sempre significativa: pela maneira em que se da a presenga ou formas de interaggo ou pela propria auséncia da familia. E € neste momento que ‘comega a investigar 0 quadro do abandono familiar, da segregag#o do doente men- tal, 0 confinamento no hospicio e logo o “hospitalismo”, quando os pacientes se negam a sair porque no querem voltar a0 grupo farhiliar. De alguma forma, era a percepso de que era no hospital que haviam se torna- do doentes e que enquanto no modificassem essa situago origindria correriam © risco de voltar a ficar doentes. Todavia, essa forma de abordagem da enfermidade, ‘ * Exerce sua atividade em Buenos Aires, Rep. Argentina, 108 dava-se de uma maneira assistemdtica, espontanea. Em seguida, Pichén-Riviére agre- gaasia tarefa de Chefe da sala do Servigo de Adolescentes, cuja data de criago nZo esta bem delimitada — entre 43 e 44 — sendo fechado em 47 por razBes politicas. Nessa época, indaga a relagZo entre a enfermidade, esquizofrenia na maioria dos ca- 50s, € a situagdo familiar, Investiga o tipo de vinculo, a situagao desencadeante e ob- serva as situagbes de perda ou de privagZo como constante. Tais hipdteses de Pichon comecam a tomar forma; desde entlo desenvolve sua nogio de grupo interno, que se manifesta no vinculo transferencial. Grupo interno como cendrio no qual so recriados objetos, relagbes, vinculos. E comega a desen- volver sua hipétese do porta-voz. Existe uma relagdo de causalidade ndo linear, ¢ sim dialética, entre a estrutura e a dindmica do grupo familiar, ¢ a estrutura e dis mica do grupo interno ou mundo interno do porta-voz. Surge, entéo, a nogio de porta-voz, que é fundamental. Hoje em dia falamos de paciente identificado de acordo com as novas correntes; porém, j4 naquela época (estamos falando da década de 40), Pichén comega a user 0 termo porta-voz pata se referit a0 doente mental co- mo depositatio, Aparece 0 jogo das trés letras D, onde 0 doente mental surge como 0 “depositério” de todas as patologias e ansiedades do grupo familiar, as quais so as “depositantes”. E 0 que depositam, ou o “‘depositado”, sZo justamente essas an- siedades, essa patologia. Passemos, agora, a revisar a conceptualizagao tedrica de tais experiéncias e sua aplicagdo no campo da dindmica de grupos. RESISTENCIA A MUDANCA. Todo processo de cura implica mudanga, A atitude diante da mudanga pode ser positiva e falamos, entfo, de atitude mutante; ou negativa, & qual chamamos de resisténcia 4 mudanga. Frente as situagbes de mudanga, surgem os medos basicos: © medo da perda e 0 medo do atague. O primeiro é o medo de perder o que jé se tem (por exemplo: marcos referenciais prévios, beneficios secundérios do sintoma, adap- ‘tagbes passivas & situagio de enfermidade, etc.). O segundo é o temor frente a0 des- conhecido, que pode ser perigoso, e diante do qual sentimos que no estamos ins- trumentados para manejar com a nova situagao. “Ambos os medos se conjugam no dito popular: “mais vale o mal conhecido do que 0 bom por conhecer”. ‘Ao medo da perda corresponde a aparigdo de uma ansiedade depressiva, ¢ a0 medo do ataque a aparigfo de uma ansiedade parandica ou persecut6ria. Quando 0 montante de tais ansiedades € muito elevado, determina a aparigao da resisténcia & mudanga, Para Pich6n essas ansiedades funcionam como obstéculos epistemofilicos (modificando 2 nog&o de obstéculo epistemol6gico de Bachelard, isto é, aqueles que perturbam a aprendizagem a partir de uma problemética emocional-afetiva). E quando falamos de aprendizagem, entendemos todas as aprendizagens, desde as pri- meires realizadas pelo bebé, na sue relagdo com a mfe, passando pela aprendizagem 109 [gg de paptis no grupo familiar, e por todas as que realiza no seu processo de adaptagzo ativa d realidade, Diziamos que todo 0 processo de cura implica mudanga. A psicoterapia de grupo ndo escapa a esta regra universal, A técnica de grupos operativos centra-se na mobilizac&o de estruturas estereo- tipadas ¢ das dificuldades de aprendizagem e comunicapo produzidas pelo montan. te de ansiedade, que provoca toda a mudanga, Por essa mobilizagio, captamos no aqui-agors-comigo, e na tarefa de grupo, 0 conjunto de afetos, experiéncias e conhecimentos com os quais os integrantes de lum grupo pensam ¢ atuam, seja no nivel individual ou grupal,~ No grupo operativo, instrumento adequado para abordar « doenga, coincidem o eselarecimento, a comunicaglo, @ aprendizagem e a resolusao da tarefa, jé que através desta ultima 6 possivel resolver as situagbes de ansiedade. Retomemos agora 0 que se refere aos medos bésicos, referindo-nos mais espe- cificamente ao Eu do sujeito. No grupo operativo instrumenta-se um processo tera. Péutico que passa, fundamentalmente, pela diminuigo dos medos bisicos, em ter mos de medo do ataque a0 Eu e medo da perda do objeto, Esses medos patalisam 0 Eu ¢ 0 tomnam impotente. Através da técnica operativa se fortalece o Eu do pacien. te, conseguindo-se, assim, uma adaptag&o ativa d realidade. Essa téenlea hietarquiza como tarefa grupal a construygo de um ECRO (es- uema conceptual, referencial e operativo) comuini, éondig&o necesséria para estabe- Iecer uma comunicagio a partir da afinidade dos esquemas referenciais de emissor ¢ receptor. Elaborar o ECRO comum implica um processo de aprendizagem, A tarefa depends do campo operativo do grupo. Se se trata de um grupo que se refirad aprendizagem de qualquer discipling, a tarefa consiste na elaboraclo e re. solugio das ansiedades relacionadas com a abordagem do objeto do conhecimenta, facilitando, deste maneira, a incorporagao de uma informagio realmente operativa, Em um grupo terapéutico a tarefa 6 resolver o denominador comum da ansie- dade do grupo, que, em cada integrante, toma caracteristicas particulares. Se a tarefa ¢ 2 cura, os membros do grupo a compartilhar um ECRO podem eparar as redes de comunicago danificadas no processo de adoecer, podem rea. Dronder,fortalecer seu Bu ¢ superar a resisténcia a mudanga. A avaliagEo dessa etapa ¢ realizada com base nos critérios de adaptic%o ativa Ai tealidade, que implica a Rossibilidade de 0 sujeito modificarsse a si mesmo, 20.mesmo tempo em que modifi- ¢ transformadora que s © sujeito é modificado pelo meio ambiente (neste caso, Piente ¢ o grupo, que cumpre, por conseguinte, uma acto corretiva), porémo meis importante 6 que ele, por sua vez, transforma-se num agente de mudanga, OS PAPEIS ~ VERTICALIDADE E HORIZONTALIDADE A partir dai, os paptis, de fixos e estereotipados, passam a ser funcionais, in- tercambidveis e operativos, O grupo adquire, assim, uma dindmica mais fluente da 110 tarefa e cada paciente adquire uma consciénoia de sua propria identidade ¢ da dos demais. No grupo se dé um jogo de adjudicagao e assunglo de papsis. A plasticidads dos papéis permite assumir papéis complementares e suplementares, Na medida em que um grupo operativo se prope a cura de seus integrantes, centra-se na ruptura dos esterestipos dos mecanismos de adjudicagao e assung%o de papéis e 0s pacientes conseguem, assim, modificar seus vinculos internos e externos, O grupo operativo estd centrado na tarefa e sua finalidade 6 aprender a pensay fem termos de resolugio das dificuldades manifestadas no campo grupal, e nfo no de cada um de seus integrantes, 0 que seria uma psicandlise individual em grupo. Entretanto, tampouco estd centrado, exclusivamente, na dinémica de grupo tal como nas concepybes gestalticas, mas sim que em cada aqui-agora-comigo na ta. zefa se opera em duas dimens6es, constituindo assim uma integracdo de diferentes correntes. O paciente que enuncia algo é, 20 mesmo.tempo, po: de si mesmo.e das fantasias Tnconscientes do grupo. Tecnicamente, as interpretacbes se realizam, or Conseguinte, em das diregbes: por um lado, interpreta-se 0 porta-voz, que por sua histéria pessoal € muito sensivel ao problema subjacente e que, atuands cone radar, detecta as fantasias inconscientes do grupo e as explicita. Por outro lado, ess. nala-se que o explicitado ¢ também um problema grupal, produto da interagZo dos ‘membros do grupo entre si, com o terapeuta e com a tarefa. E que 0 porta-voz, por um Processo de identificagao subliminar, percebe e enuncia. Quer dizer que, uma ver assinalados 0s aspectos individuais ou mobilizantes do porta-voz, a interpretacao Gesvelard os aspectos grupais latentes, adquirindo, desta maneira, uma dimensio ho. rizontal, Dése, assim, a articulagto de dois niveis no grupo: a verticalidade e a horizon- talidade, A verticalidade esté relacionada com a hist6ria, com o pessoal de cada inte. srante, que permite assumir certos papéis que foram adjudicados pelos demais. A horizontalidade ¢ compartida pelo grupo, o denominador comum que os unifica, que pode ser de natureza consciente ou inconsciente, Quando sio de natu. re2a inconsciente, denomina-se-lhes universais de grupo ou fantasias bésicas univer. sais, A verticalidade de cada integrante, o individual, sua hist6ria, o colocam em si- twagto de estabelecer uma falsa conexdo ou reatualizag#o emocional, operando-se, assim, um processo transferencial Em outras palavras, certos fatos presentes do aqui-agora-comigo do grupo rea: tualizam acontecimentos hist6ricos de cada um dos integrantes; em eada situazo cmergirfo distintos integrantes, que se converterdo em porta-vozes do conflito que € vivido como proprio por cada um, mas que denuncia, a0 mesmo tempo, o conflito da situagao grupal em relagio a tarefa, As ‘Vezes, esta situagao grupal somente pode ser decodificada através do verbalizado ou atuado por vérios porta-vozes. A verticalidade do sujeito e a horizontalidade do grupo se conjugem no papel, A interpretagio deverd, por conseguinte, tal como diziamos antes, incluir varios nf. ‘eis, j& que 0 porta-voz enuncia o problema na medida em que, por sua histria pes soal, encontra-se perto deste contetido (1). 11 OPORTAVOZ 0 conceito de porta-voz, tal como assinalei, historicamente, comega com 0 es- tudo’ realizado por Pichén com os grupos familiares dos pacientes no hospital neuro- psiquiftrico. A doenca mental no é a de um individuo isolado, mas 0 resultado da patologia de seu grupo familiar. O doente desempenha um papel, & 0 porta-voz des- Er ituagto, e se dé 0 jogo das depositagSes, o jogo das trés letras D (jé mencionay 40). Ao ser depoxtério de aspectos negativos ou atemorizantes do grupo, ¢ transfor mado em bode expiatorio e aparece o fenémeno da segregagto. O doente é segre- gado do grupo familiar. © montante de segregagdo dependerd do tipo de ansiedade predominante. Se predomina a ansiedade depressive, significa que a familia ainda tem certa capacide- ie de integraclo e de tolerdncia da ambivaléncia; o grau de segregagtio é menor (em geral dentro de casa), Em troca, se predomina a ansiedade parandica, a famélia ma- heja com um mecanismo de dissociaeZo altamente persecut6rio; © erat de segrega- gio € maior e odoente ¢ expulso de casa e “depositado” numa instituiggo.*) "A partir de tudo isto, Pichon estende o conceito de ports-voz 40s grupos ope rativos, Porta-vor € aquele que mum determinado momento diz algo, © o que diz. ov faz 4 0 signo de um processo grupal que estava latente, O porta-voz no tem cons: téneia do significado grupal que possui o que enuncia, Exist, af, um jogo de palsy ras: 0 porta-var, com o que “entncia”, “demuncia". Quer dizer, ele diz algo que vir Ye como préptio; porém, subliminarmente, percebe algo que acontece no grupo € pode expressio, porque, devido a sua historia pessoal, encontrase mais perte que pe demais da referida cena, Ele denuncia o acontecer grupal, as fantasias, ansiedades @ necessidades do grupo. Fala no somente por si, mas por todos, ¢ nele se conju: gam, por conseguinte, a verticalidade e « horizontalidade. ‘Qualquer acontecimento que sucede no grupo € uma manifestagao do conted- do implicito da situago grupal, que se realiza através do exposto por um ou wirlos integrantes que atuam como portavozes, desnudando ou denunciando, assim, 0 le ‘tente da referida situago, Por isso Pichén chamava 0 porta-voz de alcagiiete — ou trovador-radar — do grupo. Ao desnudar seu segredo, mostra-nos, a0 mesmo tempo, ‘© contetido implicito da fantasia grupal. “Anslisando a Poética, de Atistételes, Pichén estabelece uma comparacdo entre a relagio porta-voz grupo ¢ a “delegagdo expressiva” que se dé no teatro grego, are vés da relagao protagonista (porta-voz-coro). (1) Delegagio expressiva consiste na depositacio de fantasias, aybes, pensamentos ou emogves em alguém que as coloca em evidéncia através de desocultagio. «= Existe uma caracterfstica paradoxal do porta-yoz no grupo familiar, Aparentemente, & 0 mem bro mals debi da familia; porém, na realidade, € 0 mais forte, js que € quem suporton o peso da Seporitago maciga de todos os demais. O que ocorre ¢ qué’ num determinade momenta no ienta mizis¢ fea doente. E como 0 corpo hamano: hé certos Srgdos que costumam ser depo- shdsios de todas as tensdes, ¢ cheg2 um momento no quel a quantidade de depositagso supers Sua resistencia, fazer 0 crack © aparece a doenga (Glcera, infarto, asma, hipertensdo, etc.) Para Somreender sear 9 aur ENforte” ou “debit eu costumo dizer que 0 porta-voz é mais for for quo € quem agienta a depositaglo, porém “situacionalmente” é 0 mais “débil”, jf que € 0 que, no final, adoece. 12 “Aristételes descreve a criagao dramatica como uma “arte destinada a melho- rar os homens, mediante o exemplo evidente, espetacular, de males que, a0 aconte- cer aos outros, podem também acontecer a nds”. ‘No teatro grego os espectadores participavam ativamente, e, a0 contemplar o espetéculo, realizavam 20 mesmo tempo ume verdadeita catarse emocional. Este processo realiza-se por identificago com 0 porta-voz-protagonista. Aristételes o vonsiderava como um tipo de terapia, sendo forma mais antiga que se conhece de psicodrama No grupo operative ocorre algo similar. O grupo atua como espectador-parti- cipante frente ao porta-voz que emerge ¢ que representa 0 ator. Produz-s, assim, no grupo, um processo de identificagao miltipla. Em um momento do acontecer grupal aparece no cendrio (que seria 0 grupo), um duplo acontecimento: benéfico e catastréfico. A catdstrofe externa poe tudo em revisio (poderia ser uma situapfo de perda atual ou desencadeante), A catdstrofe interna é a depressao bdsica, tal como explica- remos mais adiante. Logo aparecem outros personagens, que na tragédia grege vBo se reunindo em dois subgrupos: 0 branco, que representa a vida e 0 amor (Eros), a construgdo, criatividade, 0 reconhecimento, a gratidio (isto é, o bom); ¢ 0 preto, que representa a morte (Ténatos), 0 dio, a destrutividade, a inveja, a ingratido (isto é, 0 mau). subgrupo preto prepara uma armadilha 20 branco, e, ds vezes, este contra- ataca, Isto constitui as j4 mencionadas estratégias téticas técnico-logisticas. Como na tragédia grege, as peripécies entre brancos e pretos seguem um desenvolvimento no qual se intermisturam, se intercambiam, passam por estédios ““¢inza” e se escurecem, até que a situagio se esclarega. Hé um magnifico desenho de M.C. Escher, intitulado Encounter, que mostra claramente essa categoria de passagem que se di entre os subgrupos brancos e pre- tos. (2) Em outras palavras, ninguém é totalmente bom ou mau. Na situagio grupal, 6s “bons” de hoje podem ser os ‘maus" de amanhé, e vice-versa. Vou fazer, agora, um breve comentério comparativo com a escola francesa (Anzieu, Kaes, etc.), que retoma o conceito de ressonancia fantasmdtica exposto por Foulkes como ressondncia inconsciente, em 1948, e por Bzriel como ressonén- cia fantasmética, em.1951, 0s quais aplicam ao grupo o principio de ressonéncia ti- rado da fisica. Em 1450 aparece o conceito de ressondncia actistica, que em 1862 ampliado pelo fisico Helmholz, que 0 estende a0 campo da dptica e da eletromagné- tica. 3) ‘Um sistema fisico pode ser colocado em vibrago ainda com uma freqiéncia muito distanciada de sua freqiéncia atual, Este efeito ¢ fraco, porém aumenta a me- dida que 2 freqiiéncia excitadora se aproxima de freqléncia natural do sistema, e quando se localiza na referida freqiéncia natural o sistema entra em “ressonén- cia”. Para tornar esta nogao mais diddtica, dou ao leitor 0 exemplo prético da mi ca, Recordo que na escola, nas aulas de miisica, a professora, antes de comegar, to- cava um diapaso. Lembro que nés, criancas, brincévamos de roubar os diapasbes da 3 professora ¢ os fazfamos vibrar por ressondncia, Isto é, um tocava o diapasto, colo- cava-o perto de outro e, sem ter sido tocado, o outro diapasto comecava a vibrar; € no ‘caso de se ter varios diapasbes, a vibragZo vai se estendendo por ressonancia a to- dos, Esse fendmeno depende da longitude de bragos de cada diapasfo; quanto mais Proxima seja a longitude de bracos entre um diapasfo e outro, mais facilmente e a maior distancia Vo comegar a vibrar por ressonéincia. No grupo alguns membros vo servit a ouitros como suportes para suas pul sbes, isto ¢, pontos de identificagao com os quais um integrante pode identificar-se com outro. ™ Nisto se baseia a ressondincia fantasmética, que 0 agrupamento de alguns membros sobre um, 20 qual se denomina “\portador”, que Ihes faz ver, através de suas palavras ou condutas, seus fantasmas (Fantasias) individuais inconscientes. Todo o discusso do grupo pode ser entendido como o colocar em cena o fan- tasma daquele que é 0 portador, ao qual alguns respondem, ocupando posig6es in- clufdas no cenério do portador. O portador poe sobre 0 cenério do grupo suas fantasias inconscientes, quer di- zer, emite, projeta e provoca nos demais determinadas reagbes. Se nos demais inte- grantes ecoa o fantasma que este sujeito coloca em cena, se engancham, comegam a “vibrar” por ressonéncia e ocupam um luger na cena que o portador prope, Isto € possivel porque os grandes temas do inconsciente so poucos e séo uni- versais. Os interedmbios acontecem com aqueles que estfo mais préximos do tema \ proposto. } Para Ezriel a ressonancia fantasmética se da quando virias pessoas se encon- | tram, cada uma projeta sua fantasia inconsciente sobre as outras e trata de fazé-las | atuarem de acordo com seus fantasmas. * Se os demais jogam o papel adjudicado, estabelece-se uma “tensfo comum’”, ¢ as interpretagbes se referirao ao denominador comum das fantasias inconscientes de todos os membros. Podemos representar isto, graficamente, através do seguinte esquema (centri- fugo): ” oO P= Portacor 956 6° Se recordamos, agora, o enfoque de Pichén-Rivire sobre as trés letras D, 0 re- Presentamos, graficamente, assim (esquema centripeto): ZS ue 114 Porém, se a este esquema juntamos o desenvolvido por Pich6n @ respeito dc teatro grego, o esquema ficaria assim (centrifugo-centripeto): P= Porta-voz ~ Portador Este esquema é a forma com que eu interpreto a visSo de Pich6n a respeito do porta-voz, mesmo quando Pich6n nfo explicita o conceito de porta-vor tal como a escola francesa, Entretanto, pensei em um outro possivel enfoque que abarca a nogio de emergente (serd desenvolvida mais adiante em termos de situago), Nesse enfoque, 0 central € a situago do grupo (emergente), ¢ 0s porta-vozes, por um lado, se configu- tam 20 redor desta, ¢ por outro, s40 aqueles que determinam sua estruturagao, @ Sella ia Co ~~ OF IFO 6.0 Simplifiquei o esquema com um s6 porta-voz. com o fim de torné-lo mais di- datico, porém nao podemos nos esquecer de que muitas situagSes se estruturam através de varios porta-vozes. UNIDADE DE OPERACAO: EXISTENTE-INTERPRETACAO- EMERGENTE Lucien Goldman, na sua exposigao sobre 0 método estruturalista genético, assinala que este parte da hipétese de que todo o comportamento humano é um en- saio de dar uma resposta coerente ¢ significativa, uma resposta adaptativa a uma de- da situagao, e que tende a criar uma situagdo de equilfbrio entre o sujeito e 0 meio que 0 cerca, Esse equilibrio € precério, jd que as condutas modificam 0 meio, ¢ este, por sua vez, exige novas respostas adaptativas que engendrarfio, por sua vez, novas tendéncias a0 equilibrio. As realidades humanas, a histéria toda, aparecem, ento, como um processo duplo: desestruturagao de articulagoes anteriores, de relagbes internas prévias, e estruturagao de novas situagdes. A leitura de um processo impli- ca, entdo, iluminar que tipo de estruturago se abandona e que tipo de reestrutura- so se obtém, 115 Vejamos, agora, como Pichén desenvolve 0 conceito de emergente. Em princi- pio, assimila porta-voz e emergente. O ponto de partida de sua especulacio é a emergéncia da doenga mental no grupo familiar. O doente é 0 “emergente” de uma situagio. Mais tarde, em 1960, em “‘Estrutura de uma escola destinada a formagao de psicdlogos sociais”* (4) 0 define como “conduta nascida da organizaco de diferen- tes elementos, acontecimento sintético e criador que aparece como resposta a inter- pretago”. Em 1970, em “Transferéncia e contratransferéncia na situaggo gru- pal”, (5) 0 descreve como uma qualidade nova que aparece no campo e que como signo nos leva a0 implicito da interagao grupal. Entfo, a situago grupal de enfermi- dade € “o emergente”, e 0 porta-voz é 0 veiculo através do qual se manifesta este emergente. Isto é, que na unidade de operago devemos distinguir 0 existente, que é toda a situagto dada no grupo, E algo que aparece em um dado momento. Se vemos a etimologia da palavra, provém do infinitivo, do latim ex(sjistere, que quer dizer: sait, deixar-se ouvir, nascer, sobrepor-se a. Se é tudo o que existe, abarca tanto o explicito como o implicito da situagao grupal. Este existente compreendido pelo agente corretivo motiva nele uma interpre- tagiio que prope uma nova perspectiva que esclarece as dificuldades e que modifica as situagbes, mudanga que se expressa num emergente que fecha o ciclo. Isto €, que o emergente surge como resposta a interpretagao; é a estruturagao de uma nova situagZo grupal. E o signo do processo de desestruturagao de uma si- tuagdo prévia e da reestruturaglo de uma nova. Neste estruturar-se-desestruturar-se, 0 emergente € uma qualidade nova que aparece no campo, ¢ nos leva como signo a relagdes implicitas, as causas de sua pro- dugio. E um acontecimento sintético na medida em que organiza elementos do cam- Po, ¢ também como superacao de antitese. E é signo, na medida em que permite de- cifrar a significagao do que sucede no dito campo, Porém, este emergente constitui, 0 mesmo tempo, o tiltimo passo de um ci clo anterior ¢ © primeiro de um novo ciclo. Isto é, transforma-se em um novo exis tente que dé lugar a um novo ciclo. Cumpre-se, assim, a espiral dialética da dinami- ca grupal, onde a cada volta da espiral passa pelos mesmos pontos, porém num nivel mais amplo, que abarca, contém os anteriores. NOGOES DE PRE-TAREFA, TAREFA E PROJETO Outro aspecto da dinamica grupal € que, as vezes, o grupo se estereotipa co- mo defesa, frente A ansiedade que gera a possibilidade de mudanga, na medida em que este significaria enfrentar as ansiedades psicdticas mais graves que se manifes- tam sintomaticamente. Aparece, assim, um momento do grupo, que denominamos pré-tarefa, no qual Predominam os mecanismos de dissociago com instrumentagdo das técnicas esqui- 116 zo-paranbides, dissociando por um lado o bom do mau com o fim de preserva: o bom, ¢, por outro lado, dissociando o sentir do pesar e do fazer. O latente por tras dessa dificuldade ¢ a tentativa de iludir a elaboragao do nti- cleo depressivo. Todos os mecanismos da pré-tarefa sG0 dispositivos de seguranga que tratam de por a salvo o sujeito dos sentimentos de ambivaléncia e culpa e do s0- frimento préprios da situagdo depressiva bisica, Por conseguinte, o que caracteriza esta etapa sfo as diferentes formas de nfo entrar na tarefa, mecanismo de postergaco que oculta a dificuldade em tolerar a frustraso de iniciar e terminer tarefas, 0 que traz, paradoxalmente, uma constante frustragio. © momento da tarefa consiste na elaboracdo de ansiedades e a emergéncia de uma posigio depressiva bésica na qual se pode abordar o objeto de conhecimento, ao romper-se a pauta de estereotipia ¢ dissociago que estancou o processo de apren- dizagem e deteriorou a rede de comunicagao. A tarefa ¢ 0 Ambito da elaboraco dos quatro momentos da fungo operativa: estratégia, téonica, tética ¢ logistica. Em seguide & elaboragao da estratégia operat va no mundo intemo e sobre a base dita de planejamento, o sujeito (ou o grupo) po- de orientar a ago futura, isto é, aparece 0 projeto emergindo da tarefa, Outro aspecto que consideramos como indice da operatividade do grupo é 0 grau de criatividade. Esta se dé na medida em que se enfrentam tarefas novas com téenicas diferentes ~ 0 que implica possibilidade de aprendizagem —, rompendo-se assim 0s estere6tipos ¢ fazendo-se, desta forma, o grupo mais plistico ¢ operativo. Uma tarefa fundamental do grupo é justamente a reeriago do “objeto des- trufdo”, micleo da depressio bésica da qual sZ0 portadores os integrantes do grupo € que perturba a correta leitura da realidade, A situagdo patogenética depressiva (ver 0 esquema; “Os sete tridngulos”), onto de partida de toda doenca mental, é resolvida através da recriaglo progressiva do objeto destruido internamente, através da tarefe grupal, Os processos de aprendizagem e comunicagto possibilitam realizar esca tarefa, que consiste, entdo, na elaborago da situagao patogenética nfo elaborada e de suas conseqiléncias, a regressio e fixagto na etapa esquizo-paranéide, com a correspon: dente perturbago na leitura da realidade e 0 bloqueio das emogoes, fantasias eae. ‘tos. A situago corretiva permite aos integrantes do grupo uma aprendizegem da Tealidade com uma progressiva adequagfo dos esquemas referenciais dos diferentes membros, 0 que hes permite uma percepc%o de si mesmos e dos outros nfo distor. ida pelo modelo arcaico e repetitivo do esteredtipo. Ao conseguir esta percepsE0, diminuem as ansiedades basicas, ¢ 0 sujeito modifica sua atitude diante da mudanga, fazendo-a menos resistente. Neste processo de maturacio emergerd o projeto. Na aplicago da técnica do grupo operativo no campo mais especifico do ensi- Ro, as nogbes de pré-tarefa, tarefa e projeto adquirem algumas caracteristicas parti- culares. Na pré-tarefa se dé uma desculpa da tarefa prescrita (neste caso: trabalhar so- bre a aula), se dé voltas ao redor do tema sem entrar de cheio, divaga-se. Este € um momento normal em todo grupo. Porém, se o grupo permanece af, se adota esteredtipos, a produtividade grupal se anula. Na pré-tarefa aparecem 03 medos basicos ¢ suas ansiedades correspondentes, que funcionam como obstaculos epistemofilicos, Frente ao novo e desconhecido da informacio, e a proposigio de mudanga no que diz respeito aos sistemas cléssicos de aprendizagem, aparecem a re- sisténcia a mudanga e os mecanismos de dissociagao proprios desta etapa. Neste momento 0 grupo se vé pressionado por duas exigéncias de signo con- trdrio, Por um lado, a resisténcia 4 mudanga (seguir com o anterior) e, por outro, 0 Projeto (0 novo, o que vai vir). Isto gere no grupo uma tensfo que, as vezes, é resol- vida através de situagdes transacionais: o grupo entra no embuste, no “como se” es- tivessem na tarefa. Porém, se vé que ndo é assim, pela excessiva distancia ou pela in- telectualizaglo com que se trata o tema. (E pela dissociagfio entre o sentir, o pensar © o atuar.) Também pode acontecer que o grupo introduza-se direto na tarefa, sem passar pela pré-tarefa. Isto pode ser uma conduta contrafébica, motivada pela ansiedade persecutérie. Tarefa: este conceito inclui algo mais do que trabalhar o tema da aula. Inclui a tomada de consciéncia ou insight, através da elaboraggo dos medos bisicos. Isto é, hd duas tarefas: uma explicita (reelaborar a informacio), e outra implicita (elabora. so das ansiedades e ruptura dos mecanismos de dissociagao que perturbam o pro- cesso de aprendizagem). A primeira nao se pode dar bem sem a segunda, F assim que se produz a abordagem do grupo ao objeto do conhecimento. A tarefa € 0 mbito onde se elaboram os quatro momentos da ago operativa: logistica, tética e técnica. A logistica ¢ a observac3o do campo inimigo (neste caso, a resisténcia 4 mudanga), 0 que nos permite detectar quais so as forcas contra as quais vamos lutar. A estratégia ¢ 0 planejamento de longo aleance, Quais so 0s objetivos finais ¢ qual é 0 trajeto que devemos seguir para chegar a eles? A tética € a forma com que empregamos esse plano na prética, S¥0 0s passos que vamos dando, © momento, o lugar e a maneira como so dados, Tudo isso requer “tato”. A técni- ca sto os diferentes recursos ou instrumentos, e as formas como s40 utilizados para Se operar no campo. Esses quatro passos podem ser sucessivos ou simultaneos; se a tarefa sai mal é preciso averiguar em qual deles existe dificuldade. Frojeto: a0 elaborar uma estratégia operativa, 0 grupo orienta a ago e aparece © projeto emergindo da tarefa, o que permite um planejamento para o futuro. O grupo se propde objetivos que véo mais além do aqui e agora, Porém no aqui e agora esse projeto indica superar a situagio de perda (ou de morte) que sentem, ao se da- rem conta de que terminaram a tarefa e que se aproximam da finalizagio do grupo e da separagio. (1) (4) (6) TRANSFERENCIA A NIVEL GRUPAL No grupo operativo é fundamental analiser os fendmenos transferenciais levando em conta a relaco do grupo com a tarefa. 118 enna A transferéncia no ambito individual implica que certos fatos do passado, com seus afetos correspondentes, sejam transferidos pelo paciente, no presente, so. bre o terapeuta. Eo famoso: “aqui-agora-comigo”, tal como antes foi em outro lu- gar e com outro; é reproduzido o mesmo afeto que forgou, no passado, a desterrar, um desejo e provocou um estancamento da aprendizagem no processo de apropria. #0 da realidade. Dé-se, ento, que Freud chamou de falsa conexto e aparece 0 “como se”, A neurose transferencial acontece na relagao de dois, e 0 terceizo atua aqui por exclu. sto. Se traduzissemos tudo isso em termos grupais, poderfamos dizer que “a transferéncia é um processo de adjudicag%o de papéis inscritos no mundo interno de cada sujeito”, 6 a manifestagao de sentimentos inconscientes que indica a reprodu- so estereotipada de situagbes, caracteristica da adaptacao passiva, Essa reproduezo estd a servigo da resisténcia & mudanga destinada a controlar os medos da perda e do ataque. Aqui no falamos de neurose transferencial, mas de processos transferen- ciais que se dao no grupo, ¢ os terceiros atuam por presenca. Para Ezriel, quando se constitui um grupo, cada um dos integrantes projeta suas fantasias inconscientes sobre os demais, relacionando-se com eles segundo essas ProjegOes, que se evidenciam através dos mecanismos de adjudicagdo e assuncao de papéis. As fantasias transferenciais se manifestam através dos porta-vozes que, através e suas intervengbes, do elementos ao terapeuta para decodificar a adjudicacao de papéis. (5) GRUPOS OPERATIVOS TERAPEUTICOS Uma antiga problemética que se suscita & a que se refere a saber se um grupo operativo e’um grupo terapéutico. Para Pichon o grupo operativo é um instrumento de trabalho, um método de investigacao e cumpre, além disso, uma fungo terapéu- tica, Esta Ultima fung0 originou numerosas confuses, Uma tarefa realizada com eficiéncia tem, indubitavelmente, qualidades curati- vas, mas se através dela se esclarecerem as dificuldades de cada integrante frente aos obstéculos, Assim, qualquer déficit ou distorgo na personalidade do sujeito, e, por sua vez, todos os transtornos da personalidade, sfo transtornos da aprendizagem. O gru- Po operativo tende, ao romper com os estereétipos, a possibilitar uma reaprendiza- gem, Quando a técnica operativa ¢ aplicada a um projeto terapéutico no qual, im- plicitamente, a tarefa € a cura, a fungo terapéutica do grupo é dbvia. Os grupos operativos, em geral,em qualquer de seus méltiplos campos de apli- cagdo, apontam como objetivo identificar os obstaculos que a tarefa oferece 20 gru= po. Pich6n costumava dizer que nao se trata tanto de “curer”, mas de “resolver” os 19

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