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DISCURSO, ENUNCIADO, TEXTO 1. A nogao de discurso Desde 0 inicio deste livro estamos tratando nao da linguagem nem da Hngua, mas sim do que chamamos discurso. © que sc entende por isso? Os empregos usuais No uso comum, chamamos de &discurso” os enunciados solenes (“o presidente fez um discurso”), ou, pejorativamente, as falas incon- sequentes (“tudo isso ¢ s6 discurso”). O termo pode igualmente desig- nar qualquer uso restrito da lingua: “o discurso islamico”, “o discurso politico”, “o discurso administrativo”, “o discurso polémico”, “o dis- curso dos jovens” etc. Nesse emprego, “discurso” é constantemente ambiguo, pois pode designar tanto © sistema que permite produzir um conjunto de textos, quanto 0 proprio conjunto de textos produzidos: &9 discurso comunista” é tanto 0 conjunto de textos produzidos por comunistas, quanto o sistema que permite produzir esses textos ¢ OU" tros ainda, igualmente qualificados como textos comunistas. Um certo ntimero de locutores conhece também uma distingao que vem da linguistica: a distingdo entre “discurso” € “narrativa” (ou “histéria”). Essa distingao estabelecida por Emile Benveniste é, com cfcito, amplamente explorada no ensino médio.* Ela opée um tipo de enunciagao ancorado na situagdo de enunciagio (por exemplo, “Vocé vira amanha”) a um outro, isolado da situagao de enunciacao (por exem- plo, “César atacou os inimigos e os venceu”) (ver capitulo 10, item 1). Nas ciéncias da linguagem Atualmente vemos proliferar o termo “discurso” nas ciéncias da linguagem. Emprega-se tanto no singular (“o dominio do discurso”, “a andlise do discurso” etc.) quanto no plural (“os discursos se inscre- vem em contextos” etc.), conforme ele se refira 4 atividade verbal em geral ou a cada evento de fala. A nogio de “discurso” € muito utilizada por ser 0 sintoma de uma modificagio em nossa maneira de conceber a linguagem. Em gran- de parte, essa modificagao resulta da influéncia de diversas correntes das ciéncias humanas reunidas frequentemente sob a etiqueta da prag- matica. Mais que uma doutrina, a pragmética constitui, com efeito, uma certa maneira - apreender a comunicagio verbal. Ao utilizar o termo “discurso”, é a esse modo de apreensao que se remete implicita- mente. Vejamos algumas de suas caracteristicas essenciais: O discurso é uma organizacio situada para além da frase Isto nao quer dizer que todo discurso se manifeste por sequéncias de palavras de dimensées obrigatoriamente superiores a frase, mas sim. que cle mobiliza estruturas de uma owtra ordem que as da frase. Um provérbio ou uma interdigao como “Proibido fumar” sao discursos, formam uma unidade completa sendo constituidos por uma Unica frase. Os discursos, enquanto unidades transfrdsticas, estao sub- metidos a regras de organizacao vigentes em um grupo social determi- nado: regras que governam uma narrativa, um didlogo, uma argumen- tagao; regras relativas ao plano de texto (um fait divers ndo pode ser dividido como uma dissertagéo ou como um manual de instrug6es); regras sobre a extensao do enunciado ete. O discurso é ovientado O discurso é “orientado” nao somente porque ¢ concebido em fancao de uma perspectiva assumida pelo locutor,** mas também por- * A observacio feita pelo autor diz respeito 4 realidade do ensino médio na Franga. (N.T.) ** No original, “une visée du locureur®. (N.T.) efeito, em fungao de uma finalidade, devendo, supostamente, di- para algum lugar. Mas cle pode se desviar em seu curso (di- .), retomar sua diregao inicial, mudar de diregao etc. Sua earidade manifesta-se frequentemente por um jogo de Sor vemos que...”, “voltaremos ao assunto...”) ou de retomadas (“ou ihior...”, “eu deveria ter dito...”); tudo isso constitui um verdadeir9 do i sobre sua propria fala perpassam pelo fio do texto, Hbora nao se situem no mesmo nivel: “Paulo encontra-se, se assim lemos dizer, na miséria”, “Rosilia (que nome!) ama Alfredo”... Aqui, fiagmentos em itdlico incidem sobre um elemento adjacente, con- to aparecam inseridos wa frase. O referido desenvolvimento linear do texto se processa em condi- diferentes, caso o enunciado seja proferido por um sé enunciador 0 controla do inicio ao fim (enunciado monologal, por exemplo, livro), ou se inscreva em uma interacao na qual possa ser inter- lo dialogal), Nas situagGes de interagao oral, ocorre constantemente as palavras “escaparem”, de ser necessdrio recuperd-las ou tornd-las is precisas etc., em fungao das reagdes do outro. O discurso é uma re de agiio E: alar é wi apenas uma repre- ndo. A problematica s de linguagem” (ou “atos fala”, ou ainda “atos de discurso”), desenvolvida a partir dos anos senta por fildsofos como J. L. Austin (Quando dizer é fazer, 1962) e R. Searle (Os atos de linguagem, 1969), mostrou que toda enunciagao ‘onstitui | um ato (prometer, sugerir, valsens interrogar etc.) que visa es atos clementares itegram em discursos ¢ de um gé | gener. determinado (um panfleto, a consulta médica, um telejornal etc.) que visam produzir uma mo- De maneira mais ampla ainda, a propria atividade verbal encontra-se relacionada com atividades nao verbais. O discurso é interativo A atividade verbal é, na realidade, uma inter-atividade entre dois parceiros, cuja marca nos enunciados encontra-se no bindmio EU- -VOCE da troca verbal. A manifestagdo mais evidente da interatividade a interagio oral, a conversagio, em que os dois locutores coordenam suas enunciagdes, enunciam em fungao da atitude do outro © perce bem imediatamente o efeito de suas palavras sobre o outro. Mas, ao lado das conversagées, existem intimeras formas de oralidade que nao parecem ser muito “interativas”; tal é 0 caso, por exemplo, de um conferencista, de um locutor de radio etc. No caso ainda mais evidente da escrita, em que o destinatério nem mesmo esta presente, podemos ainda falar de interatividade? Para alguns, a manci- ra mais simples de manter o principio segundo o qual o discurso é essencialmente interativo seria considerar que a troca oral constitui o emprego “auténtico” da linguagem e que as outras formas de enunciagao sio usos, de certo modo, degradados da fala. Parece-nos, no entanto, preferfvel nao confundir a “interatividade” fundamental do discurso com a énteragio oral. Toda enunciac4o, mesmo produzida sem a pre- senga de um destinatario, é, de fato, marcada por uma interatividade constitutiva (fala-se também de dialggismo),.é uma troca, explicita ou implicita, com outros enunciadores, virtuais ou reais, ¢ supGe sempre a presenca de uma outra instancia de emunciagao a qual se dirige o enunciador ¢ com relagao A qual constrdi seu proprio discurso. Nessa perspectiva, a conversacio nao ¢ considerada como o discurso por ex- celéncia, mas somente como uma das formas de manifestagao — mes- mo sendo, inquestionavelmente, a mais importante — da interatividade essencial do discurso. Se admitimos que o discurso é¢ interativo, que ele mobiliza dois parceiros, torna-se dificil nomear “destinatério” 0 interlocutor, pois, assim, a impressio é a de que a enunciagao caminha em sentido tinico, que ela é apenas a expressio do pensamento de um locutor que se dirige a um destinatdrio passivo. Por isso, acompanhando o linguista Antoine Culioli, nao falaremo: is de “destinatdrio”, mas de -coenunciador. Empregado no plural ¢ sem hifen, coenunciadores de- signard os dois parceiros do discurso. O discurso é contextualizado Nao diremos que 0 discurso intervém em um contexto, como se 0 contexto fosse somente uma moldura, um cenério; na realidade, nao existe discurso sendo contextualizado. Sabemos (ver capitulo 1) que nao se pode verdadeiramente atribuir um sentido a um enunciado fora de contexto; o “mesmo” enunciado em dois lugares distintos corresponde a dois discursos distintos. Além disso, 0 discurso contri- definir seu contexto, podendo modificd-lo no curso da enun- Tor exemplo, dois coenunciadores podem conversar de igual igual, de amigo para amigo c, apds terem conversado durante i minutos, estabelecer entre si novas relagdes (um dos dois pode © estatuto de médico, o outro, de paciente etc.). O discurso é assumido por um sujeito O discurso s6 é discurso enquanto remete a um sujeito, um EU. se coloca como fonte de referéncins pessoais, temporais, espaciais capitulo 9) ¢, ao mesmo tempo, indica que atitude esta tomando clagao Aquilo que diz. ¢ em relago a seu coenunciador (fendmeno ‘modalizagio”). Ele indica, em particular, quem € 0 responsdvel © que esté dizendo: um enunciado simples como “Esta chovendo” é ocado como verdadeiro pelo enunciador, que se apresenta como ponsavel pelo enunciado, como o fiador de sua veracidade. Mas cnunciador poderia ter modalizado seu grau de adesio (“Talvez, ja chovendo”), atribuido a responsabilidade do enunciado a outra soa (“De acordo com Paulo, estd chovendo”) ou comentado sua Opria fala (“Falando francamente, est chovendo”) etc. Ele poderia mostrar ao coenunciador estar apenas fingindo assumi-lo (caso das AunciagGes irOnicas). O discurso é regido por normas Como vimos ao tratar das “leis do discurso”, a atividade verbal se Iscreve na vasta instituicao da fala e, como todo comportamento, é ida por normas. Cada ato de linguagem implica normas particula- . Um ato tao simples em aparéncia como a pergunta, por exemplo, ica que o locutor ignore a resposta, que essa resposta apresente m interesse para ele, que ele acredite que seu coenunciador tem digdes de responder-lhe... Mais fundamentalmente, nenhum ato enunciacio pode efetuar-se sem justificar, de uma maneira ou de itra, seu direito a apresentar-se da forma como se apresenta. Um tabalho de legitimagao insepardvel do exercicio da palavra. O discurso é considerado no bojo de um interdiscurso O discurso sé adquire sentido no interior de um universo de ou- os discursos, lugar no qual ele deve tragar seu caminho. Para_inter- etar_ qualquer enunciado, é necessdrio relaciond-lo uitos outros outros enunciados que sao comentados, parodiados, citados etc. fa género de discurso tem sua maneira de tratar a multiplicidade das relagdes interdiscursivas: um manual de filosofia nae. cita da mes: ma maneira, nem cita as mesmas fontes que um promotor de venda promocional... O simples fato de classificar um discurso dentro de um género (a conferéncia, 0 telejornal etc.) implica relaciond-lo ao con- junto ilimitado dos demais discursos do mesmo género. 2. Enunciado e texto Para fazer referéncia as produgdes verbais, os linguistas nao dis- poem somente do termo “discurso”: recorrem também a enunciado e texto, termos que recebem definigées diversas. Atribuem-se, com efei- to, a “enunciado” diferentes valores, segundo as oposigdes que se esta- belecem: ° enunciado se ope a enunciagao da mesma forma que 0 pro- auto se opde no ato de pronuzir; nesta perspectiva, o em iado é a marca rbal do acontecimento que é a enunciagio. Aqui, a extensdo do enun- ciado nao tem nenhuma importincia: pode-se tratar de algumas pala- vras ou de um livro inteiro. Essa definigao do enunciado é aceita uni- versalmente; * alguns linguistas definem o enunciado como uma unidade ele- mentar da comunicagéo verbal, uma sequéncia dotada de sentido e sin- taticamente completa. Por exemplo, “Léon est4 doente”, “Oh!”, “Que garota!”, “Paulo!”, sao enunciados de tipos distintos; * outros opdem a fase, con: d de qualquer contexto, & diversidade de enunciado. que lhe correspondem, segundo a variedade de contextos em que essa frase pode figurar. Assim, em nosso exemplo do capitulo 1, “Nao fumar” é uma “frase” se a considerarmos fora de qualquer contexto particular, mas é um “enunciado” quando inscrito num dado contexto: escrito em letras maitisculas vermelhas, em deter- minado lugar da sala de espera de um hospital, trata-se de um “enun- ciado”; escrito sobre a pintura no muro de uma casa, constitui um outro “enunciado”, ¢ assim por diante; * emprega-se também “enunciado” para designar uma sequéncia verbal que forma uma unidade de comunicagio completa no dmbito de um determinado género de discurso: um boletim meteorolégico, um ro- mance, um artigo de jornal etc., si0, desse modo, enunciados. H4 enunciados muito curtos (grafites, provérbios etc.), Outros muito lon- gos (uma tragédia, uma conferéncia etc.). Um enunciado se prende a orientagio comunicativa de seu genero de discurso (um telejornal visa daformar sobre a atualidade, um antincio comercial visa persuadir um consumidor ete,), Nessa acepgao, “enunciado” possui, portanto, um valor quase equivalente ao de “texto”; * “texto” emprega-se igualmente com um valor mais preciso. quando se trata de apreender o enunciado como um todo, como-consti tuindo uma.totalidade cocrente, O ramo da linguistica que estuda essa eoeréncia chama-se precisamente “linguistica textual”. Com efeito, ten- e a quando se trata. de produgdes verbais orais-ou struturadas de forma a perdurarem, a se repetirem, a circula- rem longe de seu contexto original. E por isso que, no uso corente, ala-se, de preferéncia, de “textos literdrios”, “textos juridicos”, evitan- do-se chamar de “texto” uma conversa. Um texto nao é necessariamente produzido por um s6 Jocutor. im um debate ou uma conversa, ele se apresenta como sendo atribui- do a varios locutores. Os locutores podem também ser hierarquizados, jo caso do “discurso relatado”, ou seja, quando um locutor, inclui em ia fala as palavras de um outro locutor (ver capitulo 12). Essa diver- jidade de vozes j4 é uma primeira forma de heterogeneidade dos tex- tos. Outra forma de heterogeneidade: a associagao, no mesmo texto, de signos linguisticos ¢ signos icénicos (fotos, desenhos ete,). Alem ee $0, a diversificagio das técnicas de gravagao ¢ de reprodugao da ins gem ¢ do som vem modificando consideravelmente a representacao dicional do texto: este nao se apresenta mais unicamente como um onjunto de signos sobre uma pagina, mas pode ser um filme, oe gravacdo em fita cassete, um programa em disquete, uma mistura de signos verbais, musicais e de imagens em um CD-ROM... Neste livro, utilizaremos mais frequentemente “enunciado” com. 0 valor de frase inscrita em um contexto particular, e falaremos: prefe- ncialmente de “texto” quando se tratar de unidades verbais perten- ntes a um género de discurso. Mas quando tal distingao nao tiver nportancia, utilizaremos indiferentemente os dois termos. TIPOS E GENEROS DE DISCURSO Todo texto pertence a uma categoria de discurso, a um género de _discurso. Os locutores disp6em de uma infinidade de termos para categorizar a imensa variedade dos textos produzidos em uma socieda- de: “conversa”, “manual”, “jornal”, “tragédia”, “reality show”, “roman- ce sentimental”, “descrigio”, “polémica”, “soneto”, “narrativa”, “md- xima”, “semandrio”, “panfleto”, “relatério de est4gio”, “mito”, “cartao de boas festas” etc. Nota-se que a denominagio desses géneros apoia- -se em critérios muito heterogéneos: “romance sentimental” remete a um tipo de contetido (sentimental); “narrativa”, a um modo de orga- nizagao textual; “jornal”, ao cardter periddico da publicagao; “soneto”, a uma certa disposigao dos versos de um poema... Essas categorias variam em fungao do uso que delas se faz: as categorias de que dispoe um leitor que procura um livro em uma livraria nao sao as dos livrei- ros, as dos criticos literdrios dos jornais, nem as dos teéricos da litera- tura. Existem denominag6es que nao pertencem ao léxico corrente, sao préprias de certas profissGes: os jornalistas, por exemplo, utilizam um vocabulério especifico, ensinado nos cursos profissionais: “primei- ra pagina”, “chamada”, “lide” etc. Tais categorias correspond id © analista do discurso nao pode i ignord- -las. Mas também nao pode contentar-se com elas, se quiser definir critérios rigorosos. O rigor nao to mimero de fungSes que seriam necessaria impede, contudo, que se aceitem critérios variados, que correspondem a formas distintas de apreender o discurso. Existem, portanto, tipologias de diferentes ordens. 1. As tipologias comunicacionais Categorias como “discurso polémico”, “didatico”, “prescritivo” etc. indicam aquilo que se fizz com o enunciado, qual ¢ a sua orientagao comunicacional. Elas se aprescntam ora como classificagGes por fingdes Aa linguagem, ora por fungées socinis. Mas € muito dificil tragar uma fronteira nitida entre esses dois tipos. Oscila-se entre categorias muito abstratas, como “polémico”, “prescritivo”, “informativo”, que permeiam © conjunto dos géneros de discurso, e categorias muito mais préximas das divisdes da sociedade em setores de atividades (“politico”, “estéti- co”, “€tico” etc.) Funeées da linguagem ~ A tipologia das “fungGes da linguagem” de R. Jakobson (fungées “referencial”, “emotiva”, “conativa”, “fatica”, “metalinguistica”, “poé- tica”) € a mais célebre dessas classificagdes de ordem comunicacional. ‘0 clasificados de acordo com a fungao predominante. Por exemplo, nos textos em que a fungao conativa predomina (folhe- tos publicitarios, instrug6es de uso, normas etc.), 0 locutor busca agir sobre © outro; no caso das gramiaticas ou dos diciondrios, dominaria a fungao “metalinguistica” (quando a lingua toma a si mesma por obje- to) etc. Essa tipologia é de um manuseio muito delicado: nao somente um mesmo discurso mobiliza muitas fungdes ao mesmo tempo, como também ha muitos enunciados dificcis de associar com clareza a uma dessas seis fung6es. Fungées sociais Muitos antropélogos ou socidlogos propdem distinguir um cer- a ciedade: “fungao ce lidica”, “fungio de contato®, “fungao religiosa” ete. Um género como ada, por exemplo, poderia ser integrado a fungao lidica; um lero Como O sermao, A fungao religiosa; a conversa familiar, & fun- 40 de contato ete, Tais fungdes sio comuns a varios géneros de dis- 40; uma fungao como a de “contato” encontra-se tanto em conver- is de bar como em manifestagdes de pésames, em cartes-postais etc. |. As tipologias de situagdes de comunicagao iéneros do discurso Rotulos como “epopeia”, “randeville”, “editorial”, “talk show” etc. signam o que habitualmente entendemos por géneros de discurso, ito ¢, dis itivos de comunicag’o que sé podem aparecer quando as condigées sdcio-histéricas estao presentes. O género do relato~ © de estagio, por exemplo, supée a existéncia de empresas ¢ de estu-"_ antes que buscam experiéncia profissional, de professores para apli- r ¢ avaliar as tarefas escritas ¢, acima de tudo, de todo um sistema de sino aberto ao mundo do trabalho. Poderfamos dizer coisas da mes- ma ordem a respeito do género “fait divers”, que aparece nas socieda- des em que hd uma imprensa escrita de grande tiragem: num vilarejo, 0 boato é suficiente para divulgar as noticias. _As tipologias dos géneros de discurso se contrapdem, desse modo, s tipologias comunicacionais por scu cardter historicamente varidvel. Fim toda sociedade, seja qual for a época, encontramos categorias tais como “didatico”, “Itidico”, “prescritivo” ete., enquanto o talk show ou © editorial nada tém de eterno. Poderfamos, assim, caracterizar uma ‘sociedade pelos géneros de discurso que ela torna possivel ¢ que a tor- ‘ham possivel. Géneros e tipos Alguns autores empregam indiferentemente “género” e “tipo de discurso”, mas a tendéncia dominante é a de distingui-los, como o fazemos desde 0 inicio deste livro:_os géneros de discurso pertencem a diversos tipo de discurso associados a vastos setores de atividade so- cial. Assim, 0 “talk show” constitui um género de discwrso no interior do tipo de discurso “televisivo” que, por sua vez, faz parte de um conjunto mais vasto, o tipo de discurso “miditico”, em que figurariam também, liofnico © o da imprensa esctita, Dividimos, dade em diferentes setor produgio de mereadorias, administragao, lazer, satide, ensino, pesquisa cientifica etc. — setores que correspondem a grandes tipos de d 0. Tais divisOes se basciam cm grades sociolégicas mais ou menos intuitivas, Outras classificacées Podemos dividir os géneros de discurso tomando por invariante nao um setor de atividade, mas um lugar institucional: 0 hospital, a escola, a empresa, a familia etc. Se tomamos por invariante o hospital, por exemplo, podemos listar os muiltiplos géneros de discursos escri- tos ou orais que ali sao praticados: a consulta, o laudo médico, as reu- nides de servico, as sessdes de radiografia etc. Podemos também tomar como critério o estatuto dos parceiros do discurso: discursos entre criangas ¢ adultos, entre criancas, entre ho- mens € mulheres, entre mulheres, entre superiores ¢ inferiores etc. Mas falar do “discurso dos jovens” ou do “discurso das mulheres” provoca grandes dificuldades, pois sio categorias enganadoras: um “jovem” participa efetivamente de miltiplas atividades de discurso, com interlocutores muito variados. Ao lado dessas divisées baseadas no estatuto dos parcciros, ha outras ligadas a um posicionamento de natureza ideoldgica: 0 “discurso Socialista” ou 0 “discurso catdlico” de tal época ou de tal lugar... Na verdade, para a andlise do discurso, tais unidades sao indissocidveis dos géneros de discurso que elas mobilizam ¢ da forma como os mobili zam (ver capitulo 6). 3. Tipologias linguisticas e discursivas As tipologias enunciativas Deixamos de lado um tipo de classificagio menos conhecido por se basear em propriedades linguisticas, mais precisamente, enunciativas. Na base encontra-se a oposigio estabelecida pelo linguista francés Emile Benveniste entre “discurso” ¢ “hist6ria” (ou “narrativa”), que retoma- remos no capitulo 10. Para dar um exemplo caricatural, essa divisio ite opor um proverbio a uma conversa familiar: a cnunciagio i tbio implica um tipo de corte entre o enunciado ¢ sua situagao de niclagio (auséncia de BU-VOCE, nenhuma referencia ao momento. enunciagio), ao passo que uma conversa se organiza em torno da la HU-VOCE e de um presente que coincide com 0 momento da inciagao. busca de tipologias discursivas As tipologias cnunciativas estao muito distantes da inscri¢ao so- dos enunciados. Por sua vez, as tipologias comunicacionais ou ionais nao levam em consideragao os funcionamentos linguisticos textos. Para a andlise do discurso, 0 ideal seria poder apoiar-se bém sobre tipologias propriamente discursivas, ou seja, geuoees nao separassem, por um lado, as caracterizagGes ligadas as fun- » aos tipos ¢ aos géneros de discurso e, por outro, as caracteriza- enunciativas. Com 0 progresso das pesquisas sobre o fea tipologias nao deixarao de se desenvolver. O que chamamos de curso de vulgarizacao”, por exemplo, corresponde a uma fungao ial, mas ¢ igualmente indissocidvel de certos funcionamentos {sticos: nao se podem separar esses dois aspectos. Utilidade dos géneros de discurso fator de economia Para um locutor, o fato de dominar varios géneros de discurso é fator de consideravel economia cognitiva. Como enfatizava o lin- ta russo M. Bakhtin, Aprendemos a moldar nossa fala pelas formas do género ¢, ao ouvir a ido. emos logo, desde as primeiras palavras, descobrir seu género, adivinhar seu volume, a estrutura composicional usada, prever © final, em outras palavras, desde 0 inicio somos sensiveis a0 todo discursivo [...] Se os géneros de discurso nao existissem e se nao tivésse- mos 0 dominio deles ¢ fossemos obrigados a inventé-los a cada vez no processo da fala, se fossemos obrigados a construir cada um de nossos enunciados, a troca verbal seria impossivel. _ Esthétique de la création verbale, Gallimard, 1984, p. 285. Gragas a0 nosso conhecimento dos génerox de disctitso, nao pre= cisamos prestar uma atengao constante a todos os detalhes de todos os enunciados que ocorrem a nossa volta. Em um instante somos capaze: de identificar um dado enunciado como sendo um folheto publicitério ou como uma fatura e, entao, podemos nos concentrar apenas em um mumero reduzido de elementos. Assegurar a comunicacao Sendo partilhada pelos membros de uma coletividade, a compe- téncia genérica permite também evitar a violéncia, o mal-entendido, a anguistia de um ou outro dos participantes da troca verbal, enfim, per- mite assegurar a comunicagao verbal. Suponhamos que eu escreva um cartio-postal de férias a um ami- go; ele sabe tanto quanto eu o que esperar desse tipo de mensagem, ¢ cada um de nds sabe que o outro detém tal saber: ele nao ficard ma- goado pelo fato de meu texto ser muito curto, nem chocado por eu falar somente do tempo e de meus passeios ou por eu nao enviar o cartéo em um envelope etc. Respcitando, assim, as normas do género do cartao-postal, nao corro © risco de ofender meu destinatdrio ou de perder sua consideragao (ver capitulo 2, item 3, a nogao de “face”). Além disso, como um certo ntimero de direitos e deveres associados ao género sio conhecidos pelos falantes, € possivel fazer transgressies portadoras de sentido: se, estando a beira- ‘mar, envio um cartao-postal da torre Eiffel a alguém que mora em Patis, posso esperar que ele procure descobrir o que esta por tras dessa escolha. A transgressao de uma regra implicita do género “cartao-postal de férias” permite indi- car ao destinatario que ele deve procurar um subentendido, varidvel conforme a situag4o (ver capitulo 2, item 1), 5. Como conceber um género? Obras e rotinas A nogio tradicional de género foi inicialmente claborada no Am- pottica, de. brea literatura. $6 recente- ‘la se estendeu a todos os 38 tipos de produgées verbais. Essa trans- feréncia nao se faz sem riscos. Com efeito, as obras literdrias nao se yam A categoria do género da mesma forma que um panfleto ou um de matemitica, Quando, por exemplo, um dramaturgo do século u pone raged uma ts suas obras, cle a inscreve naquilo que se pencalégica”, ’, estabelecendo uma s eres no caso, obras gregas, retomadas mais menos fielmente. A relago entre o romance picaresco francés do culo XVII, Gil Blas, e os romances picarescos espanhdis estabelece- , sobretudo, pelas semelhangas e diferengas com os modelos. Acon- 0 mesmo quando um filésofo escreve um didlogo: ele se situa uma tradi¢ao que remonta aos didlogos de Platao. As obras apontam HtAO para seus “protdtipos”: As ligagdes perigosas, no caso do romance cartas, A Ilada para a epopeia etc. Em Em contrapartida, quando se fata nao de obras singular de relaté que continuam sujeitos a uma variacao continua. A arenga de um iel6 ou a redagao de um fizit divers seguem uma rotina, adaptada as ‘ircunstancias; nao se baseiam em nenhum texto-modelo. Por outro lido, alguns géneros muito ritualizados obedecem a um modelo defi- hitivamente estabelecido, do qual nao ¢ possivel afastar-se (por exem- plo, a missa). Ima atividade bem-sucedida ou néo Os géneros de discurso nao podem ser considerados como for- mas que se encontram a disposigao do locutor a fim de que este molde uu enunciado nessas formas. Trata-se, na realidade, de atividades so- rlais que, por isso mesmo, sao submetidas a um critério de é éxito. Os atos de linguagem” (a promessa, a questo, a desculpa, 0 conselho tc.) sio submetidos a condig6es de éxito: por exemplo, para prometer alguma coisa a alguém, é preciso estar em condigées de realizar o que @ promete, que o destinatario esteja interessado na realizacao dessa pro- Mhessa etc. Ato de linguagem de um nivel de complexidade superior, um geénero de discurso encontra-se também submetido a um conjunto de sondig6es de éxito. Essas condigGes envolvem elementos de ordens diversas, especialmente os que apresentaremos a seguir. 1. Quest-ce qu'un genre litternire? Batis, Le Seuil, 1989. Uma finalidasde veconhecida Todo género de discurso visa a um certo tipo de modificagio da situagio da qual participa. Essa finalidade se define ao se responder a questao implicita: “Estamos aqui para dizer ou fazer? 0 qué?”, Come- sar uma conversa tem por objetivo manter lagos sociais, redigir uma dissertacio visa mostrar aptidées a fim de obter uma avaliagao ete. Essa finalidade pode ser indireta: a Publicidade visa seduzir, para, em ultima instancia, vender um produto. A determinagao correta dessa finalidade ¢ indispensdvel para que o destinatario possa ter um com- portamento adequado ao género de discurso utilizado. O estatuto de parceiros legttimos Que papel devem assumir o enunciador e¢ 0 cocnunciador? Nos diferentes géneros do discurso, jé se determina de quem parte ¢ a quem se dirige a fala, Um curso universitdrio deve ser ministrado por um professor, que se supe deter um saber e ser devidamente autorizado para cxercer o ensino superior; deve ser dirigido a um ptiblico de estu- dantes que, supostamente, nao detém esse saber. Uma transagao co- mercial envolve um cliente ¢ um vendedo: , © controle de bilhetes de transporte associa um cobrador e um Passageiro, um texto publicitério poe em relacao uma marca e um consumidor etc. As vezes, essas rela- $Oes sao materializadas por um uniforme (cf. 0 cobrador no trem). A cada uma delas correspondem direitos ¢ deveres, mas também saberes: 0 leitor de uma revista cientifica de cardiologia deve possuir um saber meédico diferente do que detém o espectador de um programa de tele- visdo sobre doengas cardiovasculares. O lagar ¢ 0 momento legitimos oO ‘I u plica um certo. lugar ¢ um certo mo-, mento. Nao se trata de coergGes “externas”, mas de algo constitutivo. Suponhamos que um padre reze uma missa numa praga publica ou que um professor dé uma aula em um bar: sao lugares normalmente ilegitimos para esses géneros de discurso. Em consequéncia, a trans- gtessao pode ser significativa: no primeiro exemplo, pode-se tratar de legitimar um espago normalmente ilegitimo (mostrando que a Igreja deve abrir-se a0 mundo); no segundo, pode ser, ao contrério, para protestar contra a falta de locais de ensino, 2, Formula de P. Charaudeau, “Une analys n° 117, 1995, p. 102. miolinguistique du discours”, in Langages, 4 nogdes de “momento” ou de “lugar” de entineiagio exigidan uum genero de discurso nao sio evidentes Um cartaz publicitario fixado 4 beira de uma via férrea é feito para ser visto rapidamente, enquanto uma propaganda em uma re Vista ¢ itinerante (pode-se ler um periédico em qualquer lugar) e flea disponivel ao leitor por tempo indeterminado. O cartaz néo constitu a “mesma” propaganda que a que aparece numa revista feminina: seu puiblico é indeterminado (qualquer pessoa que venha a andar de trem) homens, mulheres, criangas, pessoas de qualquer profissio, de quale quer idade...); j4 a publicidade da revista feminina tem um public especificado. Essa diferenca afeta seu modo de consumo, Os potenciais do cartaz podem nao chegar a tomar conh de qualquer forma, nao ter3o muito tempo, nem, talvez, dese -lo. Nesse caso, 0 publicitério criador do cartaz deverd se com um texto simples, bem curto e com letras bem grandes, No da revista, ao contrario, trata-se de “prender” a atengao instal leitor que a folheia; nesse caso, propdem-se pelo menos dois nivel texto: por um lado, um fragmento curto em letras grandes que conde a informagao € atrai o olhar; por outro, para o leitor que aceita prowse= guir, um texto com letras menores em que sao desenvolvidos algutiy argumentos, | temporalidade de um _género do discurso, ela impli * uma periodicidade: um curso, uma missa, um telejornal, por exemplo, sao periddicos; j4 um pronunciamento de chefe de Estado ou um panfleto nao obedecem a uma periodicidade; * uma duragio de encadeamento: a competéncia genérica indica aproximadamente qual é a duracao de realizagao de um género de dis- curso. Certos géneros implicam mesmo a possibilidade de vdrias dura- goes. Um jornal cotidiano distingue pelo menos duas duragGes de lei- tura de um artigo: o simples levantamento dos elementos destacados em negrito ¢ em maitisculas, seguido eventualmente de uma verdadei- ra leitura do texto; * uma _continuidade nesse encadeamento: uma piada precisa ser contada de uma sé vez, enquanto um romance é normalmente lido com um numero indeterminado de interrupg6es; * uma _duracao de validade presumida: uma revista é consider da valida durante uma semana; 0 jornal, por um dia; jaum texto religif so fundador (a Biblia, o Alcorao, p. ex.) propoe-se a ser lido por tempo indefinido, Um suporte material Até aqui tratamos de jornais e cartazes; entraremos agora em um campo ao qual se atribui atualmente uma grande importancia: a dimensao midioldgica dos enunciados (ver capitulo 6). Um texto pode passar somente por ondas sonoras (oralidade), ter suas ondas tratadas e depois restitufdas por um decodificador (radio, telefone etc.), ser manuscrito, impresso em um tinico exemplar (impressora individual), figurar na memoria de um computador etc. Uma mo- dificagao_do_suporte material de um texto modifica radicalmente um género de discurso: um debate politico pela televisao é um gé- nero de discurso totalmente diferente de um debate em uma sala para um ptiblico exclusivamente formado pelos ouvintes presentes. O que chamamos “texto” nao ¢, entéo, um contetido a ser transmi- fido:po este ou aquele prelcale, pois o texto é insepardvel de seu ‘estocay em, logo, de memorizagho. ORB EMS TORU: Uma organizagio textual Todo género de discurso estd associado a uma certa organizagéo textual que cabe 4 linguistica textual estudar. Dominar um género de discurso é ter uma consciéncia mais ou menos clara dos modos de de frase a frase, mas também em suas partes maiores. E: Gao podem ser objeto de uma aprendizagem: a dissertagao, as anota- gGes de sintese etc., se ensinam; outros géneros, na realidade a maio- ria, sao aprendidos por impregnacdo. Um género elementar como 0 provérbio € constituido de um sé enunciado estruturado de maneira binaria (“Tal pai/tal filho”, “Quem tudo quer, tudo perde” etc.). Ao lado dos géneros de organizagao textual rigida, como a dissertacio, ha outros que seguem “roteiros mais flexiveis”, como a conversa em fami- lia. Uma conversa comega com falas ritualizadas sobre o tempo, a sat- de, por exemplo, ¢ encerra-se por despedidas e promessas de um novo encontro; entre essas duas partes, os cocnunciadores tomam sucessiva- mente a palavra e a conseryam durante um tempo relativamente curto, sem seguir um plano rigoroso. petdforas ¢ eee ee nem suficiente; contudo, possuem, ‘alor pedagdgico, cada uma evidenciando um aspecto importante » penero de discurso. contrato Dizer que o género contrato® signi ¢ cle ¢ fundamentalmente coopcrativo ¢ regio por normas (ver capi- ilo 2, item 1). Todo género de discurso exige daqueles que dele parti- ipam a accitagdo de um certo ntimero de regras mutuamente conheci- i ¢ as sancGes previstas para quem as transgredir. Evidentemente, esse ontrato” nao necessita ser objeto de um acordo explicito: “E justa- Hente porque o contrato de comunicagao é fundador do ato de lingua- que cle inclut sua propria validagio. O outro interlocutor-destinata- io é considerado como subscrevendo antecipadamente os termos do rontrato.* Um jornalista assume 0 contrato implicado pelo género de scurso do qual participa; um fait divers, por exemplo, deve ser veridico (relatar somente a verdade), apresentar um tema adequado ao fixit divers incéndio em um celeiro € nado um acontecimento politico), conter odas as informacGes necessdrias 4 compreensao (cf. os famosos “quem?”, 1ando?”, “onde?”...), no pressupor quaisquer saberes que nao sejam 38 de seu Ieitor-modelo (ver capitulo 3, item 4) etc. De forma reciproca, Natural que o leitor de um fiir divers espere que sejam respeitadas essas jormas que correspondem as suas expectativas em relagao ao género, ¢ Mio poderd avaliar negativamente o texto se elas forem respeitadas. papel Existe desde a Antiguidade uma longa tradigao de moralistas que consideram as interagdes sociais como um imenso teatro onde tudo o 3, Problemitica que tem sido desenvolvida sobretudo por P. Charaudeau, em seu livro Tangnge et discours (Hachette, 1983) e em seus trabalhos posteriores. 4... Charaudeau, Cahiers de tinguistique frangaise, n. 17, p. 160 se faz ¢ representar papéis. Falar de papel ¢ insistir no fato de que ada género de discurso implica os parceiros sob a ética de uma condi-_ ae determinada e nfo de todas as suas determinacoes Ppossiveis. Quando um policial verifica a identidade de uma pessoa, cle intervém enquanto agente da ordem ptiblica, nio enquanto pai de uma familia de trés criangas, moreno, de bigode, com um sotaque de Toulouse ou da Alsécia etc. Quanto ao individuo investigado, a investigacao se limita as opo- sigdes ter/nao ter documentos, estar/ndo estar sendo procurado pela justia etc, Nao € assim que acontece no didlogo terapéutico, por exem- plo, num tratamento psicanalftico, quando determinagdes bem dife- rentes so invocadas: ser homem ou mulher, estar ou nao angustiado, ser infeliz no amor etc. Essa metéfora teatral, entretanto, tem seus li- mites: um ator pode afirmar nao ser Hamlet ou Harpagon, mas aque- Jes que tomam parte em géneros de discurso, salvo em situag6es muito particulares, no podem deixar seus trajes nos camarins. De um certo modo, nossa personalidade é tecida com os “papéis” em que atuamos. O jogo Falar de jogo é, de alguma forma, cruzar as metéforas do contra- to com as do teatro, enfatizando simultaneamente as regras implicadas na participacao em um género de discurso ¢ sua dimensio teatral. Como © jogo, um género implica um certo miimero de regras preestabelecidas mutuamente conhecidas ¢ cuja transgressio poe um participante “fora do jogo”. Mas, contrariamente as regras do jogo, as regras do discurso nada tém de rigido: elas possuem zonas de variacdo, os géneros podem se transformar. Além disso, 0 género de discurso raramente é gratuito, a0 passo que um jogo exclui as finalidades praticas, visando apenas ao - lazer.

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