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Liturgia Fundamental

Introdução
Natureza da Liturgia Cristã
Termo «Liturgia»
História do termo “liturgia”
Sentido etimológico. O termo “liturgia”, que hoje se

emprega em sentido quase exclusivamente cultural, é


uma palavra grega composta de ergos (obra) e de
leiton (adjetivo derivado de leos-laos = povo).
Etimologicamente significa, portanto, obra pública.
Natureza da Liturgia Cristã
Termo «Liturgia»
 No uso civil grego. Nos inícios da cultura helenística se
empregava para designar os serviços que prestavam os
cidadãos de classe mais abastada em benefício da
comunidade (serviço gratuito e oneroso). Depois,
como o debilitamento do sentido democrático na Grécia,
vindo a empregar-se para todo aquele que tinha uma
relação com o bem comum, ainda que em si tivesse um
sentido mais restrito: o serviço militar, a agricultura, os
préstimos dos servos, etc. (inclusive o serviço pago).
Desde o século II a.C., este termo também foi
empregado em relação ao serviço dos deuses (sentido
cultual).
Natureza da Liturgia Cristã
Termo «Liturgia»
 Na versão dos LXX (tradução greco-alexandrina do Antigo
Testamento) leiturghía (e seus derivados) se refere ao culto
levítico, quer dizer, ao culto realizado pelos sacerdotes e
levitas no tabernáculo em nome do povo; por isso
aparecem sobretudo nos livros e lugares que tratam do
culto levítico (cf. Ex 28,21). Algumas vezes designa o culto
espiritual (cf. Is 61,6). Para traduzir o culto em geral ou o
culto realizado pelo povo se empregam os termos latreia e
douleia. Com esta distinção de sujeitos (sacerdotes e levitas =
leiturghia/povo = latreia e douleia) se manifesta a distinção
entre rito e culto, distinção que não existe no texto hebraico.
Natureza da Liturgia Cristã
Termo «Liturgia»
No Novo Testamento. O termo liturgia é pouco
frequente (aparece apenas 15 vezes, sendo 5 delas em Hb)
e seu significado é muito diverso: a) culto ritual do AT (Lc
1,23; Hb 8,26; 9,21; 10,11); b) serviço oneroso em sentido
profano aplicado à atividade caritativa (Rm 15, 27; 2Cor
9,12; Fl 2, 25-30); e ao serviço dos anjos (Hb 1, 7-14); c)
culto espiritual dos cristãos (Rm 5, 16; Fl 2, 17) e d) culto
ritual cristão (At 13,2).
A explicação para o uso pouco frequente do termo liturgia
se deve ao fato da tradução cristã primitiva do termo se
mostrar pouco adequada para expressar a riqueza do
culto cristão em “espírito e verdade” (Jo 4,24).
Natureza da Liturgia Cristã
Termo «Liturgia»
 A literatura cristã primitiva fez pouco uso do termo
liturgia e lhe deu significados muito variados:
Eucaristia; o serviço dos anjos ao cantar o triságio; o
serviço com que os santos honraram a Deus em suas
vidas; o ofício e missão dos apóstolos na comunidade
cristã; o serviço cultual em geral e do bispo; um
serviço sagrado; qualquer serviço cultual da Igreja –
inclusive a pregação – realizado pelo bispo, presbítero
ou por qualquer outra ordem clerical, e sobretudo, os
ofícios divinos: o batismo, a salmodia, etc.
Natureza da Liturgia Cristã
Termo «Liturgia»
 O Ocidente cristão introduziu o termo liturgia com os
humanistas. Até então se empregou uma ampla terminologia:
mysterium, sacramentum, actio, officium, celebratio,
sacrum, solemnitas, etc. Desde o século XVI liturgia
aparece com frequência nos títulos dos livros, sobretudo
de caráter eucarístico. A partir do século XVIII se emprega
cada vez mais o termo como sinônimo de “culto divino”.
Desde o século XIX se usa com mais frequência e aparece
nos documentos magisteriais em seu sentido atual. O Código
de Direito Canônico de 1917 deu-lhe caráter oficial ao
inseri-lo em alguns de seus cânones (cf cân. 447, 1257) e o
Concílio Vaticano II consagrou-o definitivamente na
Constituição Sacrosanctum Concilium.
Natureza da Liturgia Cristã
Termo «Liturgia»
Assim, o significado do termo liturgia evoluiu neste
sentido: serviço em favor do povo, culto pagão, culto
ritual do povo hebreu, culto espiritual e ritual cristão,
culto oficial da Igreja.
Definições de Liturgia antes do
Concílio Vaticano II
Definições de Liturgia antes do
Concílio Vaticano II
 Novo Testamento. Segundo o N.T., a liturgia cristã tem
um caráter absolutamente singular, posto que o mais
importante e central não é o que é realizado pelo
homem, mas o que é realizado por Deus em Jesus
Cristo através da presença incessante do Espírito
Santo. Ao tomar parte na ação cultual (no N.T. há muitos
atos cultuais), o homem recebe pela fé a salvação
realizada por Deus e responde cultualmente a ela unindo-
se à presença mediadora de Cristo e do Espírito Santo.
Definições de Liturgia antes do
Concílio Vaticano II
 Primeiros escritores cristãos. O período seguinte insiste em
que a liturgia é obra de Deus, que está presente e atua em
Jesus Cristo e em seu Espírito. Mesmo assim, nem sequer
na época patrística se dá algo que vá além de uma tentativa de
definir o que se designa com muitos nomes (nisto, S. Isidoro
é uma exceção).
 A escolástica. Tampouco houve aqui uma preocupação mais
séria em explicar o conceito. Os elementos da liturgia,
enquanto ação santificadora, foram estudados no âmbito
da teologia dos sacramentos e o aspecto cultual, na
teologia moral. Esta separação escolástica se apresentou até
os nossos dias, em maior ou menor medida, nos tratados de
liturgia, na teologia pastoral e na catequética.
Definições de Liturgia antes do
Concílio Vaticano II
 A partir do século XVI, em que se adota o termo
liturgia, como sinônimo de celebração eucarística – às
vezes em referência aos textos utilizados nela – e não
inclui os sacramentos e sacramentais. Alguns autores
defenderam um conceito de liturgia que incluía os
sacramentos (Assemani, Fornici, Amberger, Ruef, etc.),
porém não tencionaram propriamente uma tal definição.
Definições de Liturgia antes do
Concílio Vaticano II
 Muratori. (Ludovico Antonio Muratori, 1672-1750)
(século XVIII) foi o primeiro a incluir o conceito de
“culto” na definição de liturgia, fazendo assim que
esta abrangesse a Missa e os sacramentos. Segundo
ele, a liturgia é “o modo de render culto ao Deus
verdadeiro por meio dos ritos externos legalmente
determinados com o fim de honrá-Lo e comunicar
seus benefícios aos homens”. Esta perspectiva teológica
teria dado ótimos resultados se tivesse sido seguida, mas
acabou por evoluir, na maioria dos casos, para uma
concepção esteticista e jurídica da liturgia que, em
1947 foi condenada na Encíclica Mediator Dei.
Definições de Liturgia antes do
Concílio Vaticano II
 Perspectiva esteticista. A tendência esteticista considera a
liturgia como “a forma externa e sensível do culto”. Seu
máximo representante, o Pe. Navatel, o expressava nestes
termos: “Todos sabem que a liturgia é a parte sensível,
cerimonial e decorativa do culto católico”. A tendência
jurídica afirma que o específico do culto cristão é a sua
regulamentação e ordenação por parte da Hierarquia
Eclesiástica. Segundo Calewaert (Karel Justinus Calewaert,
1893-1963, Bispo Belga), a liturgia pode definir-se como “o
ordenamento eclesiástico do culto público”. O esteticismo
e o juridicismo sublinham que o aspecto exterior da
liturgia é seu traço mais característico.
Definições de Liturgia antes do
Concílio Vaticano II
 Concepção teológica. Ainda que estas duas perspectivas
tenha prevalecido durante as primeiras décadas
subsequentes ao movimento litúrgico iniciado por Dom
Guéranguer na França e ratificado oficialmente por S.
Pio X, a princípios do século XX aparecem duas
tendências de caráter teológico que, com o tempo,
acabaram por impor-se: a liturgia como “culto da
Igreja” e como “mistério de salvação”.
Definições de Liturgia antes do
Concílio Vaticano II
A. A liturgia como realidade cultual
 Os iniciadores da primeira tendência foram os beneditinos M.
Festugière e L. Beauduin. Segundo eles, a liturgia pode definir-
se como o “culto da Igreja”. São “liturgia” todos e só os atos
que a Igreja reconhece como próprios, comunicando-lhes
determinadas notas que procedem da natureza mesma da
Igreja, enquanto que é “social, universal, e hierárquica,
continuação de Cristo, santificadora e composta de homens”.
Cristo ressuscitado é o único e universal sujeito deste culto da
Igreja, por ser o Mediador entre Deus e os homens, e o
Pontífice da Nova Aliança que realiza nosso culto aqui na
terra. Só quem se incorpora a Cristo e se converte em membro de
seu corpo (Batismo, sacerdócio comum), pode participar realmente
no culto da Igreja.
Definições de Liturgia antes do
Concílio Vaticano II
 O aspecto cultual da liturgia necessitava de um
complemento, pois se sublinhava justamente o aspecto
ascendente da liturgia: o que sobe do homem para
Deus, deixando assim na penumbra ou pouco
valorizando a sua vertente descendente: a
aproximação de Deus em relação ao homem para
comunicar-lhe sua graça e sua salvação.
Definições de Liturgia antes do
Concílio Vaticano II
B. A liturgia, realidade santificadora
 Este segundo aspecto foi exposto por O. Casel. Depois de um
atento exame das “religiões dos mistérios” e das fontes litúrgicas
antigas, onde a liturgia é chamada mysterium-sacramentum,
formulou assim os elementos essenciais do culto cristão: a) um
fato salvífico, b) que se faz presente em um rito; c) e comunica
a salvação aos que dele participam. O culto cristão, realizado
na forma cultual de “mistério”, não é tanto uma ação do
homem que busca encontrar-se com Deus (conceito natural da
virtude da “religião”), quanto um momento da ação salvadora
de Deus (conceito “revelado” da religião). Desde esta perspectiva,
O. Casel definiria a liturgia como “a ação ritual da obra salvífica
de Cristo”; isto é, “a presença sob o véu dos símbolos da obra
divina da redenção”.
Definições de Liturgia antes do
Concílio Vaticano II
 O ponto de partida desta tendência “mistérica” e a obra
salvífica realizada por Cristo. Essa obra se atualiza no
rito; consequentemente, a liturgia é uma realidade em que
a obra de Cristo se faz presente e ativa para os homens de
todos os tempos, convertendo-se assim em uma
atualização ininterrupta da história da salvação.
Definições de Liturgia antes do
Concílio Vaticano II
 A encíclica Mediator Dei. Em 1947 apareceu a encíclica
Mediator Dei, a qual não tardaria em ser qualificada
como a “carta magna da liturgia”. Ainda que Pio XII
parecesse não pretender explicitar todos os componentes
essenciais da liturgia e nem dar uma definição científica
da mesma, sancionou oficialmente seu caráter
teológico e lançou as bases sólidas de uma definição
científica.
Definições de Liturgia antes do
Concílio Vaticano II
 Segundo a MD, Cristo é o ponto de partida para
compreender a liturgia. Por sua condição de
Mediador, tributa ao Pai um culto perfeitíssimo. Este
culto se inicia na Encarnação (daí o caráter cultual da
mesma), e continua ao longo de toda a sua vida e
culmina com o sacrifício da Cruz, que tem como
consequência a santificação dos homens.
 A liturgia é a continuação ininterrupta desse culto de
Cristo em sua dupla vertente: glorificação de Deus e
salvação dos homens. Isto é possível graças à natureza
cultual da Igreja e à presença de Cristo como
Mediador e Sacerdote.
Definições de Liturgia antes do
Concílio Vaticano II
 Partindo destes pressupostos doutrinais de fundo, a MD
define a liturgia como “continuação do ofício
sacerdotal de Cristo”; como “exercício do sacerdócio de
Cristo”; como o “culto público que nosso Redentor,
Cabeça da Igreja, tributa ao Pai Celestial e que a
comunidade dos fiéis tributa ao seu Divino Fundador e,
por meio dEle, ao Pai”; e como “O culto público
integral do Corpo Mistico de Cristo, Cabeça e
membros”.
Definições de Liturgia antes do
Concílio Vaticano II
 A Constituição Sacrosanctum Concilium. Movendo-se em
posições doutrinais substancialmente idênticas às da MD, ainda
que tomando como ponto de partida, não a noção geral e abstrata
de culto, mas o desígnio salvífico de Deus, a Constituição
conciliar Sacrosanctum Concilium assinala os seguintes aspectos:
a) a vontade salvífica trinitária se realiza no tempo por Cristo,
Mediador entre Deus e os homens, que através de todos os atos
de sua vida e, sobretudo, pelo mistério pascal de sua morte e
ressurreição, glorifica a Deus de modo perfeitíssimo e salva os
homens (SC 5); b) a ação de Cristo continua e se exerce
continuamente na Igreja, sobretudo no sacrifício e nos
sacramentos, coração de toda a liturgia (SC 6); c) isto é possível
porque Cristo está presente em todas e cada uma das ações
litúrgicas, atualizando através dos sinais sensíveis e eficazes sua
obra redentora e comunicando-a a todos os homens de todos os
tempos.
Definições de Liturgia antes do
Concílio Vaticano II
 Desta argumentação se extrai uma definição de liturgia,
sem pretensões de que fosse científica: “Com razão, pois,
se considera a liturgia como o exercício do sacerdócio
de Jesus Cristo. Nela, os sinais significam e, cada um
à sua maneira, realizam a santificação do homem, e
assim o Corpo Místico de Jesus Cristo, ou seja, a
Cabeça e os membros, exercem o culto público
integral” (SC 7).
Noção de liturgia
Noção de liturgia

 Desde o começo do movimento litúrgico até os nossos


dias, foram propostas mais de trinta definições de
liturgia e, todavia, não existe uma que seja admitida
de forma unânime. Contudo, todos os autores
admitem que o conceito de liturgia inclui, ao menos,
os seguintes elementos: a presença de Cristo Sacerdote,
a ação da Igreja e do Espírito Santo, a história da
salvação continuada e atualizada através de sinais
eficazes, a santificação e o culto. A liturgia não se pode
definir por ser transcendental.
Noção de liturgia

 Segundo isto, se poderia considerar a


liturgia como a “ação” sacerdotal de Jesus
Cristo, continuada na e por meio da Igreja
sob a ação do Espírito Santo, por meio do
qual atualiza sua obra salvífica através de
sinais eficazes, dando assim culto
perfeitíssimo a Deus e comunicando aos
homens a salvação.
A liturgia, ação de Cristo sacerdote
A liturgia, ação de Cristo sacerdote

 A presença de Cristo Sacerdote é um aspecto tão


central na liturgia, que seu reto entendimento
condiciona tudo mais. Para entendê-la corretamente se
requer situá-la em um contexto muito amplo, a saber: o
estado cultual primitivo do homem, o pecado de
origem, a necessidade de um Mediador, a Encarnação
como realidade mediadora e sacerdotal, e o caráter
cultual de toda a vida de Cristo.
A liturgia, ação de Cristo sacerdote
a) Estado cultual primitivo do homem. O ato criador foi o começo do
diálogo de amor divino-humano: Deus criou o homem à sua imagem e
constituiu-o senhor de todas as coisas criadas, isto é: fê-lo partícipe,
em alguma medida, de sua natureza ao elevá-lo à ordem da graça e
encomendou-lhe o cuidado e o desenvolvimento de todas as realidades
naturais. Durante este estado originário, cuja duração ignoramos, Adão
reconhecia sua condição de criatura e ordenava todos os aspectos de
sua existência segundo a vontade divina, dando lugar a uma
adequação perfeita entre o querer de Deus e a atuação do homem. A
vida humana anterior à queda era, portanto, uma realidade
inteiramente cultual, posto que o homem, reconhecendo,
teoricamente e praticamente, tanto a excelência de Deus como a
sua condição de criatura, atuava como sacerdote de sua própria
existência e a convertia em oferenda agradável a Deus.
A liturgia, ação de Cristo sacerdote
b) O pecado de origem. Esta atuação cultual foi
radicalmente truncada pela desobediência de Adão e
consequente perda dos dons sobrenaturais. Com efeito, a
queda de Adão introduziu uma tal ruptura em sua
existência e na existência de toda a humanidade e, em
certo sentido, na criação mesma, que o homem se viu
radicalmente incapacitado para tributar a Deus o culto
devido e alcançar sua própria salvação. Privado dos bens
sobrenaturais, o culto humano perdeu sua orginária
grandeza e universalidade, encerrando-se nas estreitas
possibilidades de um culto meramente natural, cujos
limites e degradações apareceriam na história posterior.
A liturgia, ação de Cristo sacerdote

 c) Necessidade de um mediador. Deus poderia ter


anulado esta situação por um perdão gratuito; de fato,
escolheu o caminho de uma justa reparação, fazendo-
se assim necessária a existência de um Homem-Deus, o
qual, desde a sua condição mediadora, pudesse
realizar um culto perfeitíssimo, dando a Deus o
devido louvor e comunicando aos homens a salvação.
A liturgia, ação de Cristo sacerdote
 d) A Encarnação, realidade mediadora e sacerdotal. Este
Mediador é, de fato, Jesus Cristo, que une em uma mesma
Pessoa a natureza humana e divina. Esta união, chamada
tecnicamente hipostática, se realiza na Encarnação do Verbo, pelo
que esta é uma realidade constitutivamente mediadora. Trata-se
também de uma realidade sacerdotal, haja vista que, no
momento de sua entrada no mundo, Jesus Cristo se oferece a
Si mesmo como Vítima agradável ao Pai (Hb 10,5-7). A
Encarnação foi, portanto, uma ação sacerdotal com a qual
Cristo entoou um cântico de infinito louvor à Trindade e, como
nova Cabeça, reconciliou os homens com Deus. Em outras
palavras: a encarnação é uma fato cultual perfeitíssimo, pelo
qual “Deus foi perfeitamente glorificado e o homem
plenamente salvo”. Por isso, Encarnação, glorificação e
santificação são realidades indissoluvelmente unidas e inter-
relacionadas.
A liturgia, ação de Cristo sacerdote

 e) Caráter cultual da vida de Cristo. A resposta


obediencial ao Pai na Encarnação foi prolongada por
Cristo ao longo de toda a sua vida oculta e de seu
ministério público, chegando à sua culminância no
mistério pascal, realidade e sinal soberano da veracidade
e profundidade com pronunciou o “eis-me aqui, ó Pai,
para fazer a tua vontade” (Hb 10, 5-7). Toda a vida de
Cristo foi, consequentemente, um ininterrupto ato
sacerdotal e cultual.
A liturgia, ação de Cristo sacerdote

 Este ato continua na liturgia, onde Cristo, atualizando


a força salvífica de sua vida, morte e ressurreição,
realiza agora a plenitude do culto. A liturgia é
portanto, um ato de Cristo Sacerdote. Destes
pressupostos teológicos derivam o caráter cristocêntrico
e a especial dignidade e eficácia da liturgia. O
cristocentrismo litúrgico, sinalizado já na Mediator Dei
está muito bem delineado na Sacrosanctum Concilium,
tanto no que se refere à liturgia em geral (SC 5-7), como
aos sacramentos (SC 61), ao Ofício divino (SC 83) e ao
ano litúrgico (SC 102).
A liturgia, ação de Cristo sacerdote
 A respeito da originalidade e eficácia da liturgia,
basta recordar a conclusão com que a constituição
conciliar fecha o discurso teológico dos números cinco
a sete: “Consequentemente (…) por ser obra de Cristo
sacerdote, (…) toda a liturgia é uma ação sagrada por
excelência, cuja eficácia nenhuma outra ação da
Igreja iguala, sob o mesmo título e grau” (SC 7).
Como escreveu Vagaggini, “em qualquer parte que se
considere a liturgia é sempre e principalmente Cristo
quem está presente em primeiro plano: Cristo é quem
oferece o sacrifício da Missa; Cristo é quem santifica e
distribui as graças nos sacramentos; é Cristo que roga
e louva ao Pai nos sacramentais e na oração da Igreja,
e no louvor divino.
A liturgia, ação de Cristo sacerdote

 A Igreja, seus ministros, seus fiéis são na liturgia a


sombra que Ele arrasta atrás de si; a todos cobre
consigo mesmo; o Pai enxerga a liturgia como coisa de
Cristo; assim a vê , assim a escuta, assim a ama. Na
liturgia, Deus não vê os homens, mas somente a
Cristo, que obra pelos homens e os associa a Si
mesmo”. Contudo, é indispensável a incorporação à
obra de Cristo por parte dos que querem beneficiar-se
de sua eficácia, pois a salvação operada por Cristo só
se aplica aos que cooperam livremente com a graça.
A liturgia, ação da Igreja
A liturgia, ação da Igreja

 a) A Igreja, povo sacerdotal. Cristo, Sacerdote e


Pontífice da Nova Aliança, continua na liturgia o culto
perfeitíssimo que realizou durante a sua vida terrena.
Isto explica porque todas as ações litúrgicas sejam
atos de Cristo, e que Cristo seja o sujeito primário do
culto cristão.
 Pois bem, tal qual sucedeu na antiga economia, Cristo
elegeu o povo da Nova Aliança, destinando-o a
realizar um culto novo em um templo também novo.
A todos os membros desse povo os fez partícipes de
seu sacerdócio (I Pd 2, 9-10), convertendo-lhes em uma
comunidade inteiramente sacerdotal e cultual.
A liturgia, ação da Igreja

 Com efeito, Cristo não configurou esta comunidade


como uma realidade autônoma, mas solidária e em
comunhão tão íntima com Ele como a que existe entre
a cabeça e os membros de um corpo.
 Este novo qahal de Deus não é, portanto, uma
comunidade cultual como a da qahal de Yavé (Ex 12,3-
6.19.47; Dt 9,10; 10,4; 18,16; Nm 2, 1-34; 9, 15-23),
mas uma comunidade cultual que se une ao culto que
realiza a cabeça.
A liturgia, ação da Igreja

 Deste modo, a liturgia é uma ação cultual unitária de


Cristo e de sua Igreja. Cristo é o sujeito principal e a
Igreja, sujeito por apropriação; mas em uma relação
tão íntima, que a Igreja, em e por Cristo, e Cristo, na e
pela Igreja, realizam a glorificação de Deus e a
salvação dos homens.
 Esta é a doutrina recolhida pela Sacrosanctum
Concilium: “Cristo associa sempre consigo a sua
amadíssima Esposa, a Igreja” (SC 7), nas ações
litúrgicas.
A liturgia, ação da Igreja

 b) A Igreja comunidade batismal. O termo Igreja


(ekklesía, ecclesia) não se refere exclusiva ou
primariamente à hierarquia, mas ao Corpo Místico,
isto é, àqueles que se incorporaram a Cristo pelo
Batismo. Com efeito, inclui também a hierarquia
ministerial, sem a qual seria impossível, por exemplo, a
liturgia eucarística.
A liturgia, ação da Igreja
 Portanto, quando se afirma que a liturgia é uma realidade
eclesial, se indica que é uma realidade essencialmente
comunitária no sentido teológico, quer dizer, derivada
da comunhão existente entre Cristo-Cabeça e os
batizados. Convém advertir que o caráter comunitário
da liturgia brota de sua eclesialidade, de tal modo que
todas as ações litúrgicas são e não podem não sê-lo,
ações comunitárias, ainda que, às vezes, não sejam
coletivas. A presença ou ausência da comunidade não
cria nem aumenta o caráter comunitário das ações
litúrgicas; é unicamente seu sinal, sua manifestação, sua
epifania. Haja ou não o sinal epifânico: povo,
comunidade, assembleia, aquela ação é ação que
realiza a Igreja.
A liturgia, ação da Igreja

 Consequentemente, se afirma também que a


universalidade é uma nota essencial da liturgia cristã:
quando esta se realiza, é toda a Igreja, Cabeça e
membros, quem a realiza. Mais ainda, entram em
comunhão a igreja celeste e a terrestre, associando-se
ao culto realizado por Cristo-Cabeça. Esta é a doutrina
da Sacrosanctum Concilium: “as ações litúrgicas não são
ações privadas, mas celebrações da Igreja, povo santo de
Deus hierarquicamente organizado”, ao qual “pertencem,
manifestam e implicam” (SC 26).
A liturgia, ação da Igreja
 c) Igrejas particulares e reuniões de grupos de fiéis.
Pois bem, “A Igreja de Cristo está verdadeiramente
presente em todas as reuniões locais legítimas de
fiéis”, nas quais, “ainda que sejam frequentemente
pequenas e pobres ou vivam na dispersão, está
presente Cristo por cuja virtude se congrega a Igreja
Una, Santa, Católica e Apostólica” (LG 26).
 Segundo isto, a comunidade cultual universal se faz
presente e atuante nas reuniões de fiéis congregadas
legitimamente em torno ao Pastor e aos sacerdotes em
comunhão hierárquica; em algumas circunstâncias,
(vg.) na oração do Ofício divino, inclusive em uma
pessoa singular.
A liturgia, ação da Igreja
 Essas “Igrejas cultuais locais” são, de fato, as celebrações do
bispo em sua igreja catedral; as celebrações paroquiais; os
grupos pequenos de fiéis reunidos em torno de um sacerdote
autorizado pelos bispos e prelados; as comunidades
monásticas ou outras canonicamente instituídas que celebram
o culto não eucarístico, mas eclesial; as comunidades que
rezam o Ofício divino; ou qualquer cristão que, tendo a
deputação da Igreja, reza a Liturgia das Horas.
 A causa da presencialidade da Igreja nestas “igrejas” é a
presença de Cristo-Cabeça, o qual, atuando como sujeito
principal, associa a si a Igreja universal na liturgia que Ele
mesmo celebra na e pela Igreja local. Daí brota a inter-relação
entre Igreja e liturgia, a qual é tão importante que ambas se
condicionam e possibilitam sua existência.
A liturgia, ação da Igreja
 Brevemente: Cristo se faz presente na celebração
litúrgica realizada pela comunidade local, entendida em
sentido amplo. Essa presença de Cristo-Cabeça implica a
presença da Igreja como Corpo Místico e Povo de Deus.
Ambas as presenças tornam possível que, em Cristo e por
Cristo, toda a Igreja terrestre glorifique ao Pai e participe
dos bens salvíficos, e entre em comunhão com a Igreja
celeste. Consequentemente, a liturgia é sempre uma
ação eclesial, posto que eclesiais são o âmbito em que
acontece, o sujeito que a realiza e os frutos que
comunica. Esta eclesialidade inclui a intercomunhão
tanto dos membros entre si e a Cabeça, como da Igreja
peregrina e terrestre.
A Liturgia, ação do Espírito Santo
A Liturgia, ação do Espírito Santo

 Os escritos neotestamentários salientam fortemente a


inseparabilidade da ação de Cristo e do Espírito
Santo e apresenta a ação da terceira pessoa trinitária
como continuação da obra realizada por Cristo.
Graças a este influxo do Espírito, os Apóstolos e os fiéis
adquirem a verdadeira compreensão da doutrina do
Mestre, se transformam interiormente, oram como
convém (Rm 8,15; Gl 4,6), dão testemunho esforçado da
sua fé (At 7,54-60; 8-4; etc.) e celebram o culto em
espírito e verdade (Ef 5, 18-19; Cl 3,16; 1Cor 12 e 14).
A Liturgia, ação do Espírito Santo
 A presença do Espírito Santo é especialmente
perceptível nas ações litúrgicas. O Batismo se realiza
invocando ao Espírito Santo (Mt 28,28; At 1,5; 11,16), e
converte os que recebem em templos do Espírito (1Cor
6,15-19). A Confirmação confere o dom do Espírito
Santo (At 8, 15-20). O mesmo sucede com o sacramento
da Ordem (1Tm 4,14; 2Tm 1,6; At 6,3-6; 13,1-4),
embora que esta doação do mesmo Espírito tenha efeitos
e finalidades diversas. O Espírito Santo se dá aos
Apóstolos para perdoar os pecados (Jo 20,22-23).
Finalmente, a oblação sacrifical cruenta de Cristo
aparece como realizada sob a ação do Espírito.
A Liturgia, ação do Espírito Santo

 A tradição litúrgica do Oriente e do Ocidente explicitou


esta presença do Espírito Santo no organismo
sacramental e no corpo oracional. Basta recordar, por
exemplo, a epíclese eucarística, as orações epicléticas
dos diversos sacramentos e as doxologias.
 Convém ter em conta que a presença dinâmica do
Espírito Santo no é exclusiva de certas ações ou
pessoas, mas comum a toda a liturgia, já que este é o
âmbito por excelência onde Cristo realiza sua missão
salvífica. E assim, não anula nem exclui a ação de
Cristo.
A liturgia, realidade sacramental
A liturgia, realidade sacramental
 Em uma ordem de coisas absolutamente hipotética, a
salvação poder-se-ia realizar através de relações subjetivas de
Deus com os homens. Porém, na ordem salvífica real a
salvação se realiza por meio de realidades objetivas e
simbólicas, ou seja: em um regime de sinais sensíveis e
eficazes, graças aos quais Deus entra em comunhão com
os homens e estes têm acesso a Deus.
 A existência, natureza e eficácia destas realidades
sacramentais encontram seu fundamento último na livre e
onipotente vontade divina. Com efeito, se inscrevem na
linha da Encarnação, continuam o modo de obrar de Deus na
história salvífica e respondem ao constitutivo da pessoa
humana.
A liturgia, realidade sacramental

 Num primeiro ponto, se inscreve na linha da Encarnação.


Com efeito, o plano salvífico previu a comunicação de
Deus com os homens e o acesso destes a Deus através de
outros homens e de coisas materiais e sensíveis. Cristo,
Deus e Homem, caminho único para ir ao Pai, é o
protótipo desta lei, pois n’Ele o divino saiu ao encontro
do humano e o humano se encontrou totalmente com o
divino, ainda que permanecendo o humano e o divino
como realidades distintas, sem confusão e sem mistura.
A liturgia, realidade sacramental

 A Igreja, continuação, expressão e instrumento de Cristo,


construída segundo o primeiro molde encarnado, é também
uma realidade divino-humana, visível (como realidade
social) e invisível (como mistério), âmbito e instrumento de
que Cristo se serve para comunicar sua vida divina aos
homens e para que os homens rendam culto a Deus desde
Pentecostes até a Parusia.
A liturgia, realidade sacramental

 A liturgia, instrumento de Cristo e da Igreja – pelo qual


Deus santifica em Cristo a Igreja, e a Igreja, também por
meio de Cristo, rende culto ao Pai – foi construída segundo
o mesmo modelo encarnado, já que nela confluem o
humano (realidades materiais) e o divino (a graça), o visível
(o sensível) e o que transcende aos sentidos (o invisível). Do
protossacramento que é Cristo, deriva o sacramento
universal que é a Igreja e esta se expressa
fundamentalmente no ritos sacramentais e de modo
especial nos sacramentos propriamente tais, sobretudo na
Eucaristia.
A liturgia, realidade sacramental
 Ademais de inscrever-se na linha da Encarnação, as
realidades sacramentais continuam no modo de obrar
de Deus na história salvífica. Com efeito, na economia
antiga as pessoas e as coisas faziam referência a outras
realidades superiores e sagradas. Basta recordar, por
exemplo, e dilúvio, o Mar Vermelho, o maná, a serpente,
a água tirada da pedra, que prefiguravam o Batismo, a
Eucaristia, etc. De algum modo, toda a economia
veterotestamentária era um grande sacramentum da nova
e definitiva aliança. Por outro lado, o mesmo Cristo
realizou certos milagres servindo-se de linguagem
simbólica, como a unção com saliva e barro que
realizou em um surdo-mudo.
A liturgia, realidade sacramental

 Este modo divino de operar responde perfeitamente à


natureza humana, unidade substancial de corpo e alma,
de espírito e matéria; e a seu estilo conatural de
comportar-se, levanto em conta que a alma espiritual
conhece e se aperfeiçoa por meio do corpo e das coisas
sensíveis, e, por sua vez, manifesta-se no corpo e nas
realidades sensíveis, imprimindo algo de si mesma.
 Assim, o caráter sacramental da liturgia encerra uma
profunda pedagogia divina e é um veículo muito apto
para a comunicação entre Deus e os homens.
A liturgia, atualização do mistério pascal
A liturgia, atualização do mistério pascal

 Portanto, se a salvação operada por Cristo – que


atualizar-se-á na liturgia – teve lugar, sobretudo, no
mistério pascal, salvação-mistério pascal-liturgia são
realidades inseparáveis. Em outras palavras, a liturgia
atualiza o mistério pascal e o mistério pascal
comunica a salvação.
A liturgia, atualização do mistério pascal

 Os homens participam nessa atualização em diversos


momentos: quando renascem para uma nova vida no
Batismo; quando recebem o Espírito Santo na
Confirmação; ao tomar parte no Sacrifício da Missa;
ao receber o perdão no sacramento da Penitência, etc.
Aqui encontra explicação o fato de que todos os
sacramentos estejam unidos à Eucaristia e que todo o
ano litúrgico, no itinerário dos mistérios de Cristo,
desde o seu nascimento até Pentecostes e a Parusia,
celebre e atualize o mistério pascal.
A liturgia, atualização do mistério pascal

 Por isto, a celebração da Páscoa do Senhor é o centro


do culto cristão. Este foi o entendimento das primeiras
gerações de cristãos, para os quais a celebração da
Páscoa anual não era somente a festa por antonomásia,
mas a única festa, e a páscoa hebdomadária, o eixo sobre
qual girava a vida litúrgica.
A liturgia, momento culminante da história
da salvação.
A liturgia, momento culminante da história
da salvação.

 Retamente entendida, a Revelação é uma sucessão de


etapas salvíficas, cuja totalidade constitui a história
da salvação.
 A primeira destas etapas é a da profecia ou do anúncio.
Temporal e salvificamente coincide com o Antigo
Testamento. Nela, de forma imperfeita, gradual e
progressiva se revela o mistério de Deus escondido desde
a eternidade (Cl 1,26), mistério que não é outro senão o
desígnio divino de salvar em Cristo e por Cristo a todos
os homens.
A liturgia, momento culminante da história
da salvação.

 Com a Encarnação do Verbo, do anúncio se passa à


realidade e se inicia a etapa da plenitude dos tempos.
Cristo, convertido em Mediador e Pontífice graças à sua
humanidade, à qual uniu-se o Verbo, e com todos os atos
de sua vida, especialmente os de sua morte e
ressurreição, reconcilia totalmente os homens com Deus
e realiza a plenitude do culto divino. Deste modo, do
tempo da preparação se passa ao tempo da realização.
A liturgia, momento culminante da história
da salvação.

 Esta segunda etapa, chamada também tempo de Cristo,


origina um novo momento salvífico: o tempo da Igreja,
já que no mesmo momento em que Cristo cumpre a
obra da salvação, nasce a Igreja como seu
prolongamento, para comunicar a todos os homens de
todos os tempos a eficácia salvífica desta salvação.
A liturgia, momento culminante da história
da salvação.

 Estas três etapas não são realidades justapostas, mas


partes de um todo unitário e intimamente
relacionadas entre si. Assim, o tempo da profecia
prefigura e realiza de algum modo o tempo de Cristo
e se orienta até Ele, convertendo todo o Antigo
Testamento em um grande advento. O tempo da Igreja,
por seu turno, prolonga a força salvífica do mistério
pascal desde Pentecostes até a última vinda de Cristo.
O tempo de Cristo serve de chave entre os dois.
A liturgia, momento culminante da história
da salvação.

 Desta maneira, a economia salvífica aparece como a


realização temporal do plano trinitário salvador; isto é,
como um único projeto que, iniciado no eterno querer de
Deus, se realiza na história em três tempos sucessivos: o
da profecia, o de Cristo e o da Igreja. Existe, pois, uma só
história salvífica. Aqui se radica a inter-relação ente a
economia veterotestamentária e a neotestamentária: o
tempo da profecia (AT) e ininteligível sem o de Cristo
que o explica e plenifica; por sua vez, o tempo de Cristo
só se entende perfeitamente à luz da profecia, onde se
inicia; e o tempo da Igreja, por se encontrar em um e em
outro, prolonga a ambos na história.
A liturgia, momento culminante da história
da salvação.

 Este prolongamento tem lugar principalmente na


liturgia, pois ainda que a liturgia não seja a única
realidade eclesial portadora e comunicadora da
salvação, é, sim, a mais importante, já que dela
derivam e para ela convergem todas as demais ações
eclesiais.
 Sendo assim, a liturgia se apresenta como uma etapa
da história salvífica no sentido em que continua, no
tempo da Igreja, as ações salvíficas realizadas por
Deus no AT e consumadas por Cristo.
A liturgia, momento culminante da história
da salvação.

 Precisamente nela, Deus segue realizando sua vontade


salvadora e possibilita a vinda da consumação da
história salvífica, na qual, em Cristo e por Cristo, os
eleitos celebrarão eternamente a liturgia celeste.
 Esta conexão entre liturgia e história salvífica explica,
por exemplo, o recurso frequente dos Padres à
tipologia veterotestamentária na hora de explicar os
sacramentos, sobretudo o do Batismo (Mar Vermelho,
Dilúvio, Nuvem) e da Eucaristia (Maná, Água da Pedra,
Sacrifícios, etc.). Também usaram esta tipologia Jesus
Cristo e os Apóstolos segundo o que aparece nos
Evangelhos e nas Cartas.
A liturgia, momento culminante da história
da salvação.

 Pode-se, pois, dizer que o Antigo Testamento, o Novo e


a liturgia são partes de uma única, misteriosa e
inseparável realidade: a história da salvação; a qual é
anunciada no AT, é plenificada no NT e se atualiza
ininterruptamente na liturgia.
A liturgia, realidade cultual-
santificadora
A liturgia, realidade cultual-
santificadora
 Ainda que alguns autores sustentem que a liturgia, tal e
como está descrita no número sete da constituição
conciliar, é uma realidade horizontal que visa a
salvação dos homens e não tem em conta a vertente
ascendente, não há razões objetivas para sustentar tal
suposição, pois o ensinamento de SC 5-7 mostra que a
liturgia é inseparavelmente culto e santificação.
A liturgia, realidade cultual-
santificadora
 Neste contexto, com efeito, culto tem um sentido mais
amplo e abarca a obra unitária e global realizada por
Cristo, a qual inclui ambos os elementos. Por isso, culto
cristão, em sentido amplo, é esta realidade total que
glorifica a Deus e salva os homens. Para compreender
melhor sua natureza e originalidade vamos situá-lo no
contexto do culto natural e judeu.
A liturgia, realidade cultual-
santificadora
a) O culto natural

 O culto é uma realidade temporal e espacialmente


universal, pois a história das religiões demonstra que
todos os povos, inclusive os mais arcaicos e apartados
da civilização, tiveram consciência de um Ser
Supremo do qual se sentiam dependentes e com o
qual entravam em comunicação através de certos
ritos.
A liturgia, realidade cultual-
santificadora
 As manifestações deste culto, variável segundo os povos
e épocas, têm sido fundamentalmente as seguintes: o
culto doméstico ou familiar; a oração pública e
privada; as oferendas das primícias privadas e
coletivas; os sacrifícios, cruentos ou incruentos,
realizados por particulares ou por um indivíduo em nome
da coletividade; as grandes festividades nas quais
participava todo o povo; os lugares especificamente
destinados ao culto público; as peregrinações a
lugares especialmente venerados.
A liturgia, realidade cultual-
santificadora
 Frequentemente este culto caiu em deformações
politeístas, panteístas, idolátricas, mágicas, etc. Com
efeito, estas deformações e impurezas não invalidam o
fato nem a universalidade do culto; mais ainda,
manifestam, ainda que imperfeitamente, um sentimento
natural que brota espontaneamente do coração
humano, a saber: o reconhecimento da excelência de
Deus e da própria indignidade e dependência, com a
consequente obrigação de manifestar uma e outra através
de todos os atos da própria existência e por meio de
certas ações, tais como a adoração, o agradecimento, o
temor, a súplica, etc. É o que conhecemos com o nome
de culto natural.
A liturgia, realidade cultual-
santificadora
 O culto natural tem dois grandes componentes:
 a) o reconhecimento, por uma parte, da dignidade
de Deus, da própria dependência e da obrigação de
orientar toda a existência a Ele;
 b) a orientação fática da vida segundo estes
postulados.
A liturgia, realidade cultual-
santificadora
 Nesta perspectiva, o culto religioso natural aparece como
conjunto de atos pelos quais o homem, individual e
coletivamente, expressa suas relações com Deus. Entre
elas se destacam a honra e a submissão, com as quais
glorifica a Deus por sua excelência e submete-se a Ele.
Isto gera uma forte vinculação entre culto e glorificação.
 A virtude natural da religião é, pois, a dobradiça
sobre o qual gira o culto natural. Dela brotam as
disposições interiores que evitam que se caia em um vão
ritualismo e vivificam as manifestações externas que o
culto deve ter para ser verdadeiramente considerado
como tal.
A liturgia, realidade cultual-
santificadora
b) O culto judaico

 Se a virtude natural da religião origina e sustenta o culto


natural, o culto judaico, por sua vez, tem como
fundamento os fatos salvíficos realizados na economia
antiga. Mediante o culto se comemoravam os fatos do
passado e se atualizava a a fé do povo no poder
atuante de Deus, ao mesmo tempo que se estimulava
sua esperança a respeito do cumprimento futuro de
todas as promessas. O paradigma por antonomásia era a
Páscoa.
A liturgia, realidade cultual-
santificadora
 O centro desse culto era a Arca da Aliança, símbolo
da presença de Deus no meio do seu povo. Albergada
no tabernáculo, se converteu no santuário portátil dos
hebreus em sua peregrinação pelo deserto. Depois de ter
sido colocada em Silo, Nob e Gabaon, foi fixada no
Templo construído em Jerusalém por Salomão,
desaparecendo com ele no momento do cativeiro e sendo
substituída pelo “propiciatório” do segundo templo.
A liturgia, realidade cultual-
santificadora
 Com a fixação da Arca no Templo, este transformou-se
no centro do culto de Israel, pois a ela ficou vinculada a
presença de Yahvé. Por este motivo, os fiéis de todo o
país vinham ao Templo para contemplar o rosto de
Deus e tomar parte no culto oficial nacional que ali se
celebrava.
A liturgia, realidade cultual-
santificadora
 No Templo oferecia-se sacrifícios diariamente, entre os quais
se destacava, por sua beleza e significado, o que se oferecia a
cada manhã e a cada tarde um nome da nação. Consistia na
oferenda de um cordeiro sem mancha, uma torta de farinha e
azeite e uma libação de vinho. A cerimônia da incensação do
altar de ouro – situado no “Santo” - precedia a esta oferenda
matutina e servia de conclusão à vespertina. Uma vez por
ano, no dia da Expiação, o Sumo Sacerdote entrava no
“Sancta Sanctorum” para fazer uma breve oração em favor de
todo o povo. As pessoas que formaram parte da instituição
sacerdotal e levítica estiveram fortemente vinculadas a este
culto, enquanto ministros oficiais do mesmo.
A liturgia, realidade cultual-
santificadora
 Mais tarde, o culto do Templo se completado pela
liturgia sinagogal. Propriamente falando, as sinagogas
não eram lugares destinados ao culto (pois este consistia
sobretudo em sacrifícios, os quais eram oferecidos no
Templo). Contudo, as leituras, cantos, e orações do
culto sinagogal podem considerar-se justamente como
complemento do culto sacrifical.
A liturgia, realidade cultual-
santificadora
 Dimensão comunitária. Em virtude de sua eleição como
povo de Deus, Israel veio a ser, enquanto comunidade
nacional, o espaço onde Deus cumpria suas promessas e
o tempo onde Deus realizava seu desígnio salvífico.
Quanto este povo celebrava o culto, tinha consciência de
ser todo ele “reino de sacerdotes e nação consagrada” (Ex
19,5-6), que entrava em comunhão com Deus através de
certos atos religiosos, que se consideravam próprios de
todo o povo e realizados por todos como algo nacional e
comunitário.
A liturgia, realidade cultual-
santificadora
 Dimensão interior. É um princípio constante da Lei, dos
livros proféticos e dos sapienciais, a inutilidade do culto se
realizado sem as atitudes interiores que Deus espera de seu
povo: “a obediência é superior aos sacrifícios e a docilidade
mais que a gordura de carneiros” (1Sm 15,22). Daí os
ataques, à vezes violentos em sua forma, contra um culto
superficial, ritualista e meramente externo; sobretudo quando
se tomava como um substitutivo das profundas infidelidades
contra Deus. Certamente Deus não rechaçava o culto, pois
agradava-lhe se procedia de um coração reto e justo (Eclo
35,1-10). De fato, o mesmo Senhor, seus Apóstolos e sua Mãe
participaram com assiduidade no culto do Templo e no
sinagogal.
A liturgia, realidade cultual-
santificadora
 Dimensão escatológica. Recordando sem cessar as
promessas de Deus, o culto judaico alimentava a esperança
futura inclusive nos momentos de maior prostração nacional.
A leitura dos textos como os que recordavam a saída do Egito
– que convidavam a um novo êxodo – e os que evocavam a
criação – que faziam esperar uma nova criação: a libertação e
salvação definitivas – cumpriram um papel decisivo. Era pois,
um culto totalmente orientado ao futuro: Deus, por meio de
suas promessas, se havia comprometido a tornar realidade o
que humanamente seria mera utopia. O culto não esgotava,
portanto, sua significação no momento presente, mas que
premido pela pregação profética, estava voltado para porvir.
Esta dimensão escatológica seria consumada e levada à
plenitude no culto cristão.
A liturgia, realidade cultual-
santificadora
c) O culto cristão
 Não obstante, os planos salvíficos de Deus
contemplavam a existência de um culto real, perfeito e
definitivo. A chegada deste e a abolição do culto judaico
foi anunciada por Cristo à samaritana em resposta à
pergunta sobre a legitimidade cultual do templo de
Garizim ou do de Sião (Jerusalém). (Jo 4,20-23).
A liturgia, realidade cultual-
santificadora
 Porém, Cristo não só anunciou, mas instaurou o novo
culto. Assumindo a natureza humana em atitude de
absoluta obediência ao Pai (Fl 2,5-10), foi constituído em
novo Pontífice de um novo culto em um novo templo.
Este culto foi inaugurado na Encarnação e
prolongado em todos os atos de sua vida oculta e
ministério público, culminado em sua paixão e morte,
com a qual ofereceu ao Pai um sacrifício
perfeitíssimo, de incomparável natureza e valor a
despeito dos sacrifícios do culto antigo.(Hb 9,11-14).
A liturgia, realidade cultual-
santificadora
 Este culto se prolonga na história por instituição do
mesmo Cristo, que fez possível a reatualização
ininterrupta de seu sacrifício redentor e a transmissão
de seu conteúdo espiritual, ao instituir o mistério
eucarístico e os demais sacramentos. Graças ao caráter
sensível e espiritual dos mesmos, o sacrifício e os
sacramentos possibilitam a plena participação no culto de
Cristo.
A liturgia, realidade cultual-
santificadora
 Segundo este princípio, o culto cristão, em sentido
estrito, consiste na atualização das obras sacerdotais
de Cristo e na adesão interior e exterior às mesmas,
mediante uma verdadeira participação. Através dessas
ações sacerdotais de Cristo-Cabeça, o cristão se une à
adoração, louvor, petição, oblação que Ele tributou ao
Pai. Graças à nossa condição de membros do Corpo
Místico, esses atos se unem ao culto que realiza o mesmo
Cristo, entrando assim em esfera de absoluta dignidade e
valor.
A liturgia, realidade cultual-
santificadora
 Certamente o culto cristão não se esgota nas ações
litúrgicas, pois ao ser um culto em “espírito e verdade”,
abarca toda a existência, que há de ser vivida como
hóstia oferecida a Deus (LG 10). Com efeito, este culto
da própria vida (culto espiritual) está em íntima
dependência do culto litúrgico, enquanto necessita da
graça que comunicam de modo especial os sacramentos;
e precisa, ademais, para seu progresso, de diversos atos,
momentos e lugares específicos.
A liturgia, realidade cultual-
santificadora
 O culto cristão não anula, portanto, o sagrado, o ritual, o
simbólico, a consciência da necessidade de sacrifício,
etc., mas o eleva, o purifica, superando, de um lado, a
exterioridade farisaica e, de outro, situando a religião no
interior da resposta a um Deus que chama à união com
Ele, e que reclama, consequentemente, a entrega da
inteira existência do homem.
A liturgia, realidade cultual-
santificadora
 Características do culto cristão. O culto cristão tem as
seguintes características fundamentais:
 Espiritual e sensível,
 Pessoal e comunitário,
 Glorificador de Deus e salvador dos homens,
 Terreno e escatológico.
A liturgia, realidade cultual-
santificadora
 Culto espiritual e sensível. O culto inaugurado por
Cristo na Encarnação e consumado na Cruz consistiu
essencialmente na oblação interna de sua vontade,
com a qual aceitou a vontade do Pai com tal
profundidade e radicalidade, que para cumpri-la assumiu
primeiro e entregou depois a natureza humana, que lhe
situava na condição de servo (Fl 2,7), e a disposição real
de cumprir sempre e em todo momento a vontade do Pai
(Jo 4,34). Foi, pois, um culto com esta dupla
dimensão: interna (oblação da vontade) e sensível
(assunção e entrega, inclusive cruenta, da natureza
humana).
 A liturgia, realidade cultual-
santificadora
 Enquanto prolongamento do culto de Cristo, o culto cristão
possui também este caráter espiritual e sensível, tal e como
manifestam os sinais sacramentais, nos quais aquele se
perpetua. Trata-se, portanto, de realidades visíveis (sinal
externo: água, pão, azeite, palavra, etc.) que contêm e
comunicam realidades invisíveis (a graça).
 Unindo-nos a estes ritos sagrados “em verdade e em espírito”,
imitamos a vida de Cristo, nos fazemos oblação interna e
externa com Ele, e recebemos a graça, a qual possibilita
converter nossa existência em um ato de culto e em
cumprimento amoroso e fiel de sua vontade.
A liturgia, realidade cultual-
santificadora
 Pessoal e comunitário. O culto que Cristo realizou durante a
sua vida, atualiza-se agora nas ações litúrgicas, nas quais Ele
mesmo está presente e atuante. Esta presença é tão radical,
que as ações litúrgicas são atos de Cristo. Trata-se, portanto,
de um culto pessoal.
 Por outro lado, Cristo entregou à sua Igreja, Corpo Místico e
Povo de Deus, a realização de seu culto; e a associação a si
mesmo, como Esposa amadíssima, para que assim esta tribute
ao Pai um culto perfeitíssimo.
 Portanto, o culto cristão é uma ação que pertence a toda a
Igreja e que realiza a inteira comunidade dos batizados; ou
seja, é uma realidade comunitária.
A liturgia, realidade cultual-
santificadora
 Glorificador e santificador. Segundo atesta a Carta aos
Romanos, pela desobediência do primeiro Adão,
entraram na terra o pecado, a morte e a condenação. A
obra do primeiro Adão foi, portanto, “desglorificadora”
(pecado contra Deus) e condenadora (perda para o gênero
humano). O mesmo texto acrescenta que o pecado, a
morte e a condenação foram vencidos pela obediência do
novo Adão, Cristo, obediência que o levou a entregar a
sua vida em resgate de todos, mediante uma oblação
amorosa ao Pai. Deste modo, o novo Adão recolocou a
honra de Deus e a condição do homem em um estado
semelhante ao da criação-elevação.
A liturgia, realidade cultual-
santificadora
 Este duplo movimento continua agora nos atos litúrgicos,
pois, como vimos antes, atualizam e contém a obra
realizada por Cristo. Uma e outra são inseparáveis,
apesar de ser o aspecto glorificador o aspecto principal
do culto cristão, enquanto que a obra de Cristo teve como
fim dar glória ao Pai.
A liturgia, realidade cultual-
santificadora
 Terreno e celestial: O culto que Cristo realizou na terra
o continua na liturgia terrena e na liturgia que realiza na
Jerusalém celestial, onde atua como ministro do santuário
e do tabernáculo (SC 8).
 O culto terreno e celestial não são dois cultos, mas dois
modos de exercer o culto cristão. Por outro lado, ainda
que um se realize no tempo (história) e o outro para além
do tempo (meta-história), entre ambos não existe ruptura,
senão íntima comunhão.
A liturgia, realidade cultual-
santificadora
 Quando a Igreja peregrina realiza sua liturgia, e em
particular a eucaristia, se une ao “culto da Igreja celestial
entrando em comunhão e venerando em primeiro lugar a
memória da Bem-Aventurada sempre Virgem Maria, Mãe
de Deus, de seu esposo São José, dos santos Apóstolos,
mártires e de todos os santos” (Cânon Romano).
 Esta comunhão entre o culto terreno e o celestial confere
ao culto cristão um caráter essencialmente escatológico;
caráter que se põe também de manifesto no caráter
transitório do terreno frente a situação definitiva que
caracteriza o celestial.

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