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Uma Filosofia Biblica para o Ministério de Aconselhamento: entrevista com Steve Viars! David Powlison DP: Steve, vou comecar com uma per- gunta pessoal. Voce é um crente em Jesus Cristo. Como isso aconteceu? SV: Cresci em uma igreja muito boa em Gary, Indiana. Certa vez, meu pai olhou para minha mie ¢ disse: “Precisa- mos colocar nossos filhos na igreja”. Pas- samos a frequentar, entio, a igreja mais proxima da nossa casa, DP: Quantos anos voce tinha? SV: Naquela época, eu estava com quatro anos de idade. Nao sei 0 quanto meus pais sabiam sobre denominagées ou sobre a Biblia, mas a igreja mais proxima da nossa casa era a Grace Baptist Church (Igreja Batista da Graca). Na providéncia de Deus, aquela igreja era pastoreada por Bill Goode. Bill conheceu-me desde cri- "Tradugio © adaptagio de A Nouthetic Philosophy of Ministry. Publicado em The Journal of Biblical Counseling, .20, n.3, Spring 2002. p. 26-37. anga. Portanto, quando ele me contratou como pastor assistente, varias décadas mais tarde, ele sabia o que estava fizendo, Eu tam- bém tinha uma boa ideia do homem com quem iria trabalhar lado a lado, 0 que acre- dito ser uma das raz6es por que trabalha- mos téo bem juntos. Grace Baptist Church era uma boa igreja, proclamadora fiel do evangelho, mas creio que s6 assumi um com- promisso pessoal com Cristo no ultimo ano do ensino médio. Minha familia mu- dou-se de Gary para um dos subtirbios de classe mais privilegiada. Comecei a me relacionar com pessoas que tinham mais recursos financeiros e acabei me envolven- do em algumas atividades pecaminosas relacionadas a isso. Busquei popularida- de, riqueza ¢ as atrages do mundo. Mas quanto mais eu estava cercado por tudo aquilo, ¢ observava aquelas pessoas, mais desagradével tudo se tornava. Naquela época, cu tinha um emprego como caddie” NDT: rapaz que leva os tacos € outros objetos no jogo de golfe. Coletinea de Aconsethamento Biblico * Volume 3 ul em um clube de campo, 0 que me possi- bilitou vislumbrar 0 mundo daqueles que possufam uma abundancia de recursos fi- nanceiros. A medida que eu escutava aque- las pessoas falarem de suas esposas, seus trabalhos e suas perspectivas de vida, aqui- lo tudo se tornou repugnante para mim. Continuamos a frequentar a igreja em Gary, embora mordssemos no subtirbio, ¢ fiquei dividido entre aqueles dois mun- dos. Havia uma contradigao entre 0 que eu estava ouvindo na igreja e 0 que estava buscando no mundo, e o mundo tornava- -se cada vez menos atraente para mim. No ultimo ano do ensino médio, fui convidado para ir a um torneio de bas- quetebol com um grupo de jovens em Chattanooga, Tenessee. O Espirito Santo estava realmente trabalhando em minha vida. Eu sabia que nao era salvo, mas nao sabia exatamente o que fazer a respeito disso. Conversei com um pastor de jovens que me mostrou varias coisas nas Escritu- ras € terminou a conversa com IJoao 5.13: “Estas cousas vos escrevi a fim de saberdes que tendes a vida eterna, a vés outros que credes em 0 nome do Filho de Deus”. Ele me perguntou abertamente: “Vocé tem certeza de que possui a vida eterna?” Eu tomei a decisio de conhecer a Cristo ali mesmo. Voltei para minha igreja e profes- sei minha fé em Cristo publicamente. Fui batizado ¢ a igreja alegrou-se comigo. Aquele acontecimento teve um significa- do maior. A forma com que aquele pastor de jovens conduziu-me do meu estado de medo e divida para as Escrituras causou- -me forte impacto. Ele respondeu minhas perguntas sempre apontando para a im- portincia da fé. Saf daquela experiéncia pensando que eu gostaria de ser capaz de usar as Escrituras para ajudar outras pes- soas de uma forma semelhante. DP: As Escrituras satisfazem as pesso- as em suas necessidades especificas. SV: Exatamente. Nao que eu nunca tivesse ouvido as Escrituras antes. Eu par- ticipava de uma igreja muito boa, mas nao estava ainda preparado para aquela deci- so. Quando Deus me levou a estar pron- to para ouvir, houve uma pessoa que foi muito habil em responder minhas pergun- tas ¢ me mostrar a verdade da Palavra de Deus. A Palavra penetrou meu coragao como uma faca afiada. Entéo pensei que eu gostaria muito de poder dedicar mi- nha vida para levar pessoas & cruz, a ver- dade das Escrituras, assim como aquele homem fez comigo em 29 de dezembro de 1977. DP: Desde entao, passou-se quase um quarto de século. Dé-nos uma descrigao do que este relacionamento com Cristo, esta verdade, significa apés vinte ¢ cinco anos de vivéncia ¢ experiéncia. Quem é Cristo para vocé? O que a Sua verdade sig- nifica? SV: Quando penso nestes vinte ¢ cinco anos que se passaram, meu relacionamento com Cristo é 0 que tenho de mais precioso. Procuro comegar cada dia agradecendo a Deus por quem Ele é ¢ pela salvacio que posso gozar por meio de Cristo. Se eu tivesse a oportunidade de escolher novamente € to- mar uma decisao diferente, eu nao o faria. Sou téo grato a Deus pela alegria que existe em conhecé-IO, pela aventura de crescer em Cristo, pela verdade que Deus nos deu em Sua Palavra para nos guiar, e agora pelo pri- vilégio de ser capaz de compartilhar esta ver- dade com outros em uma variedade de ce- narios ministeriais. Quero ajudar outros a conhecerem a Cristo assim como aquele 12 Coletinea de Aconselhamento Biblico @ Volume 3 pastor ajudou-me a conhecé-O. Ele me deu um grande presente vindo do Pai celestial, mas entregue humanamente por meio de suas palavras. Eu também quero estar na posigao de entregar a verdade a muitas pes- soas, aproveitando as oportunidades que Deus me der. DP: Dé-nos um breve relato de como vocé se tornou um pastor. SV: Nao muito tempo depois de ter conhecido a Cristo, tive que tomar uma decisio sobre o que fazer da minha vida. Antes de conhecer a Cristo, eu queria ser um dentista, queria ganhar muito dinhei- ro. Eu ja tinha até um esbogo de como seria meu consultério! Eu sabia 0 tipo de carro que queria dirigir. DP: E sabia a que clube de campo voce queria pertencer. SV: Exatamente. Nao que haja algo ne- cessariamente pecaminoso nessas coisas, mas Deus colocou em meu coracio um desejo profundo de ser um pastor. Acho interes- sante que 1Timéteo 3.1 — “Se alguém aspi- ra ao episcopado, excelente obra almeja” — use a palavra epithumia. Embora eu nunca a tenha visto traduzida desta forma, a énfase é dlaramente um desejo profundo. Este dese- jo estava em meu corac4o ndo muito depois que conheci a Cristo. Eu ansiava por ser um pastor. Pedi que a igreja local me avaliasse ¢ ajudasse a determinar se eu era ou nao cha- mado para ministério. Ao final de meu iltimo ano do ensino médio, se vocé me perguntasse 0 que cut queria fazer na vida, esta seria a resposta. Daquele ponto em di- ante, toda minha formagio académica e 0 meu treinamento foram especificamente planejados para me ajudar a me tornar um pastor. E mesmo verdade que estou vivendo meu sonho. Digo isto as pessoas 0 tempo todo. Nao existe nada que eu preferisse fazer ou ser. Vejo como um privilégio fabuloso e irresistivel servir como pastor em uma igreja local. Muitas vezes cruzo a porta do meu escritério agradecendo a Deus por esta hon- ra e oportunidade. DP: Um pastor pode ser definido de varias maneiras. Qual a definigéo que me- thor capta 0 que vocé esta fazendo? SV: A palavra “pastor” retine para mim toda uma variedade de atividades. Gosto de pregar € de preparar sermoes, mas isso € apenas parte do que faco. Também gos- to de pastorear pessoas no contato um a um e em pequenos grupos. Nao creio na “primazia da pregacao”, mas na primazia do ministério da Palavra de Deus. Isso me dé a oportunidade de pastorear sete dias por semana. Nao é algo que faco apenas nas manhas de domingo. Ministro a Pala- vra de Deus a pessoas nos mais variados tipos de ministério ao longo de toda a se- mana. E uma funcao pastoral, em que encontro grande prazer. DP: Como é isso? SV: Posso dar um exemplo que acon- ceceu duas semanas atris. Eu estava pre- gando sobre a vida do apéstolo Pedro — uma oportunidade fabulosa de percorrer sua vida cronologicamente. O desafio do serméo de domingo comeca com fazer uma exegese correcta do texto biblico ¢ depois pensar na aplicagéo apropriada para todas as pessoas que ouvirio a mensagem. Es- forco-me para encontrar aplicagées da Coletiinea de Aconsethamento Biblico * Volume 3 13, Palavra de Deus que sejam corretas, apro- priadas ¢ desafiadoras. Nunca sei com cer- teza 0 pano de fundo de todos quantos chegam a igreja no domingo, o que as pes- soas tém vivido, pelo que elas tém passa- do, mas me esforgo 0 quanto posso para fazer do sermio algo pritico, especifico ¢ relevante. Durante todo 0 processo, con- fio no Espirito Santo para completar a obra. No dia seguinte, enquanto eu trabalhava com minha esposa do lado de fora da igre- ja, levantei os olhos ¢ vi uma mulher de pé na calcada. Nao havia muito tempo que cla estava frequentando nossa igreja. Ela disse: “Pastor Viars, eu gostaria de falar com o senhor sobre 0 sermao de ontem. Seria possivel?” Agendamos um encontro para o final daquele dia, aproveitando um horatio vago em minha agenda de aconse- lhamento. Ela me disse: “Escutei 0 que 0 senhor nos disse da Palavra de Deus. Ago- ra posso lhe contar o que esta acontecendo em minha vida? Poderia me ajudar a unir as duas coisas?” Ela me contou as lutas e as dificuldades especificas que estava pas- sando, Também trouxe seu marido para ajuda-la a contar a histéria. Depois de escuté-la cuidadosamente e fazer pergun- tas, fui capaz de ajudé-la a aplicar especi- ficamente & sua situacao aquilo que eu ti- nha pregado no dia anterior. Desde en- tao, temos feito isso a cada semana, em um relacionamento de aconselhamento. Ela e seu marido disseram recentemente: “Reconhecemos que estamos crescendo mais rapidamente do que nunca. E tao maravilhoso poder sentar no domingo ¢ ouvir a Palavra pregada, e entio vir aqui as segundas-feiras, contar ao senhor 0 que est acontecendo em nossas vidas ¢ receber aju- da para aplicé-la. Estamos cientes de que chegaremos a um ponto em que teremos maior habilidade para fazé-lo prontamente por nés mesmos ou em um grupo de dis- cipulado na igreja. Mas agora é muito til ter um encontro com o senhor no domingo outro na segunda-feira.” A ver- dade € que embora eu ame 0 que faco no domingo, tenho igual alegria no que fago na segunda-feira. DP: Costumo dizer aos meus aluno: “Nao ha nada que se compare & alegria de ver uma vida crescer diante de seus olhos”. Voce nio percebe este crescimento se tudo quanto faz resume-se ao seu tempo de es- tudo e ao piilpito. SV: Creio que em certo sentido este trabalho ajuda-me a me tornar mais efeti- vo no domingo seguinte. Se tenho o pri vilégio de aconselhar pessoas e conhecer as situagées diferentes que estao enfren- tando, os tipos de pergunta que fazem € as lutas que passam, isto leva-me de volta ao Senhor ¢ as Escrituras. Quando estou preparando uma mensagem, 0 aconselha- mento ajuda-me a pensar de um ponto de vista que eu nao teria ganhado de ou- tra forma. O aconselhamento pode ser dificil, desafiador e frustrante algumas ve- zes, mas pessoalmente preciso deste tipo de desafio ¢ frustragio porque ele me leva de volta & Palavra e me ajuda a estudar os textos biblicos de forma que eu nao estou certo se teria motivacao para fazer nao fosse © aconselhamento. Existe um relaciona- mento sinérgico entre aconselhamento ¢ pregacdo. Um faz com que o outro seja melhor. DP: Vocé mencionou os sofrimentos, as provacses ¢ as dificuldades que 0 direcionam para a Palavra. Dé um exemplo. 14 Coletinea de Aconsethamento Biblico ¢ Volume 3 SV: As segundas-feiras trazem sempre uma variedade de experiéncias. E dia de aconselhamento. Nao sei se ja tive algu- ma segunda-feira em que cada um dos aconselhados que encontrei estivesse indo mal. Também nao sei se ja tive alguma segunda-feira em que todos estivessem indo bem. O aconselhado das trés da tar- de pode estar progredindo bem, mas o das quatro da tarde pode ter tido uma semana horrivel. Alegre-se com os que se alegram, € chore com os que choram. Pessoas tém lutas frustrantes. O pecado ¢ terrivel e afeta nao somente o aconselhado, mas também © processo de aconselhamento. Surpreen- do-me pensando nessas situaces durante © restante da semana. De fato, costumo dizer as pessoas que nunca corto a grama do meu jardim sozinho! Levo duas horas ¢ meia para cortar a grama, ¢ meus aconse- Ihados sempre estio comigo no sentido de que penso neles, oro ¢ planejo. Algumas vezes, para ser franco, preocupo-me com eles. Percebo que pensar ¢ orar pelas pessoas que aconselho ajuda-me a estar preparado para trabalhar com elas no encontro seguin- te. Também me ajuda a preparar estudos biblicos e sermées para grupos maiores de pessoas. DP: O aconselhamento biblico tem recebido criticas. Alguns comentam que 0s pastores nao estio equipados para lidar com os casos dificeis, nao rém tempo sufi- ciente, paciéncia, habilidade para investi- gar ¢ ferramentas para ajudar. Também dizem que cles sio bons em proclamar, mas nao em conversar. Como que vocé respon- de a este tipo de critica? SV: Estou convicto de que as nossas fraquezas ¢ imperfeigées tém contribuido para esse tipo de criticas. Existem tantas coisas em que eu nio sou bom que me surpreende pensar que Deus possa me usar no ministério. Muitos pastores que conhe- go gastam horas ¢ horas cada semana ou- vindo e falando com pessoas. Podemos nio ser perfeitos, mas estamos bem treinados nisto. Eu diria também que se um pastor esté tentando modelar seu ministério de acordo com os principios do Novo Testa- mento, a exemplo do apéstolo Paulo em Atos 20, ele precisa ministrar a Palavra de Deus “publicamente e também de casa em casa....a cada um”, Se nao nos mostramos habilidosos na conversa, é porque nio ado- tamos a abordagem biblica de ministério. Se seguirmos as instrugées que 0 Novo Testamento dé aos pastores, cumpriremos ambas as tarefas. DP: E quanto & parte da critica que diz: “Esté bem, eu concordo com vocé. Mas 0 que fazer com os casos dificeis? Eles estéo além do seu alcance.” Como vocé responderia? SV: Creio que todo problema de acon- selhamento ¢ um problema teoldgico. Tam- bém creio que nao existe outra fonte de verdade mais profunda do que a Palavra de Deus. Se estudamos fielmente as Escritu- ras ¢ tentamos aplicé-las ao coragao ¢ a vida das pessoas, na dependéncia do poder do Espirito Santo, nao hé nada mais profun- do. Creio que a acusacio de que este aconse- thamento é superficial é ofensiva ao Espirito Santo de Deus. Dependemos do poder, da sabedoria ¢ da capacitacio de Deus. Nio existe nada mais profundo ou essencial do que isso! Podemos melhorar? Claro que sim, mas eu continuaria a utilizar meu treina- mento teolégico ¢ a experiéncia pastoral, a suficiéncia da Palavra de Deus, 0 poder capacitador do Espirito Santo, os recursos Coletinea de Aconsethamento Biblico * Volume 3 15 do Pai celestial e 0 trabalho de intercessio de Jesus Cristo como meus recursos todos os dias! DP: Aplique a uma situagao especifi- ca aquilo que vocé acabou de dizer. Por exemplo, as criticas apontam que, embo- ra a Biblia seja um grande recurso para as “quest6es espirituais”, a salvagéo ¢ 0 con- forto, ela ndo se dirige aos problemas difi- ceis com que as pessoas lidam atualmente como, por exemplo, os abusos sexuais, os vicios ¢ os transtornos da personalidade. Como vocé responderia, Steve? SV: Essencialmente, todo problema nao orginico que alguém possa levantar & um problema do coragéo. A Palavra de Deus esta repleta de informagées sobre 0 coragao. A palavra coragao é utilizada 726 vezes na Biblia. Os pastores tém investido tempo para estudar cada um de seus usos. Temos trabalhado exegeticamente em cada caso para tentar entender 0 que as Escri- turas dizem sobre 0 homem interior e 0 coragdo. Ninguém oferece uma compre- ensio melhor do coragio do que as Escri- turas. Nenhum ser humano ou conjunto de seres humanos pode me oferecer uma verdade mais excelente sobre 0 homem interior. Estamos diante de uma questao de epistemologia ou fonte de verdade - como vocé se propée a adquirir conheci- mento. A Escritura é “viva, e eficaz, e mais cor- tante do que qualquer espada de dois gu- mes, e é apta para discernir os pensamen- tos € propésitos do coracao”. Qualquer abordagem de aconselhamento que nio use a Palavra de Deus como sua fonte epistemolégica seré superficial. Precisei tomar uma deciséo em meu treinamento académico. Daria énfase a um treinamen- to nos sistemas seculares ou a um treina- mento na verdade biblica ¢ teoldgica? Par- tindo de um ponto de vista epistemolégi- co, escolhi o iiltimo ¢ dou gracas a Deus por té-lo feito. Muitas vezes, caminho do centto de aconselhamento até o meu carro dizendo: “Senhor, obrigado por ter-me fei- to um conselheiro biblico”. Tantas coisas poderiam ter acontecido nos encontros durante aquele dia, mas somente a sabe- doria das Escrituras foi capaz de ajudar as pessoas. Esta foi a tinica maneira de receberem esperanga, direcao, esclareci- mento, entendimento ou perspectiva. Se eu tivesse sido treinado academicamente nas teorias inconstantes de homens, creio honestamente que teria desistido ha mui- to tempo. Se nio tiverem uma confianga forte na fonte de verdade que usam, os conselheiros podem ficar desencorajados muito rapidamente. DP: Como vocé se envolveu no acon- selhamento biblico? SV: Estudei em uma boa faculdade biblica e sou muito grato pelo treinamen- to recebido em Iinguas originais, teologia, exegese etc. Depois fui para 0 seminario, pensando que seria importante um treina- mento adicional. Até aquele ponto, eu nao tinha nenhum interesse em aconselhamen- to. Pensava que gastaria minha semana no escritério, preparando excelentes sermées para pregar aos domingos. Entao, por volta da metade do curso, alguns amigos disse- ram-me que iriam participar de um pro- grama de treinamento em aconselhamen- to em uma igreja local. Pensei que fosse mais uma novidade, até descobrir que a igreja de que eles estavam falando era 16 Coletinea de Aconselhamento Biblico * Volume 3 pastoreada por Bill Goode. O pastor Goode tinha mudado para Lafayette quan- do eu era ainda adolescente. Haviamos mantido algum contato, mas nao tao pré- ximo. Ja que nao tinhamos aulas no semi- nario as segundas-feiras, dia em que o trei- namento acontecia, e 0 semindrio daria créditos pela participacdo no programa, pensei que seria bom fazé-lo para comple- tar minhas habilidades ministeriais. Duas coisas importantes aconteceram naquele programa de treinamento. Primeiro, lem- bro-me de quando sentei pela primeira vez em uma sessdo de aconselhamento como observador. Tratava-se de um casal de ido- sos crentes, que justamente naquela sema- na havia tido uma discussao. O marido foi para a garagem, pegou um pote de co- mida de bebé ¢ encheu com gasolina, es- condeu-se atrés de uma caixa ¢ quando a esposa apareceu, ele pulou e jogou a gaso- lina no seu rosto. Lé estava eu, um estu- dante em seu segundo ano de seminario ¢ com quatro anos de faculdade biblica, pensando 0 que aconteceria caso 0 conse- Iheiro que eu estava observando se sentis- se mal, tivesse que sair da sala ¢, ao sair, dissesse para mim: “Steve, vocé ja se for- mou na faculdade biblica e é um estudan- te de seminério, por favor ajude este casal. E eu tenho que ir”. Eu nao teria a menor ideia de como ajudar aquelas pessoas. Nao demorou muito para eu ficar ciente de quio despreparado eu estava aquela altura da minha vida. Se aquilo que eu acabara de observar era algo proprio do ministério pastoral, cu precisava decididamente de treinamento. DP: As pessoas carregam mégoas pro- fundas, abatimento, ddio, medo e isola- mento que escapam 4 compreensio hu- mana em sua solugao. SV: O iténico, David, é que naquela ocasiéo, provavelmente, eu tinha em meu bolso um conjunto de cartées de vocabu- lirio de grego que eu estava tentando me- morizar. Eu poderia ter despejado para cles algumas palavras em grego. Poderia ter discutido com eles um bom niimero de problemas dificeis de teologia. Mas eu nao sabia como pegar habilidosamente a ver- dade da Palavra de Deus ¢ ministri-la as vidas de pessoas sedentas, Aquela sessio de aconselhamento comegou a fazer mi- nha cabeca girar. Mais significativo ainda foi que quanto mais eu escutava a conver- sa do conselheiro com o aconselhado, mais cu percebia o quanto ela dizia respeito a mim, um dos estagidtios. Naquela época, eu estava em meu segundo ano de casa- mento, Comecei a pensar: “Estou desagra- dando a Deus nesta area. Preciso crescer naquela outra area. Nunca antes pensei so- bre esse versiculo do ponto de vista de um marido. Nunca pensei sobre aquele versiculo do ponto de vista de um homem”, De repente, passei a dirigir para casa nas noites de segunda-feira, acordar minha esposa, Chris, ¢ pedir seu perdéo por coi- sas em que eu nunca havia pensado antes. A viagem de volta ao seminario durava cerca de duas horas ¢ meia, ¢ eu chegava em casa por volta da meia-noite. Tempos depois, Chris costumava dizer que ficou de fato feliz quando o curso acabou por- que ela pode finalmente voltar a ter uma noite inteira de sono! Este estigio de ob- servacio e aprendizado do aconselhamen- to biblico levou-me a um grande cresci- mento espiritual. Aos vinte ¢ quatro anos, © impacto da Palavra em minha vida foi tio significativo que sai daquela experiéncia con- cluindo que se um dia eu tivesse o privilégio de participar de um treinamento adicional em aconselhamento, eu o faria ainda que com Coletanea de Aconselhamento Biblico * Volume 3 I a tinica motivacao de receber um impacto em minha vida espiritual. DP: A medida que vocé olha para os seus dezoito anos de pratica e treinamen- to em aconselhamento, qual seria uma érea em que vocé notou um crescimento signi- ficativo em seu entendimento, suas aces ou a maneira de trabalhar as situagdes? SV: Espero que as pessoas que me co- nhecem possam dizer que estou menos orgulhoso e mais desejoso de mudar e cres- cer. Creio que a santificagao progressiva tem me ajudado a ver que isto é mesmo um processo que dura a vida inteira. Cada vez que dou um passo, o Senhor esté me ajudando a ver muitos outros passos que precisam ser dados. Espero que isso esteja resultando em uma atitude cada vez me- nos de “eu sei tudo” e mais de “Senhor, eu preciso melhorar”. DP: Que caso de aconselhamento 0 ensinou mais ou provocou mais mudan- gas em suia vida? SV: Penso no caso de uma senhora que estava significativamente deprimida, Ela tinha dificuldade para formular uma sen- tenga sem chorar, fazia ameacas de suici- dio, ¢ estava dominada pelas pressées da vida. Aquele caso ensinou-me muitas coi- sas. Primeiro, mostrou-me 0 que 0 peca- do pode fazer em uma vida ¢ como pode devastar 0 interior e o exterior de uma pessoa. Quanto mais eu falava com ela ¢ conhecia sua histéria, mais evidente se tornava como ela havia chegado aquele ponto. Ela tinha uma série de pensamen- tos habituais errados, alvos pecaminosos, ambig6es ¢ motivagées egoistas. A segun- da ligio que tirei daquele caso em parti- cular foi como as Escrituras trazem sim- plicidade e clareza a uma situacao que parece ser sem esperanga ¢ opressiva. Por um lado, estou convencido de como o pecado é corrupto; por outro lado, estou convencido do poder do sangue de Cristo ec da suficiéncia das Escrituras para ajudar uma pessoa a mudar e crescer. No caso dessa mulher, voltamos atrés em sua his- tria trinta ou quarenta anos. Conforme conversévamos sobre os objetivos que ela havia estabelecido, os sonhos que havia alimentado e 0s desejos ao redor dos quais havia construido sua vida, fomos capazes de ver biblicamente que cla estava funcio- nando como uma idélatra. Ela havia enchido seu coracdo com coisas vas. Em seus anos de velhice, quando aqueles ido- los comegaram a se quebrar ao redor dela, nao Ihe restava nada além de considerar 0 suicidio. Conforme comecamos a identi- ficar aqueles idolos a luz dos principios da Palavra de Deus, ela os vit ¢ se dispés a0 arrependimento, Ela estava pronta a ado- tar uma nova forma de pensamento ¢ vida baseada no evangelho de Jesus Cristo e na alegria de conhecé-lO. Tenho a oportu- nidade de encontré-la regularmente agora. Nao ha nada como vé-la sortir, ouvir sua risada e vé-la servir a outros alegremente. Esse caso me convenceu de como o pecado é hediondo ¢ destrutivo, mas também de como a Pa- lavra de Deus é poderosa ¢ 0 sangue de Cristo é suficiente. DP: Essa mulher péde reconstruir uma vida inteiramente nova, com um fun- damento e um cora¢io novos. SV: Sim, ¢ como isso € algo agradavel de se ver! Ela diz que esté mais apaixona- da por Deus ¢ sua vida esté mais do que 18 Coletinea de Aconselhamento Biblico # Volume 3 nunca alinhada com os desejos de Deus. Ela também diz que esta mais feliz do que nunca, n4o porque esteja buscando a feli- cidade, mas porque Deus a tem abencoado com a alegria biblica, graciosamente, em resposta a sua fé, obediéncia ¢ mudanga. De minha parte, houve momentos durante © aconsclhamento em que cu queria fugir. O que ela dizia assustava-me. Conversei varias vezes com outros conselheiros bi- blicos para receber conselhos, pois fique muito preocupado com ela e com como ministrar adequadamente. Estou feliz por ter persistido. Estou feliz pela maneira escolhida por Deus para ajudé-la a mu- dar. Isso produziu em mim um nivel de confianga que foi titil na vez seguinte, quando uma outra pessoa deprimida en- trou em meu escritério. DP: Por quanto tempo voce a aconse- Ihou? SV: O aconselhamento durou, prova- velmente, entre seis a oito meses. Nao sei se esta é a experiéncia de outros conselheiros biblicos. Em geral, percebo que quando es- tou trabalhando com uma pessoa fortemen- te deprimida é preciso um pouco mais de tempo. DP: Creio que muitos conselheiros diriam 0 mesmo. O processo de restabelecimento perseverante leva tempo. SV: Os aconselhados passam por altos ¢ baixos. Descobri que devemos nos com- prometer com uma caminhada longa ¢s- tar preparados para alguns dias maus. Deus tem sido bom para com aquela senhora ¢ la esta crescendo vagarosamente. DP: Esta é uma boa maneira de desen- volver paciéncia. Como as pessoas sabem que vocé as ama? Como a paciéncia opera, quer em um caso de aconselhamento ou em um empreendimento ministerial maior? SV: As pessoas que me conhecem nao diriam que o excesso de paciéncia é meu forte. 2Timéteo 2.24-25 desafia-me: “Ora, é necessirio que o servo do Senhor nao viva a contender, ¢, sim, deve ser brando para com todos, apto para instruir, paciente; disciplinando com mansidao os que se opéem, na expectativa de que Deus Ihes conceda nao sé 0 arrependimento para conhecerem plenamente a verdade”. Es- pero melhorar. Espero desenvolver tais caracteristicas em minha vida e meu mi- nistério de aconselhamento. Aquilo de que uma situacao de aconselhamento menos precisa € mais pecado da parte do conse- Iheiro. Entio, acredito que precisamos nos esforcar 0 quanto possivel para sermos pa- cientes com nossos aconselhados assim como Deus é paciente conosco. Se Deus fosse tio impaciente comigo como eu sou tentado a ser com outra pessoa, onde eu estaria? Em minha vida, preciso confiar na graga e paciéncia de Deus com muita frequéncia, ¢ seria hipocrisia nao tentar ser paciente com outros. Isso nao acontece somente no escritério de aconselhamento. Creio que também se aplica as conversas sobre metodologia do aconselhamento que temos com varias pessoas que ouvem a Palavra de Deus, mas nao veem o acon- selhamento exatamente como nds 0 vemos. O Senhor, em Sua soberania, tem-me dado a oportunidade ¢ 0 privilégio de fa- lar em conferéncias onde individuos como esses estio reunidos. Minha oracio é que Coletinea de Aconsethamento Biblico * Volume 3 19 © Senhor me ajude a falar ¢ ensinar na- quelas situagdes de forma bondosa, paci- ente ¢ humilde. Quero adornar a doutti- na de Deus com um viver santo, em lugar de desonrar a si doutrina por meio de um tratamento arrogante ¢ impaciente dirigi- do aqueles que podem discordar de mim, mas estéo tentando aprender ao me da- rem ouvidos. DP: Qual o lugar do aconselhamento biblico em uma visio mais ampla de mi- nistério? SV: Nossa igreja nao quer apenas ter um centro de aconselhamento, Queremos ser um centro de aconselhamento, As dou- trinas da suficiéncia das Escrituras e da santificago progressiva direcionam tudo aquilo que somos ¢ fazemos. Estou con- tente por termos nosso centro de aconse- Ihamento. Se 0 Senhor fosse me colocar em outro lugar algum dia — embora eu nio esteja Lhe pedindo isso — estou certo de que uma das primeiras coisas que eu faria seria comecar um centro de aconse- Ihamento biblico. Nao por estar procu- rando algo para fazer as segundas-feiras, mas porque creio que ter um ministério de aconselhamento biblico é uma béngio maravilhosa para a igreja, que permite um alcance fabuloso entre a comunidade. Cada uma das doze pessoas da nossa equi pe aconselha durante seis horas as segun- das-feiras, de modo que oferecemos cerca de setenta horas de aconselhamento bi- blico gratuito para as pessoas da nossa co- munidade. Em vinte e cinco anos, nunca fizemos propaganda deste ministério; no entanto, sempre temos uma lista de espe- ra, Geralmente, esta lista de espera fica em torno de quarenta a sessenta familias ou individuos em busca de ajuda, ¢ isto den- tro de uma comunidade relativamente pequena. Um bom percentual destas pes- soas nao pertencem a nenhuma igreja nao sao crentes. Consideramos este minis- tério como uma grande oportunidade para construir rclacionamentos que se caracte- rizam por amor e ajuda as pessoas que nao conhecem 0 Senhor. Cada ano, verifica- mos a lista de pessoas que se tornaram membros de nossa igreja. Fazemos a se- guinte pergunta: “Como elas vieram & nossa igreja?” A resposta mais comum é: “Por meio do nosso ministério de aconse- Ihamento”. Este € um veiculo maravilhoso de evangelismo. Nio existe nada melhor do que apre- sentar 0 evangelho no contexto do aconse- Ihamento. Vocé pode fazé-lo de maneira mais pessoal ¢ completa, ficando persuadi- do de que 0 aconselhado tem de fato com- preensio ¢ compromisso nas decisdes que toma, Em seguida, 0 aconselhamento se transforma em um meio natural de dis pulado, pois a pessoa jé estabeleceu um relacionamento com vocé e ganhou o hé- bito de procuré-lo para conversar de forma honesta. Mantemos um ministério de aconselhamento bfblico pelo seu valor de alcance junto & nossa comunidade. Para dar uma ideia do quanto isso é significati- vo, minha esposa e eu estévamos ontem em Indiandpolis, participando de uma reunido na escola para cegos que nosso fi- Iho frequenta. A assistente social estava Ki. Antes mesmo que sentéssemos, ela disse: “Acabo de chegar de outra reuniéo em uma das escolas ptiblicas de Tippecanoe. Sua igreja foi mencionada’. Eu pensei: “O que serd que isso quer dizer!” Ela disse que uma familia que participava da reuniao estava tendo dificuldades e nao tinha condigées 20 Coletinea de Aconselhamento Biblico * Volume 3 financeiras para pagar um aconselhamento. Um dos profissionais presentes disse: “A Faith Baptist Church (Igreja Batista da Fé) tem um centro de aconselhamento e eles atendem gratuitamente. Por que vocés nao consideram a possibilidade de procuré- -los?” A esposa respondeu: “Oh, eu amo aquela igreja. Eles tiraram a neve de mi- nha calcada no inverno passado quando tivemos aquela nevasca forte”. Mais adi- ante, a assistente social repetiu esta histé- ria diante do grupo todo reunido em Indiandpolis, destacando como as igrejas locais possuem ministérios de aconselha- mento confidveis, que podem ser uma grande béngio para a comunidade. E atra- ente que uma igreja possa ter a reputagdo de prestar servicos para ajudar pessoas afli tas, Francamente, queremos nos destacar nisso. Nao queremos ser conhecidos por aquilo que combatemos ou por nossa posi: gio contra ou a favor de certas leis. Quere- mos ser conhecidos como um lugar que aju- da os aflitos com respostas vindas da Pala- vra de Deus, que podem fazer diferenca real em vidas, Existe um aspecto comunitario no ministério de aconselhamento. DP: Como o ministério de aconselha- mento afeta os demais aspectos da igreja? SV: Temos um ministério de aconse- Ihamento nao apenas para alcangar a co- munidade, mas também porque ele afeta € contribui para rodo o restante do nosso ministério dirigido & igreja local. O mi- nistério do centro de aconselhamento afeta nossa maneira de pregar ¢ de ensinar os adultos nas aulas de Escola Dominical. Afeta a maneira de conduzirmos o minis- tério com jovens ¢ os estudos biblicos para homens ¢ mulheres. Afeta nossos grupos de prestagéo de contas. Quanto mais aprendemos as segundas-feiras por meio do aconselhamento, mais efetivos nos tor- names no restante da semana em todos os demais ministérios da igreja local. DP: Vocé pode me dar um exemplo? SV: Um bom ntimero de nossos mem- bros passaram por nossos cursos de trei namento em aconselhamento biblico. Depois, tornaram-se professores de Esco- la Dominical lideres de grupos peque- nos. Eles diriam que estio apenas prati- cando 0 aconselhamento biblico de modo diferente. Os pequenos grupos que se en- contram em restaurantes, por exemplo, sao pequenas sessbes de aconselhamento em grupo. Ha cobranca, estudo, conversas ¢ verdades biblicas. DP: A santificacéo progressiva 0 alvo essencial, SV: Exatamente. A santificagio pro- gressiva acontece em uma variedade de niveis na nossa igreja. Nao estamos parti- cularmente presos & palavra “aconselha- mento”. E 0 discipulado que ocorre em diferentes niveis ¢ formas. Talvez essa ilus- tragao 0 ajude a entender melhor. Uma mulher veio até mim ¢ disse: “Ao longo dos anos, estive em diversas igrejas boas, mas 0 que parece ser diferente aqui é que vocés esperam realmente que nés cresca- mos, nao é verdade? E como se vocés acre- ditassem de fato que vamos crescer”. Eu respondi: “E exatamente isso. Nés nao estamos aqui apenas para falar sobre a Pa- lavra de Deus ou para dar palestras. Estamos aqui para praticar os principios de santificago progressiva para a gléria de Coletinea de Aconsethamento Biblico * Volume 3 21 Deus”. Creio que qualquer pessoa que te- nha participado da Faith Baptist Church por mais de um més sabe que todos aqui devem estar em crescimento. O pastor € os didconos devem estar em crescimento. Todos que vém aqui devem estar em pro- cesso de crescimento e mudanga. Quando alguém estd estagnado, ha recursos para ajudé-lo a progredir, que podem ser cha- mados de aconselhamento ou discipulado especifico. Nao importa. Queremos ser um instrumento de santificagéo progressiva, uma usina de discipulado. Queremos ver pessoas mudando e crescendo & medida que atentam cuidadosamente para 0 ho- mem interior permitem que a Palavra de Deus € 0 Espirito as tornem cada vez mais semelhantes a Jesus Cristo. Isso é 0 que traz honra a Deus. Temos quatro objetivos primordiais para o ministério da nossa igreja. O Nivel 1 € santificagio progressiva ¢ discipulado para todos ~ de todas as maneiras criati- vas possiveis. Reunimo-nos aos domingos e adoramos a Deus. Buscamos ser edificados na fé. Estudamos as Escrituras para identificar como podemos mudar e crescer. Temos grupos pequenos, amizades € um centro de aconselhamento. Buscamos principios que nos ajudam a entender o homem interior ¢ exterior. Procuramos es- tar equipados para o ministério. Domin- gos, segundas-feiras, tercas-feiras... giram em torno da santificagdo progressiva por meio de uma variedade de ministérios projetados para ajudar as pessoas a mudar e crescer. O Nivel 2 € evangelismo. Que- remos ter paixéo por ganhar pessoas para Cristo. Uma das preocupagées que ouco de varios pastores é: “Se comecarmos este ministério de aconselhamento, nés nao seremos mais to efetivos no evangelismo”. Creio que se trata de uma ideia errada. A ferramenta mais efetiva de testemunho é uma vida transformada e em proceso de mudanca. A medida que as pessoas cres- cem € se tornam mais semelhantes a Cris- to, elas brilham com maior esplendor no trabalho, na vizinhanga e nos relaciona- mentos familiares. Surge, entéo, uma va- tiedade de oportunidades para contar aos outros sobre Cristo. Uma pessoa que estd realmente crescendo e mudando tem uma paixao muito maior por falar aos outros de Jesus. Aquilo que esti fazendo uma di ferenca em sua vida pode ajudar outros também. DP: Pessoas tem uma histéria de vida para contar, SV: Exatamente. Temos entio o Nivel 3, em que atendemos as necessidades da comunidade — as muitas necessidades so- ciais ao nosso redor. Cremos que uma igreja deva ser 0 lugar mais compassivo da terra. Procuramos identificar as areas de carén- cia para que possamos mostrar 0 amor de Cristo de forma pritica. Creio que as igre- jas tém, muitas vezes, perdido oportuni- dades maravilhosas de ministério por nio mostrarem muita preocupacgao em suprir a necessidade humana. Nossa igreja pro- cura todas as oportunidades possiveis para mostrar 0 amor de Jesus para as pessoas que estao aflitas em nossa cidade. Depois de termos mostrado nosso amor para com elas, contamos sobre a verdade salvadora de Jesus Cristo. Nao estou falando do evangelho social. Estou falando em usar as necessidades sociais como uma oportu- nidade para apresentar o evangelho, Mui- tas vezes, as igrejas tém sido duras com os pobres, as pessoas divorciadas, as maes 2 Coletinea de Aconsethamento Biblico * Volume 3 solteiras ¢ os viciados em geral. Como re- sultado, perdemos oportunidades de fa- zet a luz das boas novas de Cristo brilhar com maior intensidade em nossa comu- nidade. Quero que as pessoas que passam por nossa igreja digam algo assim: “Eu ainda nao entendo a Biblia nem conhego o Jesus deles, mas tenho que admitir que as pessoas estdo sendo atraidas para aque- la igreja, estao recebendo ajuda e sendo transformadas. Alguma coisa est4 aconte- cendo naquele lugar. Como resultado, nossa comunidade é um lugar melhor ago- ra”. Estabelecida esta base, 0 Nivel 4 € onde tomamos posicéo pela justica em praca publica. Espero que essas ocasiées sejam raras, mas também espero que elas acontegam somente depois de termos construido uma plataforma sélida de mi- nistério para ser uma béngio junto 4 comu- nidade. Creio que a comunidade ouviri o que temos a dizer se mostrarmos que estamos realmente comprometidos, interessados pe- las pessoas necessitadas, dispostos a amar a populacao da nossa cidade. Em uma comunidade com a dimen- sio da nossa, descobrimos que é possivel praticar um aconselhamento biblico co- munitario quando as questées piblicas estéo em pauta. Nossa cidade luta com diferentes questdes 0 tempo todo. O que tenho procurado fazer é escrever varios editoriais, que frequentemente sio publi- cados. Nao estou tentando dar mais uma opiniao “politicamente correta’. Normal- mente, nao assumo uma posicio politica. Procuro langar mio de principios biblicos e aplicd-los & questio pela qual estamos nos batendo naquele momento — ou 2 maneira com que as pessoas estéo lutan- do. E realmente aconselhamento biblico comunitério. Descobrimos que isso cria outra oportunidade interessante de minis- tério que nos ajuda a nos mantermos engajados com nossa comunidade. Por exemplo, recentemente escrevi uma carta a respeito dos testes aleatérios de drogas € 4lcool em nossas escolas locais e também da legislacao estadual iminente sobre etiquetagem de barris de cerveja. Nao cri- tiquei tais medidas, mas tentei mostrar que esas quest6es nao sao a esséncia. A ques- t4o € 0 coragdo que quer abusar de tais substancias. Procurei levantar alguns des- tes pontos em um editorial. O editor de nosso jornal publica meus escritos e temos, entao, aconselhamento comunitario. DP: E essencialmente um aconselha- mento ptiblico, escrito, vertendo a sabe- doria biblica em diregéo a praca publica. SV: Sim, ¢ nossos jornais publicam tais coisas sem cortes editori: bre a ressurreicao e a Biblia. O editor nao é cristéo; no entanto, ele me da grandes oportunidades para testemunhar. Existe uma disposicéo, ao menos em algumas comunidades, para ouvir nossa voz. is. Posso falar so- DP: Pensando no movimento de acon- selhamento biblico, na Faith Baptist Church ¢ no aconselhamento em geral, quais obstaculos, problemas ¢ necessida- des de crescimento vocé identifica? SV: Estes sio dias muito empolgantes para estar envolvido no movimento de aconselha- mento biblico. Creio que mais do que nunca temos motivos para esperanga e otimismo, por um bom niimero de razées. A necessidade de atendimento em nossas comunidades cresce. Creio que as igrejas que se comprometerem com oferccer aconsclhamento biblico ¢ dispo- nibilizé-lo & comunidade encontrario as por- tas escancaradas para o ministétio, Ha muitos Colerinea de Aconselhamento Biblico * Volume 3 23 desafios, tanto para 0 ministério de aconselha- mento da nossa igreja como para 0 movimen- to mais amplo de aconselhamento biblico. A questo é se continuaremos a ter um cresci- mento pessoal ¢ a amadurecer em nosso en- tendimento e aplicagio das Escrituras aos pro- blemas didrios da vida. Como supriremos as necessidades sociais e de aconselhamento de adolescentes, idosos, mies solteiras, mulheres que praticaram aborto, pessoas presas a0 homossexualismo, encarcerados, sem-teto? — a lista pode continuar. Procuraremos aprender mais sobre o que as Escrituras dizem a respeito do coracao e do homem interior, ¢ pedir que Deus nos ajude a aplicar cuidadosamente es- tas verdades as necessidades especificas? Sou muito grato por todo o trabalho realizado nos tiltimos trinta anos do movimento de aconse- lhamento biblico, por tudo quanto foi escrito ¢ dito. E maravilhoso. Mas estamos apenas no comeso. HA muito trabalho a ser feito. Se o movimento de aconselhamento biblico pensa que jé chegou onde deveria chegar, estamos perdidos! Mas se nos caracterizar- -mos pela humildade ¢ pelo desejo de apren- der e crescer, estaremos em boa posigao para © futuro. Eu identificaria um dos obstacu- los como sendo 0 orgulho, a crenca de que nio temos mais nada a aprender, sabemos tudo, ¢ aqueles que discordam de nés nada sabem. Muitos daqueles que estio envolvi- dos no aconselhamento biblico sio motivo de encorajamento para mim. Creio que existe um espirito de humildade, bondade crescente e desejo de aprender e continuar a crescer. Continuaremos a enfrentar 0 obs- taculo do orgulho, mas creio que existem muitos bons sinais. Outro obstaculo no ambito maior da igreja é a questao da crenga na suficiéncia das Escrituras. Muitas pessoas creem na inspiracao e inerrancia, mas nao pensam muito sobre a questéo da suficiéncia. Elas encontram uma ldgica perfeita em estu- dar a Biblia aos domingos e, de segunda- -feira a sibado, falar sobre os problemas da vida como o mundo secular fala. Creio que a suficiéncia das Escrituras é 0 divisor de aguas. DP: Alguém pode crer na autoridade e inerrincia das Escrituras, mas ainda ter uma visio limitada da sua aplicabilidade. Essa pessoa nao percebe que a Biblia fala exatamente sobre os problemas tratados no aconselhamento. SV: Parece existir uma separagao entre © que fazemos no domingo ¢ 0 que faze- mos no restante da semana. Até quebrar- mos esta separacdo, ndo veremos a Deus em meio aos problemas de aconselhamen- to nem teremos muito para oferecer a0 mundo incrédulo ¢ aos cristios em suas lutas. DP: Vocé esta falando da necessidade de aconselhar ¢ dos atos de bondade pré- tica dirigidos s pessoas que sofrem. O evangelismo, entao, opera na interseccao do aconselhamento com os atos de mise- ricérdia. SV: Sim, ¢ isto aponta para uma ter- ceira consideragio. As necessidades da co- munidade ao nosso redor séo intimeras. Pelo que conhecemos na nossa cidade, as estruturas seculares nado conseguem aten- der a todas as necessidades. As pessoas es- to clamando por ajuda e recursos. Com as dificuldades econdmicas que muitas comunidades enfrentam, a capacidade de atendimento das instituig6es governamen- tais esté desfalecendo. Para mim, isso re- presenta oportunidades ministeriais gri- tantes para as igrejas. Creio que deveria- 24 Coletinea de Aconselhamento Biblico * Volume 3 mos olhar para as necessidades sociais que existem ao redor de nés e representam uma oportunidade maravilhosa para 0 aconse- lhamento biblico. Um exemplo disso sto 0s ministérios em nossas prises ¢ com ex- presididrios. Uma mulher que frequenta nosso estudo biblico perguntou-me se seu marido poderia fazer as provas na prisio e se cu as corrigiria. Ele estava acompanhando nosso estudo conforme ela levava o mate- rial para ele. Iremos nos preocupar com aqueles que estao na prisio? Quando sai- rem da priséo, estaremos prontos para recebé-los em nossas igrejas? Iremos con- duzi-los de volta & vida? Estaremos presen tes com 0 amor € os recursos necessirios para cumprir a tarefa? Se a resposta for “Nao”, entao nossos coragées estio frios. DP: Isso pode significa muitas coi sas, desde uma mensagem de esperanga até abrigo, trabalho. SV: E 0 aconselhamento biblico que sai as ruas. Como o aconselhamento bibli- co esté atingindo a cidade? O que esta fa- zendo no que diz respeito as responsabil dades sociais? Creio que um dos obstacu- los é a indiferenga para com as pessoas que sofrem, Nao estou certo de quantas pes- soas em nossas igrejas querem um ex-presi- diario sentado no banco ao seu lado. Nao estou certo de quantos de nds querem sen- tar ao lado de maes solteiras, pessoas que lutam com as drogas ¢ 0 alcool ou com a homossexualidade ou outro pecado sexual. Creio que existe uma indiferenga em nos- sas igrejas que desagrada a Deus. Deverfamos dizer as pessoas em nossa comunidade: “Nao nos importamos com 0 tipo de luta que vocé esta tendo, Se vocé quer conhecer a Deus ¢ ouvir as Escritu- ras, por favor, junte-se a nés porque so- mos imperfeitos também. Cresceremos juntos”. Em nossa igreja, 0 percentual de pessoas que trazem uma bagagem de vida pesada esta crescendo. Francamente, isso me empolga como pastor. Gosto de ter uma comunidade em que hé alguns cris- tios maduros e também muitas pessoas que mal tém nogao da vida crista, mas es- tao realmente dispostas a crescer. Ha uma dinamica viva nisso, que anima e fortale- ce. A questo é se queremos uma igreja que lida com estas necessidades ou quere- mos um clube de campo de cristéos ma- duros que nio tém tempo para sujar suas mios. DP: Muito bem colocado, Steve. Hd algo mais que vocé gostaria de acrescen- tar para ajudar a comunicar sua espe- ranga, visio, compromisso e diregao mi- nisterial? SV: Tenho mantido uma troca conti- nua de ideias por e-mail com o editor da pagina de opinido de nosso jornal. Ele tem descoberto algumas coisas que a nossa igre- ja esta fazendo e quer escrever a respeito disso. A Biblia nos chama a um equilibrio interessante, que nao estou certo se sei como alcangar. Por um lado, no Sermao do Monte, Jesus diz: “Vés sois 0 sal da terra... vés sois a luz do mundo... Assim brilhe a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras ¢ glorifi- quem a vosso Pai que esté nos céus” (Mr 5.13-16). Se entendo corretamente 0 que Jesus diz, 0s incrédulos que nos observam glorificarao a nosso Pai que esta nos céus. Nossas obras brilham diante dos homens € estes, de alguma forma, glorificarao a Deus que esta nos céus. Temos a respon- Coletinea de Aconsethamento Biblico * Volume 3 25 sabilidade de procurar meios para satisfa- zer as necessidades ao nosso redor. Por outro lado, 0 Sermao do Monte diz que nao devemos atuar diante dos homens com © fim de sermos vistos por eles ¢ receber- mos gléria (Mt 6.1). Nao podemos ser idélatras que vivem para causar impacto € serem elogiados. Devemos simplesmente amar a Deus ¢ as pessoas. Encontrar um ponto de equilibrio é desafiador. Outra area de importancia é se igrejas evangélicas de diferentes denominacoes, mas comprometidas com os fundamentos da fé, estéo dispostas a trabalhar juntas em suas cidades, Algumas igrejas talvez nao tenham os recursos necessdrios para gerenciar um centro de aconselhamento, mas seré que poderiam se unir para criar um centro? Algumas igrejas nao sao capa- zes sozinhas de obter sucesso em um mi- nistério para os sem-teto, mas sera que varias igrejas juntas poderiam fazer isso? Creio no trabalho conjunto dos evangéli- cos em nossa cidade para suprir as neces- sidades sociais que mencionamos aqui. Pergunto-me se uma das razées por que 0 aconselhamento biblico néo tem sido tio efetivo como poderia ser é que nés 0 escondemos em fungao de nossa ma vontade de trabalhar ao lado daque- les que néo concordam conosco em cada pequeno aspecto da nossa doutrina. Cer- tamente nao estou dizendo para jogar fora a doutrina em favor da unidade. Ha coisas pelas quais vale a pena lutar ¢ nos separarmos. Mas me pergunto se nao estamos correndo 0 perigo de nos indis- pormos com outros desnecessariamente ou de nio trabalharmos junto com pes- soas com quem poderiamos fazé-lo. Como resultado, a cidade deixa de co- nhecer 0 que seria uma mudanga bibli- ca de alcance comunitario. DP: Os frutos da santificagio biblica precisam ser expressos de forma evidente diante do mundo. Aquilo que voce esta destacando esta em Joao 17 também. O mundo observa, ¢ 0 que as pessoas veem chama sua atengio. SV: Se as igrejas figis & Biblia nao con- seguem manter bons relacionamentos umas com as outras na mesma cidade, 0 que levaria alguém cujo casamento esté se desintegrando a crer que seria possivel re- ceber ajuda em uma destas igrejas? As igre- jas esto brigando. Os casais estio brigan- do. E semelhante. Em vez disso, as pessoas da comunidade precisam ver os cristéos evangélicos amando uns aos outros, dan- do-se bem uns com os outros € solucio- nando seus problemas; tendo conflitos re- ais, mas crescendo por meio deles. Alguém com um casamento atribulado guardaria, entao, a esperanga de que em algum lugar existem principios sdbios ou pessoas sabi- as que podem ajudar a melhorar seu ca- samento ou um Salvador que pode nos resgatar dos nossos pecados. Se nés néo modelarmos isso em nossos relacionamen- tos como igrejas, ndo temos o direito de dizer que podemos ajudar outros em suas crises interpessoais pessoais. 26 Colerinea de Aconselhamento Biblico * Volume 3

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