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Dante Santoro - Trajetória e Estilo Interpretativo Do Flautista Líder Do Regional Da Rádio Nacional Do Rio de Janeiro
Dante Santoro - Trajetória e Estilo Interpretativo Do Flautista Líder Do Regional Da Rádio Nacional Do Rio de Janeiro
por
CDD – 788.3
AGRADECIMENTOS
Ao Prof. Dr. Pedro de Moura Aragão, que acompanhou este trabalho desde o seu começo,
agregando valiosas contribuições;
Aos Profs. Drs. Martha Ulhôa, Pauxy Gentil-Nunes, Raul Costa D´Avila, Luiz Otávio Braga e
Carole Gubernikoff, pela participação nas bancas examinadoras e contribuições à pesquisa;
A Homero Santoro, por dar-me acesso a seu acervo particular e incentivar esta pesquisa;
Aos entrevistados Jorge José da Silva, o Jorginho do Pandeiro; Carlos Silva e Souza, o
Caçula; Leonardo Miranda; Milton D´Avila; Odette Ernest Dias e Plauto Cruz;
Aos músicos Bartholomeu Wiese, Danilo Jatobá, Kátia Baloussier, Leandro Montovani,
Lucas Porto e Paulo Dantas, pelas parcerias musicais, ao longo do curso;
A meus amigos e familiares, especialmente a meus pais, Reny Franco de Araújo e Wilson
Ignácio de Araújo (em memória);
ARAÚJO, Larena Franco de. Dante Santoro (1904-1969): trajetória e estilo interpretativo do
flautista líder do Regional da Rádio Nacional do Rio de Janeiro. 2014. Tese (Doutorado em
Música) – Programa de Pós-Graduação em Música, Centro de Letras e Artes, Universidade
Federal do Estado do Rio de Janeiro.
Esta tese propõe um estudo sobre a trajetória e o estilo interpretativo do flautista Dante
Santoro (1904-1969), líder do Regional da Rádio Nacional do Rio de Janeiro entre 1938 e
1969, personagem pouco recordado nos dias de hoje, apesar de sua notória participação no
meio musical da época. O objetivo da pesquisa é revisar a biografia do flautista, listar a sua
produção como intérprete/compositor e analisar algumas de suas obras, a fim de descobrir
suas referências, contribuições e estimar sua relação com a obra de seus contemporâneos. O
trabalho se inicia com um estudo sobre a circularidade cultural no contexto do choro, a
improvisação e a bossa no choro e a inserção do gênero no mercado radiofônico e
discográfico, a partir das discussões levantadas por Aragão (2012), Braga (2002), Cortes
(2012), Ginzburg (1974), Martins (2012), Moraes (2000), Sandroni (2001), Valente (2009) e
Wisnik (2004). A biografia de Dante Santoro foi reconstituída a partir do texto de Faria
(2011), complementado por dados colhidos em artigos de jornais e revistas publicados entre
1928 e 1969; nos trabalhos de Simões (2008), Souza (2010) e Vedana (2000) e em
depoimentos do sobrinho do flautista e de músicos que testemunharam sua atuação. A
listagem de sua produção, estimada em cerca de 100 obras, fez-se a partir da consulta a oito
acervos, contendo partituras editadas, manuscritos, gravações comerciais e gravações de
programas da Rádio Nacional, material organizado segundo orientação de Cotta (2000). A
análise da obra, que se baseou na audição, transcrição e consulta a partituras/manuscritos,
partiu de um levantamento sobre a morfologia do choro baseado em Sève (1999), com a
posterior análise de gravações digitalizadas, originalmente lançadas em discos 78 rpm, pelas
gravadoras Victor, Odeon e Sinter, além de gravações de programas da Rádio Nacional. O
estudo revelou, como importantes referências na obra de Dante Santoro, o repertório de
concerto em estilo romântico para flauta e a obra de Pattápio Silva (1880-1907), referências
permeadas pelo contato com o meio radiofônico-discográfico e a obra de seus
contemporâneos, especialmente Pixinguinha (1897-1973) e Benedito Lacerda (1903-1958).
Dentre as contribuições, destacam-se inovações relacionadas a recursos expressivos e efeitos
sonoros idiomáticos da flauta, que tornam sua produção uma obra autoral de destaque no
contexto do choro.
ARAÚJO, Larena Franco de. Dante Santoro (1904-1969): the biography and the
performance style of the principal flutist for the choro ensemble at the National Radio Station
in Rio de Janeiro. 2014. Thesis (Doctorate in Music) – Graduate Program in Music, Centro de
Letras e Artes, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.
This thesis proposes a study over the biography and the performance style of the brazilian
flautist Dante Santoro (1904-1969), head of the ensemble “Conjunto Regional de Dante
Santoro”, at National Radio Station in Rio de Janeiro from 1938 to 1969. He is nowadays a
slightly remembered musician, despite of his remarkable role in brazilian musical scene those
days. This research aims to review his biography, list his works as a performer/composer and
analyze some of his music, in order to find out its references, contributions and relations to
the work of his contemporaries. The thesis starts with a study over the dialogue “classical and
popular” in choro music, broadening a discussion about improvisation and “bossa”, as well
as choro´s insertion in radio broadcasting and recording industry in the 1930s. The works of
Aragão (2012), Braga (2002), Cortes (2012), Ginzburg (1974), Martins (2012), Moraes
(2000), Sandroni (2001), Valente (2009) and Wisnik (2004) are the basis for this discussion.
Santoro´s biography was built over Faria (2011), complemented by data recovered at press
articles published between 1928 and 1969, at the works of Simões (2008), Souza (2010) and
Vedana (2000), and by interviews with the flautist´s nephew and musicians who heard his
playing. After the search into eight different archives, his work was listed on around one
hundred pieces, including edited scores, manuscripts, released recordings and radio
broadcasting studio recordings. The collected material was organized according to the advices
of Cotta (2000). The analysis session starts with a survey over choro´s morphology, based on
Sève (1999), reaching then the study of a set of digitalized recordings, originally released by
Victor, Odeon and Sinter in 78rpm discs, as well as some of National Radio´s broadcasting
recordings. Analysis was based on listening, transcription and score consult. It demonstrated,
as important references to Santoro´s music, the flute works in romantic style (XIX century)
and the work of the brazilian flautist Pattápio Silva (1880-1907), pervaded by the contact with
radio broadcasting and recording media, as well as the works of his contemporaries,
especially Pixinguinha (1897-1973) and Benedito Lacerda (1903-1958). Among his most
significant contributions are the innovations to choro repertoire, related to expressive features
and idiomatic unusual sound effects, creating an outstanding work in the context of choro
music.
Keywords: Flute performance. Brazilian choro in radio broadcasting and recording industry.
Flutist composers. Dante Santoro.
RESUME
Cette thèse propose une étude sur le travail du flûtiste Dante Santoro (1904-1969), chef du
groupe de choro de la Radio Nacional de Rio de Janeiro entre 1938 et 1969. En dépit de son
implication notoire dans la musique de son temps, Santoro est un caractère peu reconnu
actuellement. L'objectif de la recherche est de reconstruire la biographie du musicien, sa
production comme interprète/compositeur et d'analyser certaines de ses œuvres, afin de
découvrir ses références, ses contributions et d'estimer sa relation avec les travaux de ses
contemporains. Le travail commence par une étude sur le dialogue «classique et populaire»
dans le musique du choro, qui jette un régard sur l'improvisation et la «bossa» dans le
contexte du choro et s’occupe encore de l'inclusion de ce genre dans la radio et l'industrie du
disque, à partir des discussions proposées par Aragão (2012), Braga (2002), Cortes (2012),
Ginzburg (1974), Martins (2012), Moraes (2000), Sandroni (2001), Valente (2009) et Wisnik
(2004). La biographie de Dante Santoro a été reconstituée à partir du texte de Faria (2011),
complété par des données recueillies d'articles de journaux et périodiques publiés entre 1928
et 1969, et par les travaux de Simões (2008), Souza (2010) et Vedana (2000) et aussi auprès le
témoignage d’un neveu du flûtiste et des musiciens qui ont vu sa performance. La liste de sa
production, estimée à environ cent œuvres, composée de la requête de huit collections,
contenant les partitions éditées, des manuscrits, des enregistrements et des enregistrements
commerciaux des programmes de la Rádio Nacional, matériel organisé selon l’enseignement
de Cotta (2000). L'analyse de l'œuvre, qui a été basée sur la transcription de l'audience et de la
requête de partitions musicales/manuscrits, a emergé d'une enquête sur la morphologie du
choro presentée par Sève (1999), avec une analyse ultérieure des enregistrements numérisés,
mis en place à l'origine sur des disques 78 tours, par les maisons de disques Victor, Odeon et
Sinter, plus les enregistrements de programmes de la Rádio Nacional. L'étude a révélé,
comme références importantes dans les œuvres de Dante Santoro, le répertoire de concert
dans un style romantique pour la flûte et l’oeuvre de Pattápio Silva (1880-1907), les
références imprégnées par le contact avec le milieu radio-discographique et le travail de sés
contemporains, en particulier Pixinguinha (1897-1973) et Benedito Lacerda (1903-1958).
Parmi les contributions se démarquent des inovations des ressources expressifs et lês effets
sonores idiomatiques de la flûte, qui font de son œuvre un travail mis en évidence dans le
contexte du choro.
LISTA DE QUADROS
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 12
INTRODUÇÃO
era conhecido em sua terra natal, Porto Alegre, migrou para o Rio de Janeiro no início da
década de 1930, adquirindo nova alcunha entre seus pares: o “bico de ouro”. Como intérprete,
é reconhecido por seu estilo pessoal, marcado por uma sonoridade potente e uma técnica
refinada; entretanto, atualmente é um personagem pouco recordado no cenário musical ou
acadêmico, apesar de sua expressiva obra.
Altamiro Carrilho (1924-2012) foi um dos últimos flautistas lançados pelo rádio, já
na década de 1950, atuando no famoso Regional do Canhoto, na Rádio Mayrink Veiga, no
lugar antes ocupado por Benedito Lacerda. Natural de Santo Antônio de Pádua, estado do Rio
de Janeiro, Altamiro iniciou sua carreira como calouro em programas de rádio na década de
1940, ocasião em que teve contato com Benedito Lacerda e Dante Santoro, influências que
Carrilho sempre destacava. Reconhecido por seu estilo habilidoso, fez escola na interpretação
do choro, tornando-se uma referência para os flautistas da geração atual.
Entre esses flautistas, a figura obscurecida de Dante Santoro causa interesse. Apesar
de ter ocupado posição de destaque no rádio e no mercado fonográfico nas décadas de 1930,
1940 e 1950, sua obra não perdurou como a de seus contemporâneos. A obra de Pixinguinha,
por exemplo, consagrou-se de forma definitiva desde os lançamentos fonográficos e editoriais
1
Como se sabe, Alfredo da Rocha Viana Filho, o Pixinguinha (1897-1973), foi exímio flautista. Porém, no
contexto do rádio, atuou basicamente como saxofonista e arranjador, pois já havia deixado de tocar flauta, razão
pela qual não é mencionado entre os flautistas do rádio. Entretanto, sua importância para a prática interpretativa
da flauta no choro é fundamental e será abordada neste trabalho.
2
Waldiro Frederico Tramontano (1908-1987), o Canhoto, tocava cavaquinho no Regional de Benedito Lacerda e
assumiu a liderança do grupo no início da década de 1950, com a saída do flautista. O grupo, que passou a se
chamar Regional do Canhoto, atuou na Rádio Mayrink Veiga até o início da década de 1960 e foi reconhecido
como o melhor regional da era do rádio.
3
Horondino José da Silva (1918-2006), o Dino Sete Cordas, foi violonista convidado a integrar o regional de
Benedito Lacerda em 1937 e, posteriormente, o Regional do Canhoto, na década de 1950. Desenvolveu e
dinamizou o uso do violão de sete cordas no choro, por meio dos “bordões” nas linhas do baixo. Atuou, ainda,
no Conjunto Época de Ouro, na década de 1960, e em diversas produções da indústria fonográfica, até a década
de 1990.
4
Jaime Tomás Florence (1909-1982), o Meira, violonista e compositor pernambucano, chegou ao Rio de Janeiro
em 1928, acompanhando o bandolinista Luperce Miranda. No Regional de Benedito Lacerda, iniciou, a partir de
1937, a dupla com Dino Sete Cordas, que perdurou por mais de vinte anos no Regional do Canhoto, tornando-se
conhecida como a melhor dupla de violões do rádio carioca.
14
A obra de Dante Santoro, por sua vez, permanece pouco conhecida até mesmo entre
os insiders do choro. Suas músicas não são muito tocadas no repertório corrente das rodas de
choro, embora sejam muito apreciadas uma vez conhecidas, o que se dá geralmente por meio
de gravações, pois são raras as partituras editadas e os fonogramas de sua autoria disponíveis
no mercado. Sua produção é estimada em cerca de cem obras (entre choros, valsas, sambas,
polcas, boleros etc.), gravadas por ele mesmo como flautista, acompanhado de seu conjunto,
em 57 discos (56 em formato 78 rpm e 01 LP), pelos selos Victor, Continental, Odeon, Sinter
e Star, nas décadas de 1930, 1940 e 1950. Destacados intérpretes da época também gravaram
suas composições, entre eles K-Ximbinho, a Orquestra Victor Brasileira, Dircinha e Linda
Batista, Albertinho Fortuna, Nuno Roland, Gilberto Alves, Francisco Alves, Orlando Silva e
Manoel Reis. Segundo Marcondes (2000), seus maiores sucessos de público - as valsas
Lágrimas de Rosa (1937), Olhos magos (1943) e Vidas mal traçadas (sucesso de radionovela
da época) foram gravados na voz de estrelas do rádio, como Orlando Silva e Francisco Alves.
Apesar desse aparente esquecimento, parte de sua obra de fato desperta o interesse
dos flautistas atuais, o que se observa pelo número de regravações de alguns de seus choros.
De acordo com o acervo da pesquisadora Maria Luiza Kfouri, publicado no site “Discos do
Brasil: uma discografia brasileira”, o choro Harmonia selvagem (1938) foi gravado
posteriormente por Altamiro Carrilho em LP e CD (p. 1999 e 2008, respectivamente) e por
Dirceu Leite (1994), assim como as obras Teu feitiço, por Marta Ozzetti (1996); Jockey de
elefante, por Carlos Poyares (1997); É logo ali, por Flávia Tnardowski (2000)6.
5
HIME, Joana (Prod.). Memórias musicais-Pixinguinha. CDS 4, 9 e 14. Rio de Janeiro: Biscoito Fino, p. 2002. 9
CDs.
FLORES, Paulo (Coord.) Benê, o flautista – Trilogia musical da obra do polêmico (e genial) Benedito Lacerda.
São Paulo: Maritaca Produções Artísticas, p. 2006. 3 CDs.
6
As gravações de Altamiro Carrilho e Dirceu Leite são as mais conhecidas entre os músicos de choro. Poucos
tiveram a oportunidade de ouvir as gravações do próprio Dante Santoro. Foram feitas referências aos
lançamentos discográficos, porém diversas interpretações de obras de Dante Santoro estão disponíveis, na
internet, pelo serviço youtube. Entre os intérpretes, Sérgio Morais, Choro das Três, Antônio Rocha, Alessandro
Penezzi, além de gravações digitalizadas do próprio Dante Santoro.
15
Popular Brasileira – Abel Ferreira e o choro (1977) e a série de gravações contidas no Tributo
a Dante Santoro, interpretadas por Altamiro Carrilho, contendo as seguintes músicas: Vidas
mal traçadas, Harmonia Selvagem, Quando a minha flauta chora, Inferno de Dante, Gilka e
Jóquei de elefante (1977).
O que faz de Dante Santoro uma figura de certa forma obscurecida no cenário
musical nos dias de hoje? Quem foi esse artista? Que relações teve com seus
contemporâneos? E o que sua obra agrega ao repertório da música popular urbana brasileira?
São essas questões que motivam o presente trabalho e, para promover a discussão, serão
utilizados dados biográficos do quantitativo da obra e de análise musical, contextualizados a
partir de referencial teórico sobre a música popular urbana e, mais especificamente, o choro.
Octávio Dutra foi um conhecido chorão de Porto Alegre, figura muito importante no
meio musical porto-alegrense no início do século XX. Com ele, Dante Santoro se
profissionalizou, aprendendo a ser um músico eclético, capaz de atuar em diferentes meios:
em serenatas de rua, nos saraus familiares, no carnaval, nas orquestras de baile, nas orquestras
sinfônicas, no teatro de revista, no Rádio e nos discos. Dante Santoro vivenciou, na parceria
com Dutra, o processo de profissionalização do músico popular e sua inserção no mercado
fonográfico e radiofônico. Esse fato marca sua produção de forma decisiva, pois toda a sua
obra se insere e se destina a esse mercado.
17
Busca-se narrar a trajetória de Dante Santoro a partir dos fatos conhecidos, conforme
artigo de Arthur de Faria (2011), lançando mão da contextualização histórica para enriquecer
essa narrativa. Suas referências musicais e as atividades nas quais se desenvolveu como
músico serão objeto de estudo, além dos depoimentos de músicos que testemunharam sua
atuação. Uma parcela da biografia também contemplará traços pessoais, esboçados na
entrevista do sobrinho Homero Santoro, cujas lembranças ajudaram a compor uma
perspectiva humana do artista.
da época. Para tanto, a análise será enriquecida por meio do estudo comparado com exemplos
musicais retirados da obra de flautistas que lhe foram contemporâneos, especialmente
Pixinguinha e Benedito Lacerda.
As conclusões da pesquisa encontram-se nas Considerações finais, seguidas das
referências bibliográficas que embasaram este trabalho. No DVD anexo, podem ser
consultadas as gravações utilizadas para a análise do Capítulo 4, bem como as partituras,
gravações, artigos da imprensa, documentos e entrevistas que ilustram esta tese.
19
CAPÍTULO 1
A OBRA DE DANTE SANTORO E SEU CONTEXTO
Cada cultura tem a sua maneira de classificar a música, uma taxonomia que pode ter
inúmeros grupos. De acordo com o etnomusicólogo Bruno Nettl (1983), no mundo ocidental,
costuma-se utilizar as classificações música folclórica, música popular e música erudita. O
termo música erudita (também chamada música de concerto) refere-se à música associada a
compositores específicos, identificada com a tradição europeia e o período de sua criação
(música barroca, clássica, romântica, contemporânea, etc.). Já as categorias música folclórica
e música popular por vezes se confundem. Costuma-se relacionar o termo música folclórica
com a música autóctone, muitas vezes de origem rural, e de autoria anônima. A música
popular, por sua vez, seria aquela representativa das classes populares, geralmente de origem
urbana, de autoria identificada.
Essas categorias têm sido questionadas pela musicologia desde a segunda metade do
século XX, já que se permeiam mutuamente na dinâmica das relações sociais. Ocorre um
fenômeno de interpenetração e ressignificação entre formas de expressão populares e de elite.
De forma mais ampla, pode-se dizer que no contexto social, existe uma pluralidade de vozes,
de diferentes gerações, classes, gêneros e locais, dialogando dinamicamente.
O historiador Carlo Ginzburg (1976), ao estudar os fundamentos da cultura popular
na Idade Média em O Queijo e os Vermes, criou uma categoria de análise aplicável a
determinados processos de reapropriação e trocas entre diferentes classes sociais, a que
denominou circularidade cultural: “entre a cultura das classes dominantes e a das classes
subalternas existiu, na Europa pré-industrial, um relacionamento circular feito de influências
recíprocas, que se movia de baixo para cima, bem como de cima para baixo” (GINZBURG,
1976, p. 10)
O autor observa que a questão da dualidade entre a cultura das classes subalternas e
das classes dominantes surge de uma concepção aristocrática de cultura, vigente até meados
do século XX, de que as “ideias, crenças, visões de mundo das classes subalternas” nada mais
seriam que um “acúmulo inorgânico de fragmentos de ideias, crenças e visões de mundo
elaboradas pelas classes dominantes”, deformadas ou deterioradas no processo de transmissão
às classes subalternas (GINZBURG, op. cit, p. 12). Entretanto, o estudo mais recente desses
textos revela que, se por um lado havia dicotomia entre as culturas das classes dominantes e
subalternas na Idade Média, por outro haveria também intertextualidade, ou seja, influxo
recíproco entre tais classes.
21
Com a crescente divulgação da música popular urbana pelas rádios a partir da década
de 1930, o discurso modernista entra em um diálogo com vozes defensoras dessa música
popular cada vez mais vinculada aos gêneros populares urbanos surgidos desde fins do século
XIX7. José Miguel Wisnik (2004) narra o conflito nacionalista da seguinte forma:
7
Para uma discussão aprofundada dos embates surgidos no início da década de 1930 em relação à invenção do
nacional a partir de elementos eruditos/populares, conferir Braga, 2002, p. 142-147.
22
As danças de par enlaçado apareceram no Brasil nos anos de 1840, com a valsa e a
polca. Como novidades modernas, foram adotadas entusiasticamente pelas famílias
mais ricas das principais cidades do litoral, mas custaram muito a ser aceitas no
interior, nas cidades pequenas e pelo povo em geral. (...) Por outro lado, as danças
de par separado, designadas ora como batuque, lundu, ou samba, eram
caracterizadas pela umbigada - “gesto pelo qual um dançarino designa aquele que irá
substituí-lo” (SANDRONI, 2001, p. 64, 65 e 85).
8
Francisco Guimarães escreveu Na roda de samba e Orestes Barbosa, Samba, ambos lançados em 1933.
Alexandre Gonçalves Pinto é autor de O Choro – reminiscências dos chorões antigos, publicado em 1936.
23
que ganhou traços de lundu (dança de par separado). O maxixe, ao longo daquele século, cai
no gosto de compositores e instrumentistas e começa a ser publicado pelas primeiras editoras
de música, às vezes com o nome de tango brasileiro ou polca-lundu.
O samba, por sua vez, surge primeiramente como dança de par separado, de origem
rural, um correlato do batuque – termo usado genericamente até o século XIX como sinônimo
de dança de negros. Já no início do século XX, o samba da Cidade Nova ganha características
de maxixe, portanto de dança urbana de par enlaçado, passando, então, por novas
modificações que o levariam a seus contornos atuais, o chamado samba de Estácio9.
Conforme refere Sandroni (2001), há nessa trajetória uma circulação entre o folclórico e o
popular.
9
Sandroni (2001) utiliza os termos “Samba da Cidade Nova” e “Samba de Estácio” para relacionar,
respectivamente, o samba antigo (aproximado do maxixe) e o samba novo (no padrão sincopado do tamborim,
semelhante ao atual). Alguns autores preferem atribuir essas modificações rítmicas à participação de um número
crescente de instrumentos de percussão nas gravações de samba a partir do final da década de 30, o que foi
possível graças aos avanços tecnológicos nas gravações elétricas (cf. BRAGA, 2002, p. 118). Adotar-se-á, neste
trabalho, a terminologia de Sandroni (2001), que bem define a questão da contrametricidade: os ritmos
contramétricos correspondem à acentuação em pontos não tônicos da métrica do compasso (síncope), como
descrito no próximo tópico deste capítulo, página 42.
24
existiram três sambas: o samba raiado, de som e sotaque sertanejos; o samba corrido, já
melhorado e mais harmonioso e “com a pronúncia da gente da capital baiana” e o samba
chulado, que é o samba rimado, civilizado, desenvolvido (o samba urbano).
(...) samba e macumba, pelo menos até a última metade dos [anos] 30, são quase que
indistinguíveis com tendência, no entanto, à separação de seus rituais na medida em
que se caminha para os anos 40. A promessa se não de ascensão, mas de visibilidade
social, impele o compositor popular, de modo geral, na direção de um campo
artístico concomitantemente inventado/construído, que coincide com a
implementação de uma indústria cultural com características frankfurtianas ainda
incipientes (BRAGA, 2002, p. 182).
A atividade dos choros corria num ano demarcado por festas religiosas. Em outras
palavras, a agenda do choro era regida pela agenda das festas. (...) A festa do Divino
Espírito Santo [por exemplo, era] um espaço onde circulavam algo
“democraticamente” os formantes, a estrutura organizacional fulcral da música
urbana brasileira em suas dimensões plurais: de ritos, danças, cantos, estruturas
rítmicas e melódicas, os aportes estrangeiros. (BRAGA, 2002, p. 211, grifo do
original).
(...) Por um lado haveria uma “instância original” representada pelas práticas
musicais ligadas aos candomblés das casas das tias bahianas; por outro, a mediação
10
De acordo com Santuza Cambraia Naves (1998), a mediação refere-se à ação dos sujeitos que transitam e
atuam entre os múltiplos espaços culturais, como os universos “popular” e “erudito”. (NAVES apud Souza,
2010, p. 16). Para Marcos Napolitano (2005), num sentido amplo a música é o lugar das mediações e o músico, o
mediador cultural, que participa em diferentes espaços sociais em que a música se faz presente, atuando e
interagindo. (NAPOLITANO apud SOUZA, 2010, p. 15).
25
de compositores urbanos que teriam propagado o gênero musical para além das
quatro paredes das casas das bahianas, alterando, entretanto, sua forma original.
(ARAGÃO, 2012, p. 30).
Percebe-se, portanto, que rural, urbano, folclórico, popular, ritual e profano são
categorias que se confundem e dialogam continuamente na formação dos gêneros da música
popular urbana, o que também se aplica às categorias erudito e popular. Observa-se que os
gêneros populares urbanos sofrem adaptações logo que o piano chega ao Brasil, em fins do
Império, e as músicas começam a ser editadas para o instrumento. O repertório brasileiro
editado para piano no século XIX era basicamente composto por danças de salão (polcas,
maxixes e tangos brasileiros). O mercado editorial parece estimular uma adaptação na
produção musical em três esferas, como sugere Sandroni (2001): do ponto de vista da
instrumentação, passa do violão ao piano; do ponto de vista da autoria, passa do refrão
tradicional ou anônimo à música de autor e do ponto de vista da distribuição, passa do
registro oral ao registro escrito.
Ciata), que funcionavam como espaços de resistência “às marginalizações sofridas pelos
grupos populares em suas práticas culturais” (WISNIK, 2004, p. 153-155).
Wisnik (2004) amplia o ambiente de circulação social “sala – fundos – terreiro” para o
que chama de “topologia musical urbana”. A sala de visitas se desdobra em sarau (sala em
que a música passa de ser motivação de dança para objeto de contemplação amena) e sala de
concerto (onde a contemplação auditiva é mais ritualizada e o repertório investido de uma
aura museológica mais destacada), conforme o Diagrama 1. (WISNIK, 2004, p. 159)
Diagrama 1. Topologia musical urbana. Circulação entre biombos culturais da sala de concerto ao terreiro de
candomblé e vice-versa. (Wisnik, 2004, p. 159).
11
Pixinguinha, citado por Roberto Moura em “Tia Ciata e a pequena África no Rio de Janeiro”, p. 83. (apud
Sandroni, 2001, p. 103).
12
Biombos culturais podem ser entendidos como “territórios culturais de passagem que permitiam articulações
entre diferentes camadas sociais” (ARAGÃO, 2012, p. 26-27)
29
Para Wisnik (2004), o choro e a seresta “ocupam um lugar paralelo e elástico entre o
samba, o salão e o sarau, tangenciando a batucada e aspirando eventualmente ao status
erudito” (WISNIK, 2004, p. 161). Segundo o autor, o choro seria um “coringa musical”, como
comenta Aragão (2012, p. 27), “podendo se configurar como uma música apta a ser tocada
tanto nos “grandes salões” quanto na mítica casa de tia Ciata”. Exemplo seria o violonista
Sátiro Bilhar, que segundo depoimento de Donga, citado por Wisnik, “estilizava a mesma
composição (...) conforme as conveniências do público a quem tocava, em gradações
nuançadas entre o erudito e o popular.” (Wisnik, 2004, p. 158)
Para Wisnik (2004), o choro dialoga com o samba e com a música erudita nas duas
extremidades da cadeia por ele proposta: ora se aproxima do gênero mais popular que é o
samba, ora agrega elementos da música de concerto. A relação entre o choro e o samba é de
fato curiosa. O choro é considerado, por muitos intérpretes, um gênero musicalmente mais
elaborado. Sandroni (2001) afirma que no início os “bons tocadores de flauta, clarineta, etc.”,
ou seja, os solistas de choro, limitavam suas participações à sala de visitas, onde havia o baile
animado pelo choro.
A casa da tia Ciata tinha os dois [o choro e o samba], separados como gêneros
musicais em suas formas características de execução, mas principalmente por
disposições receptivas, afinal consagradas na mesma festa: um na sala; instrumental,
variado com base no terno [ou seja, o trio flauta, cavaquinho e violão] (...) o outro
no quintal, cantado a base de palmas, prato, faca e pandeiro. Não é absurdo imaginar
a intensa dinâmica interativa da recepção, os personagens trocando espaços e
disposições, a sala pelo quintal e vice-versa.
A partir da década de 1920, a aproximação entre o choro e o samba cresceu muito por
conta do mercado fonográfico. Sandroni (2001) refere que, na maioria das gravações
comerciais de samba, foram os músicos de choro que se responsabilizaram pelo “suporte
harmônico e pela ornamentação melódica de flauta, trombone, etc.”. (SANDRONI, 2001, p.
104-105). Não só os músicos vinham do choro, mas também os arranjadores. Como se sabe,
os primeiros arranjos do samba na indústria fonográfica foram feitos por Pixinguinha. Braga
13
Pixinguinha citado por Vagalume em Na Roda do Samba, p. 77. (apud Sandroni, 2001, p. 140)
31
(2002) também comenta essa aproximação entre chorões e sambistas, ao citar os livros dos
primeiros memorialistas do choro - Alexandre Gonçalves Pinto, Vagalume e Orestes Barbosa
- publicados na década de 1930:
Alexandre Gonçalves Pinto nos deixa bem clara a relação dos chorões com o carnaval e,
portanto,com o samba, ampliando a geografia dos “encontros”. Para além das casas das
“tias” baianas, tão bem descritas pelos memorialistas Vagalume e Orestes Barbosa, essa
interação se estreitava também: nos Ranchos e suas orquestras constituídas; no
acompanhamento dos ensaios de canto e nas lidas das gravações; no acompanhamento
dos cantores pelos espaços de trabalho profissional possíveis; circos, cinemas, rádio e
teatro de revista e nas festas oficiais. (BRAGA, 2002, p. 208).
O conjunto regional com maior atuação nas gravações do novo samba desde o final
da década de 1920 até praticamente a década de 1970 será o conjunto formado pela
trinca Canhoto (Waldomiro Tramontano), Dino (Horondino José da Silva) e Meira
(Jayme Florence), a princípio reunidos como “regional de Benedito Lacerda” e
depois como “Regional do Canhoto”, a partir da década de 1950. (ARAGÃO, 2012,
p. 35).
A forma como Wisnik (2004) dispõe a relação entre o choro e o samba resulta
interessante quando aplicada na comparação do estilo interpretativo dos flautistas Benedito
Lacerda e Dante Santoro. Poder-se-ia dizer que Benedito Lacerda atuou na extremidade
popular da cadeia proposta por Wisnik, o samba, enquanto Dante Santoro voltou-se para a
extremidade erudita da cadeia, o choro. Essa observação ganha mais interesse quando se
considera que Benedito Lacerda formou-se em flauta e composição no Instituto Nacional de
Música do Rio de Janeiro, enquanto Dante Santoro não teve formação oficial de
14
Na terminologia dos músicos populares, a “levada” “é uma célula rítmica, ou rítmico-harmônica, que
caracteriza determinados acompanhamentos da melodia principal, constituindo fator básico de identificação dos
gêneros musicais” (TRAVASSOS, 2005, p. 18). Nesse padrão rítmico baseia-se o acompanhamento dos violões,
do cavaquinho e da percussão. No caso do samba de Estácio, trata-se de um padrão rítmico contramétrico,
inspirado no padrão executado pelos tamborins.
32
conservatório, como se verá nos próximos capítulos. Esse fato demonstra quão relativas são as
classificações erudito e popular e que a dicotomia entre essas categorias não tem sentido15.
15
Esse fato demonstra, ainda, que, do ponto de vista interpretativo, a tendência estilística de cada intérprete
parece definir-se por uma escolha interpretativa, baseada na experiência musical, na afinidade e no gosto pessoal
de cada músico, mais do que pela eventual educação formal.
16
Catulo da Paixão Cearense, nascido em 1823 no Ceará, foi reconhecido pelos intelectuais da época como
autêntico “poeta popular”, tendo publicado diversos livros com coletâneas de modinhas e canções da época,
sempre com a preocupação de “corrigir” e adaptar as letras das poesias de modo a inseri-las na norma culta e no
“padrão” exigido pela incipiente indústria cultural da época (Carvalho, 2006, p. 6 apud Aragão, 2002, p. 98).
17
Em artigo de 1940 para o jornal “O Estado”, Andrade cita o Festival Nazareth, de 1940, promovido pela
Associação dos Artistas Brasileiros no mesmo Conservatório de Música, mas, dessa vez, sem polícia (Braga,
2002, p. 292). O programa desse concerto, encontrado por esta pesquisadora na Biblioteca Alberto Nepomuceno
da Escola de Música da UFRJ, mostra a participação do Regional de Dante Santoro, além dos pianistas Mário
Azevedo, Arnaldo Rebello, Henrique Vogeler e Carolina Cardoso de Menezes.
33
O que chamamos aqui de música popular urbana no período [1930 a 1945] é aquela
música produzida num contexto de improvisação, mobilidade e criatividade. Ela
prescinde do escol tão necessário à tradição da cultura musical oficial, o que não
significa que muitos músicos que operam no registro erudito dela não participem e
que muitos dos autores populares não tenham seguido em algum momento de suas
carreiras os princípios da aprendizagem oficial. Muito pelo contrário; e isso é uma
característica significativa da tensão entre o popular e o erudito. Tensões que se
manifestam em conflitos, em manifestos, em enquetes, ações pela imprensa, nos
encontros de trabalho nos bastidores das rádios e estúdios de gravação. Trocas de
experiências e colaborações. (BRAGA, 2002, p. 346).
Ainda que Videira não soubesse ler partituras, conhecia “regularmente” o violão e o
cavaquinho, o que provavelmente quer dizer que o flautista-charuteiro dominava um
repertório de formação de acordes, como os caminhos harmônicos e o repertório
rítmico-harmônico (“levadas”) dos dois instrumentos. Dessa forma, andando sempre
com Videira, Alexandre conseguiu repertoriar um vocabulário de estruturas de
acompanhamento que o permitiu se tornar um instrumentista “respeitado na roda dos
tocadores batutas”. Da mesma forma que Videira, outros instrumentistas também se
tornaram verdadeiros “professores” informais de seus instrumentos, sendo o
aprendizado quase sempre feito na prática da roda. (ARAGÃO, 2012, p. 214).
É muito difícil sabermos hoje em dia até que ponto as práticas populares e as
músicas contidas nos cadernos dos “antigos flautas” – isto é, as músicas de Callado
e Viriato, por exemplo, - faziam parte do currículo dos alunos do Conservatório. Um
fato interessante pode talvez ilustrar o caso: em um caderno manuscrito de partituras
da coleção Jupyacara Xavier, datado de 1909, encontramos na contracapa um
programa de um concerto de música com os dizeres: “Grande concerto do flautista
brasileiro Gabriel de Almeida – aluno laureado do Instituto Nacional de Música e
ex-discípulo do inesquecido professor Duque Estrada Meyer – Ginásio de Música”.
Acima, manuscrito: “em 29 de janeiro de 1910”. Quando cotejamos os compositores
que constavam no recital com aqueles que constam no caderno temos, de um lado,
Leoncavallo, Marchetti, Dubois, entre outros – e do outro Silveira, Callado, Viriato,
etc. Ou seja, o mais provável é que houvesse realmente uma divisão entre os
compositores “permitidos” de conservatório e os compositores “de rua”, ainda que
Meyer fosse ele mesmo um discípulo de Callado e um grande conhecedor das
músicas de choro. (ARAGÃO, 2012. p. 217).
O que tiramos disso tudo é o fato de que, dada a grande popularidade da flauta
naquela época – 109 flautistas são citados ao longo do livro de acordo com o
fichamento de Jacob do Bandolim -, os processos de aprendizagem se davam
necessariamente através de diversas fontes, entre as quais estava a entidade “oficial”
de ensino, o Conservatório Imperial (e depois Instituto Nacional de Música). Ainda
que não saibamos até que ponto esta música era efetivamente ensinada no
Conservatório, o fato é que temos pelo menos três gerações de professores dessa
instituição – Callado, Duque Estrada Meyer e Pedro de Assis – ligados à prática do
choro e citados no livro de Pinto. (ARAGÃO, 2012. p. 218).
Porém, a transmissão oral também tem papel fundamental, tendo em vista que alguns
aspectos interpretativos não eram notados em partitura. De fato a transmissão oral parece
ocupar um espaço cada vez maior na prática do choro a partir da segunda metade do século
XX. Alguns indícios observados por Aragão (2012) podem corroborar essa ideia: (1)
partituras em clave de fá, encontradas em vários cadernos manuscritos, indicam que os
contracantos eram inicialmente lidos pelos executantes de oficleide e bombardino, por
exemplo; quando esses instrumentos caíram em desuso, foram substituídos pelos contracantos
improvisados no violão de sete cordas; (2) o acompanhamento rítmico-harmônico raramente
era escrito, portanto as conduções rítmico-harmônicas eram necessariamente transmitidas por
19
É necessário relativizar, entretanto, a questão da transmissão “escrita” e “oral” em música. Como afirma
Aragão (2012) citando Treitler (1992), “a dicotomia entre transmissão “escrita” e “não escrita” não pode ser
sustentada na prática: mais ainda, para o musicólogo, desde o começo da tradição musical escrita europeia
conceitos como leitura, memória e improvisação foram aspectos contínuos, mutuamente relacionados e
interdependentes” (Treitler, 1992 apud ARAGÃO, 2012, p. 202). Há, inclusive, autores que enriquecem esse
debate ao incluir mais categorias: para Curt Sachs, existiriam quatro formas de transmissão: oral, escrita (ou
manuscrita, mais precisamente), impressa e gravada – categorias que estariam presentes em todas as culturas, em
maior ou menor grau, a partir da segunda metade do século XX, nunca com um caráter mutuamente excludente,
mas numa relação de interdependência contínua (ARAGÃO, 2012, p. 202)
20
A partir da segunda metade do século XX, a capacidade de improvisação é mais valorizada do que a leitura de
partituras no ambiente do choro, fato relacionado especialmente à figura de Jacob do Bandolim. Em seu
depoimento ao Museu da Imagem e do Som, em 1967, Jacob afirma a existência de duas categorias de músicos
de choro: “(...) há dois tipos de chorão: há o chorão de estante, que eu repudio que é aquele que bota o papel pra
tocar choro e deixa de ter a sua ... perde a sua característica principal que é a da improvisação; e há o chorão
autêntico, o verdadeiro, aquele que pode decorar a música pelo papel e depois dar-lhe o colorido que bem
entender, este que me parece o verdadeiro, autêntico, honesto chorão” (Jacob do Bandolim, 1967 apud
ARAGÃO, 2012, p. 203).
36
O que se pode concluir a partir disto é o fato de que os modos de transmissão oral e
escrito parecem estar presentes desde o nascimento do gênero [choro], e não é por
acaso que o tema aparece na obra de Pinto e no depoimento de um de seus mais
importantes intérpretes das décadas de 1940 a 1960, Jacob do Bandolim. Na
comparação entre estes dois podemos perceber que para os chorões descritos por
Pinto a leitura da partitura era algo tão valorizado como o fato de se tocar de
“ouvido”. (ARAGÃO, 2012, p. 204).
motivos e/ou materiais mais longos, etc. O “ponto de partida” abarca desde o que é fácil e
“natural”, ao que é intelectualmente complexo. (NETTL, 1998, p. 15-16).
(...) Falar que o único jazz legítimo é o que nunca foi ouvido antes é romantismo
bobo. Afinal, o que há de errado com o músico que, tendo encontrado uma boa ideia
e a tendo elaborado durante uma série de apresentações, decida ater-se àquilo que
ele considera um solo adequado? Por outro lado, a improvisação (...) é e merece ser
festejada, pois representa a constante e viva recriação da música, o arrebatamento e a
inspiração dos músicos comunicados a nós. (HOBSBAWN, 1996, p.47 e 151)
21
In some kinds of Western art music, thematic material and standardized form may be typical points of
departure. The improvising organist has a given theme and the characteristics or requirements of fugal structure
upon which he builds his creation. For a concerto cadenza, motifs and themes of the movement or work, along
with musical gestures (scales, double-stops, arpeggios) that are characteristic for exhibiting virtuosity are taken,
together, the model. Jazz musicians, obviously, use sequences of harmonies (“changes”) and tunes which may be
the basis of variation or which may lead to unrelated solo improvisations. (NETTL, 1998, p. 13)
38
A flautista Odette Ernest Dias23 define muito bem a questão da improvisação com a
seguinte afirmação:
Cada um improvisa sobre o seu conhecimento. Você tem uma bagagem, uma
experiência musical e, na hora de improvisar, você usa isso. As escolas de jazz (...)
têm uns clichês de improvisação [ela cantarola algumas células melódicas], todo
22
Flautista, pesquisador da obra de Joaquim Antônio Callado, lançou o CD Leonardo Miranda toca Joaquim
Callado (Acari Records, 2000), em que interpreta obras de Callado, com arranjos e formação instrumental
similares à utilizada em fins do século XIX. É professor da Escola Portátil de Música, no Rio de Janeiro.
23
Odette Ernest Dias (n. 1929), flautista francesa radicada no Brasil, formada pelo Conservatório Nacional
Superior de Música de Paris, foi professora titular da Universidade de Brasília. Reconhecida por atuar na
formação de vários flautistas brasileiros, sempre foi uma apreciadora do choro, tendo gravado participações em
vários CDs, especialmente as obras de Pixinguinha e Joaquim Antônio Callado. Destaca-se, em sua produção, o
álbum Pixinguinha 100 Anos (Kuarup, 1998).
41
mundo faz a mesma coisa... isso que é improvisação? Não é! Se eu vou improvisar
sobre uma valsa, [e aponta para a partitura de Dante Santoro que tem em mãos] eu
não vou fazer isso. A estória é outra, o estilo é outro, o ritmo é outro... Mozart
também não escrevia as cadencias dos seus concertos de piano! (...) Cada um faz o
seu estilo. (Odette Ernest dias em entrevista concedida à autora em 08/09/2012).
24
BOSSA. In: FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 2. ed, rev.
aum. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986, p. 278.
42
De fato a articulação rítmica parece ser o diferencial entre os que têm ou não têm
bossa: a fluidez na execução de ritmos contramétricos é o divisor de águas. Na terminologia
de Sandroni (2001), os ritmos contramétricos correspondem à acentuação em pontos não
tônicos da métrica do compasso (síncope), os quais para o autor têm uma correlação natural
com a rítmica africana: em vez de subdividir o tempo em células regulares (como na música
europeia), o tempo se produz pela adição de células desiguais (pares e ímpares, por exemplo
3+3+2 ou 4+3+6+3), o que gera múltiplas referências de tempo e contratempo. (cf.
SANDRONI, 2001, p. 19-37).
Não há dúvida de que a bossa está relacionada ao ritmo. Mário de Andrade já
afirmava, em seu Ensaio sobre a Música Brasileira (1962), que a rítmica brasileira resulta da
conjugação original da quadratura métrica regular, característica da música europeia, que
procede pela subdivisão do compasso, com uma rítmica fraseológica baseada em
irregularidades internas e que procede pela adição indeterminada de tempos, como a das
músicas africanas e indígenas. (apud WISNIK, 2004, p. 36).
Sandroni (2001) conta outra anedota interessante, ainda relacionada às primeiras
gravações de samba do Estácio, por volta da década de 1930:
43
Já se fez menção ao fato de que as gravações de samba a partir dos anos 1920
passaram a adotar, além das introduções instrumentais, uma versão instrumental da
melodia, situada geralmente, nas gravações, antes da última repetição do samba pelo
cantor. Assim, a melodia, numa dada gravação, é exposta por diferentes
enunciadores: ora o cantor principal, ora os diferentes instrumentos da orquestra,
ora, em alguns casos, ainda o coro. Isso possibilitou ver que Francisco Alves
empregava, em suas versões das melodias, ritmos mais próximos do paradigma do
Estácio, ou para dizê-lo de maneira mais geral, ritmos mais contramétricos, que os
instrumentistas. Talvez isso se devesse a que Francisco Alves, e talvez também
outros cantores da época, possuía uma proximidade em relação às fontes – por assim
dizer – que fazia a diferença em relação a outros profissionais envolvidos com a
produção de gravações de sambas, como arranjadores e músicos de orquestra. (...)
As várias versões rítmicas da melodia (...) mostram no detalhe o duro trabalho de
aprendizado – em suas várias etapas – necessário para forjar o que nos anos
seguintes se tornaria o ritmo “natural” do samba. (SANDRONI, 2001, p. 213)
Uma importante contribuição junto às orquestras, nesse “duro trabalho para forjar o
ritmo natural do samba”, foi dada pelo maestro Radamés Gnatalli. Segundo Paulo Tapajós, as
orquestrações de samba de Gnatalli foram baseadas na “divisão rítmica dos tamborins”,
graças à sugestão do percussionista Luciano Perrone. Como comenta Sandroni (2001, p. 214-
215), o termo “divisão” é uma categoria utilizada na música popular brasileira para designar
as variações de articulação rítmico-melódicas empregadas nas canções. Assim, Tapajós
sugere a existência de uma “articulação rítmica típica dos tamborins”, que de início era
adotada pelos cantores, mas não pela orquestra.
A essência da “bossa” estaria, portanto, na execução do ritmo contramétrico, muito
utilizado na percussão afro-brasileira, repercutido em diferentes camadas de instrumentação,
desde a melodia solista ao acompanhamento. Adquire-se a bossa pela experiência na tradição
musical oral - própria da atividade do músico popular. Sandroni (2001) assim se refere sobre
essa habilidade:
(...) não é que a contrametricidade possua alguma essência popular, ou que uma pele mais
escura torne automaticamente mais fácil a assimilação dela. Para voltar à imagem de Mário
de Andrade, não é o “sangue”, mas o “convívio” que torna o paradigma do Estácio muito
mais facilmente assimilável por músicos formados na tradição popular afro-brasileira que
por músicos formados na tradição clássica europeia. Aqueles apresentam maior
desembaraço naquele tipo de ritmo, por ser de ritmos assim que se faz o seu pão musical
cotidiano. Para estes, ao contrario, a contrametricidade é a exceção (a “síncope”), que exige
a duplicação gráfica da ligadura, e o recurso analítico da contagem. (SANDRONI, 2001, p.
216-217)
Por outro lado, há que se considerar que a bossa, embora muito vinculada ao samba
de Estácio na década de 1930, é um elemento latente, desde sua formação, da música popular
urbana brasileira, que tem a contrametricidade como característica essencial. Assim, nas
44
gravações anteriores a essa época - seja dos sambas da Cidade Nova, das bandas militares ou
dos primeiros grupos de choro – já se forjava a “bossa” hoje vinculada ao samba e ao choro.
As gravações de Pixinguinha tocando flauta, realizadas entre 1915 e 1935, são o
melhor exemplo do que precede. O flautista Leonardo Miranda (em depoimento oral à autora,
em 13/10/2012) afirma que Pixinguinha foi um marco na divisão rítmica do choro, pois antes
dele (nas gravações de flautistas do início do século XX, como Agenor Bens e Antonio Maria
Passos), os fraseados e as articulações eram diferentes. Seguindo a linha de pensamento de
Sandroni (2001), pode-se pensar que a diferença reside no sublinhar da contrametricidade,
trazida ao primeiro plano, tanto na melodia quanto no acompanhamento.
Segundo Leonardo Miranda, é difícil saber se as divisões rítmicas do choro mudaram
no início do século XX, sendo Pixinguinha um representante dessa nova prática, ou se foi
Pixinguinha que mudou a maneira de se tocar o choro. O fato é que essa nova divisão rítmica
se refletia em sua maneira de tocar flauta: não há imprecisões de tempo nas articulações de
Pixinguinha, tudo é absolutamente preciso. Comentário semelhante teceu a flautista Odette
Ernest Dias25 em entrevista concedida à autora, em 08/09/2012. Para ela, a principal
característica de Pixinguinha como flautista era sua articulação rítmica.
Ademais, há que se falar da bossa acompanhante. Segundo o Professor Luiz Otávio
Braga, é necessário sair da esfera dos solistas para buscar nos instrumentistas
acompanhadores (violonistas, cavaquinistas e pandeiristas) as figuras de maior “bossa” no
grupo regional. O acompanhamento define a qualidade do grupo regional, especialmente o
entrosamento da dupla de violões, portanto a bossa dos músicos acompanhadores “é crucial
para que o choro soe como choro.”26
(...) não entendo um nadinha de teoria musical. Tiro o meu ritmo de uma caixa de
fósforos ou de um pedaço de lápis. Assim (...) Sei que isso não é vantagem
nenhuma. Muita gente fez assim. Muita gente boa continua fazendo assim. Questão
de bossa. Samba não se faz com a cabeça. Não é questão de inteligência. É uma
26
Comentário ao texto da tese por ocasião da banca de qualificação, em 14/03/2013.
27
Ataulpho Alves responde ao plebiscito. Revista Diretrizes, nº 54, p. 11, 3/7/1941. Entrevista com Ataulpho
Alves. In: BRAGA, 2002, p. 17.
45
coisa que acontece. Que sai de dentro, está compreendendo? (BRAGA, 2002, p.
173).
Em São Paulo, a mobilidade dos músicos era bastante comum, fato que também se
dava no Rio de Janeiro no início da década de 1930. O próprio Dante Santoro, vindo de Porto
Alegre para o Rio, apresentou-se como free lancer em diversas rádios de 1928 a 1938.
Tornou-se artista exclusivo da Rádio Nacional somente em 1938, quando assumiu o comando
do regional da emissora. Vários foram os regionais que atuaram nas rádios paulistas naquela
década, alguns dirigidos por nomes que se tornaram famosos, posteriormente, também no
cenário carioca.
Este é então um ponto fundamental para entendermos a razão pela qual o choro
parece ter “sofrido” menos no seu processo de incorporação à indústria fonográfica
[em comparação ao samba]: por seu próprio caráter instrumental e pelo fato de que
suas matrizes (representadas em grande parte pelas danças europeias, como a polca,
a valsa, etc) estavam mais próximas dos novos padrões estéticos exigidos pelo rádio
e pelo disco, os instrumentistas de choro foram os verdadeiros alicerces desta nova
indústria muitas vezes funcionando como intermediadores ou “tradutores” de outros
gêneros musicais (como o samba) para os novos padrões exigidos. (ARAGÃO,
2012, p. 183).
Em São Paulo, o conceito de música “rural” estava mais associado à cultura caipira,
vinculada às regiões do interior do Sudeste, Centro-Oeste e norte do Paraná. Idealmente, essa
cultura estava ligada “às mais autênticas, instintivas e profundas tradições do homem do
campo”, distante dos meios de produção e difusão de massa e, portanto, “mais próxima
daquilo que se denominou como “música de raiz” ou “folclórica”.” (Moraes, 2000, p. 237).
(...) Na capital paulista também surgiram, em 1929, alguns conjuntos que seguiam
aquela linha, como por exemplo os Chorões Sertanejos e os Turunas Paulistas. Este
último tinha como inspiração justamente os grupos pernambucanos de sucesso,
como o próprio nome demonstra. Já os Chorões Sertanejos, liderados por Raul
Torres (1906-1970) revelam certo ecletismo e tendências para a fusão, ao nomear-se
simultaneamente por dois gêneros distintos, o choro e o sertanejo. Seus músicos
tocavam emboladas, cocos, desafios, bem como toadas e choros. Em 1930, Garoto
passou a fazer parte do conjunto. (MORAES, 2000, p. 239)
28
Pereira, João Baptista B. Cor, profissão e mobilidade. O negro e o rádio de São Paulo. São Paulo:
Pioneira/Edusp, 1967, p. 197. Apud Moraes, 2000, p. 239.
29
O compositor Francisco Mignone (1897-1986), que também era ítalo-brasileiro, compôs muita música caipira
sob o pseudônimo de Chico Bororó, constituindo outro exemplo desse cruzamento musical. Algumas dessas
obras foram gravadas por seu pai, Alfério Mignone (flautista italiano que atuou na cena musical paulista de 1896
a 1950), pelo selo Parlophon, na década de 1930, com a Orquestra Paulistana, que ele dirigia e regia (informação
50
da música caipira, afirma o autor que esse gênero encontrou em muitos imigrantes italianos a
disposição afetiva e musical para compor-se e difundir-se:
presente no encarte do CD A Música para flauta de Francisco Mignone, do flautista Sérgio Barrenechea,
lançado pela FAPERJ, em 2010).
30
Sabe-se pouco sobre a participação de imigrantes italianos no mundo do samba no Rio de Janeiro. A
referência encontrada fala de sua presença na Praça Onze, local de encontro de culturas, muito vinculado ao
samba. Como afirma Braga (2002), “A praça Onze existiu por mais de 150 anos. (...) Ali viveram misturados
imigrantes judeus, italianos, espanhóis e negros que em grande maioria eram oriundos da Bahia. Ali, até 1941,
existira um importante reduto de sambistas que também organizaram os primeiros desfiles das escolas de
samba”. (BRAGA, 2002, p. 187).
51
Antonio D´Áurea (1912-1998), filho de pai italiano, nascido no Bom Retiro, tornou-
se cantor de orquestras, músico de baile, instrumentista de regionais de rádios (Rádio
Educadora e Cultura) e referência musical dos “chorões paulistanos”. Foi o fundador do
Conjunto Atlântico, na década de 1950, que formou grandes intérpretes de choro, como o
bandolinista Isaías.
(...) é como se o autor não visse no rádio uma verdadeira ameaça à existência do
choro, e tivesse [sic] muito consciente de que havia uma linha histórica que passava
dos chorões antigos aos chorões “modernos”, estes últimos já imersos na indústria
cultural da época. (...) Ao enumerar instrumentistas “antigos” e “modernos” –
Viriato e Callado x Pixinguinha e Benedito Lacerda; Bilhar e Quincas Laranjeira x
Donga e José Rabello; Mário Alvarez x Nelson Alves – Gonçalves Pinto traça uma
linha histórica dos grandes instrumentistas de choro, onde procura defender a ideia
de que a essência da prática musical (no caso a polca) não se modificava, ainda que
os modernos estivessem em sua maioria atuando em um contexto diferente – o rádio
e o disco – daqueles em que atuavam os antigos – os bailes, as serenatas e as rodas
de choro. (ARAGÃO, 2012, p. 181-182)
Diante do exposto neste tópico, é interessante observar, por fim, como a inserção do
choro no mercado radiofônico e discográfico ampliou a circularidade cultural no gênero, por
meio de novas interações com as músicas estrangeiras, as músicas de origem rural e as
músicas nordestinas.
31
Uma possível “exceção à regra” é o cavaquinista Waldiro Frederico Tramontano, o Canhoto (Rio de Janeiro,
1908-1987), um dos grandes nomes do choro carioca. Embora não tenham sido encontrados dados biográficos
consistentes a seu respeito, seu sobrenome permite supor que seja descendente de italianos.
53
(1) a circularidade cultural é característica do choro desde suas origens. Obras como
a do flautista Dante Santoro expressam essa interação de elementos, constituindo exemplos de
mediação no campo musical. A análise de gravações do flautista interpretando composições
próprias pretende observar essa característica, com enfoque em seu estilo interpretativo.
CAPÍTULO 2
Quando esta pesquisa foi iniciada, poucas eram as referências biográficas conhecidas
sobre Dante Santoro. Dois verbetes ofereciam um resumo de sua vida e obra: no Dicionário
Cravo Albin da Música Popular Brasileira32 e na Enciclopédia da Música Brasileira – Samba
e Choro (MARCONDES, 2000, p. 218-219). Carecia-se de dados biográficos mais
detalhados, ao tempo em que se especulavam histórias, entre os músicos, sobre curiosos
episódios de sua vida. Por exemplo, que Dante Santoro teria sido o único sobrevivente de um
acidente automobilístico na ocasião em que veio de Porto Alegre para o Rio de Janeiro e que
teria morrido, anos depois, tragicamente, em um episódio de agressão ocorrido em uma casa
noturna de sua propriedade, chamada O Inferno de Dante.
Era necessário, portanto, reconstituir a biografia de Dante Santoro, a partir de novas
fontes e de dados comprovados. Esse trabalho desenvolveu-se, paulatinamente, por meio do
contato com um de seus familiares - o sobrinho Homero Santoro - e com o músico e jornalista
gaúcho Arthur de Faria, que publicou em 2011 um artigo sobre o flautista na revista eletrônica
SUL 21. Esse artigo é parte de uma série que compõe o livro não editado Uma História da
Música de Porto Alegre, disponibilizado eletronicamente no portal SUL 21 no formato de
artigos periódicos.
As informações colhidas no artigo de Arthur de Faria foram complementadas por
depoimentos do sobrinho de Dante Santoro e de músicos que o conheceram. Também foram
coletados dados de jornais e revistas das décadas de 1930 a 1960, pertencentes ao acervo da
Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Outra fonte essencial foram os
textos acadêmicos e literários sobre a música no Rio Grande do Sul, que auxiliaram a
compreensão e reconstituição de aspectos biográficos relacionados ao ambiente musical de
Porto Alegre no início do século XX.
A trajetória de Dante Santoro será narrada, neste trabalho, a partir de uma leitura
crítica desta pesquisadora. Buscou-se reconstituir sua história, com fidelidade aos registros
encontrados, desde suas primeiras referências musicais em Porto Alegre, até sua carreira
profissional na Rádio Nacional do Rio de Janeiro. Porém, este texto é certamente uma
32
Disponível em http://www.dicionariompb.com.br/dante-santoro.
55
interpretação de sua biografia, pois grande parte da memória se perdeu no lapso de quarenta e
quatro anos desde seu falecimento: poucos são os músicos contemporâneos a Dante Santoro
ainda vivos; além disso, restam não mais que vestígios documentais nos arquivos da Rádio
Nacional do Rio de Janeiro. Assim, serão apresentados os fatos e, no momento oportuno, os
comentários desta pesquisadora. Espera-se que futuros trabalhos possam enriquecer essa
narrativa.
Dante Italino Santoro nasceu em Porto Alegre, em 18 de junho de 1904. Era filho de
um casal de imigrantes italianos, Pasquale Santoro e Rosa Marsiglia Santoro, que tiveram
outros quatro filhos: Domingos, Homero, Godofredo e Algesira Santoro.
O interesse pela música pode ter sido herdado dos pais. Segundo o comentário da
pesquisadora Núncia Santoro de Constantino, prima de Dante, no texto que abre o encarte do
CD triplo A flauta Mágica de Dante Santoro (1998), Dante “interessou-se muito cedo pela
música, herdeiro da tradição que também fora transplantada na bagagem de seus pais, ele o
calabrês Pasquale, que aqui chegara com “um patacão e uma viola”, ela a napolitana Rosa,
com grande repertório de belíssimas canções”.
Não se sabe ao certo como se deu a iniciação musical de Dante. Estima-se que ele
tenha começado a tocar flauta por volta dos dez anos, mas não é possível determiná-lo. Sabe-
se que no início do século XX, o ensino da música em Porto Alegre acontecia mais de forma
particular e informal, do que por meio de escolas oficiais. A institucionalização do ensino da
música e o reconhecimento da profissão de músico foram processos que se consolidaram na
capital gaúcha nas primeiras décadas do século XX (RODRIGUES apud SIMÕES, 2000, p.
91), ou seja, justamente no período que compreende a infância de Dante Santoro. Quem
seriam os professores de música daquela época em Porto Alegre?
Segundo Souza (2010, p. 87), Porto Alegre em meados do século XIX ainda não
tinha uma instituição de ensino exclusivamente musical. As aulas de música eram ministradas
por professores particulares, como os conhecidos professores Carlos Bernardino de Barros -
que desde 1891 lecionava flauta, clarineta, piano, violão e “cantoria” em sua residência; o
pianista Domingos Moreira Porto, o Mingotão – animador de festas particulares, também
lecionava música e ministrava concorridas aulas de dança (PORTO ALEGRE apud SOUZA,
2010, p. 64).
56
Havia também professores e maestros italianos, como o músico José Corsi (1880-
1938), bandolinista “chegado ao Rio Grande do Sul como elemento de um pequeno conjunto
orquestral húngaro que excursionava pelo interior do Estado, dele se afastando ao estabelecer
relações com sua futura mulher, Luísa Torres, que residia em Alegrete” (CORTE REAL apud
SIMÕES, 2011, p. 126). Em 1910, residindo em Porto Alegre, Corsi anuncia no jornal
Correio do Povo lições de bandolim e um curso completo de aperfeiçoamento, ao lado da
mulher, Luísa Torres Corsi, que lecionava piano (SIMÕES, 2011, p. 126).
Dante poderia ter tomado parte desse curso de flauta, mas não há registros de que
tenha estudado no Conservatório de Música de Porto Alegre. A consulta ao arquivo histórico
foi feita nos livros de matrícula no período de 1908 a 1935. A pesquisa incluiu, ainda, os
cadernos de chamada das disciplinas da época, conforme informação prestada pela arquivista
57
Outra possibilidade é que Dante tenha estudado no Instituto Musical de Porto Alegre,
fundado em 1913, pelo já citado professor José Corsi. O Instituto também ofereceu um curso
de flauta a partir de 1918, sob a orientação do Professor Rocco Postiglione. Outras disciplinas
oferecidas foram canto, teoria, solfejo e harmonia, com o Professor Calderón de la Barca,
além de teoria e solfejo, com Gaetano Roberti (SIMÕES, 2011, p. 126).
vivia no Rio de Janeiro (a partir do início da década de 30). Atendendo a essa suposição,
falar-se-á de Agenor Bens posteriormente, quando da narração da ida de Dante para o Rio.
O único professor de Dante Santoro de que se tem registro por essa época é o
violonista e compositor Octávio Dutra, com quem atuaria posteriormente como músico
profissional na capital gaúcha. Sabe-se que o vínculo entre ambos se manteve mesmo depois
da mudança de Dante Santoro para o Rio de Janeiro, no início da década de 30. A primeira
gravação de Dante na capital federal foi justamente um disco 78 rpm com obras de Dutra:
Saudades do Jango e Beatriz (RCA Victor, nº 33770, ano 1934).
Como se deram os estudos de Dante Santoro com Octávio Dutra? Quais foram as
experiências iniciais de Dante como músico nas primeiras décadas do século XX em Porto
Alegre? A fim de conhecer o universo musical de Dante Santoro em suas origens, far-se-á um
breve estudo sobre a cena musical porto-alegrense nas três primeiras décadas do século XX,
tomando por referência os trabalhos desenvolvidos pela pesquisadora Júlia Simões no
Programa de Pós-Graduação em História da PUC/RS. Comentar-se-á, ainda, a atuação de
Octávio Dutra nesse contexto, tendo por referência sua biografia, publicada pelo musicólogo
gaúcho Hardy Vedana (2000), e a tese do violonista Márcio Souza (2010), desenvolvida
naquela mesma universidade.
Nascido em 1904, Dante Santoro viveu em Porto Alegre até o início da década de
1930, quando se mudou definitivamente para o Rio de Janeiro, com pouco mais de vinte e
cinco anos. Antes dessa mudança, atuou na cena musical da capital gaúcha em saraus, blocos
de carnaval e concertos. Participou da vida musical da cidade em um período de
transformações, em que a música circulava em distintos meios: no ambiente das serenatas e
saraus; nos cinemas; nas casas de diversão; no teatro de revista; no carnaval e nas salas de
concerto.
repertório ofereceu a base sobre a qual a atividade musical foi se diversificando ao longo do
século, com o incremento das atividades de entretenimento e de cultivo da música.
Também a música vocal, tanto lírica quanto popular, foi cultivada na cidade no início
do século XX, especialmente nos chamados saraus lítero-musicais. Segundo Souza (2010, p.
66), nesse tipo de reunião eram convidados cantores e instrumentistas que mantinham um
repertório de música clássica. Esses saraus ocorriam tanto em residências como em locais
públicos, por exemplo, no aclamado Clube Jocotó, entre 1920 e 1930.
Segundo Simões (2008), na seção musical dos saraus lítero-musicais sempre havia
um recital de música erudita, com obras de épocas variadas (Liszt, Puccini, Gluck, Beethoven
Bach) e homenagens a compositores nacionais (Villa-Lobos, Leopoldo Miguez, Carlos
60
Gomes e Alberto Nepomuceno). A única exceção a esse tipo de repertório parece ser a
participação do conhecido grupo carioca “Ases do Samba”, com Francisco Alves, Mário Reis
e Noel Rosa, ocorrido em maio de 1932, no Theatro São Pedro (SIMÕES, 2008, p. 62).
Um interessante registro da participação de Dante Santoro em uma serenata
encontra-se em um livro de memórias do escritor gaúcho Dante de Laytano (1908-2000).
Depreende-se, da escrita rebuscada e metafórica, que o repertório da serenata foi todo erudito.
Transcrevem-se, a seguir, trechos do texto retirado do livro Mar Absoluto das Memórias
(1986):
Estava eu promotor público no Rio Pardo. (...) achei que devia trazer, a Rio Pardo,
Dante Santoro. E veio. Era uma serenata. Ia dar eu uma serenata. A noite de música
é uma inundação poética na berceuse de cada um. (...)
Dante Santoro veio para minha casa. A serenata estava preparada. Silêncio de
outono de estrelas contentes. Ilha, que ia ser minha esposa, seria a vítima lírica do
cancioneiro da madrugada bela, belíssima.(...)
Lá fomos, eu e amigos e Dante Santoro. Conhecia todos os grupos de artistas de
Porto Alegre, com eles convivia, fazia programa...(...) A serenata compensou os
árduos problemas da matéria. Mozart era ouvido sem Viena perto mas na quietude
divinatória da admiração incondicional. Nisso, Vivaldi se esgueira feliz por surgir
lépido. O terceiro número então foram as lágrimas de Chopin no solo do campo
santo de Paris independente de George Sand malvada, violenta e de amor volúvel. O
polonês francês é sempre um gênio do romantismo musical.
Dante Santoro regressou logo para Porto Alegre, no trem da manhã seguinte.
Ninguém dormiu. Nós, pelo menos. Embarquei o artista. (...). (LAYTANO, 1986, p.
187-188).
como também não deseja alterar o bom andamento dos espetáculos que essas casas
atualmente exploram e para bem ser cumprido o que acima está, o Centro resolve
que: os srs. professores que se acham presentemente prestando seus serviços
profissionais em Cinemas, Teatros, Cafés, Restaurantes ou qualquer outra casa de
diversão, conservarão os mesmo preços atuais, só entrando em vigor esta tabela para
os professores que venham a ser chamados a prestar seus serviços após a aprovação
da mesma”. (...)
São, pois, inteiramente descabidas as acusações que por aí se lançam contra o
Centro e que poderiam iludir a quem ignora a verdade dos fatos. Na defesa de seus
associados, como na execução do seu programa artístico, o Centro Musical guarda a
mesma elevação de intuitos e visa os mesmos alevantados fins que o tornaram digno
dos aplausos e do apoio da população porto-alegrense. É desse apoio que o Centro
se preza de não haver desmerecido, que quer continuar a ser digno.
José Corsi. (SIMÕES, 2011, p. 151-152)
São João: João Maciel; Andradas: Piedrahita, Truda, José dos Santos, Rocco
Postiglione, Amadeo Lucchesi; Cidade Baixa: Achylles, Júlio Oliva, Dante
Santoro; Garibaldi: Poggetti, Bersani; Floresta: Petry, Brojevsko [Brozensky];
Caminho Novo: Bruno Mascarenhas, Laitano Fedels, Pasqual Pesce. (Ata da
Assembleia de 24/01/1921 do Centro Musical Porto-Alegrense apud SIMÕES,
2011, p. 151, grifo nosso).
Figura 1. Dante Santoro, c. 1920-1930, Porto Alegre. Fonte: acervo da família Santoro
Figura 2. Sócios fundadores do Centro Musical Porto-Alegrense, c. 1920, Porto Alegre. Fonte: SIMÕES, 2011,
p. 128).
de John Gilbert – o prelúdio da ópera Maria Tudor, de Carlos Gomes, a Suíte n. 1 do Peer
Gynt, de E. Grieg e o prólogo do Mefistófeles, de A. Boito. (SIMÕES, 2008, p. 51).
Nesse mesmo ano foi inaugurada uma loja de instrumentos musicais e partituras, que
abrigava também uma sala de concertos: a Casa Beethoven. Localizada na rua da Praia, a Sala
Beethoven de fato se impõe como sala de concertos, isto é, um espaço para recitais de música
erudita. Até então, os concertos ocorriam no Theatro São Pedro (que nessa época já contava
setenta anos) ou no auditório do Conservatório de Música (SIMÕES, 2008, p. 78). A
inauguração dessa sala parece ter um significado importante no processo de consolidação da
música como arte autônoma, desvinculada do cinema ou do teatro.
Um levantamento das atividades da Sala Beethoven no ano de 1931, realizado pela
pesquisadora Julia Simões, tendo por referência a pesquisa em jornais, revela duas
apresentações do flautista Dante Santoro naquele ano: 05/09/1931 – Audição de Dante
Santoro, flautista e compositor, à imprensa; 24/09/1931 – Recital de Dante Santoro, flautista e
compositor. O Quadro1 apresenta o levantamento da pesquisadora (SIMÕES, 2008, p. 84-85):
Figura 3: Artigo sobre concerto de D. Santoro. O Momento, edição de 12/07/1934. Fonte: acervo da hemeroteca
digital da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
33
Pattápio Silva foi uma grande referência para Dante Santoro e para os demais flautistas da época, pois foi o
primeiro flautista brasileiro a gravar para a indústria fonográfica, ainda na fase mecânica (1905). Embora a
qualidade dessas primeiras gravações não permita um estudo comparativo detalhado, é possível supor que a
sonoridade incisiva e a ênfase no virtuosismo técnico (fundamental nas composições e interpretações de Dante
Santoro) sejam, em grande, parte referências de Pattápio Silva, herdadas e transformadas na interpretação de
Dante Santoro. Essa observação será retomada na seção de análises do Capítulo 4.
67
Figura 4: Crítica sobre concerto de D. Santoro em Caxias do Sul. O Momento, edição de 19/07/1934. Fonte:
acervo da hemeroteca digital da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
mesma reportagem, que começou no rádio no ano de 1934, foram encontrados registros de
participações suas em programas de rádio no Rio de Janeiro desde o ano de 1928, o que indica
que ele atuava como free lancer em rádios cariocas desde esse ano, antes mesmo de fixar
residência no Rio de Janeiro.
Figura 5. Depoimento de Dante Santoro. Diário da Noite, edição 6164 de 8/8/1956. Fonte: acervo da hemeroteca
digital da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
69
Nessa mesma reportagem de 1956 (figura 5), ao perguntarem se sempre foi flautista,
Dante Santoro afirma: “Fui músico de orquestra, de regional e até hoje sou. Sempre como
flautista.” Essa afirmação dá a entender que Dante Santoro atuou desde a juventude em
orquestras e conjuntos regionais. Portanto, sua trajetória, como músico, seria marcada pela
constante circulação entre os ambientes erudito e popular.
2.3. Octávio Dutra na cena musical porto-alegrense: a parceria com Dante Santoro
Várias fontes ligam Dante Santoro à figura de Octávio Dutra. Como se estudará
adiante, cronistas contam que Dante foi conduzido por Dutra em suas primeiras incursões no
meio musical, nos saraus e nos carnavais do início do século. Dedicatórias de partituras e
cartas atestam que Dante, depois de aluno, tornou-se colega. É necessário conhecer a figura de
Octávio Dutra para avaliar sua influência na formação e na obra de Dante Santoro.
Octávio Dutra (1884-1937) foi um músico eclético. Violonista, bandolinista e
compositor, atuou em serenatas, saraus, no teatro de revista, em grupos carnavalescos, como
professor de música e como diretor musical em transmissões radiofônicas. Inicialmente foi
autodidata, porém ingressou no Conservatório de Música de Porto Alegre em 1910, onde
permaneceu pelo período aproximado de um ano, conforme registros do Arquivo Histórico do
IA/UFRGS. Ali aprendeu a escrever música e teve contato com alguns princípios
composicionais, técnicas que potencializaram suas criações.
Dirigiu e atuou como músico em quatro grupos, tanto na formação regional (duas
flautas, cavaquinho, bandolim e violão), como na de orquestra popular (piano, voz, madeiras,
metais e cordas dedilhadas): o Bando do Octávio (década de 1900), o Terror dos Facões
(década de 1910), Os Batutas (década de 1920) e a Orquestra da Guarda Velha (década de
1930).
O Bando do Octávio atuava nas serenatas e saraus do início do século XX, com um
repertório composto principalmente de valsas e modinhas de sua autoria, cujos títulos
sugestivos quase sempre se referiam a mulheres - Nilva, Ada, Catita, Santa, Sonâmbula,
Fantasmagórica e Vagabunda. O rádio-ator Pery Borges, que participou do grupo, recorda,
em crônica de 1937 ao jornal Folha da Tarde, o costume das serenatas:
1910, altas horas, junho friorento, rua da Margem, iluminada ainda por
lampeõezinhos de querosene. Silêncio de repouso e de morte. De repente, junto a um
umbral de uma janela modesta, os dedos mágicos do artista acordavam os sons
apaixonados de uma canção de amor e a voz do Lauro ou do Zeca, dois trovadores
70
34
O termo “facão” era, na época, uma gíria usada entre os músicos para designar o músico ruim.
71
Das 16 faixas desta coletânea, 12 são assinadas por Dutra. As suas polcas intituladas
Como Há de Ser, Esmagadora e Olha o Poste! ilustram a sofisticação do seu estilo
de composição: melodias cheias de cromatismo e saltos de difícil execução para o
solista, modulações para tons distantes e um alto de grau de elaboração no
contraponto do violão com a melodia da flauta. No schottisch Dialogo das Flores,
assim como na maioria das outras composições, a linha melódica dos baixos do
violão (conhecida como baixaria no jargão do choro) incorpora-se à música,
estabelecendo um verdadeiro diálogo com as flautas. As características da música de
Octavio Dutra assemelham-se às da música de seus contemporâneos cariocas como
Irineu de Almeida, Candinho Silva e Pixinguinha.
O dueto de flautas é explorado também no schottisch Coração de Ouro e na valsa
Celina, composição de Octavio Dutra que alcançou grande popularidade em seu
tempo. Essa valsa foi gravada em disco Odeon pelo Terror dos Facões em 1913,
atingindo a incrível vendagem de 40 mil discos por todo o Brasil.
Aliás, a valsa é o gênero em que Octavio Dutra foi considerado insuperável. O seu
dom de melodista é também registrado nas valsas Orvalho de Lágrimas, Separação
e Republicana (esta dedicada ao presidente da província Borges de Medeiros). Na
mazurca Coração que fala, Dutra ainda aparece como solista de Bandolim, em uma
mostra de seu virtuosismo. O tango O Maxixe e as polcas Olha o Poste! e
Vagabundo (esta gravada com ditos chistosos) têm efeito cômico, ressaltando o lado
brincalhão e malandro deste grande compositor. (Comentário de Pedro Paes no
encarte do CD 05 da coleção Memórias Musicais, 2002, grifo do original).
vinte instrumentistas e coros, que saíam às ruas executando um repertório de hinos, marchas,
tangos, valsas, polcas, schottischs (VEDANA, 2000, p. 25). A apoteose dos desfiles se dava
nas praças, onde havia um duelo de blocos rivais.
Octávio Dutra atuou como ensaiador de alguns cordões, sendo o mais famoso deles,
Os Batutas. Segundo Hardy Vedana (2000), para o carnaval de 1921, Dutra compôs para o
grupo o one step O batuta e os tangos Beijos e Bota fora esse negócio. Ainda segundo o
biógrafo, Os Batutas foram aclamados campeões do carnaval daquele ano, após o confronto
com o bloco Os Tigres na Praça Garibaldi. De acordo com sua narração, Dante Santoro foi
uma das estrelas do grupo naquela ocasião, sendo ovacionado pelos presentes:
É possível que Dante Santoro tenha participado desses eventos, considerando que era
membro do cordão Os Batutas e que desde 1921 já era ovacionado como grande flautista e
parceiro de Octávio Dutra. Lamentavelmente, não se há encontrado referência a seu nome
nesse contexto.
A colaboração de Dutra nas Revistas Musicais, como compositor, ocorreu
paralelamente às atividades nos saraus e carnavais, desde o ano de 1907. A temática das
serenatas também esteve presente nas Revistas e algumas canções, que alcançaram
popularidade nesse métier, foram objeto de gravações. Uma referência da atuação de Dutra
nas Revistas é a crítica jornalística publicada em 1912, sobre a peça Não pode, do teatrólogo
gaúcho Dolival Moura, apresentada pelo grupo Terror dos Facões no Theatro São Pedro:
A música, quase toda original do maestrino Octávio Dutra, é boa e agradável. Para
que a revista faça sucesso, nada lhe falta: boa música, piadas engraçadas e maxixe
de vez em quando, com o excelente grupo musical ‘Terror dos facões’, tendo a sua
frente como diretor o inteligente compositor Octávio Dutra (VEDANA, 2000, p.
18).
O último grupo de que se tem notícia, sob a direção de Octávio Dutra, é a Orquestra
da Guarda Velha da Rádio Sociedade Gaúcha, no início da década de 1930. As informações
sobre esse grupo não são precisas. Sabe-se que a Rádio Gaúcha tinha um regional e uma
orquestra. Octávio Dutra foi o diretor artístico do Regional da Rádio Gaúcha. Entretanto, ao
regional somavam-se, eventualmente, outros membros, quando a instrumentação dos arranjos
assim requeria. Informa Souza (2010, op. cit) que, nessa orquestra mista, Dutra reuniu
instrumentos de sopro, madeira e metal, instrumentos de arco e de cordas dedilhadas, além de
vozes.
Pode-se entender que, pelos arranjos dessa época, suas obras atestavam os
primórdios da orquestra do rádio, visto que combinou violino, violoncelo, baixo,
saxofone, trompete e clarinete aos sons da flauta, violão e cavaquinho.(...) Coube a
Dutra fazer arranjos dos sucessos nacionais da época, acompanhar cantores (as) e
rearmonizar antigas produções, principalmente valsas e choros. Nesse contexto,
criou a “Guarda Velha”.(SOUZA, 2010, p. 204).
As referências a Dante Santoro indicam que ele e Octávio Dutra eram parceiros
musicais nessa época e se apresentavam juntos, tanto em grupos regionais como em dueto. O
testemunho de Dutra deixa transparecer sua admiração pela qualidade de Dante como
flautista, aspecto inclusive enfatizado na propaganda do grupo perante a gravadora. A figura 6
75
mostra Dante Santoro, Octávio Dutra e um terceiro músico não identificado, possivelmente na
década de 1920.
Figura 6. Dante Santoro, Octávio Dutra e músico não identificado. c. 1920-1930. Porto Alegre. Fonte: acervo da
família Santoro.
Através da atividade docente, Dutra criou uma escola de violonistas populares, que
formou importantes nomes do cenário gaúcho. Dentre eles, Gorgulho e Ney Orestes
76
Pode-se inferir que Dutra ensinava leitura musical, além dos primeiros passos em
cada instrumento (postura, emissão sonora, técnica básica). A evolução do aprendizado
ocorria então na prática, com a execução de repertório. O intercâmbio informal, nos saraus e
reuniões musicais, permitia que o aluno conhecesse o repertório e se integrasse cada vez mais
aos grupos de Octávio, na medida em que avançava tecnicamente no instrumento. Acredita-se
que esse foi o processo no qual se inseriu Dante Santoro como estudante35.
35
O uso de cadernos manuscritos parece similar ao que ocorria no Rio de Janeiro na mesma época. Também a
descrição do ambiente de ensino (saraus e reuniões musicais) leva a crer que havia entre Octávio Dutra e seus
alunos uma relação mestre-discípulo, como descrito no Capítulo 1.
77
extrai-se a seguinte mensagem: “Lua Cheia, vê se tocas direito a música”. Ao lado, no mesmo
caderno: “Tu sabes que eu gosto de um bom vinho... (branco não!)”. No caderno de música do
flautista Lombriga, na música Pierrot e Colombina, havia o seguinte recado: “Animal, si não
entenderes as fermatas, suicida-te!”. (VEDANA, op. cit, p. 86). Sonia Paes Porto, sobrinha-
neta de Octávio Dutra, recorda que Dutra era chamado de “burro querido”, pois era muito
bravo e ao mesmo tempo amável. Se o aluno errava, dizia “mas tu és burro, meu querido!”,
numa mescla de irritação e amabilidade (PORTO apud SOUZA, op. cit. , p. 129).
No caso de Dante Santoro, pode-se identificar esse traço de ecletismo desde cedo em
sua atuação como flautista de orquestras, grupos de serenata, grupos de choro, nos saraus e
salas de concerto. Essa tendência acentuou-se com o passar dos anos, quando se dedicou
também à composição e à direção musical. Dutra e Santoro foram intérpretes essencialmente
autorais, que compuseram, gravaram e editaram suas próprias obras. Dedicaram-se também
ao mesmo tipo de repertório: choros, valsas, marchas, polcas-choro, maxixes, schottisches,
boleros e danças típicas.
Dante Santoro já buscava uma oportunidade fora da capital gaúcha antes de 1933 -
ano em que provavelmente se instalou no Rio de Janeiro. O primeiro registro de participação
de Dante Santoro em programa radiofônico no Rio de Janeiro data de 18 de abril de 1928, na
Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, ao lado de Jessy Barbosa e Gastão Formenti (canto),
Rogério Guimarães (violão), Pery Cunha (bandolim) e Alberico de Souza (piano). No
programa, interpreta a valsa Sonhando, de autor desconhecido (figura 7).
36
A Exposição Iberoamericana de Sevilha, ocorrida de 09 de maio de 1929 a 21 de junho de 1930, foi a primeira
exposição internacional destinada a fortalecer os laços de integração entre os países ibéricos e americanos. Não
foram encontrados registros que confirmassem a participação do grupo Bohemios Brasileiros no evento. Porém,
sabe-se, pela narração do cronista Dante de Laytano, que Dante Santoro esteve, em algum momento, em visita à
península ibérica, mais especificamente a Portugal: “Encontrei com ele, depois, umas vezes. Inclusive, no Rio de
Janeiro, onde se afeiçoara, vivia na Rádio Nacional e desfrutava o prestígio de músico em forma. Flauta Mágica.
E o era. Também o achei, e num acaso alegre, em Lisboa à tardinha, no Chiado animado de gente”. (LAYTANO,
1986, p. 188)
79
Figura 7. Primeiro registro de Dante Santoro no rádio carioca. Jornal A Esquerda, 18/4/1928. Fonte: acervo da
Hemeroteca digital da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
80
Figura 8. Detalhe do artigo sobre os Bohemios Brasileiros publicado no jornal A Noite, de 03/07/1929. Fonte:
acervo da Hemeroteca digital da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
Afirma o músico Arthur de Faria (2011) que a mudança definitiva de Dante para o
Rio de Janeiro deu-se em 1933, quando começou a trabalhar na Rádio Cajuti PRE 2,
inaugurada nesse mesmo ano. A emissora, que funcionava no bairro da Tijuca, dava destaque
à programação musical, tendo entre seus artistas exclusivos os cantores Francisco Alves e
Edgard Velloso. Em 1934, Dante teria se transferido para a Rádio Educadora do Brasil,
emissora que já contava oito anos de transmissões. Voltada para a difusão da cultura, sua
programação era constituída basicamente de palestras, conferências e números de música
clássica e ópera.
Não foram encontrados registros das apresentações de Dante Santoro na rádio Cajuti,
mas nesse período, de 1933 a 1935, Dante Santoro participa de programas radiofônicos nas
rádios Philips (1933), Club (1933 e 1934) e Sociedade Guanabara (1935). Em 16 de dezembro
de 1933, o jornal A Batalha (ed. 1166) traz, na página 4, a programação da Rádio Club, na
qual se apresenta o Trio Typico Dante Santoro (formado por Dante Santoro, Mário Cabral e
Antenógenes Silva). No programa, constam obras de Octávio Dutra, Levino da Conceição,
Dante Santoro e Manoel Lima (figura 9). Em 1934, Dante ganha seu próprio programa na
81
Rádio Club, como indica a programação publicada no mesmo periódico, na edição 1186 de 12
de janeiro de 1934. O Programa Dante Santoro também aparece na programação publicada
pelo Diário Carioca (edição 1674), em 16 de janeiro de 1934.
Figura 9. Programa Dante Santoro, Rádio Club. Jornal A Batalha, 16/12/1933, ed. 1166, p. 4. Fonte: acervo da
Hemeroteca digital da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
Figura 10. Detalhe do artigo publicado no suplemento A Noite Ilustrada, em 20/3/1935, ed. 276, p. 32. Nas fotos,
o locutor Bento Gonçalves (esquerda) e o violonista Manoel Lima (direita). Fonte: acervo da hemeroteca digital
da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
Figura 11. O Desastre de Cruzeiro. Matéria de capa do Diário Carioca, ed. 2038, em 16/3/1935. Fonte: Acervo
da hemeroteca digital da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
84
Figura 12: Artigo “A flauta de Dante Santoro”. A Noite, ed. 9196, de 17 de julho de 1937.
Acredita-se que a flauta em menção é a que Dante Santoro usava quando ainda
morava em Porto Alegre, um instrumento com pé em si 37, que aparece em suas fotos mais
antigas, das décadas de 1920 e 1930. Talvez depois do desastre, em 1935, tenha comprado a
flauta alemã da marca Hammig, que usou durante largo tempo à frente do Regional da Rádio
Nacional, hoje pertencente à professora Laura Rónai. Essa flauta, igualmente referenciada
pelos flautistas Milton D´Avila e Altamiro Carrilho em seus depoimentos, será objeto de
comentário mais detalhado no Capítulo 4.
Retomando a retrospectiva sobre os primeiros anos de trabalho de Dante Santoro no
rádio carioca, foram encontradas referências de sua atuação nas rádios Educadora (1937 e
1938) e Cruzeiro (1937). Nesta última, conforme publicação do jornal a Batalha, ed. 3317 de
2/6/1937, Dante apresenta-se ao lado de Dylu Melo, Augusto Henriques, Rogério Guimarães,
Helio Rosa, Ary Barroso, entre outros.
Já sobre sua atuação na Rádio Educadora, a Gazeta de Notícias publica o seguinte
comentário, na edição 260 de 2/11/1937:
37
A flauta transversal moderna, baseada no sistema Boehm (1832) é constituída de três partes desmontáveis: o
bocal, o corpo e o pé. Os primeiros modelos da flauta Boehm foram construídos com uma extensão que vai até o
dó médio do piano (“pé em dó”). Aperfeiçoamentos posteriores permitiram uma segunda opção, que aumentava
a extensão do instrumento até o si médio (“pé em si”).
85
Dante Santoro assina contrato com a Rádio Nacional em 1936, ano em que a
emissora começa a funcionar. Como se depreende dos dados antes mencionados, Dante já
tinha conquistado algum espaço no rádio carioca por essa época. Portanto, chega à Nacional
com experiência de solista e líder de grupo regional. A Rádio Nacional foi a emissora que
maior projeção deu ao nome do flautista, por ser, durante anos, a emissora de maior audiência
no Brasil. É importante conhecer um pouco da história dessa emissora para, logo, entender o
papel do Regional de Dante Santoro nesse contexto.
Nesse contexto, surgem em 1935 a Rádio Jornal do Brasil PRF-4 e a Rádio Tupi
PRG 3 (1935), esta última da cadeia jornalística Diários Associados, de Assis Chateaubriand.
A Sociedade Civil Brasileira Rádio Nacional surgiu em 1933, a partir do grupo A Noite,
86
responsável pela publicação do jornal de maior tiragem do Rio de Janeiro, conhecido como “o
vespertino da cidade”. Fundado em 1911, incluiu também, na década de 1920, as revistas A
Noite Ilustrada, Carioca e Vamos Ler.
Nessa época a Nacional tinha uma orquestra de jazz, dirigida pelo Maestro Gaó; uma
orquestra de tangos, dirigida por Eduardo Patané e uma orquestra de concertos, dirigida por
Romeu Ghipsman. O regional, dirigido por Dante Santoro, acompanhava regularmente os
cantores e preenchia as lacunas da programação sempre que necessário. Radamés Gnattali
atuava como pianista e arranjador, oferecendo um formato inovador de acompanhamento para
o repertório brasileiro fartamente executado na rádio. Em seu depoimento de 11 de outubro de
1977 ao Jornal do Brasil refere que “Naquele tempo não se tocava música brasileira com
orquestra, só com regional. As orquestras de salão tocavam música ligeira, operetas, valsas,
por aí” (Gnattali apud Saroldi, 2005, p. 41).
Caberia ao maestro Radamés oferecer outra moldura aos cantores brasileiros além
daquela do regional de Dante Santoro. Começou com arranjos para pequenos
conjuntos, trios, quartetos. Depois foi enriquecendo as formações (...). Também viria
dos primeiros tempos da Nacional um dos mais chegados colaboradores de
Radamés, o baterista Luciano Perrone. Por sugestão deste, o maestro revolucionaria
o acompanhamento do samba orquestrado, numa época em que os estúdios de rádio
e de gravação contavam com apenas um microfone. Até então cabia aos
instrumentos de sopro desenhar a melodia, enquanto o ritmo repousava
exclusivamente na percussão. Luciano sugeriu a Radamés dar aos metais uma
função rítmica a fim de reforçar o clima necessário às gravações de samba,
principalmente.(Saroldi, 2005, p. 43)
orquestração vocal” (Saroldi, 2005, p. 14). Também o programa Curiosidades Musicais, que
marcou a passagem de Almirante pela Rádio Nacional, em 1938, permitia a apreciação de
músicas de diferentes gêneros, sempre contextualizadas pelo locutor:
Figura 13: Charge publicada no jornal A Noite, Edição 9790, de 13/5/1939, p. 13. Entre os personagens,
Almirante, Lamartine Babo, Radamés Gnattali e Dante Santoro.
Quando a emissora passa a ser estatal, em 1940, assume a direção Gilberto de
Andrade, jornalista que por muito tempo esteve à frente da sessão de mídia impressa do grupo
A Noite. Era prioridade do governo de Getúlio Vargas constituir uma emissora popular, que
chegasse a todos os pontos do país e às mais diversas camadas da população, promovendo a
integração nacional e ideológica. Para tanto, buscou-se alcançar o primeiro lugar de audiência,
que naquela época era da Rádio Mayrink Veiga, através de estudos de estatística, mecanismos
88
Nada além de Dois Minutos, conduzido por Paulo Roberto e Papel Carbono (figura
14), apresentado por Renato Murce, foram programas igualmente populares, este último
revelando cantores, cantoras, conjuntos vocais e músicos, como o violonista Baden Powell
(Saroldi, op. cit, p. 82). A presença da plateia transformava os programas de rádio em
espetáculos, de modo que o locutor convertia-se em animador de auditório, enquanto que os
cantores e, até mesmo os músicos acompanhadores, ganhavam notoriedade. O culto à imagem
desses artistas torna-se bastante evidente com o sucesso dos (as) cantores (as) do rádio. Entre
os músicos, a popularidade de alguns personagens - como os sanfoneiros Luiz Gonzaga e
Pedro Raimundo, que se apresentavam com seus trajes típicos regionais - demonstrava a
efetividade de se trabalhar a imagem do artista, aliada à música, no contexto dos programas de
auditório.
Figura 14. Artigo publicado na Revista do Rádio, Ano IV, ed. 95, de 3/7/1951, p. 37, fala sobre o Programa
Papel Carbono, dirigido por Renato Murce, e menciona a atuação do Regional de Dante Santoro no
acompanhamento de calouros.
Em 1946 Gilberto de Andrade pede exoneração do cargo de Diretor da Rádio
Nacional, transferindo-se para a direção da rede Associada de Assis Chateaubriand, ficando à
frente das rádios Tupi e Tamoio. Tal fato abalou as estruturas do mercado radiofônico,
roubando à Nacional alguns dos nomes mais identificados da emissora: Almirante, José
Mauro, Mário Faccini, Paulo Tapajós, Jararaca e Ratinho e Paulo Gracindo, entre outros. A
disputa da Nacional com as emissoras Associadas tornou o mercado mais competitivo. No
início da década de 1950, quando Victor Costa assume a direção da emissora estatal, o
90
radioteatro ganha uma importância especial, tornando-se o segmento de maior projeção dentro
da emissora.
A Rádio Nacional foi um celeiro de grandes músicos nas décadas de 1940 e 1950. O
regional de Dante Santoro teve várias formações, mas como membros fixos participaram
Norival Carlos Teixeira (Valzinho), Carlos Lentine, Rubem Bergman, Norival Guimarães,
Arthur Duarte e César Moreno (violões); Joca e Jorginho (pandeiro); Valdemar Melo, Lino
José da Silva e Índio do Cavaquinho (cavaquinho)38. Segundo Jorginho do Pandeiro39, em
entrevista à pesquisadora em 19/05/2011, o trabalho do regional era eclético e farto. Além dos
já citados programas, participavam do musical Festival de Gaitas, do programa de auditório
Papel Carbono e do programa de variedades Nada além de Dois Minutos. Em finais da década
de 1940, por conta da grande demanda, o regional contava com dois grupos de músicos, que
38
Informação contida no quadro de músicos publicado na Revista da Rádio Nacional, 1936-1956. Edição
comemorativa dos 20 anos da emissora. Rio de Janeiro: Editora da Rádio Nacional, 1956.
39
Jorge José da Silva (n. 1930), o Jorginho do Pandeiro, pandeirista, grande representante do choro carioca,
iniciou sua carreira no Rádio, onde trabalhou ao lado de Dante Santoro, na Rádio Nacional, nas décadas de 1940
a 1960. Membro do Conjunto Época de Ouro, com quem atua ainda hoje, desenvolve atividades como músico,
produtor e professor.
91
se revezavam, ao lado de Dante, entre os turnos do dia e o da noite. Interessante notar que
Dante Santoro nunca era substituído.
Figura 15: Artigo publicado no jornal A Manhã, de 13/06/50, p. 6, fala sobre a movimentação provocada no
bairro da Tijuca por ocasião da visita dos artistas da Rádio Nacional (entre eles o Regional de Dante Santoro),
durante transmissão do programa “A felicidade bate à sua porta”.
40
Segundo depoimento de Paulo Tapajós, constante do Dicionário Cravo Albin, a Turma do Sereno se dedicava
a um repertório seresteiro, já pouco tocado (valsas, modinhas, choros, polcas e maxixes). O programa deu
vitalidade a esse repertório e aos “músicos solistas da Rádio Nacional, que só ficavam na fila da orquestra”. O
grupo gravou dois discos pela gravadora Continental e se dissolveu quando o programa deixou de ser transmitido
pela Rádio Nacional. Como mencionado, os músicos componentes atuavam nas orquestras da emissora: o
flautista João de Deus, o violinista Irany Pinto, o saxofonista Sandoval Dias (1906-) e o clarinetista Abel Ferreira
92
formado por Aníbal Augusto Sardinha, o Garoto (violão), Romeu Seibel, o Chiquinho do
Acordeom e Rafael Lemos Júnior, o Fafá Lemos (violino), e a participação esporádica da
pianista Carolina Cardoso de Meneses41.
(1915-1980) – esse último, nome de grande destaque no cenário musical, admirado por seu estilo pessoal de
execução.
41
O “Trio Surdina”, surgido em 1952, gravou dois LPs pela Musidisc, com a participação do contrabaixista
Vidal e do ritmista Bicalho. O violonista Garoto (1915-1955), dentre as várias atividades desenvolvidas em sua
carreira, atuou, na década de 1950, na Orquestra da Rádio Nacional, época em que formou, ainda, parcerias com
a pianista Carolina Cardoso de Meneses (1916-1999) e o cavaquinhista José Meneses (n.1921). O violinista Fafá
Lemos (1921-2004) atuou como solista na Rádio Nacional na década de 1950, tendo desenvolvido carreira no
exterior, posteriormente, de onde retornou na década de 1980. Era reconhecido por sua habilidade como
improvisador e sua impecável afinação, sendo considerado um dos precursores da bossanova. Chiquinho do
Acordeom (1928-1993) participou do Sexteto Radamés Gnatalli, tornando-se um requisitado instrumentista, que
atuou em gravações de artistas como Elizeth Cardoso, Carmélia Alves e Carlos Lyra.
93
Figura 16. Orquestra Sinfônica da Rádio Nacional (c. 1936), com Dante Santoro, na segunda fila à direita. Fonte:
acervo da família Santoro.
Figura 17. Primeiros anos de Dante Santoro na Rádio Nacional. Apresentações como solista. Jornal A Noite, ed.
8990, 22/02/1937. Fonte: acervo da hemeroteca digital da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
94
Figura 18: O Regional da Rádio Nacional em 1937, sob a liderança do violonista Pereira Filho, com Dante
Santoro (flauta), Nelson Miranda (bandolim), Carlos Lentine (violão de 7 cordas) e Joca do Pandeiro.
Figura 19. Nota publicada na Gazeta de Notícias, edição 161 de 10/7/1938, fala sobre a estreia de Dante Santoro
na liderança do Regional da Rádio Nacional, que a partir daquela data assumia seu nome: “Regional de Dante
Santoro”.
O regional tinha muito trabalho. Era o grupo coringa, que acompanhava os cantores,
os calouros e, sempre que necessário, tocava de improviso para preencher a programação. O
regional era portátil se comparado às orquestras, exigia menos ensaio e cumpria muito bem a
função de grupo acompanhador. Por isso participava dos mais variados programas, entre
musicais, humorísticos, programas de variedades e de auditório.
95
Jorge José da Silva, o Jorginho do Pandeiro (n. 1930), que atuava como o braço
direito de Dante no regional, cobrindo suas férias na direção do grupo e elaborando as escalas
de horário dos músicos, comenta a rotina da rádio:
Eu quando vim pra cá (para a Nacional), em 1948, vim convidado por Dante, eu e
meu irmão Lino, que tocava cavaquinho. Eu trabalhava na Rádio Tupi, no Regional
do Rogério Guimarães. Dante quis trazer mais músicos para o regional, porque a
rádio tinha muito trabalho, de dia e de noite, então um conjunto só não conseguia
fazer toda a programação. O grupo naquela ocasião tinha quatro violões e só um
cavaquinho, então eles convidaram o Lino e eu para revezar com o Valdemar Melo e
o Favier. Então eu trabalhava de manhã e o Favier de noite. O Dante trabalhava de
manhã e de noite, fazia desde as 09:00h ou 10:00h da manhã até as 15:00h, que
acabava com a Hora do Pato, e depois voltava às 18:00h para fazer a programação
da noite. Aí ele já vinha com o outro conjunto. Eram Lino, Nourival e Valzinho de
manhã; eu de pandeiro, acabei fazendo toda a programação com o Dante quando o
Favier adoeceu e à noite Lentine, Rubens e Waldemar.
Dia de domingo eu chegava aqui às 09:00h da manhã e fazia um programa de gaitas.
Rildo Hora era um dos que participava e começou praticamente aqui (na Nacional)
eu acho. Depois, às 11:00h começava a programação. Aí a gente ficava, porque nós
não fazíamos só A Hora do Pato, fazíamos os artistas que estivessem. A orquestra
trabalhava até mais do que nós, mas o regional tinha que estar presente. Nós saíamos
às 15:00h e aquele pessoal da parte do dia ia pra casa. Eu ficava por aqui, almoçava
por aqui, e às 18:00h tinha que estar aqui para fazer A Felicidade bate a sua porta,
com a Emilinha Borba, e depois o Papel Carbono, Nada além de dois minutos... às
vezes a gente estava ensaiando o Nada além de dois minutos, tinha que sair para
fazer o Papel Carbono, para acompanhar algum artista. (Jorginho do Pandeiro,
depoimento à autora em 19/05/2011)
Há registros nos jornais da época (figura 20) das atividades do regional. Na maioria
das fotos o regional aparece acompanhando artistas da emissora, como Lamartine Babo, no
programa Vida Musical e Pitoresca dos Compositores (1938); Almirante, nos programas
Curiosidades Musicais e Ritmos Populares (1938), além de cantores como Nena Robledo
(1939) e Nuno Roland (1937).
A partir da década de 1940, há, na Rádio Nacional, um forte movimento em prol das
versões orquestrais da música brasileira, especialmente os excepcionais arranjos do maestro
Radamés Gnattali. As versões orquestrais davam um toque de sofisticação e modernidade ao
repertório nacional, que o tradicional grupo regional não podia oferecer. Buscava-se também,
segundo Haroldo Barbosa, um padrão internacional, “um estilo americano, a exemplo de
Benny Goodman e sua Orquestra” (Barbosa apud Saroldi, 2005, p. 61).
96
Figura 20. O Regional de Dante Santoro em atividade na Rádio Nacional, ao lado do apresentador Almirante, em
1938. Suplemento a Noite Ilustrada. Ed. 477, de 23/8/1938, p. 34 (foto da esquerda) e Ed. 482, de 13/9/1938, p.
26 (foto da direita). Fonte: acervo da hemeroteca digital da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
atuando a todo vapor. Data de 1943, por exemplo, foto da apresentação do Desafio para
flauta e pandeiro, protagonizado por Dante Santoro e Joca do Pandeiro (figura 21). A
gravação dessa música, encontrada no acervo do Museu da Imagem e do Som, deve ter sido
feita em 1939, quando tomou parte do Programa Lopes S.A., conforme anúncio publicado no
jornal A Noite, ed. 9972, de 14/11/1939.
Figura 21. Dante Santoro e Joca do Pandeiro, interpretando o Desafio para flauta e pandeiro. Suplemento A
Noite Ilustrada, ed. 746, de 22/6/ 1943. Fonte: acervo da hemeroteca digital da Biblioteca Nacional do Rio de
Janeiro.
Figura 23. Regional de Dante Santoro, com a participação especial de Garoto (ao centro). Dante Santoro, Carlos
Lentini, Garoto, Luís Bittencourt e Joca do Pandeiro. (PINHEIRO, 2005, p. 66)
99
Figura 24. Orquestra da Nacional. Década de 1940. Na segunda fila, sentado, ao centro, está Dante Santoro.
Segundo PINHEIRO, 2005, p. 68-69, a sua esquerda, Iberê Gomes Grosso (violoncelo), e à direita, o flautista
Roberto [sic]. A formação instrumental indica que se tratava de uma orquestra de música popular.
Na década de 1950, a pedido do então diretor Victor Costa, foram contratados novos
músicos para o regional, como conta Jorginho. Havia muito trabalho e era necessário conciliar
a programação da rádio em estúdio com os shows promovidos como atividades externas.
Assim, o pandeirista foi encarregado de recrutar mais gente. Entraram, então, César Moreno
(violão), Arthur Duarte (violão de sete cordas), Edinaldo Vieira Lima - o Índio do
Cavaquinho (1924-2003), e Luna do pandeiro.
42
Carlos Silva e Souza (n. 1943), o Caçula Hilário, violonista de seis e sete cordas, também cavaquinista e
contrabaixista, iniciou sua carreira profissional aos 12 anos, no Regional do Cacizo. Segundo Luiz Otávio Braga
(em texto ainda não publicado, gentilmente cedido a esta autora), Caçula representa um importante elo entre os
jovens músicos de choro e a geração “clássica”, trazendo consigo a tradição viva de Arlindo Ferreira, Horondino
José da Silva, o Dino 7 Cordas, e Canhoto do Cavaquinho. Destacam-se suas participações no Regional do
Arlindo, de Rogério Guimarães, de Dante Santoro, Waldir Azevedo, e na TV, como músico acompanhador, ao
lado de Altemar Dutra.
100
gente!”. Posteriormente, na década de 60, Caçula terminou sendo contratado como violonista
substituto. Ele comenta:
43
Anselmo Domingos foi jornalista e editor da Revista do Rádio (1948-1970).
101
(...) Vimos assim a confusão instrumental que se vem verificando desde o velho
chôro (violões, cavaquinho e flauta), passando pelo maxixe com ganzá e chocalho e
pelos bandos ou grupos já acrescidos de bateria sambista (pandeiro, tamborim,
cuíca, surdo, reco-reco) ou instrumental jazzbândico orquestral (pistom, saxofone,
trombone, contrabaixo de corda ou apenas tuba). Tudo para se tentar satisfazer,
inutilmente, a execução de uma variedade típica de gêneros: choro, música regional
(emboladas, cocos, frevos, toadas, cateretês, valsinhas brasílicas, marchinhas e
sambas cariocas, baião, etc.), música centro-americana (rumbas, boleros, etc) e
norte-americana (jazz em geral). (...)
E se confundindo, finalmente, o instrumental do choro com o do maxixe, do choro
com o dos bandos e grupos, e como se pensasse, talvez, que de regiões várias do
Brasil é que vinha a música popular brasileira em geral (...) acabou se chamando
tudo apenas de regional, quer dizer, sem mais significado de coisa alguma. (...)
Dificilmente o musicólogo pode historiar uma bagunça de técnica música popular
classificatória como esta brasileira [sic]. Mesmo porque tal confusão de pode
documentar com facilidade. Assim, por exemplo, no suplemento de discos
brasileiros da RCA Victor de abril de 1936, vemos o falecido Francisco Alves, num
mesmo disco (34.043), cantar uma valsa com a Orquestra Victor Brasileira, e do
outro lado outra valsa com o Conjunto Regional RCA Victor. No mesmo
suplemento se tem, ainda, o disco 34.045, com o nosso já velho conhecido
Almirante dos Bandos e das batucadas, numa embolada, acompanhado pelo
“Conjunto Regional Benedito Lacerda”, aquele mesmo que foi antes do “Grupo da
Gente do Morro”. Sabem lá o que é isso?
Sabemos sim. Pois não é que hoje em dia o flautista Dante Santoro, com seu
Regional, acompanhou o cantor Jorge Goulart num samba, no filme “Tudo Azul”
(se nos lembramos bem do título), com a seguinte composição: flautas, violões,
cavaquinhos e pistões? Executando o samba “Mundo de Zinco” (o do morro)!!! 45
Evidentemente cansado de tanto nome impróprio, ou sem entenderem do que se
tratava, o nosso curioso e decadente mundo rádio-discográfico acabou batizando
tudo por “REGIONAL”. Qualquer coisa que não seja orquestra jazzbandizada, ou
conjuntos com nomes ianquezados (Quatro Azes, Vocalistas, etc) é “REGIONAL”.
A coisa se tornou até bem rasa e simples: conjunto insignificante, que acompanha
qualquer um em rádio é... “REGIONAL”, acabou-se, está resolvido o problema da
execução da nossa decadente música popular, em sua execução não menos
tipicamente decadente. (CORDEIRO, Cruz. Orquestra para nossa música popular.
Diário de Notícias, 30/08/1953, Suplemento Literário, p. 5, grifo do original).
44
José da Cruz Cordeiro Filho (1905-1984) foi jornalista, crítico musical, romancista, poeta e tradutor. Em 1928
criou a revista Phono Arte, primeira revista brasileira dedicada a noticiar e criticar os lançamentos fonográficos e
cinematográficos. De tiragem bi-mensal, a Phono Arte foi editada até 1931. Nesse ano, Cordeiro ingressou na
RCA Victor como publicitário e diretor artístico. Na década de 50, foi colaborador da Revista da Música Popular
Brasileira, a convite de Lúcio Rangel. Foi um dos fundadores do Conselho Superior de Música Popular
Brasileira do Museu da Imagem e do Som. Uma de suas críticas mais recordadas foi a da “americanização” de
Pixinguinha nas obras Carinhoso e Lamentos.
45
A participação do Regional de Dante Santoro no filme “Tudo Azul”, a que se refere o cronista, está disponível
na internet no seguinte endereço: http://www.youtube.com/watch?v=AEQLNvIBsJg
102
suas crônicas, que Cordeiro era “um nacionalista de quatro costados” e que desde o início da
década de 1930 havia inaugurado um discurso em que reivindicava uma melhor
“apresentação” para a música popular, pois considerava o conjunto regional uma forma
exaurida (BRAGA, 2002, p. 108 e 300). De fato chama atenção, na crônica, a severa crítica
aos grupos regionais, notadamente os de Benedito Lacerda e Dante Santoro, aqui incluídos em
um mesmo patamar de desqualificação. Seu discurso evidencia o desprestígio dessa formação
instrumental junto a alguns setores do meio musical no início da década de 1950.
Segundo a flautista Odette Ernest Dias (n. 1929), em entrevista concedida a esta
autora em 08/09/2012, cada regional naquela época tinha o seu som, o que ocorre ainda hoje.
Segundo ela, que já viajou bastante pelo Brasil, em cada região os regionais têm diferentes
sotaques, diferentes maneiras de atacar as notas, o que muda a sonoridade. Quando
perguntada sobre a diferença entre o regional de Dante Santoro e o de Canhoto, ela diz que
Dante Santoro sempre estava em evidência, era um solista, ao passo que o Regional de
Canhoto – que ela ouviu com Altamiro Carrilho e Carlos Poyares – baseava-se nas cordas,
enfocava o acompanhamento. Essa diferença de enfoque, portanto, transmitia-se no som.
Crítica muito incisiva contra Dante Santoro foi publicada por Haroldo Barbosa47 no
Diário da Noite, edição 4648 de 20 de dezembro de 1949. No artigo intitulado “Coisas que
incomodam”, em que faz uma revisão dos piores momentos do rádio no ano de 1949, afirma:
“Dante Santoro comemorou o jubileu radiofônico de sua introdução de sambas – há 25 anos a
mesma.” Esse comentário até hoje ressoa no meio musical, entre músicos que acreditam que
46
O mesmo afirma o violonista Luiz Otávio Braga, para quem a qualidade e entrosamento da dupla de violões é
o diferencial do bom regional, conforme mencionado no Capítulo 1.
47
Haroldo Barbosa iniciou carreira como discotecário na Rádio Nacional, onde realizava trabalho de pesquisa
das “novidades musicais” lançadas em disco e no cinema. Logo, começou a fazer versões, tornando-se produtor
e compositor. Atuou como assessor musical de vários cantores, como Francisco Alves, e na década de 1940,
integrou o mercado de jingles como compositor. (Saroldi, 2005, p. 63, 64, 91e 115).
103
Dante Santoro não sabia improvisar. Seria razoável que Haroldo Barbosa considerasse Dante
Santoro um improvisador pouco criativo. Porém, essa frase - retirada de uma crônica que
difamava meio mundo no meio radiofônico – agradou, tanto quanto pecou, pelo exagero48.
O violonista Caçula conta como era o programa A Felicidade bate à Sua Porta,
transmitido na década de 1950, no qual os músicos eram levados aos diferentes bairros da
capital fluminense para acompanhar a cantora Emilinha Borba. A apresentação era em cima
de um furgão, adaptado para as transmissões, e segundo Caçula “os cantores subiam por
dentro do furgão, numa escadinha, era no telhado do carro que eles cantavam”. Subiam
também os músicos e era o cavaquinista Waldemar Melo quem vivia tomando choques nas
instalações elétricas do carro, para a diversão dos companheiros. Os registros sonoros do
programa, no acervo do Museu da Imagem e do Som, dão ideia da popularidade desses
artistas à época. De fato, a chegada do furgão da Nacional era um acontecimento.
Segundo Caçula, a projeção dos músicos era bastante grande: “Se você passasse e
visse o Jorginho ou o Luna, todo mundo sabia que aquele camarada era do regional do Dante
48
Essa afirmação ganhou adaptações ao longo do tempo. Segundo o flautista Leonardo Miranda, a versão que
chegou a ele dizia que Dante só tinha duas introduções, uma maior e outra menor. Como explicou o flautista,
entre os chorões, há um esquema harmônico que define as introduções, porém a melodia que se sobrepõe a esse
esquema é livre. Afirma-se que Dante só usava duas melodias de introdução e que as adaptava a todas as
músicas. Já Henrique Cazes (n. 1959) publicou em seu livro que “A Rádio Nacional (...) tinha como ponto fraco
o seu grupo regional. Dante Santoro comandava o conjunto e não era de fato um músico dos mais caprichosos.
Para se ter uma ideia, Dante tinha apenas uma introdução que adaptava a qualquer ritmo e andamento, mesmo
que fosse no compasso ternário de uma valsa”. (CAZES, 2010, p. 86).
104
Santoro. Se passasse o Dino, todo mundo sabia que era da Mayrink Veiga, do Regional do
Canhoto. Todos sabiam quem era quem”. O violonista afirma que o Regional do Benedito
Lacerda era o que mais gravava, porque era tido como o melhor entre os regionais e também
era o mais antigo. Desde 1930 o grupo se apresentava, naquela época com o nome de Gente
do Morro, e seu êxito foi contínuo, até que se transformou no Regional do Canhoto, na década
de 1950. Sem dúvida foi o regional de maior sucesso daquela época.
Passei a integrar o quadro desta estação no dia exato de sua inauguração, ou seja, há
cerca de dezenove anos, como flautista, participando de todos os trabalhos
atribuídos, em geral, aos músicos profissionais;
Desde então, em simultaneidade com essas tarefas, foi-me entregue a direção do
Conjunto Regional, sem todavia receber até a presente data um só ceitil pela
incumbência marginal;
Todos os colegas que inauguraram comigo a RADIO NACIONAL, exceção
possivelmente do flautista Pedro Vieira, percebem hoje vencimentos mais ou menos
ajustados aos elevados padrões do custo de vida atual, convindo salientar que suas
tarefas têm sido sempre, em volume, bem menores do que as minhas;
Os vencimentos desses prezados colegas (bem merecidos, aliás) ultrapassam a casa
dos 14 mil cruzeiros mensais (...), enquanto eu continuo percebendo Cr$
8.160,00(...). Esta situação leva-me a solicitar seja feita uma análise comparativa dos
49
Carta de Dante Santoro ao Diretor da Rádio Nacional, em 16/06/1955, presente no dossiê do flautista,
arquivado na Rádio Nacional.
105
salários pagos àqueles colegas e os que percebo eu, atualmente, facilitando assim a
V.S inteirar-se da tremenda, injusta e inexplicável disparidade existente;
Para que esse desnível de salários, em se tratando de funcionários de idêntica
categoria, não venha a ser indevidamente atribuído a uma questão de competência
profissional, rogo seja reclamado o depoimento dos ilustres maestros da estação, os
quais, com pleno conhecimento de causa, poderão esclarecer esse detalhe técnico;
Por último solicito à V. S. um estudo das fichas de cada elemento citado, no
Departamento de Contabilidade, a fim de que se comprove o acerto das minhas
alegações, cessando, assim, a injustiça que ora atinge àqueles que, como eu, há
quase 19 anos, mourejam, lutam e se esfalfam para manter o prestígio artístico-
musical desta pujante e renomada emissora. (SANTORO, carta à direção da Rádio
Nacional, 16 de junho de 1955).
A carta de Dante deixa claro que suas funções como músico de orquestra e diretor do
grupo regional eram cumulativas, o que é reforçado pelo depoimento de Jorginho do
Pandeiro. Também revela a intensa dedicação à rádio e o reconhecimento de seu trabalho por
parte dos maestros da casa, apontados como testemunhas de suas qualidades como músico. O
tom de desabafo explica-se pelo fato de que essa carta foi escrita em um momento particular
de crise, no qual houve uma reestruturação dentro da emissora, da qual Dante não se
beneficiou, mesmo contando com dezenove anos de casa. Aparentemente, o tempo de serviço
lhe foi desfavorável, porque os pequenos reajustes salariais efetuados com base no seu salário
inicial defasado (cujo valor foi recalculado, em função de mudanças na moeda) fizeram-no
perder o direito à reestruturação.
Apesar da insatisfação pessoal e dos problemas com a direção, o rádio ainda era o
melhor emprego para o músico popular na década de 1950, pela segurança financeira que
proporcionava. É interessante contrastar aqui a visão de um músico mais jovem, o clarinetista
e saxofonista Paulo Moura (1932-2010), que nessa década chegou a trabalhar na Nacional.
Ele diz o seguinte sobre o trabalho na emissora:
(...) não queria ir para a Rádio Nacional, embora naquele tempo, fosse o melhor
emprego para um músico popular, porque nas horas vagas, ele poderia fazer todas as
outras coisas de que gostava de verdade. Era o que faziam K-Ximbinho, Garoto e
outros tantos músicos daquela época. Todos eles tinham um trabalho paralelo à
Rádio Nacional, algo de que realmente gostavam e que não era um emprego fixo.
No final das contas, resolvi enfrentar a Rádio Nacional, apesar de ter resistido por
tanto tempo. (...) Mas nessa época de dificuldades, no final dos anos 1950, tudo já
era complicado para a música instrumental, porque começou a surgir aquele tipo de
música que ameaçava as formações orquestrais grandes: o rock. Os conjuntos
tornaram-se pequenos e as formações eram geralmente em quarteto ou trio, como
nos grupos de rock, e acabei aceitando ir para a rádio. Acho que entrei, se não me
engano, em 1958. E depois fiquei louco pra sair! (GRYNBERG, 2011, p. 81)
Pandeiro, o clima amistoso dos colegas de emissora em sua convivência diária e o ambiente
da rádio deixaram saudades:
Essa rádio aqui era uma família, todos eram amigos, tinha um bar aqui em cima,
quando a gente tinha um tempo de ir ao bar ficava aquela conversa boa! Todos se
conheciam, todos se davam bem. Era uma família, eu senti muita falta quando
parou. Hoje em dia está vazio, mas naquela época tinha movimento o dia inteiro. Era
uma TV Globo de hoje a Rádio Nacional, em “cartaz” também. (Jorginho do
Pandeiro, em entrevista concedida à autora, em 19/05/2011)
Figura 25. Nota publicada no Correio da Manhã, edição 18805, de 22/07/54, anuncia a contratação do Regional
de Dante Santoro pela gravadora Sinter.
Figura 26. Artigo sobre show em homenagem ao flautista Benedito Lacerda. Correio da Manhã, 13/06/1958, p.
2.
como um extra. “Ele me contava que trabalhava nos cassinos. Ele dizia que naquela época
ele só andava de terno branco e sapato novinho, porque ganhava muito bem nos cassinos!
(risos)” (Jorginho do Pandeiro, em entrevista concedida a esta autora, em 19/05/2011).
Figura 27: anúncios dos espetáculos de teatro de revista Música Maestro (1940) e Ouro de Lei (1943), dos quais
participou Dante Santoro. Fonte: acervo da hemeroteca digital da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
Nove horas da manhã ele já estava aqui (na Rádio) e ele chegava com sono, porque
ele tinha “O Inferno de Dante lá na Barra”, era um bar-restaurante dele, as mesas
eram todas de toalha vermelha, pra ficar bem ao inferno mesmo! (risos). Sempre
tinha alguém conhecido dele, então ele ficava até cinco, seis horas da manhã
acordado... aí quando chegava aqui ela tinha sono. Mas ele era um grande músico,
ele lia muito! Então o Ercole Vareto, que era o maestro da manhã - encarregado do
programa Paulo Gracindo, entre outros, até as 15 horas – separava as músicas que
109
ele ia tocar e às vezes eu vinha aqui olhar e ele estava cochilando! Aí quando era a
entrada da flauta, o Vareto batia e dizia “Dante, olha a entrada!” Ele empunhava a
flauta e entrava, tocando muito bem, porque ele lia muito! (Jorginho do Pandeiro,
em entrevista concedida à autora, em 19/05/2011).
Com sete anos minha tia me levou para conhecer o Rio de Janeiro e nós fizemos
uma visita pro Dante. Naquela época (c. 1959) ele estava começando um restaurante
chamado “O Inferno de Dante”, que foi um inferno mesmo pra ele. Ele era uma
pessoa de um coração do tamanho de um trem, então ele ajudava todo mundo, os
amigos, dava dinheiro, emprestava... Então o pessoal ficava devendo e, assim, o
restaurante acabou sendo pra ele um grande problema. (Homero Santoro, em
entrevista concedida à autora em 25/11/2011)
Figura 28. Último registro encontrado sobre a atuação de Dante Santoro: show Noite do Choro, onde se
apresentou ao lado de Pixinguinha, representando a velha-guarda. Diário de Notícias, edição 14137 de
22/12/1968.
111
Dante Santoro foi uma referência para os músicos de sua época, um tempo marcado
pela obra de grandes flautistas, como Pixinguinha e Benedito Lacerda. Altamiro Carrilho é
um dos testemunhos dessa geração, pois iniciou sua carreira nos programas de rádio, fazendo
imitações desses grandes nomes. Altamiro também começou a gravar muito cedo (aos 14
anos) e aprendeu muito dos flautistas envolvidos com o rádio, que naquela época estavam em
plena atividade. A figura 29 mostra uma reportagem especial da Revista do Rádio (Ano IV,
ed. 94, Rio, 26/06/51), sobre os Flautistas do Rádio. Na reportagem, os já citados
Pixinguinha, Benedito Lacerda, Dante Santoro e Altamiro Carrilho, além dos menos
afamados João de Deus e João Batista de Menezes.
Altamiro declara, ainda, que Dante Santoro foi o primeiro flautista do rádio que ele
conheceu. Sua sonoridade causou-lhe impacto, como comenta em entrevista concedida ao
pesquisador Luís Carlos Furtado, em 02/03/2012:
Figura 29. Reportagem sobre os Flautistas do Rádio. Revista do Rádio, Ano IV, ed. 94, 26/06/51, p. 14-17.
114
A fala de Carrilho assinala que, de fato, Dante Santoro tinha uma maneira
própria de tocar: a sonoridade potente (até mesmo exagerada no contexto do choro); a
precisão técnica adquirida pelo estudo do instrumento (“tinha conhecimento de causa,
ele estudou”); o instrumento diferenciado (“uma flauta alemã, de prata mil, muito bem
trabalhada”). Alguns indícios levam a crer que esses traços interpretativos eram
referências que Dante Santoro trazia da música de concerto.
50
Agenor Bens foi um dos grandes intérpretes da obra de Candinho Trombone e de Pattápio Silva.
Compôs cerca de vinte obras, entre polcas, shottisches, maxixes, choros e tangos brasileiros, quase todas
gravadas para os selos Grand Record Brazil, Favorite Record (Casa Faulhaber) e Odeon (cf. a
Enciclopédia Instrumental Músicos do Brasil). Além de intérprete de música de concerto e de música
popular, Agenor Bens era também compositor e atuava nos mais diferentes meios musicais, da orquestra
sinfônica às casas de espetáculo; como flautista e como cantor de modinhas.
116
A obra de Dante alcançou bastante projeção por conta de sua atuação na Rádio
Nacional. Jorginho recorda o sucesso das músicas que figuraram como trilha sonora de
radionovelas, como as valsas Gilka e Vidas mal traçadas. Em depoimento oral cedido à
autora em 22/11/2011, em sua casa em Porto Alegre, o flautista gaúcho Plauto Cruz51
(n. 1929) diz que, apesar de não ter conhecido Dante Santoro pessoalmente, tem muita
admiração por ele. Ao longo de sua carreira, tocou algumas de suas músicas, entre elas
os choros O inferno de Dante, Harmonia selvagem (que era difícil, por causa dos efeitos
de trêmulo) e a valsa Vidas mal traçadas.
Plauto Cruz declarou, ainda, que gosta especialmente das valsas de Dante
Santoro, cantarolando algumas delas, como Scylla. Quando perguntado se as músicas de
Dante também fizeram sucesso no Rio Grande do Sul, disse que tem uma valsa com
letra do Corinto Álvares que fez sucesso por lá. Tentou lembrar a melodia, mas não
51
Plauto Cruz (n. 1929), flautista, compositor e arranjador gaúcho, iniciou sua carreira profissional em
1952, em emissoras de rádio no Rio Grande do Sul. Gravou seis LPs e dois CDs como solista e mais de
40 discos como acompanhador, atividade na qual se apresentou ao lado de Orlando Silva, Lupicínio
Rodrigues, Sílvio Caldas e Elis Regina.
117
Segundo Plauto Cruz, Dante Santoro estava entre os grandes flautistas que
surgiram em sua época, assim como Pattápio Silva e Benedito Lacerda. Comentou que o
jeito de se tocar flauta naquela época era virtuoso e havia uma predileção por mostrar a
técnica. Dá o exemplo da valsa Primeiro amor de Pattápio Silva, diz que já tocou essa
música e o Dante também, que era muito difícil. Aquela geração de flautistas, portanto,
se identificava com o virtuosismo e gostava do repertório que exigisse habilidade
técnica.
A foto a seguir (figura 31), dedicada a Milton d´Avila, é uma lembrança desse
encontro na Rádio Nacional. Ao comentar sobre a impressão que lhe causou a
interpretação de Dante no programa de calouros, foi-lhe perguntado se Dante Santoro
improvisava. Ao responder afirmativamente, ele descreveu o que ouviu:
52
Milton D´Avila (n. 1923), flautista, foi professor de música em Ubá-MG. É um músico muito
respeitado em sua cidade e nas redondezas, por ser um grande incentivador da cultura e do ensino
musical. Abraçou também a profissão de caixeiro viajante, tendo exercido papel de liderança entre os
representantes comerciais da região. Dedicou-se essencialmente ao repertório da música popular,
especialmente choros e valsas, sendo um grande apreciador da música de Dante Santoro, que ainda hoje
interpreta, na flauta doce.
118
fazia os contracantos todos e sempre dando a deixa para o cantor. Era uma
coisa sublime e admirável! (op. cit.)
Figura 30. Dante Santoro e sua flauta, c. 1950. Foto dedicada ao flautista Milton d´Avila em encontro na
Rádio Nacional. Fonte: família Santoro.
53
O Rubayiat, de Omar Khayyam, recebeu uma nova interpretação, vinculada ao misticismo, no ano
de1867. Os estudos de J.B. Nicolas - autor que traduziu a obra para o francês - indicaram que Khayyam
era um poeta sufi. Segundo essa interpretação, a filosofia sufi estaria representada de forma simbólica nas
imagens do Rubaiyat (taberna/templo; vinho/divindade; copeira/religião; cálice/universo;
embriaguez/êxtase místico).
120
2.6 Memórias
O sobrinho Homero Santoro conta que Dante viajava todo fim de ano a Porto
Alegre, para passar as festas com a família e, especialmente, o aniversário do pai, em 1º
de janeiro. Nessas ocasiões trazia suas produções daquele ano (os vinis gravados, que
eram colecionados pelo pai de Dante). Permanecia por uma semana apenas, pois sempre
se resfriava, acostumado à praia. Porém, os laços com Porto Alegre sempre se
mantiveram, especialmente com a irmã Algesira, a quem Dante enviava
correspondências, fotos e registros, como obséquio e para fins de arquivo pessoal. As
fotos e os vinis que compõem o acervo do sobrinho Homero Santoro são fruto desse
arquivo.
Homero Santoro recorda que Dante era extremamente diligente com a flauta,
estudava muito, para manter-se em forma, e que cuidava da saúde bucal em função da
carreira. Tinha um cuidado especial com os dentes, pois dizia que o flautista que os
perdia passava por sérios problemas:
Dante era fã do fio dental! [risos]. Naquela época nem existia fio dental, era
fio de algodão mesmo, pois não existia fibra sintética. Eu era um piá de seis,
sete anos e o via nos almoços, todo cuidadoso com os dentes! Ele dizia:
Flautista se não tiver os dentes naturais... não sai nada! O som já não é o
mesmo! (Homero Santoro, em entrevista concedida à autora em 25/11/2011)
Eu me lembro que desde aquela época [c. 1959] o Dante já tinha dificuldade
respiratória. Eu acho que o que aconteceu com o Dante foi profissional. De
tanto soprar flauta ele acabou tendo problema de enfisema, que o levou a
falecer. Ele era muito esforçado, em demasia, era muito dedicado, ficava
horas e horas para atingir aquela performance e a própria Rádio Nacional
tinha muito trabalho. (Homero Santoro, em entrevista concedida à autora em
25/11/2011)
Figura 31. Artigo publicado no Correio da Manhã, edição 23413, em 14/08/1969, 1º caderno, p. 7, relata
episódio violento envolvendo a morte de Dante Santoro.
123
Figura 32. Carta do irmão de Dante, Godofredo Santoro, que desmente o vínculo ente a morte do flautista
e o episódio violento ocorrido na boate Inferno de Dante. Correio da Manhã, ed. 23415 de 16/08/1969, 1º
caderno, p. 9. Fonte: acervo da hemeroteca digital da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
Figura 33. Anúncio da missa de sétimo dia em homenagem a Dante Santoro. Correio da Manhã, 17/08/69,
1° caderno, p. 6.
125
e certamente teve como referência o flautista Pattápio Silva (intérprete das primeiras
gravações de flauta no Brasil), cujas composições também interpretava.
54
Acredita-se que Naves (1998) faz referência ao fato de que grande parte dos compositores da tradição
erudita na primeira metade do século XX dedicaram-se a superar a estética romântica, cujas
possibilidades expressivas eram consideradas exauridas. Surgiram, então, resumidamente, duas
tendências estilísticas: o neo-classicismo, adotado pelos compositores ainda vinculados ao sistema tonal,
e o dodecafonismo, que surgiu como alternativa aos compositores interessados em trabalhar com a
atonalidade.
55
O anacronismo também pode se referir às transformações estéticas ocorridas na música veiculada pelo
Rádio na primeira metade do século XX, provocadas por mudanças de instrumentação (do regional à
orquestra) e pelo avanço nas técnicas de gravação. Um dos exemplos mais notáveis dessa mudança é o
estilo vocal, que passou da execução operística da “voz de peito” (como Francisco Alves, Albertinho
Fortuna e Nuno Roland), para a execução intimista dos cantores de “voz suave” (como Mário Reis). A
música de Dante Santoro permaneceu identificada com a tradição antiga, já que as gravações de suas
obras de maior sucesso foram interpretadas por cantores da primeira fase.
127
56
Segundo o dicionário Grove, virtuose é o “músico de habilidade técnica excepcional. A aplicação mais
antiga dessa palavra à música, na Itália, podia designar um teórico ou compositor muito hábil, assim
como um intérprete. A palavra foi amplamente usada por músicos italianos de todos os tipos, no norte da
Europa. No final do século XVIII, significava um músico que seguia a carreira solista, mas no século
XIX, passou a aplicar-se cada vez mais a intérpretes de brilhantismo notável, especialmente Liszt e
Paganini” (in Dicionário Grove de Música: edição concisa. Rio de Janeiro: Zahar, 1994, p. 1002). Uma
característica notável dos virtuoses do século XIX é a obra autoral. No Brasil, Pattápio Silva talvez seja o
grande representante desse modelo entre os flautistas, já que suas obras de estilo virtuoso foram as
primeiras a serem gravadas na era fonográfica, constituindo um marco. Na Europa, foram solistas
virtuoses de flauta, entre outros, Louis-Francois-Philippe Drouet (1792-1873); Anton Bernhard Fürstenau
(1792-1852); Jean-Louis Tulou (1786-1865); Charles Nicholson (1795-1837) e José Maria Del Carmen
Ribas (1796-1861). (RÓNAI, 2008, p. 42)
57
Essa reflexão remete à discussão já empreendida no primeiro capítulo sobre a relatividade das
categorias erudito e popular. O questionamento dessas classificações leva ao conceito da circularidade
cultural, que foi estudado, no contexto do choro, no capítulo 1.
128
Acreditamos que a obra de Dante Santoro cativa o ouvinte por utilizar recursos
expressivos diferenciados dentro do repertório do choro. Aparte do interesse que
desperta nos flautistas, por se tratar de um repertório idiomático extremamente rico, ela
chama a atenção pelo uso de recursos interpretativos e composicionais pouco comuns a
seus contemporâneos.
Nos próximos capítulos, a obra de Dante Santoro ganhará enfoque:
primeiramente sua listagem (Capítulo 3), no intuito de conhecer sua variedade e
abrangência; logo, sua análise (Capítulo 4), com o objetivo de estudar os elementos
presentes em sua música, bem como suas semelhanças e diferenças em relação à obra de
outros compositores de choro.
129
CAPÍTULO 3
GUIA PARA A OBRA DE DANTE SANTORO
Este capítulo tem por objetivo oferecer um guia para a produção de Dante
Santoro, destinado a listar as partituras e gravações do flautista e informar em que
acervo estão localizados esses documentos. Para organizar o material coletado, buscou-
se orientação no trabalho de André Henrique Guerra Cotta (2000), visando atender aos
princípios básicos de tratamento da informação58.
58
O guia é um instrumento de busca, ou seja, um instrumento que descreve o conteúdo de um dado
conjunto documental, fornecendo dados para sua localização. (COTTA, 2000, p. 93).
59
Segundo o General International Standard Archival Description ISAD (G), fundo arquivístico é um
conjunto de documentos, independente da forma e do suporte, organicamente produzido e/ou acumulado
por uma pessoa física, família ou instituição no decurso de suas atividades e funções. (COTTA, 2000, p.
50). Na arquivologia, o termo arquivo faz referência a um processo orgânico de produção e acumulação,
enquanto o termo coleção se refere a um conjunto de documentos reunidos sob determinado critério
científico ou artístico. Utilizar-se-á, neste trabalho, o termo neutro acervo para indicar a totalidade dos
documentos custodiados por uma instituição, englobando arquivos e coleções. (COTTA, 2000, p. 58).
130
60
A operação de análise e ordenação de um acervo arquivístico é chamada arranjo, enquanto que a
ordenação física do material é chamada encaixe. Nessas etapas, deve-se observar a proveniência do fundo
como elemento primordial e adequar a disposição dos documentos na medida do estritamente necessário
(COTTA, 2000, p. 65 a 74). Nesta pesquisa, lidamos com fundos diversos, que pretendemos agrupar em
um conjunto único, cujo material será organizado em séries baseadas no suporte utilizado (partitura ou
gravação).
61
A série Discografia se refere aos discos com lançamento comercial por gravadoras. Já a série
Gravações da Rádio Nacional abriga registros de programas da Rádio Nacional sem lançamento
comercial, obtidos pela consulta à coleção Rádio Nacional do Museu da Imagem e do Som do Rio de
Janeiro.
131
Dante Santoro compôs cerca de cem obras, entre choros, valsas, polcas,
marchas, danças, sambas, canções, boleros, segundo o levantamento de discos,
partituras editadas e manuscritos. O total de 33 obras foram editadas pelas casas ES
Mangione, Irmãos Vitale, Musical Brasileira, Tupy, Euterpe, Continental e Carlos
Wehrs entre 1935 e 1954 (Quadro 2).
MIS
Castigando
Choro Tupy 1943 Flauta e piano Almirante
(Arranjo: Totó)
(B-548)
132
MIS
Dança
Delírio Chinez Euterpe 1954 Flauta Almirante
Oriental
(B-15.191)
MIS
1938 Flauta e cifra
Almirante
Polca- Milton
É logo ali Irmãos Vitale D´Avila
choro
s.d. Flauta
Odette
Ernest Dias
MIS
Irmãos Vitale 1938 Flauta e cifra
Almirante
Milton
Esquecimento Choro D´Avila
Irmãos Vitale s.d. Flauta
Odette
Ernest Dias
MIS
Almirante
Valsa de (B-15.190)
Gilka E.S. Mangione s.d. Flauta
Concerto
Milton
D´Avila
Piano / flauta ou
Gilka
violino; sax alto, sax Homero
(Letra: Milton Valsa E. S. Mangione s.d.
tenor; 2 pistons sib; Santoro
Amaral)
trombone; baixo
MIS
Canto e piano Almirante
Valsa- (B-15.191)
Horas Tristes E.S. Mangione s.d.
Canção
Milton
Flauta
D´Avila
MIS
Almirante
Inferno de (B-15.191)
Choro E.S. Mangione s.d. Flauta
Dante
Milton
D´Avila
MIS
Lágrimas de
Piano Almirante
Rosa
Ed. Rádio (6286)
(Letra: Kid
Valsa Continental s.d. Piano / Violino;
Pepe)
Ltda piston sib; sax alto; Homero
(Instr: H.
Vogeler) sax tenor; trombone; Santoro
baixo
Canção
Lenda Árabe Irmãos Vitale 1937 Canto e piano MIS
Oriental
Martyrios MIS
(Letra: Valsa-
E.S.Mangione s.d. Canto e piano Almirante
Corintho Canção
(23470)
Álvares)
133
IMS
E.S. Mangione s.d. Canto e piano Tinhorão
(CX-6872)
Murmúrios MIS
Valsa Almirante
d´alma
Flauta (B-15.190)
E.S. Mangione s.d.
Milton
D´Avila
MIS
Não sei mentir Samba Tupy 1942 Piano Almirante
(B-1345)
MIS
Almirante
Não tem pra ti Choro E.S. Mangione s.d. Flauta (B-15.190)
Milton
d´Avila
MIS
Canto e piano Almirante
Nena
(B-15099)
Valsa-
(Letra: Irmãos Vitale 1935 Violino ou flauta e
Canção
Godofredo piano / piston sib; sax Homero
Santoro) alto; sax tenor; tuba; Santoro
(Orq: Leo) trombone
Milton
Valsa de D´Avila
Nena Irmãos Vitale s.d. Flauta
concerto Odette
Ernest Dias
MIS
No Bar do
Choro Euterpe 1954 Flauta Almirante
Oswaldo
(B-15.191)
No mientas
(Letra: Scylla MIS
Musical
Gusmão) Bolero 1946 Canto e piano Almirante
Brasileira
(Orq. (B-3920)
Guaraná)
MIS
Almirante
(B6470)
Oh, Deus! Samba Irmãos Vitale 1952 Sopro em sib
IMS
Tinhorão
(CX.34-10)
Olha o Jacaré MIS
(Letra: Scylla Marcha E.S.Mangione 1941 Piano Almirante
Gusmão) (B-1552)
Olhos Magos
MIS
(Letra: Valsa-
E.S. Mangione 1943 Canto e piano Almirante
Godofredo Canção
(23546)
Santoro)
134
Fonte: acervos do Instituto Moreira Salles (IMS – coleção Tinhorão), Museu da Imagem e do Som do Rio
de Janeiro (MIS – coleção Almirante) e acervos particulares de Milton D´Avila e Odette Ernest Dias.
manuscritos copiados por terceiros, está o do choro Quando a minha flauta chora,
pertencente à classificação partituras manuscritas horizontes (PMH1448). Essa partitura
foi transcrita pelo clarinetista Manuel Pedro do Nascimento em 01/05/1932, conforme
informação constante do manuscrito.
Figura 34. Manuscrito do choro Chega de amor. S.d. Fonte: Museu da Imagem e do Som (Almirante
3924).
gravado duas vezes: por Albertinho Fortuna com o Sexteto Star (Star, 159, s/d) e pelo
próprio Dante Santoro com seu Regional (Odeon 12.920, 1949), em uma gravação que
tem como introdução um solo de oboé, fato que parece ser inédito no contexto do choro.
A figura 35 mostra um trecho da primeira parte da obra, na edição E.S. Mangione, de
1949.
Figura 35. Silencioso. Parte A, trecho. Editora E.S. Mangione, 1949. Fonte: Acervo do Instituto Moreira
Salles.
A Professora Odette Ernest Dias apresentou dois manuscritos que lhe foram
dados por Dante Santoro. Um deles é o choro Soffro sem querer, de Candinho, no qual
consta a anotação “Antônio Santoro. Avenida Eduardo, 1204, Porto Alegre”. O outro é
o choro Campo Grande, de autor desconhecido, cuja partitura tem a anotação: “Octávio
Dutra. São Luiz, 471, Parthenon”. Esse endereço aparece riscado e, logo abaixo, a nova
direção: “Cel. Bello, 646, Menino Deus, Porto Alegre”. A análise da grafia revela que
137
Figura 36. Manuscrito do choro Esquecimento, para flauta e piano. Caxambu, 1923. Fonte: acervo da
família Santoro.
Observou-se que a maior parte das partituras são manuscritos autógrafos, sendo
apenas 12 de autores desconhecidos. Embora os manuscritos autógrafos não sejam
firmados nem datados, um deles apresenta a observação “cópia do autor” e foi utilizado
como referência: trata-se da valsa Horas tristes, para flauta e piano. Nota-se que a grafia
de Dante Santoro é muito clara e característica (especialmente o desenho de sua clave
de sol, cf. figuras 34 e 36), o que facilitou o trabalho de reconhecimento de seus
manuscritos por sua caligrafia.
138
e Godofredo (marcha)
Santoro
Dante Santoro Non so che dire Canto e piano Autógrafo (cópias
e Pasqual (canção italiana) heliográficas anexas)
Santoro
Dante Santoro Nossa Senhora do Canto e piano. Letra com Autógrafo
e Godofredo Morro (samba modificações à mão de Dante
Santoro canção) Santoro.
62
Heron Domingues (1924-1974), locutor, ficou conhecido como o Repórter Esso, alcunha retirada do
programa jornalístico por ele apresentado na década de 1940. Foi diretor da Divisão de Radiojornalismo
da Rádio Nacional na década de 1950. Alberto Manes foi radialista, dirigiu, na década de 1930, a Rádio
Guanabara e compôs músicas em parceria com Felisberto Martins e Benedito Lacerda. Arnaldo Passos
(c.1910-c.1964) assinou parcerias com diversos compositores, nas décadas de 1950 e 1960 . Devido a sua
habilidade em divulgar músicas junto a gravadoras, intérpretes e rádios, suas obras alcançaram projeção
na voz de cantores como Ângela Maria, Marlene e Cauby Peixoto. José Gelsomino, o Kid Pepe (1909-
1961), ex-boxeador, tornou-se locutor na década de 1930. Teve composições (em sua maioria sambas)
gravadas nas décadas de 1930 e 1940 por Almirante, Orlando Silva, Moreira da Silva, entre outros. Aldo
Cabral (1912-1994) destacou-se nas décadas de 1930 e 1940 como letrista de valsas, sambas e
marchinhas de carnaval. Seu principal parceiro foi o flautista Benedito Lacerda.
144
Figura 37. Horas Tristes, valsa. Parte A, trecho. Editora E.S. Mangione, s.d. Fonte: acervo do Museu da
Imagem e do Som do Rio de Janeiro.
marcha Colombina sofre (violino, 2 sax alto, sax tenor, 2 trompetes, trombone e tuba) e
a valsa Nena (violino ou flauta, sax alto, sax tenor, trompete sib, trombone e tuba),
orquestradas por Leo Peracchi (1911-1993); a valsa Lágrimas de Rosa (violino, sax
alto, sax tenor, trompete sib, trombone e contrabaixo), orquestrada por Henrique
Vogeler (1888-1944); e a valsa Gilka (violino, sax alto, sax tenor, 2 trompetes sib,
trombone e contrabaixo), cujo arranjo é de autor desconhecido (essa versão editada é a
mesma gravada pela Orquestra Victor Brasileira com Vicente Celestino, em 1938, pelo
selo Victor 34.370).
Figura 38. Manuscrito do Chorinho Gostoso, parte da flauta. Trata-se da mesma música do choro
Esquecimento (1923). A caligrafia não é de Dante Santoro. Fonte: acervo da família Santoro
147
3.2 Discografia
de quarteto de
Clarinetes com Pistão
28 Olha o Jacaré (marcha)/ Adeus Dante Santoro, Scylla Gilberto Alves
Estácio (samba) Gusmão/ Alcebíades Barcellos acomp do Conjunto
(Bidi), Darcy de Oliveira Odeon/idem
29 Natureza bela! (samba)/Soluços Felisberto Martins, Henrique Gilberto Alves c/
(valsa) Mesquita/Dante Santoro, Fon-Fon e sua
Scylla Gusmão Orquestra
30 Cidade velha (samba)/ Salve a Grande Otelo, Herivelto Dircinha Batista,
mulher brasileira (marcha) Martins/Rubens Campos, Dante Santoro,
Sebastião Lima Regional/idem
31 Não sei mentir (samba)/Grito Dante Santoro,Scylla Dircinha Batista
da nação (marcha) Gusmão/Max Bulhões, Nelson
Trigueiro
32 Castigando (choro)/Sonho Dante Santoro/idem Dante Santoro (solo
(valsa) de flauta)/idem
33 Tudo Combinado Jararaca e Ratinho/idem Jararaca e Ratinho
(Humorismo)/Club Japonês com Dante Santoro e
seu Conjunto/idem
34 A Lalá tá cá (Humorismo) Jararaca e Ratinho Jararaca e Ratinho
com Dante Santoro e
seu Conjunto
35 No mientas (bolero)/Corazón a Dante Santoro, Scylla Rosita Gonzalez;
corazón (bolero) Gusmao/Roberto Lambertucci, Chiquinho e sua
Fernando Lopez Orquestra
36 Amélia acabou com a Praça 11 Desconhecido Linda Batista com
(samba) Regional de Dante
Santoro
37 Leilão (marcha) Miguel Ribeiro Nuno Roland com
Regional de Dante
Santoro
38 Delírio chinês (dança Dante Santoro/Dante Santoro Dante Santoro e seu
oriental)/No bar do Oswaldo Regional/idem
(choro)
39 Lamento árabe Dante Santoro, Dante Santoro e seu
(bolero)/Murmúrios (choro) Ghiarone/Dante Santoro Regional/idem
40 Marte amargo (polca)/ Posso Dante Santoro/Dante Santoro, Dante Santoro
sofrer (valsa) Ghiaroni
41 Face A: Delírio Chinês (choro), Dante Santoro; Dante Santoro Dante Santoro
Vidas mal traçadas (valsa), e Scylla Gusmão; Dante
Mate amargo (polca), Santoro; Dante Santoro/Dante
Murmúrios (choro). Face B: Santoro e Ghiaroni; Dante
Lamento árabe (bolero), No bar Santoro; Dante Santoro e
do Oswaldo (choro), Posso Ghiaroni; Dante Santoro e
sofrer (valsa), Silencioso Ghiaroni
(choro)
42 Silencioso (choro)/Vidas mal Dante Santoro, J. Albertinho Fortuna
traçadas (valsa) Ghiaroni/Dante Santoro, com Sexteto
Scylla Gusmão Star/idem
43 Beatriz (valsa)/Saudades do Octávio Dutra/idem Dante Santoro Solo
Jango (valsa) de flauta com
bandolim (Luperce
Miranda) e dois
Violões (Tuti e
152
Manoel Lima)/idem
44 Martírios (valsa)/Inferno de Dante Santoro, Godofredo Dante Santoro
Dante (choro) Santoro/Dante Santoro
45 A última canção (fox Guilherme A. Pereira/Dante Orlando Silva c/
canção)/Lágrimas de Rosa Santoro, Kid Pepe Orquestra Victor
(valsa-canção) Brasileira/idem
46 Alma de Beduíno (choro)/ Teu Dante Santoro/ idem Dante Santoro/ idem
feitiço (choro)
47 Amapá (maxixe)/Scylla (valsa) Juca Storoni/Dante Santoro Dante Santoro e seu
conjunto/idem
48 Minuano triste (choro)/Sombras Dante Santoro/ Dante Santoro Dante Santoro e seu
da noite (valsa) Conjunto/idem
49 Quando a minha flauta Dante Santoro/Dante Santoro Dante Santoro e seu
chora(choro)/Exaltação (valsa) conjunto/idem
50 Ilusão de garoto Dante Santoro, Godofredo Vicente Celestino e
(canção)/Martírios (valsa) Santoro/idem Orquestra Victor
Brasileira/idem
51 Harmonia selvagem Dante Santoro/idem Dante Santoro e seu
(choro)/Suzana (valsa) Conjunto
Regional/idem
52 Gilka (valsa) Dante Santoro, Milton Amaral Vicente Celestino e
Orquestra Victor
Brasileira
53 Horas tristes (valsa)/Murmúrios Dante Santoro e Corintho Conjunto Regional
d´alma (valsa) Álvares/idem Dante Santoro, canto:
Manoel Reis/idem
54 Dores d´alma (valsa) /É logo ali José Bittencourt/Dante Solo de flauta por
(choro) Santoro Dante Santoro e seu
Conjunto/idem
55 Só na minha flauta Dante Santoro/idem Solo de flauta por
(choro)/Olhos magos (valsa) Dante Santoro e seu
Conjunto/idem
56 Marlene (valsa)/Variações Dante Santoro/Pereira Filho Solo de flauta por
sobre cateretê Dante Santoro acomp
de dois Violões e
Cavaquinho/solo de
violão por Pereira
Filho
57 Nair (valsa)/ Nena (valsa) Dante Santoro/idem Dante Santoro/idem
58 Lágrimas de Rosa Dante Santoro/Ary Valdez Solo de Flauta por
(valsa)/Miguelina (valsa) (Tatuzinho) Dante Santoro c/
Conjunto RCA
Victor/Solo de
cavaquinho por
Tatuzinho c/ conjunto
RCA Victor
59 Betinho (choro)/Toada Dante Santoro/Ary Valdez Solo de Flauta por
brasileira (toada) Dante Santoro e
Conjunto Regional
Victor/Solo de
cavaquinho por Ary
Valdez e Conjunto
Regional Victor
60 Esquecimento (choro)/ Subindo Dante Santoro/ Aristides Dante Santoro e
153
Figura 39. Alguns discos 78 rpm de Dante Santoro, lançados em diferentes gravadoras. Fonte: acervo da
família Santoro.
63
Ari Ferreira foi primeiro flautista da Orquestra Sinfônica do Teatro Municipal do Rio de Janeiro,
intérprete da primeira audição do Assobio à jato de Villa-Lobos, ao lado de Iberê Gomes Grosso.
Também tocava choro e gravou com diversos grupos regionais. João de Deus atuou nas orquestras da
Rádio Nacional e no grupo Turma do Sereno, dirigido por Paulo Tapajós, com o qual gravou as faixas
aqui mencionadas. Antônio Souza também tocava nas orquestras da Rádio Nacional e participou em
gravações acompanhando cantores do rádio. Eugenio Martins foi um grande chorão, começou sua carreira
na década de 1930 e gravou vários discos, acompanhado de grupos regionais, para os selos Continental,
Odeon e Elite Especial.
157
CAPÍTULO 4
ANÁLISE DA OBRA DE DANTE SANTORO
64
O ensaio “O Choro e sua árvore genealógica” (Paes, 2008) menciona seis gerações do choro e lista de
forma extensiva intérpretes e compositores a ele relacionados, entre os quais os seguintes flautistas:
primeira geração - Joaquim Callado (RJ, 1848-1880), Duque Estrada Meyer (RJ, 1848-1905), Viriato
Figueira da Silva (RJ, 1851-1883), Juca Kallut (RJ, 1857-1922), Pedro Galdino (RJ, 1860?–1919), Pedro
de Alcântara (RJ, 1866-1929); segunda geração - Pattápio Silva (RJ, 1880-1907); terceira geração –
Pixinguinha (RJ, 1897-1973), Antônio Maria Passos (RJ, 1880? – 1940?), Agenor Bens (RJ, 1890?-
1950?), Raul Silva (SP, 1889-1938); quarta geração - Benedito Lacerda (RJ, 1903-1958), Dante Santoro
(RS, 1904-1969), João Dias Carrasqueira (SP, 1908-2000) e Copinha (Nicolino Cópia) (SP, 1910-1984);
quinta geração - Altamiro Carrilho (RJ, 1924); sexta geração - Carlos Poyares (ES, 1928-2004), Plauto
Cruz (RS, 1929).
159
65
Esses aspectos fazem parte do vocabulário da flauta, havendo, portanto, uma propensão a que o
flautista, como intérprete, os execute com fluidez. A ornamentação pode, certamente, ser incluída no
aspecto expressividade. Optou-se por mencioná-la em separado pelo protagonismo que assume no
contexto do choro.
160
Exemplo musical 1: Variações rítmicas na execução de fraseados do choro (SÈVE, 1999, p. 12)
Exemplo musical 2: Variações na acentuação rítmica, que caracterizam distintos gêneros: maxixe, choro,
baião, samba e marcha (Sève, 1999, p. 14).
Exemplo musical 3: Variações de articulação sugeridas para o repertório de choros. (Sève, 1999, p. 15-
16).
Exemplo musical 4. Sílabas utilizadas para a articulação nos instrumentos de sopro no contexto do choro
(SÈVE, 1999, p. 15).
66
O uso de sílabas para descrever a técnica empregada para articular, o chamado “golpe de língua”,
remete a métodos de ensino da flauta desde o século XVIII. A flautista Laura Rónai (2008) comenta a
falta de consenso em relação a que sílabas adotar ou quando utilizar articulações mais ou menos precisas:
“As duas articulações principais, das quais derivam todas as outras, são o legato e o staccato. Sabemos
que para criar variedade e despertar o interesse em sua interpretação, é necessário ao flautista utilizar
diferentes sílabas ao “pronunciar” cada nota. Essas devem apresentar um contraste agradável entre dureza
e maciez, aspereza e doçura. Na flauta, uma nota soará mais ou menos suave não apenas de acordo com o
volume do som que atinge, mas também, e principalmente, de acordo com o golpe de língua que recebe.
Das várias combinações de sílabas de ataque e de trechos em legato é feito o fraseado de uma peça.
Quanto a isso, não há polêmica. Mas em relação a todos os outros aspectos do assunto, a partir da própria
escolha das sílabas mais propícias a uma articulação clara, já nos deparamos com um universo de teorias
diferentes e até mesmo contraditórias”. (RÓNAI, 2008, p. 176)
162
articulação mais precisa e, sobretudo, mais ágil (ta-ka-ta-ka); (3) ritmos sincopados
terão articulação destinada a destacar a contrametricidade (3+5), (ta-ra-ta ra-ra-ta)67.
A sílaba “ra” produz uma articulação menos precisa, similar à das sílabas “la”
ou “da”, enquanto a sílaba “ta” produz uma articulação mais precisa. A combinação
dessas sílabas termina por destacar as notas articuladas em “ta”68. A sílaba “ra”,
indicada por Sève (1999), muito utilizada coloquialmente quando se cantarola uma
melodia, dá uma ideia de fluidez e espontaneidade, que parece próxima da prática
interpretativa do choro.
Esse tipo de articulação é mencionado na literatura tradicional. No século
XVIII, a variedade de sílabas para o ataque das notas era recomendada em métodos de
flauta para evitar a regularidade da articulação, considerada monótona e pouco
desejável. Como se sabe, a prática da inegalité foi um hábito de execução na música do
Barroco francês, que consistia em tocar de modo desigual notas grafadas da mesma
maneira. Nesse contexto, as sílabas “tu ru” e “ti ri” são mencionadas nos métodos de
Preuller69 (1730) e Quantz70 (1752). No século XIX, de acordo com RÓNAI (2008, p.
194), a sílaba “ru” cai em desuso, sendo substituída pelo “du”, no chamado golpe de
língua composto, “tu du”, citado no método de Altès71 (1906). Entretanto, no século
XX, as sílabas “te re” voltam a ser recomendadas em casos especiais, como o da figura
da colcheia pontuada seguida de semicolcheia, conforme o método de Taffanel e
Gaubert72 (1923).
67
A sílaba “ta” na quarta pulsação (ou quarta semicolcheia) demonstra a intenção de acentuá-la, em
detrimento do tempo seguinte, executado com a sílaba “ra”. Na terminologia de Sandroni (2001), já
mencionada no capítulo 1, trata-se do “paradigma do tresillo”, cuja característica fundamental é a marca
contramétrica recorrente na quarta pulsação (ou, em notação convencional, na quarta semicolcheia) de um
grupo de oito, que assim fica dividido em duas quase-metades desiguais (3+5). É essa marca que o
distingue dos padrões rítmicos que obedecem à teoria clássica ocidental, para a qual a marca equivalente
estaria não na quarta, mas na quinta pulsação (ou seja, no início do segundo tempo de um 2/4
convencional e simétrico). (SANDRONI, 2001, p. 30)
68
Pode-se usar distintas combinações de vogais, como “te”, “ti”, etc.
69
Peter Preuller (ca. 1720-ca. 1745), organista e cravista, publicou o método The Newest Method for
Learners on the German Flute (Londres: Printing-Office in Bow Church Yard, 1730/31). (RÓNAI, 2008,
p. 262).
70
Johann Joachim Quantz (1697-1773), flautista e teórico, escreveu o tratado Versuch einer Anweisung
die Flote traversière zu spielen (Berlim: Johann Friedrich Voss, 1752). (RÓNAI, 2008, p. 262).
71
Joseph-Henri Altès (1830-1899), flautista e teórico, foi professor do Conservatório de Paris de 1868 a
1893. Teve seu método publicado em 1907: Méthode Complète de Flûte (Paris: Schoenaers-Millereau,
[1906]). (RÓNAI, 2008, p. 47 e 255).
72
Claude-Paul Taffanel (1844-1908), flautista francês, é considerado o pai da moderna Escola Francesa
de Flauta. Deixou incompleto seu método, que foi concluído por seu melhor aluno, Philippe Gaubert
(1879-1941): Méthode Complète de Flûte (Paris: Alphonse Leduc, 1923).
163
Nesta seção serão analisadas seis obras compostas e interpretadas por Dante
Santoro: Harmonia selvagem, choro (Victor, 1938) ou Flauta selvagem, choro (Odeon,
164
1950); Gilka, valsa (Victor, 1935); É logo ali, polca (Victor, s.d.); Maria Rosa,valsa
(Odeon, 1946); Murmúrios d´alma, valsa (Victor, 1937) e Murmúrios, choro (Sinter,
1955). As gravações digitalizadas, que se encontram em anexo, foram extraídas do CD
triplo A Flauta Mágica de Dante Santoro (1998), gentilmente cedido pelo sobrinho
Homero Santoro.
Exemplo musical 5: Harmonia selvagem (choro). Parte A. Transcrição do trecho virtuosístico, conforme
primeira execução na gravação de 1938 (confere com o manuscrito).
Exemplo musical 6: Harmonia selvagem (choro). Parte A. Transcrição do mesmo trecho, conforme
segunda execução na gravação de 1938.
73
Endereço para consulta ao acervo do IMS: <http://ims.uol.com.br/Busca_no_acervo/D832>.
74
O termo breque, na música, faz alusão a seu significado comum: freio. Trata-se da interrupção do
acompanhamento para que o solista execute um trecho sozinho, de maneira declamatória. Essas paradas,
previamente acordadas entre os músicos, contribuem para dar maior graça e “bossa” à interpretação de
gêneros como o choro e o samba.
165
Exemplo musical 7. Urubatã, choro de Pixinguinha e Benedito Lacerda, parte A. (São Paulo: Vitale,
1997). Breque e melodia solista indicados nos compassos 8 a 10.
Os bordões do violão de sete cordas (exemplo musical 8), cuja fórmula rítmica
conduz a harmonia de um compasso ao outro, são uma característica marcante do
acompanhamento nessa obra.
Exemplo musical 8: Harmonia selvagem (choro). Parte A. Gravação do Regional de Dante Santoro
(Victor, 1938). Bordões do violão de sete cordas conduzem a harmonia de um compasso ao outro.
75
O termo convenção significa uma forma previamente acordada de execução, geralmente relacionada ao
acompanhamento, que pode envolver tanto figurações rítmicas (ataques e breques ritmicamente
determinados), como figurações melódicas (nesse caso, costuma-se adotar o termo “obrigação”).
166
Exemplo musical 9. Noites cariocas, de Jacob do Bandolim (1957) (São Paulo: Vitale, 1997, p. 53).
Efeito do acorde de Fá diminuto, no quarto compasso, é similar ao utilizado por Dante Santoro em
Harmonia Selvagem (1938).
Exemplo musical 10: Harmonia selvagem (choro). Parte B. Arpejos em tercinas formam melodia
acompanhada, sendo a melodia principal as notas mais agudas e o acompanhamento, as demais notas do
arpejo.
Exemplo musical 11: Harmonia selvagem (choro). Parte B. Escalas descendentes de extensão de uma
oitava e meia intercalam trechos de melodia acompanhada.
Exemplo musical 12: Harmonia selvagem (choro). Parte B. Arpejos ornamentados em bordadura de
semitom sublinham o movimento harmônico.
Exemplo musical 13. Fantaisie Brillante sur Carmen, de François Borne (1840-1920). (Paris: Choudens,
s.d. [1880]). Fonte: acervo do IMSLP. Arpejos em tercinas formam melodia acompanhada.
Exemplo musical 14. Fantaisie Brillante sur Carmen, de François Borne (1840-1920). (Paris: Choudens,
s.d. [1880]). Fonte: acervo do IMSLP. Arpejos ornamentados formam melodia acompanhada.
Exemplo musical 15. Uso de melodia acompanha na obra Concertstücke, de Wilhelm Popp. Fonte:
SILVA, 2008, p. 29. Edição não informada pelo autor.
Também a obra de Pattápio Silva foi referência para Dante Santoro no uso da
melodia acompanhada, recurso presente nas peças Sonho (exemplo musical 16) e
Primeiro amor (exemplos musicais 17 e 18). Como assinala Daniel Silva (2008), a
escrita de Pattápio traz uma semelhança explícita à utilizada no repertório romântico
para flauta, que lhe era muito familiar: Pattápio foi o primeiro flautista brasileiro a
gravar obras do repertório erudito europeu, como as Variações de flauta, op. 382, de
Wilhelm Popp (parte da obra Concertstücke, anteriormente mencionada). (SILVA,
2008, p. 30).
168
Exemplo musical 16: Sonho, op. 6, de Pattápio Silva. Melodia acompanhada muito similar à de W. Popp.
Fonte: SILVA, 2008, p. 30. Edição não informada pelo autor.
Exemplo musical 17: Primeiro amor, de Pattápio Silva. Primeira parte. Melodia acompanhada. (In:
SILVA, Pattápio. O livro de Pattápio Silva – obra completa para flauta e piano. Coord. Maria José
Carrasqueira. São Paulo: Irmãos Vitale, 2001).
Exemplo musical 18: Primeiro amor, de Pattápio Silva. Terceira parte. Melodia acompanhada. (op. cit.)
Exemplo musical 19. Gargalhada (1953), schottisch de Pixinguinha, parte C. (São Paulo: Vitale, 1997).
Raro uso da melodia acompanhada no repertório de choros do período (1938-1953).
Exemplo musical 20: Harmonia selvagem (choro). Parte C. Efeito sonoro – oscilação de altura/polifonia,
segundo a gravação de 1938.
76
O termo levada se refere ao padrão rítmico no qual se baseia o acompanhamento dos violões, do
cavaquinho e da percussão. Cada gênero (choro, samba, maxixe, polca, etc) apresenta uma levada
característica, que pode ser variada segundo o gosto do músico acompanhador, desde que a estrutura
básica de acentuação do gênero seja mantida.
170
Exemplo musical 21: Harmonia selvagem (choro). Células básicas das levadas do cavaquinho: partes A,
B e C, respectivamente.
Exemplo musical 22: Harmonia selvagem (choro). Parte C. Bordões do violão de sete cordas anunciam o
maxixe.
77
A notação das levadas é imprecisa, pois, na prática, os instrumentistas executam os padrões rítmicos de
maneira mais livre e, sobretudo, atendendo às características idiomáticas de cada instrumento. No
cavaquinho, por exemplo, as células apresentadas no exemplo musical 14 são rechedas por movimentos
leves da palheta (as chamadas escovadas), para os quais não foi encontrada notação adequada.
171
A versão de 1950, lançada pelo selo Odeon (n. série 13.017) vem com o título
Flauta selvagem, autoria de Etnad (Dante ao contrário). O pseudônimo e o novo título
para Harmonia selvagem certamente se relacionam a direitos autorais, anteriormente
cedidos à RCA Victor. Essa nova versão tem a participação de um segundo solista ao
clarone, cuja identidade é desconhecida, mas poderia tratar-se do clarinetista Vivi, com
quem Dante gravou outras vezes. Segundo Jorginho do Pandeiro, Vivi era clarinetista
da Orquestra Sinfônica da Rádio Nacional e do Teatro Municipal do Rio de Janeiro e
sempre tocava com Dante, que escrevia os contracantos para que ele gravasse com o
regional.
Exemplo musical 23. Flauta selvagem (choro). Parte A. Contracantos entre clarone (linha inferior) e
violão (linha superior). Na gravação as vozes soam uma oitava abaixo.
O som brilhante que Dante Santoro produz no registro grave impressiona mais
nesta versão, especialmente na parte C, em que crescendos e decrescendos dão ainda
mais destaque ao efeito polifônico produzido pelo trêmulo (exemplo musical 24).
Provavelmente a melhora na qualidade da gravação entre as décadas de 1930 (primeira
versão) e 1950 (segunda versão), advinda de tecnologia superior, também contribui para
esse resultado sonoro.
Exemplo musical 24. Flauta selvagem (choro). Parte C. Crescendos e decrescendos potencializam o
efeito polifônico dos trêmulos e destacam o grave brilhante produzido por Dante Santoro.
Dante gostava de utilizar efeitos sonoros pouco usuais com a flauta. Outra
amostra desse tipo de recurso está no choro Minuano triste (Victor, 1939)78, em cuja
segunda parte há uma imitação do vento minuano, característico da região sul do
Brasil79. Dante consegue imitar o vento por meio de uma série de glissandos contínuos
que ele executa com a embocadura desfocada, ou seja, soprando para fora do bocal.
Além disso, direciona o fraseado de modo a acentuar ligeiramente os glissandos
ascendentes, o que dá uma sensação de mobilidade, parecida com o movimento
78
Essa gravação está disponível no acervo online do Instituto Moreira Salles
(www.acervo.ims.uol.com.br).
79
Segundo o flautista e professor Raul Costa D´Avila, também a terceira parte desse choro traz uma
referência ao Rio Grande do Sul, por meio da imitação do pássaro quero-quero, ave-símbolo daquele
estado. Na visão do professor, trata-se, de fato, de um choro programático. (Comentário por ocasião da
banca de defesa, em 27/02/2014).
173
oscilante do vento, ora mais rápido, ora mais lento. Embora seja difícil precisar as notas
utilizadas como “margens” nesses glissandos contínuos, a harmonia serve de guia,
conforme o exemplo musical 25.
Exemplo musical 25. Minuano triste, choro. Efeito sonoro criado a partir de glissandos contínuos
promove a imitação do vento.
A valsa Gilka foi originalmente gravada em 1935 em solo de flauta por Dante
Santoro e seu regional (n. de série 33.932). Há uma segunda versão da obra, gravada em
1938, com letra de Milton Amaral, na interpretação de Vicente Celestino com a
Orquestra Victor Brasileira (n. de série 34.370), disponível para audição no acervo
online do Instituto Moreira Salles.
Essa valsa segue o esquema formal utilizado por Dante Santoro em quase todas
as suas valsas de concerto. Essa denominação aparece em algumas edições e indica
valsas que tomam emprestado elementos da música de concerto, expressos
principalmente por meio de uma cadência virtuosística inicial. Apresentam forma
semelhante as seguintes valsas: Exaltação (1939), Olhos magos (1937), Sombras da
noite (1939), Marlene (s.d.), Suzana (1938) e Nena (1935). A denominação valsa de
concerto aparece nas edições para flauta solo de Gilka (E.S. Mangione, s.d.) e Nena
(Irmãos Vitale, s.d.); já a edição de Olhos Magos (E.S.Mangione, 1943), para canto e
piano, não apresenta a cadência inicial que consta da gravação de 1937 e recebe a
174
Exemplo musical 26. A. Terschak. Fioritta, para flauta e piano. Introdução. Observa-se um estilo de
escrita apreciado por Dante Santoro: uma cadência inicial para flauta solo anuncia a abertura da obra.
Fonte: acervo da família Santoro.
À cadência virtuosística inicial (exemplo musical 27), escrita para flauta solo,
segue-se uma parte A, com caráter de melodia lírica e uma terceira parte - parte B - de
andamento mais rápido, com caráter de dança. Com as repetições, o esquema formal
fica assim resumido: Introdução- A A´- B B´ - A. Harmonicamente, a introdução e a
parte A estão centradas na tonalidade de Lá maior e parte B em Fá # menor.
80
Adolf Terschak (1832-1901), flautista e compositor nascido em território húngaro. Estudou e
desenvolveu carreira em Viena. Autor de cerca de 197 obras para várias formações instrumentais, compôs
inúmeras para seu instrumento. Segundo RÓNAI (2008, p. 50), utilizava uma flauta de 16 chaves, modelo
anterior ao atual sistema Böhm, cujo pé se estendia até o sol grave.
175
Exemplo musical 27. Gilka, valsa de concerto. Introdução. Elementos da música de concerto: cadência
virtuosística inicial, para flauta solo. Edição E.S. Mangione, s.d. Fonte: MIS.
Exemplo musical 28. Serenata oriental, op. 70, de Ernesto Köhler. Introdução. Edição desconhecida. Na
gravação de Pattápio Silva (1902), a escala descendente do sexto compasso é executada em staccato
duplo.
Já na parte A, a célula rítmica do acompanhamento dá liberdade ao solista,
permitindo ligeiras manipulações do tempo nas figuras pontuadas e nas tercinas sempre
expressivas. Entretanto, as conduções de frase, sublinhadas pelo violão, sempre
retomam o tempo, o que mantém o andamento estável (exemplo musical 29). O mesmo
ocorre na parte B, em que o dueto de violões imprime movimento à música, por meio de
contracantos alternados à melodia.
176
Exemplo musical 29. Gilka, valsa de concerto. Parte A. Manipulações de tempo na melodia da flauta
(linha superior) são compensadas pelos contracantos dos violões (linha inferior), cujas conduções de frase
dão movimento ao trecho.
Exemplo musical 30. Gilka, valsa de concerto. Parte B. Ornamentação em oitavas e indicações
expressivas, conforme a gravação de 1935.
A polca É logo ali foi lançada no disco Victor (n. de série 34167), ao lado da
valsa Dores d´Alma, de autoria de Antônio Lourenço Bittencourt. Infelizmente não se
sabe o ano de publicação desse disco. Na partitura para flauta solo, editada pela casa
177
Irmãos Vitale (s.d.), a obra é classificada como polca-choro; já no selo do disco Victor,
é classificada como choro81.
Exemplo musical 31. É logo ali, polca. Células do acompanhamento do regional (dois primeiros
compassos) e do acordeom (quatro últimos compassos), conforme a gravação.
O acordeom tem uma participação especial nesta gravação, pois atua como
solista na primeira parte, dividindo a melodia com os contracantos da flauta, e como
acompanhador nas demais. Há três partes, A, B e C, centradas respectivamente nas
tonalidades de Lá m, DóM e LáM. Na gravação, a parte A é a única repetida por
completo duas vezes, ou seja, o esquema formal seria: A A´- A A´- B B´- A A´- C C´-
A A´.
81
De acordo com o professor e flautista Raul Cosa d´Avila, essa obra apresenta referências à música do
Rio Grande do Sul, tendo como referência o gênero musical uruguaio milonga arrabalera. (Comentário
por ocasião da banca de defesa, em 27/02/2014).
178
Exemplo musical 32. É logo ali. Parte A. Melodia principal do acordeom (linha inferior) e contracantos
da flauta (linha superior), segundo a gravação.
A valsa Maria Rosa foi lançada no disco Odeon (n. de série 12.736), em 1946.
Não foi encontrada nenhuma partitura dessa obra, que traz um conceito diferente das
mencionadas valsas de concerto comuns no repertório de Dante Santoro. Apesar de
exigir certa habilidade do flautista, por ser uma valsa rápida, apropriada para a dança, o
aspecto relevante da obra é o acompanhamento: harmonias com cromatismo e variações
nas células rítmicas. Está dividida em três partes que se repetem, A A´- B B´- C C´- A,
centradas respectivamente nas tonalidades de Lá m, Dó M e Lá M.
Exemplo musical 33: Maria Rosa, valsa. Parte A. Motivo com intervalos ascendentes e descendentes,
similar à mazurca Margarida, de Pattápio Silva.
Exemplo musical 34: Margarita (mazurca), de Pattápio Silva. Motivo com intervalos ascendentes e
descendentes. (In: SILVA, Pattápio. O livro de Pattápio Silva – obra completa para flauta e piano.
Coord. Maria José Carrasqueira. São Paulo: Irmãos Vitale, 2001).
Exemplo musical 35. Maria Rosa, valsa. Cromatismo na parte A. Arpejos do cavaquinho (voz superior) e
conduções dos baixos nas partes dos violões de seis e sete cordas (vozes inferiores).
A parte B surpreende pela riqueza rítmica, por meio do uso de hemiolas, tanto
na melodia quanto no acompanhamento. A utilização desse recurso rítmico é comum
nas valsas vienenses (Grove, 1994, p. 423), que certamente serviram de inspiração para
a composição desta obra. A melodia principal é ritmicamente idêntica ao baixo, e o
acompanhamento dos violões e do cavaquinho a complementam, com células rítmicas
180
Exemplo musical 36. Maria Rosa, valsa. Hemiolas na célula rítmica do acompanhamento e nas linhas
melódicas da flauta e do violão de sete cordas.
Exemplo musical 37. Maria Rosa, valsa. Linha melódica da flauta e esquema rítmico do
acompanhamento. Ocorrem variações métricas (comp.1 a 4) e de articulação (acordes arpejados e
contracantos do violão, a partir do comp. 7). Cf. gravação de 1946.
181
Exemplo musical 38. Murmúrios d´alma, valsa. Introdução. A melodia polifônica da flauta e os ataques
da harmonia na cabeça do compasso contribuem para a dramaticidade do trecho.
182
Essa valsa é uma das peças em que se pode observar a vocalização, ou uso do
vibrato82, como recurso expressivo na obra de Dante Santoro. Dante usa um vibrato
discreto, rápido e pouco variado. Aparenta ser um vibrato natural, ou seja, não se
trataria de uma técnica estudada, mas um recurso agregado ao som como resultado da
necessidade expressiva. Esse tipo de vibrato foi utilizado por flautistas em gravações
de flauta da indústria fonográfica a partir de 191083e, antes disso, no Brasil, por Pattápio
Silva, nas gravações de 1902. O som vigoroso e vibrante tornou-se referência para as
gerações posteriores de flautistas, incluindo Dante Santoro84.
82
O vibrato é “uma vibração aplicada na nota, de tal modo que ela pulsa com a rápida alteração da
pressão da coluna de ar, sendo que com isso a afinação da nota também oscila levemente para baixo e
para cima” (RÓNAI, 2008, p. 166). Conforme TOFF (1996), o vibrato pode ser variado segundo a
amplitude da flutuação (o quanto a afinação sobe ou desce a partir do som original) ou a velocidade. No
que se refere à amplitude, a afinação deve variar até um quarto de tom para cima ou para baixo. Já quanto
à velocidade, a pulsação costuma ocorrer de quatro a seis vezes por segundo. (TOFF, 1996, p. 106).
83
O vibrato se popularizou na França por volta de 1905, mas demorou a ter aceitação em outros países,
mesmo no contexto da indústria fonográfica. Consulta ao acervo online da Biblioteca do Congresso
Americano (www.lov.gov/jukebox) indica que era costume tocar sem vibrato nas gravações de flauta do
selo Victor de 1900-1909: é o caso, por exemplo, dos flautistas Darius Lyons, George Scweinfest e do
Victor Instrumental Quartet. De 1910 a 1919, o vibrato começa a ser empregado por determinados
flautistas, como John Lemoné, Clement Barrone e Walter Oesterreicher.
84
A esse respeito comenta Antônio Carlos Carrasqueira, no ensaio “A Flauta Brasileira”, faz o seguinte
comentário: “Pattápio foi o primeiro flautista a ter sua arte gravada em disco, em 1902 e 1903 e, por isso
mesmo, teve uma enorme influência em flautistas que não chegaram a ouvi-lo pessoalmente. Foi o caso
de meu pai e tios, que ouviam aqueles discos de 78 rotações com verdadeira veneração. (...) A sonoridade
da flauta de Pattápio, vibrante, cheia de vida, fez escola. Apesar da precariedade do sistema de gravação,
então bastante rudimentar, percebe-se, ouvindo seus discos, o uso de um belo "vibrato", técnica
expressiva que, na época, ainda não era dominada por todos os flautistas, mesmo na Europa
(...)”(CARRASQUEIRA, 2008).
183
85
Os timbres sonoros na flauta constituem um tema controverso na literatura especializada. Uma das
abordagens define o som de timbre escuro como aquele que se assemelha ao do oboé, produzido a partir
de uma técnica baseada no enrijecimento do lábio superior, aliado a uma coluna de ar rápida e de alta
pressão (W. N. James apud Toff, 1996, p. 96). Acusticamente, esse som é caracterizado pelo
fortalecimento dos harmônicos de oitava e quinta composta, em relação à fundamental do som (Silva,
2008, p. 50).
86
“The English flute sound requires more air pressure in blowing and a harder attack, a tighter
embouchure, often with the flute pressed rather hard against the lips. The result, typically, is a very, very
rich sound, reedy, like Nicholson´s (1795-1837) in the lowest register”. (TOFF, 1996, P. 103) “German,
Russian and eastern European traditions are much the same as the English, though the typical sound tends
to be duller and thicker. It is almost entirely senza vibrato”. (TOFF, 1996, p. 104).
184
Exemplo musical 40. Murmúrios, choro. Melodia da flauta como choro e valsa.
Exemplo musical 41. Dança da moda. Parte A. Contracantos da flauta, preenchendo os espaços entre as
frases do cantor. Melodia baseada em arpejos.
Exemplo musical 42. Dança da moda. Refrão. Contracantos da flauta exploram imitação da melodia
principal e ornamentos: apogiaturas com saltos de oitava e trilos.
186
Exemplo musical 43. Abana baiana, Introdução (linha inferior) e variação final (linha superior) na versão
de Dante Santoro.
Exemplo musical 44. Abana baiana, Parte A. Contracantos da flauta na gravação de estúdio de 1941.
Melodia baseada em arpejos e pequenas escalas.
Exemplo musical 45. Isso não se atura, samba. Introdução e Parte A. Contracanto contínuo elaborado por
Benedito Lacerda. Gravação de 1935.
190
O golpe simples regular seria parecido ao staccato, porém não haveria essa ação
de válvula por parte da língua, o que equivaleria ao détaché das cordas (um movimento
de arco por nota). O meio-staccato seria um parente próximo do golpe simples, porém
articulado com a língua de forma mais suave e em posição mais arredondada, por meio
das sílabas “du”, “da”, “de” ou “di”. Seria o equivalente ao louré das cordas88.
A maior parte dos autores franceses do século XIX, seguindo Devienne, recomenda
que a ponta da língua bata nos dentes da frente do flautista quando o flautista
pronunciar o “TU”. Já o “DU”, de articulação mais macia, seria produzido pela
língua encostando levemente na interseção entre palato e dentes, e se retraindo
rapidamente para emitir o som. O hábito de “bater com a língua nos dentes”,
literalmente, era rechaçado pelos ingleses, e durante o século XIX acabou sendo
rejeitado também pelos franceses (...) ao invés de tocar nos dentes, sugeriam que a
87
“The shortest and most pointed version of single-tonguing is staccato. It is a carefully prepared
articulation: the actual attack is preceded by the valve-like action of the tongue, which prevents the air
stream from entering the instrument. At the beginning of the staccato passage, the air is then released by
an equally sharp withdrawal of the tongue from the rear portion (the palatal side) of the teeth. Staccato
tonguing is done with the farthest tip of the tongue; in a very rapid passage, using just the tip permits the
withdrawal of the tip to be minimal, so that it has to move the shortest possible distance. The violin
equivalents include sautillé or spiccato (a rapid, detached stroke, in which the bow bounces off the string)
or the regular staccato. All are notated with a dot above or below the notehead. Normal, everyday single-
tonguing, as described above, is identical to staccato except for the omission of the initial valve action. It
is analogous to the violin détaché, which allots one note per bow stroke and has no special notation”.
(TOFF, 1996, p. 117).
88
“A close relative of normal single-tonguing is mezzo-staccato single-tonguing or the “legato slur”,
articulated with the syllable DU, DA, DE or DI. Analogous to the violin louré, it is notated by a
combination of dot and slur. The tip of the tongue is softer and more rounded, and strikes farther back in
the mouth. For this reason, it is sometimes known as dorsal or top tonguing”. (TOFF, 1996, p. 118).
191
língua encostasse diretamente nos lábios, tomando cuidado para não os ultrapassar.
(RÓNAI, 2008, p. 180)
89
Conferir o exemplo musical 51, p. 196, para a descrição desse recurso, utilizado também no Desafio
para flauta e pandeiro de Dante Santoro.
192
recursos de modo muito criativo, criando efeitos que lembram apitos, assovios e sons de
pássaros.
Exemplo musical 46. O Urubu e o gavião, início. Versão de Pixinguinha (Victor, 1930). A articulação do
flautista chama a atenção pela precisão rítmica, clareza de emissão e variedade.
Exemplo musical 47. Variações sobre o urubu e o gavião, início. Versão de Benedito Lacerda, com
Pixinguinha ao sax tenor (RCA Victor, 1944). Ênfase no aspecto rítmico, com “levada” de samba. A
articulação reflete as acentuações rítmicas, com inflexões variadas.
Exemplo musical 48. Urubu malandro, tema. Versão de Dante Santoro, com Vivi na clarineta (Odeon,
1950). Melodia dividida entre a flauta e a clarineta (notação em dó).
Não tenho queixa, samba de David Raw e Ismael Silva - gravado em 1942 por
Nelson Gonçalves, acompanhado de orquestra, no selo RCA Victor (nº de série 800050)
- é interpretado, nesta gravação, por Nuno Roland e o Regional de Dante Santoro. É
possível que essa gravação seja do Programa Lopes S.A., de 28/12/1939, anunciado na
edição 9986 do jornal A Noite, portanto anterior ao lançamento comercial da música.
Essa versão é um samba lento, estilo samba-canção.
Exemplo musical 49. Não tenho queixa. Parte A. Contracanto da flauta tem melodia simples e ênfase na
virtuosidade.
Exemplo musical 50. Não tenho queixa. Introdução. O uso dos saltos em oitava e do frulato, embora
pouco usados nas composições de Dante Santoro, eram adotados em seus improvisos.
O Desafio para flauta e pandeiro foi apresentado por Dante Santoro e Joca do
Pandeiro em 14/11/1939 no Programa Lopes S.A. (conforme anúncio publicado no
jornal A Noite, edição 9972, p. 5). A obra é uma demonstração de virtuosidade,
especialmente da parte do flautista. Entre os recursos técnicos explorados de forma
muito habilidosa estão: a execução de golpes duplos e triplos; saltos de oitava em
andamento veloz; escalas muito rápidas em stacatto, entre outros.
196
Supõe-se que o Desafio foi uma improvisação gravada em estúdio, tendo por
base um tema criado pela dupla. Elementos formais, como os breques e as mudanças de
andamento, devem ter sido previamente definidos. O solo em improviso é construído
sobre a tônica e a dominante da tonalidade (I-V7) - tipo de sequência harmônica
simples, comum nos estilos improvisatórios da música popular brasileira, recorrente no
repertório de choros, de acordo com Côrtes (2012).
Exemplo musical 51. Desafio para flauta e pandeiro. Demonstração de virtuosidade utiliza recursos
inspirados na obra O Urubu e o Gavião, gravada por Pixinguinha em 1930.
Exemplo musical 52. Fantaisie Variée Carnaval de Venise op. 14, de Paul-Agricole Génin (1832-1903).
(Paris: Gérard Billaudot, s.d. [c. 1950]). Fonte: acervo do IMSLP. Efeito de nota pedal articulada,
semelhante ao utilizado nas improvisações de choro desde Pixinguinha (O urubu e o gavião, 1930).
197
Como mencionado no Capítulo 2, Dante Santoro teve pelo menos duas flautas
ao longo de sua vida. A primeira delas era uma flauta com pé em si, de marca
desconhecida, com a qual o flautista foi fotografado ainda em Porto Alegre (figura 6).
Essa teria sido a flauta perdida no desastre de Cruzeiro, quando o carro em que Dante
Santoro viajava caiu em um precipício. Meses mais tarde, publicação do Jornal A Noite
(figura 12) noticiava que o flautista procurava por seu instrumento e retribuía a
gentileza de quem o encontrasse. Não se sabe se essa flauta foi, algum dia, localizada.
August Richard Hammig (1883-1979). Membro de uma família que fabrica flautas
há mais de 250 anos, sendo uma das mais antigas dinastias de fabricantes em
atividade contínua desde 1750. Baseado em Markneukirchen, durante os séculos
XVIII e XIX o ateliê Hammig fabricava todos os tipos de instrumento de sopro,
sendo suas flautas baseadas nos sistemas Quantz e Meyer-Schwedler. A partir de
1908, os irmãos Philipp e August Richard Hammig passaram a fabricar apenas
flautas. Na Alemanha dividida do pós-guerra, a fábrica foi estatizada. Devolvida à
família Hammig apenas em 1901, hoje emprega 24 operários. (RÓNAI, 2008, p. 48-
49)
90
A flauta de Koellreuter, que foi construída com material similar ao perspex (resina acrílica transparente,
utilizada pelo fabricante Selmer nos anos 1940 e 1950), se encontra, atualmente, em exibição no Centro
Cultural da Universidade Federal de São João Del Rei. Uma foto do instrumento, cujas chaves e
mecanismos são similares à flauta de Dante Santoro, pode ser encontrada no seguinte link:
http://www.flickr.com/photos/81124164@N00/2127873614/lightbox/.
199
Figura 40. Chave elevada para o dó natural. Flauta Hammig n. 2386, que pertenceu a Dante Santoro.
Figura 41. Rolotês para as chaves de dó-dó#-ré. Flauta Hammig n. 2386, que pertenceu a Dante Santoro
Há, ainda, uma chave especial nessa flauta, assinalada na figura 42. Bernhard
Hammig afirma que não sabe para que serve e que nunca tinha visto chave semelhante.
Essa chave é muito interessante, porque veda um pequeno orifício extra e é revestida
com uma sapatilha de cortiça. Ela funciona junto com a chave de dó natural elevada, ou
seja, sempre que a chave de dó natural elevada fecha-se, a chavinha também se fecha.
Quando não ativadas, ambas permanecem abertas, mas, na maior parte das posições da
flauta, ficam fechadas. Talvez essa chave seja necessária como um complemento para a
chave elevada de dó natural, mas nem o próprio descendente do fabricante pôde
determinar sua função.
200
Figura 42. Chave especial da flauta de Dante Santoro. Sua função pode estar relacionada à afinação de
determinadas notas.
91
Nascido em Freiburg, na Alemanha, e vindo de uma família de músicos, Lucas Lorenzi trabalhou como
flautista em diversas escolas públicas na Europa. Formou-se como Professor de Técnica de Alexander em
Basel, Suíça, em 1985, tendo atuado desde então como professor dessa matéria na Europa e no Japão. É
um aficionado por flautas Hammig. Toca instrumentos de madeira e de prata fabricados por August
Richard Hammig, Johannes Hammig, Helmuth Hammig e Bernhard Hammig. Lucas Lorenzi foi
consultado pelo Prof. Sérgio Barrenechea, por mensagem eletrônica, entre 04/01 e 06/01/2014.
201
Figura 43. Flauta de Madeira n° 1909, fabricada por August Richard Hammig. Presença da mesma chave
de ventilação encontrada na flauta de Dante Santoro. Fonte: arquivo pessoal do flautista Lucas Lorenzi.
2 1
Figura 44. Flauta de prata n° 2740, fabricada por August Richard Hammig. Presença da mesma chave de
dó natural elevada, encontrada na flauta de Dante Santoro (n.1), além de uma chave especial para o dó#
grave (n.2) e alavancas anexas ao mecanismo, pouco comuns às flautas em Sistema Boehm (n.3). Fonte:
arquivo pessoal do flautista Lucas Lorenzi.
202
Interessante notar, ainda, que o bocal dessa flauta (n° 2740) tem um porta-lábio
feito de ebonite (figura 45), que recorda as flautas alemãs estilo Reform, idealizadas por
Schwedler-Kruspe entre 1895 e 191292. Os rolotês duplos utilizados por August Richard
Hammig nas chaves de dó-dó#-ré (mostrados, anteriormente, na figura 41) também são
encontrados em flautas estilo Reform, o que indica o reaproveitamento, por August
Richard Hammig, de dispositivos adotados por construtores de flauta alemães que o
antecederam, porém adaptados ao sistema Boehm.
Figura 45. Bocal da flauta n° 2740, fabricada por August Richard Hammig. O porta-lábio de ebonite
lembra o das flautas alemãs modelo Reform.
92
As flautas Reform foram um dos modelos alternativos ao sistema Boehm (1832), correspondente à
moderna flauta transversal, surgidos, em fins do século XIX, na Europa. Baseava-se na antiga flauta de
seis chaves de madeira, com vários aperfeiçoamentos do mecanismo. O modelo Reform foi bastante
popular na Alemanha até a década de 1920, quando passou a ser gradualmente substituído pela flauta
Boehm. Informações ilustradas sobre as flautas Reform podem ser obtidas na página eletrônica
<http://www.oldflutes.com/articles/reform.htm> Acesso em 07/01/2014.
93
Segundo o luthier Luiz Carlos Tudrey, em entrevista concedida ao flautista André Luiz Medeiros, a
espessura do tubo da flauta (parede do instrumento), no caso dos bocais, pode ter 0,36mm, 0,38mm,
203
Outra característica que chama a atenção é que essa flauta tem uma resposta
rápida à articulação, o que parece facilitar a articulação de notas em staccato,
especialmente de passagens em golpe duplo. Dante Santoro tem um choro chamado Só
na minha flauta (que talvez faça referência a sua flauta Hammig), cuja terceira parte é
toda composta de notas arpejadas em staccato duplo (exemplo musical 53). A execução
dessa passagem, que demanda agilidade e resistência por parte do intérprete, pareceu-
nos muito mais fácil na flauta de Dante do que em outros instrumentos.
Exemplo musical 53. Terceira parte do choro Só na minha flauta, de Dante Santoro. Todo o trecho, em
staccato duplo, é tocado uma oitava acima nas gravações do autor. (In: Álbum n. 1 – Coleção Seresteiro.
São Paulo: E.S. Mangione Editor, s/d.).
0,40mm ou 0,42mm. Bocais com parede de 0,36mm e 0,38mm, ou seja, mais fina, têm o som mais
brilhante. Essa é a média encontrada na maior parte dos instrumentos. (MEDEIROS, 2006, p. 8)
94
Informação obtida em <http://www.bernhardhammig.com/bernhard_hammig_custom.html>. Acesso
em 01/01/2014.
95
A composição dessa liga a qualifica entre as melhores utilizadas atualmente, de acordo com as
categorias apontadas pelo flautista André Luiz Medeiros: Sterling Silver: 92.5% de prata. É um metal
padrão para bons instrumentos, mas escurece um pouco. A sterling-silver foi usada como metal padrão na
Inglaterra do século XII, quando o Rei Henry II a importou de uma região da Alemanha conhecida como
Easterling. Daí o nome. Britannia Silver: 95.8% prata. Este material nobre é, ao que se saiba, somente
usado em certos modelos da Altus. O nome vem do fato de que este metal serviu para cunhar moedas na
Inglaterra, de 1697 a 1719. Super Solid Silver: utilizada pela Sankyo e Altus em suas flautas mais caras,
contendo incríveis 99% de prata. (MEDEIROS, 2006, p. 3).
96
Informação obtida no endereço eletrônico: <http://www5f.biglobe.ne.jp/~karino/sub3.htm> Acesso em
06/01/2014.
204
construção, segundo o luthier Luiz Carlos Tudrey (op. cit.), é a emissão de notas graves,
que se tornam mais potentes quanto mais alta a parede interna do porta-lábio.
Figura 46. Porta-lábio da flauta Hammig que pertenceu a Dante Santoro. Particularidades de sua
confecção poderiam facilitar a articulação no instrumento.
97
Conforme assinalado no capítulo 1, a flauta transversal moderna, baseada no sistema Boehm (1832), é
constituída de três partes desmontáveis: o bocal, o corpo e o pé. Os primeiros modelos da flauta Boehm
foram construídos com uma extensão que vai até o dó médio do piano (“pé em dó”). Aperfeiçoamentos
posteriores permitiram uma segunda opção, que aumentava a extensão do instrumento até o si médio (“pé
em si”). Atualmente, os fabricantes oferecem as duas opções, a critério do flautista. Também é possível
adquirir um “pé em si” extra e acoplá-lo ao corpo da flauta, sem prejuízo para a escala original do
instrumento.
205
Unidos, porém em países da Europa, como a França, não tinha tanta popularidade
(TOFF, 1996, p. 102)98.
Jorginho do Pandeiro afirma que o “extensor” que Dante usava na flauta teria
sido obtido por intermédio do luthier que lhe dava manutenção (Jorginho frisa que se
tratava de um único profissional, pois era o único da confiança de Dante Santoro, cujo
zelo com suas flautas era muito grande). O flautista Milton D´Avila, que experimentou
a flauta de Dante Santoro na ocasião em que o conheceu, não menciona nenhum
acessório desse tipo, mas afirma que a manutenção da flauta era feita exclusivamente
pelo luthier Osmar Silva, profissional que cuidava dos instrumentos da maior parte dos
flautistas do rádio na época.
Infelizmente não foi possível investigar a flauta de Dante Santoro com maior
profundidade e rigor científico, o que exige um conhecimento especializado sobre a
construção de flautas. Espera-se que trabalhos futuros, voltados para esse segmento de
pesquisa, possam debruçar-se sobre as idiossincrasias deste instrumento e elucidá-las.
98
“Even before Moyse´s arrival, though, a distinctly American school off lute playing had begun to take
shape. One manifestation was evident in the flute itself. Both Barrère [flautista francês radicado nos
Estados Unidos Georges Barrère (1876-1944)] and Kincaid [flautista americano William Kincaid (1895-
1967)] played platinum flutes, which enhance the fullness and mellowness of the sound. Barrère debuted
his platinum Haynes in 1935. Another American preference was the extension of the footjoint to low B, a
feature that today is still found much more frequently in the United States than in France”. (TOFF, 1996,
p. 102)
206
CONSIDERAÇÕES FINAIS
danças típicas, sambas e canções. Entre 1935 e 1954, foram editadas 33 obras pelas
casas E.S. Mangione, Irmãos Vitale, Musical Brasileira, Tupy, Euterpe, Continental e
Carlos Wehrs. Essas partituras editadas encontram-se, em sua maioria, no acervo do
Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro. Foram descobertos, ainda, 74
manuscritos de Dante Santoro na Biblioteca Alberto Nepomuceno da Escola de Música
da UFRJ, dos quais somente 12 não são autógrafos. Graças à iniciativa desta pesquisa e
à colaboração dos funcionários da Biblioteca Alberto Nepomuceno, esses manuscritos
já se encontram catalogados e disponíveis para consulta pública.
meios sociais, nas rodas de choro, em serenatas, saraus e casas de concerto, atuando
como um mediador.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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MAIS uma novidade do Programa Luiz Vassallo. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro,
02 nov. 1937, ed. 260.
MAZERON, Gaston Hasslocher. Uma festa dos “Venezianos”. Uma festa na
“Esmeralda”. O Chaves mandou fazer uma fantasia de “Tenente do Diabo”. Manias de
velhos carnavalescos. Correio do Povo, Porto Alegre, 8 de fev. de 1948.
MORTE atinge as Letras e as Artes. Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 13 ago.
1969, p. 6.
MÚSICOS falecidos em 1969. Almanaque do Correio do Povo, s.l., 1970, p. 274.
OUÇA, hoje. Professor Dante Santoro PRE-8. A Noite, Rio de Janeiro, 22 fev. 1937, ed.
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PIANTA, Dante. O maestro Otávio Dutra e a Música Popular de sua época. Diário de
Notícias, Porto Alegre, 24 ago. 1975.
PAPEL Carbono revela artistas de valor. Revista do Rádio, Rio de Janeiro, 3 julho
1951, Ano IV, ed. 95, p. 37.
PIXINGUINHA estará amanhã no chorinho. Show Noite do Choro. Diário de Notícias,
Rio de Janeiro, 22 dez. 1968, ed. 14137.
PROGRAMA Divertimentos Lever. Charge. A Noite, Rio de Janeiro, 13 maio 1939,
Edição 9790, p. 13.
PROGRAMMA Único. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 05 dez. 1935, ed. 288, p.
10.
PROGRAMA Lopes S.A. Desafio Dante Santoro e Joca do Pandeiro. A Noite, Rio de
Janeiro, 14 nov. 1939, ed. 9972.
RÁDIO Club do Brasil. Programação. A Batalha, Rio de Janeiro, 16 dez. 1933, ed.
1166, p. 4.
219
RÁDIO Club do Brasil. Programação. A Batalha, Rio de Janeiro, 12 jan. 1934, ed.
1186, p. 4.
RÁDIO Club do Brasil. Programação. Diário Carioca, Rio de Janeiro, 16 jan. 1934, ed.
1674.
RÁDIO Cruzeiro. Programação. A Batalha, Rio de Janeiro, 02 jun. 1937, ed. 3317, p. 5.
RÁDIO Sociedade do Rio de Janeiro. Programação. A Esquerda, Rio de Janeiro, 18 abr.
1928, p. 4.
RITMOS Populares, Programa. A Noite Ilustrada, Rio de Janeiro, 13 set. 1938, ed. 482,
p. 26.
TARDE Brasileira. Os que vão a Sevilha (Bohemios Brasileiros). A Noite, Rio de
Janeiro, 03 jul. 1929, ed. 6332, p. 8.
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5.
SANTORO, Godofredo. Cartas à redação. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 16 ago.
1969, ed. 23415, p. 9.
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220
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2012. Dissertação (Mestrado em Música) - Escola de Música da Universidade Federal
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2009. Tese (Doutorado em Música) - Escola de Música da Universidade Federal da
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BORNE, François. Fantaisie Brillante sur Carmen. Paris: Choudens, s.d. [1880].
CARRASQUEIRA, Maria José (Org). O melhor de Pixinguinha. São Paulo: Vitale,
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. O livro de Pattápio Silva – obra completa para flauta e piano. São
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GÉNIN, Paul-Agricole. Fantaisie Variée Carnaval de Venise, op. 14. Paris: Gérard
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SANTORO, Dante. ÁLVARES, Corintho. Murmúrios D´alma (valsa-canção). São
Paulo/Rio de Janeiro: E.S. Mangione Editor, s/d. 1 partitura (2 p.). ESM 1324. Canto e
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. No bar do Oswaldo (choro). Rio de Janeiro: Edições Euterpe Ltda, 1954. 1
partitura (1 p.). Cat. 246. Flauta.
. Delírio chinez (dança oriental). Rio de Janeiro: Edições Euterpe Ltda, 1954. 1
partitura (1 p.). Cat. 245. Flauta.
. É logo ali (polca-choro). In: Álbum 84 Chorinhos Famosos, p. 25. São
Paulo/Rio de Janeiro: Irmãos Vitale, 1938. 1 partitura (1 p.). 24-Diversos. Flauta e cifra.
. É logo ali (polca-choro). In: Álbum n. 1 - Sólos de Flauta. São Paulo/Rio de
Janeiro: Irmãos Vitale, s.d. Flauta.
. Esquecimento (choro). In: Álbum 84 Chorinhos Famosos, p. 32. São
Paulo/Rio de Janeiro: Irmãos Vitale, 1938. 1 partitura (1 p.). 24-Diversos. Flauta e cifra.
. Esquecimento (choro). In In: Álbum n. 1 - Sólos de Flauta. São Paulo/Rio de
Janeiro: Irmãos Vitale, s.d. Flauta.
. Gilka (valsa de concerto). In: Álbum n. 2 – Coleção Seresteiro. São Paulo: E.S.
Mangione, s.d. Flauta.
. Horas tristes (valsa-canção). In: Álbum n. 1 – Coleção Seresteiro. São Paulo:
E.S. Mangione, s.d. Flauta.
. Inferno de Dante (choro). In: Álbum n. 2 – Coleção Seresteiro. São Paulo:
E.S. Mangione Editor, s/d. Flauta.
. Murmúrios D´alma (valsa). In: Álbum n. 1 – Coleção Seresteiro. São Paulo:
E.S. Mangione Editor, s/d. Flauta.
. Não tem pra ti (choro). In: Álbum n. 2 – Coleção Seresteiro. São Paulo: E.S.
Mangione Editor, s/d. Flauta.
. Nena (valsa de concerto). In: In: Álbum n. 1 - Sólos de Flauta. São Paulo:
Irmãos Vitale, s.d. Flauta.
. Quando a minha flauta chora (choro). Rio de Janeiro: Casa Carlos Wehrs,
s/d. 1 partitura (2 p.). SBAT 99. Piano.
. Scylla (valsa). São Paulo/Rio de Janeiro: Irmãos Vitale, 1941. 1 partitura (2
p.). I.6760V. Piano.
. Só na minha flauta (choro). In: Álbum n. 1 – Coleção Seresteiro. São Paulo:
E.S. Mangione Editor, s/d. Flauta.
Partituras manuscritas
SANTORO, Dante. Inferno de Dante (choro). Arr: Adalto Silva. Manuscrito de Adalto
Silva, 1957. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Flauta solo, 2 sax
alto, 2 sax tenor, 3 trompetes, trombone, contrabaixo e bateria.
SANTORO, Dante (ETNAD). Flauta selvagem (choro). Manuscrito autógrafo, s.d.
Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Flauta e clarone.
SANTORO, Dante; JOCA; JACARÉ. Primavera Carioca! (marcha). Manuscrito
autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Canto e piano.
. Primavera Carioca! (marcha). Arr: Pixinguinha. Manuscrito autógrafo
de Pixinguinha, 1937. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. 2 sax
alto, sax tenor, 2 trompetes, trombone, contrabaixo.
SANTORO, Dante; LUIZ; NELSON. Prece de amor (samba- canção) ou Beijos vis.
Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ.
Canto e piano.
SANTORO, Dante. Antes só! (batucada). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da
Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Melodia canto.
. Bagaço (choro). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto
Nepomuceno, EM/UFRJ. Melodia.
. Betinho (choro). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto
Nepomuceno, EM/UFRJ. Flauta.
. Bolero (samba). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto
Nepomuceno, EM/UFRJ. Melodia.
. Carnaval mais lindo (marcha). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca
Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Melodia.
. Castigando (choro). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto
Nepomuceno, EM/UFRJ. Flauta.
. Chorando o passado (samba). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca
Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Canto e piano.
. Chorinho Gostoso (choro). Manuscrito de autor desconhecido, s.d. Acervo da
família Santoro. Flauta, violino, violoncelo e contrabaixo.
. Delírio chinês (dança oriental). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da
Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Melodia.
. Delírio da saudade (valsa canção). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da
Biblioteca Alberto Nepomuceno, EM/UFRJ. Melodia.
. Esquecimento (choro). Manuscrito autógrafo, 1923. Acervo da família Santoro.
Flauta e piano.
. Exaltação (valsa). Manuscrito autógrafo, s.d. Acervo da Biblioteca Alberto
Nepomuceno, EM/UFRJ. Flauta.
228
Gravações CDs
Gravações 78 RPM
DANTE SANTORO. Não tem pra ti (choro) e Teu feitiço (choro). Odeon 13.105, p.
1951. 1 disco 78RPM.
. Silencioso (choro) e Vidas mal traçadas (valsa). Odeon 12.920, p. 1949. 1
disco 78RPM.
. Castigando (choro) e Sonho (valsa). Odeon Veroton 12.292, p. 1943. 1 disco
78RPM.
. Mate amargo (polca) e Posso sofrer (valsa). Sinter 00-00.482, p. 1956. 1 disco
78RPM.
. Martírios (valsa) e Inferno de Dante (choro). Victor 34.207, p. 1937. 1 disco
78RPM.
. Alma de Beduíno (choro) e Teu feitiço (choro). Victor 34.620, p. 1940. 1 disco
78RPM.
. Nair (valsa) e Nena (valsa). Victor 33.991, p. 1935. 1 disco 78RPM.
DANTE SANTORO E SEU REGIONAL. Suzana (valsa). Acervo Família Santoro, sem
lançamento comercial. 1 disco 78RPM.
. Harmonia selvagem (choro). Acervo Família Santoro, sem lançamento
comercial. 1 disco 78RPM.
. Wilma (valsa) e Amigo (choro). Odeon 13.189, p. 1951. 1 disco 78RPM.
. Nêga suspira (baião) e Deixa ele (choro). Odeon 13.328, s.d. 1 disco 78RPM.
. Quando eu for bem velhinho (baião marcha) e Inferno de Dante (choro). Odeon
13.409, s.d. 1 disco 78RPM.
. Lamento árabe (bolero) e Estudante (choro). Odeon 13.505, p. 1953. 1 disco
78RPM.
. Deixa pra lá (polca) e Maria Rosa (valsa). Odeon Veroton 12.736, p. 1946. 1
disco 78RPM.
. Delírio chinês (dança oriental) e No bar do Oswaldo (choro). Sinter 00.00326,
s.d. 1 disco 78RPM.
233
CRUZ, Plauto. Depoimento oral concedido em sua residência. Porto Alegre, 2011.
D´AVILA, Milton. Entrevista realizada na residência do entrevistado. Ubá, 2012. 1 CD
(60 min)
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