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DIREITO ADMINISTRATIVO I

UNIVERSIDADE PORTUCALENSE
PROPOSTA DE RESOLUÇÃO
DELEGAÇÃO DE COMPETÊNCIAS

Ficha de trabalho n.º VI

II)

O Reitor da Universidade do Porto, ao abrigo de uma delegação de poderes –


delegação realizada em 24.05.2019, pelo Ministro da Ciência, Inovação e Ensino
Superior, que vem permitir que aquela entidade autorize a realização de despesas
com empreitadas de obras públicas, locação e aquisição de bens e serviços até ao
limite de 500 mil Euros – veio dar o seu aval à construção de um bar-cantina, no
Campus do Campo Alegre, tendo para o efeito autorizado a realização da respetiva
despesa em 05.06.2019.
Considerando que o ato de delegação de poderes nunca foi publicado, pronuncie-se
sobre a validade da decisão do Reitor.

Sugestão de resolução
O caso prá tico em aná lise relaciona-se com atribuição de competê ncias a um
determinado órgão (conjunto de poderes funcionais que a lei confere a um órgão
para a prossecução das atribuições da pcp a que pertence) e a consequente
delegaçã o e subdelegaçã o de poderes ou de competê ncias. Antes de proceder à sua
aná lise, deverá fazer-se uma breve nota introdutó ria. Com efeito, importará ter
presente algumas das seguintes noçõ es fundamentais.
A competê ncia, de acordo com o artigo 36.º, n.º 1 do CPA é irrenunciá vel e
inaliená vel. Com efeito, os ó rgã os nã o podem renunciar aos seus poderes, nem
transmiti-los, salvo quando a lei o permitir. Ee , pois, nulo todo o contrato ou ato de
renú ncia ao exercı́cio de uma competê ncia nos termos e para os efeitos do artigo
36.º, n.º 2 do CPA. Sucede, contudo, que a lei permite a figura da delegaçã o de
competê ncias (artigo 36.º, n.º 1, 2.ª parte do CPA). Assim podemos falar em
competê ncia delegada quando nos deparamos com o exercício de uma competência
a ser realizado por um órgão que primariamente não se encontrava legalmente
dotado para o efeito.
A delegaçã o de poderes dá observância, desde logo, ao princı́pio da desconcentraçã o
de competê ncias. A expressã o “desconcentraçã o de competê ncias” visa significar a
existência de um sistema em que o poder decisó rio se reparte entre vários órgãos
ainda que hierarquicamente organizados em escalões diferenciados. Este tipo de
sistema de administraçã o desconcentrada distingue-se do sistema de concentraçã o
de competê ncias ou de administraçã o concentrada em que o mais elevado órgão
hierárquico é o ú nico competente para tomar decisõ es, ficando os subalternos
limitados à s tarefas de preparaçã o e execuçã o das decisõ es daquele. A
desconcentraçã o de competê ncias opera de duas formas distintas: I) pode resultar
da lei, ou seja, é a lei que reparte as competê ncias entre o superior e o subalterno,
sendo que aqui falamos em desconcentraçã o originá ria; ou entã o, II) pode resultar
de um ato especı́fico de transferê ncia de competê ncia do órgão primariamente
competente para outro órgão atravé s da delegaçã o de competê ncias, sendo que aqui
falamos em desconcentraçã o derivada. O regime geral da delegaçã o de
competê ncias, sem prejuı́zo de lei especial, vem previsto nos artigos 44.º a 50.º do
CPA.
A delegaçã o de poderes ou de competê ncias pode, assim, definir-se como o ato pelo
qual um ó rgã o da AP, normalmente competente para decidir em determinada
maté ria, permite, de acordo com a lei, que outro ó rgã o ou agente pratique atos
administrativos sobre a mesma maté ria. Para que haja uma delegaçã o de
competê ncias é necessá rio que se verifiquem trê s elementos essenciais: 1)
existê ncia de uma lei de habilitaçã o; 2) existê ncia de dois ó rgã os – o delegante
(aquele que era originariamente detentor da competência e que se encontra
habilitado a delegar) e o delegado (aquele chamado, através da delegação de
competências, a dar observância ao seu exercício), que sã o os elementos subjetivos
da delegaçã o; e 3) existência do ato de delegaçã o propriamente dito que concretiza
e traduz a vontade do delegante, configurando o elemento volitivo da delegação de
poderes.
Verifiquemos se no caso que nos é colocado se verificam todos estes elementos e se,
de facto, a decisã o emitida ao abrigo de uma delegaçã o de competê ncias pelo Reitor
é ou nã o vá lida.
Presumindo que existiu lei de habilitação (não há dados no caso que nos conduza
noutro sentido) e que temos dois órgãos – o delegante (o Ministro) e o delegado (o
Reitor) – cabe analisar se o ato de delegação propriamente dito se encontra válida e
eficazmente praticado.
Para o efeito, este terceiro elemento da delegação de poderes pressupõe a
observância de um conjunto de requisitos especiais. Tais requisitos especiais
situam-se ao nı́vel dos requisitos de validade e / ou de eficá cia do ato de delegaçã o
(artigo 47.º, n.ºs 1 e 2 respetivamente do CPA). Sã o requisitos de validade do ato de
delegaçã o a especificaçã o dos poderes que sã o delegados ou quais os atos que o
delegado pode praticar, bem como a menção da norma de habilitação, que permite
ao delegante proceder à transferência do exercício da competência e ao delegado
exercê-la legitimamente (artigo 47.º, n.º 1 CPA). Admitindo que, no caso, se
verificam tais requisitos de validade, a questã o coloca-se ao nı́vel dos requisitos de
eficá cia (artigo 47.º n.º 2 CPA). O ato de delegaçã o, para ser eficaz, está sujeito a
publicaçã o no Diá rio da Repú blica ou na publicaçã o oficial da entidade pú blica, e na
Internet, no sı́tio institucional da entidade em causa, no prazo de 30 dias (artigo
159.º ex vi 47.º, n.º 2 do CPA), e conter todos os elementos referidos no n.º 1 do
artigo 151.º do CPA (artigo 151.º, n.º 1 ex vi artigo 159.º do CPA).
Posto isto, cabe enunciar que, tal como demandado pelos termos do artigo 159.º do
CPA, a publicação terá de ocorrer ou através do DR OU através da publicação
institucional da entidade pública em causa E na internet. Assim, o ato de delegação
poderá ser perfeitamente eficaz se, ainda que não tenha sido publicado no DR, o tiver
sido na publicação institucional da entidade pública e na internet.
No caso, presumindo que nã o houve publicaçã o nem em DR, nem na publicação
oficial da entidade, nem na internet, estaremos perante a inobservância dos
requisitos de eficácia do ato de delegação. A falta de publicidade da delegaçã o gera
a ineficá cia da delegaçã o de poderes (artigo 47.º, n.º 2 do CPA). Nã o podendo o ato
de delegaçã o produzir efeitos jurı́dicos – daı́ a noçã o de ineficá cia –, o ato do suposto
delegado, praticado na sequê ncia de uma delegaçã o ineficaz, ficará viciado, quanto
à sua validade, de acordo com a tese da transferência do exercício, advogada pelo
Professor Freitas do Amaral. No caso, temos um ó rgã o de uma p.c.p. – Ministro da
Ciê ncia (p.c.p. Estado) – que havia supostamente delegado algumas competê ncias
num outro ó rgã o de uma outra p.c.p. – o Reitor da Universidade do Porto (sendo a
Universidade outra p.c.p. para efeitos de organizaçã o administrativa). Deste modo,
o ato praticado pelo Reitor – aval à construçã o de uma cantina-bar, no Campus do
Campo Alegre e autorizaçã o da respetiva despesa – encontra-se inquinado pelo vı́cio
da incompetê ncia absoluta – pois nã o só subverte as competê ncias do Ministro da
Ciê ncia, mas també m se imiscui nas atribuiçõ es desse mesmo Ministé rio – que
determina a nulidade do ato (artigo 161.º, n.º 2, a) do CPA).

III)
Em 15.01.2019, o Reitor da UTAD delegou certas competê ncias nos seus Vice-
reitores. Delegou no Vice-reitor Joã o a competê ncia para decidir o recurso previsto
no art. 43º, n.º 1 do DL n.º XXX/YY, de 11 de junho (recurso do ato de exclusã o de
um concurso para o recrutamento e seleçã o de pessoal para a Universidade, que é
dirigido ao órgão má ximo). Pressupondo que o Reitor avoca a competê ncia e, nã o
obstante a ter transmitido, pretende ser ele mesmo a decidir um recurso interposto
por um candidato excluı́do de um procedimento concursal aberto pelos serviços da
UTAD, mencione se tal desiderato é possı́vel.

Sugestão de resolução

Nota: Repetir sempre a mesma introduçã o e enquadramento. Os elementos que


forem incluı́dos e que tenham particular relaçã o com o sentido de resposta adotado
serã o devidamente valorizados.
No caso em apreço, verifica-se que o órgão delegante – Reitor – pretende exercer um
dos poderes de que dispõe, nos termos do artigo 49.º do CPA. Na realidade, é-lhe
possível dirigir ao delegante ordens e instruções sobre como este deverá exercer a
competência delegada (artigo 49.º, n.º 1 do CPA) e poderá, depois de praticado um
ato pelo delegado, anulá-lo, revogá-lo ou substituí-lo (artigo 49.º, n.º 2, 2.ª parte do
CPA). Acresce que é possível ao delegante avocar a competência cujo exercício tinha
sido transferido para o delegado – a avocação é o ato pelo qual o delegante chama a
si o exercício da competência que havia delegado a fim de resolver / decidir casos
concretos, em nada afetando a delegação previamente realizada, salvo no caso
específico em que chama a si o exercício (artigo 49.º, n.º 2, 1.ª parte do CPA). Nestes
termos, como uma delegação de poderes vivifica uma demonstração da vontade do
delegante, este goza do poder de avocação sempre que considerar necessário e sem
necessidade de justificar essa decisão. Não pode o delegante impedir o exercício de
tais poderes por parte do delegante.

IV)
O Reitor da Universidade de Lisboa, por despacho n.º 13 715/2019, publicado no
site no dia 12 de Julho de 2019, delegou nos atuais Presidentes de Faculdade um rol
significativo de competê ncias, sendo que, de entre elas, cumpre destacar a
competê ncia para a constituiçã o de jú ris de seleçã o dos concursos de admissã o de
assistentes convidados, autorizar a realizaçã o de chamadas telefó nicas
internacionais e autorizar a equiparaçã o a bolseiro de docentes por perı́odos de 15
dias. Neste contexto, considerando a hipó tese de terem decorrido eleiçõ es em
Setembro de 2019 e ter sido eleito um novo Reitor, diga se o Presidente da
Faculdade de Direito, ao abrigo daquela delegaçã o, pode nomear jú ri para
recrutamento de um assistente convidado para o grupo das ciê ncias jurı́dico-
polı́ticas e autorizar a realizaçã o de chamadas telefó nicas internacionais.
a) Imagine que, na sequência, um docente não contente com a nomeação
do júri para recrutamento de um assistente convidado, decide reagir
administrativamente. O que poderia fazer, sabendo que entre o Reitor
e os Presidentes das Faculdades há uma relação de hierarquia?

Sugestão de resolução

Nota: Repetir sempre a mesma introduçã o e enquadramento. Os elementos que


forem incluı́dos e que tenham particular relaçã o com o sentido de resposta adotado
serã o devidamente valorizados.
Caracterizaçã o do tipo de delegaçã o;
Referê ncia pré via à s causas de extinçã o da delegaçã o de poderes (artigo 50.º do
CPA). Para o efeito, mencionar que a delegação de competências se pode considerar
extinta por 1) anulação do ato de delegação propriamente dito; 2) revogação do ato
de delegação propriamente dito (artigo 50.º, a) do CPA); 3) por caducidade (artigo
50.º, b) do CPA). Nos casos em que a delegação se extingue por caducidade, podem
haver duas razões para o efeito: 3.1) porque se esgotaram os efeitos da delegação
(tratava-se de uma delegação específica e a finalidade com ela visada foi atingida) –
artigo 50.º, b), 1.ª parte do CPA; ou 3.2) porque se verificou a mudança dos titulares
dos órgãos delegante ou delegado – artigo 50.º, b), 2.ª parte do CPA. No caso, o
delegante – órgão singular: Reitor – viu alterado o seu titular, o que determina que
a delegação se considera extinta porque o ato de delegação de competências
caducou por mudança dos titulares do ó rgã o delegante. O mesmo se diria se a
mudança tivesse dito respeito ao órgão delegado – o Presidente da Faculdade em
causa. Tal ocorre porque a delegaçã o de poderes é um ato intuitu personae,
pressupondo uma relaçã o de confiança entre delegante e delegado, pelo que
depende do ato de voliçã o do delegante.
Neste pressuposto, o ato de delegaçã o de poderes já havia caducado no momento
em que o Presidente da Faculdade de Direito constituiu o jú ri e autorizou a
realizaçã o de chamadas internacionais. Posto isto, tais atos do Presidente da
Faculdade sofrem de um vı́cio de incompetê ncia que, no caso, se afigura como uma
incompetência relativa (na medida em que se arroga a realizar competências
confiadas, por lei, a outro órgão, mas não extravasando as atribuições da pcp a que
pertence – a Universidade). Tal vício determina a invalidade dos atos praticados,
sendo estes passíveis de anulação (artigo 163.º do CPA).

a) Em regra, os atos praticados pelo delegado no âmbito de uma delegação de


poderes têm o mesmo valor (são definitivos e executórios), as mesmas
características e a mesma natureza que os atos que tivessem sido praticados
pelo delegante (artigo 44.º, n.º 5 do CPA).
No caso, estamos perante uma relação de hierarquia entre o Reitor e os Presidentes
das Faculdades. A hierarquia corresponde a um modelo de organização
administrativa vertical e quando existe, no seu seio, uma delegação de
competências, a mesma é designada por uma delegação hierárquica – o que acontece
no caso em apreço. A hierarquia pressupõe, portanto, que dois ou mais órgãos e
agentes – que prosseguem atribuições comuns – se encontrem ligados por um
vínculo jurídico que confere, ao superior hierárquico, um conjunto de poderes e que
sujeita o subalterno à observância de um conjunto de deveres, de onde se destaca o
seu dever de obediência. Pressupõe-se, então, a necessidade de se verificar o
preenchimento dos seguintes elementos: 1) existência de um vínculo entre dois ou
mais órgãos e/ou agentes administrativos; 2) existência de uma comunidade de
atribuições (tanto o superior, como o subalterno prosseguem as mesmas
atribuições); 3) existência de um vínculo jurídico entre eles. O superior hierárquico
encontra-se, assim, dotado de três poderes principais: i) de direção; ii) de
supervisão; iii) disciplinar; e outros secundários, que se refletem nos principais.
Por sua vez, o subalterno está sujeito à observância de um conjunto de deveres
(assiduidade, isenção, zelo, urbanidade, sigilo profissional – decorrentes da lei n.º
35/2014, de 20 de junho), de entre os quais se destaca o seu dever de obediência.
Este consiste no facto de o subalterno ter de cumprir as ordens e as instruções dos
seus legítimos superiores hierárquicos, dadas em objeto de serviço e observando a
forma legal aplicável.
Atenta a relação de hierarquia existente, há a possibilidade de o interessado
interpor recurso hierárquico para o Reitor, nos termos dos artigos 193.º e seguintes
do CPA, a fim de impugnar o ato praticado pelo subalterno (artigo 193.º, n.º 1, a) do
CPA) e, assim, dar a oportunidade ao superior hierárquico de exercer os poderes
que o artigo 49.º, n.º 2, segunda parte lhe atribui, podendo este anular (que seria o
caso), revogar ou substituir o ato praticado pelo delegado / subalterno. Do mesmo
modo, à luz do artigo 197.º, n.º 1 do CPA, o delegante / superior hierárquico poderia
ainda i) confirmar o ato recorrido ou ii) modificá-lo, na medida em que o ato não foi
praticado pelo Presidente da Faculdade ao abrigo de uma competência exclusiva sua
(aliás, so interveio pois considerava-se na posição de pretenso delegante quando, na
realidade, a delegação de competências se encontrava extinta por caducidade.

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