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cP H ILIPPE | PRATICAS PEDAGOGICAS , Ao DOCENTE — PRI 0 Pe ee PER RE NOU D PRATICAS PEDAGOGICAS, PROFISSAO DOCENTE E FORMAGAO Pepeuiketoe (ee sbecwiecde cy ATS SOG. Ie Oni Or Giail sC ay .s Nota de apresentago: Ana Benavente Antonio Névoa ‘Tradagio de: Helena Faria, Helena Tapada, Maria Joo Carvalho e Maria Névoa PUBLICACOES DOM QUIXOTE INSTITUTO DE INOVACAO EDUCACIONAL retttt DTBLIOTECA CENTRAL INDICE [Nota de apresentagio, Nota do autor. Priticas pedagigicase profasto docente: ts facets A pritica pedagpica ene a improvsasdo regulada e o bricolage:ensaio sobre os efeitos indiectos da investigagio em educagdo. Ensinar ona verigem da dsperso:fragmentos de uma soziologia das pica pedagogicas. Novas didticaseestratépas dos alunos face ao trabalho escola ‘A formagio dos professores ou ailusdo do «deux ex machina; reflexdes sobre as relagdes ene 0 shaites ea pritia, (papel de uma iniciag30&investgagdo na formagdo de base dos professores. Formagio inicial dos pofessorese profissionalizaco, Formagio em avaliago: ere iealismo ingéauo realismo conservador ‘A forma de professores:complexidade, rofissonalizagio proceso cinco. Pensaraprtica pedagogic para pensar a formas dos pofessores, 3 3 1 NOTA DE APRESENTAGAO (Os rabathos de Philippe Perrenoud tém, entre nds, una divlgacdo recente. No entanto, desde 05 anos setenta que o autor marca asociologia da educagdo em lingua francesa. Em 1970, com ovo Stratification socio-culturele et réusite scolaire —Lesdéfailances de expl cation causale, trouce um coniributo relevant para o debate teérico sobre as desigualdades sociais na escola eas suas explicacdes, sublinkando a importéncia da “orientagdo cull” das familias (ds sistemas de valores ds préticas educativas) no “capital cultura’ ‘Apés divrsos estdos centrados, nomeadamente, na educagio compensetéria (1974) nas politics de democratizagéo (1978), iniia wma série de trabalhos sobre a avaliagdo e.as praticas pedagégicas (1979, 1982, 1983). Em, 1984, no quadro de uma investigaro-acgdo (Rapsodie), publica La fabrication de excellence scolaire, abordando a que fo das desigualdades no quotidiano escolar ara vés de un novo olhar sobre as priticas pedagégicas e sobre a actvidade central dos pro {fessores que é a avaliagéo. Descreve como a escola priméria “fabrica” no dia a di hie~ rarguias de exceléncia, através de reflexdes e de dados emplricos numa abordagem pluridimensional (da historcidade da escolarizagdo de exceléncia ao conti do exer- cicio da “pris de aluno”). tas breves reeréncias aos trabalhos de Philippe Perrenoud sublinkam algunas cara: terisicas dos seus contributos ao conhecimento das desigualdades e da sua constragao ma 10 /PRATICAS PEDAGOGICAS, PROFISSAO DOCENTE E FORMACAO — articulagdo da reflexdo te6rica com dados de investigagdo empirica € com inte. vvenedo na vida escolar; — incursées constantes no quotidiano escolar, nos aspectos mais naturais das prt cas, nos mecanismos mais ocultos ¢ menos interrogados, definindo novos objectos de pesquisa. Da avoliagdo as préticas, dos curriulos & organizagio escolar, Philippe Perrenoud ‘hepa a questddaprofissionalidade docente como wm “centro estatégico”paraamudanga das priticas escolaes. Conheci Philippe Perrenoud nos anos setenta mas, preocupada enti com o papel da ‘escola na produgéo ¢ reforco das desigualdades, olhei para o seu estudo de 1970 como ‘mais um ttulocentrado no meio. Sé nos anos otenta, com La fabrication de Vexcellence scolaire, estabeleci um contacto cheio de interesse ede curisidade, través de wma rela- ‘gio de trabalho feita de estadias reciprocas em Genive e Lisboa, tenho vindo « confirmar ‘odireito “transgressao” disciplinar, a confortar as minhas heterodovias, a ousar temas « intervenges minoritiras. Tenho aprendido que rigor, criatividade e contextualizaréo dio so andagénicos, que a intervengio nao é inimiga da reflexdo, que a teoria ndo para- isa-a andlise multifacetada da realidade (antes estimula .questionamentos reciproces), que a artculagdo entre ives derealidade (macro, meso, micro) é obrigaéria para a sua com- preensio. Sociélogo, Philippe Perrenoud procede de modo inovador, ultrapassando os limites da disciplina e cruzando teorias, métodos e conceitos como a psicologia, a linguistica ¢ a ‘pedagogia. E habitual ouviclo referir 0 “complexo de Bonnie and Clyde” que consiste em parar nas fronteiras de cada Estado (disciplina), apesar do objecto prosseguir o seu cami- iho... (Ana). Philippe Perrenoud foi um dos encontros mais importantes da minha passagem por Genéve nos anos oitenta: pela sua presenca no meu jtri de doutoramento, pelos con- tactos pessoas entdo etabelecidos, mas sobretudo pela descoberta de um pensamento diferente sobre as coisas educativas. Contrariamente a outros intelectuais que falar da \ NOTA DE APRESENTACKO 11 realidades escolares concretas; mas também nunca se deisou aprisionar pelas configu- ragées institucionais da escola que existe 0 olhar de Philippe Perrenoud stua-se sempre numa tenséo entre o dentro eo fora, «implicagdoe adistincia, o realism e oidealismo. Esta attude permite-Uhe compreen- der melhor a forma como a escola contribui para a reproduéo das desigualdades ¢ das ‘hierarquias socials, ndoesquecendo, no entanto,0 seu papel na emergéncia de uma nova sociedade. Philippe Perrenoud sabe que o destino dos alunos nao é alheio & acgéo dos ‘rofessores, mas sabe também que estes jé ndo so os inicos detentores das “chaves” da ascensio social e que nos tempos actuas se t2m imposto novas centralidades no pro- ess0 de reconhecimento e de hierarquizagao social. A obra de Philippe Perrenoud afirma-se pela capacidade de abordar sob diversos Anglos —algunsinsuspeitos— um mesmo objecto de estudo. Através dela aprendi novas Sormas de pensar a escola eos professores. E percebi que a simplicidade é uma das qua lidades principais de um pensamento complezo (Antonio). Os dee textos seleccionados pelo autor dedicamse, de forma recorrente, a trés tem ticas principas: as prticas pedagégicas, a formagao de professors e a profissio docente Trata-se de materiais producidos nos iltimos anos, nos quis Philippe Perrenoud regressa ciclicamente as mesmas probleméticas.Efeito desejado, na medida em que facilta a apre ensio das ideias expostas e permite compreender de que modo wna mesma prablemdtica ‘pode ser estudada a partir de diferentes quadros tebricos, conceptuais e metodolégicos. (01° texto, Prticas pedagéicase profissio docente: tr facetas, procura ident- ficar alguns intrumentos conceptuas para pensar as préicas, organizando-se em torno de tes eixos principas: —A prétce entre rotina e improvisacdo regulada; — A transposigao didictica entre epistemologa e bricolage; — O tratamento das diferencas entre indiferenga e diferenciacio 0 2° texto, A pritica pedagégica entre a improvisacio regulada e o bricolage: ensaio sobre os efeitos indirectos da investigacio em educagio, prolonga algumas reflexdes do capitulo inicial, procurando esclareceraspectos relacionados com a pri- tica e mostrar, nomeadamente, que: CECCRCLUDETEEECLCCULETTTTOTT ATT 12 /PRATICAS PEDAGOGICAS, ROFISSAO DOCENTE E FORMACAO —A pritica néo é uma mera concretizagto de receitas, modelos didacticos ou esque mas conscientes de acgHo, sendo diigida pelo habitus do professor (esquemas de pensamento e de acgdo que alicergam as indmeras microdecisbes tomadas na sala de aula), — A mudanga das préticas passe por uma transformagéo do habitus, mas também pela disponibilizagdo de modelos de acgio, esultando mais da modificagio de constrangimentos e de possbilidades objectivas do que da difuséo de ideias ou de rmétodos, 03° texto, Ensinar ou a vertigem da dispersio: fragmentos de uma sociologia das priticas pedagégicas, escrito & margem de uma investigaglo-acglo sobre © Insucesso escolar ea dferencis¢o do ensin, debruca-se sobre um tema bastante del- cado: a tilizagdo do tempo dos professors, a organizagio do trabalho pedagégico, a gestdo das prioridades entre véras tres e as solicitapSes dos alunos, dos pais € dos colegas (0.4: texto, Novas diddetieas eestratégias dos alunos face ao trabalho escolar, situa- -Se no registo da sociologia do trabalho e das organizagées escolares, defendendo que “antes de sorem oportunidades de aprendizagem, as actividades didctcas —escutat, inervir, responder s pergunts, resolver problemas, redigir,ec.— sto tarefas minis tradas aos alunos e seguidamente vigiadas,conroladas ¢ retrbuidas” 05- texto, A formagio dos professores ou a ilusio do “Deux ex machina”: refle- Wes sobre as relagdes entre o habitus e pritica, parte da constatagdo de que quase todos os projectos de reform e de que quase todas as erties a sistema escolar tomam como referéncia central fomagio de professors: Philippe Perrenoud argumenia que “ela ndo merece nem este excssso de honra nem esta indignidade!”. 06° texto justifica O papel de uma iniciagao a investigacio na formas de base dos professores a partir de rs razSescomplementares: — Como mode de apropriagio activa de conhecimentos de base em ciéncias humanas; — Como preparago para a wilizagio de resultados da investguo em educasio ov ara a participaco no seu desenvolvimento; nora pe arresent {cso ra © 7° texo, Formagio inicial dos professorese profisionalizagdo,arMitéta em favor de uma formato baseaa ns seguintesorientaGes pair de uma mash exo cite reals da profissio;dsear apa de ieaismo; competacias dine mmagio aber; plralismo e pragmatismo; um processo cinco para articular tcoria¢ Pritca: desenvolvimento pessoal ezutodominio;formagio de adultos, cotraal, fe renciads; faze fac is dferengese as modanas;bricolae e transposigo didctica “no se apende sozinho!”; constuir uma ideatidade proisionl 0 8* texto, Formagio em avaliagio: entre ideaismo ingénuo e realismo conser- vador, é consagrado basicamente a um problema de ordem estratégica: serd necessé- "io, em nome do realismo, prepararos professors para funcionarem no sistema esco lar tal como ele €? Ou seré necessério, de uma forma mais idealist, servirmo-nos da formasio de professores como um meio de tansformagto das péticas pedagéxica, mesmo do proprio sistema escolar? 09° texto, A formagio de professores: complexidade, profisionaizagioe pro- cesso clinic, sapere um inventirio de razes posives para redetinic as competéncias ocentes, as quai, por sua vez, inspirem novas estraégias de formagio. Philippe Perrenoud conclui que “é numa formagio profissional de alto nivel, e na profissiona- lizagdo das actividades ligadas&formasio, que a Ciéncas da Educagio podem encon- trar uma forte identidade”. 10° texto, ensar a prtica pedagépica para pensar a formagio dos professores, constitu um sntese do presente lv, organizando-se em tomo da questi: Como & pos sivel conceber se um dispositvo e um curculo de forma ical sem primeio se pen Sarna profissio docente ¢ na pitica pedagSgica? Nao essa a prdprianatureza da trans- Posiio didictica no campo da formagéo profissional? Sem se determinarem com preciso 08 gestos da profisso, como podem reconsiuirse as competéncas necesérese, por- tant, estabelece-se um percurso de formacio que 6 suposto favorecr a sua construsio? Na actualidade educativa portuguesa, os temas de Philippe Perrenoud sdo de grande pperinéncia: as desiualdades na escola, e a sua complexidade, os mecanismos da sua construsio, 0 papel da avaligdo, a nanureca das priticas pedagégicas e a sua necessé- 1a diferenciagdo, os processas de mudanca referides is vias racionalidades dos acto- 14 PRATICAS PEDAGOGICAS, PROFISSAO DOCENTE E FORMACAO do de professoresconsttwem outrastansas ques res, a profissionalidade docente ea formagio de proj stem ou a toes ee ineressam a produgdo actual em Ciéncias da Educagdo, as politica educti a fo da escola as urgéncias de transforma 4 a ‘os pofessores pee hoje um exforcoacrescido de actualicagio e de desenvov ‘mento profissional, nomeadamente no quadro das novas modalidades de formacdo conit- rua Acredtamos que et ivr, consiruio partir de wn olhar localizado nas relia des excolares quotidianas, os pode ajudar a reflectir sobre as suas prétcas ea sua profisao. ‘Ana Benavente Anténio Névoa NOTA DO AUTOR s textos eunidos neste livo foram escritos em momentos € contexts civersos, ¢ seria instil procurar da-thes agora uma unidade ficica. E seria absurdo negara exis- téncia de fios condutores que ligam as diversas etapas de uma reflexdo, Permitam-me que sublinhe apenas um: 56 ¢ possivel pensar a formagéo dos professores pensando ¢ repensando constantemente, d luz das ciéncias humanas —de todas as ciéncias huma- nas — as préticas pedagédgicas e 0 funcionamento dos estabelecimentos de ensino ¢ dos sistemas educativos, Este trabalho est4, por definigio, em constante reelaboragao, uma vee que as prétcas € as organizagies escolares evoluem, uma vez que as teorias © 0s miétodos das Cincias da Edu do se tonam mais consistentes, uma vez que temos de continuar 2 por em causa as nossas préprias imagens da realidade! Se eu deminasse a lingua dos leitores, poderia, sem dvida,contribuir de modo mais pertinente para os deba- tes actuas sobre a formacto de professores ¢ a acgio educativa em Portugal. Espero, no entanto, que as minhas reflexGes se situem na linha das preocupaeSes dos educadores e dos investigadores portugueses, eracas a dois colegas e amigos, Ana Benaverte € Ant6- 1nio Novoa, a quem agradeco calorosamente o trabalho de terem escolhid, apresentado € publicado estes textos. Philippe Perrenoud PRATICAS PEDAGOGICAS E PROFISSAO DOCENTE: TRES FACETAS ‘Quando se pensa num disposiivoe num curriculum de formagao inci uma das ques- tes cruciais consiste em saber se nos reportamos a priticas pedagégicasideais (maestri, racionalidade, objective clars,tansposigo intligene, contratodidéctico inovador, peda- gopasactivasediferenciadas,avalingoFormativa, et.) ou a priticas feta, isto as aque podem ser observadas, hoje, nas salas de aul. "Admitiremos que, por sis, a formacdo incial ndo pode transformar a globaidade da profisséo docene elimina as dificuldades da sla de aula ed estibelesimento de ensno, inverter os mecanismos geradores de desigualfades ou neuiralizar as ligica habituais de cso dos alunos, dos colegas, dos pais ¢ da administrago, Para além disso, formar novos professores adoptando o mesmo modelo dos seus colegas em fungbes seria absurd. Hd que encontrar, sem dévida, um equilfbrio entre realismo conservador idealismo ingénuo. Coloco-me, aqui, a0 lado do realismo inovador, definido a pair das ceracteristicas mais fundamentais da prética pedagdgica€ da profissio docente, nfo as que fazem parte da ma vontade, das tadigdes, da ociosidade, da falta de seriedade, da auséncia de forma: Ho ou do disfuncionamento dos sistemas, mas as que integram numa organizaglo 2 pré- pra natureza do trabalho dos professres. Em pedagogia, hi pouca inclinago para o realismo, o qual esté constantemente 2 ser neutralizado pelo: — peso dos valores ¢ dos mits; — corporativismo e defese da profissto; — sindroma do assediado, numa escola que esti muias ve7es no banco dos réus; — falta de instrumentos conceptusis para pensar s préticas. } | GRECEEREETELEEELELEREL LEE 20/ PRATICAS PEDAGOGICAS, PROFISSAO DOCENTE E FORMAGAO ‘Vou concentrar-me neste dltimo obstéculo. Ver a pritica, tal como ela é, mantendo as distincias em relagio as idealizagbes, pressupbe uma teoria, Como nio posso elaboré- cla globalmente neste texto, vou ater-me a tes facetas, que nfo esgotam a realidade das praticas (ado vou falar, por exemplo, das dimensbes relacionais ¢ comunicativas) e menos ainda a realidade da profissio, que implica, para além do que se passa na sala de aula, a ‘nsergdo num estabelecimento, num corpo profssional, numa carreire ¢ num ciclo de vide, Todavia, a formagio dos professores corre orisco de ser pouco convincente se no se basear, minimamente, numa representaglo elaborada de acordo com os trés seguintes cixos: L.A pritica entre rotinae improvisagdo regulade. IA transposigéo diddctca entre epistemologia¢ bricolage. I. O tratamento das diferengas entre indiferencae diferenciagdo, Limitar-me-ea esbogar uma anlise centrada em cada um destseixos, remetendo para ‘outros trabalhos, pois, de certa forma, o reconhecimento desta perspectivas tem mais importincia do que a sua explicacio —4 partir do momento em que o$ formadores ¢ os responsdveis pela formacio {omam em considerasio 0 inconscient e 0 nfo racional, deixam de agir como se todos os aspectos da profissio pudessem ser controlados no plano das represen tages; — partir do momenio em que admitem que os saberestém um estatuto especifico nas, situagbes didscticas, deixam de fazer a separagdo entre formagio académicae for- mapio pedagégica; —2 partir do momento em que integram a diversidade dos individuos ¢ a existncia de um grupo como condigdes necessérias da acgao pedapégica, passam a conceder importincia 8 gestio das dferencas e dos colectivs na formagzo. Nem tudo fica resolvid. Mas fz-se a ruptra com a imagem racionalistae simplsia PRATICAS PEDAGOGICAS E PROFISSAO DOCENTE: TRES FACETAS /21 LENTRE ROTINA E IMPROVISAGAO REGULADA Uma bo pare ds rts de ensino no est, dexaram de estar cu muna exvean ob «a conzlo daz ed escola deliberata or um da profissio & compost por tna que o cents pe em ago deforma ‘lava consinte, mas sem avai ose cater bic, log sem a eicoler contr veraeranat a pared ero, dado ceca rtomada por ‘ont pra ou de hibits pesca uj crgem se pre no emp ‘utos momenios de pc soa expres do habins, Sistema de eaquemes de pe cep et ‘que no esté totale constantemente sob o controlo éa consciéacia, Tendo em consideragio a urgtnciae o cardcter inconfessével ou impensivel da prética, 0 professor relia coisas que desconhece ou que prefere ndo ver. 1. tentagdo racionalista Devido a toda o tipo de razses, a prtica pedagégica € facilmente apresentada como sendo mais consiente eracional do que o na realidad, pos: € um factor de legitimidade junto dos pais eda opinido piblica (as profissOes mais (qualifcadas assentam em saberes explicitos e em téenicas racionais), — €uma imagem tranquilizadora da relagdo pedag6gica (oreconhecimento do incons- cliente €a porta aberta aos fantasmas), —€ itil para a adminstragdo ¢ para a inspecgio que governam através de directivas; — facilta a trefa dos formadores, que tansmitem modelos de acgdo ou teorias; — permite aos proprios professores dar uma imagem de pessoas que sabem o que fazem ‘© que dominam as situagSes através da raz, 2. Oriseo de cegueira ‘Ac nio encararem a ac¢io pedagégica como sendo, em parte, uta ec¢do espontinea limprovisada ou, pelo contréri, uma aogéo baseada em rotinas ndo pensadas a forga de Serem interirizadas, os formadores correm um sro rico: nfo terem nenhuma compre: éenséo real sobre o que determina uma boa pate dos actos profissionss. 22/ PRATICAS PEDAGOGICAS, PROFISSAO DOCENTE E FORMACAO Claro que, a curta prazo, deixam de se confrontar com um problema dificil: de que forma agir sobre © habitus profssional, © inconsciente, os sutomatismos. Mas, a longo prazo, se se pretende que a formaedo optimize o ensino,entlo esta opcdo ¢ indefensével, 1a medida em que faz tabua rasa de uma parte das qualificagSes. 3.0 docente apanhado pela rotina Durante todo 0 ano escolar, entre dez a vintee cinco horas semanais, o professor lida com um grupo ao qual propde actividades que seguem um esquema de base (vari vel segundo as opgbes didécticas e a disciplina). De ano para ano, os programas evo- lem pouco, 0s alunos nfo mudam muito, as condigBes de trabalho sio sensivelmente idéoticas ‘De tal maneira que certas situagGes se repetem. Nao em pormenor. Mas as seme- Thangas sio tais que basta uma resposta estereotipada. Perante 0 aluno que nao est com atenglo, que nao trabalha, que tentaesquivar-se, que diz no percebero que se pede, que dia “Outra vel”, que ndo pra na cadera, ue gagueja no quadro,o professor sabe o que fazer sem levar muito tempo a pensar. E a impressio de conhecer, de ji ter vivido esta situagio. Saberd o que faz? A ddvida € legitima. Claro que, perante um incidente critico, Professor pode, de uma maneira geral, tomar consciéncia da sua pratica; entrevistado, saber, em pat, verbalzé-a. Mas no dia a da, enquanto as suas respstas funconarem 4e forma mais ou monos efieas, acaba por ndo precisar de as organizar de forma cons- cciente. E por isso que, num dado momento, mesmo os professores experientes jé ndo sabem, por exemplo: —como é que captam a atenco, —como & que dissuadem um aluno de falar; —como é que identficam uma possibilidade de ero; —como é que acalmam um grupo agitado; —como & que indicam que falta pouco tempo para terminar um trabalho. sas acgbes passam muitas vezes por mensagens elipticas ou ndo verbais, por uma Postura ou por uma mimica dissuasiva ou incitativa, PRATICAS PEDAGOGICAS E PROFISSAO DOCENTE: TRES FACETAS /23 4.0 professor face & urgéncia ‘Nem todas as situagies de ensino slo estereotipadas. Hé algumas inéditas. Ou, no sendo originas,siosuficientemente complexas ou ambiguas, de al modo que néo sio evi- dentes as medidas & tomar. Por exemplo: — quando um desvio ou um conflto passam dos linites; — quando um comportamento néo éfacilmente interpretivel(rso incontrolado, agres- sividade, dependéncia, seducio); — quando 0 funcionamento do grupe-turma derrapa(barulho,aptia, rebelio, explosdo); — quando o trabalho evoli para cansinhos inesperados ou resulta num impasse ( nin- ‘guém compreende nada, ¢ 0 professor ainda menos que os alunos); quando um acontecimento exterior interfere na sequéncia didéctica em curso; — quando 0 professor perde o controlo da situagdo ou o sangue-i, fica sem imagi- nagdo ou sem recursos. Neste caso, € preciso improvisar, tomar uma decisio sem ter tempo ou meios de a fun-

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