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CAPITULO 2 MADRASTAS E PADRASTOS No dia 3 de janeiro de 1955, uma madrasta fez uma palestra no programa Woman’s hour da BBC, contando de um modo claro e comovente como esta- va atormentada por sentir-se incapaz de amar seu en- teado, que se incorporara a nova familia quando ti- nha sete anos de idade. A BBC recebeu uma enorme quantidade de cartas depois desse programa, descre- vendo experiéncias andlogas e diferentes de madrastas e padrastos, e indicando, em geral, que o assunto me- recia ser aprofundado. Por conseqiiéncia, a BBC re- servou para esse fim trés segmentos na Woman’s hour de 6, 7 e 9 de junho seguinte. O primeiro desses seg- mentos consistiu numa série de perguntas e respostas entre um especialista e um padrasto. Os dois seguintes foram preenchidos com palestras de Winnicott, as quais sao aqui reproduzidas. Ambas foram transcritas de gra- vacdes, com o resultado de que a pontuacdo teve de ser acrescentada. Os Organizadores 10 CONVERSANDO COM OS PAIS (I) A madrasta perversa Sugere-se, as vezes, que se nao eee Contos de fadas idéias como as da madras nvencido de gue riz i soalmente, 5 c CT ee eee é mais verdadeiro dizer que nenhum conto de fadas ou, a bem dizer, nen uma his- toria de terror em quadrinhos ou coisa parecida pode ter um atrativo universal se nao se relacionar com al. go inerente a cada individuo, adulto ou crian¢ga. O que ocorre no conto de fadas é que este capta e explora al- tador e inaceitavel. Sim, tu- go que é verdadeiro, assus r tay do isso: verdadeiro, assustador e inaceitdavel. Peque- nos fragmentos do inaceitavel na natureza humana se cristalizam no mito aceito. A pergunta é esta: 0 que se cristaliza no mito da madrasta? Seja o que for, tem de se relacionar com édio e medo, assim como com amor. wae Cada individuo tem uma grande dificuldade em reunir a agressividade que existe na natureza humana e misturd-la com o amor. Em certa medida, essa difi- culdade é superada na mais remota infancia pelo fato de que, no come¢o, o mundo é sentido em extremos, amistoso e hostil, bom e hostil, branco e preto; o mau é temido e odiado e o bom é totalmente aceito. Gra- dualmente, as criangas desenvolvem-se a partir disso e atingem um estagio em que podem tolerar ter idéias destrutivas a par de seus impulsos carinhosos. Podem sentir-se entao culpadas mas descobrem poder fazer coisas para compensar. Se a mie souber esperar, che gard 0 momento para o gesto de amor que é sincer0 € espontaneo. O alivio normalmente proporcionado nos estagios iniciais pela idéia dos bons e maus extremes MADRASTAS E PADRASTOS 11 é algo a que nem mesmo os adultos maduros podem renunciar por completo. As criangas, eas criangas pe- quenas em particular, podem facilmente admitir uma certa persisténcia dessa reliquia da fase inicial da in- fancia, e sabemos poder encontrar uma resposta pronta quando lemos ou contamos histérias que apresentam os bons e maus extremos. Geralmente, a mae verdadeira e a madrasta jun- tam-se na imaginac&o com esses extremos, e em espe- cial por causa da segunda coisa que quero descrever, que € a existéncia de toda a sorte de razées pelas quais as criangas poderdo detestar suas mies. Essa idéia de odiar a mae é muito dificil de ser aceita por todos e alguns que estéo ouvindo nao gostardo de escutar as palavras é6dio e mae postas na mesma frase. Entretan- to, isso é inevitavel; as mdes, se realizam sua tarefa de modo apropriado, so as representantes do mundo du- ro, exigente, e sao elas que introduzem gradualmente a realidade, a qual é tao freqiientemente a inimiga do impulso. Existe raiva em relacdo a mae e 0 ddio esta sem- pre presente, mesmo quando nao ha a menor duvida quanto a um amor misturado com adoracao. Se exis- tem duas mdes, uma verdadeira que morreu, e uma ma- drasta, percebem com que facilidade uma crianga ob- tém alivio para a sua tensdo fazendo uma perfeita e a outra horrenda? Isto se aplica quase tanto as expec- tativas do mundo quanto as crengas de uma crianga. Além de tudo isso, uma crianca acabara perceben- do ou sentindo que a devocao da mae num estdégio mui- to inicial proporcionou as condigGes essenciais que a habilitam a comecar existindo como pessoa, com di- Teltos pessoais, impulsos pessoais e uma técnica pes- 12 CONVERSANDO COM OS PAIS soal de vida. Em outras palavras, havia dependéncig absoluta no inicio e quando a crianga come¢a a ser ca_ paz de compreender isso desenvolve-se também um me. do da mae primitiva, detentora de poderes magicos pa. ra o bem e para o mal. Como é dificil para cada um de nos ver que esse onipotente agente primevo era a nossa propria mae, alguém que passamos a conhecer como um ser humano adoravel mas, de modo nenhum, perfeito ou inteiramente confiavel... Como tudo isso era precario... Além do mais, no caso de uma meni- na, é essa mesma mae, toda poderosa no inicio, a re- presentante irritante dos fatos desagradaveis da vida, adoravel o tempo todo, que, na realidade, passa a co- locar-se entre a filha e o pai. Nesse caso, em particular, a mae verdadeira e a madrasta partem de lugares dife- rentes, pois a primeira alimenta a esperanga e a segun- da teme que a menina conquiste o amor de seu pai. NAo sera isso o bastante para mostrar que nao deve- mos esperar que as criancas abandonem de subito uma tendéncia para dividir o mundo em geral e suas duas mes em particular em bons e maus, e que, pelo con- trario, devemos esperar uma certa persisténcia dessas idéias infantis nos adultos? Podemos usar argumentos ldgicos; podemos re- petir um sem-ntimero de vezes que o que importa nao € se as pessoas s4o negras ou brancas mas se, como seres humanos, so afetuosas e cativantes. Mas restam- NOS OSs nossos sonhos, e quem gostaria de ver-se livre de suas fantasias? Em fantasia, nao precisamos ser adultos o tempo todo, da mesma maneira que precisa- mos ser quando pegamos 0 trem para 0 escritério OU quando saimos para as compras. Na fantasia, o infantil € o adolescente persistem no adulto maduro. Mas ape” MADRASTAS E PADRASTOS 13 cebemo-nos do inconveniente da fantasia quando aden- tramos em uma ou outra das caracteristicas sombrias dos mitos do mundo. Eu mesmo posso ter adentrado em uma delas, talvez, quando falo sobre 0 édio e o medo a mae que sinto estar inevitavelmente mistura- do ao amor nas relagdes mae-filho plenamente viven- ciadas. Vocés podem pensar que sou maluco. (I) O valor da histéria de um fracasso No estudo de qualquer problema relacionado com questdes humanas, podemos restringir-nos a superfi- cie ou podemos ir a fundo. Se pudermos manter-nos superficiais, evitaremos uma porcao de dissabores e contratempos, mas também evitaremos os valores mais profundos. Algumas das cartas que chegaram apds 0 programa sobre a historia de um fracasso foram mui- to além do ébvio. Por exemplo, foi sublinhado que a crianca que perdeu o pai ou a mae nao pode ser trata- da como se isso nao tivesse acontecido e é freqiiente- mente preferivel que a madrasta ou o padrasto permi- tam ser chamados por um outro nome a fim de que a crianca possa conservar ‘“‘mamae’’ ou ‘‘papai’’ para referir-se ao que morreu. A idéia da mae ou pai que se perdeu pode manter-se viva e a crianga ser conside- ravelmente ajudada pela atitude que torna isso possi- vel. Também foi sublinhado que a criancga de quem se Passou a tomar conta pode estar perturbada; e neste caso especial de uma crianca que ndo era amada o me- nino tinha passado um periodo com a avo antes de ir viver com a madrasta, pelo que sofreu uma dupla pri- vacao e era passivel, por conseguinte, de sentir-se de- 14 CONVERSANDO CoM Os PAIS samparado a respeito do relacionamento ¢ da config. bilidade humanos. Se uma crian¢a se sente assi samparada, nao pode correr 0 ris 0 de iniciar Novos vinculos e defende-se contra os sentimentos profundgs € contra as novas dependéncias. Vocés sabem que um grande numero de ma amam seus proprios bebés quando os dao a1 ’ sentem-se horriveis, exatamente como a madrasta. Pro. curam fingir que amam mas simplesmente nao conse. guem. Seria tao mais facil para elas se thes tivessem dito de antem4o que o amor é uma coisa que pode che. gar mas nao é um botao que se liga. Geralmente, a mae nao tarda em sentir amor pelo seu bebé durante a gra- videz, mas isso é uma questao de experiéncia e ndo uma expectativa convencional. Os pais tém, por vezes, o mesmo problema. Talvez isso seja mais facilmente acei- to, raz4o pela qual hd menos necessidade de fingimento por parte de um pai e seu amor pelo filho pode chegar naturalmente e no seu tempo proprio. Além de nao os amarem, é freqiiente que as mdes odeiem seus bebés. Estou falando de mulheres comuns que, de fato, se saem muito bem e se preocupam em encontrar alguém que aja por elas e o faga de maneira apropriada. Co- nhego muitas mdes que viviam no temor constante de descobrir que fizeram mal aos seus préprios bebés ¢ so inteiramente incapazes de falar de suas dificulda- des por ser sumamente improvavel que alguém as pu- desse compreender. Ha tanta coisa que é profunda ¢ oculta na natureza humana que pessoalmente eu pie feriria ser filho de alguém que possui todos os confli- tos intimos da natureza humana do que ter por mae alguém para quem tudo é facil e tranqiiilo, que com” ce todas as respostas e é estranha a duvida. MADRASTAS E PADRasTos 15 ; A maioria dos que proclamam ter tido éxito aqui e ali poderiam registrar um fracasso alhures e, no lu- gar certo e no momento certo, a historia de um fra- casso tem o mais alto valor. E claro, a questdo é mui- to diferente quando as pessoas ficam por ai lamentan- do-se e suspirando, mas nao foi isso, por certo, o que aconteceu com a nossa madrasta que sofria tanto por ser incapaz de amar seu enteado. Sempre que uma es- posa ou um marido toma conta de um enteado ha uma longa histéria por tras desse acontecimento, e essa his- toria tem uma influéncia decisiva no modo como a si- tua¢do sera tratada. Nao é apenas uma questo de sen- timento de culpa por causa de uma crian¢a que, por assim dizer, 6 roubada; ha toda uma historia de esco- Tha de uma vitva ou de um vitvo, ou de resgate de uma pessoa que teve um casamento infeliz. Ha toda uma série de importantes questdes que ndo podem ser ig- noradas e que afetam o sonho ou a base imaginativa de padrastos e madrastas ao encetarem um novo rela- cionamento. Em qualquer caso especifico as coisas po- dem ser examinadas, e até proveitosamente examina- das, mas ao falar-se em termos genéricos 0 assunto torna-se de imediato demasiado vasto para ser-todo ele abrangido. A mulher que se vé cuidando de uma crian- ¢a que nasceu de uma mulher que é imaginativamente sua rival, mesmo que ja tenha morrido, pode facilmente sentir-se forcada por sua propria imaginacdo a ocupar a posig&o de bruxa em vez da de fada madrinha. De fato, ela pode ndo ter dificuldade alguma, ou pode, como as autoras de algumas cartas descreveram, gos- tar de assumir um lugar secundario em relacdo a espo- sa anterior. Mas muitos homens e mulheres ainda es- tao se esforcando por alcancar a maturidade adulta 16 — CONVERSANDO COM OS PAIS quando se casam, e devem lutar por seus proprios di. reitos ou perder sua jdentidade e seu sentimento pro, fundo de seres reais. Uma mulher pode facilmente sen. tir a presenga do filho da outra mulher como um lem. brete intoleravel da mae da crianga. Se esse g€nero de coisa é verdadeiro mas inconsciente, pode distorcer 9 quadro e impossibilitar um crescimento natural de sen timentos que conduzam primeiro a tolerancia e depois ne Spissonho apenas de tempo suficiente para men- cionar o fato de que uma certa percentagem de entea- dos sao realmente criaturas detestaveis, em virtude das experiéncias por que tiveram de passar. Podemos ex- plicd-los e desculpa-los, mas a madrasta tem de supor- ta-los. Nao ha outra saida para ela. Felizmente, a maio- ria dos enteados é passivel de ser induzida a assumir uma atitude amistosa e, de fato, como varias cartas provam, so intimeros os casos em que os enteados se comportam exatamente como os proprios filhos de sua madrasta. Assim, com freqiiéncia, nao ha dificuldade ou, se as hd, nao so grandes nem apresentam qual- quer ameaca. Muitas pessoas perdem de vista a per- plexidade da situacdo madrasta-enteado e acabam acre- ditando que é tudo muito simples. Para as pessoas sem dificuldades, a minha exploracao do mundo imagina- tivo deve parecer sumamente desagradavel e até peri- gosa. E perigosa para 0 sentimento de seguranga delas mas, como disse, ao perderem de vista os sonhos ruins € ate os pesadelos, e as suspeitas e depressGes por que Passaram, também perdem de vista tudo o que confe- re um sentido as suas realizac6es. ms ee de historias de fracassos po- ante as nossas vidas. Além disso, ¢S- MADRASTAS E PADRASTOS 7 sas historias podem mostrar-nos que existe um propé- sito em ajudar as pessoas malsucedidas a reunirem-se. Se elas se reunem e falam, dividem entre si seus fardos e, por vezes, logram alivia-los. Uma ouvinte escreveu- me solicitando um encontro de madrastas e padrastos malsucedidos. Penso que tal reuniao poderia ser fruti- fera. Seria constituida de homens e mulheres comuns. CAPITULO 3 O QUE SABEMOS A RESPEITO DE BEBES QUE CHUPAM PANO? Palestra transmitida pela BBC em 31 de janeiro de 1956 Muitos ensinamentos podem ser colhidos obser- vando o que os bebés fazem para passar 0 tempo en- tre os periodos de sono. Mas devemos, em primeiro lugar, livrar-nos da idéia de que existe um certo e um errado; 0 nosso interesse decorre do fato de que atra- vés dos bebés podemos aprender a respeito de bebés. O conferencista que falou a semana passada neste pro- grama abordou o ponto de vista de que se um deter- minado bebé chupa 0 polegar ou um pedaco de pano nao é ai que temos de intervir para aprovar ou repro- var, mas € onde temos uma oportunidade de conhecer alguma coisa sobre esse bebé. Concordo com ele e com as maes cujas cartas ele citou. Estamos interessados numa grande variedade de fendmenos que caracterizam a vida do bebé. Jamais podemos saber tudo a respeito desses fendmenos, por- que ha sempre um novo beb, e nunca dois bebés sdo exatamente iguais, quer no rosto, quer nos habitos. Conhecemos os bebés nao sé pela linha do narize a cor do cabelo, se houver algum, mas também por suas idiossincrasias. 20 CONVERSANDO COM OS PAIS Quando as maes me falam a respeito dos filhos, peco em geral que recordem as coisas que acontece, ram no comeco que eram caracteristicas. Elas Sostam de trazer A meméria aquelas coisas que revivem tao nj. arr ancne sobre toda a espécie de objetos que fo. ram adotados pelo bebé, que se tornaram importan. tes, que séo chupados ou abracados, € que reconfor. tam o bebé nos momentos de solidao e inseguranca, proporcionam consolo, ou atuam como um sedativo, Tais objetos estao a meio caminho entre ser Parte da crianca e parte do mundo. Nao tardarao em adquirir um nome, como ‘‘tissie’’ ou “nammie’’, o que denun- cia sua dupla origem. O cheiro e a textura sao seus ele- mentos essenciais — e que ninguém se atreva a lava. los! E que tampouco se ouse deixar um desses objetos em casa quando se sai. Se vocé for suficientemente si- bia, deixara que 0 objeto se desintegre aos poucos, co- mo o velho soldado da cancAo que nunca morre; vocé ndo o destréi, nado o perde nem se desfaz dele. O principal é nunca provocar o bebé: ‘‘Isso é al- guma coisa que vocé inventou, ou é parte do mundo que vocé descobriu e adotou?’’ Um pouco mais tarde, vocé estaré querendo obrigar o seu bebé a dizer ‘‘ta”, ea reconhecer assim que esse cachorrinho felpudo foi um presente da titia. Mas esse primeiro objeto é esta belecido como parte integrante do contetido do bers ou do carrinho do bebé, antes que a palavra ‘‘ta’’ poss ser proferida ou fazer sentido, antes que o bebé fas uma clara distinc4o entre o eu e 0 ndo-eu, ou antes Y° tal distingao esteja sendo processada. . Uma personalidade esta sendo formada e uma" da que nunca foi vivida antes esta sendo vivida, ¢ € 8° O QUE SABEMOS A RESPEITO DE BEBES 21 sa nova pessoa vivendo essa nova vida que a mae e o pai estado interessados a partir do instante em que se sente o bebé em movimento no ventre materno. A vi- da pessoal comega imediatamente, e persistirei nessa idéia muito embora saiba que os filhotinhos de cies e gatos também chupam pedacos de pano e brincam, um fato que me leva a afirmar que os animais tam- bém sao muito mais do que meros feixes de reflexos e apetites. Quando digo que a vida comeca imediatamente, admito que, no inicio, a vida adquire uma forma bas- tante restrita, mas a vida pessoal do bebé certamente comecou na época do nascimento. Esses estranhos ha- bitos dos bebés dizem-nos que existe na vida deles al- go mais do que dormir e ingerir leite, e algo mais do que obter satisfa¢ao instintiva de uma boa refeicao. Es- ses habitos indicam que ja existe uma crianga, viven- do realmente uma vida, acumulando e estruturando lembrangas, formando um padrao pessoal de compor- tamento. Para uma compreensdo mais completa, devemos considerar que existe desde o inicio uma forma rudi- mentar do que mais tarde chamaremos imaginagao. Is- so habilita-nos a dizer que o bebé recebe e assimila nao s6 com a boca mas também com as maos ¢ a pele sen- sivel do rosto. A experiéncia de alimenta¢4o imagina- tiva é muito mais ampla do que a experiéncia puramen- te fisica. A experiéncia total de alimentacdo pode ra- pidamente envolver um fecundo relacionamento com 0 seio da mae, ou com a mae a medida que vai sendo gradualmente percebida, e 0 que 0 bebé faz com as mios e os olhos amplia a extensdo do ato alimentar. Isso que é normal fica ainda mais evidente quando ve- 22 —_CONVERSANDO Com Os PAIS mos a refeicdo de um bebé ser ministrada de um mo. do mecanico. A mamada em tais condi¢des, longe dy constituir uma experiéncia enriquecedora para o be. bé, interrompe nele a sensagao de continuar sendo, Nao sei realmente como expressar isso de outra forma, pj. ria que houve uma atividade reflexa e nenhuma expe. riéncia pessoal. Quando fazemos cécegas no rosto de um bebé, po. demos produzir um sorriso, mas O bebé podera sentir qualquer coisa menos satisfagéo com isso. O reflexo traiu o seu dono. Ele quase possui 0 bebé. Nao é tare. fa nossa usar 0 poder que indubitavelmente possuimos para suscitar reflexos e estimular gratificag6es instin- tivas que nado surjam como parte integrante do ritmo da vida pessoal do bebé. Todo género de coisas que um bebé faz enquanto mama parecem-nos absurdas, desprovidas de sentido, porque nao o fazem engordar. O que estou afirmando é que sao justamente essas coisas as que nos corrobo- ram estar o bebé se alimentando, nao apenas sendo ali- mentado, estar vivendo uma vida e nao apenas reagindo aos estimulos que lhe sao oferecidos. Ja viram um bebé chupando um dedo ao mesmo tempo que prazerosamente mama? Eu vi. Ja viram al- guma vez um sonho ambulante? Quando um bebé chu- pa a ponta de um pano, ou do edredom, ou um bone- co, 0 objeto representa um extravasamento da imagi- nacao, quer dizer, a imaginacao estimulada pela fun- ¢ao excitante central que é a amamentacio. Em outras palavras: j4 pensaram alguma vez 4" a sensacao global, chupar o dedo, a ponta de um P* no, abragar a boneca de pano, é a primeira manifesta” © QUE SABEMOS A RESPEITO DE BEBtS 23 cao infantil de comportamento afetivo? coisa ser mais importante do que isso? , Talvez as pessoas considerem ponto Pacifico aca- pacidade afetiva de seus bebés, mas logo se darao conta disso se tiverem uma crianca que nao pode mostrar afei- ¢4o ou que perdeu essa capacidade. E possivel induzir a comer uma crian¢a que pareca relutante em fazé-lo, mas nao ha nada que se possa fazer para tornar afe- tuosa uma crianca insensivel a afeicdo. Vocé pode inunda-la de afeicdo, mas tudo o que conseguira dela é que se esquive, ora silenciosamente, ora com gritos de protesto. Essas atividades insdlitas e aparentemente irrele- vantes sobre as quais estamos falando sdo um sinal de que a crianga esta presente como pessoa e, além disso, confiante no relacionamento com a mae. O be- bé esta apto a usar objetos que s4o simbdlicos, como diriamos, da mae ou de alguma qualidade da mie, e é capaz de sentir prazer em acdes que so meramente lidicas, muito distantes do ato instintivo, ou seja, da alimentagao. Observem o que acontece se o bebé comeca a per- der a confianca. Uma privacao de pouca importancia pode produzir um elemento compulsivo no habito (ou seja qual for o nome que se lhe dé) de succao, de mo- do que se converta num tronco principal, em vez de ser um simples ramal. Mas se houver uma privagao mais séria ou prolongada o bebé perde toda a sua ca- pacidade de chupar o pedaco de pano, de brincar com a boca ou de remexer no nariz; 0 significado dessas atividades ludicas dissipa-se. _ Esses primeiros objetos hidicos e essas atividades lidicas existem num mundo entre 0 bebé e o mundo Pode alguma 24 CONVERSANDO COM OS PAIS externo. Ha um esfor¢o tremendo por tras da demora da crianca em distinguir entre © eu € 0 n80-e0, € da, mos tempo para que esse desenvolvimento ocorra na. turalmente. Vemos a crianga comegar a separar Coisas ea perceber que existe um mundo externo € um mun. do interno e, a fim de ajudar, consentimos num mun. do intermédio, o qual é ao mesmo tempo pessoal ¢ ex. terno, eu e ndo-eu. Isso éo0 mesmo que a intensa ativi- dade hidica da infancia e que os devaneios de criancas mais velhas e adultos, devaneios esses que NAO sao so. nho nem fato, e no entanto sdo ambas as coisas. Pensando bem nisso, sera que a/gum de nés eman- cipou-se totalmente da necessidade de uma area inter- média entre nés proprios, com 0 nosso mundo inter- no pessoal, e a realidade externa ou compartilhada? A tensdo que o bebé sente ao esforcgar-se por separar os dois mundos nunca se perde por completo, e per- mitimo-nos uma vida cultural, algo que pode ser com- partilhado e, no entanto, muito pessoal. Refiro-me, é claro, as primeiras e sdlidas amizades e a pratica da religido. E, em todo caso, ha as coisas absurdas que todos fazemos: por exemplo, por que eu fumo? Para uma resposta, teria de me dirigir a uma crian¢a peque- na, que riria na minha cara, tenho certeza, pois uma crianga sabe melhor do que ninguém como é¢ ridiculo ser sensato 0 tempo todo. E estranho, talvez, mas chupar um polegar ou uma boneca de trapo pode gerar uma sensaciio de realida- de, ao Passo que uma refeigdo de verdade pode propi- cme ren A eo rede . ; -se envolvidos de forma vigorosa; © a crianca ainda nao avancou o bastante no caminho do estabelecimento de um eu a ponto de ser capaz de © QUE SABEMOS A RESPEITO DE BEBES 25 absorver tao poderosas experiéncias. Isso nado lembra ocavalo sem jéquei que venceu 0 Grand National? Essa vitéria nao deu o prémio ao proprietario do animal, uma vez que 0 jéquei tinha sido incapaz de aguentar- se na sela. O proprietario sente-se frustrado e 0 joquei pode ter saido machucado. Quando vocé se adapta as necessidades e ritmos pessoais do seu bebé no come- ¢o, esta habilitando esse principiante a firmar-se na sela durante a corrida, inclusive a montar o seu proprio ca- valo e a gostar de cavalgar por puro prazer. Para o eu imaturo de uma crian¢a muito pequena €a auto-expressdo talvez na forma desses insdlitos ha- bitos de chupar um pedago de pano que ela sente co- mo realidade, e que da 4 mae e a crian¢a uma oportu- nidade de relacionamento humano que nao esteja a mercé dos instintos animais. CAPITULO 4. DIZER ‘‘NAO” Trés palestras radiofénicas na BBC, transmitidas em 25 de janeiro, 1° e 8 de fevereiro de 1960 Este programa e os dois seguintes formam uma série. O tema é ‘“‘Dizer ‘nao’”’. Esta noite ouvirdo uma discussdo entre varias mes, e farei um breve comen- tdrio no final. Na proxima semana e na seguinte, se- rei eu quem falarei principalmente, mas serdo citados alguns trechos da discussdo, apenas a titulo de lem- brete. Penso que iro gostar da discusso, que dura cer- ca de oito minutos. Parece-me extremamente realista. Quando a ouvirem, podem estar inteiramente certos de que nada foi encenado. E simplesmente 0 modo co- mo vocés discutiriam 0 mesmo assunto. 2K A conversa das maes MAES ; “£ muito dificil encontrar um meio-termo entre 28 CONVERSANDO Com os PAIS dizer as criancas 0 tempo todo nao facam isto, nao fa. ¢am aquilo, ou deixa-las resolver tudo. Mas, por outry lado, nado se pode deixar que destrocem a Casa toda »» ““Acabo de adquirir uma nova residéncia, tivemog um apartamento durante um ano ¢ tivemos de com. prar tudo para ele, e também para 0 novo bebé. E de. cidi deixar que o bebé, uma menina, desfrutasse a mes. ma liberdade que no apartamento, € ela é hoje um be. bé feliz por causa disso.” ; “Sim, mas que idade tem ela agora... vinte meses?” “Vinte e um meses, € muito ativa’’ (Falam ao mes. mo tempo) . “Trés anos! Trés anos de idade € ligeiramente di. fente de vinte meses, nado acha?’’ (Falam ao mesmo tempo) “‘Mas decidi continuar mantendo essa atitude,” “A sua filha tera a mesma liberdade quando visi- tar a casa de outras pessoas?”’ “‘No momento tem, porque é extremamente curio- sa, como deve ser nessa idade.”’ “‘Penso que esse negdcio de as criancas serem bem comportadas quando visitam outras pessoas depende em grande parte do grau de liberdade que desfrutam em casa. Porque se tém liberdade para fazer as trope- lias e a sujeira que Ihes apetecam em casa, de um mo- do ou de outro, entao nao tém...”’ “Nao ficam t&o curiosas.’’ “Entdo ndo querem fazer a mesma coisa em ou" tros lugares. Esta certo, quando vocé volta para casa das compras, a crianca apanha o saco de arroz — se vocé imprudentemente o tiver deixado ao seu alcan? — e derrama-o pelo chao todo.’’ (Risos) “A criant® nao foi levada, vocé é que foi estuipida. Quer 42% DIZER “"NAO” 29 quando a minha filha faz isso, eu percebo que quanto mais depressa voltarmos para a caixa de areia, onde ela pode — vocés sabem — derramar tudo 0 que qui- ser, melhor sera para nds.’’ (Falam ao mesmo tempo) “Ela nao ficara chateada por passar tanto tempo na caixa de areia, e ndo achard 0 arroz mais fascinante? “Claro que sim, mas também, quer dizer, pocas por exemplo. Aprendi essa ligao de uma outra pessoa, porque a minha filha teve alguém cuidando dela du- rante o primeiro ano, nao em tempo integral mas durante os dias em que eu ainda estava dando aulas (antes de ter o segundo filho, eu decidira que queria continuar dando aulas). Mas até com seus sapatos co- muns essa senhora deixava-a ir meter os pés nas pocas de agua, em certas oportunidades, e depois dizia-lhe: “Muito bem, desta vez vocé nao deve se meter nas po- cas, porque vamos sair. Nao posso te trocar agora. E ela nao ia para as pogas. Essa foi uma boa lic&o que aprendi. Quer dizer, se vocé deixa a crianca fazer algo quando isso nao vai ser um aborrecimento muito gran- de para vocé, entdo ela nao o fara quando se the expli- ca haver uma razdo para que nao o faga desta vez.’” (Falam ao mesmo tempo) “Isso funciona?’’ (Falam ao mesmo tempo) “Isso ndo surge do nada, é preciso prepara-las.”” ““Vocé pode fazer da explicagdo um jogo: que tal se fizéssemos isto... e vamos afastando-os pouco a pouco do que estiverem fazendo que é destrutivo, descobrin- do alguma outra coisa interessante para fazer.”’ (Falam ao mesmo tempo) “‘Bem, eu... explico racionalmente, quer dizer, o que pretendo com esse negocio de fazer um jogo daquilo que a crianga estiver fazendo num dar do momento é introduzi-la com jeito num outro jogo.” 30 CONVERSANDO COM OS PAIS “Distragdo?”” “Distracéo, sim.’’ _ “Acho que tudo depende de vocé nao ter um nj. mero excessivo de coisas a cujo respeito tenha de dize, ‘nao’. Quer dizer, quando o nosso primeiro bebé erg muito pequeno, havia duas coisas a que diziamos ‘nao’, Uma era algumas plantas que tinhamos no living e nag queriamos que fossem arrancadas, e a segunda eram fios elétricos, pois havia uma porcao deles pela casa, Diziamos ‘nao’ a respeito dessas coisas; quanto ao res. to... se havia qualquer coisa que ele pudesse estragar, tudo 0 que faziamos era coloca-la fora do seu alcance.” “<6 a coisa mais sensata a fazer.” (Falando ao mesmo tempo) ‘‘Essas eram sempre ‘ndo’. O resto nao era. De modo que, quando vocé di- zia um novo ‘nao’ para algo que vocé sabia que, por alguma razdo, a crianga nado entendia, ela nao se im- portava.”’ “Bu também comecei assim com o meu, com 0 mesmo 6éxito.”’ “Ha ocasides em que vocé nao pode deixar de di- zer ‘nao’. Aos 21 meses, vocé pode pér as coisas fora do alcance deles... provavelmente ainda nao conseguem trepar. Parece que tomadas sao coisas que nao podem ser postas fora do alcance.’’ “Vocé deve instalar tomadas apropriadas... tem tomadas apropriadas para eletrodomésticos.” “‘Acho que vocé deve decidir simplesmente quan do dizer ‘nao’ e manter-se firme. E muitissimo melhor que vocé Ihe dé umas chineladas do que deixa-lo leva um choque elétrico, ou qualquer outro género de choav®- ‘A final de contas, vocé nem sempre est em CO” exis- DIZER “NAO” 31 digdes de mandar trocar todas as tomadas.’’ (Falam ao mesmo tempo) “‘Acho que nao é assim tao facil quanto as pes- soas imaginam ter alguns ‘ndos’ e persistir neles. Acho que se vocé tem um ‘nao’ que parece suficientemente importante e interessante para a crianga isso a deixara fascinada porque se trata do tinico ‘nado’. Veja o caso dos fésforos... elas ficam com a idéia de que os fdsfo- ros sAo a coisa mais interessante que existe na casa to- da, porque sé ouviram dizer ‘ndo’ a respeito deles. Eu acho... bem, eu acho que vamos ter de deixd-las brin- car com fésforos.”’ ‘‘Alguém ja tentou ensinar-lhes a riscar fosforos segurando-os a uma certa distancia...?”” “*.,. mas isso as fascina ainda mais.” “Nao sei, mas penso que é uma excelénte abor- dagem mostrar as criancas 0 que acontece se continua- rem brincando com eles.”’ *“Mesmo ao ponto de queimarem literalmente os dedos?’” “Nao sei... suponho que é um pouco duro, mas se puderem chegar bem perto para se darem conta de que esta quente e poderia ser uma coisa muito doloro- sa, tanto mais que podem aprender de outras coisas o que é 0 calor...” “Sim, eu tive sorte: o meu filho tocou certa vez no secador de toalhas, que estava quente, ele se quei- mou e eu disse: ‘Quente.’ ”’ “O meu segundo filho faz alguma coisa, se ma- chuca e percebe, ou eu presumo que percebe, por que se machucou; mas no dia seguinte esta disposto a fa- zer exatamente a mesma coisa.”’ “‘Estou certa de que é uma questao de tempera- 32 CONVERSANDO COM OS PAIS mento. A minha primeira filha estava com uns 1g Me. ses quando meteu na boca uma por¢ao de bacon quen, te, e eu disse ‘quente’, e dai em diante Crelo que nunca mais voltou a queimar-se. Ela sabe 0 que é “quente’, e tem nao sé muita imaginacao mas também Muito me. do disso. Mas a minha segunda filha € muito diferen. te. Enchia repetidas vezes a boca de bacon quente,» “Ha certas coisas que elas nao podem fazer, mes. mo que nao Ihes causem exatamente qualquer dano, Como o acendedor automatico de uma boca de fogs, a gas. Tudo o que o meu filho tem de fazer é girar 9 botao para acender o gas. Bem, isso nao lhe faz ne. nhum mal, mas pode causar um tremendo de um pre. juizo se houver qualquer coisa colocada sobre o fogio, Ele sabe muito bem que nao deve acender o gas e fica sacudindo negativamente a cabeca enquanto o faz.” (Risos) © “Nao seria esse um momento oportuno para uma boa palmada?”’ ““Nao é essa uma daquelas situagdes em que vocé ja deveria, por certo, estar de sobreaviso, e no momen- to em que ele se acercasse do fogao afasta-lo energica- mente?”’ (Falam ao mesmo tempo) ‘E responsabilidade da mae que uma crianga nado fique perambulando pela cozinha, e isso é tudo. Quer dizer, isso sé pode ser responsabilidade nossa.” “Mas vocé esta lavando e cozinhando!” (Falam a um tempo) “Uma crianga nao pode permanecer indefinida- mente no seu cercado.’’ . “Oh, nao, eu sei, mas eu pensaria que ha um jei- to de contornar quase tudo isso. E com distracdes. Se ela se sente atraida pela chama do gas, vocé Ihe ofere DIZER “NAO” 33 ce alguma outra coisa igualmente atraente mas segu- ra. Acontece a mesma coisa com uma crianga mais ve- tha, vocé tem apenas de lembrar-Ihe o tempo todo que deve colocar 0 cabo da cagarola do lado mais distan- te, para que qualquer crianga mais nova ndo venha e a puxe pelo cabo.”’ ““Nés somos uns felizardos. A nossa sala de jan- tar tem uma porta de comunica¢ao com a cozinha e as criancas tém a sala de jantar como uma espécie de local para brincar, e tento manté-las ai. Mas nao fe- cho a porta. Desde que saibam que eu estou na peca ao lado e que podem me ver se assim quiserem, elas permanecem quase sempre na sala de jantar.”” ““Com que idade?”” “Oh, desde muito cedo, logo que sairam do cer- cado, a partir de um ano, mais ou menos. Vém até a porta para me espiar e depois voltam para a sala com seus brinquedos.”’ “‘Vocés nao acham que estar constantemente de sobreaviso, ter de inventar distragdes, e lembrar-lhes que nao podem fazer isto ou aquilo, nado é uma coisa sumamente cansativa?”’ “Sim.’’ (Falando ao mesmo tempo) ““Somado ao que é uma questo de oportunida- de. E de falta de tempo. Vocé esta tentando fazer mui- tas coisas ao mesmo tempo, esta cozinhando, talvez esteja fervendo fraldas, alguém bate na porta da fren- te e vocé se volta de repente e surpreende o seu garoto brincando com a torneira do gas, ou tentando enfiar na tomada um fio elétrico que esquecemos de guardar na noite anterior. Esse é 0 género de coisas que ocor- rem... nado da para pensar de antemao em tudo.” eK 34 CONVERSANDO COM Os PAIS DWW Espero que esse grupo de maes tenha continuadg a discutir e a trocar opinides em torno de uma xicara de cha. Temos de deixd-las ai. Esta semana, como disse antes, farei apenas um breve comentario geral, e nas duas proximas semanas espero abordar e desenvolver alguns dos pontos suscj. tados. Sempre gostei muito de ouvir esse tipo de coi- sa, quando as pessoas falam de sua especialidade, a mesma coisa quando agricultores falam sobre trigo, e centeio, e batatas, ou quando qualquer artesao fala do seu oficio. Por exemplo, essas mulheres falam da diferenca entre bebés de 24 meses e 3 anos, ou qual- quer outra idade. Elas sabem que imensas mudancas ocorrem de més para més. Aos 12 meses, apenas algu- mas palavras tém sentido para um bebé como palavras, ao passo que aos 24 meses as explicagdes verbais co- mecam a ser um bom modo de comunicac4o e um mé- todo eficiente de coopera¢éo quando ‘‘ndo’’ é 0 que vocé realmente quer dizer. Vemos pela discussao que existem muitas etapas. Eu destacaria trés. Em primei- ro lugar, vocé é absolutamente responsavel o tempo todo. Em segundo lugar, comeca a transmitir ‘‘nio” ao bebé porque esta certa em discernir o alvorecer da inteligéncia e os primérdios da capacidade do bebé para separar 0 que vocé consente do que nao consente. Vo- cé nao esta tentando lidar com 0 certo e 0 errado do ponto de vista moral, esta simplesmente levando ao co- nhecimento do bebé os perigos dos quais o esta prote- gendo. Acho que os “‘ndos’’ maternos se baseiam na idéia de perigos concretos. Lembram-se de como duas maes falaram a respeito do calor? No momento apr0- priado, elas proferiram a palavra ‘“‘quente’’ e assim vin- DIZER “NAO” 35 cularam o perigo a dor. Mas muitos Perigos nao estado ligados 4 dor de um modo tao simples, de forma que o ‘‘ndo’’ tem de ser suficiente até ser alcancada a eta- pa seguinte. Na terceira etapa, ganha-se a cooperacdo da criancga ao oferecer-Ihe uma explicacao. Isso envol- ve a linguagem. ‘‘Nao’’ porque esta quente. ‘‘Nao”’ porque eu digo nao. ‘‘N&o’’ porque eu gosto dessa planta, subentendendo que se a planta for arrancada vocé nao gostara tanto do seu bebé durante alguns minutos. Referi-me a trés etapas, mas essas etapas sobre- poem-se em parte. Primeiro temos aquela fase em que vocé assume plena responsabilidade, de modo que, se algo de desagradavel acontece, vocé se recrimina, e essa fase so se torna obsoleta muito lentamente. De fato, vocé continua assumindo a responsabilidade, mas ob- tém um certo alivio por causa da crescente capacidade da crianca para compreender as coisas. Se essa primeira etapa se converter porventura em coisa do passado, isso significa que o seu filho cresceu 0 bastante para nao necessitar mais do controle da familia, tornando-se um membro independente da sociedade. Na segunda etapa, vocé se impGe e impGe a sua visdo do mundo 4 crianga. Esta fase converte-se na ter- ceira, a da explicagdo, mas 0 ritmo e a maneira como essa conversao se processa dependem tanto da crianga quanto da mae. As criangas sdo tao diferentes umas das outras no modo como se desenvolvem... Podemos abordar esses pontos na préxima semana. Talvez ja te- nham entendido que dizer ‘‘ndo’’ nao é simplesmente dizer “‘ngo’’, 36 CONVERSANDO com os Pals. . Na semana passada, ouviram algumas mies di Cutindo o problema de dizer ‘‘ndo’’; ¢ eu fiz um bres comentario. Esta semana e na proxima falarej a ree peito de algumas coisas em que estive meditando en quanto as ouvia. Mas existe algo que gostaria de dizer € que se relaciona com toda essa discussao. No Mey trabalho, aprendi muito sobre as dificuldades que as maes enfrentam quando nao desfrutam uma posicgo favoravel. Talvez tenham grandes dificuldades pes. soais, de modo que nado podem ter um bom desempe. nho, mesmo quando sdo capazes de ver o caminho; ou tém maridos que esto longe, ou que nao fornecem um apoio adequado, ou que interferem, que sdo até ciu- mentos; algumas nado tém marido mas tém ainda de criar o bebé. E depois ha as que foram colhidas em condi¢des adversas, pobreza, moradia superlotada, vi- zinhanca hostil. A tal ponto que todos esses proble- mas cotidianos as impedem de ter uma visdo mais am- pla do que deveria ser 0 seu papel de mae. E temos ainda aquelas que cuidam dos bebés de outras pessoas. Percebi que as maes que se reuniram aqui para dis- cutir a forma de tratar seus bebés sdo do tipo usual de pessoas saudaveis e bem-sucedidas, e que possuem o senso de seguranga necessario para abordar o verda- deiro problema que significa cuidar de um filho peque no. Sei que a maioria das maes sao como essas que ou- vimos, mas desejo chamar a atengdo para © fato de elas serem felizes, em parte porque perdemos algo t tomarmos a boa sorte por ponto pacifico, € em a porque estou pensando em todas as maes que ie 10 estar ouvindo e so inibidas, infelizes, frustradas, ¢ DIZER “NAO” 37 foram bem-sucedidas; Porque todo mundo quer real- mente se sair bem. Dito isto, lembro-lhes as trés etapas que destaquei no programa anterior. Em primeiro lugar, disse eu, vo- cé é envolvida num processo em que é, de fato, total- mente responsavel pela protecao do bebé. Depois vem um periodo em que pode dizer ‘‘nao’’; e finalmente vem o tempo das explicagées. Gostaria de dizer algumas palavras a respeito dessa primeira etapa em que a mae é plenamente responsa- vel. Vocé estara apta a dizer, depois de alguns meses, que nunca, nem uma unica vez, deixou de atender aos chamados do seu bebé, embora tivesse de ser, é claro, uma pessoa frustradora o tempo todo, porque nao po- dia, e ninguém poderia, satisfazer todas as necessida- des do bebé — uma tarefa que a mae nao tem de reali zar. Nao ha ‘‘ndo’’ nessa primeira etapa; e lembrei- Thes que essa primeira etapa sobrepde-se em parte as etapas subseqiientes; ela prossegue até o momento em que seu filho cresceu o suficiente para tornar-se inde- pendente do controle familiar. Vocé fara coisas horri- veis, mas ndo creio que tenha em nenhum momento deixado de atender ao seu filho, nao se estiver ao seu alcance ajuda-lo. Na fase seguinte, a que chamei a etapa dois, come- ¢a a aparecer 0 ‘‘ndo’’. Vocé transmite um ‘‘nao”’ de uma forma ou de outra. Talvez diga apenas ““Brhhhhh’’. Ou franza o cenho. Ou torc¢a o nariz. Ou o uso da pala- vra ‘‘ndo”’ constitui um bom método, a menos que 0 bebé seja surdo. Penso que se vocé é uma pessoa feliz encontrara facilmente como colocar esse negdcio do “‘ndo’’ numa base pratica, estabelecendo um modo de vida que se coadune com o seu e com 0 mundo a sua 38 CONVERSANDO COM OS PAIS volta. As mes infelizes, por causa de sua propria jn. felicidade, podem ser propensas a exagerar o lado ¢q. rinhoso do trato com 0 bebé e, por vezes, dizem Nag apenas porque andam irritaveis. Mas isso é irremedig. vel. E temos em seguida a etapa trés, a que chamo a fase das explicacdes. Algumas pessoas sentem um gran. de alivio quando podem, finalmente, falar com a crian. ca e esperar ser entendidas, mas estou dizendo que a base de tudo é certamente 0 que aconteceu antes, Gostaria de lembrar-lhes agora a parte da discus. sdio em que uma das maes disse que foi introduzindo os ‘‘ndos’’ um de cada vez. Penso que o detalhe im- portante é que ela tinha bem claro em seu espirito 0 que permitiria e o que nao permitiria. Se ela propria estivesse confusa, o bebé teria perdido algo sumamen- te valioso. Oucam agora um fragmento da conversa das maes: MAES “Acho que tudo depende de vocé nao ter um ni- mero excessivo de coisas a cujo respeito tenha de di- zer ‘nao’. Quer dizer, quando 0 nosso primeiro bebé era muito pequeno, havia duas coisas a que diziamos ‘ndéo’. Uma era algumas plantas que tinhamos no /i- ving e nao queriamos que fossem arrancadas, ¢€ a S¢- gunda eram fios elétricos, pois havia uma por¢ao de- les pela casa. Diziamos ‘nao’ a respeito dessas coisas: quanto ao resto... se havia qualquer coisa que ele Pu- desse estragar, tudo o que faziamos era coloca-la fora do seu alcance.”” “E a coisa mais sensata a fazer.’ (Falando ao mesmo tempo) ‘“Essas eram sempr ‘ndo’. O resto nado era. De modo que, quando voce OIZER “NAO” =. 399 dizia um novo ‘nao’ para algo que vocé sabia que, por alguma razao, a crianga nao entendia, ela nao se im- portava.”” “Eu também comecei assim com 0 meu, com 0 mesmo €xito.’’ Dww Somos aqui informados sobre a capacidade de uma mae de adaptacdo a necessidade do bebé de uma iniciagéo sem complicagées a algo que deve necessa- riamente ir ficando cada vez mais complexo. O bebé tinha dois ‘‘naos’’ no come¢o, e depois outros foram adicionados, sem duvida, e nado ocorreu uma desne- cessdria barafunda. Recordemos, agora, o modo como uma palavra foi usada antes que a explicacao pudesse ser dada em palavras. Neste fragmento, a palavra ‘‘quente’’ coloca- nos exatamente entre as etapas dois e trés, como as chamei. MAES. “‘Mesmo ao ponto de queimarem literalmente os dedos?”’ “‘Nao sei... suponho que é um pouco duro, mas se puderem chegar bem perto para se darem conta de que esta quente e poderia ser uma coisa muito doloro- sa, tanto mais que podem aprender de outras coisas © que é 0 calor, “Sim, eu tive sorte: o meu filho tocou certa vez no secador de toalhas, que estava quente, ele se quei- mou e eu disse: ‘Quente.’ ”” “O meu segundo filho faz alguma coisa, se ma- chuca e percebe, ou eu presumo que percebe, por que 40 —_ CONVERSANDO CoM OS PAIS se machucou; mas no dia seguinte esta disposto a fa. zer exatamente a mesma Colsa. . “Estou certa de que é uma questao de tempera. mento. A minha primeira filha xe com UNS 18 nye. ses quando metcu na boca uma poreso de bacon quen, te, ecu disse ‘quente’, ¢ dai em diante creio due Nunca mais voltou a queimar-se. Ela sabe 0 que ¢ duente, e tem ndo sé muita imaginagao mas também Muito me. do disso. Mas a minha segunda filha € muito diferen. te. Enchia repetidas vezes a boca de bacon quente» “HA certas coisas que elas nao podem fazer, mes. mo que ndo Ihes causem exatamente qualquer dano, Como o acendedor automatico de uma boca de fogig a gas. Tudo o que o meu filho tem de fazer é girar 0 botao para acender o gas. Bem, isso nao lhe faz ne. nhum mal, mas pode causar um tremendo de um pre- juizo se houver qualquer coisa colocada sobre o fo- gao. Ele sabe muito bem que nao deve acender o gas e fica sacudindo negativamente a cabeca enquanto o faz.’’ (Risos) “Nao seria esse 0 momento oportuno para uma boa palmada?”’ DWW .. Bem, talvez fosse. Pelo modo como essas maes falam, pode-se perceber que é na vivéncia de momen- to a momento que todo o trabalho importante é feito. Nao ha li¢des nem prazo estabelecido para aprender. A licdo chega com 0 modo como as pessoas envolvi das se descobrem reagindo. 5 4 pours Tepetir, porém, que nada absolve a mae le © bebés ¢ criancas pequenas de sua tarefa de eter” vigilancia, DIZER "NAO" = 41, MAES “Esta certo, quando vocé volta para casa das com- pras, a crianga apanha 0 saco de arroz — se vocé im- prudentemente tiver deixado ao seu alcance — e der- rama-o pelo chao todo.” (Risos) ‘‘A crianga nao foi levada, vocé é que foi estupida. Quer dizer, quando a minha filha faz isso, eu percebo que quanto mais de- pressa voltarmos para a caixa de areia, onde ela pode — vocés sabem — derramar tudo o que quiser, me- Thor sera para nos.”” DWww Sim, foi culpa dela se o arroz foi todo derramado, sem duvida! Mas conjeturo que, mesmo assim, ela fi- cou muito irritada! As vezes, é apenas uma questdo de arquitetura, o modo como os varios cémodos da casa estdo dispostos ou a colocagao de um painel de vidro na porta entre a cozinha e o quarto de brincar das criancas. MAES “‘Nés somos uns felizardos. A nossa sala de jan- tar tem uma porta de comunicac4o com a cozinha e as criancas tém a sala de jantar como uma espécie de lo- cal para brincar, e tento manté-las ai. Mas nao fecho a porta. Desde que saibam que eu estou na pega ao la- do e que podem me ver se assim quiserem, elas perma- necem quase sempre na sala de jantar.”” “Com que idade?”’ “Oh, desde muito cedo, logo que sairam do cer- cado, a partir de um ano, mais ou menos. Vém até a Porta para me espiar e depois voltam para a sala com seus brinquedos.”” 42 CoNveRSANDo com os Pals DWw Sim, ela teve sorte, nao é verdade, com 9 mo como sua casa estava dividida? ° E depois ouvimos falar da tensdo que a eterna yj gilancia causa nas maes. Isso é especialmente Verda. deiro, penso eu, quando a mulher, antes de Casar, 1. nha um emprego regular, de modo que ela conheyi, a satisfagdo que a maioria dos homens sentem eM sey trabalho, a de poderem concentrar-se no que fazeme depois voltar para casa e relaxar. Nao é 0 mundo um pouco injusto com as mulheres a esse respeito? Ouca. mos 0 que o grupo tem a dizer sobre isso. MAES “‘Vocés nado acham que estar constantemente de sobreaviso, ter de inventar distragdes, e lembrar-lhes que nao podem fazer isto ou aquilo, nado é uma coisa sumamente cansativa?”’ “Sim.” (Falando a um tempo). “‘Somado ao que é uma questao de oportunida- de. E de falta de tempo. Vocé esta tentando fazer mui- tas coisas ao mesmo tempo, esta cozinhando, talvez esteja fervendo fraldas, alguém bate na porta da fren- te e vocé se volta de repente e surpreende o seu garoto brincando com a torneira do gas, ou tentando enfiar na tomada um fio elétrico que esquecemos de guardar ha noite anterior. Esse é 0 género de coisas que ocor- Tem... nao dd para pensar de antemao em tudo.” Dww Nao, certamente que nao da. Felizmente, a ete!” na vigilancia nao é eterna, ainda que o pareca. Dura apenas por um tempo limitado para cada crianca. Lo 80 comeca a dar os primeiros passos, ja esta indo pat DIZER “NAO” = a escola, e a vigilancia passa ento a ser dividida c as professoras. Contudo, ‘‘nao”’ continua sendo uma palavra importante no vocabulario dos pais, e proibir continua sendo uma parte do que maes e pais se veem constantemente fazendo até que cada filho, a sua pro- pria maneira, se emancipe do controle parental e esta- beleca um modo pessoal de vida e de existéncia. Mas ha algumas coisas importantes nessa discus- sdo a que eu ainda nao tive tempo de referir-me, de modo que fico contente por ter a oportunidade de con- tinuar na proxima semana. Il Esta semana continuarei examinando o dizer “ndo’”’ no relacionamento dos pais com seus bebés e criancas. Procederei como antes e falarei acerca de trés etapas, porque esse € um modo conveniente de abor- dar e desenvolver 0 tema de quando e como dizer ““ndo’’ e por qué. Quero descrever de novo as trés eta- pas mas numa linguagem algo diferente, de modo que nao importa se nado ouviram a palestra da semana pas- sada ou se esqueceram tudo a respeito. Disse dessas trés etapas que se sobrepdem parcial- mente. A etapa um ndo termina quando a etapa dois comega, e assim por dianie. A etapa um tem lugar an- tes que vocé diga n4o; o bebé ainda nao entende, e vo- cé tem o controle absoluto, e deve té-lo. Vocé assume plena responsabilidade, uma responsabilidade que vai diminuindo mas sé termina quando o filho atingiu a idade adulta, quer dizer, quando acabou a necessida- de dos controles que a familia fornece. 44 CONVERSANDO COM OS PAIS Isso a que chamo a primeira etapa Pertence rea), mente a atitude parental, co pai (se ele existe © se ests por perto) em breve participa na estruturacao e Many. tengdo dessa atitude parental. Falarei mais adiante qa, duas etapas seguintes; elas estado relacionadas com ba. lavras e a primeira etapa nada tem a ver com palayray Assim, no comego, a mde, em breve ambos os pais, Pas. sam aincumbir-se da tarefa de impedir que coisas ines. peradas acontecam. Podem fazer isso deliberadamen. te, mas isso acontece principalmente quase que em seus préprios corpos; é todo um modo de comportamentg que reflete uma atitude mental. O bebé sente-se seguro e absorve a confianca da mae em si mesma, como se estivesse ingerindo leite. Durante todo esse tempo os pais estéo dizendo ‘‘nao’’, estéo dizendo ‘‘nao”’ ao mundo, dizem ‘‘nao’’, nado se aproxime, fique fora do nosso circulo; no nosso circulo esta a coisa que é obje- to do nosso desvelo e nado permitimos que nada ultra- passe essa barreira. Se um dos pais fica assustado, en- tao algo cruzou a barreira e faz mal a crianga, tanto quanto se um ruido terrivel a tivesse penetrado e pro- vocado no bebé uma sensacao insuportavel. Durante os bombardeios aéreos, os bebés nao tinham medo do estrondo das bombas mas eram imediatamente afeta- dos quando as maes entravam em pAnico. Mas a maio- tia das criangas pequenas supera os primeiros meses d¢ vida sem nunca ter sofrido algo dessa ordem, € quando finalmente © mundo tem de atravessar as barreifas ? crianga em crescimento j4 comecou a desenvolver seus meétodos para lidar com o inesperado e é até capa? ' . comegar a prevé-lo. Poderiamos falar sobre as oes defesas que a crianga em desenvolvimento adquit®, ae Isso seria toda uma outra discussao. OIZER “NAO” 45 Dessa primeira etapa, na qual os pais se supdem responsaveis, resulta o sentimento de responsabilida- de parental — aquilo que distingue os pais dos filhos e talvez torne sem sentido 0 jogo que algumas pessoas gostam de jogar, por meio do qual mae e pai esperam ser apenas ‘‘bons camaradas’’ de seus filhos. Mas as mies tém de ser capazes, afinal, de comegar a permi- tir que suas criangas conhecam algo dos perigos con- tra os quais as protegem, e que também saibam que espécie de comportamento afetaria o amor e as prefe- réncias maternas. Assim, as maes descobrem-se dizendo “‘nao”’. Podemos agora ver 0 inicio da segunda etapa, quando em vez de dizer ‘‘ndo’’ ao mundo em redor a mae diz ‘‘ndo’’ ao seu filho. Isso tem sido descrito como a introdugao do principio de realidade mas nao importa que nome se lhe dé; a mae com seu marido apresentou gradualmente o bebé a realidade e a reali- dade ao bebé. Uma das formas é através da proibicao. Ficarao contentes por ouvir-me dizer isto, que dizer “‘ndo’’ é uma das formas, porque a proibicdo é ape- nas uma de duas alternativas. A base de ‘‘nado’’ é “‘sim’’, Existem bebés que foram criados na base do “‘nao’’. Talvez a mae sinta que a seguranca reside uni- camente em assinalar inimeras situacdes de perigo. Mas é lamentavel quando a crianga tem de travar co- nhecimento com o mundo desse modo. Uma grande quantidade de bebés pode usar 0 outro método. Seu mundo em expansdo tem uma relacdo com o crescente numero de objetos e espécies de objetos a cujo respei- to a mae pode dizer ‘‘sim’’. O desenvolvimento da Crianga, nesse caso, tem muito mais a ver com 0 que a mae permite do que com o que ela proibe. ‘‘Sim”’ 46 CONVERSANDO COM OS PAIS forma o background ao qual 0 ‘‘nao’’ é adicionadg Isso, é claro, nao pode abranger inteiramente o 7 tem de ser feito; é meramente uma questao de sabe, se a crianga esta se desenvolvendo de acordo com uma ou outra orientacao principal. Os bebés podem ser sy, mamente desconfiados desde os primeiros dias, e de. vo lembrar-Ihes que ha todo o tipo de bebés; mas g maior parte deles sao capazes de confiar em suas mies, por algum tempo, pelo menos. De um modo geral apanham coisas e alimentos que tém a aprovacao da mae. Nao é verdade que a primeira etapa € em seu to. do um grande “‘sim’’? E “‘sim’’ porque vocé nunca fal- ta ao bebé, nunca o decepciona. Nunca se equivoca realmente na sua tarefa geral. Isso é um grande e taci- to ‘‘sim’’ e confere uma base solida para a vida do be- bé no mundo. Sei que a coisa é mais complexa. A crianca nao tardard muito em tornar-se agressiva e em desenvol- ver idéias destrutivas, e é entao natural que a facil con- fianca do bebé em sua mae sofra alteracées, e que ela, por vezes, nao se sinta nada amistosa em seu trato com ele, embora sua personalidade permaneca a mesma. Mas nao precisamos lidar aqui com esse género de com- plicacdo, pois temos muito sobre que refletir quando nos damos conta da rapidez com que o mundo se tor- na complexo na realidade, na realidade externa. Por exemplo, a mae tem um conjunto de ‘“‘nao faga’’s avo prestimosa tem um outro, ou pode haver ainda uma babd. Além disso, as maes nao sao cientistas; ali- mentam toda a espécie de crencas que nao poderiant ser provadas. E possivel encontrar uma mae qu° i exemplo, teme que qualquer coisa verde seja aan sa e que, portanto, nao deve ser levada a boca." DIZER “NAO” = como vai um bebé saber que um objeto verde é vene- noso ¢ um amarelo é encantador? E se 0 bebé for dal- tonico? Conhe¢go um bebé que foi Cuidado por duas pessoas, uma canhota e a outra manidestra, e isso era demé De modo que podemos esperar complicagdes mas, seja como for, as crian¢as pequenas superam-nas e ingressam na terceira etapa de explicacao; elas po- dem ent&o comegar a reunir sabedoria extraida do re- pertorio de nossos conhecimentos; podem aprender o que pensamos que sabemos, e o melhor de tudo é que estéo agora muito perto de serem capazes de discor- dar das razes que damos. Para recapitular 0 que estive expondo, no princi- pio €é uma questao de cuidado materno e dependéncia do bebé, algo como fé. Depois é uma quest4o de mo- ral; a versdo de moralidade da mae subsiste até que a crianga desenvolva uma moralidade pessoal. E de- pois, com as explicagGes, existe finalmente uma base para a compreensdo, e compreensfo é ciéncia e filoso- fia. Nao é interessante vislumbrar os primdrdios de grandes coisas como essas ja nessa fase inicial? Uma palavra mais acerca do ‘‘nao’’ de uma mae. Nao é esse o primeiro sinal de pai? Em parte, os pais sdo como mies e podem ficar tomando conta do bebé e fazer todo o género de coisas como uma mulher. Mas como pais parece-me que eles aparecem pela primeira vez no horizonte do bebé como aquele aspecto inflexi- vel na mae que a habilita a dizer ‘‘ndo”’ e a sustentar a negativa com firmeza. Gradualmente, e com sorte, esse principio do ‘‘nao’’ passa a estar consubstancia- do no préprio homem, o Papai, que passa a ser ama- do € podera aplicar a ocasional palmada sem perder nada. Mas ele tem de merecer 0 direito a dar palma- 48 CONVERSANDO CoM Os PAIS das se pretender da-las, e para adquirir esse direito de. vera fazer coisas como ter uma presen¢a assidua No lar e nao estar do lado da crianca contra a mae. No co. Mego, vocés podem nao gostar da idéia de consyp.. tanciar o ‘‘nao’’; mas talvez aceitem © que Pretendg dizer quando lembro que as criangas Pequenas 20stam que se lhes diga ‘‘nao’’. Elas nao gostam de lidar sem. pre com coisas amenas e macias; também gostam de pedras, paus e chao duro, e gostam que se lhes digg quando devem cair fora, tanto quanto de serem mi- madas.

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